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MANIFESTAÇÕES MODERNAS DA HISTERIA: NOVOS SUBSTRATOS DA

CONSTITUIÇÃO FEMININA EM MULHERES ALTERADAS, DE MAITENA

ARAGÃO, Ana Carolina Souza da Silva1

NASCIMENTO, Silvana Neves do2

RESUMO: A histérica padece do desconhecimento essencial de seu ser, buscando verdades

que consigam lhe restituir o que julga terem lhe privado, quer ter acesso à verdade

fundamental sobre sua própria constituição. Enquanto mulher, ela duvida se é realmente uma,

na medida em que só se reconhece enquanto tal numa relação de alteridade e semelhança com

outra. Apesar desse mal-estar proveniente da falta que constitui o advento de todo sujeito -

seja homem ou mulher -, a sociedade de consumo ofereceu às mulheres uma nova forma de

lidar com essa insatisfação sexual. Partindo desses pressupostos, este artigo se propõe a

perscrutar as manifestações histéricas da mulher moderna na contemporaneidade a partir da

leitura das vinhetas Mulheres Alteradas, da quadrinista Maitena Burundarena. Essas

narrativas constituem nosso corpus porque endossam questões da natureza subjetiva da

mulher moderna, concentrando-se na realização sexual e profissional, desejos, pulsões, no

consumo em massa e, especialmente, na anorexia.Adotamos a concepção de histeria a partir

dos estudos freudianos sobre os conflitos psíquicos que causam a repressão sexual e,

consequentemente, consideraremos os sintomas como substitutos da insatisfação sexual, mas

esses conceitos irão receber outros contornos, já que a histeria feminina acompanha as

transformações históricas da linguagem e da cultura. Torna-se nosso objetivo então (re)

conhecer esses novos substratos da histeria feminina na modernidade a partir das

representações literárias do ser nas narrativas de Maitena. A metodologia empregada nesse

trabalho é de cunho bibliográfico e hipotético-dedutivo, baseando-se nas leituras de Freud

(1895), Pollo (2003), Ramos (2010), Zalcberg (2007), entre outros. As leituras analíticas dos

quadrinhos apontaram que seus elementos constitutivos de significação condensam uma

preocupação em localizar e posicionar a sexualidade da mulher que se revela, muitas vezes,

perdida e confusa em sua dinâmica identificatória, não sabe o que é, não sabe ou não quer

saber da castração, ou ainda, se deseja.

PALAVRAS- CHAVE: Psicanálise. Literatura. Histeria. Mulher Moderna.

1. Introdução

O sujeito moderno é marcado por um processo de hibridização cultural que o faz

clivado, dividido, instável. Prismado por novas formas de pensar que o consumo em massa e

o processo de modernização instauram, o indivíduo adota novas formas de se comportar e de

agir, em especial, o sujeito feminino que busca um espaço social e cultural independente do

homem além de tentar se desvincular ideologicamente deste, já que durante muito tempo, na

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras, linha de pesquisa Linguagens e Cultura, da

Universidade Federal da Paraíba. Membro do CEAD-PB. E-mail: [email protected] 2 Mestranda do Mestrado Profissional em Formação de Professores, linha de pesquisa Prática de Leitura e

Produção de Texto, da Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: silvananevesdo [email protected]

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cultura ocidental, “... o lugar reservado às mulheres é o lugar da sombra, do esquecimento,

(...) um “não-lugar” (ZALCBERG, 2007, p. XI). Partindo dessa busca por um lugar social,

essa falta essencial que constituiu a mulher e unindo-se a outra falta a qual pertence qualquer

sujeito - sendo ele homem ou mulher, uma vez que ambos estão submetidos à castração, - as

mulheres ascendem à luta por direitos essenciais e por mais participação política.

Sobre essa falta de um significante específico para o sexo feminino, Freud reconhecerá

na histeria uma maneira de lidar com a castração ao substituir a satisfação sexual pela

satisfação dos sintomas.3Atualizamos aqui o conceito freudiano de histeria aplicando às

questões scrito sensu da modernidade visto que os sintomas apresentados hoje diferem dos

primeiros - que eram essencialmente físicos - apesar de boa parte de seus conflitos internos

permanecerem os mesmos. Trataremos de um modo especial, o consumo de massa e a

modernização como partes fundamentais desse novo contexto em que a histeria feminina

acontece reconhecendo suas manifestações sintomáticas modernas imersas nesse novo

processo de subjetivação que a contemporaneidade instaura.

Levando em consideração o dito, constituímos como problemática para esse artigo

situar a histeria feminina na contemporaneidade a partir das representações da mulher

moderna nas narrativas gráficas da cartunista e quadrinista Maitena Burundarena. As vinhetas

dessa argentina apresentam em suas composições temáticas questões do universo feminino

que contemplam desde as pulsões e desejos sexuais, a problemática da subjetivação, o espaço

social e cultural da mulher quanto às relações de alteridade e reconhecimento. Portanto, torna-

se nosso objetivo reconhecer como as representações ali delineadas traduzidas em som,

imagem e palavra demonstram os sintomas da histeria feminina e quais novas configurações

esse estado psíquico desenvolve na mulher moderna.

Tomamos o método qualitativo para o desenvolvimento desse estudo já que este busca

responder os "porquês", investigar conceitos, motivações que antecedem ou estão presentes

no comportamento do individuo e na formação das suas representações. Para tanto, faremos

uso da pesquisa de base bibliográfica quando revisitaremos os estudos de Freud (1895), Pollo

(2003), Ramos (2010), Zalcberg (2007), sem interditar “outras” vozes que façam parte desta

leitura como a teoria que envolve os estudos de arquétipos e símbolos literários (Campbell,

Melinski).

2. O lugar da cultura e da história no processo de significação da histérica

contemporânea

Quando a pós- modernidade 4se firma no cenário mundial ocorre a quebra de velhos

estigmas e um deles diz respeito à noção de sujeito unificado e fixo. Além da derrocada dessa

concepção, outra ideia adjunta toma espaço para novas discussões no âmbito dos estudos

culturais: a identidade do sujeito, em especial, o moderno. Em relação a esse sujeito, Hall

(2006, p.9-10) estabelece dúvidas sobre a existência de fato do seu caráter universal que o

Iluminismo5 pregoava e acrescenta ainda que o sujeito pós-moderno apresenta múltiplas e

inacabadas identidades que interagem com os sistemas culturais com os quais tem contato.

3Vale lembrar que estamos falando das mulheres histéricas que apresentavam os sintomas clássicos da época

(paralisias musculares, afasias, convulsões etc.).

4 Trataremos a modernidade e a pós-modernidade como um mesmo período: o contemporâneo

5 Hall apresenta esse sujeito como pessoa unificada, estável, centrada e fixa. O sujeito ainda detinha a

razão e nascia com uma identidade pré-fixada e imutável.

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Diante desse conceito de novas identidades e de sujeito fragmentado, a inexistência de

uma concepção única sobre o indivíduo provoca profundas transformações nos estudos sobre

os grupos sociais e culturais visto que o indivíduo é encarado como sujeito em constante

busca por si, e por algo que o defina, o estabeleça, por um sentimento de pertencimento. É

característica própria dessa modernidade a busca por algo que o defina enquanto sujeito como

também lhe é constituinte essa incompletude, essa falta. Dessa forma, o indivíduo moderno é

lançado em uma jornada infinita em busca de si, de uma subjetivação ao mesmo tempo em

que sabe que nada o preencherá completamente visto que todo sujeito é constituído pela falta

primeira, a insatisfação sexual derivada da castração que o acompanhará por toda a vida.

Nessa busca incessante por si, temos a mulher galgando novos espaços sociais e

culturais e tentando se definir enquanto sujeito independente, à procura de contornos de si, da

sua essência enquanto indivíduo. São marcas desse processo de subjetivação a provisoriedade,

a fragmentação, a contrariedade e a multiplicidade de identidades que um sujeito – feminino

ou masculino - pode assumir conforme as posições sociais, culturais, políticas e históricas que

ocupa. (HALL, 2001)

Quando propomos observar as formas de representação feminina em Mulheres

Alteradas, de Maitena, é justamente para entender como a produção dessa verdade sobre a

mulher moderna enquanto sujeito que acumula papéis sociais (mãe, dona de casa, esposa,

trabalhadora, estudante, pesquisadora, etc.) e que é representada normalmente como uma

mulher livre de conflitos existenciais, é desconstruída e subvertida em novos percursos de

significação sobre o ser mulher, uma concepção liquefeita e múltipla percebida nas mais

variadas situações cotidianas da mulher comum. Nas Mulheres Alteradas, de Maitena, esse

mito sobre a mulher moderna é desconstruído pelas imagens, pela palavra, pela voz feminina

que é angustiada pelas mesmas questões seculares concomitantemente com a construção de

um novo perfil, um novo comportamento perante essas angústias. A respeito do

comportamento, seguimos a ideia de Geertz em A interpretação das culturas (1978), quando

acreditamos que esse elemento é simbólico e, portanto, tenha que ser interpretado como um

traço culturalmente definido. Para tanto, adotaremos o seu conceito de cultura:

O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico.

Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado às

teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo estas

ideias e sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca

de lei, mas como uma ciência interpretativa, à busca de significado. (1978,

p.15)

A cultura, por esse entendimento, teria duas formas: o comportamento que é ação

simbólica e seu sentido que é coletivo. Assim o sistema cultural seria repleto de elementos

interpretáveis que devem ser descritos enquanto contexto o qual o ser humano está inserido.

Conforme as necessidades eminentes do objeto escolhido, optamos pela leitura dos elementos

constituintes de sentido dos quadrinhos observando uma teoria que lhe é própria, levando em

consideração que essas narrativas são compostas por unidades de significação distintas

(palavra, som e imagem) que conjuntamente constroem um todo significativo. Em outras

palavras: procuraremos descrever e explicar o que o texto dissoluto em palavra, voz e imagem

diz e como ele faz para dizer o que diz, priorizando o estudo dos mecanismos intradiscursivos

e extradiscursivos de constituição do sentido. Apenas optou por olhar, de forma privilegiada,

numa outra direção. Percorreremos os planos da narrativa então em busca desses elementos

culturais que fazem a mulher moderna e refratam os sintomas da histeria feminina nesse novo

acontecimento.

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3. A histeria na mulher moderna: velhos transtornos, novas roupagens

Freud modifica ao longo da sua construção teórica e pelas experiências que vai

adquirindo junto a suas pacientes, a sua concepção sobre a etiologia da histeria, passando dela

como resultado de um trauma advindo de uma situação real de sedução, para uma fantasia de

sedução relacionada com os desejos sexuais das pacientes. Mas quão atual continua os

estudos de Freud sobre a histeria? Como percebemos os novos sintomas acontecendo nesse

contexto novo que inaugura a contemporaneidade quando a mulher passa a ter um espaço

social, cultural, político e econômico diferente? Entendamos como a época moderna modifica

a forma de agir e pensar femininos para compreender essa mudança nos sintomas histéricos já

que a histeria também acompanha as transformações de linguagens e históricas humanas.

A época moderna se caracteriza por ser um período em que as figuras emblemáticas de

autoridade vão lenta e progressivamente sendo destruídas. O advento da modernidade com

seus grandes ícones culturais desiludidos, religiosos desacreditados, governantes corrompidos

favorecem um novo tempo e características básicas de novas imagens de autoridades muito

mais fragmentadas. Dentro desse novo contexto, o que pode se observar é que o histérico se

comunica consigo mesmo e com os outros através das formações sintomáticas.Essa

capacidade que o histérico tem de criar, manifestar e expressar os sintomas o impossibilita de

utilizar sua capacidade mental psíquica, como também de fazer uso da afetividade na relação

com o outro e com o objeto. O permanecer em “branco” para o histérico consiste em estar

ausente de si, com os sintomas que o ajudem a camuflar essa lacuna, a justificá-la. Desse

modo, pode-se dizer que a vida do histérico é um permanente de renúncias e, por isso, ele

recusa a relação total e retorna à segurança da qual lhe oferece este “branco”, tornando a

negação de si e do objeto uma constante. “No histérico, o medo fundamental é o da rendição

psíquica ao objeto, o histérico obriga seu ambiente a agir sobre ele,ou para ele, mas

permanece inacessível à mutualidade de um diálogo psíquico e de uma partilha.”(Masud,

1997, p. 57). Assim torna-se uma tarefa inalcançável a da histérica em se identificar com algo

que não existe, com algo que não se tem, com a falta, com o vazio. Então a histérica se joga

nessa jornada em torno da obstinação de querer reparar a própria falta e a do outro, ela se

engaja no objetivo de tornar o outro perfeito e ela também, e aí ela encontra seu limite. A

histérica tem uma demanda fálica, um desejo de reconhecimento, por isso ela sempre está

numa relação amorosa sem precisamente estar, como se ela deixasse a todo tempo uma

“saída”. Desse modo, quanto mais difícil o parceiro, mais ela se assegura de que aquele

parceiro é o ideal.

Em se tratando desse sujeito histérico feminino moderno, o seu corpo é um espaço de

sofrimento, é o corpo-dor que simboliza não só a divisão do sujeito em relação ao sexo -

homem/mulher -, mas também a impotência do prazer totalizante, a paralisia diante do desejo

do Outro, as cicatrizes do gozo deixadas pelos traumas, as marcas de saudade do prazer

absoluto que nunca acontece. A histérica pede deciframento, solicitando que o outro fale dela

e o faz através dos sintomas.

Na contemporaneidade, podemos dizer que não temos mais as histéricas reprimidas de

outrora que se caracterizavam pelas denúncias de uma repressão que quase já não existe mais.

O que existe é uma liberação geral de impulsos humanos que sempre se procurou repulsar e

manter indisponíveis nas profundezas do inconsciente, mesmo que nem sempre houvesse

sucesso. Refletindo historicamente, nada deslocou tanto a mulher de seu antigo lugar social e

cultural quanto às modificações culturais da segunda metade do século XX, ela ganha uma

maior representatividade no mercado de trabalho e com as pílulas anticoncepcionais - que

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permitem separar prazer e maternidade-, controla o próprio destino, entre outras liberdades

instauradas pela modernidade.

Estes novos fatores de reposicionamento social modificaram radicalmente a forma

como a sociedade enxerga a mulher e como ela se vê, entendemos assim que o fenômeno da

histeria também tenha se modificado em função disso. As formas de adoecimento com viés

histérico com as quais nos deparamos na clínica hoje são diversamente distintas, manifestadas

pelas anorexias, toxicomanias, depressões, pânicos e sintomas que beiram outras estruturas

psíquicas.

No discurso atual contemporâneo, o que encontramos no lugar da histérica

desmaiando e sendo socorrida, são outras figurações, outras formas de acontecimento

atualizadas nesse novo comportamento que configura o indivíduo moderno. São figuras

como o desamparo, o mal-estar social, cultural, a depressão que da mesma forma que os

sintomas físicos denunciavam o arranjo da cultura repressora antes da modernidade, essa nova

onda de sintomas pode ser vista como resultado de quadros psicopatológicos que emergem da

títere dramática e desesperançada da cultura pós-moderna.

Mesmo tendo em outros tempos os desmaios como um sintoma histérico, estes não

desapareceram totalmente, mesmo numa era de comunicações, expressões sintomáticas

diferentes – de outrora e de hoje - convivem lado a lado: assim, podemos ver moças

desmaiarem em vez de dar a notícia que estão grávidas, em famílias para as quais a

"maternidade" e a "virgindade" continuam constituindo os troféus fundamentais e irreparáveis

da feminilidade. Como também é possível, nessa mesma época, ver uma jovem definhar, seu

corpo inteiramente reduzido, pelo complexo da anorexia, sob o império da "cultura light", que

estabelece o "estar em forma" como imperativo máximo de saúde e beleza, seguindo uma

receita da globalização atual.

Apesar dos abismos diferenciais em seus conceitos, há algo em comum nesses dois

acontecimentos sintomáticos: o corpo como lugar de expressão daquilo que não consegue ser

dito, que é reprimido ou ocultado mas que precisa ser revelado. Torna-se imprescindível

reconhecer a diversidade sintomática que acompanha as diferenças das conjunturas familiares

ou microssociais marcantes em uma dada época, não podemos deixar de reconhecer (em se

tratando da histeria) a forma de apresentação dominante em cada momento histórico, o que

reproduz verdadeiras "ondas" ou "epidemias".Desta forma, ao relacionarmos historicamente

os sintomas da histeria, nos foi possível localizar que o desejo da histérica está além de seu

controle e que nada pode aplacar sua constante e insaciável rede de queixas. Ela traz como

características o ideal de perfeição, o discurso idealista, a marca da insuficiência estabelecida

pela ausência, pela castração, pela insatisfação. A histérica mostra que frente à sexualidade

não há saber, e a sexualidade fala desse desencontro, desse desejo insatisfeito que a

acompanhará sempre.

4. Um olhar sobre as Mulheres Alteradas, de Maitena: construções sobre a histeria

moderna

Em Mulheres Alteradas, Maitena procura representar, normalmente num único

quadro, assim como em uma vinheta, situações cotidianas comuns ao universo feminino: o

estético, o profissional, o pessoal, o amor, o divórcio, a solidão, a educação dos filhos, a

preocupação com o envelhecimento, enfim, os problemas e contextos da modernidade que

comumente afligem as mulheres ocidentais.

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O público- alvo dessas tiras constitui-se de mulheres que estão entre a adolescência e a

terceira idade, justamente por serem elas representadas mais diretamente nas tiras, mas os

homens também se tornam leitores de suas histórias por identificarem as mulheres de sua

convivência nas personagens das narrativas gráficas.

Segundo Paschoarelli

O aspecto gráfico dos desenhos é disforme, foge aos padrões de beleza,

traduzindo o feio, o exótico, desviando-se das normas-padrão, como para

representar uma realidade mais palpável e próxima dos problemas e da

aparência verdadeira das mulheres. (2008, p.13)

Como autora busca representar as formas femininas mais diversas, inclusive seus

complexos, preocupações e doenças da modernidade, como a anorexia, elegemos seus

quadrinhos como observatório dessas manifestações psíquicas. Assim, tomando a anorexia

como um sintoma moderna da histeria, passaremos a observação das tiras e a leitura seus

percursos da narrativa na busca da visualização e compreensão da anorexia como um sintoma

da histeria moderna.

Nessas vinhetas, é frequente o retorno às questões de alimentação. A mulher

representada de maneiras as mais diversas, sem receber nome específico, indica uma

universalidade das projeções femininas, das suas múltiplas e inacabadas identidades. As

situações colocadas correspondem a diversas possibilidades de acontecimento em que as

leitoras mais atentas verão sua própria face ali representada e daí nasce ampla aceitação da

obra pelo público.Ao falar de sua falta de apetite, de seus vômitos, do excesso de peso, das

dietas, da necessidade constante e incessante de emagrecimento a mulher aponta para a

anorexia nervosa, um dos mais freqüentes quadros psicopatológicos da mulher moderna. Não

há demanda de objeto, mas de amor. Ao recusar o alimento ela faz existir algo além do objeto,

que é o amor. A psicanálise nos mostra que o anoréxico é uma condição de ausência, de falta

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porque faz com que seu desejo se mantenha na insatisfação e seu gozo advenha da privação.

“Gozo a menos”, na expressão de Freud, que o diferencia do “gozo a mais” da neurose

obsessiva.

As perguntas excessivas sobre sua própria aparência indicadas no quadrinho 01: “Por

que não se instalam nos peitos? Hein?” “Ou nas panturrilhas? Hein” são comuns à sociedade

moderna presa aos valores estéticos do corpo ideal. Há uma gradação do envolvimento das

personagens com o próprio corpo e o que se manifesta inicialmente como comum torna-se ao

longo das demais historietas um prefácio à anorexia. As justificativas para um corpo em

disformidade com as idealizações atuais de beleza continuam na segunda vinheta quando a

mulher culpa o casamento e a maternidade para essas “deformações” corporais e associa a

beleza ao status de solteira. A histérica, de uma maneira geral, vive irremediavelmente num

estado latente de insatisfação que não se restringe unicamente ao registro sexual se

estendendo para outras esferas da vida, e geralmente isto acontece de uma maneira dolorosa e

sofrida. Contudo, a despeito desse sofrimento, a histérica agarra-se à sua insatisfação, porque

esta condição lhe garante a inviolabilidade fundamental de seu ser. Quanto mais insatisfeita

ela está, mais protegida das ameaça de um gozo ela estará, lembrando que para ela o gozo

total pode ser um risco de desintegração e loucura.

Na terceira vinheta uma nova personagem traz à tona os conflitos psíquicos e físicos

que a anorexia causa: entre o corpo disforme e a fome eminente. Não haverá jamais, para uma

anoréxica, um equilíbrio entre a as duas entidades justamente porque a anorexia se configura

como uma nova modelagem dos casos de histeria descritos por Freud no século XX. Ao falar

da histeria e da estratégia do desejo insatisfeito, fala-se também da questão da anorexia, um

sintoma contemporâneo, como já dissemos, onde o sujeito, indiferente aos riscos de vida que

seus atos obstinados acarretam, segue comendo nada, um sofrimento tipicamente histérico. A

anoréxica mantém o seu saber fora de sua fala. Ela se torna tanto escrava do não comer,

quanto do seu não dizer. As confissões ficcionais de Maitena ocorrem tais como fluxo da

consciência. Há sempre um narrador ausente que atua como um informante da condição

feminina funcionando quase como uma legenda das ações. A interação com o outro nas

vinhetas é limitada e quando acontece é quase como um escape da consciência. Mas por que

afirmamos que ela não pode, ou o que ela não pode dizer? Sua boca vazia e fechada denota

uma crise em relação ao impossível de dizer,algo está impossível de ser dito.

No quarto quadrinho mais uma vez é posto em lados opostos o exterior do sujeito e o

interior do sujeito, dessa vez com a confirmação masculina. Os conflitos pessoais em que são

submetidas as mulheres alteradas, de Maitena, são temática de rápida absorção porque há uma

identificação. A preocupação com o físico é uma constante em seus quadrinhos, a anorexia e

os seus sintomas aparecem através do uso de pressupostos e subentendidos, assim como se

configura essa condição silenciada da mulher, a anoréxica normalmente esconde essa

condição do outro porque não assume para si mesma. No penúltimo momento dessa página,

percebemos explicitamente a presença da anorexia quando a personagem diz “...porque você

vomita cinco minutos depois de comer...” Neste sentido, podemos pensar na anorexia como

outra nova máscara que a histeria ganhou ao longo do tempo, não esquecendo que não

podemos chamar os sintomas alimentares de novos, pois estes já podiam ser observados no

decorrer dos séculos passados, inclusive em casos que o próprio Freud relatou, fenômeno que

para ele se encontrava em paralelo com a anestesia sexual da histérica. No entanto, não

podemos negar que houve um aumento considerável desta condição.

A compulsão alimentar, o desejo e a repulsa desse desejo aparecem mais uma vez na

última narrativa quadrinística quando uma mulher com fala nervosa – o excesso de hesitações

marcado pelo uso de reticências e reforçado pela expressão facial que sugere essa ansiedade –

pede inúmeros pratos distintos em um restaurante. Essa vinheta recebe a seguinte fala do

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narrador “Há uma coisa mais fácil que seguir uma dieta, abandoná-la”. A neurose pelo corpo

ideal, a busca por essa satisfação impossível – já que a anoréxica sabe que nunca chegará ao

corpo perfeito – marca boa parte dessas narrativas que se caracterizam como uma mimese

dessa sociedade moderna.

5. Últimas considerações

As depressões, síndromes do pânico, toxicomania e anorexia entre outras, são formas

dos sujeitos atuais, e com muita frequência as histéricas, de expressarem sua eterna

inadaptação aos ideais que lhe são impostos. Sem nunca conseguir alcançar os ideais de

feminilidade que são postos pela cultura atual, mesmo que se submeta aos mais diversos

procedimentos estéticos, médicos, psicológicos, entre outros, que prometem a ela este exato

resultado, a angústia se coloca em primeiro plano, pois isto tudo lhe confronta com a sua falta.

As Mulheres Alteradas, de Maitena representam o universo feminino multifacetado, desde as

questões profissionais, pessoais, os conflitos existenciais quanto às manifestações mais atuais

da histeria feminina – síndrome do pânico, depressão e, em foco nesse artigo, a anorexia.

Percebemos com a leitura das narrativas a confirmação de que o desejo da anoréxica,

em geral mulheres jovens, é querer que a insatisfação aconteça em toda parte, que só exista

insatisfação, da necessidade e do desejo. A anorexia consiste em não comer para não se

satisfazer, e não se satisfazendo o desejo permanece intacto. Vemos, portanto que a anorexia

pode ser vista como um manifesto contra qualquer satisfação e uma obstinada manutenção do

estado geral de insatisfação, de incompletude, do fracasso permanente do gozo total.A

anorexia pode ser entendida como uma roupagem nova para a histeria, pois tanto na histeria

quanto na anorexia observamos uma tentativa naive de fazer fracassar o saber médico, que faz

com que o desejo desta mulher seja posto ao controle através do corpo.

6. Referências bibliográficas

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O CONTATO DE LÍNGUAS, A INTERCULTURALIDADE E A ABORDAGEM

INTERCULTURAL

Genielli Farias dos SANTOS

UFPB-PROLING6

RESUMO: O objetivo desse estudo teórico é expor de maneira sucinta a partir da teoria

sociolinguística alguns reflexos ou fenômenos da problemática do contato de línguas, como

por exemplo, a variação linguística, a mudança linguística e a interculturalidade. O fenômeno

a que nos deteremos será o fenômeno da interculturalidade, caracterizado pelo contato de

línguas e cultura, já que trabalhamos numa perspectiva onde língua não pode ser dissociada de

cultura, de acordo com a mesma esses aspectos entram em interação, a interculturalidade

prima pela integração e convivência dos indivíduos. A partir da transmissão de ideias sobre

este fenômeno vemos que é necessária uma perspectiva intercultural e consequentemente nos

fixaremos em expor no âmbito educacional, a pedagogia intercultural. Para tal estudo nos

apoiamos em textos teóricos, dessa forma esta pesquisa teórica é de natureza descritiva. Este

trabalho está dividido em três capítulos. Esperamos transmitir nossas ideias sobre a temática

aqui proposta, lembrando que se trata de um estudo pautado nas concepções de língua e

sociedade da teoria sociolinguística tão conhecida e difundida, e almejamos assim causar uma

reflexão sobre esses temas aqui retratados, temas esses que se interelacionam.

PALAVRAS-CHAVE: contato de línguas; interculturalidade; pedagogia intercultural.

RÉSUMÉ : L´objectif de cet travail est exposer d´une manière bref à partir de la théorie

sociolinguistique, certains réflexes ou dês phénomènes de la problématique du contact de

langue, telles comme la variátion linguistique, le changement linguistique et l´interculturalité.

Le phénomène qui nous allons considérer et aussi nous fixer será l´interculturalité, caractérisé

pour le contact de langue et culture, depuis que travaillons sur une perspective ou la langue ne

peut pas être dissociée de la culture, ainsi cette phénomène defend l´integration et

cohabitation des individus. À partir de la transmission des idées sur cette réflexe nous voyons

que se fait nécessaire une perspective interculturel et par conséquent nous nous fixerons à

exposer dans le contexte éducatif, la pedagogie interculturel. Pour faire cet étude nous nous

soutenons en certains auteurs et ses oeuvres sur ce theme, alors cette recherché théorique est

de nature descriptif. Nous espérons transmettre nos idées sur le theme proposée ici, en

rappelant que cet étude est guidé pour les conceptions de langue et societé de la théorie

sociolinguistique bien connue et diffusée, ainsi nous avons l´intention de causer une refléxion

sur ces themes ici retraités et que se rapportent.

6 *Este artigo foi apresentado em uma disciplina do curso de pós-graduação em linguística da

Universidade Federal da Paraíba, chamado PROLING, em 2011, em nível de mestrado, dissertação

sob orientação da professora e doutora Rosalina Maria Sales Chianca.

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MOTS-CLES: Contact de langues; interculturalité; pédagogie interculturel.

1. Introdução

A lingüística aplicada segundo Marín se define da seguinte forma “se há constituído

como una ciência que busca investigar y explicar, través de métodos empíricos, el proceso de

adquisición de la lengua materna por sus hablantes, como también los problemas que estos

enfrentan al entrar en contacto con un otro idioma.” (MARÍN 2005 apud ARAÚJO, 2007).

Partindo dessa concepção de linguística aplicada de Marín que salienta a problemática do

contato linguístico, devemos dizer que este presente artigo é fundamentado numa área da

linguística que estuda a linguagem e a sociedade, a sociolinguística, mas que se envolve

também com o processo de ensino de uma língua, onde se enquadra a linguística aplicada.

Há algumas décadas vem emergindo um número cada vez maior de estudos na área do

contato de línguas e alguns fenômenos gerados por este contato, mas poucos estudos tem se

voltado para a problemática do contato de línguas e a necessidade de uma pedagogia de

ensino intercultural que contemple a realidade multicultural e multilinguística que vivemos.

Desse modo, é importante um estudo que preencha essa lacuna. Neste trabalho, pretendemos

discutir, de forma breve, a problemática do contato de línguas, a interculturalidade como

resultado desse contato linguístico e por fim discutir sucintamente sobre uma pedagogia de

ensino intercultural apoiada numa das principais expositoras dessa abordagem, a autora

Chianca (2001, 2002, 2007).

É importante ressaltar que este trabalho é um trabalho de cunho teórico e intenta

causar uma reflexão sobre a abordagem intercultural, à medida em que esta se faz necessária

devido ao contato linguístico, tendo como ponto de partida a esfera da teoria sociolinguística

mas também é um trabalho voltado para o âmbito educacional e as praticas sociais.

Para cumprir o nosso objetivo iremos expor um panorama histórico sobre a

sociolinguística, em seguida falaremos sobre o contato de línguas e o fenômeno da

interculturalidade gerado por esse contato, e para terminar discutiremos sobre a necessidade

de uma pedagogia intercultural e assim faremos uma breve exposição da abordagem ou

pedagogia intercultural. É importante dizer que este trabalho surgiu a partir de uma

inquietação nossa, onde pensamos que seria importante um trabalho que relacionasse a teoria

sociolinguística do contato de línguas com a abordagem de ensino intercultural. Nossa

metodologia se apresenta de forma simples, assim nos fixamos em textos teóricos de autores

como Fernandéz (1998), Tarallo (2005), Chianca (2001a, 2002b, 2007c), Godenzzi (2007),

(Speranza, Martinez 2009) onde nas referências serão citados.

Para tanto este trabalho está dividido em três momentos, no primeiro momento

apresentaremos de forma sucinta algumas noções de sociolinguística e as principais teorias

que versam sobre o contato de línguas. No segundo momento discutiremos sobre o contato de

línguas e a interculturalidade, tentando expor de forma clara e breve suas definições e

características. E no terceiro momento iremos expor o conceito da abordagem de ensino

intercultural, ressaltando a importância da mesma como tentativa de integralizar os indivíduos

e defender a diversidade existente em todo lugar e inclusive na sala de aula. E em seguida

teceremos as considerações finais.

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2. A teoria sociolinguística

Ao longo da história, foram propostas inúmeras concepções de língua e de linguagem.

E cada uma dessas concepções é respaldada de acordo com teorias cientificas. A nosso ver a

língua e a linguagem podem ser vistas de modo geral como expressão do pensamento, como

um instrumento de comunicação e como forma de interação. Mas na teoria sociolinguística,

língua e linguagem assumem outras definições, essas duas faculdades estão relacionadas com

a sociedade e são estas definições que vamos expor aqui à medida que traçamos um breve

panorama histórico da sociolinguística. A explanação a seguir faz parte da proposta de

Alkmin (2001), sobre a sociolinguística.

A sociolinguística teve seu estabelecimento em 1964 precedido pela atuação de

vários pesquisadores que buscavam articular a linguagem com aspectos de ordem social e

cultural. De acordo como Alkmin (2001) esses pesquisadores e alguns dos principais

precursores da teoria sociolinguística, são Hymes e Labov, seus trabalhos de grande destaque

são respectivamente: A Etnografia da fala, rebatizada mais tarde como A Etnografia da

Comunicação lançada em 1962 e em 1963 Labov publica seu trabalho sobre a comunidade da

ilha de Martha´s Vineyard, em Massachusetts, onde remarca o papel decisivo dos fatores

sociais na explicação da variação linguística. É importante ressaltar que a sociolingüística

nasce dentro de uma perspectiva interdisciplinar.

O termo sociolingüística fixou-se como já foi dito antes em 1964, na oportunidade de

um congresso organizado por William Bright na Universidade da Califórnia em Los Angeles

(UCLA). Segundo Bright a sociolingüística deve demonstrar a covariação sistemática das

variações lingüística e social e seu objeto de estudo é a diversidade lingüística.

A sociolinguística é antes de tudo uma área da linguística que estuda a linguagem e a

sociedade. É uma área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as

relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística.

Desse modo a concepção de língua retoma a noção de Saussure, ou seja, a língua é um fato

social é um sistema que é adquirido no convívio social, ela é concebida como um fenômeno

cultural, social, histórico. Dessa maneira ela se manifesta no uso, Saussure afirma que é um

produto social da faculdade da linguagem.

Hymes incorpora a instância social na qual o uso da língua está envolvido. O uso da

língua para Hymes estaria diretamente ligado à capacidade do individuo de usar

adequadamente a língua nos contextos sociais dos quais ele participa, ou seja, do nosso ponto

de vista a língua está ligada a sociedade, sociedade esta tomada como o lugar social em que a

língua se manifesta. Assim podemos ver que a língua nessa corrente linguística, é uma

instituição social e não pode ser estudada como um ato autônomo, “solto”, ela está

intrinsecamente ligada ao falante ou usuário, a identidade desse falante e ao contexto social. E

como afirma Tarallo (2005) “sujeito a variações de ordem fonológica, morfossintática,

estilística e/ou semântica”.

A teoria sociolinguística tem como foco o estudo da língua em seu uso real, e assim

de todas as formas de variação linguística e a mudança linguística. A língua como um todo,

deixa-se corromper pelos fatores externos, por exemplo, a língua de uma determinada região

apresenta modificações, características internas, manifestações verbais diferentes, esses

fatores externos são explicados pela variação linguística.

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Segundo Martelotta (2008), “a variação não é vista como um efeito do acaso, mas

como um fenômeno cultural motivado por fatores linguísticos e por fatores extralinguísticos

de vários tipos.” Em todo lugar ou comunidade de fala há variação linguística, ou seja, não

importa se é português ou inglês sempre irá existir as variantes que a população brasileira ou a

americana conhecem. Tomemos como variante a noção de Martelotta (ibid.) “o termo variante

é utilizado para identificar uma forma que é usada ao lado de outra na língua sem que se

verifique mudança no significado básico.” Ou seja, para mesma palavra temos duas

expressões estruturais diferentes, mas ambas tem significados equivalentes. Lembramos que o

termo variável, segundo Tarallo (2005) é concebida como um conjunto de variantes

linguísticas.

A variação é causada por fatores linguísticos e extralinguísticos. Os principais fatores

extralinguísticos são: localização geográfica dos falantes, os aspectos sociais como:

escolaridade, formalidade ou informalidade da situação da fala, a idade, classe social. Não nos

deteremos a explicar detalhadamente todos os fatores que corroboram a variação linguística e

nem as variáveis linguísticas, pois não é nosso objetivo. Mas é importante afirmar que embora

os falantes utilizem variantes é no contato linguístico com outros falantes de sua comunidade

de fala que ele vai encontrar o limite para a sua variação linguística individual. Encerramos

esse parágrafo com uma citação contundente de Possenti (2000) “(...) a variedade lingüística

é o reflexo da variedade social e, como em todas as sociedades existe alguma diferença de

status ou de papel entre indivíduos ou grupos, estas diferenças se refletem na língua.”

O contato de línguas é um dos grandes disparadores da variação linguística e desse

modo é um fator determinante da mudança linguística. O contato de línguas será o tema

abordado na próxima seção.

3. O contato de línguas e a interculturalidade

A problemática do contato linguístico é inserida neste estudo teórico, no âmbito

educacional e do contato cultural, ou seja, a cultura e a língua são indissociáveis e aqui serão

expostas e abordadas a partir dessas premissas. Lembramos que neste estudo a visão

educacional sobre a abordagem intercultural é o caminho onde almejamos chegar.

O contato de línguas está ligado ao bilinguismo, podemos dizer que é do contato

linguístico que se deriva a noção de bilinguismo e este pode ser individual ou social. Há

diversas definições de bilinguismo, baseado nas definições de Bloomfield (1933), Haugen

(1953,) Weinreich (1953) podemos perceber desde a noção de que o bilinguismo consiste no

domínio pleno, simultâneo e alternante de duas línguas até a noção de que o conhecimento de

uma segunda língua seja o nível que seja por parte do falante, já implica num individuo

bilíngue. O bilinguismo individual afeta os indivíduos como tais, é uma característica do

individuo, ou seja, é quando o individuo apresenta uma capacidade de alta de proficiência na

segunda língua. Já o bilinguismo social afeta as sociedades e as comunidades dos falantes.

Diz respeito dessa forma, a uma comunidade ou região onde se falam duas línguas. Segundo

Fernandéz (1998), o bilinguismo apresenta vantagens sociais notórias como pela facilidade

para estabelecer as relações mais diversas e gerais para a compreensão e conhecimento entre

povos e indivíduos.

Cuando el bilingüismo supone haber adquirido una segunda lengua

socialmente reconocida o prestigiosa y esta adquisición es vista como un

enriquecimiento personal, se habla de bilingüismo aditivo. Si, por el

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contrario, la adquisición de una segunda lengua responde a una necesidad

socioeconômica y comporta el alejamiento o el abandono de la primera

lengua y su sustitución por la nueva, estamos ante un bilingüismo

sustractivo.( FERNANDEZ, 1998)7

As noções de bilinguismo sustractivo e aditivo são expostas acima se referem a um

dos fenômenos causados pelo contato linguístico. Estas são situações de aquisição de uma

segunda língua onde quando adquirida de forma a somar, quando ela é vista como

enriquecimento pessoal é considerada como bilinguismo aditivo e quando implica o abandono

da primeira língua é chamada de bilinguismo sustractivo.

O contato de línguas provoca a variação linguística e a variação precede a mudança

linguística. Esse contato linguístico ocasiona diversos fenômenos, como já expomos acima ela

permite o bilinguismo, a variação linguística, consequentemente a mudança linguística. Mas

não nos deteremos a esses fenômenos ocasionais, o fenômeno que nos fixamos é a

interculturalidade.

O contato de línguas é algo bastante comum e é a realidade de muitos lugares. Num

mesmo espaço social e com a convivência de indivíduos falantes de uma língua e com

falantes de outra língua, o contato linguístico é inevitável assim como o contato cultural. A

nosso ver, a aquisição da competência de fala por parte desses falantes é algo que acontece de

maneira natural, mas que gera conflitos, desse modo preocupamos nos com uma visão que

contemple a questão da educação, o ensino de línguas, é preciso um aporte pedagógico que

contemple acima de tudo o respeito as línguas de contato e a valorização a diversidade dessas

línguas e da cultura dos povos, levando-os a pensar em sua língua como uma fonte de riqueza

linguística e cultural, ou seja, é necessário uma perspectiva e uma pedagogia intercultural.

Como disse Speranza em sua palestra sobre o contato de línguas (2012), “Se hace necesario

asesorar a los docentes sobre el valor cultural de las lenguas y variedades que conviven en un

mismo espacio social.” Dessa maneira compete ao professor no âmbito educacional

desenvolver uma pedagogia intercultural, já que é nas aulas de línguas que devemos explorar

a visão de mundo do aluno, a questão cultural das línguas e a possibilidade de desenvolver

uma identidade sociolinguística e cultural comprometida com a cidadania. Segundo Godenzzí

(2007) “é preciso que os indivíduos sejam capazes de interpretar o mundo e interagir em

sociedade”. (Tradução nossa). E a nosso ver é na sala de aula que temos a oportunidade de

tornar isso realidade através uma abordagem intercultural.

Na perspectiva intercultural o prefixo INTER, a nosso ver já retém muitas ideias,

como: interação, mudança, reciprocidade e trás a tona a noção de integração entre diferentes

populações ou povos. A interculturalidade primeiramente implica o respeito à diversidade,

visa à integração dos grupos no todo social, perante o individualismo. A interculturalidade

pressupõe a educação democrática e a superação dos hermetismos sociais nos quais os

indivíduos se fixam. Ela é contrária ao estabelecimento de uma cultura sobre a outra, de

acordo com a interculturalidade as culturas devem ser valorizadas e assim defende a posição

de que as culturas e as diversidades socioculturais devem ser vistas dentro de uma visão

integralizadora e serem levadas em consideração na convivência com o outro, desse modo ela

implica a convivência e a interação de culturas.

7 Quando ao bilinguismo supõe-se haver adquirido uma segunda língua socialmente reconhecida ou prestigiada e

esta aquisicão é vista como um enriquecimento pessoal, se chama de bilinguismo aditivo. Se, pelo contrário, a

aquisicão de uma segunda lingua corresponde a uma necessidade socioeconômica e implica o abandono da

primera língua e sua sustituicão pela nova, estamos diante de um bilinguismo sustractivo. Tradução nossa.

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4. A pedagogia intercultural e a sala de aula

A palavra aprendizagem, a qual é derivada do verbo aprender, tem origem do latim

(apprehendere, “compreender”). No pensamento de Piaget, a concepção de aprendizagem

estava vinculada ao processo de conhecimento, também denominado de processo cognitivo,

ou seja, através da inteligência o ser humano age, aprende e, “constrói conhecimentos que lhe

possibilitam uma interação cada vez melhor com o meio, por mais adverso que este lhe seja”

(cf. PIAGET, 1973, apud MIRANDA E COELHO). A nosso ver é necessário que no processo

de ensino e aprendizagem na sala de aula, sejam exploradas questões sociais, culturais,

acreditamos que esses aspectos são importantíssimos e permitem a construção de uma

identidade preocupada com o reconhecimento das diversidades.

A aprendizagem de uma língua estrangeira, no caso aqui uma língua de contato

apresenta ainda mais conflitos, pois em toda situação de contato linguístico há a preocupação

com as variedades linguísticas, ou seja, uma questão que se sobressai é esta: qual é a variante

correta para aprender e qual a variante linguística os docentes devem ensinar?. Acreditamos

que com relação a esta questão a resposta é simples, o ensino deve ser pautado na gramática

normativa, ou seja, na língua padrão. Como professores de língua estrangeira, acreditamos

que devemos ensinar a língua padrão, mas ressaltar sempre as variedades linguísticas

existentes naquela região, e ficar atenta a não propor um estereótipo negativo para essas

variáveis, então é importante sempre que possível ressaltar essas variações e não conceber a

estas a noção de que são erradas ou inadequadas e sim que representam apenas a variação

linguística presente num lugar e resultado da diversidade de línguas e culturas ou resultado do

contato entre duas ou mais línguas. O professor deve estar atento às representações que os

alunos possuem sobre a língua e a sociedade a qual elas pertencem, e desse modo promover

inclusive debates ou discussões sobre essa problemática, esse método pode promover a

consciência pluralista de mundo e desenvolver o respeito pelas línguas e a valorização de

todas as diversidades, ou seja, diversidade linguística, cultural, social por parte do aluno. É

preciso então que o professor possua sensibilidade a esses aspectos extremamente importantes

e que revolucionam os indivíduos.

Diante do exposto nos voltemos à questão intercultural. A interculturalidade está

presente assim como a variação linguística em todas as camadas e níveis sociais, mas além

dessas camadas, ela também se encontra presente de forma inconsciente dentro de uma sala de

aula, e cabe ao professor perceber que a sala de aula também é um lugar de diversas culturas,

e é ele quem se apresenta como mediador das trocas culturais e linguísticas. Dessa forma, a

pedagogia de ensino intercultural afirma que a aprendizagem da cultura e da língua estão

ligadas e vão de par em todos os níveis das trocas conversacionais, e assim deve ser de

interesse do professor fazer de seus alunos aprendizes sociais, futuros cidadãos atentos às

diferenças sociais e à diversidade das experiências culturais. A língua não pode ser dissociada

da cultura. A língua influência a forma como os indivíduos se comportam e percebem as

coisas, o mundo. A cultura é inerente à língua, a sua estrutura, a seu vocabulário, a suas

expressões e assim pode ser ensinada ao mesmo tempo que a língua. Afinal, o ensino de uma

língua é a transmissão não só da língua, mas também da sua cultura. A confrontação de uma

língua e uma cultura diferente pode dar ao aluno a ocasião de tomar consciência da

diversidade presente no interior de sua própria cultura, e assim lhe permitir uma redescoberta

de sua própria identidade cultural, essa redescoberta pode ter um impacto bastante fervoroso e

decisivo em sua integração social. Desse modo, podemos perceber que a pedagogia

intercultural pode promover uma abertura cultural e ressaltar no individuo como este se

percebe no convívio social.

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A abordagem intercultural busca a constante de diálogo, interação e reciprocidade

entre grupos diferentes, como fator de crescimento cultural e enriquecimento mútuo,

procurando, ao mesmo tempo, sustentar uma relação crítico-solidária entre eles e evitar todo e

qualquer tipo de discriminação e o desprezo a uma língua diferente. Segundo CHIANCA

(2001) “a variável cultural encontra-se presente em toda parte, não se limitando a alguns

aspectos do comportamento. Ela interfere de maneira determinante em todos os aspectos das

interações inter-pessoais (e em todos os níveis)”. Desta maneira, as diferenças oriundas do

meio e a diversidade das experiências culturais específicas aos alunos de uma sala de aula nos

permitem dizer que culturas entram em contato, originando a interculturalidade na sala de

aula.

Já falamos muito sobre a cultura como fator central da interculturalidade, mas ainda

não expusemos uma definição para cultura. Assim é necessário ressaltar sua definição,

tomemos como definição de cultura a concepção de Chianca (2007) que muito nos é útil nesse

estudo, segundo ela “a cultura designa os modos de vida de um grupo social, ou seja, suas

maneiras de sentir, de agir ou de pensar, sua visão de natureza, do homem, da técnica e a da

criação artística” (Tradução nossa).

A pedagogia intercultural oferece uma visão pluralista do mundo que visa suscitar

nos alunos o interesse pela cultura do outro e, ao mesmo tempo descobrir a sua própria

identidade, uma vez que não se dissocia língua de cultura. Com esta pedagogia percebemos o

“outro”. Com essa abordagem, podemos perceber que os alunos passam a se interessar em

compreender, através do convívio social e cultural, a aprendizagem da língua e as regras

linguísticas que são necessárias para estabelecer a interação comunicativa. Na interação

comunicativa as trocas linguísticas e culturais são inevitáveis e permitem uma nova e rica

experiência cultural aos alunos.

Enfim nós podemos dizer que a abordagem intercultural requer não somente o

ensinamento do código linguístico, mas também o conhecimento e a prática dos aspectos

sociolinguisticos e socioculturais, assim como requer também o comprometimento do

professor como agente mediador entre a língua, a cultura e a sociedade, afinal a língua é

produto da cultura e a cultura é apreendida em sociedade. A cultura é parte do contexto do

qual o aluno está inserido. A nosso ver, a língua estrangeira deve sempre ser vista dentro de

uma perspectiva intercultural, à medida em que os alunos trocam suas experiências é

inevitável que a visão de mundo e o conhecimento de mundo e assim as trocas culturais,

também não se ampliem.

4. Considerações finais

Neste trabalho foi exposta de uma maneira sucinta a temática do contato de línguas e

sua relação com a educação. Os temas tratados aqui apresentam uma amplitude enorme e

nesse artigo foram expostos e discutidos dentro de um contexto especifico. Nos propomos a

expor o contato de línguas e a interculturalidade no âmbito educacional, tentamos promover

uma reflexão sobre a abordagem de ensino intercultural. Dessa forma expusemos as

definições e caracteristicas da abordagem para que esta se torne mais difundida e vista como

uma opção para tanto os professores, quanto para os individuos de forma geral, que ainda não

tinham tido acesso a esta abordagem e enxergam o mundo com uma visão multicultural e

multilinguistica, que apresenta diversidades notórias.

Tendo em vista que este estudo tinha o intuito de causar uma reflexão sobre a

abordagem intercultural à medida em que esta se faz necessária devido ao contato linguístico,

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tendo como ponto de partida a teoria sociolinguística, concluímos que este estudo contribuirá

de forma significativa para os posteriores estudos que abordarão a temática aqui tratada.

Acreditamos na importância desse trabalho e ansiamos por mais estudos que tratem deste

mesmo enfoque, há ainda um longo caminho à percorrer, primeiramente para estabelecer

teorias especificas e contundentes sobre o contato de línguas e não menos importante é

necessário também visões que abarquem de um todo, todas as concepções aqui tratadas. Essas

concepções a nosso ver se interelacionam e um estudo nessa área é plausível e necessário,

acreditamos que todas as diferenças sociais, culturais e linguísticas vem à tona mais

precisamente na sala de aula, então isso torna a sala de aula como o lugar das trocas

socioculturais e linguísticas, assim como também a base para o despertar de uma consciência

altruísta nos indivíduos, já que a cidadania e o respeito ao outro são ensinados também na

escola, é preciso medidas que incorporem aspectos socioculturais e atitudes que evitem a

discriminação e proponha a aceitação da diversidade e da igualdade, desse modo vemos que

todo o futuro de uma nação comprometida com a igualdade entre os grupos sociais, depende

da educação, e é através da educação que formaremos cidadãos realmente sensibilizados com

a diferença existente entre a cultura, a língua e a sociedade, e a partir disso sublinhar e emitir

a importância que cada língua tem e não estimular desprezo ou desdenho entre umas com as

outras.

Portanto acreditamos em nossa reflexão crítica sobre todas as concepções aqui

expostas. Esperamos de modo geral que este estudo possa contribuir para a divulgação dos

saberes e das práticas diversas dessa esfera da sociolinguística. Esperamos também que este

estudo teórico estimule outros indivíduos a investir nessa mesma problemática abordada aqui

e que possa contribuir de alguma forma para posteriores estudos nessa área.

5. Referências

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O GÊNERO ENTREVISTA NO LIVRO DIDÁTICO E NAS PRÁTICAS DE

COMUNICAÇÃO ORAL: CONTRIBUIÇÕES PARA A AULA DE LÍNGUA

INGLESA

Deywhildson Luiz de OLIVEIRA8

(Universidade Federal de Campina Grande)

Laryssa Barros ARAÚJO9

(Universidade Federal de Campina Grande)

Prof. Ms.Vivian Monteiro SILVA (Orientadora)10

(Universidade Federal de Campina Grande)

RESUMO: Uma das mais notáveis dificuldades dos aprendizes estrangeiros de língua inglesa

(LI) que professores e pesquisadores da área costumam observar é a compreensão oral do

idioma. Considerando que a maior parte da exposição oral em sala de aula é baseada no

contato do aluno com áudios presentes no livro didático (como diálogos, trechos de filmes,

entrevistas, entre outras), esta pode, por vezes, criar uma barreira entre o aprendiz e as

práticas comunicativas fora do ambiente escolar, pelo fato desses áudios serem muitas vezes

bastante diferentes do que ocorre nas práticas sociais reais dos falantes. A partir do exposto, o

objetivo deste artigo é mostrar como o gênero entrevista pode contribuir para as práticas de

compreensão oral na sala de aula do idioma em questão. Para tal, analisamos duas entrevistas

- uma retirada do livro didático elementar New English File Elementary, editada

especialmente para o livro, e outra retirada do site Youtube, autêntica e espontânea - com o

intuito de investigar e destacar algumas características do texto falado (espontaneidade,

interpessoalidade e interatividade) presente em ambas. O principal autor utilizado como

referencial teórico para a pesquisa foi Thornbury (2005), por ele defender que a utilização do

áudio espontâneo na sala de aula é um fator facilitador na compreensão oral, mas também nos

respaldamos em outros autores tais como Ur (1984), Faria (2004), Field (1997) e Costa (2008)

para abordarmos tanto a questão das características da fala quanto para a caracterização do

gênero entrevista. Após essa investigação, será realizada uma pesquisa de campo com alunos

iniciantes do curso de Letras/Inglês da Universidade Federal de Campina Grande, com o

intuito de verificarmos em qual áudio os aprendizes apresentarão maior dificuldade de

compreensão. Posteriormente, será sugerida uma atividade que contemple um uso que

consideramos adequado desses áudios através do gênero entrevista.

Palavras-chave: entrevista, compreensão oral, autêntico, editado.

8 Deywhildson Luiz de Oliveira é estudante do quarto semestre do curso de Letras/Inglês na Universidade

Federal em Campina Grande, e integrante do grupo de pesquisa DILES (Didática das Línguas Estrangeiras). 9 Laryssa Barros Araújo é estudante do quarto semestre do curso de Letras/Inglês na Universidade Federal em

Campina Grande, e integrante do grupo de pesquisa DILES. 10

Vivian Monteiro Silva é professora Assistente da Universidade Federal em Campina Grande, integrante do

grupo de pesquisa DILES, e ministrante da disciplina Estudos de oralidade e escrita, cujas discussões deram

origem ao presente trabalho.

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1. Considerações iniciais

No processo de aprendizagem de língua inglesa (LI), uma das habilidades mais

difíceis de desenvolver é a compreensão oral de textos autênticos (Field, 1997), pelo fato de a

maior parte da exposição oral em sala de aula estar baseada apenas no contato com áudios

editados, elaborados especialmente para o livro didático. A proposta do material didático é

desenvolver nos estudantes habilidades comunicativas orais, tais como as práticas reais dos

falantes nativos, sendo esta realizada através de áudios editados. Este tipo de exposição

exaustiva a materiais desta natureza pode, por vezes, criar uma barreira entre o aprendiz e as

práticas comunicativas fora do ambiente escolar, pois os áudios editados distanciam-se do

áudio espontâneo. (Field, 1997; Thornbury, 2005; Ur, 1984)

Assim, acreditamos que os estudantes necessitam ter contato com áudios

autênticos desde os níveis mais elementares, para que possam interagir nas práticas sociais do

idioma estrangeiro de forma mais efetiva. Neste sentido, um trabalho adequado com gêneros

textuais se faz necessário, pois, por meio deles “o aprendiz pode compreender o

funcionamento sociointerativo das comunidades discursivas e as formas da língua em uso”

(Dell’Isola, 2009, p.106). Nesta pesquisa, especificamente, abordamos o gênero entrevista,

seus tipos, e como características da oralidade são mantidas ou perdidas dependendo do tipo

de entrevista que está sendo realizado.

A partir do exposto, o presente artigo tem por objetivo mostrar como o gênero

entrevista pode auxiliar no desenvolvimento de competências comunicativas e na

compreensão oral do idioma em questão. Para tanto, serão analisadas amostras coletadas a

partir de uma pesquisa de campo, com o intuito de constatar as dificuldades em trabalhar com

o áudio autêntico e, posteriormente, propor uma forma de se trabalhar este áudio no ensino de

língua inglesa em níveis iniciantes.

Primeiramente, apresentaremos a concepção de texto adotada na pesquisa bem

como as características do texto falado que nortearão a análise das entrevistas. Depois

abordaremos o gênero entrevista e sua importância para o desenvolvimento de determinadas

competências comunicativas do estudante de LI. Em seguida, abordaremos os pontos

positivos e negativos em se trabalhar com o livro didático (LD). Por fim, apresentaremos as

análises dos dados coletados.

2. A oralidade e o texto falado

A oralidade, “uma prática social interativa para fins comunicativos”

(MARCUSCHI, 2003, p. 25), pode se apresentar na realidade sonora de variadas formas, indo

desde uma realização mais formal a uma informal, em diversos contextos. O autor citado

também define fala como “uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos

na modalidade oral”, o que a inclui, portanto, no plano da oralidade. Sendo a fala “uma forma

de produção textual”, se faz necessário definir o que é texto.

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Thornbury (2005) define texto como “um fragmento contínuo de linguagem

falada ou escrita”11

(tradução nossa) e, a partir dessa definição, difere o texto escrito do texto

falado (objeto de nosso interesse) de acordo com suas características, dentre as quais podemos

mencionar: a espontaneidade, interatividade, interpessoalidade e relevância, que serão

exploradas adiante. Algumas dessas características do texto falado também são abordadas por

Ur (1984), porém divergindo em determinados aspectos. Dentre os aspectos típicos da

oralidade ressaltados pela autora, que os denomina de real-life listening (talk para

Thornbury), temos: propósito e expectativa, resposta, visibilidade do falante, pistas

ambientais, entre outras.

Sendo assim, adotaremos três das características do texto falado, segundo

Thornbury (op. cit.), que servirão de ferramentas de análise das entrevistas selecionadas, são

elas: a espontaneidade, a interpessoalidade e a interatividade.

A primeira característica do texto falado mencionada por Thornbury (ibidem), a

espontaneidade, marcada pela presença de pausas, repetições, falsos inícios e frases

incompletas, mostra a irregularidade típica do texto oral em termos de manutenção do tópico e

do ritmo, sobretudo nas conversações informais. Tais marcas também são contempladas por

Ur em sua abordagem ao tópico redundancy12

: "Redundant utterances may take the form of

repetitions, false starts, re-phrasing, self-corrections, elaborations, tautologies and apparently

meaningless addition such as 'I mean' or 'you know'" (op.cit.p.7).13

Ainda sobre conversação espontânea, encontramos a seguinte passagem em que

Ur (ibid) fala do caráter auditivo14

das conversações formais e informais:

“Spontaneous conversation, on the other hand, is jerky, has frequent pauses

and overlaps, goes intermittently faster and slower, louder and softer, higher

and lower. Hesitations, interruptions, exclamations, emotional reactions of

surprise, irritation or amusement, which are all liable to occur in natural

dialogue, are bound to cause an uneven and constantly changing rhythm of

speech.”15

(UR, 1984, p. 9)

Ambos os autores (op.cit.) concordam que tais características ocorrem devido ao

fato de o texto falado ser produzido “em tempo real e com pouco ou sem tempo para

planejamento”16

(tradução nossa). Outro efeito da espontaneidade, segundo o Thornbury

(ibid.), é a construção one-clause-or-phrase-at-a-time, que seria a junção de fragmentos de

fala ou frases simples (denominadas runs pelo autor), que são ligadas umas às outras por

conjunções frequentes como and, but e so, cada uma representando uma unidade significante.

Isto pode ser observado no seguinte trecho ilustrado por Thornbury: the guy sort of looked at

11

“… a continuous piece of spoken or written language” (THORNBURY, 2005, p. 63). 12

Redundância (tradução nossa). 13

Expressões redundantes podem tomar a forma de repetições, falsos inícios, reformulações, autocorreções,

elaborações, tautologias e aparentemente adições sem significado como ‘I mean’ ou ‘you know’ (tradução

nossa). 14

Auditory character (UR, 1984, p. 9) 5 Conversação espontânea, por outro lado, é irregular, tem pausas frequentes e sobreposições, vai

intermitentemente mais rápido e mais devagar, mais forte e mais suave, mais alto e mais baixo. Hesitações,

interrupções, exclamações, reações emocionais de surpresa, irritação ou entretenimento, que são todos passíveis

de ocorrer no diálogo natural, estão sujeitos a causar um ritmo irregular e em constante mudança de discurso.

(Tradução nossa) 16

“… in real time and with little or no time for much forward planning.” (THORNBURY, 2005, p. 64)

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me and said how old is this? And it’s about four years old, but of course, you know, in

computer terms that’s... ancient17

(p. 63).

Ainda segundo o autor, muitos desses fragmentos de fala consistem de chunks –

“... unidades multi-palavra que funcionam como palavras únicas e consistem de pequenas

repetições formuladas que são arquivadas e recuperadas em suas totalidades.”18

(tradução

nossa). São exemplos típicos de chunks as expressões sort of’, of course e you know. É

possível vermos que os chamados chunks por Thornbury (ibid) são denominados “adições

sem significado” por Ur (ibid), entretanto, diferentemente da autora, ele não as considera

como expressões sem sentido, mas como marcadores de discurso, que serão abordados mais

adiante.

Uma outra característica da fala apontada por Thornbury é a interpessoalidade, e

esta não se refere simplesmente a uma troca de informações entre os interlocutores, mas ao

modo como tais informações são partilhadas. Por exemplo, a conversação casual é

frequentemente marcada por risos ou risadas, entretanto, mesmo ao discordarem, os falantes

podem se utilizar de modalizadores, com o intuito de não soarem agressivos ao seu

interlocutor. É possível perceber essa “suavização” no uso do que o autor chama de hedges,

como a expressão yeah but, ao discordar de alguém. Também são marcas de interpessoalidade

a referência ao conhecimento compartilhado, o uso de exageros e linguagem avaliativa, que,

possivelmente em virtude do grau de intimidade entre falante e ouvinte, pode chegar ao uso

de palavrões.

A interatividade, outra característica do texto falado apontada por Thornbury

(ibid), é caracterizada pela interação de falantes através da troca de turnos, pela interrupção e

sinalização de concordância ou discordância com o que está sendo dito, através de risadas

e/ou grunhidos, e pelo silêncio enquanto o outro fala. Também é possível verificar a presença

de interatividade no uso de marcadores de discurso, como os mencionados anteriormente: o I

mean, precedendo uma explicação; o you know, como forma de fazer referência ao

conhecimento mútuo; e ainda o but, sinalizando que o que segue pode contrastar com uma

ideia anterior. Outro exemplo dessa interatividade, segundo o autor, é o perguntar e responder

de questões, qualidade marcante do gênero abordado em nosso estudo, a entrevista.

3. O gênero entrevista

Conceito e características

De acordo com Costa (2008), a entrevista pode ser definida como uma coleta de

declarações, informações, opiniões tomadas por jornalistas para divulgação através dos meios

de comunicação. Para Faria (2004), existem quatro tipos de entrevistas: a entrevista noticiosa,

que extrai informações que serão transformadas em notícias; a entrevista de opinião, que

extrai a opinião do entrevistado sobre determinado assunto; a entrevista de ilustração, aquela

que procura aspectos biográficos do entrevistado, focando em seu jeito de viver; e a entrevista

coletiva, nessa o entrevistado responde a perguntas de diversos repórteres.

As entrevistas podem ocorrer nos meios orais ou escritos. No meio oral, as

entrevistas podem ocorrer de forma ao vivo ou gravadas. No meio escrito, segundo Tocatlidou

17

O cara meio que olhou pra mim e perguntou que idade tinha o computador? E ele tinha uns quatro anos, mas,

claro, você sabe, em termos de computação, isso é... arcaico (tradução nossa). 18

“... multi-word units that behave as if they were single words and typically consist of short formulaic routines

that are stored and retrieved in their entirety.” (THORNBURY, 2005)

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(2002), a entrevista deriva da forma oral, mas, na maioria das vezes, as características da

oralidade são perdidas. Ainda de acordo com o mesmo autor, em alguns casos, tais

características permanecem, mas a organização será diferente do meio oral, podendo ser

considerada uma mescla entre a oralidade e a escrita.

Entrevista na sala de aula de língua inglesa

No âmbito da sala de aula de língua inglesa, a escolha do gênero entrevista se dá

pelo fato de esta contemplar o uso das mais variadas competências linguísticas, podendo-se

destacar a comunicação oral, a reprodução do discurso de terceiros, a transcrição de falas e a

habilidade de argumentação. A gravação da entrevista dá ao professor um ponto de partida

para o trabalho com a língua inglesa, fazendo com que os alunos questionem e pensem a

respeito do diálogo e como as características da fala estão sendo empregadas no mesmo.

Para Faria (2004), as entrevistas gravadas exercem duas funções, auxiliam o

levantamento de informações e dão ao professor um suporte para o trabalho com a língua

estrangeira. Para tais funções, é necessário fazer a transcrição da entrevista gravada, sem

esquecer o uso das normas de transcrição que envolvem aspectos da fala, a pronúncia e as

pausas e silêncios, que são relevantes no estudo de uma língua estrangeira, neste caso, o

inglês.

Como já foi dito anteriormente, a entrevista é originada do meio oral, podendo

ocorrer no meio escrito, também podendo resultar numa mescla desses meios. Com a

transcrição, os alunos podem analisar a entrevista, procurando características da oralidade no

meio escrito, com o auxílio do seu conhecimento de língua inglesa, ajudando a desenvolver

suas habilidades de escuta, leitura e escrita.

Como a análise que será realizada está presente em um livro didático, faremos

uma breve explanação sobre a importância do mesmo para a aula de LI.

4. O livro didático de língua estrangeira

No ensino de línguas estrangeiras, o livro didático (doravante LD) influencia

diretamente a atuação do professor em sala de aula, pois, segundo Ramos (2009), ele viabiliza

conteúdos, textos e atividades que norteiam os acontecimentos em sala de aula; sendo mais

comum sua adoção no ensino privado. No ensino público, mesmo que não ocorra a adoção do

LD, o professor procura, muitas vezes, utilizá-lo como suporte e guia pedagógico pelo fato de

ele propiciar ao professor uma maior acessibilidade a um grande número de textos, ajudando-

o a preparar sua aula, e pelo fato de proporcionar ao aluno “um senso de sistema, coesão e

progresso” no que diz respeito ao conteúdo ministrado (RAMOS, op.cit. p.176).

Atualmente, existem pesquisas e estudos (Cunningsworth, 1984 apud Ramos,

2009) que abordam maneiras que auxiliam o professor em suas decisões relacionadas ao LD.

Porém, esses estudos são poucos utilizados, ocorrendo uma dificuldade na escolha e

implementação do material. Como consequência, há vários conceitos sobre o LD, sendo os

mais recorrentes: o LD como uma ferramenta (Graves, 2000 apud Ramos, 2009) e como um

fardo (Gabrielatos, 2000/2004 apud Ramos, 2009).

Os prós e os contras do livro didático

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Pelo exposto, o LD pode ser considerado uma ferramenta ou um fardo. Mas quais

são as razões para que ele possua concepções tão diferentes? Faria (2009), baseando-se em

Richards (2002), cita motivos para que o LD seja considerado tanto uma ferramenta que

auxilia o ensino de língua inglesa quanto um fardo, que pode prejudicar o

ensino/aprendizagem da língua.

Do ponto de vista positivo, alguns dos pontos que contribuem para que o livro

seja um auxílio na aula de inglês são: a viabilização de um programa de estudo estruturado

tanto para o professor quanto para o aluno; o estabelecimento um ensino/aprendizagem

padrão; a sustentação a qualidade de ensino, pois adotando o LD de maneira coerente ao nível

dos alunos, é possível uma aprendizagem de forma sequenciada e testada; a contribuição para

uma maior dedicação por parte do professor ao ensino/aprendizagem, como consequência da

economia do tempo referente à elaboração do material.

Ainda de acordo com o autor citado, é também possível destacar os pontos

negativos do mesmo, sendo eles: a não presença de uma linguagem “real”, já que os diálogos

são desenvolvidos com o intuito de abordar os elementos que se deseja ensinar; podem mudar

o conteúdo, incorporando um mundo ideal, para que seja aceito em determinadas culturas;

podem não atender às necessidades específicas dos alunos, pois são produzidos para serem

utilizados no âmbito global; e podem, também, transformar o professor apenas em um técnico

transmissor.

Para um uso adequado desse material, é necessário que o professor faça uma

reflexão de acordo com as necessidades sociais e culturais dos alunos, para que este possa

realmente atuar como uma ferramenta no ensino de língua inglesa. Esta pesquisa é fruto de

uma reflexão dessa natureza. Será feita a análise de duas entrevistas, uma presente no livro

didático, e outra retirada do Youtube, com o intuito de investigar a oralidade, buscando

características da fala definidas anteriormente (espontaneidade, interpessoalidade e

interatividade), tendo em vista uma sugestão de aplicação desse gênero na aula de inglês,

fornecendo ao aluno um maior contato com a língua falada natural e como o áudio do livro

didático pode auxiliar no ensino de língua inglesa.

5. Metodologia

Para este artigo, foi realizada uma coleta de dados com a participação de dezoito

estudantes do curso de Letras/Inglês da Universidade Federal de Campina Grande. Esta coleta

foi dividida em duas etapas. Na primeira, aplicamos um exercício sobre uma entrevista

editada, retirada do livro New English File Elementary, e sobre uma entrevista autêntica com

a modelo Erin Heatherton, retirada do site Youtube. Ao final da atividade, pedimos que os

estudantes relatassem suas dificuldades em compreendê-las e suas justificativas. A última

etapa foi realizada duas semanas após a primeira, dessa forma, optamos por uma entrevista

autêntica que não contemplasse as dificuldades citadas pelos estudantes nos depoimentos da

etapa anterior. Para tanto, selecionamos uma entrevista com a cantora Lady Gaga, também

retirada do site Youtube. Em cada etapa, foram colhidas dezoito amostras, porém, apenas

quatro foram utilizadas, tendo em vista que apenas quatro estudantes eram iniciantes, e o foco

deste trabalho é a compreensão oral no nível elementar.

O livro didático utilizado, o New English File Elementary, em sua seção de

listening (p. 9), defende que os alunos concordam que a compreensão oral é a habilidade mais

difícil de ser desenvolvida, pois afirmam que a velocidade dos áudios é muito rápida e suas

atividades são complexas. Desta forma, o livro aborda áudios de velocidade baixa e suas

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atividades remetem à interpretação do áudio em questão, em uma tentativa de desenvolver a

autoconfiança nos alunos.

6. Análises das entrevistas

Como já citado anteriormente, a maior parte do texto falado cotidianamente é

produzida “em tempo real e com pouco ou sem tempo para planejamento”, o que resulta em

marcas de espontaneidade, que podem ser identificadas na conversação através de pausas,

repetições, frases incompletas, além do uso de chunks. Também foi visto, de acordo com o

autor citado, que a conversação não é apenas uma simples troca de informações, pois

apresenta elementos como risadas, sutilezas por parte do falante, referência ao conhecimento

mútuo, bem como linguagem avaliativa, que são traços de interpessoalidade. Já a

interatividade, para o referido autor, se apresenta pela dinâmica dos falantes através da troca

de turnos, pela interrupção, concordância ou discordância com o que está sendo dito, através

de risadas e/ou grunhidos, e pelo silêncio enquanto o outro fala.

Baseados em tais considerações, a entrevista editada Listen to Simon, presente no

livro didático New English File, foi analisada em busca de características do texto falado.

Observemos o seguinte excerto:

Professor: Do you like your job?

Simon: It’s OK, but I’m very worried about my contract. It finishes in

six months.

Ao analisar o excerto acima, percebemos que se tratava de uma conversação não

espontânea, pois não foi possível identificar as marcas de espontaneidade citadas

anteriormente. A interpessoalidade, por outro lado, pode ser identificada através da presença

de linguagem avaliativa, ou seja, quaisquer marcas que sinalizam a atitude do falante em

relação ao que está sendo dito, nesse caso no uso do very worried. Prossigamos com a análise:

Professor: Are you married?

Simon: Yes, I have three daughters.

Professor: So you travel from Brighton to London every day?

Simon: Yes. I travel 55 miles to work.

Marcas de interatividade também puderam ser identificadas ao longo de toda a

entrevista, através da troca de turnos entre os falantes, característica típica deste gênero, como

pode ser verificado nos excertos acima.

Diferentemente da entrevista presente no LD, analisada acima, na entrevista com a

modelo Erin Heatherton, retirada do site Youtube, foi possível perceber que as características

do texto falado mencionadas por Thornbury (op. cit.) se apresentam com mais frequência,

especialmente quando se trata de espontaneidade, como no excerto a seguir:

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Erin: I think all of us work out um, a a good amount more or less, I

think that for me it’s like, it’s a big stress reliever.

Interviewer: Uh-huh.

Erin: I love to go for a run, I love to do yoga, it’s my one hour in the

day where I can just, like quiet my mind. My life is really crazy and to

have that routine every day where I do an hour of something the same,

it’s really nice.

No excerto acima, vemos em destaque o uso repetido do like, em forma de chunk,

apenas conectando fragmentos de fala (runs), além de uma pausa preenchida com o uso de

um, sinais típicos da espontaneidade e da falta de planejamento do texto falado produzido em

tempo real. Também pode ser notada uma função interpessoal nos usos do really.

Em outro fragmento da mesma entrevista, percebemos ainda a presença de

overlap ou sobreposição de vozes, o uso do you know como forma de se fazer referência ao

conhecimento compartilhado por ambos - Erin e a entrevistadora - uso de frase incompleta,

além da interatividade típica do gênero entrevista, marcada pela troca de turnos. Vejamos:

Interviewer: Perfect! And is it just…

Erin: └That’s like the golden combination to me, I think.

I think it’s a great way to explore cities is to go for a run, you know.

Interviewer: └Yeah, I do too, actually. So,

speaking of traveling, what are some of your travel tips, when you don’t

have a trainer around?

Erin: I did start Pure Barre, actually. I’m traveling and s sometimes I’ll

google studio or see and just try a new class or try something different

and that’s always… it’s fun to try something new.

A partir desta breve análise, foi possível percebermos que ambas as entrevistas

apresentam características típicas do texto falado, contudo, tais características aparecem com

menor frequência no texto exposto no livro didático, e com maior frequência na produção

extraída do site Youtube.

7. Análises dos resultados das amostras de dados

O gráfico abaixo mostra os resultados estatísticos descritivos do primeiro

exercício aplicado, referente à entrevista editada. Este exercício conteve seis questões

retiradas do LD, sendo estas: How many children does Simon have?, Why doesn’t he have

breakfast?, How many cups of coffee does he drink?, What time does he finish work?, Why

doesn’t he have dinner with his Family? e What does he do after dinner?.

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A partir dos resultados apresentados no gráfico 1, verificamos que doze questões

foram respondidas de forma correta, representando cinquenta por cento (50%) do total, e

apenas quatro de forma incorreta, que representa outros dezessete por centro (17%).

Percebemos através do gráfico um número significativo de respostas corretas, deixando claro

a familiaridade dos estudantes com este tipo de áudio recorrente nos manuais didáticos de

línguas estrangeiras, uma vez que, em sua maioria, os estudantes responderam corretamente

ou tentaram obter uma resposta.

Em seguida, temos o gráfico dos resultados do segundo exercício, referente à

entrevista autêntica I, que conteve as seguintes questões: Does she work out every day?, What

sports does she practice?, How long does she work out every day?, What part of her body

does she like the most?, Is she a vegetarian? e What food does she like to eat? Essa entrevista

foi selecionada, pois contempla o mesmo tempo verbal daquela retirada do LD. As perguntas

seguiram o modelo apresentado no exercício referente à entrevista anterior.

Série1; Respostas corretas; 12; 50% Série1;

Respostas incorretas;

4; 17%

Série1; Respostas

em branco; 8; 33%

Gráfico 1 − Entrevista Editada

Respostas corretas

Respostas incorretas

Respostas em branco

Série1; Respostas

corretas; 2; 8%

Série1; Respostas incorretas;

3; 13%

Série1; Respostas

em branco; 19; 79%

Gráfico 2 − Entrevista Autêntica I

Respostas corretas

Respostas incorretas

Respostas em branco

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Ao observarmos o gráfico 2, fica em evidência a falta de familiaridade dos

estudantes com relação ao áudio autêntico, visto que apenas um deles conseguiu responder

todas às questões, porém, apenas três de forma correta, que representa oito por cento (8%) do

total. Ainda, ao compararmos os dois gráficos anteriores, é possível vermos uma disparidade

entre o número de respostas em branco, pois estas representam apenas trinta e três por cento

(33%) do total de respostas no primeiro gráfico e setenta e nove por cento (79%) no segundo.

Ao analisarmos os relatos dos estudantes sobre suas dificuldades na compreensão

de ambas as entrevistas, verificamos a presença de quatro variáveis-problema com relação à

entrevista autêntica I, são elas a velocidade de fala, o vocabulário desconhecido, a

sobreposição de vozes e o fundo musical. A fim de trabalharmos o áudio autêntico em sala de

aula, selecionamos uma segunda entrevista autêntica retirada do site Youtube, desta vez

eliminando ao máximo as variáveis mencionadas anteriormente, pois segundo Ur (1984), este

tipo de áudio fornece ao estudante uma preparação realista para o entendimento de fala nativa

em situações naturais de comunicação.

Após a aplicação do exercício referente à entrevista autêntica II, obtivemos o

seguinte gráfico:

De acordo com o gráfico 3, observamos que não houve nenhuma resposta

incorreta, e quarenta e dois por cento (42%) das questões foram respondidas corretamente, o

que aponta uma resposta positiva à eliminação das variáveis-problema. Também podemos

perceber que neste gráfico a porcentagem das questões em branco está um pouco elevada,

pois apenas dois dos quatro estudantes responderam à atividade.

Sendo assim, podemos apontar que a dificuldade dos estudantes não está na

execução de uma atividade que envolva uma entrevista autêntica, e sim no tipo de áudio que

está sendo utilizado. Desta forma, é ideal que ao trabalhar com áudios autênticos, o professor

leve em consideração o nível da turma e suas dificuldades específicas.

8. Considerações finais

Série1; Respostas

corretas; 5; 42%

Série1; Respostas incorretas;

0; 0%

Série1; Respostas

em branco; 7; 58%

Gráfico 3 − Entrevista Autêntica II

Respostas corretas

Respostas incorretas

Respostas em branco

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A partir da análise dos pressupostos teóricos e dos resultados obtidos, podemos

afirmar que a utilização da entrevista do livro didático na sala de aula de língua inglesa é

válida, pois esta pode propiciar aos aprendizes um maior contato com palavras e expressões

de uso recorrente na comunicação em língua inglesa.

A utilização de diálogos do livro didático pode ser benéfica em sala de aula, pois

estes fornecem expressões úteis ao aluno para a sua comunicação na língua-alvo (cf.

Thornbury, op.cit.), a exemplo de frases como How can I help you?, que pode ser utilizado

para explicar um dos usos do modal can.

Por outro lado, ainda segundo o autor citado, a ausência das características típicas

do texto falado (disfluências) nos diálogos dos livros didáticos, os torna mais fáceis de ler,

mas não necessariamente de escutar, devido à alta concentração de carga informativa, fato que

os torna mais difíceis de serem processados auricularmente19

, principalmente para os

aprendizes iniciantes. A ausência dessas “disfluências” pode transmitir a mensagem errada,

tanto para os aprendizes como para alguns professores, de que elas “são erros e devem ser

evitados20

” (tradução nossa).

Ainda, Ur (op. cit) afirma que o uso de exercícios de listening sem as

características do real-life listening na sala de aula é conveniente, e dá ao aluno certo tipo de

prática, porém não fornece nenhuma preparação realista para o entendimento de fala nativa

em situações naturais de comunicação. Contudo, segundo a autora, não é suficiente basear a

prática de sala de aula somente na imitação da realidade, é preciso levar em conta as

dificuldades específicas enfrentadas pelos aprendizes estrangeiros.

Baseados nas considerações de Thornbury e Ur, nas análises de ambas as

entrevistas e das amostras coletadas, sugerimos na sala de aula de língua inglesa o uso de

entrevistas que apresentem características do texto falado (ou real-life listening) com mais

frequência, tendo em vista a sua presença escassa, como pôde ser observado na análise da

entrevista do LD. Com isso, visamos fornecer ao aprendiz uma visão mais próxima do texto

falado espontâneo, para que assim possam utilizar a língua inglesa como prática social,

porém, sem descartar o livro didático, utilizando-o de maneira adequada para facilitar o

aprendizado, uma vez que apresenta pontos positivos.

Diante do exposto, concluímos que o gênero entrevista pode contribuir para a sala

de aula de língua inglesa, e que através deste gênero é possível introduzirmos o áudio

autêntico desde o nível mais elementar, tentando diminuir as barreiras entre os aprendizes e as

práticas comunicativas fora do ambiente escolar.

9. Referências

COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

DELL’ISOLA, R. L. P. Gêneros textuais em livros didáticos de língua estrangeira: o que

falta? In: DIAS, R. & CRISTÓVÃO, V. L. L. O livro didático de língua estrangeira:

múltiplas perspectivas. São Paulo: Mercado de Letras, 2009.

FARIA, Maria Alice. O jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004, p. 100-124.

FIELD, John. Skills and strategies: towards a new methodology for listening. ELT Journal

Volume 52/2. Oxford: Oxford University Press, 1998, p. 110-118.

19

Aurally. 20

“... that such disfluencies are mistakes and are to be avoided.” (THORNBURY, 2005, p. 78)

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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4. ed. São

Paulo: Cortez, 2003.

OXENDEN, Clive et al. New English File Elementary: student’s book. Oxford: Oxford

University Press, 2005.

RAMOS, Rosinda de Castro Guerra. O livro didático de língua inglesa para o ensino médio:

papéis, avaliação e potencialidades. In: DIAS, R. & CRISTÓVÃO, V. L. L. O livro didático

de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. São Paulo: Mercado de Letras, 2009.

THORNBURY, Scott. Beyond the sentence. Oxford: Macmillan, 2005.

TOCATLIDOU, Vasso. Conversational Genre and foreign language teaching. Aristotle

University of Thessaloniki, Greece. 2002.

UR, Penny. Teaching listening comprehension (Cambridge handbooks for language

teachers). Cambridge: Cambridge University Press, 1984.

Musicians@Google Presents: Google Goes Gaga. Disponível em:

www.youtube.com/watch?v=hNa_-1d_0tA.

Victoria's Secret Model's Erin Heatherton Workout Routine. Disponível em:

www.youtube.com/watch?v=FfEQUkKUsWM.

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A LITERATURA COMO FERRAMENTA NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA:

IMPLICAÇÕES DO PROCESSO DE LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA NA

PERSPECTIVA ACIONAL

Raynara CORREIA – UFCG21

Rosiane XYPAS - UFCG22

RESUMO: O texto literário é documento autêntico, e na perspectiva acional, não apresenta

nenhum status particular em relação a outros textos. O presente estudo traz reflexões sobre o

uso de textos literários no ensino de língua estrangeira, objetivando analisar como os

aprendizes lançam mão dos aspectos da língua a partir do texto literário. Partimos então de

duas problemáticas: 1- Quais as estratégias de aprendizagem empregadas por aprendizes de

nível intermediário durante a leitura de um conto em língua inglesa? 2- Quais os aspectos

linguísticos que são concomitantemente abordados durante a leitura do texto? Para responder

a estas perguntas, fizemos uma análise qualitativa, baseada em uma pesquisa desenvolvida

com alunos do curso de Letras – Língua Inglesa, de nível intermediário na Universidade

Federal de Campina Grande, e dividimo-la em três etapas: a primeira correspondeu a uma

atividade de pré-leitura com o grupo; a segunda, a leitura particular do texto, havendo em

seguida uma discussão coletiva, a fim de obter um ponto de vista mais abrangente do mesmo,

dando desta forma, abertura para a execução dos exercícios de gramática; e na terceira etapa,

os alunos responderam o questionário com o qual fizemos a análise. Nosso corpus é composto

de um conto contemporâneo da literatura inglesa The blood bay (O baio puro-sangue) de

Annie Proulx. Para este trabalho apoiamo-nos em Chambers e Gregory (2006); Hill (1992);

Kleiman (2008); Koch e Elias (2010); entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Texto literário. Estratégias de leitura em LE. Ensino-Aprendizagem.

Perspectiva Acional.

1. Introdução

Ao estabelecer o ensino de línguas no campo das discussões em que se implantam

questões sobre a educação humanizadora, a transdisciplinaridade e a relação entre linguagem

e cultura, abre-se margem para a reflexão sobre o uso da literatura no ensino de língua

estrangeira, cuja utilização, “promove situações onde os alunos, ao participarem expressando

seus sentimentos e opiniões, aceleram o processo de aquisição da língua” (LAZAR apud

CORCHS, 2006).

21

Aluna do Curso de Letras-Inglês, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, PB, E-mail:

[email protected] . Este trabalho está vinculado aos trabalhos de leitura e de pesquisas em didáticas de

línguas estrangeiras realizadas no Grupo de Pesquisa DILES. 22

Letras, Professora. Doutora, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, PB, E-mail:

[email protected]

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O trabalho aqui proposto tem esse objetivo, ou seja, favorecer o processo de aquisição

da língua-cultura estrangeira estudada, levando em consideração que a literatura pode

contribuir amplamente com assuntos identitários, assim como, articulá-los ao ensino da

gramática, das funções comunicativas, do vocabulário e da fonologia, desenvolvendo as

quatro habilidades no ensino de Língua Inglesa: compreensão oral, fala, leitura e escrita;

caracterizando o espaço de aprender uma segunda língua como uma possibilidade de ter

acesso ao universo cultural que a circunda.

O texto literário é visto aqui, não como a única fonte de ensino de língua estrangeira, mas

como uma das formas textuais que pode ser contemplada nessas aulas para abrir espaço a uma

leitura (trans) cultural e, consequentemente histórico- social sobre a língua estudada. Assim

sendo, abordaremos estratégias de leitura atreladas ao texto literário abrindo caminhos para

que o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira – doravante LE – seja efetuado

com sucesso, já que enquanto professores “não podemos ensinar uma língua, podemos apenas

criar condições sobre a qual esta possa ser aprendida.”23

(HUMBOLDT apud HILL, 1992, p.

09).

Nesse sentido, seguiremos apresentando a necessidade da utilização de textos literários no

ensino de língua estrangeira, articulando a literatura e os saberes que lhe são imbuídos

associados às estratégias das quais se valem os alunos para a leitura do texto literário em LE.

2. O ensino de LE

Não nos é estranha à necessidade de reflexões e atualizações a respeito dos pensamentos

sociais, educacionais e culturais na área do ensino. No que se refere à Língua Inglesa

especificamente, as Diretrizes e Bases Curriculares exprimem que o ensino deve proporcionar

ao aluno a inclusão social, de maneira que este seja capaz de interagir em várias comunidades

e conhecimentos. A partir disso, torna-se nítida a precisão em propiciar ao aluno diferentes

tipos de experiências correlacionadas, preparando-o não somente para a aquisição de uma

língua estrangeira, mas para atuar criticamente em sociedade.

Com abordagem adotada pelo Quadro Comum Europeu de Referências de Línguas, 24

a

perspectiva acional, o contexto de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras “considera os

aprendizes de uma língua como “atores sociais” que não se limitam a tarefas apenas

linguísticas, mas objetiva que o aluno passe a agir socialmente em LE” (PIMENTEL, 2008).

Tal proposta debruça-se sobre as relações metodológicas de ensino/aprendizagem, que segue

a visão dos alvitres da abordagem comunicativa, todavia aqui, lidamos com projetos cuja

finalidade é preparar os alunos para atuarem em sociedade, fazendo com que o aprendiz trace

objetivos, dispondo dos requisitos oferecidos pela LE, a fim de se comunicar.

Segundo Krashen (apud MOTTER, 2007) para que haja aquisição de uma língua faz-se

necessário “desenvolver habilidades funcionais através de assimilação natural, intuitiva e

consciente nas situações reais e concretas de ambientes de interação humana.” Portanto, é

através da realização de tarefas por meio da língua, da coação com o outro, e da efetivação

dos atos comuns de interesses coletivos, que a aprendizagem entra em vigor, adequando-se

desta forma aos arquétipos empregados pela teoria da perspectiva acional.

23

No original: “We cannot teach language; we can only create conditions under which it can be learned.”

24

“O Quadro Comum Europeu de Referencias para o ensino aprendizagem de línguas é um guia de orientações

didáticas elaboradas pelo Conselho da Europa com o apoio de colaboradores envolvidos com a Didática das

Línguas.”(Pimentel, 2008)

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Sendo a literatura a língua em funcionamento, não lança mão do uso superficial da

linguagem, mas faz parte de sua construção e desenvolvimento, efetivando os benefícios já

embutidos nela.

2. Por que ensinar literatura em aulas de LE

Através dos séculos, a literatura vem auxiliando o homem a entender seus sentimentos e o

tem proporcionado a expressividade pela arte. Sua função social possibilita a apreciação pela

cultura e conhecimento de si e do outro, ampliando os horizontes dos alunos, fazendo com

que estes aprendam a respeitar outras tradições, reconhecendo a diversidade existente.

A literatura de um povo traz consigo fortes traços culturais, que por sua vez

harmonizam uma gama de conhecimento linguístico, e se, conforme nos explicita Padilha

(apud WALESKO,2006) “a cultura é, antes de tudo, a busca de conhecimento sobre a

natureza humana”, e entendendo educação como atualização histórico-cultural, como meio

pelo qual o ser humano se constrói em sua historicidade, é impossível pensar em educação

sem relacioná-la à cultura. Portanto, oportunizar o ensino de LE ancorado à literatura, é

fundamental para que haja abordagem e observação de aspectos que envolvam as diferenças

culturais, contribuindo pedagogicamente no processo de formação do sujeito em uma

concepção de pluralidade cultural.

Não obstante, “os textos literários são considerados documentos autênticos, um lugar

privilegiado para se trabalhar a alteridade, podendo mesmo até ser adaptado”. (XYPAS, 2012)

Tal autenticidade por sua vez, permite que a competência comunicativa dos alunos seja

satisfatória. Como afirma Colasante:

As literaturas em língua inglesa, quando inseridas no processo educacional

do aluno na disciplina de línguas podem contribuir muito para que o aluno

desenvolva interações comunicativas reais, indo muito além da aquisição de

um conjunto de habilidades linguísticas, da estrutura da língua, da sintaxe e

do léxico. Além de melhorar o nível de ensino, ela é capaz de "despertar no

sujeito uma consciência crítica, a qual permitirá que ele avalie e julgue o

mundo e os acontecimentos reais, e de desenvolver nele um espírito

questionador, que permitirá que ele reflita, opine e proponha mudanças para

a ordem das coisas.” (COLASANTE, 2005).

Os professores de língua inglesa contam com um estoque de materiais disponíveis para

suas aulas que, normalmente, variam de diálogos e funções comunicativas presentes desde os

manuais escolhidos até a intensa recepção midiática que permeia seu dia-a-dia. Todavia, no

que tange à literatura, é notável a escassez de recursos apontando qualquer presença de

gêneros textuais que possam aproximar-se aos moldes literários, ou representando alguma

forma de cultura.

Portanto, o uso da literatura na sala de aula parece ser bastante eficaz, pois permite ao

professor explorar as quatro habilidades comunicativas da língua, além de promover sua

utilização para diferentes fins, assim como as mais variadas funções linguísticas que

permeiam a comunicação, de modo a motivar os alunos aumentando sua criatividade,

promovendo mais subsídios para atividades interativas, aumentando seu conhecimento de

mundo, tornando os alunos mais críticos e socialmente engajados. Neste viés, HOLDEN

(2009) contribui dizendo:

Muitos dos textos autênticos que os estudantes encontram na sala de aula de

inglês serão informativos: matérias de jornal, tabelas de horários, anúncios,

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webpages. Todos eles serão muito úteis, mas também há lugar para textos

que combinam idioma e criatividade de maneiras diferentes em que o foco

está na imaginação e na auto expressão. Da mesma forma que a música, a

literatura pode ser usada por sua capacidade de motivar alunos e professores.

HOLDEN (2009, p.157)

O ensino de língua estrangeira, quando coligado a elementos motivacionais, tais como o

desenvolvimento dos conhecimentos e a consciência dos progressos obtidos, pode acelerar o

aprendizado do aluno. Conforme Schutz (2003) a motivação é o caminho para a satisfação de

uma necessidade, e pode ser ativada por fatores internos e/ou externos. Sendo assim, devido à

necessidade de se relacionar com os outros e com o ambiente, quando expostos a uma

atmosfera caracterizada pela presença da língua estrangeira, naturalmente somos fortemente

motivados a assimila-la, uma vez que podemos interagir, participar e atuar no ambiente.

A literatura é capaz de cumprir esse papel, motivando o aluno, aumentando seu

interesse pela língua e agilizando seu processo de aprendizagem. Chambers e Gregory (2006)

salientam que a literatura abrange condições que são inerentes a todos os seres humanos,

como a necessidade de relacionamentos, a incerteza da sorte, a fragilidade da carne e a

inevitabilidade da morte. Essa recorrência peculiar à vida real fornece suporte ao professor

para que crie meios de conexão entre os alunos e a literatura, motivando-os a estudar a língua

em questão, ao passo que explora suas funções comunicativas.

Com aponta Hill (1992), a literatura fornece não apenas um contexto para a

comunicação, mas estimula o prazer, uma vez que envolve emoções. “Se o leitor quer saber o

que vai acontecer depois, se parece importante para ele, ele vai ler apesar das dificuldades

linguísticas.” 25

(REEVES apud HILL, 1992, p. 09).

Sendo assim, a escolha dos textos é de fundamental importância para o

desenvolvimento das competências dos alunos. Uma vez que a leitura é de relevância crucial

para a literatura, e que o seu desenvolvimento faz parte do processo de aquisição de LE, neste

artigo, pretendemos discutir questões relacionadas a essa habilidade, com alunos de nível

intermediário, dentro do âmbito literário no contexto de ensino/aprendizagem.

3. O foco na leitura e suas estratégias

A leitura faz parte de uma das quatro habilidades comunicativas da língua, preconizadas

a serem desenvolvidas no aprendiz. Do ponto de vista linguístico, trata-se de um processo de

reconhecimento e organização de informações, no qual o leitor está apto a estabelecer um

juízo de valor sobre o que é ou não significativo no texto, baseado em seus próprios

conhecimentos. Neste sentido, Koch e Elias afirmam:

A leitura é uma atividade altamente complexa de produção de sentidos que

se realizam, evidentemente, com base nos elementos linguísticos, presentes

na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a

mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento

comunicativo. (KOCH e ELIAS, 2011, p.11)

25

No original: “If a reader wants to find out what happens next, if it seems important to him personally, he will

read on despite linguistic difficulties.”

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Por assim dizer, durante o processo de leitura, o leitor adquire conhecimentos a partir da

reconstrução do texto, e este sofrerá variações diferentes sempre que for lido mais uma vez e

por novos leitores. Essa reconstrução é feita a partir de dois tipos de estratégias: Hipóteses e

Antecipações. O processamento textual, portanto acontece quando “na leitura de um texto,

fazemos pequenos cortes que funcionam como entradas a partir dos quais elaboramos

hipóteses de interpretação.” (op cit, p.39). “E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis

de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-

se dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor, não haverá

compreensão.” (KLEIMAN, 2008, p.13)

Sendo assim, a partir do momento em que o leitor lança mão do seu conhecimento

prévio do mundo, sua cultura, seu sistema de valores e seu domínio das estruturas linguísticas

passa concomitantemente a fazer predições e gerar hipóteses, em que estas podem ser

rejeitadas ou confirmadas no desenrolar do texto, transformando o nosso leitor no que

chamamos de sujeito-leitor ativo.

Ler é um processo que envolve várias técnicas e estratégias. Há a possibilidade de ainda

que se conheçam todas as palavras do texto, o leitor não extraia dali a informação geral e

vice-versa. No tocante a LE, o ato de decifrar palavras em si, ainda está muito distante da

compreensão, visto que tal atividade não alcança as perspectiva textual, discursiva ou

pragmática; e o domínio do vocabulário e estruturas linguísticas é, indubitavelmente, tido

como uma condição imprescindível, mas não suficiente para se compreender um texto. Por

isso, acreditamos que o leitor deve desenvolver estratégias de leitura, as quais constituem uma

importância fundamental no que diz respeito à interpretação e compreensão dos textos,

elevando assim o nível de consciência dos aprendizes acerca das principais ideias do texto, e

possibilitando a exploração e organização do mesmo.

Quando essas estratégias são aliadas a proposta da perspectiva acional, esclarece-se que,

tendo a leitura como atividade mediadora entre a língua e o aprendiz, esta funciona como um

dispositivo que concebe mentalmente aquilo que o aluno lê num processo de construção de

sentidos e correlação com as informações já armazenadas, pondo em prática “todos os

componentes e estratégias cognitivas que tem a disposição para dar ao texto uma interpretação

dotada de sentido.” (HORMANN apud KOCH e ELIAS, 2011)

De maneira generalizada as atividades relacionadas à leitura no contexto de sala de aula

nem sempre tem muito haver com a compreensão de textos. São atividades em que os alunos

limitam-se a operar com o texto, mas não constroem sentido nele; habituam-se a depender do

professor a fim de chegar a resposta imediata da interpretação, regressando à condição inicial

de passivos no processo de leitura; além de proporem atividades que trabalhem somente com

a memória curta, fazendo menção a detalhes secundários de informações obtidas naquele

instante, e que muito provavelmente não serão mais usadas. Quanto a isso, Kleiman explica:

O processamento é essencialmente de caráter cognitivo, mas quanto mais

complexo for o texto, mais se faz necessário o controle ativo desse processo

através das estratégias metacognitivas de manutenção de objetivos e

monitoração e desautomatização do processo de compreensão. (KLEIMAN,

2008, p. 63).

Fica claro então que, um caminho a se escolher, a fim de evitar atividades incapazes

de promover sentido e crescimento intelectual por parte dos alunos é lançar mão da variada

tipologia textual existente, a partir de um trabalho transdisciplinar, promovendo atividades

cujo objetivo seja trabalhar a compreensão em detrimento da participação ativa dos alunos,

tornando-os mais sensíveis e aptos a utilizar técnicas de produção de sentido, pois “os seres

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humanos desenvolveram muitas estratégias para ajudar a desenvolver os enigmas da vida,

modelá-la e assim interpretar o significado das coisas. Ciência, religião, história, arte, ciências

sociais, jogos e todos os sistemas jurídicos qualificam tais estratégias, mas a mais abrangente

e universal de todas elas é criar significado para a narração e consumo de histórias. Daí a

importância do estudo literário.” 26

(CHAMBERS e GREGORY, 2006, p.13)

4. Aplicação didática

Nossa proposta é baseada em um conto da escritora norte-americana Annie Prouxl, The

Blood Bay (O baio puro sangue), publicado pela primeira vez em 1999, seguido de exercícios

propostos pelo livro Twentieth-Century Stories, da Macmillan Literature Colletions, 2011.

Nesta aula, os alunos tiveram contato com um texto autêntico, e, através dos exercícios

propostos, buscamos investigar de que forma eles trabalham com o texto literário, isto é,

como utilizam sua percepção e estratégias para superar suas dificuldades, a fim de obterem

uma compreensão satisfatória do texto proposto e, igualmente sabermos de que modo eles

promovem seu desenvolvimento linguístico a partir da atividade de leitura literária em LE.

A aplicação da atividade teve duração de 2 horas. Para melhor aproveitamento deste

tempo, as atividades foram divididas em 3 fases, sugeridas por Urquhart & Weir (apud

SANTORUM E SCHERER, 2008) com objetivos distintos, a saber: 1- Pre-reading

(atividades de pré-leitura): É durante esta fase que se constroem as predições e formulam-se

as hipóteses, a fim de conjecturar os pensamentos do texto. Aqui eles analisam se de fato

lerão ou não o texto, bem como as respectivas partes a serem lidas, e tudo isso a partir do

exame feito aos elementos que mais se evidenciam: o título, a edição, o autor, o gênero do

texto e a data de publicação. O pre-reading destina-se ainda a familiarizar o aluno com o tema

e a linguagem do texto, facilitando seu acesso. 2- While-reading (atividades durante a

leitura): Nestas atividades os alunos são estimulados a questionarem a si mesmos enquanto

promotores de processos cognitivos tais como inferência, monitoramento do entendimento e

atendimento à estrutura. “Aqui, o leitor monitora a própria compreensão, verificando se esta

está se desenvolvendo efetivamente, e adota estratégias de reparo caso não esteja”

(SANTORUM e SCHERER, 2008). 3- Post-reading (pós-leitura): Aqui o aluno é estimulado

a relacionar o conteúdo lido com seu esquema já existente e a avaliá-lo à luz de suas próprias

experiências e conhecimentos, promovendo uma maior integração com o texto. Esta tarefa

tem por fim propor uma reflexão crítica das questões abordadas pelo conteúdo lido.

Dadas as teorias, delinearemos os resultados obtidos durante as atividades

supracitadas:

Inicialmente, foram direcionados aos alunos comentários sobre o texto que seria

apresentado e sobre o autor do mesmo, no intuito de que eles trouxessem à memória

intermediária tudo que sabiam sobre o assunto a fim de facilitar a compreensão. Pensando nas

dificuldades dos alunos em entender o significado de algumas palavras com as quais eles

poderiam não estar familiarizados de modo a facilitar a leitura do texto, introduzimos um

exercício no intuito de transpor tal barreira. Durante a realização da atividade, os alunos

discutiram sobre a vida dos cowboys, utilizando seus conhecimentos prévios, e foram

agregando novos vocábulos às situações comunicativas que surgiram, possibilitando-os

26

No original: “Science, religion, history, art, social sciences, games and legal systems all qualify as such

strategies, but the most comprehensive and ubiquitous of all human strategies for both finding and creating

meaning is the telling and consuming of stories. Hence the existential importance of literary study.”

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compartilhar suas vivências, interagindo uns com os outros, o que permitiu o igual

desenvolvimento da habilidade oral na língua alvo.

Lançando mão da compreensão global, sugerimos uma leitura silenciosa para facilitar

um contato o mais próximo possível com as ideias do texto, uma vez que esta ela possibilita

ao aluno envolver-se completamente a fim de buscar significados, utilizando seu próprio

ritmo de leitura, regressando e relendo sempre que for necessário.

Ficou explícita a dificuldade de alguns alunos para entender determinadas partes do

texto, devido ao desconhecimento do vocabulário. Como a maioria deles estava sem

dicionário, não houve hesitações em perguntar uns aos outros quais seriam os significados;

tática que algumas vezes funcionava, outras não, mas mesmo assim, foi possível entender a

mensagem principal do texto, enxergando-o como uma unidade.

Ao analisar as respostas dos questionários, os alunos disseram que faziam uso da

maioria dos textos de rodapé, que funcionava como uma espécie de glossário para conseguir

depreender o significado das palavras desconhecidas, e todos reconheceram a utilização das

estratégias de inferência.

ALUNO A: “Imaginei a cena e reli as frases que não entendi. Fiz muito uso das notas

de rodapé, que explicavam bastante o significado de determinadas palavras.”

ALUNO B: “Como eu estava sem dicionário, fui pulando as palavras desconhecidas

e tentando compreender o contexto de uma forma geral.”

Isso se explica pela grande quantidade de palavras desconhecidas que compõem o

texto, muitas das estruturas linguísticas fazem parte especificamente da linguagem de

cowboys. Usando inferências-ponte (KOCH e ELIAS, 2011), os alunos puderam adquirir uma

ideia aproximada do significado das expressões através do contexto, de modo que mesmo

quando eles não conseguiam captar o significado da palavra, este lhes permitia “preencher as

lacunas do texto, isto é, estabelecer os “elos faltantes””. (op. cit., p. 66)

Também foi possível perceber que os alunos muitas vezes recorreram às atividades de

pre-reading a fim de recuperar informações que ficaram presentes apenas na memória

imediata, em que, segundo Kleiman (2008), os momentos vividos são apreendidos com mais

detalhes, mas são rapidamente esquecidos. Com isso entendemos que a leitura de um texto em

primeira instância não serve para ampliação de vocabulário, pois, como alega Rotta (2011),

apenas uma parte da informação disponível no registro sensorial é selecionada para ser

transferida à memória imediata, ou seja, apenas aquelas que o sujeito consegue reter. Isso faz

parte do processo de construção de sentidos, visto que a capacidade limitada dessa memória é

o que permite a linha tênue de divisão de tarefas entre tratar, guardar e desativar

conhecimentos anteriores com a memória de longo prazo - em que tem-se o apagamento de

alguns detalhes, porém, o contexto vivido, os detalhes ou estruturas mais importantes desse

contexto permanecem para toda a vida. (Kleiman,2008)

Com o resgate das discussões anteriores através do professor, que funcionou como

mediador na interação aluno-texto, auxiliando-os no processo de compreensão, e procurando,

num trabalho conjunto, estabelecer a coesão e a coerência do texto, foi possível chegar à

reflexão sobre o que se leu, partindo da elaboração de um processo interativo de leitura,

estabelecendo assim a construção de sentido, unindo as informações novas com aquelas já

adquiridas.

Nesta etapa, houve uma discussão oral em grupo a fim de se interpretar o texto. Para

responder as perguntas lançadas, os alunos retornaram várias vezes ao texto para confirmar

uma resposta previamente formulada, olharam rapidamente para o local do texto onde se

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instaurava o contexto da resposta, releram a frase/parágrafo no intuito de enfatizar seu

discurso, e fizeram comentários para esclarecer e/ou verbalizar dificuldade de entender/

responder as questões sugeridas.

Além disso, foi proposta uma atividade de gramática, a fim de se trabalhar o texto

semanticamente. Sob esse viés, no questionário todos os alunos responderam que o texto

estava mais difícil quando contemplado do ponto de vista lexical, entretanto durante a

efetivação da tarefa houve uma discussão intensa quanto ao uso da partícula so. De acordo

com o dicionário Oxford (2005), tal partícula pode funcionar como advérbio, conjunção ou

substantivo. Nos exercícios propostos em sala, tivemos uma sessão de “Language Study”

onde afirmara a utilização do SO com o intuito de enfatizar os adjetivos, advérbios ou

substantivos na frase; relacionar duas causas dentro da mesma sentença, e mostrar porque

alguém ou algo faz determinada coisa; além de referir-se a algo que no passado já tenha sido

mencionado.

A partir disso, os alunos puderam pensar na língua, refletindo a partir dela, (re)

construindo suas próprias ideias, confirmando-as ou não a partir do uso instituído no texto

literário, alegando que trabalhar os componentes linguísticos foi de sobremodo produtivo,

uma vez que puderam revisar questões gramaticais de uma forma prática, atrativa e

interessante, lançando mão de apenas uma atividade, alcançando assim os objetivos

propostos.

4. Considerações finais

Em síntese, este trabalho buscou conscientizar o leitor para o fato de que a literatura,

quando inserida no processo educacional não se trata de uma forma limitada e reducionista da

língua, que nos delimita a resolução de exercícios puramente estruturais como elementos

básicos de sua aplicabilidade, do contrário, estimula a percepção do aluno enquanto ser

humano e cidadão do mundo.

Baseados nesses critérios, analisamos em nossa pesquisa, questionários respondidos por

alunos de nível intermediário, que participaram de uma aula na qual expusemos o texto

literário, e a partir dele, foi-se articulado o ensino de LE concomitantemente as suas funções.

Com isso, percebemos que os alunos, ao depararem-se com o texto literário, fazem uso do seu

conhecimento prévio e do levantamento de hipóteses, que se confirmam ou não no decorrer da

leitura. As inferências também ganharam um espaço especial em nosso trabalho, devido a

grande recorrência a essa estratégia, na qual os alunos gerenciavam pistas textuais, com o

objetivo de chegar à compreensão do texto. Aqui, a palavra ganhou um sentido que é

inexplícito no papel, mas que ao reconhecê-la, o leitor mentalmente aufere-a significados de

acordo com a sua própria experiência, sendo possível assim a construção de sentidos do texto.

Constatou-se ainda que o uso do texto literário não contribui diretamente para a ampliação

do vocabulário, uma vez que, mesmo com a atividade de Pre-Reading, responsável por situar

os alunos com as possíveis palavras desconhecidas, eles recorriam-na várias vezes durante a

leitura, e igualmente no exercício proposto após a leitura, a fim de confirmar seu

pensamento/discurso, e então interpretar o texto.

Nesse sentido, acreditamos que levar o texto literário para a sala de aula significa

trabalhar com um insumo rico, composto por textos autênticos, e relevantes ao aluno,

ampliando sua visão representativa cultural, permitindo-o uma aproximação linguística que o

leva a raciocinar na língua, refletindo-a, aperfeiçoando desta forma as habilidades

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instrumentais preconizadas no ensino da língua em estudo, que, por não se tratar de algo

estanque, o ensinará a comportar-se frente à multimodalidade proposta pela diversidade social

existente.

5. Referências bibliográficas

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intercultural&catid=62:edicao-3&Itemid=107> Acessado em 27/05/2013.

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ANÁLISE SEMIÓTICA EM CAPAS DE LIVROS DE FLE: QUE DIMENSÕES

SÓCIOCULTURAIS?

Gabrielly MELO (UFCG)

Rosiane XYPAS (UFCG)

RESUMO: Vivemos bombardeados o tempo todo por imagens, textos visuais riquíssimos em

detalhes que despertam curiosidade e encantamento que nos instigam e provocam novas

leituras. De acordo com a teoria cognitiva da aprendizagem multimodal, os alunos aprendem

melhor através de palavras e imagens porque são sistemas diferentes de representação do

conhecimento. No ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, sobretudo nos níveis

iniciantes, as imagens ocupam bastante espaço nos manuais didáticos e por ocuparem lugar

tão importante assim, podemos deduzir que elas são dignas de análises. Apesar de diversas

linhas de pesquisa existir no intuito de estudar textos e imagens, as capas dos materiais

didáticos são quase sempre ignoradas. Entretanto, a capa é um texto em seu contexto imediato

e produz um efeito global de significação em seu leitor. Além disso, como postulamos que

todo elemento que constitui uma capa está cheio de significados, percebe-se em contrapartida

certo descaso pelo estudo de capas de livro como se viesse a ser uma disputa entre palavra e a

imagem nos processos de edição e de leitura podendo desempenhar funções diversas nessa

conjunção. Visando ao desenvolvimento da competência cultural do aprendiz, a leitura/análise

da capa poderá abrir novos conhecimentos da cultura da língua alvo? Para responder a esta

pergunta, analisaremos as imagens de quatro capas de manuais didáticos de francês como

língua estrangeira (FLE): Carte sur table (1991); Café crème (1997); Connexions (2004 ) e

Mobile (2012). Propomos a fazer esta análise da seguinte forma: primeiramente, faremos um

inventário denotativo das mesmas, e em seguida, uma análise conotativa a fim de atingir,

níveis mais alto de significação. Apoiamo-nos neste estudo em teóricos como Bronckart

(2009) Mayer (2001); Pen (2012); Powers (2008).

PALAVRAS CHAVE: Capa. Didática de línguas estrangeiras. Imagem. Representação

cultural.

1. Introdução

Na semiótica da leitura, a interpretação começa logo quando o leitor se ampara do

texto. Mas de que texto se fala? Para nós texto é toda e qualquer imagem, toda e qualquer

palavra que se encontra desde a capa à contracapa. Tudo que consideramos texto em uma

obra, a saber, desde a capa, prefácio, sumário, quarta capa, tudo é passível de leitura. Como

não se pode falar de compreensão, de entendimento, de interpretação de texto sem que a

leitura se tenha começado, entendemos que fora do texto não há leitura e fora desta não há

análises. A leitura, vista por esse ângulo, acorda grande importância a todos os elementos que

constituem uma obra porque em graus diferentes cada elemento que compõe o texto suscita

interpretação.

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Ora, tudo na obra nos leva à leitura. Então, que lugar ocupa os elementos componentes

da capa, geralmente composta de textos verbais e não verbais? Segundo Otten (1986) o título,

os subtítulos e os títulos dos capítulos de uma obra, mesmo que sejam quase sempre

polêmicos constituem indubitavelmente o que ele chama de “ponto de partida de leitura” e ele

acrescenta, obrigatória. Esses elementos são os primeiros contatos que o leitor tem com o

texto, logo não deve ser ignorados nem por professores, nem por futuros professores de língua

estrangeiras. Em outros termos, esses dados evocam o conhecimento enciclopédico tanto

linguístico quanto cultural do aprendiz.

O desenvolvimento da dimensão sociocultural da língua alvo estudada pode partir da

leitura desses elementos quase sempre ignorados e pensamos que esse tipo de leitura

contribuirá positivamente para formar o aprendiz em um leitor ativo, qualidade essencial e tão

importante no ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras nos dias de hoje. Assim,

desejando aprofundar o estudo de representações socioculturais francesas, decidimos analisar

as imagens que se encontram nas capas de manuais de FLE, a saber, Carte surtable (1991);

Café crème (1997); Connexions (2004) e Mobile (2012).

Vale ressaltar ainda que segundo a semiologia da leitura, existem dois pontos

essenciais que demandam um leitor ativo: ele deve explorar os pontos de certeza e pontos de

incerteza do texto. Os pontos de incerteza suscitam o imaginário do leitor e os de certeza, seus

conhecimentos linguísticos e culturais. Ora, o ponto de certeza é fundamental para a leitura, é

dele que vão surgir elementos para se adentrar na interpretação. Neste artigo, objetiva-se

estudar a capa de cada livro didático escolhido. Otten (1986) afirma que a leitura da capa pode

favorecer o futuro professor de língua estrangeira, a adquirir novos conhecimentos da cultura

da língua alvo. De fato, analisar capas desloca os lugares comuns de estudo de representações

culturais francesas, como por exemplo, as inúmeras explorações feitas nas unidades didáticas

de diversos livros. Além disso, ler o que muitas vezes e ignorado, é contribuir para o

desenvolvimento do letramento visual e para a elaboração de uma visão crítica afim de

analisarmos as representações culturais da língua alvo.

Fundamentamo-nos em uma análise qualitativa neste estudo: primeiramente, faremos

um inventário denotativo das imagens, e em seguida, uma análise conotativa, a fim de atingir

níveis mais altos de significação da leitura das mesmas, segundo Pen (2012). Em seguida,

apresentaremos o corpus com o qual trabalhamos, as análises e os resultados das mesmas.

Enfim, algumas considerações abrem para um aprofundamento do estudo das representações

não verbais.

2. Fundamentação teórica

Colocar imagem e escrita em campos opostos e excludentes é, no mínimo,

ingenuidade, já que, mesmo à nossa revelia, tais códigos se encontram em constante interação.

(Walty, 2006). As imagens possuem um enorme potencial graças à sua linguagem, que pode

ser entendida em qualquer parte. Com a globalização, que a tecnologia tem favorecido e

incentivado, há um sistema de produção industrial de informação e publicidade centrado na

imagem, que procura, por um lado, apresentar os acontecimentos e informar, mas, por outro

lado, seduzir, argumentar e convencer.

As imagens são polissêmicas, por isso introduzem os diversos temas e mundos

sugeridos pelas mensagens. Relações com o cultural e civilizacional, a formação do leitor.

Valores que afirmam (do passado, do presente ou de projeção do futuro) e estados de alma

que representam (beleza, tristeza, depressão, angústia, euforia…). Valor utilitário como

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interesse comercial, didático, documental, narrativo de uma realidade atual, publicitário. O

sentido das cores: a representação do real; a tradução de estados de alma. Função informativa

a imagem fornece informações concretas sobre acontecimentos e elementos da realidade. É

testemunha dessa realidade, como sucede com os retratos e as fotos das reportagens, na

comunicação social. Vemos que a imagem nos transmite mensagens e diversas possibilidades

de leitura, o que se faz necessário introduzir os aprendizes no conhecimento do letramento

visual.

Dionísio (2012) emprega o termo letramento, abrangendo as seguintes variedades

terminológicas: letramento científico, novo letramento, letramento visual, letramento

midiático etc. Para a autora a noção de letramento apenas como habilidade de ler e escrever

não dá conta dos diferentes tipos de representação do conhecimento existentes em nossa

sociedade. Além disso, a autora ressalta a íntima relação entre imagem e palavra e destaca:

Imagem e palavra mantêm uma relação cada vez mais próxima, cada vez

mais integrada. Com o advento das novas tecnologias, com muita facilidade

se criam novas imagens, novos layouts, bem como se divulgam tais criações

para uma ampla audiência [....]. Cada vez mais se observa a combinação de

material visual com a escrita; vivemos, sem dúvida, numa sociedade cada

vez mais visual. (DIONÍSIO, 2012, p.138)

A estudiosa aborda o letramento visual e nos lembra de algumas culturas que apresentavam

sistemáticos meios de comunicação visual como as pinturas das cavernas, as pictogravuras no

Egito e na China, as igrejas da Europa medieval – verdadeiros livros didáticos sobre teologia

cristã. Ela adverte ainda que na contemporaneidade não podemos restringir a prática de

letramento apenas da escrita, do signo verbal. Faz-se necessário, portanto, incorporarmos ao

ensino, a prática de letramento da imagem, do signo visual. Sendo assim, é preciso falar em

letramentos e não em letramento.

É possível observar na atualidade o contínuo avanço dos recursos tecnológicos. Vive-

se bombardeados o tempo todo por imagens, textos visuais riquíssimos em detalhes que

despertam curiosidade, encantamento e instigam à busca pela compreensão, evocando novas

leituras.

Concordando com a autora mencionada anteriormente, não devemos fechar os olhos

para a diversidade de linguagens visuais porque estas, também objetivam construções de

sentido, significações, interpretações.

Um dos elementos mais importantes que se faz presente na leitura de imagens é a

faculdade que cada leitor tem de analisá-las.

Segundo Neiva (1993) a imagem é determinada pela posição presente do olhar. A cada

instante, o olhar cristaliza um novo padrão normal e uma nova ordem. A imagem é

essencialmente presença, e sendo possibilidade pura, nada lhe é impossível, mesmo quando o

objeto supostamente representado não tem como ser materialmente construído. Ainda Neiva

(1993) enfatiza igualmente que a imagem não é determinada exclusivamente pela

possibilidade do presente. As imagens são também históricas. A ontologia da imagem deve

conciliar as dimensões temporais do presente e sua passagem para o passado, bem como

aquilo que nos vem do passado para o presente. São fórmulas imagéticas que se repetem. As

figuras estão saturadas de sua cultura. Partindo da ideia de que diversas representações

culturais estão existentes nas imagens, o autor nos faz melhor refletir, mediante a respectiva

citação:

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Engana-se quem procurar interpretar imagens simplesmente a partir de uma

expressão de mestria técnica e individual - ainda que isso exista - duplicando

o mundo exterior sem mediações culturais. As imagens corporificam

concepções culturais coletivas [...]. Da imagem à ação, os vários níveis

possíveis da experiência cultural estão articulados (NEIVA, 1993, Imagem,

história e semiótica, disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v1n1/a02v1n1.pdf> acesso em: 24 de

setembro de 2013)

Partindo do pressuposto que o texto não verbal seja indispensável como uma

comunicação enquanto prática cultural, uma vez que as imagens são instrumentos que

possibilitam múltiplas interpretações como várias construções de sentidos, perguntamos por

que ignorar o gênero textual capa de livro? Powers (2008) enfatiza o quanto é espantoso que a

importância cultural das capas ainda seja negligenciada pelos bibliógrafos, ela é a parte

integrante da história de qualquer livro. Compreendemos assim a importância do letramento

visual que além de nos adentrar nesse modo de ler evocando nossa imaginação, nos faz

igualmente mergulhar na dimensão sociocultural da língua alvo aprendida.

3. Apresentação e análise do corpus de estudo

Como dissemos mais acima, nosso corpus é composto por quatro manuais didáticos de

FLE, a saber, Carte sur table (1991); Café crème (1997) Connexions (2004) e Mobile (2012).

Apresentamos primeiramente, em tabelas, a ficha catalográfica de cada manual, ou seja, o

nome do autor, o título do manual, o ano que foi publicado, os números de páginas, editora e

as unidades. Em seguida, poderemos ler as análises semióticas do corpus em questão à luz de

teorias da semiótica, quer dizer, faremos análises fundamentadas nas análises denotativa e

conotativa de cada capa escolhida.

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Livro Didático: Carte surtable

Livro didático Carte surTable

Editora Hachette

Autores René Richterich e Brigitte Suter

Unidades 15

N° de páginas 160

Ano 1991

(Elaboração própria com dados da pesquisa)

A análise denotativa orienta o leitor a ver, a descrever os elementos que compõem as

imagens fisicamente, e não àquilo que esses elementos evocam no analista, que é próprio da

função conotativa. No entanto, para efeito de leitura e compreensão mais suaves e

harmoniosas, preferimos apresentar nossa análise, fazendo um entrelaçamento das duas.

Apostamos que o leitor poderá perceber um texto fluido e interessante sobre as representações

culturais tanto as da língua alvo quanto as da língua fonte aqui presentes.

A primeira capa a ser analisada é a do livro didático Carte surtable (1991). Ela

apresenta cores fortes, predominantemente verde e amarela. Podemos observar que a cor

amarela viva está presente no fundo da capa e a cor verde destaca o título. No corpo da capa,

podemos ressaltar através de um desenho, pessoas dialogando. O diálogo é indicado através

do texto não verbal que vem interligado ao verbal dentro de balões que representam a

conversação.

Com destaque, vemos a indicação do nível do livro em questão. A indicação se

apresenta com uma imagem maior que é situada do lado direito da capa. Essa nos evoca a

representação do professor ou o chefe de empresa do mundo do trabalho. A cor de fundo dos

balões, mencionados no parágrafo anterior, é branca destacando as frases que, por sua vez,

não têm uma coerência dialógica entre elas, pois o que vemos são frases e palavras soltas

empregadas no cotidiano, tais como: j´aime (eu gosto); moi aussi (eu também); pourquoi

(porque); Moi, je n´aime pas du tout (Eu destesto); On se dit “tu”?(Pode me tratar por ‘tu’?);

Moi, je suis d´accord (eu sou de acordo); Moi, je ne peux pas dire “tu”(Não me trate por ‘tu’

). Todas estas expressões se referem ao cotidiano cultural francês e são expressões de

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“sobrevivência” que fazem parte do desenvolvimento linguístico de todo aprendiz iniciante de

Francês como língua estrangeira (FLE).

Vale a pena ressaltar também que as cores desta capa, nos remetem às cores da

bandeira do Brasil: verde e amarela. Como se sabe, essas cores têm uma grande significação

para todos os brasileiros, fazendo um elo entre a cultura alvo estudada com a cultura

brasileira, ou seja, a cultura de língua materna reforçando a compreensão pela empatia.

Uma análise denotativa mais aprofundada nos revela as ilustrações referentes às

pessoas adultas com suas vestimentas características de escritório, ou seja, camisa de manga

longa branca, gravata vermelha e calça comprida para os homens. Para as mulheres,

observamos vestidos simples, um de cor azul e outro de cor rosa. Outra curiosidade é que

vemos um corpo minúsculo com cabeças imensas! Vemos também as cores dos cabelos dos

homens em tons acinzentados, grisalhos e os das mulheres apresentam cor marrom claro.

Esta representação evoca uma sociedade francesa composta por pessoas mais experientes,

sobretudo os homens. Já as mulheres apresentam cabelos marrons claros demonstrando que as

mesmas são bem mais jovens que os homens, mas o mais importante é que elas estão

presentes no mercado de trabalho.

Vale à pena ressaltar a nossa fina observação na qual denominamos o traço forte nos

rostos dos personagens, a saber, o nariz. Este contrasta com seus olhos e suas bocas

pequeniníssimas. Seria o nariz protuberante, um traço físico característico dos franceses? Esta

pergunta nos evoca, dentre outras, a leitura da peça de teatro do autor Edmond de Rostand

(1897) que fala de Cyrano de Bergerac, cujo nariz proeminente pulula até hoje no imaginário

dos brasileiros fazendo relação com os narizes franceses!

Quando pensamos nos aspectos socioculturais mencionados no QECRL (2001) e

fazemos a ponte com o ensino aprendizagem da cultura em FLE, podemos afirmar que esta é

uma capa muito convidativa ao trabalho de representações culturais e instiga o leitor a fazer

várias interpretações. Enfim, é a pertinência das cores e ilustrações que pode facilitar para o

aprendiz iniciante de língua estrangeira, a interpretação ou a leitura das representações

culturais da língua alvo a ser estudada. Além do mais, evoca para os estudantes brasileiros, as

cores da bandeira do Brasil podendo o professor introduzir a interculturalidade na sala de aula

e trabalhar pontos convergentes e divergentes entre uma cultura e outra.

Livro Didático: Café crème

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Livro Café Crème

Editora Hachette

Autores

MassiaKaneman

MarcellaBeaccodi Giura

Sandra Trevesi

Dominique Jennepin

Unidades 16

N° de páginas 191

Ano 1997

(Elaboração própria com dados da pesquisa)

No livro didático Café crème (1997) predomina os tons de cinza escuro e marrom e

seu título se apresenta em forma de xícara nas cores bordô e branca. Pode-se ainda observar

na parte central da imagem analisada do livro didático em questão, objetos tais como, mesas,

cadeiras, como também uma imensa árvore do lado esquerdo da imagem, assim como

diversas pessoas descontraídas sentadas ao ar livre em um bar.

O texto não verbal e as cores em si presentes são muito significativas porque possuem

uma representação cultural intensa como um retrato de um dos pontos sociocultural da

sociedade Francesa. No dicionário etimológico português/francês Larousse, (2008, p.51)

traduz as palavras café Crème, estão definidas como café com leite.

O título Café Crème (1997) pode está relacionado ao consumo do café na França. Em todo

caso, sabemos que é um ponto cultural que merece destaque porque revela a paixão dos

franceses por esta bebida. Assim, fazemos a leitura do texto não verbal juntamente com o

texto verbal, pois o nome café vem em forma de fumaça e o nome crème em forma de xícara.

Como bem observamos, a cor de dentro da xícara é bege e sugere café com leite. A cor cinza

apresentada pode se referir ao clima da Europa (França): dias cinzentos e frios. Além disso, a

presença de uma árvore é bastante representativa porque evoca paisagens de outono/inverno

europeu. Em contrapartida, notamos que a imagem tem uma parte clara suscitando-nos a

representação sociocultural que o café apresenta na vida da sociedade francesa, a saber, o

prazer, o despertar, o “calor humano” em suas vidas.

Ainda esta imagem nos faz inferir um momento social na vida dos franceses que vem

através da “pause café” (intervalo para o café), que significa uma pausa dada geralmente nas

empresas ou em qualquer ambiente de trabalho para se tomar um cafezinho. As pessoas

necessitam desse descanso, podendo neste momento conversar nos corredores sobre diversos

assuntos informais ou formais referentes ou não à empresa.

Enfim, o café está presente como hábito na vida cotidiana dos franceses. Parece que

em cada esquina ou rua não falta um bar onde se possa beber café. O ato de se tomar café

pode ser considerado como um vício por uns, pelo menos é o que se sabe da cultura brasileira,

mas também pode se tornar um momento agradável de encontro entre pessoas ou uma ocasião

para trocar ideias.

Livro Didático Connexions

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Livro Connexions

Editora Didier

Autores Régine Mérieux

Yves Loiseau

Unidades 12

N° de páginas 191

Ano 2004

(Elaboração própria com dados da pesquisa)

O livro didático Connexions (2004) apresenta uma capa de cor alaranjada com

imagens embaçadas, ou seja, nada nítidas. O título se encontra ao centro da imagem e abaixo,

o nome dos autores e da editora.

Observando a capa do manual, ela apresenta uma mistura de tons mais claros:

amarelo, bege, branco e outros mais escuros, como marrom, azul, preto e vermelho. O título

localizado ao centro da imagem é o único que apresenta uma cor diferente das demais, a

saber, azul claro. A imagem central ocupa quase todo o espaço da capa. Este seria um índice

para chamar atenção do leitor auxiliando uma reflexão sobre a imagem que se apresenta no

corpus analisado?

No dicionário etimológico português/francês Larousse (2008, p.78) traduz a palavra

connexion como, (nf.) Conexão. Vemos que o ilustrador faz essa ponte do título com as

ilustrações, inferindo a correria, a agitação das grandes cidades na qual faz parte da vida e do

cotidiano francófono. Em um primeiro momento, esta capa exige muita reflexão da parte do

analista porque não evoca de imediato uma representação cultural francesa, pelo menos não o

podemos fazer. Entretanto, não é bem típico de todos os países do mundo moderno o corre-

corre do dia-a-dia, incluindo o Brasil?

A representação do corre-corre é feita com uma imagem que apresenta uma falta de

nitidez considerável. Dito em outras palavras, a imagem é propositadamente meio embaçada

dando a entender que se trata da correria de qualquer sociedade atual das grandes cidades do

século XXI. Em um segundo momento, com um olhar mais distante e crítico, podemos

deduzir representações culturais. Há efeitos de dimensões nas imagens provocando uma longa

exposição da mesma, como se quisesse que a capa esticasse para mostrar a energia da cidade e

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sua agitação através do movimento levando o leitor atento a praticamente “ver” este

movimento. Outro aspecto que queremos destacar nesta capa, são alguns pequenos pontos

laranja situados na horizontal e algumas linhas contínuas na vertical que nos remetem a traços

de imagens de televisão, dos computadores, dos telefones tentando conexão, fazendo assim

ligação com o título do manual.

Livro Didático Mobile

Livro Mobile

Editora Didier

Autores

Alice Reboul

Anne- Charlotte Boulinguez

GéraldineFouquet

Unidades 10

N° de páginas 140

Ano 2012

(Elaboração própria com dados da pesquisa)

O manual didático Mobile (2012) apresenta uma capa colorida em tons suaves, tais como,

branco, rosa claro, lilás, verde claro, entre outras cores. O título na parte superior vem com a

cor branca que sugere paz, sobretudo nos dias de hoje, na Europa, onde se fala muito no

plurimulticulturalismo.

A capa sugere uma imagem de um rosto humano formado por vários fragmentos de

pedaços de papeis coloridos incitando-nos ao multiculturalismo próprio do homem moderno.

Mas não só a isso como também a esse ser moderno que se faz não apenas com a língua-

cultura de seu país, mas também com a do outro. Segundo o filósofo Garcia (2005) só há

sujeito a partir de uma relação com o outro, com o mundo. O sujeito sempre está emaranhado

em uma teia de comunicação como destinatário, referente ou remetente. Essa afirmação nos

permite refletir, sobre a hipótese desta imagem, fazer inferência sobre a construção do

conhecimento e da impregnação de diversas culturas em um só ser. O dicionário etimológico

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português/francês Larousse 2008, trás a seguinte tradução para a palavra Mobile, a saber, adj.

cloison, pièce, móvel (p.221).

Sabe-se que principalmente neste século, e nessa nova geração com o avanço das

tecnologias, as pessoas estão cada vez mais interligadas e hábeis, podendo fazer várias coisas

de uma só vez: trabalhar, conversar, interagir com uma grande quantidade de pessoas ao

mesmo tempo. Entretanto, as representações culturais veiculadas pela capa em análise não é

apenas uma realidade da cultura francesa, mas também da maioria dos países no mundo que

vivenciam essa nova era digital.

4. Considerações finais

As imagens são instrumentos que possibilitam múltiplas interpretações, várias

construções de sentidos, em outras palavras, as imagens, quando trabalhadas, são portas de

entrada para diversas leituras, logo diversas interpretações é em outras palavras, o elemento

motivador do signo visual, sua polissemia.

A partir do estudo apresentado verificamos que as capas dos livros são pensadas e

muito bem elaboradas com o propósito de provocar expectativas e com o objetivo de

estimular os aprendizes à leitura.

No nosso trabalho, analisamos e demos ênfases às capas com intuito de que é possível

que o futuro professor de FLE se torne um aprendiz-leitor ativo observando as representações

culturais contidas nas capas dos livros didáticos com os quais trabalham e aprendam com elas

a fazer inferências, estratégia de aprendizagem fundamental para se fazer valer o

conhecimento do mundo dele.

Sugerimos que este tipo de leitura em capas de manuais didáticos deva ser incentivado

pelos professores de FLE dando um devido valor as mesmas já que estes textos não verbais

estão tão presentes em diversos materiais didáticos de LE, sobretudo nos níveis iniciantes.

Como vimos acima a análise das capas resulta de diversas representações do cotidiano francês

como o mundo do trabalho, a pausa café que relevou igualmente de um momento de

descontração e de encontro entre os franceses em um bar, o mundo social francês e suas

tecnologias avançadas e por fim a consciência da construção do ser humano de em dia

fragmentado com tantas culturas em si.

5. Referências bibliográficas

Dicionário Larousse francês/português, português/francês: mini/(coordenação editorial José

A. Gálvez). 2° Ed. São Paulo: Larousse do Brasil, 2008.

DELACROIX, Maurice; HALLYN, Fernand, Introduction aux études littéraires IN

DIONÍSIO, P. Angela, Gêneros textuais e multimodalidade, In Gêneros textuais reflexões e

ensino, 4a edição, São Paulo: Parábola, 2011, p. 137 a 173.

GARCIA, Gabriel Cid de Garcia, multiplicidade semiótica: o real segundo uma perspectiva

intuitivo comunicacional, contemporânea, n4, 2005.1, disponível em:

<http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_04/contemporanea_n04_12_GabrielCidGarcia.pdf

> acesso em: 9 out 2013.

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NEIVA, Imagem, história e semiótica, 1993, disponível

em:<http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v1n1/a02v1n1.pdf> acesso em: 24 set 2013.

POWERS, Alan, Era uma vez uma capa, História ilustrada da literatura Infantil, Cosacnaify,

2008.

Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas - Aprendizagem, ensino, avaliação

Porto, Edições ASA, 2001.

WALTY, Ivete Lara Camargos, Palavra e imagem: leituras cruzadas/Ivete Lara Camargos

Walty, Maria Nazareth Soares Fonseca,Maria Zilda Ferreira Cury. – 2° Ed.reimp.- Belo

Horizonte: Autêntica,2006.

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A PERSPECTIVA CONTEXTUALIZADA PARA A FORMAÇÃO DE FUTUROS

PROFISSIONAIS DE FLE

Joice ARMANI GALLI

[email protected]

Universidade Federal de Pernambuco/UFPE

RESUMO : O conceito que emana de um conhecimento é o eixo central da formação

profissional, principalmente nos estudos relacionados à educação e particularmente nos

estudos relativos ao processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras (LE). A

presente comunicação objetiva apresentar algumas possibilidades na formação universitária

dos estudantes de francês como língua estrangeira (FLE), a partir da abordagem sociodidática

preconizada pelo Guide pour la recherche en didactique des langues et des cultures:

approches contextualisées, organizada por Blanchet & Chardenet (2011) e a partir dos

referenciais teóricos de Puren (2009) e Galli (2011). Compreendendo o processo de aquisição

como letramento em LE, serão abordadas interfaces possíveis durante a formação

universitária para a tradução nesta área. Privilegiando-se, portanto, a pesquisa contextualizada

serão apresentados os resultados de trabalhos que contemplam os três eixos da formação

acadêmica: língua, literatura e pesquisa científica.

Palavras-chave: FLE/Linguagem/Tradução/Pesquisa/Formação

1. Introdução

A pesquisa científica na área das ciências humanas, particularmente nas ciências da

linguagem tem por natureza desenvolver-se em contextos de atuação subjetivos. Acrescente-

se que os fatores que lhe são intrínsecos são comumente de difícil apreensão objetiva. Dessa

forma, propomos discorrer sobre os três eixos da formação em Letras, a saber: língua,

literatura e pesquisa científica na tríade que lhe é correspondente: graduação, extensão e

pesquisa. Do ponto de vista da história das metodologias de línguas estrangeiras – LE

(GALLI, 2011:33), tal articulação tornou possíveis experimentos acadêmicos situados entre a

Abordagem Acional (AA) e a Abordagem Sociodidática (AS), também conhecida como

perspectiva contextualizada, indo ao encontro das investigações dessa natureza que se

desenvolveram no âmbito da tradução na UFPE nos últimos anos.

Assim, será desenvolvido inicialmente o relato do trabalho realizado para a tradução

de um texto literário pelo grupo de estudos franceses desta instituição, na interlocução entre

língua e literatura para a investigação científica. A seguir, será desenvolvida a reflexão sobre

o exercício acadêmico de transcrição e sua respectiva tradução, em uma entrevista sobre

gêneros textuais. Ambas as produções estão disponíveis na literatura contemporânea como

resultado de um processo de investigação pertinente para grupos de estudo de áreas afins, já

que a perspectiva contextualizada face à realidade e às condições de trabalho pode contribuir

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para a resolução de problemas comuns à pesquisa nas áreas humanas, sobretudo nos estudos

das ciências da linguagem.

2. Tradução literária – Gilbert Durand

Discorrer sobre o processo tradutório não é o objetivo do presente trabalho. Importa

aqui registrarmos a relação que o olhar investigativo de um grupo de pesquisa permite

desenvolver frente ao objeto bruto que representa um texto em LE, neste caso um ensaio em

francês. Desencadeado pela solicitação de um dos membros do NEPLEV (Núcleo de Estudos

de Práticas de Linguagem em Espaço Virtual), em 2011, o primeiro grupo de trabalho do

LENUFLE (Letramento ‘Numérique’/digital do Francês como Língua Estrangeira) composto

por duas alunas voluntárias sob a direção das professoras líderes do grupo, deram início à

leitura e pesquisa do campo semântico no qual se situava o texto de Gilbert Durand, intitulado

Pas à pas mythocritique, de 1996. Material que foi publicado inicialmente em Imaginários

francófonos, sob a direção de Arlette Chemain, nas ‘Publicações da Universidade de Nice’, do

mesmo ano, conforme consta no original em Nota do Autor.

Porém, nossa referência é feita à publicação da ELLUG, ‘Editions Littéraires et

Linguistiques de l’Université de Grenoble’, conforme cópia da capa do artigo a seguir:

Cabe registrar que esta editora foi devidamente contatada, visando autorizar a tradução

para fins de estudos universitários no Brasil, de acordo com a nota explicativa da publicação

final desta tradução do ensaio, conforme http://www.revistaaopedaletra.net/volume14-2-

home.html#

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Após uma leitura global e algumas reuniões com o membro e alunos do grupo

demandante, o material foi dividido, dividindo-se igualmente as tarefas e a orientação de cada

parte da tradução. Seguida desta etapa, encontros internos para discussões de caráter

semântico foram realizadas pelo diálogo com o NEPLEV, a fim de criar uma tessitura na

linguagem investigativa que se tentava imprimir nesta tradução literária. Consideramos

oportuno ilustrar tal processo com o excerto a seguir, no qual a subjetividade do emprego de

uma determinada palavra em detrimento de outra implica consequências decisivas para a

adequada tradução de um artigo como característica deste trabalho da extensão universitária.

O sentido ao longo de toda ação extensionista foi construído en binôme, ou seja, pelos dos

dois grupos de trabalho: LENUFLE e NEPLEV na perspectiva de elaboração conjunta do

texto final.

Na reflexão sobre a captura do mito significativo, Durand elenca algumas

possibilidades quantitativas, como o levantamento estatístico lexical ou sintático, concluindo

a respeito de sua insuficiência conforme a tradução significativa do ensaio que destacamos a

seguir:

Na sequência dessas inevitáveis reflexões que concernem ao quantitativo,

alguns pensaram (P. Guiraud, Van den Berghe, L’École de Groningue) que o

método estatístico poderia ser aplicado aos léxicos e às sintaxes de um “texto”

(literário, dramático, musical, pictórico...). Porém, o que enumerar? A Escola

de Groningue pensou que apenas o léxico era enumerável, mas então se perde

a preciosa contribuição dos conectores, das preposições. E, sobretudo, se cai

na armadilha de palavras tornadas lugares-comuns, arbitrariedades, e tendo

perdido por isso toda virtude significativa: no século XVII, na França, a

“chama” não evoca mais os incêndios! Cada época, cada grupo social tem

um jargão banalizado, tendo perdido toda raiz etimológica e semântica: a

“flamme”27

das “preciosas” não significa mais o fogo e o incêndio [...].

(BORBA & JARDIM, 2012: 135, grifo nosso)

Durand afirma que é preciso observar o qualitativo, processo que ele nomeará ‘método

qualificativo’ neste processo pela busca do mito. Dessa forma, vemos que não se tratava

apenas de somar um trabalho técnico de língua a um trabalho conceitual de literatura, mas

tecer a trama desta linguagem a partir de uma pesquisa precisamente contextualizada:

Beaucoup de chercheurs ont fait l’expérience de la difficulté d’exposer la

nuance, la complexité et la relativité d’un point de vue scientifique face par

exemple à une demande médiatique qui veut des réponses tranchées, entières,

simplistes. Cette reconfiguration de la science en croyance constitue un

détournement ou une instrumentalisation des connaissances scientifiques qui

doit attirer la vigilance des chercheurs. (BLANCHET, 2011 : 13) 28

27

A “paixão” das mulheres do século XVII, ditas “preciosas”, por suas maneiras refinadas e elegantes, porém,

não raras vezes, frívolas. (N. das Trad.) 28

Muitos pesquisadores experimentaram a dificuldade em expor a nuance, a complexidade e a relatividade de

um ponto de vista frente, por exemplo, a uma demanda mediática que pede respostas recortadas, completas,

simplistas. Tal reconfiguração da ciência em crença constitui um desvio ou uma instrumentalização dos

conhecimentos científicos que deve atiçar a vigilância dos pesquisadores. (Tradução nossa)

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Priorizando-se o conteúdo em detrimento da forma, chegamos, para este trabalho, aos

seguintes consensos: de que as aspas e grifos permaneceriam conforme original de Durand;

que títulos de obras já publicadas em língua portuguesa seriam traduzidos, enquanto as

demais permaneceriam no original francês; e que, além das Notas do Autor, haveria Notas das

Tradutoras a título de esclarecimento.

A presente produção pode ser consultada na página a seguir em que a tradução de um

texto que poderia unicamente servir de referência, o que por si só já é suficiente para justificar

o trabalho, adquiriu aqui uma dimensão bastante pertinente para o grupo de pesquisa do

LENUFLE, já que tornou autores de sua leitura todos os membros de ambos os grupos

envolvidos neste trabalho.

A repercussão deste trabalho vai igualmente ao encontro dos preceitos de ação e

interação, previstos também pela AA. Segundo Puren (2009), na obra A abordagem acional

no ensino das línguas, as teorias cognitivas atuais têm valorizado o fato de que a reflexão

sobre o processo de aprendizagem contribui com o próprio processo. Nesse sentido,

entendemos que o aprendizado de uma LE passa necessariamente pela consciência de sua

aquisição, sendo assim, nada melhor que o exercício de uma pesquisa linguística para

experimentar a reflexão suscitada por este Autor.

O resultado desta produção está disponível na Revista dos alunos de graduação em

Letras da UFPE, denominada Ao Pé da Letra, na edição de número 14/I, conforme é possível

verificar na imagem a seguir e legitimada no pensamento de Durand sobre tradução ao

afirmar que Leitura, interpretação são, em última análise, “tradução” que dá vida, que

empresta minha vida à obra imobilizada, morta. Por meio da “tradução”, minha própria

linguagem se torna una com aquela do criador. (DURAND, 1996: 235)

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TRANSCRIÇÃO E TRADUÇÃO – JEAN-MICHEL ADAM

O grupo de estudos de francês, LENUFLE, desenvolve igualmente pesquisas em

parceria com outros grupos e instituições. Desde 2010 o referido grupo realiza trabalhos

colaborativos com o NIG – Núcleo de Investigações sobre o Gênero, para a Série Bate-Papo

Acadêmico, conforme endereço a seguir:

http://www.nigufpe.com.br/serie-academica/expediente-da-serie-bate-papo-academico/

No entanto, o trabalho que será desenvolvido aqui diz respeito particularmente a um

conteúdo que está em vias de ser veiculado por conta de todo o processo longitudinal que um

estudo desta envergadura implica. Assim, em 2011, iniciou-se o levantamento bibliográfico

do linguista suíço Jean-Michel Adam, da Université de Lausanne, a partir da solicitação de

transcrição da entrevista, de acordo com a imagem a seguir:

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A Série Bate-Papo Acadêmico caracteriza-se por tornar acessíveis conteúdos

contemporâneos relativos aos gêneros linguísticos em quatro línguas, a saber: português,

espanhol, inglês e francês. Assim, desta produção dependeriam as demais versões do

português, do inglês e do espanhol. A responsabilidade e exigência criteriosas demandadas

por este trabalho foram duplicadas. A implicação desta experiência acadêmica foi dobrada,

pois tínhamos de transcrever para posteriormente traduzir do francês para o português.

Finalizada esta etapa teríamos o texto em sua versão portuguesa para que colegas do inglês e

espanhol pudessem vertê-lo para suas respectivas línguas.

Em reuniões com o grupo igualmente voluntário de três jovens pesquisadores do

LENUFLE deu-se início à escuta detalhada da entrevista através do vídeo que nos foi

entregue pela líder do NIG. A análise inicial possibilitou a distribuição das cinco perguntas

que compõem esta entrevista (todas igualmente extensas), intituladas em conformidade com

as perguntas norteadoras de cada parte. A metodologia desta pesquisa interativa sobre a

linguagem demandou também conhecimento dos teóricos sobre os quais o entrevistado

remetia seu texto, como no trecho do exemplo a seguir em que destacamos alguns nomes em

negrito29

:

3. Entrevista Jean-Michel Adam

NIG Question 1 : Bonjour, Professeur Jean-Michel Adam, merci d'avoir accepté notre

invitation. Nous aimerions, enfin, vous poser quelques questions autour de votre production

scientifique. Alors, pour commencer... eh... ça serait peut-être bien de nous expliquer

comment vous voyez la question de la Linguistique Textuelle (LT) en France et les rapports

de la LT dans d'autres traditions, comme l'allemande ?

JEAN-MICHEL ADAM: Justement, ce qui est, ce qu'il faut c’est distinguer, distinguer les

pays. C’est-à-dire qu'en France, la LT est assez peu développée. J'ai des collègues qui

m'écrivent régulièrement pour me dire qu'ils doivent faire les enseignements de LT

invisiblement. Les enseignements se multiplient dans les universités – j'ai encore un collègue

de Nice qui m’a écrit il y a quelques jours – mais la recherche en LT proprement dite est

relativement peu développée, parce qu'en France ce qui l'a importée c'est la linguistique

transphrastique, la grammaire transphrastique. Et même des collègues et amis comme

Bernard Combette ou Michel Charolles disent aujourd'hui qu’ils ne font pas de LT, ils font

de la linguistique du transphrastique. Donc, c'est le secteur le plus développé, de façon

vraiment... scientifiquement... que je trouve très pertinente etc. –, mais la question du texte

n'est pas leur objet et ils le disent très, très ouvertement. Donc, en France, je suis un des rares

à continuer à tenter de poser le problème de la LT comme théorie générale du texte. [...]Chez

Coserieu c'est d’une limpidité absolue, il dit: une linguistique qui n'est pas capable de rendre

compte du fait singulier qui est un texte comme un événement sociocommunicatif unique,

jamais reproductible. Donc il doit y avoir une théorie capable de penser cette unicité et, dans

ma tête, si cette théorie se développe suffisamment, elle doit permettre de supprimer les

divisions classiques entre le domaine littéraire de la stylistique, qui ont pour objet justement

les textes singuliers littéraires et les études de type communication, études de discours

politiques ou de discours, je ne sais pas, publicitaires ou journalistiques. Il doit y avoir une

discipline unifiée qui est capable de rendre compte aussi bien d’un discours politique singulier

29

Devido à extensão das perguntas e profundidade do tema não exemplificaremos aqui toda a primeira questão,

mas somente parte dela.

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que d'un texte littéraire dans sa singularité. Donc, le livre qu'on a publié en portugais sur les

analyses textuelles et discursives avec Ute Heidmann et Dominique Maingueneau et nos

collègues, de... justement – je lis ce passage –, João Gomes da Silva Neto et

Magda das Graças Soares Rodrigues on a travaillé là sur les discours politiques.

Importa ressaltar que por se tratar de uma entrevista, o registro da oralidade tinha de se

fazer com marcadores textuais passíveis de leitura pelo coletivo do grupo de pesquisa

LENUFLE. Além disso, foi muito adequado para os alunos distinguirem construções e usos

que são feitos somente na estrutura escrita frásica, sendo subvertidas pela espontaneidade de

uma entrevista.

Dessa forma, podemos destacar o emprego de donc, o qual em seu registro formal não

é comumente usado no início das orações, mas abre as frases em destaque nesta tradução.

Apesar de ter o mesmo valor em português de conector conclusivo, como ‘portanto’ ou

‘assim’, cabe mencionarmos que é geralmente empregado na posição inicial na forma escrita

do português. Vejamos a tradução do mesmo excerto com estes destaques:

NIG Questão 1: Como o senhor vê a questão da Linguística Textual (LT) na França e as

relações da LT em outras tradições, como a alemã, por exemplo?

Jean-Michel ADAM: Exatamente, o que é preciso distinguir seja talvez os países. Isso

significa dizer que na França a LT é pouco desenvolvida. Tenho colegas que me escrevem

regularmente para dizer que têm de fazer o ensino da LT invisivelmente. Os cursos

multiplicam-se nas universidades – tenho ainda um colega de Nice que me escreveu há alguns

dias – mas a pesquisa em LT propriamente dita é relativamente pouco desenvolvida, porque

na França a linguística transfrásica foi a que dominou em relação à LT. Mesmo colegas e

amigos como Bernard Combettes ou Michel Charolles afirmam atualmente que não fazem

LT, mas linguística transfrásica. Portanto, é o setor mais desenvolvido, de maneira

propriamente... científica..., o que considero muito pertinente, etc. Mas a questão do texto não

é o seu objeto, e eles o afirmam de forma muito aberta. Assim, na França, sou um dos poucos

que continua tentando colocar o problema da LT como teoria geral do texto.[...] Na obra de

Coserieu isso é de uma nitidez absoluta, ele diz: uma linguística que não é capaz de dar conta

do fato singular que é um texto como um evento sócio-comunicativo único, nunca

reproduzível... Portanto, deve haver aí uma teoria capaz de pensar essa unicidade e, na minha

cabeça, se essa teoria se desenvolve suficientemente, deve permitir a supressão das divisões

clássicas entre a área literária da estilística, que tem por objeto justamente os textos singulares

literários e os estudos do tipo comunicação, estudos do discurso político ou discursos... sei lá,

publicitários ou jornalísticos. Deve haver uma disciplina unificada que seja capaz de dar conta

tanto de um discurso político singular quanto de um texto literário na sua singularidade.

Assim, o livro publicado em português sobre as análises textuais e discursivas com Ute

Heidmann e Dominique Maingueneau e nossos colegas, de... exatamente, leio essa passagem

(risos), João Gomes da Silva Neto e Magda das Graças Soares Rodrigues, trabalhou-se com

discursos políticos.

Interessante observar a passagem da transcrição para a tradução como movimentos

distintos, particularmente na preparação de um texto para ser vertido em outras línguas.

Tivemos de optar pelo apagamento do maior número possível de hesitações da expressão

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verbal, conforme é possível verificar desde a extensão da pergunta em seu original francês e a

tradução para o português.

Reconhece-se que inúmeros itens tanto de forma, como técnica de escuta, leitura labial

e la gestuelle (os gestos), quanto de conteúdo, como o intertexto gerado pela referência a

teóricos da linguagem fizeram com que este trabalho adquirisse uma densidade textual

bastante complexa. Frente a tais dificuldades criaram-se tabelas para cumprimento de prazos,

levantamento dos teóricos, realização por etapas da transcrição, seguida de revisão e posterior

tradução para a língua portuguesa.

Apesar desta recheche-action (pesquisa-ação) ter sido redirecionada e finalizada pelas

líderes do LENUFLE, a mesma não teria ocorrido sem a grande contribuição dos jovens

pesquisadores, responsáveis pelas primeiras etapas deste estudo linguístico.Tal acontecimento

é próprio à pesquisas desta natureza, pois

Toute recherche sociodidactique commence par étudier la spécificité

du terrain où elle s’inscrit, avant de mettre au jour des corrélations

parfois généralisables ou transférables entre les divers paramètres qui

la composent. (BLANCHET et RISPAIL, 2011 : 66)30

Teríamos uma série de outras observações a fazer, mas nenhuma delas substitui o

experimento da pesquisa, ou seja, a reverberação de seu processo na formação de futuros

profissionais do FLE em sua carreira acadêmica, seja como professores, seja como tradutores,

já que o processo de aquisição de uma LE pode ser infinitamente superior ao da

aprendizagem. Segundo Puren (2009), formar sob a nova perspectiva da abordagem acional

e, portanto, contextualizada significa considerar a realização coletiva pelos estudantes frente

aos projetos de estudos que lhe são propostos. Dessa forma, pensamos que o LENUFLE

oportuniza o mergulho na pesquisa linguística e na realização de projetos de cunho acional.

4. Conclusão

Ambas as pesquisas aqui relatadas partem da autonomia, oportunizando protagonismo

científico para jovens pesquisadores. Tanto no estudo do ensaio literário de Gilbert Durand

quanto no trabalho sobre gêneros textuais de Jean-Michel Adam. Entendemos que o registro

destas ações dos três diferentes grupos de pesquisa envolvidos: LENUFLE, NEPLEV e NIG

no tocante à formação, extensão e pesquisa mereçam maior visibilidade, particularmente pelo

fato de que investigações cuja matéria prima seja a linguagem implicam peculiaridades

próprias às ciências humanas. Daí finalizarmos com a frase de Durand, a qual afirma que [...]

nous ne sommes pas, ne serons jamais dans une science exacte (1996: 240). A ideia de que

não somos nem nunca seremos uma ciência exata convida a entendermos a potencialidade da

pesquisa na área das humanidades.

5. Referências

30

Toda pesquisa sociodidática começa por estudar a especificidade do terreno no qual se inscreve, antes de tentar

estabelecer correlações por vezes generalizáveis ou aplicáveis aos diversos parâmetros que a compõem.

(Tradução nossa)

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BORBA, Camile Fernandes. JARDIM, Jéssica Cristina dos Santos. Tradução do ensaio ‘Pas à

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GALLI, Joice Armani. As línguas estrangeiras como política de educação pública plurilíngue.

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ENTRE O VERMELHO E O AMARELO: INTERTEXTUALIDADE E PSICANÁLISE

EM CHAPEUZINHO AMARELO, DE CHICO BUARQUE

Ana Flavia da S. Oliveira31

Márcio dos Santos Gomes32

RESUMO: O presente estudo resgata a premissa exposta por Bruno Bettelheim em A

psicanálise dos contos de fada (2002) de que os contos de fada podem influenciar o

desenvolvimento psicológico das crianças. Tomando essa premissa como hipótese, propomos

uma leitura do comportamento da personagem principal no conto Chapeuzinho Amarelo, de

Chico Buarque, fundamentada em alguns teóricos da psicanálise da literatura, como

Bettelheim (2002), e da teoria psicanalítica clássica de Freud (1996 a e b), de Melanie Klein, e

mais recentemente de Cintra e Figueiredo (2004). Nosso principal objetivo é discutir alguns

indicadores internos do texto de Buarque que sugerem uma conotação sexual, a partir da

teoria psicanalítica, considerando a hipótese, apontada por Bettelheim (2002), de que, são

essas conotações que permitem à criança se identificar com as estórias ou com um/a

determinado/a personagem, uma vez que ela também guarda, em seu inconsciente, desejos

sexuais reprimidos tais como esse/as personagens. Para chegarmos a esse objetivo iniciamos o

estudo discutindo aspectos do texto relacionados com o conceito de ‘intertextualidade’, de

Julia Kristeva (2005) e de ‘intertextualidade pós-moderna’, de Linda Hutcheon (1991) que

fornecem a possibilidade de se estabelecer pontos de contato não só com a Chapeuzinho

Vermelho, de Perrault, mas também com o texto Além do Princípio de Prazer de Freud.

PALAVRAS-CHAVE: Chapeuzinho Amarelo. Intertextualidade. Psicanálise

1. Introdução

Há séculos os contos de fadas encantam crianças de todo o mundo. Por muito tempo

a literatura infantil esteve, exclusivamente, a serviço da pedagogia, no entanto, os contos de

fadas diferenciam-se dos demais gêneros literários infantis, pois, como aponta Bettelheim

(2002), ele ensina mais que qualquer outro gênero, uma vez que pode contribuir para o

desenvolvimento psicológico da criança. Assim, o presente estudo, realizado com base na

teoria psicanalítica, parte do princípio de que os contos de fada podem influenciar no

desenvolvimento psicológico das crianças, fundamentada na ideia exposta por Bruno

Bettelheim (2002), em A psicanálise dos contos de fadas. Para tanto partimos da leitura do

conto Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, com o intuito de realizar uma análise

direcionada ao comportamento da personagem principal, utilizando as contribuições de

Melanie Klein, apresentada por Cintra e Figueiredo (2004) e Freud (1996), que tratam da

sexualidade e do desenvolvimento psíquico infantil.

31

Pós-graduanda da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

32 Professor de Teoria da Literatura da Universidade Estadual da Paraíba (CCHE-UEPB).

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Nosso principal objetivo é demonstrar como os indicadores que apontam para uma

conotação sexual estão presentes no conto, considerando a hipótese, apontada por Bettelheim

(2002), de que, são essas conotações que permitem à criança se identificar com as estórias ou

com um/a determinado/a personagem, pois a criança também guarda, em seu inconsciente,

desejos sexuais reprimidos tais como esse/as personagens com os quais toma contato nas

estórias infantis. Intencionamos também apontar aspectos ligados à intertextualidade presente

nessa narrativa na relação que estabelece com o conto clássico Chapeuzinho Vermelho. Para

trata do tema intertextualidade lançamos mão das teorias apresentadas por Kristeva (2005) e

Hutcheon (1991).

Em seu estudo a respeito dos contos de fada, Bettelheim (2002, p. 63) considera

pouco significativo as ilustrações que realçam as narrativas nos contos infantis. Segundo o

autor “um conto de fadas perde muito de seu significado pessoal quando suas figuras e

situações recebem substância não através da imaginação da criança, mas da de um ilustrador”.

Segundo essa concepção, o uso da imagem restringiria a atividade imaginativa da criança

deixando essa imaginação limitada às gravuras do papel. A despeito das considerações de

Bettelheim (2002), percebemos que, para o nosso estudo, as ilustrações podem contribuir de

forma expressiva para a obtenção do resultado final da análise, pois essas nos asseguram a

possibilidade de se ler nas entrelinhas, uma vez que, nesse caso, as imagens nos levam,

simbolicamente, a visualizar os anseios sexuais da personagem, se partimos dos conceitos da

psicanálise, considerando-se que: “A história e a moral escrevem-se e lêem-se na infra-

estrutura dos textos.” (KRISTEVA, 2005, p. 66). Um estudo um pouco mais detalhado das

cores, por exemplo, que compõem as ilustrações das edições pode fornecer um caminho para

se chegar a essa compreensão. A edição de Chapeuzinho Amarelo utilizada nessa pesquisa é a

autenticada com o selo de Obra selecionada para o Programa Nacional Sala de

Leitura/Bibliotecas Escolares – MEC/FAE, de 1994, com planejamento gráfico de Donatella

Berlendis. Lembrando que o livro foi publicado pela primeira vez em 1979. Já as informações

sobre Chapeuzinho Vermelho parte do que expõe Bettelheim (2002), sobre esta obra.

2 A irônica intertextualidade em Chapeuzinho Amarelo

2.1 Intertextualidade: perspectivas teóricas

Preferimos inicialmente discorrer sobre o conceito de intertextualidade e suas

marcas presentes na narrativa de Chapeuzinho Amarelo. O conceito de intertextualidade é

bastante abordado em estudos científicos da área de humanas na contemporaneidade, isso

porque, como apontam (KOCH; BENTES; CAVALCANTE, 2008, p. 13) ela promove uma

releitura de textos já existentes. Como já havia apontado Kristeva (2005) “todo texto se

constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”

(p.68). Dessa forma, cada texto dialoga com outro texto preexistente, e é por meio desse

diálogo que se estabelece a intertextualidade.

Linda Hutcheon (1991), por sua vez, apresentou uma nova contribuição ao conceito

de intertextualidade ao abordá-la no contexto da pós-modernidade. Segundo a autora, cada

texto possui um intertexto, sendo assim, “intertextualidade pós-moderna é uma manifestação

formal de um desejo de reduzir a distância entre o passado e o presente do leitor e também de

um desejo de reescrever o passado dentro de um novo contexto. [...]”. (HUTCHEON, 1991, p.

157). Reescrever passado é adaptá-lo, traduzi-lo. Mas de que forma se processa essa

adaptação? Para Hutcheon (1991) o que define a intertextualidade pós-moderna é o uso da

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paródia e da ironia, marcas essas que imprimem ao novo texto um caráter subversivo uma

vez que “aquilo que ‘já foi dito’ precisa ser reconsiderado, e só pode ser reconsiderado de

forma irônica”. (HUTCHEON, 1991, p. 62). Segundo a autora, “a paródia é uma forma pós-

moderna perfeita, pois, paradoxalmente, incorpora e desafia aquilo a que parodia. Ela também

obriga a uma reconsideração da idéia de origem ou originalidade” (HUTCHEON, 1991, p.

28).

Conforme Hutcheon, a intertextualidade e a paródia mantêm uma relação de

paralelismo no interior da narrativa, uma vez que esta é construída, pelo escritor, de forma

que se permita uma ‘distorção’ dos textos referenciais, porém, sem que ocorra sua destruição.

A paródia irônica, portanto, é um dos mecanismos do que a intertextualidade pós-moderna

se utiliza, mas ironizar e parodiar no sentido de questionar, de subverter os textos originais.

Sendo assim, cada escritor produz dentro de um determinado contexto sociocultural e

político, e sua escrita se torna um reflexo desse determinado espaço temporal. Dessa forma,

cada variante de uma mesma estória, ainda que não seja original, traz consigo características

que a torna particular, pois proporciona uma nova leitura sobre um texto já existente, uma vez

que mostra o olhar de cada autor que reescreve tal texto.

Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, surgiu no século XVII, com autoria do escritor

Francês Charles Perrault, ao passo que Chapeuzinho Amarelo foi produzido no Brasil na

década de 70. Há de se concordar que os interesses que levaram Perrault a escrever sua estória

diferem dos de Chico Buarque, pois, certamente, uma vez que cada escritor atenta para as

necessidades da sua época e do contexto em que está inserido, assim, “uma obra literária já

não pode ser considerada original; se o fosse, não poderia ter sentido para seu leitor. É apenas

como parte de discursos anteriores que qualquer texto obtém sentido e importância.”

(HUTCHEON, 1991, p. 166).

Chapeuzinho Amarelo, portanto, torna-se importante a partir do momento que retoma

outra estória mudialmente conhecida no universo literário por crianças de todas as idades,

respeitando, porém as condições de produção de sua época. Isso não significa que todo texto

tenha um intertexto explícito, nesses casos o leitor pode não perceber a intertextualidade, mas

ela não deixa de existir por esse motivo.

2.2 Marcas intertextuais em Chapeuzinho Amarelo e a possibilidade da interpretação

psicanalítica.

Podemos destacar que as marcas da intertextualidade se fazem presentes já no título,

Chapeuzinho Amarelo, menção direta ao conto popularizado pelos Irmãos Grimm, em que o

autor muda só o segunto nome da estória. Na sequência da narrativa, o narrador apresenta

outros elementos que nos remetem a Chapeuzinho Vermelho, como a menina que usa chapéu

Amarelo, referência direta a Chapeuzinho Vermelho, o lobo e o caçador, este último, citado

uma única vez. A narrativa de Buarque se constrói, no entanto, por meio de uma espécie de

inversão dos relatos dos acontecimentos. A personagem de Chico Buarque não é a mesma

Chapeuzinho de Perrault, dos Irmãos Grimm e de tantas outras versões existentes da obra. O

narrador também não narra uma estória passada, como acontece em Chapeuzinho Vermelho.

É uma estória atual, como podemos observar na primeira frase do conto: “Era a Chapeuzinho

Amarelo”, e não “Era uma vez” como ocorre normalmente nesse tipo de narrativa. Isso

implica dizer que ao valer-se dessa estratégia o narrador do texto de Chico Buarque aproxima-

se mais do público ouvinte/leitor.

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Outra marca importante é o uso da paródia com relação ao intertexto original.

Ironicamente Chapeuzinho Amarelo é apresentada como uma menina medrosa: “Amarelo de

Medo./ Tinha medo de tudo aquela Chapeuzinho”, diferente do que ocorre com a

Chapeuzinho Vermelho, principalmente, no que se refere ao lobo: “E de todos os medos que

tenha/ o medo mais que medonho/ era o do tal LOBO”, pois sabemos que Chapeuzinho

Vermelho não temia o lobo.

Há outras passagens que apontam para o uso da ironia e da paródia em Chapeuzinho

Amarelo. Uma delas se relaciona com a descrição do animal, narrada quando a menina o

encontra, “de tanto pensar no LOBO,/ de tanto sonhar com o LOBO,/ de tanto esperar o

LOBO,/ um dia topou com ele”. Segundo o narrador, ele era da seguinte forma: “carão de

LOBO,/ orelhão de LOBO,/ jeitão de LOBO/ e principalmente um bocão/ tão grande que era

capaz/ de comer duas avós,/ um caçador, rei, princesa,/ sete panelas de arroz/ e um chapéu de

sobremesa”. Os aumentativos relacionados com o lobo contribuem para a construção da

imagem de um animal com características superlativas que procuram reforçar o medo de

Chapeuzinho Amarelo. O LOBO é o devorador de crianças, de seus avós, de utensílios

domésticos e de acessórios do vestuário, ou seja, um glutão voraz e malvado que não tem

medo de nada e não distingue nada por seu paladar. Irônico no texto é o fato da menina

perceber, no contato com o animal, que o lobo não é tão assustador quanto ela sempre

imaginou, o que acaba levando ao fim o seu temor, fato esse que é imageticamente

representado pela transposição da caixa alta (LOBO) para a caixa baixa (lobo) uma vez que

em Buarque a grafia acompanha esse processo de abandono do medo vivenciado pela

protagonista.

Buarque potencializa parodicamente a perda do temor de Chapeuzinho Amarelo pelo

lobo ao apresentar sua inconformidade com o fato dele não apavorar mais a menina. Ele

“ficou chateado/ de ver aquela menina/ olhando pra cara dele,/ só que sem o medo dele./

Ficou mesmo envergonhado,/ triste, murcho e branco azedo,/ porque um lobo, tirando o

medo,/ é um arremedo de lodo./ é feito um lobo sem pele./ Lobo pelado./”. A perda do poder

mágico que o lobo detinha ao insuflar medo em Chapeuzinho se potencializa, além disso, com

sua exposição ridículo, no conto de Chico Buarque, uma vez que, além do que já fora

apontado, o animal insiste em querer fazer com que a garota volte a sentir medo, como no

trecho que segue:

E ele gritou: sou o LOBO!

Mas Chapeuzinho, nada.

E ele gritou: sou um LOBO!

Chapeuzinho deu risada.

E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!

Chapeuzinho, já meio enjoada,

com vontade de brincar de outras coisas.

Ele então gritou bem forte

aquele seu nome de LOBO

umas vinte e cinco vezes,

que era pro medo ir voltando

e a menininha saber

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com quem ela não estava falando:

Mesmo com a insistência do lobo, o medo não voltou, pelo contrario Chapeuzinho

reverteu à situação, fazendo com que o lobo sentisse medo dela. A menina ordenou que o lobo

parasse, e ele “parado assim/ do jeito que o lobo estava/ já não era mais um LO-BO./ Era um

BO-LO./ Um bolo de lobo fofo,/ tremendo que nem pudim,/ como medo da Chapeuzim./ Com

medo de ser comido/ com vela e tudo, inteirim”. A posição passiva de Chapeuzinho é

invertida. De objeto a ser comido pelo bocão do LOBO ela se torna aquela capaz de comê-lo,

de devorar ‘o bolo de lobo que treme que nem pudim’.

Ao inverter seu posicionamento diante de uma fantasia oral, colocando-se na posição

de devorador e não mais da presa, abandonando uma posição passiva de quem estava prestes a

ser devorada por um lobo com caracterísiticas superlativas, colocando-se agora como aquela

que é capaz de devorá-lo, a menina encontra um meio interno de superação do medo e cria,

com isso, uma nova maneira de vencer tudo o que podia lhe causar pavor. Ela aprende que

aquilo que assustava era fruto dessa sua posição passiva frente a um animal visto como

excessivamente superlativo e, com essa inversão irônico-paródica de posicionamento,

Chapeuzinho cria, mesmo que não tenha consciência disso, um meio de transformar em seus

amigos na forma de brinquedos de palavras, seres ou objetos que antes lhe suscitavam

temor e que passam agora a lhe suscitar prazer: “mesmo quando está sozinha,/ inventa uma

brincadeira./ E tranforma em companheiro/ cada medo que ela tinha:/ o raio virou orraí,/

barata é tabará,/ a bruxa virou xabru/ e o diabo é bodiá”.

Freud já havia apontado em seu texto Além do Princípio de Prazer (1996), para a

transformação do ‘temor’ em ‘prazer’ pela troca de posição que a criança pode realizar

quando, durante um jogo qualquer, cria um brinquedo. “Quando a criança passa da

passividade da experiência para a atividade do jogo, transfere a experiência desagradável para

um de seus companheiros de brincadeira e, dessa maneira, vinga-se num substituto.”

(FREUD, 1996a, p. 28) É exatamente pela subversão da linguagem, ao transformá-la num

brinquedo que Chaeuzinho supera seu temor do lobo.

Portanto, podemos compreender em que medida a aplicação do conceito de

‘intertextualidade’ (Kristeva) e ‘intertextualidade pós-moderna’ (Hutcheon) a Chapeuzinho

Amarelo permitem elucidar não só o processo criativo de distorção dos acontecimentos do

texto original no sentido de permitir, por meio da ironia e da paródia, que haja uma troca de

posicionamento da personagem frente ao medo que ela mesmo sentia. Dessa maneira,

podemos falar de intertextualidade na relação que Chapeuzinho Amarelo estabele com o

texto clássico de Perrault uma vez que “a palavra (o texto) é um cruzamento de palavras

(textos) onde se lê, pelo menos, uma outra palavra (texto)”. (KRISTEVA, 2005, p. 68).

3. Chapeuzinho Amarelo e Chapeuzinho Vermelho: pontos e contrapontos

A sexualidade infantil é um assunto que ainda causa discordâncias entre os adultos.

Para Freud (1996b), “Faz parte da opinião popular sobre a pulsão sexual que ela está ausente

na infância e só desperta no período da vida designado da puberdade [...]”. (p. 163). Algo que

o autor desmistifica comprovando, a partir de seus estudos, que existe pulsão sexual na

criança desde o momento do seu nascimento, e só um adulto mais esclarecido é capaz de

entender tal situação. Freud acredita que um ato realizado por uma criança, por mais simples

que pareça ser, pode representar a exteriorização de um desejo sexual inconsciente. Portanto,

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é com base nos ensinamentos da psicanálise que partimos para uma leitura de Chapeuzinho

Amarelo, comparando-o com o texto de Perrault e dos Irmãos Grimm, analisado por

Bettelheim (2002).

Observamos que Chapeuzinho Amarelo também apresenta uma série de elementos

revestidos por uma conotação sexual. Em A psicanálise dos contos de fadas, Bettelheim

(2002), apresenta um estudo sobre alguns contos de fadas conhecido no mundo tudo, dentre

eles Chapeuzinho Vermelho. Nesse trabalho, o autor utiliza as teorias psicanalíticas para

mostrar como esses textos podem contribuir para o desenvolvimento psicológico da criança.

Assim, optamos por estabelecer, neste tópico, um breve estudo comparado entre as duas obras

aqui mencionadas, com base no que expõe Bettelheim (2002).

A estória de Chico Buarque apresenta, no começo, uma menina que não consegue

realizar as atividades mais simples que uma criança consegue fazer, como brincar de

amarelinha, por causa do medo que sente, tem medo até da própria sombra: “Então vivia

parada,/ deitada, mas sem dormir,/ com medo de pesadelo”, enquanto Chapeuzinho Vermelho

não tinha medo nenhum, a ponto de desobedecer à mão, desviando-se do caminho indicado

mesmo sabendo que corria o risco de encontrar-se com o lobo. O medo de Chapeuzinho

Amarelo pode ser justificado, em princípio, pela ausência de uma figura adulta que a proteja,

pois a estória, não faz referência as figuras paternas da menina, como ocorre em Chapeuzinho

Vermelho, que além da mãe e da avó apresenta também um caçador como personagem. Ao

contrário de Chapeuzinho Amarelo: “Na sua própria casa, Chapeuzinho Vermelho, protegida

pelos pais, é a criança pré-púbere sem conflitos que é perfeitamente capaz de lidar com as

circunstâncias” (Bettelheim, 2002, p. 183). Para Chapeuzinho Amarelo, sim, o mudo fora de

casa é “uma selva”.

O lobo pode representar também em Chapeuzinho Amarelo, a imagem de um sedutor

que seduz a mocinha, tal como acontece na outra estória, porém, enquanto a capinha vermelha

da estória de Perrault e dos Irmãos Grimm, segundo Bettelheim (2002), é a cor que representa

as emoções violentas, até mesmo as sexuais, o que desperta a atenção do lobo. Na narrativa de

Chico Buarque, o amarelo pode representar o medo, mas também é uma cor vibrante,

assemelhando-se inclusive ao sol, por isso também é capaz de despertar a atenção de um

sedutor, lembrando-se que o acessório usado pela personagem de Perrault e dos Irmãos

Grimm servia para enfeitá-la, enquanto a personagem de Chico Buarque utilizava o seu para

esconder-se do próprio medo.

Percebemos que Chapeuzinho Amarelo, assim como Chapeuzinho Vermelho são

duas garotas que estão com a sexualidade aflorada, mas não estão maduras psicologicamente

para lidar com a situação. A Chapeuzinho de Chico Buarque, exatamente por temer os perigos

da vida, em especial o de ser devorada pelo lobo, não corre os mesmos riscos que

Chapeuzinho Vermelho, isso porque, diferente do que acontece a Chapeuzinho Vermelho,

Chapeuzinho Amarelo não se deixa levar pela conversa do sedutor. A menina da capinha

vermelha se mostra ingênua, o que demonstra uma imaturidade sexual, ao encontrar-se com o

lobo – o sedutor –, e a psicanálise aponta duas leituras possíveis para esse momento, como

mostra Bettelheim (2002), na citação que segue:

A pessoa imatura, que ainda não está pronta para o sexo, mas é exposta a

uma experiência que suscita fortes sentimentos sexuais, recai nas formas

edípicas de lidar com ele. A pessoa só acredita então que possa vencer no

sexo livrando-se dos competidores mais experientes - daí as instruções

específicas que Chapeuzinho dá ao lobo para que este chegue à casa da avó.

Mas nisto também mostra sua ambivalência. Orientando o lobo para a casa

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da avó, age como se lhe estivesse dizendo: "- Deixe-me sozinha; vá ter com

vovó que é uma mulher madura; ela será capaz de lidar com o que você

representa, eu não sou”. (BETTELHEIM, 2002, p. 187).

Já Chapeuzinho Amarelo, ao encontrar-se com o lobo – sedutor – ainda não é uma

mulher madura, mas se descobre capaz de lidar com suas emoções. Vimos como ela perde

todo o medo e passa a dar um novo sentido a sua existência. Podemos entender assim que a

personagem ultrapassa barreiras, passando do que Melanie Klein denomina posição esquizo-

paranóide para a posição depressiva por meio, processo de integração. Cintra e Figueiredo

(2004) afirmam que:

a cisão entre ‘figuras excessivamente boas ou más’ é o que caracteriza a

posição paranóide, ao passo que o desenvolvimento da posição depressiva

envolve a unificação e a relativização dessa ‘bondade’ e ‘maldade’,

conduzindo a imagos mais moderados.(CINTRA; FIGUEIREDO, 2004, p.

89).

A primeira posição refere-se aos seis primeiros meses de vida da criança. A segunda

inicia-se nos seis meses com o ato do desmame, mas, apesar das posições estarem

relacionadas à primeira infância, segundo Klein, aos três meses a criança encontra-se em uma

posição paranóica.

Dessa posição, ela realiza uma cisão da imagem da mãe, o que dá origem a

uma duplicidade da imago materna: surge, por um lado, uma imagem de mãe

nutridora e boa e, por outro, uma imagem de mãe negligente e má. É

exatamente essa imagem de mãe negligente e maligna que é projetada pelo

psiquismo da criança no mundo externo. Se essa imagem da mãe for

recorrente após a criança, motivada por seu ódio, ter realizado a cisão, então

essa experiência transforma-se em posição depressiva, cuja característica é a

da ânsia de reparação, ânsia de realizar o que não aconteceu, ânsia de

recriação. (SCHÖNAU e PFEIFFER, 2005, p. 8)

Cintra e Figueiredo (2004) destacam que, para Klein, pode acontecer dessa primeira

posição não ser superada, fazendo com que não haja a passagem de uma para outra e, sendo

assim, ela se prolongar por toda a vida do indivíduo. Desse modo, mesmo Chapeuzinho

Amarelo sendo uma pré-adolescente, é possível identificar que ela se encontra em uma

posição esquizo-paranóide antes de encontrar o lobo e após o encontro passa para a posição

depressiva, o que indica a integração, portanto, um amadurecimento da personagem. Tal

amadurecimento pode ser observado no trecho que segue:

Mas o engraçado é que,

assim que encontrou o LOBO,

a Chapeuzinho Amarelo

foi perdendo aquele medo

o medo do medo do medo

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de um dia encontrar um LOBO.

Foi passando aquele medo

do medo que tinha do LOBO.

Foi ficando só com um pouco

de medo daquele lobo.

Depois acabou o medo

e ela ficou só com o lobo.

A partir dos estudos de Klein, essa passagem do livro de Chico Buarque também nos

leva à seguinte leitura: é possível que a menina tenha se deixado seduzir, uma vez que o

trecho acima nos remete ao medo comum que qualquer mulher sente em sua primeira relação

sexual, em que a expressão ‘Depois acabou o medo/ e ela ficou só com o lobo’, realça o nosso

ponto de vista, também pode ser possível que depois do encontro ela tenha dispensado-o, uma

vez que a narrativa mostra que o lobo – sedutor decadente – ficou chateado com a atitude da

garota, insistindo para que a menina voltasse a prestar a atenção nele, tendo ele, agora, a

necessidade de ser seduzido. O segmento abaixo suscita a ideia de que Chapeuzinho Amarelo

não tenha ficado com o sedutor porque, sendo ela capaz de controlar sua sexualidade, estaria

aberta a vários relacionamentos, ao invés de se prender a apenas um:

Chapeuzinho não comeu

aquele bolo de lobo,

porque sempre preferiu

de chocolate.

Aliás, ela agora come de tudo,

menos sola de sapato.

Não tem mais medo da chuva

nem foge de carrapato.

Cai, levanta, se machuca,

vai à praia, entra no mato,

trepa em árvores rouba a fruta,

depois joga amarelinha

com o primo da vizinha

com a filha do jornaleiro

com a sobrinha da madrinha

e o neto do sapateiro.

O trecho citado mais uma vez nos leva a constatar a passagem de uma posição a

outra, pois “o que sempre impulsiona a passagem de uma ‘posição’ a seguinte é a frustração

vivida na posição anterior, e a busca de novos objetos decorrente do ódio sentido dos

primeiros objetos [...]” (CINTRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 71), a menina se decepciona e

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passa a buscar/viver novas aventuras. A citação nos leva ainda a perceber uma tendência à

bissexualidade por parte da menina, se tomarmos a expressão “come de tudo” e “joga

amarelinha” como metáfora para relacionamentos, compreendemos que estas envolvem

meninos e meninas, porque, na realidade sabemos que meninos não costumam jogar

amarelinha. Porém, a expressão “como de tudo, menos sola de sapato”, reafirma, mais uma

vez, a maturidade sexual da personagem, pois significa que ela já tem consciência do que faz,

sola de sapato remete a algo que não presta para se comer, e se ela não come é porque tem o

controle da situação, da sua sexualidade, deixando subentendido que ela só se envolve com

quem deseja se envolver.

Chapeuzinho Amarelo já não luta mais com problemas pubertais ao se encontrar com

o sedutor, como acontece com Chapeuzinho Vermelho, conforme destaca Bettelheim (2002):

Chapeuzinho [Vermelho] deseja descobrir as coisas, como indica a

advertência materna para que não fique espionando os cantos. Ela observa

que algo está errado quando encontra a avó “parecendo muito estranha”, mas

se confunde com o disfarce do lobo nas roupas da avó. Chapeuzinho está

tentando entender, quando pergunta à avó sobre suas orelhas grandes,

quando observa os olhos grandes e questiona as mãos enormes e a boca

horrível. Aqui temos uma enumeração dos quatro sentidos: audição, visão,

tato e paladar que a criança púbere usa para compreender o mundo.

(BETTELHEIM, 2002, p. 185).

Chapeuzinho Amarelo já sabia que o lobo existia e como ele era. O encontro dos dois

apenas confirmou em certo sentido, ou não, as ideias que tinha a seu respeito, ela não precisou

usar os sentidos e fazer todas aquelas indagações tal como Chapeuzinho Vermelho, porque já

é madura o suficiente para compreender o mundo a sua volta.

Outro aspecto que nos leva a compreender as conotações sexuais presentes na obra

são os recursos textuais gráficos utilizados. O livro analisado apresenta desde a capa gravuras

com traços em preto e branco, mas dá destaque para a cor amarela na aba do chapéu da

menina que aparece na capa sob dois grandes olhos negros, meio que escondidos sobre a aba

do chapéu com expressão de medo. Ao logo da narrativa, o amarelo do chapéu transfere-se

para as bochechas da menina, o que pode estar representando o processo de integração sexual

da personagem. Após o encontro com o lobo, depois de Chapeuzinho Amarelo reduzi-lo a

bolo, aparece na página seguinte, – na que ela começa a fazer tudo que o medo a impedia

antes, como “trepar em árvores e roubar fruta” –, uma maçã vermelha. Assim como vimos em

Chapeuzinho Vermelho, o vermelho da maçã aqui também pode representar fortes emoções

sexuais. Além disso, sabemos que desde sempre a maçã vermelha é tida como a fruta símbolo

do pecado original, ou seja, do ato sexual, nos relatos bíblicos. Depois dessa imagem, a que se

segue é a da menina já sem chapéu algum, representada com as bochechas agora rubras ao

invés de amarelas. O amarelo amadureceu e tornou-se vermelho, pronto para ser desfrutado, o

que sugere uma transição da puberdade para uma vida sexual madura – a menina torna-se

mulher.

Curioso perceber que, em outra edição da obra, ilustrada por Ziraldo – da Coleção

Itaú de Livros Infantis – também aparecem imagens que ressaltam a sexualidade. Por

exemplo, na página que se refere aos medos da menina à imagem que se destaca é a de uma

enorme cobra, que podemos tomar como uma referência indireta ao órgão sexual masculino,

assim como a imagem da língua do lodo, mostrada no trecho que narra o encontro dos dois.

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De acordo com Bettelheim (2002), a criança que lê ou ouve um conto, como

Chapeuzinho Amarelo, por exemplo, não será capaz de fazer tais inferências, mas, mesmo

assim, através do conto de fadas “pode-se aprender mais sobre os problemas interiores dos

seres humanos, e sobre as soluções corretas para seus predicamentos em qualquer sociedades,

do que com qualquer outro tipo de estória dentro de uma compreensão infantil”.

(BETTELHEIM, 2002, p. 5).

Com esse amadurecimento interior, a criança irá torna-se capaz de enfrentar os

desafios que lhe são impostas pala sociedade. Tal amadurecimento se dá porque a criança se

identifica com a personagem principal da estória e consegue encenar imaginativamente os

percalços vivenciados passados pelas personagens e também por ela no que se refere à lida

com seus afetos, temores e fantasmas.

4. Considerações finais

Diante do exposto, chegamos à conclusão, em primeiro lugar, que a intertextualidade

se faz presente em Chapeuzinho Amarelo, trazendo consigo o demasiado uso da ironia e da

paródia. Apesar das marcas da intertextualidade estarem presentes na obra, verificamos que

são narrativas distintas, isso porque não se trata da mesma estória. O texto de Chico Buarque

apresenta uma narrativa que é atual para o ouvinte/leitor, com características contemporâneas,

como o uso do jogo de linguagem que tende a despertar, ainda mais, a curiosidade e o

interesse por parte da criança que ler ou ouve a estória.

No que se refere aos aspectos psicológicos, constatamos que a personagem de Chico

Buarque não simboliza o conflito edípico revivenciado durante a puberdade, pois não

observamos na estória as presenças paternas, como acontece com Chapeuzinho Vermelho.

Chapeuzinho Amarelo já se encontra em fase de amadurecimento. Segundo Bettelheim

(2002), retomando Klein, esse processo de amadurecimento “começa com a resistência contra

os pais e o medo de decrescer [posição esquizo-paranóide, para Klein], e termina quando o

jovem encontrou verdadeiramente a si mesmo [posição depressiva], conseguiu independência

psicológica e maturidade moral,” (BETTELHEIM, 2002, p. 12, acréscimo nosso), a partir daí

ele/a não enxerga mais o sexo oposto como ameaçador e passa a se relacionar de forma

positiva com ele, tal como ocorre com Chapeuzinho Amarelo.

Por não ser mais tão criança o desenvolvimento psicológico da personagem do

brasileiro acontece de forma diferente, enquanto Chapeuzinho Vermelho amadurece porque

descobre que ainda não está preparada para o encontro com sua própria sexualidade, com

Chapeuzinho Amarelo acontece justamente o contrário, ela amadurece porque supera todos os

conflitos pubertais e se descobre mulher, dona de si, capaz de controlar sua sexualidade.

Assim, partindo dessa análise conseguimos atingir o nosso objetivo, comprovar que

os dois contos dialogam entre si e que, por mais inocente que pareça ser uma estória para

criança, sempre há a possibilidade de se extrair dela uma leitura psicanalítica que remeta aos

conceitos relacionados com a sexualidade infantil.

A diferença entre o conto de fadas e os outros gêneros, como a fábula, por exemplo,

segundo Bettelheim (2002), é que este não tem um caráter puramente moralista e pedagógico,

porque, para ele, essas estórias “não pretendem descrever o mundo tal como é, nem

aconselham o que alguém deve fazer” (BETTELHEIM, 2002, p. 24). De acordo com autor,

podemos considerar o conto de fadas como “terapêutico porque o paciente encontra sua

própria solução através da contemplação do que a estória parece implicar acerca de seus

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conflitos internos neste momento da vida” (BETTELHEIM, 2002, p. 24). Por isso a tamanha

identificação da criança com esse tipo de narrativa e, sendo assim, esse tipo de narrativa

merece uma atenção especial, por parte dos educadores, devendo ser mais utilizados em sala

de aula.

5. Referências

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução Arlene Caitano. 21. ed.

Rio de Janeiro: PAZ e TERRA, 2002.

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho amarelo. 13. ed. São Paulo: Berlendis & Vertecchia,

1994.

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CINTRA, Elisa Maria de Ulhoa. e FIGUEIREDO, Luís Claudio. Melanie Klein: estilo e

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HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Tradução Ricardo

Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

_____. Uma teoria da adaptação. Trad. André Cechinel. Florianópolis: UFSC, 2011.

KLEIN, Melanie. Inveja e gratidão. In.:______. Inveja e gratidão e outros trabalhos. Rio de

Janeiro: Imago, 1991. (p. 205-267).

______. Sobre a identificação. In.:______. Inveja e gratidão e outros trabalhos. Rio de

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KOCH, Ingedore G. Villaça.; BENTES, Ana Christina.; CAVALCANTE, Mônica

Magalhães. Intertextualidade: diálogos possíveis. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Tradução Lúcia Helena França Ferraz. 2. ed.

São Paulo: Perspectiva, 2005.

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CULTURAS, IMAGENS E INTERCULTURALIDADE NA MÚSICA FRANCESA:

ANÁLISE DE TEXTOS NÃO VERBAIS EM MANUAIS DE FRANCÊS LÍNGUA

ESTRANGEIRA (FLE)

Arlley Antonio de Melo Souza (UFCG)33

Rosiane XYPAS (UFCG)34

RESUMO: O estudo de línguas estrangeiras preconizado no Quadro Europeu Comum de

Referências para as Línguas (doravante QECRL, 2001) visa também ao desenvolvimento da

competência sociocultural do aprendiz. Visando a facilitar o ensino de francês como língua

estrangeira (doravante FLE), postulamos que a música com todo seu potencial artístico e

cultural se constituem como um dos suportes motivadores, pois fornece um leque de

possibilidades tanto para o trabalho com os aspectos linguísticos quanto culturais da língua.

Ora, este tema nos remete à problemática do saber sociocultural que releva traços distintivos

característicos de uma determinada sociedade, como os hábitos e costumes da vida cotidiana,

as condições de vida de um povo, as relações interpessoais existentes, valores,

comportamentos, crenças como também a linguagem corporal, o saber-viver e os

comportamentos rituais. Como se vê, a lista é vasta, mas vamos delimitá-la por uma questão

operatória. Assim, este trabalho tem como objetivo analisar a dimensão sociocultural dos

textos não verbais referentes à música e suas representações culturais francesas. Para tal,

compomos um corpus com doze manuais que vão dos anos 1980 aos 2012. Apoiamo-nos em

teorias das didáticas de línguas com os autores Dumont (1998); Volli (2012); Joly (2011); Pen

(2012); De Carlo (1998) entre outros. Em nossa análise quantitativa não foi constatado

evolução da presença de textos não verbais referentes à música nos suportes didáticos

estudados. Entretanto, na análise qualitativa, os textos não verbais são fontes de

representações culturais francesas bastante vastas podendo levar o aprendiz a desenvolver a

dimensão cultural esperada no ensino/aprendizagem de língua francesa.

Palavras-chave: Cultura. Interculturalidade. Música. Imagens. Manual.

1. Introdução

O ensino/aprendizado de Língua(s) Estrangeira(s) (doravante LE), no nosso caso a

língua francesa, tem sido realizado por meio de diversas metodologias e recursos eficazes.

Abordagens diferentes surgem no curso da história, como fruto de muitas pesquisas, sempre

apresentando inovações e melhorias referentes à prática do professor e à aquisição do

33

Aluno do curso de Licenciatura em Letras, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, 33

PB, E-mail: [email protected]. Este trabalho está vinculado à linha de pesquisa Análise de textos não

verbais do Grupo de Didáticas de Línguas Estrangeiras – DILES. 34

Professora Adjunta de Língua e Cultura francesas da Universidade Federal de Campina Grande,

[email protected] 34

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conhecimento por parte dos alunos. No entanto, essas melhorias não dizem respeito apenas ao

aprendizado de regras gramaticais ou ao desenvolvimento das competências linguísticas

(expressão oral e escrita, compreensão oral e escrita), mas também ao desenvolvimento da

competência sociocultural. Diante disso, somos motivados a observar a presença dessa

competência que engloba questões sociais e culturais e estabelece relações entre o aprendiz e

a cultura alvo, no estudo do Francês Língua Estrangeira (doravante, FLE).

São inúmeras as possibilidades de se realizar essa observação, mas no presente

trabalho, nos propomos a verificar a abordagem da música francesa em imagens e

consequentemente, quais as contribuições que essa abordagem traz ao estudo de FLE. Logo,

nosso trabalho é norteado pela seguinte questão: que representações culturais da música

francesa figuram nos textos não verbais dos manuais de FLE? Para respondermos de modo

eficaz, realizaremos um exposição dos conceitos de cultura e interculturalidade, peças vitais

da abordagem sociocultural, além de expormos brevemente em que consiste trabalhar

imagens. Para tais discussões, nos baseamos tanto nas preconizações do Quadro Europeu

Comum de Referências para as Línguas (doravante QECRL, 2001) quanto nas teorias de

Benac (1988), Tagliante (2006), Penn (2012), entre outros.

Inicialmente, como nosso corpus, coletamos doze manuais didáticos de FLE dos anos

80, 90, 2000 e da presente década (sendo três de cada década) e realizamos análises

quantitativas e qualitativas. Constatamos que, em termos quantitativos, não observam-se

demasiadas mudanças. Contudo, é interessante notarmos que a música tem figurado, embora

não de forma aprofundada e de maneiras que diferem de um manual para outro, desde a

década de 80 nos manuais didáticos de FLE. Em termos qualitativos, constamos grande

evolução, sobretudo no suporte que nos dispomos a analisar: os textos não verbais.

Encontramos muitas imagens que remetiam direta ou indiretamente à música francesa, mas

por uma questão operatória, nos limitamos à observação de três delas.

Durante a etapa de escolha do material de análise, só encontramos imagens que

contribuem de forma eficaz para o nosso trabalho em dois dos manuais constituintes do

corpus, os quais são: Latitude 1, de Régine Mérieux (2008), do qual retiramos duas imagens,

e Fréquence Jeunes, elaborado por Capelle, Cavalli e Gidon (1994), do qual retiramos apenas

uma imagem. Nos apoiamos nas teorias de Dumont (1998) sobre a música francesa pós anos

80 para realizar nossa análise conotativa. Dadas essas informações introdutórias,

prosseguiremos especificando nossos objetivos, analisando o nosso corpus e apresentando os

resultados de nossa análise.

2.0 A abordagem sociocultural em sala de aula de LE

O estudo da cultura de um povo pode constituir-se uma atividade exaustiva, tendo em

vista a amplitude de aspectos que permeiam a cultura alvo e suas particularidades que por si

só já garantem certa complexidade. Partindo desse pressuposto, é evidente que antes de tratar

da questão da abordagem sociocultural, precisamos entender o conceito de cultura, que possui

diversas definições complementares, que apresentam algumas divergências entre si e abrem

espaço para discussões e reflexões acerca do tema.

2.1 Cultura

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Como bem ressalta Fabrice Barthélemy (2011), “o conceito de cultura deu lugar a

numerosas definições”35

(p. 57), definições essas que vão desde uma consideração curta

semelhante a de Christine Tagliante (2006), que observa a cultura como sendo o “conjunto de

características próprias de uma dada sociedade”36

. (p. 165), até uma abordagem mais

exaustiva como a de Henri Benac (1988), que veremos adiante.

Barthélemy (2011) apresenta uma longa definição que, de forma geral, considera a

cultura como uma grande junção de diversos fatores. Ressaltamos, porém, como mais

interessante para nosso estudo, uma definição de Edgar Morin, apresentada por Barthélemy. O

referido autor considera que uma cultura “constitui um corpo complexo de normas, símbolos,

mitos e imagens que penetram o indivíduo na sua intimidade, estruturam os instintos,

orientam as emoções”37

(p. 57).

Henri Benac (1988) trata da variedade das culturas existentes e dos papéis que elas

possuem. Segundo ele, a cultura é responsável por nos integrar na sociedade e desenvolver

nossa personalidade. Contudo, queremos chamar a atenção para uma frase que acreditamos

resumir de forma precisa a ideia central do autor em relação à cultura, algo que ele denomina

como sendo “o conjunto das formas adquiridas do comportamento que um grupo, unidos por

uma tradição comum, transmitem à geração seguinte”38

(p. 125).

Levando em consideração cada definição que vimos, e interligando aspectos principais

de cada uma delas, temos diante de nós a ideia de que cultura relaciona-se às raízes de uma

maneira de pensar e agir; às tradições e aos costumes que são preservados por um povo, a

despeito do tempo, sendo entregues às gerações que se seguem, e por elas preservados. Isso

que chamamos de "tradição" e "costume", consiste nos aspectos que caracterizam uma dada

sociedade e a diferenciam ou assemelham a outra(s).

2.2 Interculturalidade

Como visto, a cultura de um povo é de extrema importância, pois diz respeito à sua

essência, algo foi adquirido em seu progresso histórico. Tal pensamento se confirma quando

observamos as práticas sociais tão diversas. Nisso, nasce a necessidade de se trabalhar a

cultura dos falantes da língua alvo na sala de aula de LE, já que não se pode ignorar que a

língua funciona como um meio comunicacional entre os seres humanos e, portanto, está

ligada à sua tradição e aos seus costumes. Tal necessidade é ressaltada e preconizada pelo

Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (doravante, QECRL), pois o mesmo

visa a abordagem sociocultural. Vejamos:

"Estritamente falando, o conhecimento da sociedade e da cultura da(s)

comunidade(s) onde a língua é falada é um dos aspectos do conhecimento de

mundo. É, no entanto, suficientemente importante para merecer uma atenção

especial, uma vez que, ao contrário de muitos outros aspectos do

conhecimento, parece provável que este conhecimento fique fora da

35

"le concept de culture a donné lieu à de nombreuses définitions". 36

"ensemble de caractéristiques propres à une société donnée". 37

"constitue un corps complexe de normes, symboles, mythes et images qui pénètrent l'individu dans son

intimité, structurent les instincts, orientent les émotions". 38

"l'ensemble des formes acquises de comportement qu'un groupe d'individus, unis par une tradition commune,

transmettent à la génération suivante".

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experiência prévia do aprendiz e seja distorcido por estereótipos" (QECRL,

2001, p. 148).

Primeiramente, notamos que o conhecimento sociocultural é visto como parte do

conhecimento de mundo, que por sua vez, diz respeito ao saber prévio e às experiências de

vida do aprendiz. Notamos também, que existe uma preocupação explícita com o fato de que

esse conhecimento de mundo nem sempre inclui informações concretas sobre as práticas da

cultura alvo, sendo atingido e influenciado por estereótipos socialmente estabelecidos.

Portanto, subentende-se que a sala de aula de LE deveria funcionar não apenas como um lugar

de aprendizagem da gramática de um idioma, mas também como um ambiente propício para a

aquisição do conhecimento sociocultural, livre dos preconceitos muitas vezes fixados no

imaginário popular da sociedade do aluno.

O QECRL (2001) ressalta a forte relação entre língua e cultura quando propõe um

ensino da língua partindo dos elementos culturais mais importantes da(s) sociedade(s) que a

possuem como língua oficial. Essa forma de ensino é realizada através da noção de

interculturalidade, que não diz respeito somente a um estudo da cultura do outro, mas sim ao

momento em que ela é colocada em contexto com a própria cultura do aprendiz, produzindo o

"conhecimento, a consciência e a compreensão da relação (semelhanças e diferenças

distintivas) entre 'o mundo de onde se vem' e 'o mundo da comunidade-alvo'" (QECRL, 2001,

p. 150).

Tagliante (2006) se preocupa em fornecer as informações necessárias para um trabalho

eficaz com a interculturalidade no ensino de LE. Ela afirma que “ensinar uma língua não é

somente aprender a comunicar”39

, e com isso, aconselha diálogos durante as aulas, com o

intuito de fazer o aluno “comunicar o que ele pensa desta nova cultura e em que ela difere ou

se aproxima da sua”40

.

Tagliante (2006) nos mostra que é notória a evolução da presença da consciência

intercultural nos materiais didáticos das últimas décadas, uma vez que trazem em seus

conteúdos diversos dos fenômenos sociais apontados pelo QECRL (op. cit), que vão desde os

aspectos da vida cotidiana, até os valores, crenças e atitudes. Existe, portanto, uma

diversidade de aspectos que podem ser observados no trabalho com a interculturalidade, no

nosso caso, em sala de aula de FLE, principalmente quando pensamos que a língua francesa

não é falada apenas na França, mas nos países francófonos, e é justamente essa consciência

que nos motiva a observar como um desses aspectos é abordado em manuais didáticos.

Escolhemos, portanto, a música (fenômeno integrante do tópico "arte", no QECRL),

por considerá-la como um dos fenômenos sociais mais fecundos para tratarmos de

representações culturais, tendo em vista seu valor histórico e o prestígio que possui entre

pessoas de qualquer nação, religião ou filosofia. Temos o intuito de observar quais são as

representações culturais fornecidas através da presença de tal fenômeno.

3.0 A música por imagens

39

"enseigner une langue, ce n'est pas seulement apprendre à communiquer". 40

"communiquer ce qu'il pense de cette nouvelle culture et en quoi elle difère ou se rapproche de la sienne".

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Apresentamos no final do tópico anterior o nosso objeto de observação neste trabalho:

as representações da música francesa nos manuais didáticos. No entanto, a questão não se

resume apenas a isso. Precisamos pensar em como fazê-lo, tendo em vista as diversas

possibilidades de sua abordagem. Seria possível direcionar nossa atenção às letras, às canções

propriamente ditas (eventualmente incluídas nos CD's que acompanham os manuais mais

recentes) ou às atividades propostas a partir delas. Contudo, decidimos trabalhar as

representações culturais da música nos textos não verbais, visto que os manuais,

principalmente os datados das últimas décadas, além de possuírem muito texto verbal (como

já dito), vem repletos de textos não verbais (imagens: fotos, desenhos, etc.). As imagens são

das mais diversas possíveis e frequentemente dizem respeito ao tema da unidade na qual estão

inseridas, logo, é importante que o aprendiz esteja apto para lê-las, com o intuito de apreender

o sentido global das lições presentes no manual. O que nos motivou foi observar quais as

contribuições que essas imagens referentes à música trazem para a abordagem sociocultural

em sala de aula de FLE.

Como nos propomos a analisar imagens, se faz necessário entendermos que essa

prática é estudada e proposta pela semiologia, ramo dos estudos linguísticos proveniente da

linguística estrutural, baseada na obra de Ferdinand de Saussure. Como afirma Penn (2012),

"a semiologia provê o analista com um conjunto de instrumentais conceptuais para uma

abordagem sistemática dos sistemas de signos, a fim de descobrir como eles produzem

sentido" (p. 319). A análise semiótica conta com alguns níveis ou processos que são a

denotação e a conotação. No inventário denotativo o objetivo é a identificação dos elementos

do material, onde ocorre a "catalogação do sentido literal" da imagem (PENN, op. cit.). No

inventário conotativo os níveis de significação são mais altos e evocam o conhecimento de

mundo do leitor, sendo, por vezes, um relatório subjetivo, determinado pela interpretação

individual/pessoal.

Ao analisarmos uma imagem estamos lendo a mesma, porém não da mesma forma que

lemos os textos verbais, isso porque no texto escrito (verbal) temos signos que se encadeiam e

se apresentam de forma gradual, cada signo por sua vez; todavia, nas imagens (não verbais),

todos os signos aparecem aglomerados, de modo que é necessário em muitos casos, um

esforço maior para conseguir decodificá-los (FERRARA, 2007).

Como texto que é, a imagem prevê impactos no seu leitor e deseja transmitir alguma

mensagem específica (WALTY, FONSECA & CURY, 2006). Diante disso, devemos

entender que se um manual traz imagens em seu conteúdo, isso não acontece por acaso. Os

manuais são ricos pois dizem respeito ao lugar onde textos verbais e não-verbais se

relacionam para contribuir com a aprendizagem. Portanto, o letramento visual do aluno de

FLE é importante, pois, a leitura das imagens (e de outros tipos de textos), poderá, na maioria

dos casos, evocar o conhecimento de mundo do mesmo acerca do tema exposto nelas,

contribuindo significativamente para o trabalho do professor e para a aprendizagem do

indivíduo.

5.0 Análise de Imagens

Este tópico é destinado à análise das imagens que constituem nosso corpus.

Reiteramos a informação de que iremos analisar três imagens, sendo duas do manual Latitude

1 (1008) e uma do manual Fréquence Jeunes (1994). Nossa análise, conforme introduzimos

no tópico anterior, será realizada nos níveis denotativo e conotativo.

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5.1 Análise Denotativa

A primeira imagem é uma fotografia de quatro jovens, sendo dois homens e duas

mulheres. Tem-se a impressão de que a fotografia foi tirada de um ângulo inferior, isto é, de

baixo para cima. O cenário não é totalmente exposto, nota-se apenas o azul do céu sem

nenhuma nuvem como plano de fundo, figurando como cor predominante, e algumas plantas

que se assemelham ao trigo (ou algum cereal do gênero), o que nos leva a imaginar um

ambiente campestre, possivelmente reservado à plantação/cultivo de determinadas plantas.

Todos as pessoas presentes na fotografia, tocam um instrumento diferente. O primeiro,

da esquerda para a direita, é um homem que toca acordeão e está recostado ao que parece ser

o transportador ou a caixa do mesmo; veste uma

camiseta branca e uma calça na cor bege. No centro

da imagem, em pé, vemos outro homem tocando um

trompete, vestido com uma camiseta que parece ser

igualmente de cor bege. Ainda no centro, na parte

inferior, uma mulher que aparenta estar de cócoras,

veste uma camiseta preta e toca um trombone. À sua

direita, de pé, outra mulher está a tocar uma tuba;

veste uma camiseta com listras azuis e brancas, e uma

calça azul, remetendo à cor predominante, a cor do

céu.

Notamos que, por causa do ângulo da

fotografia e, provavelmente, da distância em que a

mesma foi feita, as plantas dão a impressão de serem

maiores que os músicos. Outro fator interessante é

que somente o rapaz do acordeão está olhando para as

lentes do fotógrafo; todos os outros aparentam ter os

olhos fechados, o que parece ser um gesto comum

entre os músicos que tocam instrumentos de sopro, já

que tais instrumentos exigem certa concentração e

esforço corporal, ligado ao sistema respiratório.

A segunda imagem encontra-se no mesmo manual e na mesma página da primeira,

não por coincidência, mas porque ambas dizem respeito ao mesmo grupo musical. No

entanto, enquanto a primeira é uma fotografia do próprio grupo, como vimos, a segunda é a

capa do seu sexto álbum, lançado em 2007: “Du

simple au néant”41

. O grupo intitula-se "Les Ogres de

Barback”42

e foi criado no ano de 1994 por quatro

irmãos franceses. O referido álbum possui 16 faixas e

aborda diferentes temas, sempre com um ritmo que

mistura a tradicional música francesa e os modernos

arranjos da música atual.

Primeiramente, notamos que a cor

predominante na imagem é o azul, em diversos tons,

41

“Do simples ao nada”. 42

“Os Ogros do Bar do Quintal”.

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sobretudo nos mais escuros. Trata-se de uma imagem do planeta terra vista do universo. O

globo terrestre se encontra no centro da imagem e podemos perceber nele, os traços referentes

às marcações territoriais presentes nos mapas, que dividem os países, os continentes, etc. O

universo, na imagem, encontra-se repleto de partituras e notas musicais, na cor preta, e

diversos pontos brancos, que fazem alusão aos astros celestes. Observa-se a presença de uma

marionete ao lado direito da imagem, "flutuando" sobre o globo terrestre. O boneco,

aparentemente feito de madeira, tem em mãos uma tuba, e possui fios nos membros

superiores, inferiores, na cabeça e no tronco de seu corpo; fios esses que o ligam a um objeto

distante sobre a imagem do planeta, de difícil identificação, embora nos remeta a um foguete

ou carretel, que parece comandá-lo sendo responsável por seus movimentos. A marionete está

com a boca aberta e seus olhos estão voltados para o lado direito da capa. Quanto ao mais,

vemos o nome do grupo - Les Ogres de Barback - centralizado na parte superior, numa

mesclagem de cores que variam entre branco e amarelo, o que dá o aspecto de um letreiro

enferrujado. Alinhado à direita na parte inferior, vemos o título do álbum - "Du simple au

néant".

A terceira e última imagem não tem nenhum vínculo com o grupo retratado nas

primeiras. Retirada do manual didático Fréquence Jeunes (1994), a imagem possui diversas

cores, aspecto resaltado pelo fundo branco que as contrasta, e consiste em um desenho

representando quatro músicos, sendo três homens e uma mulher, todos com estilos distintos e

tocando instrumentos diferentes. Na verdade, os

instrumentos não estão desenhados, somente são

representados pela posição corporal das personagens.

Suas mãos revelam que tipo de instrumento tocam.

Vemos, portanto, entre outros aspectos a serem tratados

na análise conotativa, uma abordagem paralinguística

presente nessa imagem.

Observemos o desenho. Da esquerda para a

direita vê-se, de pé, um homem negro, portando

vestimentas formais: palitó e calças num tom azul bem

claro, uma camisa social rosada e uma gravata azul;

também usa um óculos brancos com lentes azuis e está

de perfil, numa posição de quem toca saxofone ou um

outro instrumento de sopro semelhante. No centro,

vemos um rapaz ruivo vestido de calças jeans e de uma

camisa amarela aberta sobre uma camiseta cinza. Concluímos que ele toca um piano (ou

teclado), ao atentarmos para a posição das suas mãos e porque sua posição corporal denuncia

que esteja sentado (embora não haja nenhuma cadeira), aspecto comum entre os pianistas.

A terceira personagem presente na imagem, na ordem que estamos a expor, é um

homem que veste calças bege, camisa verde sob um colete cinza, cinto amarelo, chapéu

amarelo claro; porta óculos de grau e uma pulseira preta. Seus olhos estão fechados e sua

posição é de quem toca gaita. Por fim, à direita, vemos uma mulher loira com um lenço

vermelho sobre a cabeça, pulseiras douradas, cinto dourado cuja fivela é um coração), e meias

tricolores (branco, vermelho e cinza); veste uma camiseta branca e uma bermuda curta, na cor

azul. Sua posição é de quem toca violino e sua aparência revela sua concentração.

5.2 Análise Conotativa

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Para a realização de nossa análise conotativa, tomamos como base as considerações de

Dumont (1998). Poderíamos aproveitar a totalidade de suas considerações, mas por uma

questão operatória, nos deteremos à seção de sua obra direcionada às mudanças ocorrentes na

música francesa a partir dos anos 80. Além disso, é importante lembrarmos que a análise

conotativa nos fornece a liberdade de expor nossa interpretação pessoal, desde que a mesma

seja mediada por teorias, como esta de Dumont, que oferecem respaldo histórico e social.

Imagem 1:

Em nossa primeira imagem, queremos inicialmente destacar a presença do acordeão

como uma explícita representação cultural da França, uma vez que as origens do referido

instrumento são de influência francesa, sendo frequente a sua presença nas canções populares

desse povo desde os primórdios. É bem verdade que não se inclui em nossos objetivos a

realização da análise de ritmos ou da identidade musical do grupo que figura nessa nossa

primeira imagem, portanto, não nos compete fazer isso. Queremos, contudo, afirmar que o

acordeão é um instrumento muito presente nas canções da banda Les Ogres de Barback, o que

resgata essa forte marca musical francesa.

Prosseguimos nossa observação afirmando que poderíamos descrever de forma

concisa o que essa imagem conota com apenas uma palavra: simplicidade. As vestimentas dos

músicos, o total envolvimento com o ambiente campestre no qual estão inseridos e até mesmo

sua postura corporal, são elementos que reiteram esse fato. Desse modo, vemos a

complexidade da arte musical emoldurada na simplicidade da vida no campo, como se o

grupo quisesse chamar nossa atenção para o fato de que as coisas tradicionais, aquilo que pela

sociedade é considerado belo, exuberante, e por vezes engenhoso, não perde seu vigor e sua

grandiosidade quando unido à singela beleza de ambientes como esse. Pelo contrário, sua

beleza parece ser expandida e sua utilidade passa a transcender uma mera música que encanta

os nobres, funcionando também como um chamado às causas sociais e a uma maneira simples

de vida.

Vimos que há uma enorme atenção dada à simplicidade, e vimos também a presença

de um instrumento tipicamente francês (o acordeão), além de instrumentos antigos,

tradicionais, geralmente utilizados em orquestras e musicais grandiosos, remetendo à música

comumente ouvida e apreciada pelos nobres, principalmente nos séculos XIX e XX. Diante

disso, conseguimos identificar na imagem a presença de traços que remetem ao que Dumont

(1998) chama de "La Chanson Nostalgie"43

.

A canção nostalgia se refere ao “gosto dos ouvintes contemporâneos, e

consequentemente de seus autores-compositores preferidos, pela canção ‘do tempo

passado’”44

(DUMONT, 1998, p. 31). A nosso ver, Dumont (op. cit) nos mostra que o

panorama da canção francesa após os anos 80 não seria completo se não atentássemos para

esse fato: a despeito da modernidade da música eletrônica e dos demais novos ritmos que

influenciam todo o mundo, os ouvintes e compositores franceses contemporâneos não

abandonaram a canção antiga. Vemos que isso se faz evidente na imagem do grupo "Les

Ogres de Barback", justamente por portarem instrumentos que retrataram essa música do

tempo passado, com características da tradicional canção francesa, marcada, sobretudo pelo

43

“A Canção Nostalgia”. 44

“goût des auditeurs contemporains, et par conséquent de leurs auteurs-compositeurs préféres, pour la

chanson 'du temps passé'”

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acordeão. Enfim, a imagem resgata essa memória e valoriza as raízes da música francesa sem,

contudo, abandonar aspectos da canção moderna.

Imagem 2:

Ao observarmos a segunda imagem, algo que nos chama a atenção é o universo

repleto de notas musicais e partituras, o que evoca a universalidade da música. A imagem

transmite a sensação de que a música não é algo exclusivo do planeta terra, mas de todo o

infinito, apresentando-a como algo transcendente ao homem, no qual nosso planeta está

completamente imergido. A ideia de que TUDO É MÚSICA é ressaltada, trazendo consigo

certa reverência a esse fenômeno que nos é apresentado em tamanha grandiosidade.

Os aspectos relatados até aqui, se confirmam quando pensamos que essa ideia de uma

marionete com um instrumento em mãos, flutuando com seus movimentos coordenados por

um determinado objeto distante, nos leva a entender que, tendo sido a música apresentada

como um fenômeno universal e transcendente, os músicos (instrumentistas e cantores),

representados pela marionete, contam com sua total influência e direta intervenção, sem a

qual não conseguiriam executar seu ofício. Note que uma marionete nada faz sem comandos

exteriores. A imagem nos mostra uma relação como essa, onde os músicos nada fazem sem

que tenham sido comandados pelo poder que a própria música possui.

Partindo para as discussões de Dumont (1998), vemos que essa imagem fornece

aspectos do que o autor chama de “L'exotisme”45

. Esse ponto de sua teoria apresenta o

momento em que ocorreu a inserção de ritmos exóticos na canção francesa, que seguia toda

uma tradição rítmica. A inovação veio nos anos 80, justamente pela inserção de ritmos

tropicais provenientes dos países da América Latina. Essa mistura de ritmos deu origem a

novos estilos musicais, e sua positividade está na relação que proporcionou entre pessoas de

culturas diferentes. Quando a imagem apresenta a música como algo universal e expõe o

globo terrestre, não privilegia uma determinada cultura ou um determinado ritmo; pelo

contrário, defende que a música não é algo restrito a uma sociedade, e não deve ser limitada

como se assim o fosse. Além disso, a imagem encoraja a compreensão de que apesar das

diferenças é possivel conviver harmonicamente e até mesmo lançar mão de certos aspectos da

cultura do próximo para aprimorar e enriquecer aspectos de sua própria cultura.

Por fim, ainda interligamos os textos verbais presentes na imagem, com a parte da

teoria de Dumont (op. cit.) que retrata a revolução na língua francesa e consequentemente nas

letras das canções, a partir dos anos 80. O autor diz que “a canção dos anos pós 80 se

caracteriza igualmente pela emergência de uma língua contemporânea”46

(op. cit., p. 30). Ele

prossegue mostrando as mudanças nas letras das canções, afirmando que os compositores

começaram a incluir gírias, linguagens populares e expressões que retratavam as realidades

sociais, transformando a música em algo mais próximo do contexto da parcela menos

favorecida da sociedade francesa. A linguagem, portanto, começou a se transformar em algo

mais leve e descontraído, quebrando um pouco a tradicional linguagem culta que era usada na

canção antiga. O título “Les Ogres de Barback”, com certeza remete a essa mudança, pois

apresenta uma linguagem atual, que possivelmente não seria utilizada, por exemplo, nas

canções do início do século passado.

45

“O exotismo”. 46

"la chanson des années post 80 se caractérise également par l'émergence d'une langue contemporaine".

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Imagem 3:

Para concluir, temos nossa terceira imagem que é interessante por despertar o

conhecimento paralinguístico de quem a vizualisa. Também é preciso que o aluno evoque seu

conhecimento de mundo para que possa identificar qual instrumento cada um dos personagens

toca, simplesmente pela posição de seu corpo. Para nós, é evidente que os instrumentos são:

um trompete, um piano (ou teclado), uma gaita e um violino.

Em nossa interpretação, o assunto retratado na imagem é a diversidade musical. Não

consideramos que essa imagem diga respeito a um determinado grupo, e sim a uma

representação de diversos estilos musicais, e isso por dois motivos. Primeiro, notamos a

diferença entre as vestimentas dos personagens, o que aponta para pessoas de estilos

diferentes. Não há um padrão, como geralmente existe nos grupos musicais. Depois, vemos a

junção de instrumentos que geralmente fazem parte de um estilo musical diferente. Não é

comum, por exemplo, ouvirmos músicas que contenham sons de trompete e gaita ao mesmo

tempo, ou ainda violino e gaita. Não cometeríamos o equívoco de ignorar a existência de tal

união entre os instrumentos numa mesma música, pois isso é logicamente possível, no

entanto, afirmamos que essa junção geralmente não é realizada, principalmente na música

contemporânea. Esses aspectos nos levam a crer que a imagem nos faz refletir sobre a

diversidade musical, apontando para intrumentos de sopro e de cordas e nos mostrando

maneiras diferentes da manifestação da música.

A diversidade que vemos não é apenas no que diz respeito aos instrumentos, mas

também no que tange ao próprio músico. A garota da imagem porta vestimentas bastante

contemporâneas, por exemplo, mas isso não a impede de estar tocando um instrumento tão

antigo e tradicional quanto o violino. Teríamos aqui, então, a quebra de um estereótipo a

respeito dos músicos violinistas. Ainda nesse sentido, temos o rapaz negro, trompetista,

vestido com roupas que, ao contrário da moça violinista, seguem a tradição do seu

instrumento na história do Jazz, cujos primeiros grandes músicos foram homens negros

vestidos com roupas semelhantes às suas.

Encerramos a análise dessa imagem com uma consideração não menos importante que

as demais. Diz respeito à moça cuja posição corporal revela como violinista. Já falamos a

respeito de suas vestimentas contemporâneas, mas falta-nos citar que o simples fato dessa

presença feminina que ela representa, com um estilo tão marcante, remete ao que Dumont (op.

cit.) denomina como sendo "Le temps des Lolita”47

. As mulheres, como se sabe, tem

conquistado cada vez mais lugares de destaque em determinadas sociedades e isso se reflete

também, segundo Dumont (op. cit.), na canção francesa dos anos 80, que ele define como

sendo portadora de “uma outra imagem da mulher francesa”48

(op. cit., p. 28). O autor afirma

que as mulheres, sobretudo as compositoras e cantoras influentes, começaram a passar

“lentamente da ingenuidade à perversidade”49

(op. cit.), o que significa, entre outras coisas,

que as letras traziam uma nova postura feminina que rebatia o preconceito, declarava a

liberdade da mulher e falava de sua força social. Fala-se também de uma quebra de tabus,

quando a mulher começa a cantar e a compor sobre bebidas alcoólicas, sexo e demais temas

que a sociedade francesa proibia ao público feminino.

47

“O tempo das Lolitas”. 48

"une autre image de la femme française". 49

"lentement de l’ingénuité à la perversité".

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Concluímos assim nossa análise conotativa verificando, sobretudo a simplicidade

retratada na primeira imagem, o aspecto universal da música retratado na segunda, a

diversidade musical e o lugar da mulher na música francesa abordada na terceira. De forma

global, as imagens expressam as mudanças ocorrentes na canção francesa a partir de 1980

(DUMONT, 1998).

6. Considerações Finais

Durante a discussão promovida no decorrer desse trabalho pode-se ver o nosso

implícito desejo de retomar reflexões acerca do quão importante é o trabalho com o

sociocultural a partir da tomada de consciência intercultural para a formação integral do

estudante de LE, especificamente de FLE. Escolhemos direcionar nossa atenção à música e

vimos que uma análise de apenas três imagens nos rendeu tantas considerações. Imaginamos,

então, quão rico será o trabalho com os demais suportes (texto verbal, audio etc). Além disso,

é vasto o quadro de possibilidades para se explorar a interculturalidade em sala de aula de

FLE, portanto, o problema não é encontrar um aspecto para trabalhar, mas sim como trabalhá-

lo em sala de aula. O professor, no entanto, possui uma grande ferramenta, por assim dizer,

para realizar seu trabalho e contribuir melhor para o aprendizado dos alunos.

Em suma, constatamos a evidência da presença de imagens referentes a música nos

manuais de FLE, o que não acontece por acaso, pois entendemos que se trabalharmos essa

união de um fenômeno social sobremodo abrangente como a música a um suporte como o

texto não-verbal, que reúne diversos signos simultaneamente, estaremos proporcionando ao

aprendiz do francês uma rica oportunidade de estabelecer contato com aspectos importantes

da cultura francesa, bem como da francófona, contribuindo de maneira eficaz para o trabalho

com a interculturalidade em sala de aula e adquirindo a competência sociocultural tão

necessária àqueles que aprendem uma LE.

7. Referências Bibliográficas

CAPELLE, G.; CAVALLI, M.; GIDON, N. Fréquence Jeunes: méthode de français. Paris:

Hachette, 1994.

BARTHÉLEMY, F.; GROUX, D.; POCHER, L. Le français langue étrangère. França:

L’Harmattan, 2011.

BENAC, H. Guide des idées littéraires. França: Hachette Education, 1988.

DUMONT, P. Le français par la chanson. Paris: L’Harmattan, 1998.

FERRARA, L. D’A. Leitura sem palavras. 5.ed. São Paulo: Ática, 2007. (Série Princípios,

100.). MÉRIEUX, R.; LOISEAU, Y. Latitudes 1: méthode de français. Paris: Didier,

2008.Quadro Europeu Comum de Referências para as Línguas – Aprendizagem, ensino e

avaliação. Porto: Edições: ASA, 2001.

ROSSI, M. H. W. Imagens que falam: leitura da arte na escola. 5.ed. Porto Alegre:

Mediação, 2011.

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PENN, G. Análise semiótica de imagens paradas. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. (orgs.).

Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som; tradução de GUARESCHI, P. de A. 10. ed.

Petrópolis: Vozes, 2012.

TAGLIANTE, C. La classe de langue. Paris: CLE - International, 2006.

WALTY, Ivete Lara Camargos; FONSECA, Maria Nazareth Soares; CURY, Maria Zilda

Ferreira. Palavra e imagem: leituras cruzadas. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

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A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA E SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO DAS

HABILIDADES COMUNICATIVAS

Ana Julia Monteiro de ASSIS - UFCG50

Rosiane XYPAS- UFCG51

RESUMO: Segundo as histórias das metodologias do ensino/aprendizagem de Línguas

Estrangeiras (LE), a tradução é uma das atividades com mais tempo de uso, que tem sido

utilizada desde o século XVIII para o ensino das línguas clássicas, na metodologia dita

gramática-tradução. Nos dias atuais esta vem sendo cada vez mais abordada pelos manuais de

LE, apresentando-se em três categorias: Interlingual, Intralingual e Intersemiótica. Se

considerarmos que, a tradução é posta como estratégia para a prática e aperfeiçoamento das

quatro habilidades comunicativas (compreensão e expressão oral e escrita), perguntamos

como esse recurso é apresentado em manuais de LE, especificamente de língua Inglesa, e até

que ponto tais habilidades são de fato trabalhadas? Para respondermos a esta pergunta,

fizemos uma análise quantitativa das atividades presentes em um livro de nível básico de LE

designado para adolescentes cuja primeira língua é o português. Em seguida, fizemos uma

análise qualitativa a fim de apresentar as habilidades de uso mais recorrente no manual

escolhido para este estudo. A análise demonstrou que o uso mais recorrente no material

investigado é o da categoria de tradução intersemiótica, priorizando o desenvolvimento das

habilidades de expressão oral e compreensão escrita que para o nível iniciante de

ensino/aprendizagem de inglês como língua estrangeira, podem ser consideradas essenciais

para o desenvolvimento cognitivo e social do aprendiz. Nosso corpus é composto de quatro

unidades didáticas do manual Action one e nossa fundamentação teórica se apoia nas

categorias de tradução de Jakobson (1958), na definição de tradução intersemiótica de Plaza

(2008) e nos estudos de tradução de Branco (2011,2012).

Palavras-chave: Categorias de Tradução. Tradução Intersemiótica. Habilidades

comunicativas.

1. Introdução

A tradução é um recurso que vem sendo muito questionado em relação a sua

eficiência em sala de aula. Ela perpassou por uma série de abordagens e métodos, os quais

tanto a engrandeceram quando a desprezaram. Hoje, a partir dos estudos do linguista

Jakobson (1958), sabemos que a tradução não se trata apenas do passar de uma língua para

outra, mas que ela se apresenta em três diferentes tipos ou categorias, a saber, interlingual,

50

Aluna do Curso de Letras-Inglês, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, PB, E-mail:

[email protected] 51

Letras, Professora. Doutora, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, PB, E-mail:

[email protected]

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intralingual e intersemiótica. Tais categorias vêm sendo bastante exploradas por livros

didáticos (LD), e muitas das vezes os alunos, e até mesmo alguns professores, não têm

consciência disto.

O uso de livros didáticos é de fundamental importância para o encaminhamento

da aula, uma vez que funcionam como guia. O uso de atividades de tradução em livros

didáticos de língua estrangeira mostra-se cada vez mais frequente e serve como auxílio ao

ensino de idiomas e de suas especificidades. Diante da utilização de atividades de tradução

para o ensino, de que maneira esta se apresenta nos livros didáticos? Poderia ser utilizada

como um recurso auxiliar para o aperfeiçoamento das habilidades comunicativas? Temos

como objetivo geral neste artigo analisar quantitativa e qualitativamente as atividades de

tradução presentes no livro Action One (2004) de nível elementar. Como objetivos

específicos, pretendemos classificar e analisar as atividades de tradução em suas diferentes

categorias, bem como examinar se, e de que modo, o uso destas, pode auxiliar no

desenvolvimento das quatro habilidades comunicativas (leitura, escrita, fala e escuta).

O livro didático escolhido para análise é o primeiro de uma coleção de seis livros

designados especialmente para estudantes brasileiros. O livro didático escolhido está dividido

em quatro unidades e seis sessões das quais nos deteremos para análise visando às atividades

propostas por estas unidades designadas de A a D como também as seções que lhe são

relacionadas, a saber, Fun zone e Wordzip.

Sendo assim, analisamos as atividades referentes a essas unidades para

verificarmos de que modo e com que frequência as categorias de tradução foram trabalhadas

no LD em questão, e para tanto, elaboramos uma tabela demonstrativa (ver tabela 1) na qual

explicamos seu significado. Em seguida, identificamos qual categoria era mais recorrente, e a

partir dela, observamos novamente as atividades a fim de verificar quais foram as habilidades

comunicativas priorizadas (ver tabela 2). Por fim, apresentamos algumas atividades para

demonstrarmos como está apresentado o trabalho da tradução intersemiótica atreladas ao das

quatro habilidades comunicativas.

2. O uso da tradução nas diferentes abordagens de ensino no decorrer do tempo

A tradução, segundo Leffa (1988) apud Hannuch (2006) é uma das atividades

com mais tempo de uso no ensino de línguas estrangeiras. Ela é utilizada desde o século

XVIII quando se ensinavam línguas clássicas, como Grego e Latim, que partiam do Método

Gramática e Tradução. Os métodos com o decorrer do tempo foram trocados para melhor se

adequarem às necessidades da época. Apesar de em alguns deles a tradução aparecer como

vilã, gerando dúvidas a respeito de sua eficiência, esta aos poucos volta a exercer um papel

importante para a aquisição e aprendizado da língua estrangeira estudada. Segundo Neves

(1996), as abordagens que mais influenciaram a metodologia de ensino no Brasil foram: a

Abordagem Tradicional ou Gramática e Tradução, a Abordagem Direta, a Abordagem

Estrutural ou Audio-Lingual e a Abordagem Comunicativa que, atualmente, é usada como

referencial na maioria dos livros didáticos de LE; vale à pena ressaltar como a tradução está

presente e é vista em cada uma dessas abordagens.

De acordo com Hannuch (Op.cit.), a Abordagem Tradicional nasceu no

Renascimento e estava voltada o para ensino do Grego e Latim. Entretanto, até hoje é possível

perceber, em alguns casos, a presença desta no ensino de LE. Nesta abordagem, o ensino da

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LE52

era feito através da LM53

, e a metodologia era pautada na memorização de listas de

palavras, na tradução de textos literários e exercícios de tradução e versão. Tratava-se de uma

abordagem dedutiva, que enfatizava a forma escrita da língua e em que a tradução era

frequentemente utilizada, porém de forma automatizada e descontextualizada, acarretando em

seu uso abusivo e muitas vezes ineficiente fazendo com que se tendesse a banir o uso desta

em sala de aula. Surge em seguida, a Abordagem Direta, e com base nos resultados do uso da

tradução na abordagem anterior, esta passa a exercer um papel diferente em sala de aula.

Sendo assim, o uso da tradução torna-se proibido e o ensino/aprendizagem da LE passa a ser

feito exclusivamente através da LE, sem nunca recorrer à língua materna ou a tradução. Sendo

assim, os professores se utilizavam de gestos e gravuras para ensinar a língua estudada. A

abordagem era indutiva e com ênfase na oralidade.

Na Abordagem Audio-Lingual, e a tradução volta a exercer um papel importante,

esta era contemplada através da utilização da Análise Contrastiva, desenvolvida por Krashen,

através da comparação dos sistemas fonológicos, lexicais, sintáticos e culturais das duas

línguas (LM e LE), visando prever os prováveis erros a serem cometidos pelos alunos.

Por fim, surge a Abordagem Comunicativa que enfatiza a produção oral (em LE)

e a tradução passa a ser criticada e definitivamente excluída por ser considerada prejudicial ao

ensino de LE. Esta abordagem, como mencionado anteriormente, nos dias de hoje é a mais

utilizada nos manuais didáticos, como modelo a ser seguido pelos professores, de modo geral.

É valido ressaltar que alguns teóricos consideram que o uso da tradução é de fato importante

em sala de aula, segundo Costa apud Hannuch (Op.cit.), devemos rever a política do ensino de

línguas, devido ao fato de esta ser muito útil para se perceber e superar as dificuldades de

ensino/aprendizagem,

"[...] uma concepção mais ampla, mais cultural e crítica pode colocar a

tradução como um dos meios mais eficientes de se estar permanentemente

atento às diferenças em relação à língua (e à cultura) estrangeira."

(COSTA, 1988, p. 283 apud Hannuch 2006).

É importante ainda ressaltar que, quando a grande maioria dos autores se refere ao

uso da tradução nestas diferentes abordagens, consideram apenas a visão de se traduzir da LE

para LM ou vice-versa. Entretanto, a tradução hoje pode ser classificada em três categorias

que foram propostas pelo linguista Russo Jakobson (1958), e que ilustram como esta é muito

mais abrangente do que apenas o “passar de uma língua para outra”; e como ela pode e vem

sendo utilizada de diferentes formas para auxiliar o ensino/aprendizagem e enriquecer as aulas

de LE.

3. A categoria intersemiótica e a construção de sentidos do verbal para o não verbal e

vice-versa

52

Língua Estrangeira (LE). 53

Língua Materna (LM).

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Segundo a análise quantitativa feita para o desenvolvimento de nossa pesquisa,

constatamos que estão presentes as três categorias de tradução já mencionadas neste artigo,

sendo que há uma disparidade em relação à quantidade de cada categoria em si, ou seja,

constatamos uma atividade de tradução interlingual, quatro intralingual e oitenta e cinco

intersemiótica. Seria este número por que estamos estudando por um manual de nível

iniciante? Quais as possíveis razões de tanta diferença?

Ora, sabemos que a abordagem comunicativa reprime a tradução interlingual. Não

seria por isso que o manual analisado apresenta apenas uma atividade sendo este mesmo de

abordagem comunicativa?

Nossas considerações serão feitas neste ponto em uma breve apresentação das três

categorias de tradução segundo Jakobson (1958) apud Branco (2012). Entretanto, vamos nos

aprofundar na categoria intersemiótica, ou seja, a construção de sentidos do texto verbal para

o não-verbal.54

Segundo Venuti apud Araújo & Branco (2012), Jakobson foi um teórico que se

destacou ao apresentar uma nova perspectiva da tradução. Este estabeleceu uma relação entre

a tradução e aspectos linguísticos de definição de signo, de modo que o significado de uma

palavra, frase ou imagem qualquer, é definitivamente um fato linguístico-semiótico. A partir

de então, Jakobson propôs três categorias de tradução: a Intralingual, a Interlingual e a

Intersemiótica, tendo sido ele, segundo Plaza (1938-2003), o primeiro a discriminar e definir

possíveis tipos de tradução. Segundo Branco (2012) estas categorias são relevantes tanto para

desmitificar a ideia de que a tradução está relacionada apenas a textos escritos ou orais e de

uma língua para outra, como para demonstrar que esta explora, também, outros sistemas de

signos para a comunicação.

A primeira categoria proposta pelo teórico é a Intralingual: “quando os sinais

verbais de uma língua são interpretados por outros sinais da mesma língua” (BRANCO,

op.cit.). Deste modo, essa categoria de tradução pode ser realizada com o apoio do uso de

sinônimos, definições ou equivalências. Tendo como base a Língua Inglesa, a partir do

momento em que um aluno pergunta ao professor o significado de uma palavra qualquer, e

este o responde também em inglês, utilizando-se de qualquer um dos sistemas de apoio

mencionados anteriormente, se estabelece o uso da Categoria Intralingual. Por exemplo, se

aluno pergunta o significado da palavra watch55

e o professor responde: ‘it’s a small clock

usually worn on a strap around the wrist’ 56

ou simplesmente, usa o equivalente: ‘it’s a

clock’57

, o professor utilizou-se de signos verbais para explicar outro signo verbal da mesma

língua e, portanto a Categoria Intralingual.

A segunda categoria é a Interlingual: “quando os sinais verbais de uma língua são

interpretados por sinais verbais de outra língua” (BRANCO, op.cit.), que normalmente

chamamos de tradução propriamente dita, e categoria esta que era a única reconhecida como

tradução pelas abordagens mencionadas anteriormente. Comparando com o exemplo anterior,

seria possível o uso deste tipo de categoria se, ao se perguntar o significado de ‘watch’ o

professor respondesse: ‘é um relógio de pulso’. Lidamos também como esse tipo categoria

quando utilizamos os dicionários bilíngues. Ao consultarmos o significado de uma palavra

qualquer em inglês, e obtermos o termo equivalente em português, ou vice-versa, fazemos uso

da Categoria Interlingual.

54

Para um maior aprofundamento das três categorias de tradução ver Branco, 2012. 55

“Relógio de pulso”. 56

“É um relógio pequeno, normalmente usado sobre uma pulseira em torno do pulso”. Disponível em:

http://dictionary.cambridge.org/dictionary/american-english/watch_1?q=watch 57

“É um relógio”.

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A Categoria Intersemiótica ocorre: “quando os sinais verbais de uma língua são

interpretados por sistemas de sinais não-verbais” (BRANCO, op.cit.) ou “de um sistema de

signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura,

ou vice-versa, poderíamos acrescentar” (PLAZA, 1938-2003). Sendo assim, a categoria

Intersemiótica trata-se da interpretação de qualquer signo não verbal como, por exemplo, uma

imagem, figura, mímica, som, pintura, entre outros; para um signo verbal, seja em forma de

texto escrito ou discurso oral.

Como observamos em nossa análise, esta é a categoria que predomina em nosso

corpus, mas será que nossos alunos tem alguma consciência de que as atividades que eles

estão realizando são de tradução intersemiótica? Segundo Oustinoff (1956),

“... a dimensão “intersemiótica” é um dado essencial, a começar pelo campo

dos próprios significantes, que são polivalentes por natureza: as palavras

escritas em uma página são significantes visuais, mas podem ser traduzidos

como significantes auditivos pela fala, em gestos na linguagem dos sinais,

em significantes táteis no alfabeto braile. Essa faculdade de tradução dos

signos parece tão natural que raramente se presta atenção a ela na vida

cotidiana.” (Oustinoff, 1956, p. 115).

Com base na citação acima, ao que nos parece, as atividades são feitas pelos

alunos em um processo tão automatizado, que provavelmente pouquíssimos ou até mesmo

nenhum, irá perceber que está realmente fazendo uma atividade de tradução. Isso acontece

primeiro porque a maioria dos alunos não tem um arcabouço teórico sobre este tópico para

reconhecer e classificar as atividades de tradução entre seus diferentes tipos; mas

principalmente porque muitas destas atividades têm como principal objetivo trabalhar ou

desenvolver uma (ou mais) das quatro habilidades comunicativas e esse trabalho é tão

focalizado, que o uso da tradução acaba por se camuflar diante dos olhos de nossos alunos.

Sendo assim, torna-se fundamental que verifiquemos, a seguir, como se dá o trabalho dessas

quatro habilidades a partir do uso da tradução, propondo para o futuro professor de língua

estrangeira uma maior consciência da importância e do uso que faz, às vezes sem se dar conta,

deste tipo de tradução.

4. O uso da tradução para o desenvolvimento das quatro habilidades comunicativas

De acordo com Malmkjaer (1998) apud Branco (2010), a tradução não se separa

do uso das quatro habilidades comunicativas, muito pelo contrário, depende delas. Segundo a

autora, ao se praticar atividades que envolvem o uso da tradução, os alunos,

consequentemente, praticam a compreensão oral e escrita e a produção oral e escrita. Para ela,

a tradução envolve a competência linguística em ambas as línguas (LM e LE) durante o

processo tradutório; uma relação entre os seguimentos linguísticos, culturais e sociais em LM

e LE; e dependendo do contexto, do público alvo e/ou contexto ou situação, a seleção da

forma mais adequada de tradução. Para tanto, é necessário que se trabalhe vocabulário e

atividades de tradução em diferentes contextos, e se bem elaboradas, tais atividades são

capazes de oferecer também a prática de qualquer uma das quatro habilidades. Deste modo,

Branco (2010) aponta a importância da tradução em sala de aula e como ela pode auxiliar no

desenvolvimento das habilidades:

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“... a tradução como exercício pedagógico, busca aperfeiçoar a agilidade

verbal, expandir o vocabulário em LE, desenvolver o estilo dos alunos,

aprimorar a compreensão de como as línguas funcionam, consolidar as

estruturas da LE para uso ativo e monitorar e melhorar a compreensão da

LE” (BRANCO, p.169, 2010).

Os livros didáticos trazem uma série de atividades que visam de uma forma ou de

outra o trabalho das quatro habilidades comunicativas, priorizando aquelas que consideram

primordiais de acordo com o seu público alvo e seu objetivo. As atividades que envolvem

tradução acabam por trabalhar e muitas vezes ajudar no desenvolvimento destas habilidades.

Considerando a categoria Intersemiótica e o trabalho das quatro habilidades, é

possível perceber o quanto ambas estão relacionadas e dependem uma da outra para

realização de muitas atividades. Ao se trabalhar-se tal categoria de tradução em que o aluno

deve interpretar, neste caso, o signo não verbal através de um signo verbal, ou vice-versa, é

possível, por exemplo, desenvolver a escrita ao associar-se a imagem à sua representação

gráfica; a fala ao se descrever o que se vê na imagem; a leitura quando a imagem está

relacionada a algum texto escrito e a escuta quando ao ouvir uma determinada situação o

aluno deve interpretá-la e associá-la a imagem que melhor lhe representa, por exemplo.

Comprova-se assim o que afirma Malmkjaer apud Branco (2010, p. 168): “... a tradução não

está separada das quatro habilidades, mas depende delas”.

5. Apresentação da composição do manual Action One e análise das atividades

A proposta pedagógica do livro didático analisado se fundamenta na filosofia de

uma escola que ensina a língua inglesa, adotando o Action (Ação) que visa a um curso de

nível básico, ou seja, introdutório, em aproximadamente 270 horas-aulas. Ele está dividido em

seis níveis apresentados em seis livros que compõem este nível. Sendo assim, escolhemos o

primeiro livro intitulado Action One) e verificaremos como as quatro habilidades podem ser

trabalhadas em conjunto a partir do recurso da tradução.

Esse livro foi designado especialmente para pré-adolescentes e adolescentes entre

11 e 13 anos de idade, cuja primeira língua é o Português. O livro abrange um público

específico e apresenta características que o destaca entre outros como a apresentação do

contraste entre termos em inglês Americano e Britânico, o que caracteriza a categoria de

tradução intralingual de Jackobson, além de duas seções especiais nomeadas de wordzip e fun

zone (zona de diversão), respectivamente, que apresentam uma grande riqueza de imagens e

símbolos que auxiliam no desenvolvimento das atividades e que instigaram a análise do

material estudado.

Cada unidade do Action consiste em 26 lições agrupadas em quatro unidades (A-

D) e mais duas lições de revisão nomeadas de Take Action (Aja) além das seções wordzip e

fun zone (zona de diversão), que estão estritamente relacionadas com as seções de A a D.

Apresenta também as seções: One Plus (Uma a mais), Revision section (Seção de revisão) e

Activity book (Livro de atividades) sendo as duas primeiras utilizadas como revisão de

conteúdo e a última constituída de atividades a serem feitas, em casa, pelo aluno.

Em prol de um recorte teórico, nosso corpus é composto pelas quatro unidades

didáticas do manual Action One (A-D) e das seções que lhe estão relacionadas (wordzip e fun

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zone). Analisamos exclusivamente as atividades destas unidades desconsiderando, portanto

quadros explicativos ou qualquer outro recurso utilizado apenas para explicação de conteúdos.

Nossa análise terá como apoio as três categorias de tradução propostas por

Jackobson (1958) apud Branco (2012): interlingual, intralingual e intersemiótica, conforme

mencionado anteriormente. Assim, coletamos e analisamos noventa atividades que utilizam o

recurso da tradução nas três categorias. Analisaremos abaixo duas tabelas, sendo a primeira

referente às atividades de tradução e a segunda às atividades relacionadas ao desenvolvimento

das quatro habilidades.

TABELA 1: Atividades de tradução coletadas no Action One

CATEGORIA DE

TRADUÇÃO

UNIT

A

UNIT

B

UNIT

C

UNIT

D

TOTAL

INTERLINGUAL

1

0

0

0

1

INTRALINGUAL

0

1

1

2

4

INTERSEMIOTICA

15

24

25

21

85

Fonte: NOGUEIRA, M. Action One: Student’s book. Updated edition. Rio de Janeiro: Learning Factory Ltda,

2004. 111 p.

O livro analisado apresenta na seção Word zip uma predominância de textos não-

verbais, ou seja, de imagens em detrimento ao texto verbal. Diferente da seção Fun zone, que

apresenta também imagens em uma quantidade menor, predominando o texto verbal.

Constatamos que na seção Word zip, composta por nove atividades, todas se enquadram na

categoria de tradução intersemiótica enquanto que na Fun zone das 24 atividades que

apresenta, apenas 6 se enquadram na mesma categoria.

A tabela acima analisada nos faz compreender que o livro em questão é repleto de

imagens. No entanto, vale ressaltar que usar imagens em atividades não está diretamente

relacionado ao uso da tradução intersemiótica, pois para que a atividade seja assim

classificada, é necessário que haja de fato a interpretação entre dois signos, a saber, do verbal

para o não-verbal ou vice e versa. Por exemplo, em uma atividade de compreensão oral na

qual são apresentadas seis imagens e cinco frases sobre as mesmas, o aprendiz estará fadado a

respondê-las a partir da utilização da imagem. Todavia, se não houver nenhuma referência de

texto verbal às imagens apresentadas junto às atividades, esta servirá apenas de ilustração. Em

uma frase, o recurso da tradução intersemiótica nas atividades deve ser indissociável entre o

signo verbal e o não-verbal.

Por uma questão metodológica, escolhemos duas atividades para análise, que

trabalham duas habilidades cada uma. As atividades analisadas foram a 1 da unidade A1 e a

atividade 10 (wordzip 1) da unidade A3, referentes à tradução intersemiótica. Como

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mencionamos anteriormente, segundo Malmkjaer apud Branco (2010), a tradução não se

separa do uso das quatro habilidades comunicativas. Deste modo, segue abaixo a tabela de

análise quantitativa de todas as unidades do livro didático analisado em que podemos verificar

que há uma predominância nas habilidades de Reading (Leitura) e Speaking (Fala) no Action

One:

TABELA 2: Atividades de tradução que ajudam no desenvolvimento das quatro habilidades

HABILIDADE

TRABALHADA

UNIT

A

UNIT

B

UNIT

C

UNIT

D

TOTAL

LISTENING

(escuta)

3

4

6

5

18

READING

(leitura)

4

8

5

5

22

SPEAKING

(fala)

3

5

10

6

24

WRITING

(escrita)

5

8

5

3

21

Fonte: NOGUEIRA, M. Action One: Student’s book. Updated edition. Rio de Janeiro: Learning Factory Ltda,

2004. 111 p.

Na atividade 1 da unidade A1 (Figura 1, abaixo), página 6 do livro Action One, o

aluno pratica as habilidades de listening (escuta) e reading (leitura) ao mesmo tempo em que

trabalha a categoria de tradução intersemiótica. Nesta atividade, o aluno deve primeiramente

ouvir os diálogos do CD, que apresentam também alguns recursos intersemióticos como, por

exemplo, sons de fundo que despertam no aluno, a sensação de imersão no ambiente em que o

diálogo se realiza, e associar o áudio ao texto escrito, presente na questão, através da leitura.

Depois disso, devem interpretar aquilo que leram e ouviram, ou seja, os textos verbais, e

associá-los a imagem que representam cada um deles adequadamente. Deste modo, através da

tradução intersemiótica, a saber, da interpretação dos textos verbais para os não-verbais e

vice-versa, a questão, como podemos observar, trabalha as habilidades de leitura e de escuta.

Figura 1 – Unidade A1 exercício 1 do livro Action One

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Fonte: NOGUEIRA, M. Action One: Student’s book. Updated edition. Rio de Janeiro: Learning Factory Ltda,

2004. 111 p.

Na Atividade 10 da Unidade A3 (figura 2, abaixo), páginas 11 e 58 do livro, o

aluno, através da tradução intersemiótica, trabalha as habilidades de speaking (fala) e writing

(escrita). Essa atividade é dividida em duas etapas, na primeira, feita em duplas, o aluno deve

testar seu colega, fazendo-o perguntas para que ele responda qual o plural de cada uma das

imagens. Deste modo, os alunos praticam a habilidade da fala, ao perguntar e responder, bem

como fazem uso da categoria de tradução intersemiótica, uma vez que interpretam o signo

não-verbal para responder as perguntas propostas. Na segunda etapa, os alunos trabalham a

escrita, na medida em que mais uma interpretam as imagens, ou seja, utiliza a categoria

intersemiótica, para escrever o signo verbal correspondente a cada uma das imagens (não-

verbais) presentes na atividade.

Figura 2 – Unidade A3 Exercícios 10: wordzip 1 do livro Action One

Fonte: NOGUEIRA, M. Action One: Student’s book. Updated edition. Rio de Janeiro: Learning Factory Ltda,

2004. 111 p.

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6. Considerações finais

Como pudemos perceber através da análise, a categoria que predomina neste LD,

é a categoria de tradução intersemiótica, proposta por Jakobson (1958). Segundo Santaella

(2005) apud Branco (2012), a linguagem não verbal desempenha um importante papel, pois

enquanto indivíduos sociais, nosso estar no mundo é mediado por uma rede intricada e plural

de linguagem. Sendo assim, nos comunicamos também através da leitura e produção de

formas, que podem ser representadas através de imagens, movimentos corporais, sons, entre

outros. A autora afirma ainda que ao olharmos ou tocarmos algo, despertamos sentimentos e

leituras que acabam tomando expressão a partir de outras formas de linguagem, e é assim que

se procede em sala de aula, buscamos o uso de linguagens variadas para que o objetivo da

comunicação em língua estrangeira seja alcançado.

Percebemos também a partir da análise que assim como propõe Malmkjaer (1998)

apud Branco (2010), é possível se trabalhar a partir da tradução as quatro habilidades

comunicativas, mesmo que naturalmente tenda-se a priorizar alguma(s) dela(s) de acordo com

o objetivo proposto. Segundo a autora, ao se praticar atividades que envolvem o uso da

tradução, os alunos, consequentemente, praticam a compreensão oral e escrita e a produção

oral e escrita. Enquanto realizamos as atividades que focalizam o desenvolvimento das

habilidades, traduzimos de forma tão natural e inconsciente, que muitas vezes nem

percebemos que estamos fazendo uso dela. É por este motivo que é importante que

reconheçamos o papel que a tradução desempenha no ensino/aprendizado de inglês e que

também despertemos essa consciência em nossos estudantes.

No livro didático analisado, percebemos que a ênfase foi dada às habilidades de

leitura e fala mais especificadamente a segunda, tendo em vista que por se tratar de um

material utilizado em curso de idiomas, no qual o objetivo maior é preparar o aluno para ser

capaz de se comunicar e lidar com contextos de produção oral com nativos e/ou em países

estrangeiros.

É importante observar também que, como mencionado anteriormente, a

Abordagem Comunicativa é a que predomina nos livros didáticos atuais, e esta não deixa de

apresentar-se também no LD analisado. Desta forma, explica-se o porquê da grande

quantidade de atividades de speaking em detrimento das demais, já que essa abordagem

enfatiza a produção oral, e explica-se também o fato do número tão reduzido de atividades

que trabalham, por exemplo, a categoria de tradução intralingual, uma vez que esta é vista

como prejudicial ao ensino de LE, dentro desta abordagem.

Em síntese, podemos concluir que apesar de a tradução em alguns momentos da

história do ensino de línguas, ter aparecido como uma vilã, gerando dúvidas a respeito de sua

eficiência; hoje, a partir dos estudos e análises como esta, feitas até então, juntamente com o

conhecimento e consciência de que dispomos de diferentes categorias de tradução, que nos

permitem explorar uma vasta gama de signos não só verbais, como não-verbais, podemos

afirmar que a tradução de fato pode ser utilizada como um recurso auxiliar ao

ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras como um todo, inclusive no que concerne ao

desenvolvimento das habilidades comunicativas.

7. Referências bibliográficas

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ARAUJO, A. A. ; BRANCO, S. O. . Atividades de tradução em um livro didático de língua

inglesa. Letras Raras, v. 1, p. 4-16, 2012.

BRANCO, S. O. . Os estudos da tradução no brasil: relatos de pesquisa. Traduzires, v. 1, p.

49-60, 2012.

________________. Estratégias de tradução, interlíngua e o ensino de línguas. In: V CIATI

- Congresso Ibero-Americano de Tradução e Interpretação, 2010, São Paulo. Estudos

Avançados (USP. Impresso). São Paulo: UNIBERO, 2010. v. V. p. 50-60.

HANNUCH, Jeane Nassar. A tradução como ferramenta no ensino/aprendizagem de língua

inglesa: explorado vocabulário. (s/d) Disponível em:

<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2544-8.pdf> Acessado em Julho

de 2013.

NEVES, Maralice de Souza. Os mitos das abordagens tradicionais e estruturais ainda

interferem na prática em sala de aula. In: PAIVA, Vera Lúcia Menezes de. (org.) Ensino de

Língua Inglesa: reflexões e práticas. Departamento de Letras Anglo GermânicasUFMG, 1998.

NOGUEIRA, M. Action One: Student’s book. Updated edition. Rio de Janeiro: Learning

Factory Ltda, 2004. 111 p.

OUSTINOFF, Michael, 1956. Tradução: histórias, teorias e métodos/ Michael Oustinoff;

tradução: Marco marcionilo. - São Paulo: Parábola Editorial, 2011.

PLAZA, Julio, 1938-2003. Tradução Intersemiótica/ Julio Plaza -- São Paulo: Perspectiva,

2008. – (Estudos; 93).

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DIDÁTICAS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS E O LUGAR DO TEXTO LITERÁRIO

NA PERSPECTIVA ACIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA NOS MANUAIS

DE FLE EM NOUVEL EDITO B1 E ALORS B1

Rosiane Xypas (UFCG)58

RESUMO: Fazendo um levantamento de quatro décadas da presença de textos literários em

manuais de francês como língua estrangeira (doravante FLE), observamos que os textos

literários sempre estiveram presentes nos manuais dos anos 80, 90, 2000, 2011 nos níveis

intermediários e avançados. Na história da evolução das metodologias de

ensino/aprendizagem do FLE, o tratamento dado ao texto literário oscilou entre sacralizado e

banal. E nos dias de hoje, que lugar ocupa com a perspectiva acional o texto literário, sabendo

que ele é considerado como um documento autêntico qualquer? Postulamos que a leitura de

texto literário na sala de aula de língua estrangeira deva favorecer o aprendiz tanto do ponto

de vista do desenvolvimento de sua própria cultura, quanto da do outro, um caminho possível

para a tomada de consciência das representações culturais contidas nos mesmos. Ora, a

compreensão e leitura de texto literário pode causar malentendidos culturais, mesmo se o

texto seja simples e direto no plano linguístico (Xypas, 2010). Nesta pesquisa, temos dois

objetivos, o primeiro é de analisar o lugar do texto literário nos manuais de perspectiva

acional escolhidos, e o segundo, é de saber se os trechos dos textos literários propostos

favorecem o aprendiz no desenvolvimento de sua competência cultural e quem sabe a

intercultural? Para tal, nosso corpus é composto de dois livros didáticos de língua francesa e

de perspectiva acional Nouvel Edito B1 e Alors B1. Constatamos que existe um lugar

específico para os textos literários que compõem os manuais, mas também o predomínio do

gênero prosa em detrimento ao da poesia e ao do teatro. Vale ressaltar que os trechos literários

apresentados embora diversificados não são representativos da francofonia. Apoiamo-nos em

autores tais como De Carlo (1998); Zarate (1986); Wandermüller (2011); Bazin (2010);

Tagliante (2006).

Palavras-chave: Leitura em língua estrangeira. Manual de perspectiva acional. Texto

literário.

1. Introdução

Na história da evolução das metodologias de ensino/aprendizagem do Francês como

língua estrangeira (doravante FLE), o tratamento dado ao texto literário oscilou entre

sacralizado e banal. E fazendo um levantamento de quatro décadas da presença de textos

literários em livros didáticos (doravante LD) de FLE, observou-se que os textos literários e

seus diversos gêneros sempre estiveram presentes nos livros didáticos dos anos 80, 90, 2000,

2011 nos níveis intermediários e avançados.

58

Professora Adjunta de Didáticas do FLE da Universidade Federal de Campina Grande,

[email protected]

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E nos dias de hoje, que lugar oferece a perspectiva acional para a leitura de textos

literários em sala de aula em níveis intermediários e avançados? Que estatuto tem este tipo de

texto, se como se sabe, ele é tido como um documento autêntico qualquer? Que tipo de

exploração didático-pedagógica é feita nestes textos?

Postulamos que a leitura de texto literário na sala de aula de língua estrangeira deva

favorecer o aprendiz, por um lado, a descentralizar-se de sua própria cultura, pelo

conhecimento da do outro. E por outro lado, desenvolver a sua capacidade de interagir no

mundo.

Para se atingir esses dois pontos de vista, utilizando o texto literário na sala de aula de

língua, é preciso des-sa-cra-li-zar o texto literário. Nossa proposta leva em conta, a

necessidade do multiletramento na sociedade atual e com isso visamos igualmente ao

desenvolvimento do letramento literário, já que os livros didáticos de línguas estrangeiras

apresentam em sua maioria, uma grande diversidade de textos jornalísticos, injuntivos,

informativos etc. Assim, não é muito difícil constatar o lugar trincado de trechos literários em

LD de língua estrangeira, e os que escolhemos para análises, por exemplo, não inova nesse

aspecto:

o primeiro, é que os textos literários estão pouco presentes, pois o espaço físico

reservado aos mesmos equivale à metade de uma página do LD. A página

dupla, quase nunca lhe é consagrada.

o segundo, é que a exploração pedagógica dos trechos literários visa a reforçar

pontos do tema da unidade do manual ou de pontos gramaticais já trabalhados,

raramente levando em conta sua literariedade.59

A perspectiva acional preconiza o desenvolvimento do aprendiz ou do ator social

visando a sua autonomia e para isso, evoca diversas ciências humanas para ajudar o aprendiz

a se tornar autônomo. Espera-se que ele se torne um leitor confirmado ou ativo. Com efeito,

no corpus que nos serve de estudo, observamos que a utilização do excerto literário é bem

pragmática. Dito em outras palavras, o trecho literário é utilizado como modelo para, por

exemplo, se ensinar a fazer uma carta de amor, utiliza-se um excerto literário de carta de amor

e se pede ao aprendiz para escrever à maneira de. Quando exploram sua forma, pensa-se em

um estudo de vocabulário e em seus aspectos linguísticos. Os objetivos são interessantes e

válidos, mas se não se explora a literariedade do texto que marca a especificidade do mesmo e

demanda estratégias precisas de leitura.

Pensamos que para um bom desenvolvimento do letramento multimodal, o leitor-

aprendiz deve entrar em contato com diversos gêneros textuais verbais ou não verbais tais

como narrativos, argumentativos, descritivos, informativos, explicativos, expressivos,

injuntivos etc durante sua formação.Vale à pena ressaltar que nossos aprendizes vivem em

uma sociedade em que se confrontam sempre com diversos tipos de textos orais e escritos a

serem trabalhados. No entanto, ainda existem receios quanto à leitura de textos literários por

parte de diversos aprendizes. Muito dos nossos afirmam que não gostam de ler textos

literários porque são muito difíceis de entender, porque são muito específicos, que enfim não

estão ao alcance de todos. Partindo dessa constatação, não caberia ao professor de línguas

59

Essa constatação equivale também para o manual de língua espanhola Prisma B1 e o manual de inglês Cutting

Edge pre-intermediate, Pearson Longman analisado por nós.

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estrangeiras fazer um trabalho específico para a modificação das representações de seus

aprendizes sobre os textos literários?

Assim, a modificação das representações negativas e promovendo a dessacralização

do tipo de texto em questão poderá favorecer uma nova atitude diante do texto literário e

quem sabe facilitar sua compreensão. Caso contrário, representações do tipo que reforçam as

dificuldades de contato e de trabalho de construção de sentido de textos literários, não

reforçariam sua sacralização abrindo-se um hiato no letramento multimodal em línguas

estrangeiras?

2. Análise do lugar do texto literário em Nouvel Edito B1 e Alors B1 e apresentação do

corpus

Os livros didáticos que vamos analisar neste estudo são de nível intermediário B1 e de

perspectiva acional. Eles elaboraram sua proposta de ensino/aprendizagem à luz do que

preconiza o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECRL, 2001) e de

perspectiva acional.

No prefácio do manual Le Nouvel Edito B1 (2010) podemos ler que ele é composto de

nove unidades com dois dossiês fazendo um total de dezoito dossiês. Ele apresenta quatro

elementos, a saber, uma ampla escolha de documentos autênticos permitindo trabalhar as

cinco competências de compreensão e de expressão oral e escrita; um trabalho aprofundado e

estruturado sobre o léxico; uma abordagem da gramática ritmada em três tempos facilitando a

apropriação das diferentes estruturas: introdução, funcionamento, treino; propostas de Ateliês

para realizar as tarefas em grupos.

Lemos no trecho intitulado Abordagem metodológica do livro didático Alors? 3 nível

B1, podemos ler que ele tem como função acompanhar a aprendizagem do francês dos

aprendizes adultos ou jovens adultos. Como conhecem já outras línguas, e sobretudo, têm

uma experiência social e de curiosidades e interesses culturais, ele levará isto em conta. Ele

está organizado em nove unidades comportando cada uma das duas seções: ‘Sociedade’ e

‘Culturas’. (...) Os textos orais e escritos foram feitos para serem lidos, produzidos (só ou com

vários aprendizes, em interação ou não), compreendidos e vistos... Alors 3 se inscreve ainda

na abordagem por competências do ensino onde cada competência releva de uma forma de

guia pedagógico particular. (...) Os esquemas das unidades respondem na primeira seção a

recepção, conversação, produção oral; na segunda seção, a recepção audiovisual, recepção

escrita, produção escrita.

Nosso corpus é composto em Alors 3 de cinco textos literários: dois poemas, uma

narração, uma história em quadrinhos e um excerto literário de romance. Le Nouvel Edito B1

é composto de cinco trechos de um romance, duas histórias em forma literária de História em

Quadrinhos, um poema, um trecho de peça de teatro.

Neles os textos literários são curtos e nem sempre o encontramos em uma mesma

rubrica ou seção. Fazendo um levantamento quantitativo temos nove textos literários de

diversos gêneros no livro didático Nouvel Édito 1 e cinco textos em Alors 3. É uma

quantitativa escassa porque o primeiro livro didático apresenta sessenta e nove textos de

gênero predominantemente informativo e Alors 3 é composto de quarenta e quatro textos.

Vale ressaltar que não contamos as imagens nem os textos orais sendo que estes resultados

são unicamente dos textos verbais não literários. Podemos assim indagar que papel teria o

texto literário na aula de língua estrangeira na utilização destes manuais? Irrisório ou quase

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nada relevante para uma preparação do aprendiz para a leitura e compreensão literárias. Que

fazer para um letramento multimodal?

3. Ensino de língua estrangeira através de textos literários: o que propõem os livros

didáticos específicos no assunto?

Buscando ampliar nossa compreensão sobre o lugar do texto literário na aula de

línguas estrangeiras, analisamos igualmente quatro livros sobre o assunto, a saber, Littérature

progressive du français – niveau débutant de Nicole Blondeau et alli (2004); Le FLE par les

textes de Bouchery e Taillandier (2009); Livres ouverts de Estéoule-Exel e Ravier (2008) e

Littérature en dialogues de Geneviève Baraona (2006).

Desejamos compreender a proposta pedagógica dos autores ao levarem o texto

literário para a sala de aula de línguas estrangeiras no que se refere a três pontos essenciais: o

primeiro está vinculado à dessacralização do texto literário; o nível do aprendiz para a leitura

de textos literários em aula de língua; à exploração literária proposta no manual e o prazer do

texto.

Nicole Blondeau et alli (2004) afirmam já em seu primeiro volume da coleção

Littérature progressive du français – niveau débutant sobre o público a ser trabalhado nesse

manual e o nível para a introdução do ensino/aprendizagem da língua através de textos

literários em sala de aula de língua estrangeira.

As autoras do manual acima afirmam que “a obra se endereça a um público de

estudantes em fim do nível 1, quer dizer, aqueles que tiveram de 100 a 150 horas de ensino de

língua francesa” e nos alerta que é interessante observar que “no nível elementar, a escolha de

textos literários é perigosa” (2004, p.3)60

. Ainda no preâmbulo podemos ler que a exploração

pedagógica proposta que é nomeada de ‘pacto pedagógico’ é de que o professor tenha

“confiança nos aprendizes (...) aceitando a paráfrase (...) e acolhendo suas interpretações”

(2004, p. 3-4)61

. Mas a paráfrase elaborada é dita em que língua levando em conta o nível

iniciante dos mesmos?

O tempo de 100 a 150 horas de aula de língua fixado pelas autoras para a introdução

dos textos literários em sala de língua estrangeira equivale - se pensarmos em nossos cursos

universitários brasileiros – o de um ano e meio no mínimo, ou seja, dois semestres e três

meses consecutivos de aprendizagem da língua estrangeira em questão.

Concordamos com as autoras quanto ao tempo mínimo introdutório para se trabalhar o

texto literário na sala de aula de língua estrangeira. Talvez o aprendiz esteja mais aberto para

desenvolver competências que vão além das linguísticas. Mas o mesmo não ocorre quanto à

proposta das mesmas em relação ao professor se este deve ou não fazer referências a textos

literários durante essas primeiras horas do processo ensino/aprendizagem de língua.

Ainda as autoras Blondeau et alli (2004) afirmam igualmente em seu prefácio que “o

texto literário é um suporte de aprendizagens múltiplas [visando] à construção de sentido e

não à procura [de um certo] sentido [preestabelecido]” (2004, p. 4)62

. Considerando o que

60

« L’ouvrage s’adresse à un public d’etudiants en fn de niveau I, c’est-à-dire ayant suivi 100 à 150 heures

d’enseignement de français » (Avant-propos, 2004, p.3). 61

« À un niveau élémentaire, le choix des textes est périlleux (...). Faire confiance aux étudiants (...) mettre les

édutiants en confiance (...) accepter les paraphrases » (Avant-propos, 2004, p.4). 62

« Le texte littéraire est un support d’apprentissage multiples (...) dans la construction de sesn plutôt que la

recherche d’un sens (...) » (Avant-propos, p.4).

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acabamos de citar, compreendemos que assim há uma dessacralização do texto literário,

atitude que pensamos muito positiva para o ensino/aprendizagem da leitura literária como

também a esperança de se trabalhar com o mesmo visando à ampliação e a formação de

mundo do aprendiz de línguas estrangeiras de nível intermediário e avançado.

O segundo manual é Le FLE par les textes (2009) que se destina “aos leitores de nível

A2 ou B1. Ele é caracterizado pelo uso de verdadeiros [grifo nosso] textos literários como

suportes pedagógicos” (2009, p. 3)63

. As autoras afirmam: “Possam [esses textos] darem o

gosto desta literatura [a francesa] tão rica (...) como sublinha o poeta François Cheng em uma

mensagem,‘uma indefectível conivência entre nós todos’(...)” (2009, p.3).64

A proposta

pedagógica visa ao público de aprendizes estrangeiros do curso de “descoberta da língua e da

civilização francesa” (2009, p. 3)65

.

Estão de acordo Bouchery e Taillandier (2009) com Blondeau, Allouache e Né (2006)

no que diz respeito à introdução da leitura de texto literário em aula de língua, porque

propõem o nível de ensino/aprendizagem fim do nível A2, ou seja, fim do nível iniciante.

Ainda podemos ler no prefácio do segundo livro didático analisado, a afirmação que

visa a dar com a leitura do texto literário o gosto aos aprendizes desta literatura ‘tão rica’ que

é a francesa. Compreendemos essa afirmação como um contrassenso no que diz respeito à

dessacralização do texto literário na sala de aula de língua estrangeira. Por um lado, porque o

texto literário toma forma novamente de sacralizado recaindo em um distanciamento da

leitura dos mesmos pelos aprendizes. Por outro, a ‘tão rica’ literatura francesa é apresentada

com uma proposta de exploração pedagógica que tem função de desenvolver apenas a língua

francesa com exercícios de preencher lacunas, de produção escrita, de ligar palavras e frases,

de reformular frases, entre outras. Gostaríamos ainda de ressaltar que François Cheng não é

poeta, ele é romancista, escritor de origem chinesa que adotou a língua francesa para sua

criação literária.

O terceiro manual em análise se intitula Livres ouverts (2008) e se destina a estudantes

de nível intermediário e avançado. Os textos são classificados por nível de dificuldade no

interior de cada tema, do mais simples ao mais complexo e correspondendo aos níveis B1

(talvez A2 para alguns), [grifo do autor do livro analisado] à C2 do Quadro Europeu Comum

de Referência. (2008, p.5). Pode-se ler no preâmbulo do manual que “o conjunto de textos

pode ser abordado desde o nível B1 se nos apoiamos em uma compreensão global e se não

quisermos que os estudantes compreendam cada palavra [do texto], o acesso ao prazer do

texto pode se fazer sem isto” (2008, p. 5)66

.

Podemos dizer que nesta proposta, todos os dois manuais analisados anteriormente e

este agora são compatíveis quanto ao nível e introdução do trabalho com textos literários em

aula de línguas, equivalendo a no mínimo fim A2. Quanto ao prazer da leitura, há uma

proposta de gradação de dificuldades sugerindo o que compreendemos por aprendizagem em

espiral, quer dizer, que uma aquisição depende da outra, formando juntas, um todo crescente e

viável, para a progressão da aprendizagem da leitura literária do aprendiz de língua

estrangeira. Livres ouverts (2008) apresenta uma exploração pedagógica voltada para o

63

« Destiné aux lecteurs de niveau A2 ou B1, cet ouvrage se caractérise par l’usage de vrais textes littéraires

comme supports pédagogiques ». (2009, p. 3). 64

“Puisse-t-il Donner à tous le goût de cette littérature si riche, ce fonds commun qui établit, comme souligne le

poète François Cheng, une ‘indéfectible connivence entre nous tous’ » (2009, p.3). 65

« (...) decouvrir la langue et la civilisation française » (2009, p.3). 66

« L’ensemble de textes peut être abordé depuis le niveau B1, si nous nous apuions sur une compréhension

globale, si nous ne voulons pas que les étudiants comprennent chaque mot du texte » (2009, p. 3).

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vocabulário e expressões. Os exercícios são do tipo questões abertas visando ao

desenvolvimento da compreensão, da análise textual e da escrita.

O quarto livro didático analisado é Littérature en dialogues (2006) que “é divido em

trinta capítulos escolhidos em função do interesse cultural e discursivo. A progressão não é

cronológica, mas respeita a complexidade do sentido dos textos” (2006, p.3)67

. Este livro

propõe aos aprendizes adultos e adolescentes de nível intermediário descobrir tanto os autores

quanto suas obras. O objetivo da obra “é de transmitir ‘o prazer do texto’ por um enfoque na

leitura viva (...)” (2006, p. 3)68

.

O livro didático acima mencionado apresenta uma proposta de exploração pedagógica

do trecho escolhido com bastantes pontos pedagógicos a serem trabalhados em relação aos

que analisamos anteriormente. A partir do “excerto da obra, apresenta-se o autor. Em seguida,

propõem-se ao aprendiz uma observação de elementos do discurso, os principais pontos

gramaticais e atos de fala. Quanto às atividades, elas são apresentadas em páginas duplas e

correspondem ao desenvolvimento das cinco competências como as compreensões escritas e

expressões escritas e orais e a cultural visando essencialmente, como o título do livro didático

indica a desenvolver a competência oral. As atividades que relevam da competência oral são

variadas e lúdicas. Além disso, temos a compreensão escrita que privilegia uma leitura global

visando destacar os personagens, a situação vivida por eles e suas ações. Na produção escrita,

o aprendiz fará jogos de escrita, de reescritas e de diálogos. Enfim, a competência cultural

chama a atenção do auditor/leitor sobre a universalidade de temas e a singularidade de vozes

literárias francófonas” (2006, p. 3).

Como podemos observar, de todos os manuais do ensino da língua francesa aqui

analisados, Littérature en dialogues (2006) é o que demanda mais do aprendiz e talvez

contribua mais para o desenvolvimento de suas competências. O lugar do texto literário é

voltado para o desenvolvimento das funções linguísticas e pragmáticas, mas também seus

aspectos específicos, como a literacia e ao despertar do prazer do texto, que é condição ímpar

da leitura literária.

Acreditamos que o professor de língua deva contribuir tanto no desenvolvimento das

competências linguístico-culturais como também no da competência da especificidade desse

tipo de textos, a saber, a literacia em seus aprendizes. Entretanto, por um lado, postulamos

que nem todo texto literário é o vasto mundo das representações culturais da língua

estrangeira estudada, e por outro lado, se pensarmos na proposta da perspectiva acional, o

texto literário servindo a todo tipo de exploração, a linguística pode prevalecer em detrimento

da cultural ou vice-versa, disso dependerá a exploração feita no trecho escolhido, da própria

temática tratada no texto, entre outros. Esses processos não diminuem em nada o valor do

texto literário, pelo contrário apostamos neles como meios de dessacralização desse tipo de

texto.

Observou-se que os autores especialistas no assunto evocam o ensino da língua pelos

textos literários limitando um tempo mínimo de contato com a língua estudada. Falam sobre a

necessária busca do prazer do texto durante sua leitura em língua estrangeira. Isso é ainda

para nós um ponto crucial, um ponto árduo. A ‘juissance’ ou a fruição do texto na leitura de

LE são inquietações importantes que nos fazem refletir sobre o caso.69

67

« La littérature en didalogues est divisée en 30 chapitres, choisis en fonctions de leur intérêt culturel et

discursif. La progression, non chronologique, respecte la complexité du sens des textes » (2006, p. 3). 68

« L’objectif de l’ouvrage est de transmettre ‘le plasir du texte’ par une mise en lecture vivante (...) » (2006,

p.3). 69 La Juissance ou le plaisir du texte est-il possibile en lecture de textes littéraires en langues étrangères ? (No

prelo)

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De fato, que posição adotar, como professor de FLE, na utilização desses livros

didáticos na sala de aula de língua?

3. Ensinar língua utilizando o texto literário como suporte na sala de aula: por um

letramento literário em nível intermediário e avançado

Para quê, como e quais os objetivos da utilização do texto literário como documento

autêntico na sala de aula de língua estrangeira? Nos níveis intermediários e avançados a

leitura e compreensão de textos literários são, e até que ponto, necessários à formação do

letramento multimodal do aprendiz?

O Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECRL, 2001) preconiza

a leitura de diversos tipos de textos. É necessário que o aprendiz se insira de modo mais real

possível na sociedade da língua estrangeira aprendida sendo os textos, orais ou escritos, os

veículos mais propícios e ao alcance dos professores e dos aprendizes.

Pelo letramento multimodal do aprendiz, em um determinado momento no

ensino/aprendizagem de línguas estrangeira, todo professor de língua estrangeira deveria

refletir sobre o lugar do texto literário em suas aulas de língua. Sendo o aprendiz um ser social

que vive em um ambiente onde diversos textos circulam, onde ele mesmo está acostumado

com leitura informativa, leitura injuntiva, leitura descritiva, leitura narrativa, leitura

argumentativa entre outras, aprender a ler e compreender textos orais ou escritos nos parece

ser primordial.

Entretanto, parece que há os professores que não se ocupam disto dizendo que a leitura

do texto literário deve ser ensinado apenas pelo professor de literatura. Será? Porém, como

ignorá-lo no ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras se temos, mesmo que de forma

escassa a presença de textos literários nos manuais de língua? Nesse sentido, o texto literário

não passa a ser também do cotidiano do professor de línguas estrangeiras? Não deveria ele

refletir sobre o uso do mesmo?

Além disso, considerando o valor dos textos literários para a formação pessoal do

aprendiz, urge pensarmos em um meio eficaz para fazer com que a leitura do texto literário

despertada pelos excertos vistos em unidades do manual de língua possa ampliar a

compreensão de mundo do aprendiz. Para tal, nada de sacralização, pois como podemos ler

em Cosson (2012, p. 28-29) “(...) a atitude sacralizadora da literatura lhe faz mais mal do que

bem. Mantida em adoração, a literatura torna-se inacessível e distante do leitor terminando

por lhe ser totalmente estranha. Esse é o caminho mais seguro para destruir a riqueza

literária”. Diríamos que é o caminho mais seguro para dificultar a construção de novos

sentidos, sejam eles linguísticos, pragmáticos, étnico-sócio-culturais do aprendiz no que

concerne ao ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.

Um dos primeiros questionamentos que nos vem à mente é de se perguntar se o texto

literário tem um lugar certo nos cursos de língua? Uma resposta clara concernente a esta

pergunta advém das palavras de Bazin (2010), como testemunha uma nítida separação

persistente entre uma pesquisa convencida cada vez mais do lugar do texto literário na sala de

língua e de fontes pedagógicas que penam a integrá-la no uso do texto literário na sala de

língua nada é seguramente certo. Ora, a força de penar fica parecendo que o texto literário

deve estar presente custe o que custar nas aulas de línguas. Não estariam os pesquisadores

desta corrente, colocando o texto literário novamente no pódio do ensino de línguas

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estrangeiras? Há quem ainda afirme que não conhece nada de mais interessante que se

trabalhar com texto literário em curso de língua! Frase que resta um claro enigma. Que ideia

se tem, pois, profissionais que pensam assim do ensino de língua? Embora essa questão seja

interessante, mas como foge a toda concepção de ensino de texto literário em sala de língua,

ela não será tratada aqui.

A situação acima citada longe está ainda de ficar clara em relação aos procedimentos a

fazer com o texto literário na sala de aula. Entretanto, temos em mente favorecer o letramento

literário do aprendiz, é por isso que nos apoiamos em teorias da leitura visando a atender às

novas perspectivas do ensino de línguas estrangeiras nos dias de hoje. Assim, compreendemos

a formação de um aprendiz de língua estrangeira completa se o mesmo se inicie em diversos

tipos de leitura de textos durante sua formação. Para tal, o professor de língua deveria

compreender a colaboração da neurociência no que compete à aprendizagem da leitura.

Estudos da neurociência vêm se desenvolvendo ao longo de décadas e eles descobrem

cada vez mais o entrelaçamento do cérebro com o aprender, as dimensões neurobiológicas da

leitura e o valor da atenção, das memórias de trabalho explícita e implícita e a emoção, para

citar apenas esses pontos capitais no desenvolvimento da aprendizagem.

Como desenvolver um cidadão ativo na sociedade material e virtual de hoje, ou seja,

repleta de possibilidades de leituras verbais e não verbais? A psicologia cognitiva sempre se

preocupou em estudar o comportamento do aprendiz. Atualmente, a neurociência pretende

abarcar e unir suas descobertas favorecendo a educação. Segundo Consenza e Guerra (2011),

em se tratando da aprendizagem em geral, afirmam que nosso sistema nervoso – e o cérebro é

a porção mais importante desse sistema - atua de modo incisivo e constante em nossos

sucessos e fracassos. Na aprendizagem e no desempenho da compreensão em leitura não é

diferente, mesmo que a “aprendizagem seja um fenômeno individual e privado” (2011, p. 38).

Consenza e Guerra afirmam que para que se haja aquisição é necessário “que o treino

e a aprendizagem possam levar à criação de novas sinapses e à facilitação do fluxo da

informação dentro de um circuito nervoso” (2011, p. 36).

Mas o que nos interessa ainda mais é a aprendizagem de uma língua estrangeira e sua

compreensão em leitura. Em se tratando do aprendizado de uma segunda língua, podemos ler

nos autores que acabam de ser citados que a aprendizagem “é feita com perfeição nos

primeiros anos de vida, enquanto uma aprendizagem posterior geralmente não pode evitar a

presença de um sotaque evidente. Contudo, mesmo isso pode, em certos casos, ser corrigido,

mas acarreta um grande esforço adicional.” (2011, p.35). Interessante notar que os autores se

apegam ao fator ‘sotaque’ versus ‘aprendizagem perfeita’ (perfeita?). Seria este realmente um

enfoque convincente para a aprendizagem de uma segunda língua, nos dias de hoje, onde se

promove o pluriliguismo urgente para os cidadãos do mundo? A ausência do sotaque que

nada mais é que a presença da língua materna do aprendiz? Ele não é importante se

entendemos o que se fala. O aprendiz que tenha um sotaque deverá ser entendido como

alguém que apresenta defeito de aprendizagem? Assim, o que pensar dos diversos indivíduos

que falam fluentemente e corretamente uma língua estrangeira e que têm sotaques? Estariam

eles menos aptos à aprendizagem ‘perfeita’? O importante não seria fazer prevalecer “a

grande plasticidade no fazer e no desfazer, formar e consolidar as associações existentes entre

as células nervosas [como] base da aprendizagem, [que] permanecem, felizmente, ao longo de

toda a vida?” (2011, p. 36).

Na aprendizagem fatores como a atenção, o uso da memória entre outros são

fundamentais para a compreensão de comportamentos do aprendiz, ou seja, seus fracassos e

seus sucessos. Começando pela atenção, os especialistas dizem que existem a atenção reflexa

que é aquela em que alguma coisa nos chama atenção mais que outra. Há também a atenção

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voluntária que é aquela em que direcionamos nossos sentidos para encontrar o que perdemos,

por exemplo. A importância da atenção na aprendizagem é crucial, pois quanto mais atenção

de forma prolongada, sem se chegar à exaustão, melhor será para inibirmos os distratores. Isto

se dá no circuito orientador que é o que permite o desligamento de algo para nos ligarmos em

outro. Entretanto, no circuito executivo, nossa atenção é prolongada e esta é importante para o

bom funcionamento da aprendizagem consciente.

Na memória, a repetição é um dos fatores que mais se credita. Ela deve ser feita de

diversas formas e em intervalos de tempo necessários ao fortalecimento do interesse contínuo

do aprendiz. Há a memória explícita, que evoca conhecimentos adquiridos ou a lembrança do

que comemos no almoço e a memória implícita, pode evocar o ato de se escovar os dentes ou

andar de bicicleta, e além disso, a memória operacional antes conhecida como memória de

curta duração que é extremamente importante na organização de nossa vida cotidiana, nos diz

Consenza e Guerra (2011, p. 52). Entretanto, a memória sensorial e o sistema de repetição nos

revelam de grande importância na aprendizagem de línguas estrangeiras porque sendo:

“componentes essenciais da memória operacional, ela retém a informação e

processa seu conteúdo, modificando-o. (...) Ela lida com vários tipos de

informação como sons, imagens e pensamentos, mantendo-os disponíveis

para que possam ser utilizados para a atividade como a solução de

problemas, o raciocínio e a compreensão” (Conzensa e Guerra, 2011, p. 54).

Nossa proposta se fundamenta levando em conta os limites de tempo e espaço, um

trabalho voltado para a compreensão e leitura em língua estrangeira de textos literários

fazendo com que o professor possa unir sobre o mesmo texto trabalhado outros gêneros. Se se

faz uma análise textual de um dos trechos de romance ou teatro, por exemplo, dever-se-á

procurar uma adaptação fílmica a fim de favorecer o aprendiz com repetições de diferentes

formas acionando sinapses diferentes e incitando a motivação, a memória e a emoção.

Ensinar a leitura de texto literário para o desenvolvimento da competência linguístico-

cultural na perspectiva acional é incitar o aprendiz a ver e saber rever, a ler e saber reler

trechos de textos literários visando a aprofundar seu conhecimento de mundo. Para tal, corpus

deve ser constituído especificamente para isso. Sugerimos que partindo do texto verbal, uma

vez feita a leitura do mesmo, possa esta ser reforçada por uma leitura de imagens fixas e em

movimentos como cenas de filme caso o texto lido já tenha sido caso de adaptação fílmica

promovendo o letramento multimoldal no ensino de língua-cultura alvo.

5. Considerações finais

O professor de língua deveria, ao adotar o letramento multimoldal, modificar as

representações negativas da leitura do texto literário para promover uma aproximação maior

dos aprendizes com o mesmo. Porém, importante é que o formador compreenda os limites e

os prazeres que englobam todo trabalho de compreensão desse tipo de texto.

As representações da leitura do texto literário em língua estrangeira é objeto possível

de trabalho, é um documento tangível e acessível aos aprendizes. Para tal, a consciência

valorizante da literariedade do texto não deve ser negligenciada, mas sem que isto venha pô-lo

em um pedestal. Muito pelo contrário. Para nós, estes textos não são tidos como a “a

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hierarquia das disciplinas escolares” sem, contudo cair na lisonjeira armadilha intelectual de

leitura e compreensão de textos literários desde o nível A1.

A literacia poderá ser alcançada se o aprendiz adote em suas estratégias de leitura mais

o modelo onomasiológico, ou seja, de trabalho operando no tipo de elementos e alto para

baixo, ou seja, ele poderá fazer hipóteses interagindo com o texto evocando seu conhecimento

de mundo. Ora, o aprendiz de nível iniciante não estaria fadado, à grosso modo, à descoberta

de palavras de “sobrevivência” ainda, a desenvolver certa intimidade com a língua estrangeira

aprendida antes mesmo de fazer fruir toda e qualquer tipo de texto e de leitura? Nesse estágio

o leitor em formação está apenas elaborando seu modelo semasiológico no qual se

fundamenta na evocação de estratégias de baixo para alto, ou seja, elaborando seu modo de ler

em LE dando preferência à percepção das formas.

Trabalhos da neuropsicologia tem afirmado que o cérebro humano não pode captar

duas emoções ao mesmo tempo. Voltada esta afirmação na aplicação de nossa análise de

modelos de leitura citada acima, ou o aprendiz se concentra, nos vocábulos, ou buscará prazer

no que se está lendo. Um pouco como a lei física segundo a qual dois corpos não podem

ocupar o mesmo espaço. Diferentes, entretanto para os aprendizes de nível intermediários ou

avançados que podem com um pouco menos de esforço ‘sonhar’ com o prazer do texto

literário em LE, porque se espera que esse aprendiz munido de maiores possibilidades de

adoção de estratégias mais eficazes de leitura e compreensão evocando os dois modelos acima

citados promovendo uma leitura sociointerativa, levando o aprendiz a desenvolver sua

competência literária ou como chama Tagliante (2006, p. 173) “compétence lecticielle” que é

a mistura da competência literária com a cultural.

Por fim, neste artigo, privilegiamos a análise igualmente não apenas dos dois livros

didáticos escolhidos, mas também de quatro livros didáticos franceses que foram concebidos

especificamente para o ensino do texto literário em sala de língua; em seguida, refletimos

sobre a importância do letramento literário na sala de língua estrangeira em níveis

intermediários e avançados; em terceiro lugar, fizemos a análise do lugar dos textos literários

dos dois manuais escolhidos e sua exploração pedagógica e por fim, apresentamos uma

proposta de leitura literária na aula de língua estrangeira para níveis intermediários e

avançados, fundamentada meu pensar em um tema e diversos textos para trabalhá-los. Assim,

o letramento verbal e visual deve fazer parte integrante do ensino/aprendizagem de línguas

estrangeiras, ocorrendo o que chamamos de letramento multimodal.

6. Referências bibliográficas

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interculturelle, Paris : Belin, 2011.

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REPRESENTAÇÕES DO LUTO POR EXÍLIO VOLUNTÁRIO EM CARTAS PARISIENSES

DE LEÏLA SEBBAR E NANCY HUSTON: UMA LEITURA À LUZ DA PSICANÁLISE

DO LUTO

Rosiane XYPAS (UFCG)70

RESUMO: A literatura desde sempre se ocupa de temas essenciais à reflexão dos estados da

alma do ser humano. Ela sempre apostou pela escrita, interagir de modo ativo para conceber

temas universais, como o da morte, por exemplo. Este fenômeno causa dor e sofrimento,

gerando luto que segundo Freud é a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração

advinda em seu lugar, como a pátria, a liberdade, um ideal etc. Temos como objetivo neste

estudo, analisar as representações do exílio voluntário causado por perda relacionada à pátria,

à língua-cultura materna. Sabe-se que o tema do exílio na literatura evoca a vida marcada pela

dor e pelo sofrimento por viver fora de seu país de origem, logo de sua cultura e língua

maternas. E quando o exílio não é forçado? Como se apresenta o luto para àqueles que

optaram por viver em outro país, falar em outra língua, vivenciar outra cultura? Para tal,

constituímos um corpus com correspondências de duas escritoras de expressão francesa, uma

da Argélia, Leïla Sebbar e outra do Canadá anglófono, Nancy Huston em Lettres Parisiennes

– Histoires d’exil (1986). Em nossa análise, observamos em suas correspondências,

representações de seus exílios voluntários predominantemente sugeridos como um sofrimento

necessário, um caminho-pretexto para se tornar outro e fugir do traumatismo que poderia

afetar o psiquismo do exilado. Seria a dor sentida, sublimada pelo poder da criação literária?

Apoiamo-nos na leitura destas cartas em teorias da psicanálise do luto em Bacqué (2000);

Freud (1917); Aron et al (2004); Di Folco (2011); Cotet e Robert (2010); Marson (2004).

PALAVRAS-CHAVE: Criação literária. Exílio voluntário. Literatura de expressão francesa.

Representações do Luto.

1. Introdução

A literatura desde sempre se ocupa de temas essenciais à reflexão dos estados da alma

do ser humano. Ela sempre apostou pela escrita, interagir de modo ativo para conceber temas

universais, como tempo, vida, morte dentre outros. Embora tenha a literatura e diversas

ciências humanas se ocupado do fenômeno da morte, suas representações no Ocidente

revelam uma história marcada de dor e sofrimento.

Ora, a falta de prazer pode desencadear comportamentos, usos e costumes culturais

originários de diversas sociedades ocidentais que afastam tudo que estiver relacionado com a

dor e o sofrimento ou em outros casos, esses elementos servem como objetos de inspiração

literária. Assim sendo, não só o tema da morte foi destacado na literatura ocidental como

70

Professora Adjunta de Língua e Cultura Francesa da Universidade Federal de Campina Grande

[email protected]

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também o do exílio que para muitos autores, sendo considerado um estado mental, é pior que

a morte.

Como se sabe existem dois tipos diferentes de exílios: o imposto e o voluntário.

Ambos provocam perda, quer dizer, luto.

Na literatura ocidental, encontram-se representações do tema do exílio que suscitam

dor, sofrimento e luto como também a reconstrução do ser exilado. Não buscam os escritores

expulsar a dor que os assola erguendo um mundo diferente do seu real reconstruindo assim

seu psiquismo abalado? Di Folco (2001, p.429) afirma que “o exilado é simultaneamente

considerado como sujeito da perda e do objeto perdido. Sujeito da perda, porque há sempre o

sentimento de ter deixado os seus, e objeto perdido porque vive a própria perda como

abandonado pelos outros”71

. Ora, esses sentidos não aludem à necessidade de superação do

luto? Sim. Porque não se pode viver eternamente na dor e no sofrimento.

Em se tratando de exílio forçado, são criadas associações significativas relacionadas

ao sentimento de luto advindo da perda da terra natal e da língua-cultura maternas. O exilado

vive diversas mortes simbólicas: a distância dos lugares vividos na infância, na adolescência,

a distância dos genitores e de toda a história vivida em seus primeiros anos de vida. No exílio

voluntário, a perda, a dor e o sofrimento também estão presentes, por esse sentimento

provocar dor pelo contato com o novo, que embora desejado faz sofrer o sujeito. E nós o

definimos como um mergulho no luto às avessas, justamente porque se vive na contramão dos

fatos: não é o luto um comportamento rejeitado na sociedade atual? E o que fazer para superá-

lo? Quais as representações do luto voluntário em Sebbar e Huston no corpus escolhido? É

nosso objetivo neste artigo, analisar as representações do exílio voluntário em Lettres

Pariennes – Histoire d’exil (Cartas Parisienses – História de exílio) de duas escritoras, a

saber, Leïla Sebbar e Nancy Huston à luz de teorias da psicanálise.

Do luto para o exílio voluntário, porque este está na contramão dos fatos. Enquanto

àquele é banido de nossas vidas, esse é desejado, aceito de modo desafiador mesmo que seja

doloroso. O exílio voluntário visto assim, se torna um contra senso porque na cultura

ocidental, elege-se a vida sem dores, não à busca de dores na vida. Mesmo que o exílio

voluntário evoque liberdade de escolha, não se pode ignorar um hiato existente entre a vida e

a morte, a vida/morte da infância, o pleno de um vazio do ontem, a presença de uma ausência

constante, a falta do outro e das coisas de nossa infância, daqueles primeiros tempos que nos

construiu, do conviver com a falta da pátria e com ela, a ausência da língua-cultura primeira

nas expressões de nossas emoções.

Isso é luto, e como tal deve ser ultrapassado porque quem perde, sofre, e precisa

superar o sofrimento para retomar a alegria de viver.72

Postulamos que o conhecimento do processo do luto possa ser importante para superar

a dor da perda. Em seguida, apresentaremos brevemente a evolução do léxico dos vocábulos

dor, luto e exílio através de vozes de alguns escritores, de dicionários etimológicos e do

dicionário da Morte. Enfim, os resultados das análises de Cartas Parisienses – história de

exílio.

71

Di Folco e all. Dictionnaire de la MORT, 2011, p. 429 : « (...) L’exilé est simultanément considéré comme

sujet de la perte et objet perdu. Sujeet de la perte, parce qu’il a toujours le sentiment d’avoir laissé les siens, et

objet perdu puisqu’il vit sa propre perte entant qu’abandonné par les autres. » (Tradução nossa todas as notas de

roda pé). 72

Em Representações da morte em Poemas de Cecília Meireles publicado na Revista Leia Escola da

UFCG/2010, no capítulo II, pp. 27-42, apresentamos as sete etapas do luto segundo Elizabeth Klüber-Ross.

Neste trabalharemos as etapas do Luto serão apresentadas segundo Bacqué e Hanus. O leitor se deseja poderá

fazer comparações entre essas etapas.

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2. O processo de superação do luto pelo exílio

As representações atuais da morte e do luto no Ocidente diminuem cada vez mais nos

nosso século. O sucesso, a vitória profissional, a evolução e o destaque do ser humano para ter

‘seu lugar ao sol na sociedade’ contribuem em larga e profunda escala para o isolamento do

fenômeno da morte e das perdas em geral. Assim a morte que gera luto, é recusada e expulsa

de nossas vidas.

Mas por que tanta aversão a este fenômeno que deveria ser considerado natural já que

todo ser vivo morre? São nas palavras de Bacqué e Hanus que poderemos compreender o que

se passa. Eles afirmam que:

“O século XX é o exemplo das extremidades atingidas essencialmente quando

as duas guerras mundiais de maneira mais latente na perda da religiosidade do

mundo, os genocídios acontecidos repetidas vezes e, sobretudo a

industrialização da morte com os nazistas”. (2005, p. 11-13)73

.

Como se pode ler, já no século XX, a repulsão do fenômeno em estudo existia. Porém,

sendo a morte um fenômeno que ocorre todo dia, único e solitário em sua essência, o ser

humano que perde um ente querido ou um ideal, vive em luto. Este processo é que se faz

importante compreender porque a morte em si não é nada e nada significa em comparação ao

que ocorre no psiquismo daquele que sofre a perda. Mesmo levando em conta que no

Ocidente a peste, as epidemias e as Guerras existiram infringindo nos ocidentais o pavor, o

pânico e a falta de controle e compreensão sobre o fenômeno da vida. Hoje em dia, essas

marcas ainda persistem, diríamos elas foram consideravelmente acentuadas como a evolução

das ciências humanas nas sociedades ocidentais e a evolução do individualismo em prol do

coletivo contribuindo bastante para o comportamento anti-luto que inflige no ser enlutado, a

falta de ânimo para viver abalando-o psíquico e fisicamente.

O exílio sendo voluntário ou não provoca luto suscitado na dor porque se caracteriza

como um tipo de perda de ideal. Ele não tem mais seu lugar de nascimento, sua pátria. Dito

em outras palavras, o exílio evoca sofrimento. E o processo do luto é visto como algo

fundamental para o bem estar e a aquisição do prazer de viver após a perda de um ente

querido ou de um ideal.

O fenômeno da morte provoca dor e sofrimento gerando luto que segundo Freud

abrange o sentido deste vocábulo. Ele afirma que luto “é a reação à perda de uma pessoa

amada”, mas também acrescenta que é a perda “de uma abstração advinda em seu lugar, como

a pátria, um ideal, a liberdade etc” (1919, p.10). Ou ainda nas palavras de Bacqué e Hanus

“existem lutos ligados à perda e não só à morte” (2005, p. 3-4)74

.

Na história do luto na sociedade Ocidental, a perda sendo seu sinônimo mais próximo

evoca dor e sofrimento, como também, tudo o que é da ordem do indesejado, rejeitado,

incompreensível. Em uma frase, a representação viva da dor do objeto de amor perdido. Por

73

« Le XXe siècle est l’emple des extremités atteintes essentielement quand deux guerres mondiales de manière

plus lente dans la perte de religiosité du monde, les genocides arrivent maintes fois et surtout l’industrialisations

de la mort avec les nazis » (2005, p.11-14). 74

« Il existe des deuils liés à la perte et pas seulement à la mort » (2005, p. 3-4).

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isso, tudo que nos faz lembrar luto não nos instiga ao convívio com o mesmo. Se pudermos

resumir o comportamento que representa o luto na sociedade atual, diríamos que ele é uma

atitude expulsa da vida dos seres humanos, como tudo, aliás, que nos atormenta. Todavia,

mesmo que seja o luto uma das experiências mais dolorosas e difíceis da vida, por mais

pungente que seja o trabalho a ser feito, o processo de superação do luto tem uma finalidade

única: Levar a vida do enlutado adiante, ou seja, fazer com que ele recobre o desejo de viver

novamente. E esse não está apenas relacionado com a morte de um ente querido, como

anteriormente mencionado, mas também ao que é ligado às perdas como à perda da pátria e da

língua-cultura materna, tema que privilegiamos refletir neste trabalho.

Antes do estudo das representações do exílio voluntário nas cartas das duas autoras

acima citadas, apresentaremos breves linhas sobre as palavras dor, exílio e luto na língua

francesa porque as mesmas agem com uma função sinonímica nos contextos aqui

apresentados.

3. Representações das palavras dor, exílio e luto na língua francesa

A palavra latina dolore quer dizer sofrer e está na origem da palavra luto e

especialmente na palavra dor. O fenômeno da morte ganhou proporções negativas

consideráveis porque não é mais visto como o processo natural, como um ciclo de fim da vida

como na Idade Média, mas como ruptura do sucesso da era moderna. Neste contexto, o luto

passa a ser uma carga emocional pesadíssima, uma aversão à dor que poderá impedir que o

enlutado redescubra a alegria de viver.

Na terminologia francesa, a palavra luto significa experiência de vida subjetiva. O

léxico francês da palavra em questão se amplia com a terminologia anglo-saxônica, tais como,

bereavement que é a situação tal qual existe. No entanto, ela não faz parte de investimento

afetivo do enlutado; grief é traduzido em francês por ‘chagrin’ que significa mágoa, mas que

em inglês é algo bem mais forte. De fato esse léxico descreve uma tristeza estonteante,

dolorosa e de arrependimento que nada pode consolar. Existe também o vocábulo mourning

que é a realização social do luto, ou seja, a dicotomia entre os rituais funerais e o (des)

investimento afetivo empregado ao objeto de amor perdido.

Acreditamos que o léxico em questão é valorizado e conota a finalidade de explicitar o

processo do luto, ou dito em outras palavras, de tomar consciência do mesmo. É preciso

compreender que cada momento serve para liberar o ser que sofre com a perda. Alexandre-

Bidon afirma que “no século XV, a igreja limita as manifestações ostensivas e dilacerantes em

prol da discrição do sentimento de dor” (2005, p. 21)75

, e restringindo as ações de

manifestação da dor e do sofrimento, o ser humano precisa reinvestir o objeto de amor

perdido. Senão, como suportar tal perda?

No Dictionnaire du littéraire (2004, p.214), podemos ler que este tema está “inscrito

nas raízes da literatura ocidental pela Odisseia de Homero”76

. Além disso, “o exílio finca uma

ligação indelével com a nostalgia, dor do país perdido e do desejo de retorno, presente assim

nas narrações bíblicas dos que foram deportados do Egito e da Babilônia pelos Hebreus”77

. O

tema do exílio é muito vasto e ele vai da deportação à emigração voluntária. Acrescente-se

75

« Au XVe siècle l’église, l’église limite les manifestations ostensives et dilacerantes du sentiment de la

douleuer » (2005, p. 21). 76

« L’exil est inscrit aux racines de la littérature occidentale, par l’Odyssée d’Homere » (2004, p.214). 77

« L’exil garde un lien indélébile, avec la nostalgie, doulaeur du pays perdu et désir du retour, présente aussi

dans les récits bibliques des déportations en Égypte et à la Babylone pour les Hébreux » (2004, p.214).

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igualmente que “o exílio é uma escolha e porque não dizer uma estratégia literária” que não

alivia o exilado em sua dor.

Assim, se sabe que a melancolia e o luto andam de mãos dadas, mas que evocam com

diferenças psíquicas muito importantes. Freud afirma que “no luto o mundo se torna pobre e

vazio, na melancolia é o eu que se torna vazio” (2005, p.22). É preciso que o ser enlutado

compreenda que há diferença no sentimento do objeto de amor perdido, o objeto real entre a

ignorância que há o melancólico confundindo-se com a perda de si mesmo! Além disso, a

atitude de ausência de aflição diante de uma perda é considerada por Freud como patológica,

os etnólogos que estudam o indivíduo enlutado em grupos diversos destacam a importância de

se fazer os rituais do luto e será Daniel Lagache (1938, 2005, p.23) que demonstra que “os

rituais do luto permitem uma separação estrita entre os vivos e os mortos e isso, limita tanto a

culpabilidade quanto a duração do luto”. E vemos aqui a conotação do vocábulo mourning em

inglês favorecendo a realização do rito social do luto para a superação da perda.

Antes de mais, lemos no dicionário Houaiss (2001, p. 190) que o termo exílio é um

substantivo masculino que significa “uma expatriação forçada ou voluntária, lugar onde vive

o exilado”. Já no dicionário Le Petit Robert (1986, p.730), o termo presente desde o século

dezessete, ou seja, em 1800, significa “expulsão de sua pátria e proibição de voltar para ela”.78

Vale ainda ressaltar que no dicionário francês, a palavra em questão apresenta em sua segunda

entrada o vocábulo exílio como “obrigação de permanecer fora de um lugar, longe de uma

pessoa de quem sentimos saudades”79

.

Como podemos observar, nas três significações citadas no parágrafo acima, o exílio está

relacionado a algo forçado existindo, entretanto, uma ocorrência conotando o sentido de

voluntário pode ser contada no meio das outras.

Na voz de diversos escritores que têm feito deste tema objeto de inspiração, o exílio segundo

o escritor francês Staël representa o que “é algumas vezes, pelas características vivas e

sensíveis, um suplício muito mais cruel que a morte”80

. A concepção de exílio deste autor se

inspira possivelmente dos “atenienses que já consideravam seus antecedentes históricos do

exílio, a saber, a instituição política do Ostracismo (487-416, a.v. JC), como um castigo “pior

que a morte”81

” Di Folco (2011, p. 429). O poeta e escritor francês Victor Hugo afirma que “o

exílio não é algo material, mas moral”82

.

Consideramos que as representações do exílio de Satäel e Hugo ganham outra dimensão que

as que lemos nos dicionários supracitados. Suas representações falam do exílio, não tendo

como único fato, o de uma expulsão do país natal. O que se destaca significativamente no que

acabamos de ler, é que o exílio é tido como um estado d’alma.

Na voz do escritor de expressão francesa, o afeganistão Atiq Rahimi, a definição do exilado é

como segue: “Uma noite, um homem o descobre procurando as chaves de sua casa sob um

poste. O desconhecido o ajuda, depois para e pergunta: “Você as perdeu aqui?” (...) Não, eu

78

Fundamentando-nos em uma bibliografia escrita em francês sobre o tema em questão, todas as citações em

língua francesa estarão em nota de roda pé sendo a tradução feita por nós. Le Petit Robert: EXIL: Expulsion de

qqun hors de sa patrie, avec la défense d’y rentrer; p. 730. 79

« Obligation de séjourner hors d’un lieu, loin d’une personne qu’on regrette » (Le Petit Robert, 1986, p. 730). 80

« L’exil est quelquefois, pour les caractères vifs et sensibles, un supplice beaucoup plus cruel que la mort »

(Le Petit Robert, 1986, p. 730 Staël). 81

Di Folco e all. Dictionnaire de la MORT, 2011, p. 429 : « Les Athéniens considéraient déjà l’antécédent

historique de l’exil, à savoir l’institution politique de l’Ostracisme (487-416 av. J.C.), comme un châtiment

« pire que la mort ». 82

« Lexil n’est une chose morale, c’est une chose morale » (Le Petit Robert, 1986, p. 730 Hugo).

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as perdi perto de minha casa. (...) Mas porque as procura aqui? Por que lá não há luz”.83

Essa

passagem nos faz entender que a busca é voltada para a superação de uma perda (irreparável?)

na vida do personagem desse romance. Diz o autor do trecho do romance em questão, que ele

adota a escrita em língua francesa porque “se tornou alguém incapaz de escrever em Persa”

sua língua materna. O exílio na voz de Eduardo Manet representa “a pátria [que] é a língua na

qual escreve”. A alusão à pátria vista nestes termos está vinculada à criação literária.

Podemos entender o termo exílio com o que acabamos de ler de duas maneiras: ou ele se

refere à pessoa que foi forçada a deixar seu país natal para viver em um país de língua-cultura

diferente da sua de origem, ou como àquela que imigrou para outro país voluntariamente.

Essas duas diferentes concepções do termo em questão apresentam um ponto essencial e

convergente: elas não isentam o exilado do luto causado pelo objeto de amor perdido e como

se trata de textos literários, a dimensão da criação literária está bem presente nos mesmos

como possivelmente um meio de poder ampliar a compreensão da dor da perda.

Em se tratando de compreender o processo do luto e fazendo uma ponte com o tema

do exílio tratado neste artigo, a criação literária se apresenta como um espaço favorável à

reflexão do trabalhão feito com estes temas. A psicanálise refletindo sobre o processo de

criação literária poderá ampliar a compreensão da consciência do processo de superação do

luto.

A criação literária levou Freud a refletir sobre a mesma e ele leu muitos autores

literários como os gregos, Esquilo (-525 – 456), Sófocles (-495 – 406) e Eurípedes (-480 -

406) citados em Introdução à psicanálise; Cervantes (1547 -1616); Shakespeare (1564-1616);

Diderot (1713-1784); Beaumarchais (1732-1799) citados em Interpretações dos sonhos.84

Evocando a criação poética segundo Freud, ela é comparada à brincadeira e à

realidade. Ele diz que a criança brinca e cria um mundo só para ela. O poeta escreve e cria seu

próprio mundo. A criança tem vontade de crescer, de se tornar adulto. O poeta escreve para

fazer crescer a criança magoada que existe dentro dele. A criança quando se torna adulta, não

brinca mais como antigamente e se desfazer do prazer que sentia quando brincava, é muito

doloroso, logo o adulto troca a brincadeira pela realidade e o poeta recria seu mundo de adulto

não tal qual é, mas como ele gostaria que fosse.

Ainda Freud dirá que “existe uma categoria de seres humanos aos quais, não um deus,

mas uma deusa severa chamada – A Necessidade – ordenou que falassem do que sofrem e do

que os fazem gozar” (2010, p. 14)85

. Assim sendo, compreendemos que contar e recontar suas

dores, seus sofrimentos, suas angústias é fonte criativa para diversos autores. Assim, o objeto

de temas de inspiração desponta profundamente de uma inquietação, de um mal estar vivido,

de uma dor sentida.

Ora, não seriam os desejos insatisfeitos forças das fantasias, e cada uma delas, não é

um modo de realizar um desejo, corrigindo a realidade insatisfeita?

Na criação literária, essa insatisfação é posta para o papel de modo já transfigurado,

um ‘jogo’ entre o presente, o passado e o futuro advindo de suas lembranças:

83

« Un soir, un homme le découvre en train de rechercher les clés de sa maison sous un lampadaire. L’inconnu

commence par l’aider puis s’interrompt. ‘Les as-tu perdues ici ?’ (...) [Il] les a perdues près de chez lui. Mais

porquoi les cherches-tu donc ici ? lui demande l’homme. – Parce que là-bas il n’y a pas de lumière. » In Le

magazine littéraire (Sept. 2009, p.12). 84

Fontes retiradas de Em guise du préface (No preâmbulo) do livro Freud et la création littéraire, 2010 dos

autores Pierre Cotet e François Robert da editora PUF. 85

“Eh bien, Il existe une catégorie d’êtres humains auxquels certes non pas um dieu, mais um déesse – la

Nécessité – a donné pour consigne de dire ce qu’ils souffrent et ce dont ils se réjouissent » (2010, p.14).

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“Uma forte experiência vivida atualmente, desperta no poeta a lembrança de

uma experiência vivida anteriormente, pertencendo as mais das vezes à

infância de onde emana agora o desejo que se crer na realização da sua obra

poética. Esta permite conhecer tanto os elementos da ocasião recente quanto

os elementos da antiga lembrança” (2010, p.19)86

.

Esse jogo da experiência presente mistura-se com algo já vivido evocando o passado, faz

surgir a escrita. De fato, o pai da psicanálise sempre esteve admirado pelos poetas, estes ‘seres

singulares’ que tiram não se sabem de onde, os temas que trabalham e a forma como

apresentam esses temas. Freud afirma:

Nosso interesse neste este tema só faz aumentar pela circunstância que o poeta

mesmo, quando o interrogamos, não nos dá nenhuma informação satisfatória,

e que este interesse não é absolutamente perturbado porque sabemos que a

melhor inteligência das condições de escolha dos temas pelo poeta e de

essência da arte da forma poética não contribuiria em nada a nos tornar poeta

(2010, p.11)87

.

Não é fácil compreender como acontece a criação literária segundo Freud que nos

deixa com sede de entendimento sobre este ato. Mas o trabalho feito com os temas em que o

poeta “os tira não se sabe onde”, nos remete à criação literária fundamentada nas teorias da

inspiração. Entretanto, quando afirma que “a melhor inteligência das condições de escolha

dos temas trabalhados pelos poetas e de essência da arte da forma poética não contribuiria em

nada a nos tornar poeta”, Freud nos abre frestas para ver a criação literária como fruto de um

labor!

É para escapar da morte e fugir de sua violência que o sujeito escolhe ou se infringe no

exílio que se não for superado poderá causar-lhe problemas em seu psiquismo. Em se tratando

do tema da morte, perda, luto e exílio, dom ou labor para àquele que cria? Como são

representados o exílio na voz das escritoras Leïla Sebbar e Nancy Huston? Como se apresenta

o trabalho de superação da perda causada pelos seus exílios voluntários?

Enfim, como se dá esse processo quando o exílio é desejado, procurado, optado como

uma buscar de outro modo de vida?

4. Representações do exílio em Lettres Parisiennes – Histoires d’exil - de Leïla Sebbar e

Nancy Huston

86

« (...) une forte expérience vécue actuelle éveille chez le poète le souvenir d’une expérience vécue antérieure

appertenant le plus souvent à l’enfance, d’où émane maintenant le souhait qui se crée son accomplissement dans

l’oeuvre poétique : l’oeuvre poétique elle-même permet de connaître aussi bien des élements e l’occasion récente

que des éléments du souvenir ancien » (2010, p.19). 87

« Notre intérêt à cet égard ne fait que s’accroître par la circonstance que le poète lui-même, lorsque nous

l’interrogeons, ne nous donne aucun renseignement satisfaisant, et cet intérêt est nullemnet perturbé par ce que

nous savons : la meilleure intelligence des conditions du choix des thèmes par le poète et de l’essence de l’art de

la mise en forme poétique ne contribuerait en rien à faire de nous-memes poètes » (2010, p.11).

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As representações do tema do exílio voluntário serão apresentadas por dois pontos: (1) a

escolha da língua da escrita e sua importância da criação literária e (2) as representações da

perda da pátria.

O que uma escritora nascida na Argélia e a outra no Canadá anglófono têm em comum?

As duas escolheram escrever em língua francesa para contar sua dimensão nostálgica talvez

melancólica, de tristeza e de solidão representativa da dor que envolve seus exílios

voluntários mútuos.

Escrever em língua francesa para Leïla Sebbar vai de encontro à língua paterna, a árabe,

que não fala. Seus pais são bilíngues: mãe francesa e pai argelino. No entanto, escolheu a

língua francesa para escrita literária adotando o sobrenome de seu pai Sebbar que significa

‘noite paciente’ com o intuito – diz ela – “de se tornar uma escritora francófona”. Embora

tenha vivido vinte anos na Argélia, recusou aprender a língua árabe porque “teria o mesmo

efeito que fazer análise”. Mas se sente dividida, multiplicada. A sua relação com a escrita

parece ser compulsória, pois escreve em tudo que vê, em todos os pedacinhos de papeis em

branco como “guardanapos, papel que forra a mesa do bar, notas de compras e até em couro

de bolsas”. Ela sempre se sentiu sozinha no colégio onde estudava porque as “filhas dos

colonizadores” se recusavam a falar com ela.

A sua escrita “vem do silêncio do exílio na qual transforma, reinventa os lugares onde

vive por onde quer que viaje”. Leïla também tem as raízes francesas da parte do marido e

filhos e se define como uma “croisée” “misturada” mestiça. Seu exílio é representado de

diversas formas como “algo móvel, um objeto tal como uma bolsa, os lugares públicos” que

“encarnam nela o próprio exílio”. No entanto, esse exílio é necessário para sua escrita, pois

nele retrata outros tipos de exílio como os femininos. Diz ainda que sua condição de exilada

começou “logo na casa de estado francês onde morava com seu pai que era professor do

ensino fundamental”, e que “sua condição de ser filha de um árabe professor de francês era a

manifestação do seu exílio na cultura do Outro, do colonizador, longe da família em ruptura

da religião e de costumes”.

A mãe de Leïla vivia em exílio geográfico e cultural porque “deixou sua família de

agricultores de Dordogne para seguir um árabe em seu país distante”. Ela diz que isso a fez

herdar deste duplo exílio parental que qualifica de “disposição ao exílio” significando também

“solidão e excentricidade” como “as professoras de ensino fundamental, as solteiras, as

guerreiras e as prostitutas em exílio de sexo, de seu meio social, de suas terras natais, de suas

religiões”. Leïla conta ainda que a ilusão da ancoragem, do enraizamento da Argélia, ela não

tem. Seu sentimento de exílio nasce também quando se sente que é posta de lado, à margem, à

distância – assim é como se sente, desde sempre e hoje. Estar perto do seu eu que pensa no

exílio, que reflete sobre ele, da consciência da perda da terra natal de uma terra evidente e

simples é “remoer a memória para encontrar o exílio de carta em carta” e isso é “muito

doloroso” é na verdade, dirá a escritora, “expor-se sem defesa a todo tipo de maldade”.

Enfim, se pudermos resumir as representações do exílio voluntário em Leïla Sebbar

seria com suas próprias palavras: “(...) Guardei o nome de meu pai para escrever na minha

língua materna, o francês, e me inscrever na literatura francesa como escritora francesa. (...)

Se eu falo do exílio, é que é o único lugar de onde posso tanto contradizer como dividir... é

tão complexo que fico com raiva de mim cada vez que simplifico. Se eu falo do exílio, eu falo

também de cruzamento de culturas”. Para concluir, seu exílio é sua terra de inspiração, de

lirismo, de emoção, de escritura porque como ela mesma afirma que é “sempre na ficção que

se sente livre de pai, de mãe, do clã, de dogmas, mas também se sente um ser forte graças à

carga do exílio”.

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Quanto à adoção da língua francesa na escrita por Nancy Huston - que é de pai americano

e de mãe canadense anglófona – ela se dá pela primeira vez com a experiência de escrever um

artigo para uma revista francesa. Porém, antes disso, ainda na adolescência, conversava em

francês com seu irmão criando um mundo só deles porque seus pais não sabiam francês. Nas

primeiras Lettres Nancy deixa bem claro que não quer se parecer com uma “Americana em

Paris, não quer cair neste clichê”. Sua relação com a escrita passa primeiramente pelo

manuscrito, depois ela datilografa tudo, ela não anota nada do que se passa na cabeça para

criar suas histórias. Nancy Huston afirma guardar uma nostalgia da infância de uma família

vasta que nunca teve. Como não tem mais casa natal, sua casa agora é Paris, afirma. Seu pai e

sua mãe vivem cada um em países diferentes, onde ela nunca viveu. Quando deixou seu país

natal, era adolescente e diz “que não tem um país certo pelo qual sinta remorsos.” Aos 17

anos, deixa sua família com “um enorme alívio”. Embora sofresse de solidão, estava contente

“de poder fazer escolhas”. Ela falava com seu irmão que mora no Quebec em francês para se

exilar de sua língua materna. As lembranças de infância de Nancy lhe fazem sofrer e são

referentes ao sentimento de exclusão e de solidão. Ela preferia deste modo os livros porque

entre sete e quinze anos sempre se sentia sozinha. O livro e a religião foram um refúgio para

Nancy. Ela afirma que deste modo “nunca esteve no exílio, mas no ecletismo”. Ainda criança,

acontece o casamento de seu pai com uma alemã católica fervorosa. Mas aos olhos da

sociedade, a mulher do seu pai era excomungada porque se casou com um divorciado. E

admirando sua madrasta afirma: “Jamais teria renunciado por ninguém neste mundo o que

mais amo no mundo, que é escrever”. Ainda relembrando sua infância, a escritora diz que

“sentiu a rejeição de suas coleguinhas da escola que a esnobavam porque a madrasta dela era

católica em um vilarejo protestante”.

Outras rupturas aconteceram na vida dessa escritora, como por exemplo, a ruptura com a

fé, logo após uma aula de filosofia. Especialmente, porque antes disso tinha sentido uma

grande decepção com o padre da igreja “por ele não ter escutado nada de minha confissão que

nomeei de litania desatada por meus malfeitos”.

Sua relação com a língua francesa vai mais além. Para Nancy ter a nacionalidade francesa

- ela e seu marido - é sonhar os dois em línguas diferentes, contar tudo em uma terceira

língua. O francês se torna assim a língua do amor entre eles. Além disso, relata em Lettres que

seu lado francês “vem do fato que ela tem uma criança agora e deve ter suas relações

obrigatórias com a escola na qual ignorava totalmente o sistema”.

Conta que por volta doa anos 1973 e 1975, começa o fenômeno de mudança de uma

língua a outra, ou seja, a transição do inglês para o francês. Ela diz que foi lá que o verdadeiro

exílio começou. Voltada para o seu bilinguismo, Nancy Huston conta a memória da perda de

uma língua, possivelmente de sua língua materna. Seu ato de escrever é para “verificar a

existência uma da outra (...) em um combate na busca de seu verdadeiro eu”. Ela confessa que

depois de dez anos vivendo na França, o vocabulário de sua língua materna começa a se

sufocar e que no lugar de se tornar perfeitamente bilíngue, ela se sente “meio-língue”. E

conclui sua relação com a escrita assim: “Para a página em branco, parada de morte,

transforma-se de repente, em um campo cheio de possibilidades”.

Sobre o exílio afirma que “os verdadeiros exilados são aqueles que possuem um

sentimento de pertença a um determinado país, e que embora o seu exílio não seja deste tipo,

diz que ele não é superficial, que não é menos real por isso, ao contrário à medida que o

tempo passa, ele é mais real que nunca”. A noção do exílio vem ligada ao do sentimento de

fugacidade da vida e dos valores representados das coisas na vida na América, fazendo

comparação com os Marrocos, por exemplo. Seu exílio lhe molda o ser: “é que viver no

estrangeiro me dá civilidade, sobretudo no que concerne ao falar alto”, comparando-se aos

seus conterrâneos quando os veem em Paris. Voltar para a casa dela, a América, é encontrar a

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“Ambivalência” e a autora escreve com a letra “A”. Assim, Montreal, Boston e New York

“são sempre uma camada fina de estranho assim que chega lá”. Seu exílio se dá igualmente

quando “ela esbarra com a língua materna e com sua pátria e tem uma sensação que se

sufoca”! Ela diz que “sente ânsia de vômito do seu país, náusea”. Mas em seguida diz que

“seu exílio é está com os seus, abraçá-los com uma tristeza sincera, depois vem o pior: sempre

renovar a amizade, o amor, sempre abrir as portas sabendo que elas se fecharão novamente

daqui a pouco”.

O sofrimento descrito em Lettres por Nancy, mistura-se com a partida da América, seu

coração se despedaça de viver sua vida em um entre-dois e afirma que “é sua língua materna

lá na América que a faz encontrar com sua família, que revive seu eu de infância, depois ela

vai embora”, e esse exílio doloroso aumenta quando volta para Paris, e chegando lá, iz a

autora em Lettres “odeio a França, os franceses e seus sotaques por contraste com o do

Quebec”. Mas para ela de fato, “tudo está certo e no lugar certo”. O seu comportamento muda

incluindo o corporal, porque se sente “invadida de um ressentimento forte porque não é uma

alegria as idas-e-vindas de um país a outro e tudo isso é pesado para mim”, afirma.

Para concluir, sugerem as representações do exílio de Nancy Huston um vínculo de

uma estreita relação na escrita em língua francesa. Seu estado d’alma é lapidado pelo viver

em luto cada dia e superá-lo pela criação poética porque é “a linguagem que lhe dá fôlego

para se distanciar das catástrofes da vida cotidiana.”

5. Considerações finais

O trabalho do luto ou a elaboração da perda analisada nas correspondências de Huston

ou Sebbar está fundamentado no reinvestimento afetivo, intelectual ou social através de seus

escritos. Dito em outras palavras, o recurso à criação literária as ajuda a reconstruir o mundo

interior das mesmas. Além disso, entendemos que a perda do país natal mesmo voluntária

provoca ruptura do objeto de amor perdido, logo sofrimento e vontade de superá-lo ampliando

seu entendimento graças ao reinvestimento pela arte sublimando-o, pois a verdadeira arte

poética nos faz refletir sobre “como o poeta usa sua técnica de superação da dita repulsão que

certamente tende a fazer com que as barreiras se levantem entre cada eu individual e os

outros” e venha a “liberar as tensões da nossa alma” (2010, p.20-21).

Superar o luto, reinventando a vida requer domínio e certa intimidade com a linguagem.

Postulamos que o texto literário é pleno de ‘nós’ e de ‘eus’ que falam em várias línguas, em

vários níveis. Ele passa antes por todos os domínios e mexe com os sentidos, indo além do

que define dicionários sobre qualquer tema que trate. E o mistério fica, e cala fundo porque

não se entende que a criação literária sem pretensão alguma assume lugares distintos desde

muito tempo no psiquismo humano, ajudando os homens a compreenderem e a representarem

a si mesmo e aos outros em todas as épocas da humanidade.

Para concluir, dissemos que o tema do exílio voluntário é uma contradição nos termos

e na voz dessas escritoras, o tema recriado, nasce de outro modo: ele é fonte de entusiasmo

criador, fonte de prazer, abertura ao novo e alento para encarar suas próprias dores. Elas

parecem realmente ‘brincar’ com as palavras, como se a vida real de ambas se tornassem ali,

uma brincadeira de gente grande, de gente capaz de fazer da linguagem um ato construtivo de

substituição da dor, causado pelo incômodo da perda.

6. Referências bibliográficas

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ARON, P. ; SAINT-JACQUES, D. e VIALA, A. Le Dictionnaire du litteraire. Paris : PUF,

2004.

BACQUÉ, M-F. Le Deuil à vivre. Paris : Éditions Odile Jacob, 2000.

BACQUÉ, M-F. ; HANUS, M. Le Deuil – Que sais-je ? Paris : PUF, 2000.

COTET, P. ; ROBERT, F. Freud et la création littéraire, Paris : PUF, 2010.

DI FOLCO (Org). Dictionnaire de la MORT, Paris: Editora Larousse, 2011.

FREUD, S. Luto e melancolia, Rio de janeiro: Editora IMAGO, 1917.

HUSTON, N.; SEBBAR, L. Lettres Parisiennes – Histoires d’exil, Paris : J’ai Lu, 1986.

XYPAS, R. O processo do luto em poemas de Cecília Meireles. In Leia Escola – Revista da

Pós-Graduação em Linguagem e ensino da UFCG, v. 10, n1 2010, pp. 27 – 42.

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AS REPRESENTAÇÕES CULTURAIS FRANCESAS EM DUAS UNIDADES

DIDÁTICAS DOS MANUAIS ALORS? (2007) E ÉCHO (2010)

Heloisa Costa de Oliveira – UFCG88

Rosiane Xypas – UFCG89

RESUMO: Os estudos das representações culturais adviram dos pressupostos teóricos das

representações sociais de Moscovici (1984) na obra organizada pelo mesmo, intitulada

Psicologia Social. Em um dos capítulos da referida obra, Jodelet (1984) traz o conceito de

representação social que designa um fenômeno de produção dinâmica, cotidiana e informal de

conhecimento, um saber de senso comum de caráter eminentemente prático e orientado para a

comunicação, a compreensão ou o domínio do ambiente social, material e ideal de um

determinado grupo. De maneira geral, ele designa uma forma de pensamento social. Essa

reflexão sobre os estudos das representações sociais influenciaram, entre outros campos do

conhecimento, os estudos das representações culturais que são, de maneira geral, as imagens,

ideias e juízos que temos sobre determinada sociedade. No presente trabalho desejamos saber

que tipo de representação cultural está presente em duas unidades dos livros de Francês

Língua Estrangeira (FLE) Alors? (2007) e ÉCHO (2010) – através das imagens das seções de

cultura – e de que forma a cultura da língua materna dos aprendizes se aproxima ou se

distancia da cultura da língua alvo. De acordo com os resultados da nossa pesquisa,

observamos que a representação cultural existente nos manuais é relativa à do povo francês e

dos povos francófonos que habitam o continente europeu e a América do Norte (Canadá),

excluindo as representações culturais dos povos francófonos que habitam o continente

africano. Há também o resgate da cultura materna diante dos estudos da cultura alvo. Para tal,

apoiamo-nos nos estudos teóricos de Moscovici (1984), Aron; Saint-Jacques e Viala (2004),

Cuq (2003), Blanchet e Chardenet (2011), Neiva Júnior (1994), Dionísio (2011) e no Quadro

Europeu Comum de Referências (2001).

PALAVRAS-CHAVE: FLE. Manuais. Representações culturais.

1. Introdução

De modo geral, sabe-se que, dentre as tantas ferramentas que podem e/ou devem ser

utilizadas no ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira, o livro didático, na maioria dos

casos (sobretudo no contexto exolíngue), é peça base para o desenvolvimento da língua

estudada. A maior parte dos professores de Língua Estrangeira (doravante LE) apoia-se nesses

suportes em busca de uma progressão do conteúdo. Os estudantes, entre outros aspectos,

buscam no livro uma abordagem mais didática, ou seja, mais operacional do assunto a ser

88

Aluna do curso de Licenciatura em Letras, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, PB, E-

mail: [email protected]. Este trabalho é vinculado ao projeto de pesquisa PIBIC/CNPq/UFCG 2012-2013. 89

Professora, Doutora, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, PB, E-mail:

[email protected].

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estudado. Essa seria uma das razões pelas quais a escolha do suporte é tão importante na

aprendizagem de uma LE.

O ensino/aprendizagem do francês como língua estrangeira (doravante FLE),

sobretudo em um contexto exolíngue e para o nível iniciante, visa igualmente ao

conhecimento da cultura/civilização do outro fazendo inevitavelmente um apelo ao próprio

conhecimento de mundo do aprendiz. Assim, consideramos importante o ensino de

língua/cultura como algo que deve ser desenvolvido, destacando os modos de vida, os

costumes e hábitos dos povos da língua alvo desde o nível elementar A1, segundo o Quadro

Europeu Comum de Referência para línguas (doravante QECRL).

Nós optamos por essa temática como objeto de estudo, por considerarmos que língua e

cultura são fatores indissociáveis que se fazem presentes para um bom desenvolvimento das

quatro habilidades de base, a saber: leitura, escuta, fala e escrita que todo o

ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras deve ter. Além disso, a dimensão intercultural

pode se fazer presente nessas quatro habilidades, podendo ampliar o conhecimento de mundo

do aprendiz.

Dessa maneira, tivemos como ponto de partida para a realização do presente trabalho

os estudos das representações sociais de Moscovici (1984) na obra organizada pelo mesmo,

intitulada Psicologia Social, uma vez que os pressupostos teóricos das representações sociais

contribuíram de maneira relevante para os estudos das representações culturais. Em um dos

capítulos da referida obra, Jodelet (1984) traz o conceito de representação social que designa

um fenômeno de produção dinâmica, cotidiana e informal de conhecimento, um saber de

senso comum de caráter eminentemente prático e orientado para a comunicação, a

compreensão ou o domínio do ambiente social, material e ideal de um determinado grupo. De

maneira geral, ele designa uma forma de pensamento social.

Essa reflexão sobre os estudos das representações sociais influenciaram, entre outros

campos do conhecimento, os estudos das representações culturais que são, de maneira geral,

as imagens, ideias e juízos que temos sobre determinada sociedade. No presente trabalho

desejamos saber que tipo de representação cultural está presente em duas unidades dos livros

de Francês Língua Estrangeira (FLE) Alors? A1 (2007) e ÉCHO A1 (2010) – através das

imagens das seções de cultura – e de que forma a cultura da língua materna dos aprendizes se

aproxima ou se distancia da cultura da língua alvo. Em seguida, apresentamos uma análise

descritiva e interpretativa de como são abordados os aspectos culturais da sociedade estudada

através de textos não verbais, ou seja, gráfico, fotografia, ilustração, desenho etc.

Os livros didáticos Alors? A1 (2007) e ÉCHO A1 (2010) foram escolhidos com base

nos seguintes critérios: ser de nível iniciante; apresentar mais imagens ou textos não verbais

do que textos verbais e sugerir representações culturais da França, dos franceses e dos povos

francófonos. As seções Compétence culturelle e Civilisation, que correspondem

respectivamente aos suportes didáticos citados logo acima, são compostas de textos,

atividades e imagens que favorecem a análise temática em questão tendo em vista que esses

elementos podem incitar o aprendiz iniciante a fazer uma ponte com sua língua/cultura

materna e que foram objeto de nossa análise. Entretanto, antes de apresentar os resultados das

análises das rubricas, faz necessário compreender o que significam os vocábulos

representações, cultura e civilização. Ora, o que seria cultura e civilização?

Os autores J. Girardet e J. Pécheur do livro ÉCHO A1 (2010) entendem a palavra

Civilisation como “os saberes e o saber-fazer linguísticos e não linguísticos que permitem

uma adaptação em uma sociedade francófona”. Já os autores Marcella di Giura e Jean-Claude

Beacco do suporte didático Alors? A1 (2007) afirmam que a rubrica Compétence culturelle dá

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informações pertinentes sobre a vida na França a fim de refletir sobre as questões de

sociedade e as relações entre as pessoas.

Postulamos que estudar cultura é poder fazer análise comparativa da língua alvo com a

língua materna, é apreender a vida de outra forma e compreender outros modos de vida.

Buscamos, assim, verificar se os textos verbais e não verbais encontrados nas rubricas fazem

ou não alusão à cultura do aprendiz para que este possa ter uma sensação de pertencimento

em relação à cultura da língua alvo aprendida.

Além da verificação citada acima, esta pesquisa visa a responder a seguinte questão:

Como a sociedade francesa e as francófonas são representadas nas segundas e terceiras

unidades Compétence culturelle do Alors? A1 (2007) e Civilisation do ÉCHO A1 (2010)?

Para tal reflexão e análise apoiamo-nos nos estudos teóricos de Moscovici (1984),

Aron; Saint-Jacques e Viala (2004), Cuq (2003), Blanchet e Chardenet (2011), Neiva Júnior

(1994), Dionísio (2011) e no Quadro Europeu Comum de Referências para as Línguas (2001).

2. Procedimentos metodológicos

Nosso corpus é composto por duas unidades dos livros didáticos de FLE: Alors? A1

(2007) e ÉCHO A1 (2010). Esta pesquisa apresenta as análises descritivas das imagens de

modo denotativo e conotativo e faz uma comparação intramanual e extramanual dos

resultados a partir dos itens dos suportes didáticos escolhidos. Ressaltamos os elementos que

mencionam direta e/ou indiretamente a cultura de língua francesa, e verificamos se elas levam

em conta a cultura do aprendiz interpelando-o em sua reflexão sobre a cultura aprendida.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa e interpretativa baseada em teorias advindas da história

das metodologias do ensino de línguas estrangeiras.

Os resultados desta pesquisa serão apresentados em duas partes: a primeira, concerne à

evolução dos conceitos do termo representação; e a segunda, o resultado do estudo dos textos

verbais e não verbais encontrados nas rubricas dos suportes didáticos pesquisados.

Analisamos um total de quatro unidades (duas unidades de cada livro didático) em que seu

conteúdo (as imagens das mesmas) será apresentado nesse artigo.

3. Considerações sobre o conceito de representações culturais

Buscando entender o conceito da palavra representação – no sentido de reprodução em

imagem ou símbolo sobre determinado grupo social – optamos por analisar o termo em

questão tanto sob o ponto de vista das didáticas de línguas estrangeiras como da pesquisa

desenvolvida pelo psicólogo social Serge Moscovici (1984), uma vez que o vocábulo tal

como hoje é entendido, foi desenvolvido pelo referido autor.

O objetivo dos estudos de Moscovici (1984) como entendemos era redefinir o campo

da psicologia social, estudando a representação social da psicanálise, enfatizando, entre outros

aspectos, o seu poder de construção do real. De acordo com o autor citado acima, para

entender as relações humanas, é necessário fazer uma análise do coletivo, verificando assim a

troca de conhecimentos que a representação social é capaz de promover dentro do grupo.

Moscovici ainda afirmou nos seus estudos que existem duas formas de representação social: a

ancoragem e a objetivação. A primeira faz referência às ideias abstratas que ganham um

formato real, já a segunda desenvolve novas imagens de um assunto e propicia a criação de

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novos conceitos a partir de um tema. É válido lembrar que o estudo da representação social se

mostra importante para compreender o avanço da sociedade e o comportamento do indivíduo

inserido em um grupo.

Uma de suas principais colaboradoras na obra Psicologia Social, Jodelet (1984) traz o

conceito de representação social que designa um fenômeno de produção dinâmica, cotidiana e

informal de conhecimento, um saber de senso comum de caráter eminentemente prático e

orientado para a comunicação, e ainda, a compreensão ou o domínio do ambiente social,

material e ideal de um determinado grupo. De maneira geral, o conceito designa uma forma

de pensamento social. Essa reflexão sobre os estudos das representações sociais

influenciaram, entre outros campos do conhecimento, os estudos das representações culturais

que são, de maneira geral, as imagens, ideias e juízos que temos sobre determinada sociedade.

No livro “Política I”, Aristóteles defende a ideia de que o homem é um animal social.

Ele explica sua afirmação indicando que a relação entre os homens é natural, pois o ser

humano necessita de outras pessoas (ou de outras coisas) para se tornar pleno, isto é, o

homem enquanto cidadão só existe se estiver integrado em uma sociedade.

Podemos acrescentar, ainda, que somos um ser social não apenas porque dependemos

de outros para viver, como destacava Aristóteles, mas porque os outros influenciam na

maneira como convivemos com nós mesmos e com aquilo que fazemos. Diante desse

contexto, no qual o homem é um ser inerente à sociedade e suas ações são influenciadas pela

maneira como os outros o vê, é importante compreendermos como se dá a construção dessas

percepções, atribuições, ideias, expectativas e como elas são mantidas no imaginário social.

Por que, diante de um contexto cultural, o francês é considerado chique? O italiano,

expansivo? O brasileiro, festeiro? Como essas “imagens” são construídas e porque elas se

tornam tão socialmente enraizadas ao ponto de serem reproduzidas por tanto tempo?

Nesta pesquisa, embora não pretendamos responder a todas essas questões – de fato

instigantes – elas contribuem para o desenvolvimento de nossa reflexão sobre o tema em

estudo. Para entender melhor esses fenômenos, os estudos das representações sociais parece

ser um caminho promissor para ampliarmos nossa compreensão sobre o referido assunto, na

medida em que esse campo do conhecimento investiga como se formam e como funcionam os

sistemas de referência que utilizamos para classificar pessoas e grupos e para interpretar os

acontecimentos cotidianos de cunho cultural: modo de vida, costumes, hábitos etc.

Delimitando os estudos das representações sociais para o campo dos estudos culturais,

verificamos a importante contribuição de alguns autores franceses nas didáticas do ensino de

línguas-culturas estrangeiras. Assim, a palavra representação na entrada do dicionário de

Aron, Saint-Jacques e Viala (2004), nos remete imediatamente a palavra imagem,

demonstrando assim, a relação íntima entre esses dois vocábulos. Entre outros significados,

imagem, para os referidos autores são esquemas coletivos de pensamento que estruturam o

imaginário.

O conceito de representação, segundo Cuq (2004), trata-se de uma noção transversal

que se encontra em inúmeros domínios no seio das ciências humanas e da sociedade que a

adquire, bem como na sociolinguística.

Didier de Robillard (apud BLANCHET e CHARDENET, 2011) afirma que um ser

não constrói representações sobre o que lhe é indiferente. As representações dependem de

nossas antecipações, de nossa maneira de ver, uma vez que elas mesmas tratam da nossa

história, da nossa experiência. Nesse sentido, a representação faz parte de uma página da

história e constitui, assim, uma construção prévia de referências, de categorias que

poderíamos ter a necessidade de agir ou intervir sobre o mundo.

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Podemos afirmar, diante de tais conceitos que a representação cultural constitui-se

como um campo do conhecimento que está inserida no âmbito dos estudos das representações

sociais, portanto, as mesmas encontram-se intimamente relacionadas. Falar sobre

representações sociais é também falar de representações culturais.

Dessa maneira, trataremos em capítulo específico do presente trabalho sobre análise de

imagens, quais representações culturais estão presentes nos livros didáticos ora estudados.

4. Aspectos socioculturais segundo o Quadro Europeu Comum de Referências para

Línguas (QECRL)

A imagem segundo Neiva Júnior (1994, p.5) se caracteriza como “[...] infinitamente

mais expressiva [que as palavras], mais fiel ao fato do que nosso discurso”. Num tempo onde

a tecnologia não era acessível da forma como é hoje, percebíamos que a representação de

mensagens era feita, sobretudo, através de palavras. Nos dias atuais, não é possível conceber

uma interação social sem relacioná-la a imagem, visto que

Quando falamos ou escrevemos um texto, estamos usando no mínimo dois

modos de representação: palavras e gestos, palavras e entonações, palavras e

imagens, palavras e tipográficas, palavras e sorrisos, palavras e animações

etc (DIONÍSIO, 2011, p. 139).

Devido à importância que os elementos visuais têm no nosso cotidiano, analisaremos

as imagens que compõem as unidades dos suportes didáticos referentes à abordagem das

seções de cultura. Nosso objetivo é identificar se elas apresentam os requisitos concernentes

ao conhecimento sociocultural proposto pelo QECRL.

O Quadro é um documento que fornece, entre outras coisas, uma base comum para a

elaboração dos livros didáticos e estabelece uma espécie de guia para os professores de LE,

delimitando o que se espera desses profissionais.

Dessa maneira, o QECRL (2001, p. 148 a 150) preconiza a forma como a

cultura/civilização das comunidades onde a língua é falada deveria ser abordada em suporte.

Embora a lista seja um pouco longa, julgamos necessário apresentar aqui os pontos propostos

pelo Quadro para uma abordagem satisfatória dos conhecimentos socioculturais, a saber:

Vida cotidiana (comidas e bebidas, refeições, maneiras à mesa; feriados; horários e

hábitos de trabalho); atividades dos tempos livres (passatempos, desportos, hábitos de

leitura, meios de comunicação social);

Condições de vida (nível de vida – variantes regionais, sociais e étnicas; condições de

alojamento; cobertura da segurança social);

As relações interpessoais, incluindo relações de poder e de solidariedade (estrutura

social e relações entre classes; relações entre sexos (gênero, intimidade); estruturas e

relações familiares; relações entre gerações; relações no trabalho; relações entre

público e polícia, organismos públicos etc, relações entre comunidades e raças;

relações entre grupos políticos e religiosos);

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Os valores, as crenças e as atitudes (classe social; grupos socioprofissionais -

acadêmicos, quadros, funcionários públicos, artesãos, trabalhadores manuais; riqueza -

rendimento e patrimônio; culturas regionais; segurança; instituições; tradição e

mudança social; história; minorias – étnicas ou religiosas; identidade nacional; países

estrangeiros, estados, povos; política; artes – música, artes visuais, literatura, teatro,

música e canções populares; religião; humor);

A linguagem corporal (o conhecimento das convenções que regem os

comportamentos deste tipo constitui a competência sociocultural do aprendiz);

As convenções sociais, no que diz respeito à hospitalidade (pontualidade; presentes;

roupa; refrescos, bebidas, refeições; convenções e tabus da conversação e do

comportamento; duração da visita; modo de sair/de se despedir);

E os comportamentos rituais (prática religiosa e ritos; nascimento, casamento,

morte; comportamentos do auditório e do espectador em espetáculos públicos e

cerimônias, celebrações, festivais, bailes, discotecas etc.

Vale à pena relembrar que os processos de nossa análise se voltam primeiramente para

uma análise descritiva das unidades escolhidas, e em um segundo momento, a análise será

feita de acordo com o que preconiza o Quadro ao que concerne o desenvolvimento da

competência sociocultural do aprendiz.

5. Análise Descritiva da Terceira e da Quarta Unidades do Livro Didático ÉCHO A1

(2010).

Figura 1: Unidade 3 do livro didático ÉCHO

Fonte: (ÉCHO, 2010)

Figura 2: Unidade 4 do livro didático ÉCHO

Fonte: (ÉCHO, 2010)

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Na unidade 3 intitulada Juillet en France (“Julho na França”) temos cinco imagens

relativas à França: a primeira, de uma praça na cidade de Arras, onde as pessoas estão

sentadas em pequenas mesas aproveitando um dia ensolarado; a segunda, do mapa da França,

em que a região montanhosa do país está destacada; a terceira imagem de uma pessoa

praticando asa delta que é um esporte em um tipo de aeronave composta por tubos de

alumínio, que proporcionam a sua rigidez estrutural, e uma vela feita de tecidos, que funciona

como superfície que sofre forças aerodinâmicas, proporcionando a sustentação da asa-delta no

ar e a origem deste nome deu-se pela semelhança da letra grega, que tem forma de triângulo,

como o formato da asa desta aeronave; a quarta imagem é de uma praia onde uma pessoa

pratica kitesurf. Este é um desporto aquático que utiliza uma pipa e uma prancha com uma

estrutura de suporte para os pés. A pessoa, com a pipa presa à cintura, coloca-se em cima da

prancha e, sobre a água, é impulsionada pelo vento que atinge a pipa. Ao controlá-lo, através

de uma barra, consegue-se escolher o trajeto e realizar saltos; e por fim, vemos a quinta

imagem de um rio onde pessoas praticam rafting, esporte que envolve remar em um rio com

correnteza forte em um bote inflável grande.

Todas essas imagens nos evocam lazer. A estação do ano em que essas atividades

podem ser praticadas é o verão e como o próprio nome da unidade deixa claro “Julho na

França”, trata-se do mês das férias não só na França, mas em todos os países que se localizam

no hemisfério norte do planeta.

Na unidade 4, Rythmes de vie (“Ritmos da vida”), vemos um calendário que destaca as

datas mais importantes entre os meses de maio a novembro e também um grupo de pessoas

trabalhando em uma central de teleatendimento; em seguida, uma imagem que se refere a uma

folha de agenda, em que as atividades do cotidiano estão distribuídas entre sexta-feira e

segunda-feira; e por fim, vemos a imagem de um grupo de alunos entrando em uma escola.

6. Análise Descritiva da Terceira e da Quarta Unidades do Livro Didático Alors? A1

(2007)

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Na unidade 3 Samedi (“Sábado”) vemos quatorze imagens: a primeira é de uma placa

que indica a abertura e o fechamento de um estabelecimento comercial; de um café onde

inúmeras pessoas estão sentadas na calçada, degustando suas bebidas e comidas; de

adolescentes indo à escola, de uma família sentada à mesa para jantar, comendo, conversando

e assistindo televisão; de uma estação de metrô fechada; de um calendário que marca os

meses de julho à janeiro em que estão destacados os feriados dos meses mostrados; do arco

do Triunfo em um dia comemorativo, a saber, 14 de julho (faz parte do senso comum afirmar

que no dia 14 de julho é comemorada a queda da Bastilha, ato que marcou o início da

Revolução Francesa em 1789. Pouca gente sabe, no entanto, que a data entrou para o

calendário cívico daquele país como a celebração de outro evento: a Festa da Federação,

realizada em 14 de julho de 1790); das estações do ano na França, quais sejam, primavera,

verão, outono e inverno; de símbolos do Natal e Ano Novo.

Verificamos que as imagens dessa unidade nos informam sobre os lazeres do povo

francês. Essas imagens representam, basicamente, três aspectos da vida dos franceses: vida

cotidiana (café, volta às aulas, estabelecimento comercial, jantar francês), datas

comemorativas (Natal, Ano Novo e 14 de julho – dia da independência francesa) e estações

do ano (primavera outono, inverno e verão). Ainda vemos a imagem de um calendário

marcando as férias de verão até o inverno, ou seja, de julho a janeiro.

Figura 3: Primeira página da unidade 3 do livro

didático Alors?

Fonte: (Alors?, 2007)

Figura 4: Segunda página da unidade 3 do livro

didático Alors?

Fonte: (Alors?, 2007)

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Figura 5: Primeira página da unidade 4 do livro

didático Alors?

Fonte: (Alors?, 2007)

Figura 6: Segunda página da unidade 4 do livro

didático Alors?

Fonte: (Alors?, 2007)

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Na unidade 4 Dimanche (“Domingo”) temos nove imagens: primeiramente, de

uma senhora praticando jardinagem; de uma aquarela; de pessoas em um lugar aberto

dançando e tocando instrumentos musicais; de um homem e uma mulher fazendo

caminhada no campo em um dia ensolarado; de uma tabela que nos informa as

principais atividades de lazer realizadas pelos franceses de 1973 a 1997; de um cartaz

do filme americano E.T. – O extraterrestre; de um cartaz de um filme francês

denominado Le Grand Bleu (“O grande Azul”); e a imagem de uma mulher lendo um

livro. As imagens ali presentes destacam bem as atividades culturais desenvolvidas

pelos franceses nos fins de semana.

7. Análise interpretativa e comparativa das imagens em Alors? A1 (2007) e ÉCHO

A1 (2010) de acordo com o QECRL (2001)

Realizada a análise descritiva das imagens, dos textos e das atividades contidas

nas seções que abordam o tema cultura, realizamos a análise interpretativa das mesmas.

Trata-se, assim, de uma análise conotativa em que descrevemos de modo subjetivo

nossas impressões sobre as imagens. Em seguida, apresentamos na análise comparativa

dos textos não verbais em questão e destacamos o que cremos ser relevante nas culturas

estudadas nessa etapa do projeto. Tomando também como base o QECRL que sugere os

conhecimentos socioculturais que o aprendiz deve ter quando estuda uma língua

estrangeira.

De acordo com o conhecimento sociocultural preconizado no QECRL (2001),

podemos observar a presença de elementos diversos que representam a cultura francesa.

Como vimos mais acima, de acordo com o QECRL, existem sete aspectos distintivos

característicos de uma determinada sociedade europeia e da sua cultura: vida cotidiana,

condições de vida, relações interpessoais, valores, atitudes e crenças, linguagem

corporal, convenções sociais e comportamentos rituais. Levando em consideração os

elementos socioculturais propostos do Quadro, chegamos aos seguintes resultados.

Nas unidades analisadas do livro didático ÉCHO A1 (2010) que apresenta uma

seção específica sobre a cultura francesa – Civilisation – podemos constatar a presença

de elementos da cultura francesa representados através de objetos; de pessoas; esportes

e lazer; tempo dedicado ao trabalho e à escola; feriados típicos nacionais franceses;

comportamentos na sociedade francesa.

Nossos resultados apontam na seguinte direção: O manual ÉCHO A1 (2010)

atende ao rol proposto pelo QECRL no que concerne à análise de imagens dispostas na

rubrica que aborda o tema cultura.

Nas unidades analisadas do livro didático Alors? A1 (2007) também apresenta

uma rubrica específica sobre cultura francesa – Compétence Culturelle. Nela,

observamos a presença de elementos da cultura francesa que são representados através

de objeto, de pessoas, esporte e lazer, tempo dedicado à escola, feriados típicos

nacionais, hábitos culturais franceses como assistir à televisão, pintar, plantar, caminhar

e ler.

Assim como o manual ÉCHO A1 (2010), o manual Alors? A1 (2007) atende aos

requisitos dispostos no QECRL no que diz respeito ao conhecimento sociocultural do

aprendiz em relação às imagens da rubrica que trata sobre cultura. Numa comparação

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entre esses manuais, observamos que eles são muito parecidos no que tange a

abordagem do tema cultura, trazendo os mais variados aspectos socioculturais da vida

na França.

Alors? A1 (2007) ÉCHO A1 (2010)

Vida cotidiana Esporte, lazer etc Comprar (padaria,

supermercado etc)

Condições de vida Acesso a diferentes tipos de lazer Utilização de meios de

transporte

Relações

interpessoais

Relação entre as pessoas no local

de trabalho, na escola

Dança de rua

Valores, atitudes e

crenças

Leitura Comportamento à mesa

Linguagem corporal Dança Dança, cumprimentos

Convenções sociais Como estar à mesa Como estar à mesa

Comportamentos

rituais

Casamento Casamento

Através dos textos não verbais analisados, verificamos que a maioria deles

representa a cultura francesa e aos povos francófonos que habitam o continente europeu

e a América do Norte (Canadá). A francofonia relativa ao continente africano não é

representada nas unidades analisadas.

8. Considerações finais

Essa pesquisa teve como principal objetivo de verificar que tipos de

representações culturais estavam presentes nas unidades (terceiras e quartas) dos livros

didáticos estudados. Para tanto, analisamos as imagens das unidades das rubricas

cultura/civilização dos suportes didáticos de língua francesa para estrangeiros ÉCHO

A1 (2010) e Alors? A1 (2007), nos detendo também na observância dos conhecimentos

socioculturais propostos pelo QECRL (2001) que o livro deveria abordar para uma

melhor aprendizagem da LE em questão. É importante frisar que também utilizamos os

textos e legendas que compunham as seções de cultura na leitura das imagens, isto é, os

textos verbais serviram de suporte, de complementação do entendimento de uma

imagem.

Feitas essas considerações, é relevante destacar que no preâmbulo dos já citados

livros didáticos, os autores traçam como uma de suas metas a apresentação das culturas

existentes no mundo francófono. Assim, consideramos como ponto positivo a tentativa

Quadro: Análise dos manuais segundo o QECRL (2001)

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dos autores de mostrar para o aprendiz utilizador destes suportes didáticos, a existência

de imagens que não nos remetem somente à Paris, mas a outros países, outros povos que

também falam francês. Dessa maneira, a possível abordagem feita pela rubrica destes

livros didáticos ampliaria nossos horizontes em relação à língua que estamos estudando

e fazendo com que não fiquemos restritos tão somente ao universo da cultura francesa

da França. Observamos, entretanto, que as imagens dispostas nas unidades das duas

seções dos suportes didáticos analisados estão relacionadas, preponderantemente, aos

costumes e hábitos do povo francês que habita a França e ao povo francófono que

habitam o continente europeu e a América do norte. Assim, os livros didáticos fazem

pouca referência às culturas dos países francófonos oriundos da África, ou seja, não

abrem o espaço para a francofonia africana quebrando mais uma expectativa. Há um

hiato entre o dizer pedagógico encontrado no preâmbulo dos livros e a concepção dos

materiais analisados.

Verificamos também durante a realização da nossa pesquisa que os livros

atingem a proposta do Quadro Europeu. Este elenca uma série de requisitos (sete

critérios) que um suporte didático deveria preencher para as habilidades concernentes

aos conhecimentos socioculturais propostos pelo Quadro.

Por fim, consideramos que as imagens sobre diversas culturas auxiliam no

aprendizado de uma LE, visto que quando um estudante se confronta com uma cultura

diferente da sua, ele se enxerga melhor e poderá se posicionar na condição do outro,

tornando-se, na maioria das vezes, uma pessoa que respeita a diversidade e a

heterogeneidade que caracterizam a sociedade global.

9. Referências bibliográficas

ARON, P.; SAINT-JACQUES, D. e VIALA, A. Le dictionnaire du littéraire. Paris:

PUF, 2004.

BLANCHET, P. e CHARDENET, P. Guide pour la recherche en didactique des

langues et des cultures – approches contextualisés. Paris: AUF, 2011.

CUQ, J. P. Dictionnaire de didactique du français – langue étrangère et seconde.

Paris: CLE – International, 2003.

GIRARDET, J. e PÉCHEUR, J. Écho: Méthode de français A1. Paris: CLE –

International, 2010.

GIURA, M. e BEACCO, J. C. Alors?: Méthode de français fondée sur l’approche par

compétence A1. Paris: Les Éditions Didier, 2007.

MOSCOVICI, S. Psychologia sociale. Paris: PUF, 1984.

NEIVA JR, E. A Imagem. 2 ed. Série Princípios, São Paulo: Ática, 1994.

Quadro Europeu Comum de Referências para as Línguas – Aprendizagem, ensino e

avaliação. Porto: Edições: ASA, 2001.

WALTY, I. L. C.; FONSECA, M. N. S.; CURY, M. Z. F. Palavra e imagem: leituras

cruzadas. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

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DIONÍSIO, A. P. Gêneros Textuais e Multimodalidade. In: KARWOSKI, A. M.;

GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. Genêros Textuais: reflexões e ensino. 4ª edição. São

Paulo: Parábola, 2011.

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A DIMENSÃO SOCIOCULTURAL EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA:

UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS MISS DIOR

CHÉRIE

Albenise Mariana de Queiroz (UFCG)

Rosiane Xypas (UFCG)

RESUMO: No ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras a dimensão sociocultural é

preconizada no Quadro Europeu Comum de Referências para as Línguas (QECRL,

2001). Mas para adquiri-la o estudante deve aprender a ler diversos tipos de documentos

orais ou escritos. Estes se encontram em todos os manuais com os quais trabalhamos e

são fontes autênticas da cultura da língua estudada. Assim, os textos jornalísticos,

informativos, cartas de amor, cartas de motivação, trechos de textos literários como

também anúncios publicitários. Quanto à aprendizagem da leitura destes, postulamos

por um lado, que estes tipos de textos favorecem o aprendiz a refletir sobre a língua

veiculada na mensagem publicitária cheia de cultura alvo, e por outro, ele aprenderá a

fazer uma leitura consciente da imagem nos textos vinculados, fazendo assim uma

leitura semiótica ampliando seu horizonte de dimensão sociocultural da língua

aprendida. Neste trabalho temos como objetivo principal, estudar os textos e as

imagens que formam os anúncios publicitários escolhidos através de uma análise

semiótica apoiando-nos em Pen (2010), Joly (2011) e Barthes (1969). Por uma questão

pragmática, nosso corpus recolhido em Internet é formado pelas três últimas campanhas

de publicidade do perfume francês Miss Dior Chérie. Observamos que o público visado,

o foco principal das publicidades escolhidas são mulheres jovens. Perguntamos quais os

elementos mais usados para chamar a atenção do público alvo? Qual a caracterização da

mulher nesses anúncios?

Palavras-chave: Dimensão sociocultural. Mulher. Publicidade. Semiótica. Texto

publicitário.

1. Introdução

Consideramos relevante o estudo de diversos tipos de textos na sala de aula de

línguas estrangeiras, pois sabemos que temos que desenvolver no aprendiz uma

capacidade de leitura cada vez mais ampla abrangendo diversos gêneros textuais.

Sabemos que a leitura de documentos autênticos faz com que esse aprendiz de línguas

estrangeiras tenha um contato direto com a cultura do outro, e essa dimensão sócio

cultural é tida como essencial segundo o Quadro Europeu Comum de Referências para

as Línguas (QECRL, 2001) que é um documento base para a elaboração de livros

didáticos do ensino de línguas. Este preconiza a cultura/civilização ligada ao ensino de

línguas, como vida cotidiana, condições de vida, relações interpessoais, valores sociais,

linguagem corporal, história, humor etc. Logo, sabemos que a imagem também pode ser

considerada como um texto, e como qualquer texto, ela está repleta de elementos que a

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P á g i n a | 2353

compõem para que o sentido seja formado. Assim, consideramos de grande relevância o

estudo das imagens publicitárias no ensino de línguas estrangeiras.

Desejamos compreender até onde a leitura de textos publicitários favorece o

aprofundamento de aspectos culturais da língua francesa? Podemos dizer, inclusive, que

alguns textos publicitários tais como charges, histórias em quadrinhos entre outros

favorecem o aprendiz a refletir sobre essa nova língua, porque suscita a capacidade de

vincular diretamente língua e cultura. Em textos publicitários podemos observar fatos

repletos da cultura alvo e que para estudá-los é preciso que o aprendiz desenvolva em

sala de aula a capacidade de ler esse gênero, ou seja, ele deve aprender a fazer uma

leitura consciente da imagem publicitária.

Neste trabalho, temos como objetivo principal ensinar o aprendiz a ler o gênero

textual. Apostamos na relevância deste estudo porque nossa hipótese é que a

aprendizagem da leitura de imagens publicitárias em sala de aula de língua estrangeira,

sobretudo em francês como língua estrangeira (doravante FLE), favorece o contato com

os aspectos linguístico-culturais da língua alvo. Além disso, quais os elementos mais

usados para chamar a atenção do público alvo já que sabemos que o texto publicitário é

de todo manipulador? No que concerne às imagens estudadas vemos a mulher como

elemento central. Perguntamos, qual a caracterização da mulher nesses anúncios?

Para isso, vamos fazer uma análise semiótica de algumas publicidades apoiando-

nos em Pen (2010), Joly (2011) e Barthes (1969). Compomos um corpus com as três

últimas campanhas de publicidade do perfume francês Miss Dior Chérie. Nossa análise

se fundamenta na observação dos seguintes aspectos: (1) de formação desses anúncios,

quer dizer, dos elementos que o compõe, como por exemplo, cor, espaço, entre outros;

(2) observar qual o público esses anúncios estariam direcionados, (3) analisar a presença

efetiva da mulher nos anúncios escolhidos.

Primeiramente este artigo se divide em fundamentação teórica onde discorremos

de forma breve sobre os vocábulos chave, a saber, miss, chérie e Dior; em seguida,

apresentamos a análise das três imagens que compõem o corpus com o qual

trabalhamos, e por fim, apresentamos as considerações finais sobre o tema em questão.

2. Fundamentação Teórica

As três imagens que analisamos foram retiradas da Internet e se referem ao

perfume Miss Dior Chérie. Começamos por dizer que a palavra Miss é pronome de

tratamento que faz referência às jovens inglesas, ou falantes da língua inglesa. No

entanto, essa palavra foi adotada pela língua francesa (Hachette, 1997 p.1226). No

dicionário Houaiss (2001, p.299), encontramos a definição do vocábulo Misse que é o

nome dado para as mulheres selecionadas em concursos de beleza. Segundo o

dicionário Petit Robert (1986), na primeira entrada o vocábulo Misse, que data de 1713,

é uma palavra americana que significa senhorita, e na terceira entrada que data de 1931

este vocábulo significa que é um substantivo designado para nomear as jovens rainhas

da beleza eleita em concursos internacionais e locais. Podemos compreender que os dois

dicionários trazem a mesma definição do vocábulo em estudo. Entretanto, no cotidiano

francês, a palavra miss é empregada espontaneamente pelos usuários da língua

designando um pronome de tratamento de elogio e afeto, deslocando assim do seu

sentido etimológico e entrando no sociocultural.

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Quanto ao vocábulo Chérie segundo (Micro Robert, 1971, p.172), ele é um

adjetivo empregado para definir algo ou alguém muito querido. Ainda no Houaiss,

(2001, p.366), o adjetivo Querido significa amado, preferido. A palavra em questão tem

a mesma função linguístico-cultural, pois é empregada pelos utilizadores nativos da

língua designando carinho, afeto e familiaridade. Ora, não seria essa a intenção da

propaganda, apelando para a função emocional da língua?

Como a palavra Dior se refere a uma marca famosa conhecida pelos aprendizes

de FLE e pessoas do mundo inteiro, intencionamos apenas dizer que ela foi criada pelo

francês Christian Dior. Sua primeira indústria foi fundada em 1946 e ficou famosa pelos

vestidos de alta costura. Ao passar do tempo, a empresa Dior desenvolveu-se também

em perfumaria, cosméticos, bolsas etc. Enfim, os três vocábulos em estudo nos faz

entender que o nome do perfume pode se constituir, pode soar bastante familiar já que

apela para a dimensão afetiva e emocional do consumidor.

Assim, observamos que o gênero escolhido nesse estudo é relevante porque

tanto ele está presente na vida cotidiana dos nativos franceses como também nos livros

didáticos de FLE. Defendemos a ideia que os anúncios publicitários sendo presença na

vida cotidiana francesa, o ensino/aprendizagem desse tipo de texto, não deve ser

relegado, ao contrário, tanto os professores de FLE quanto os futuros professores

deveriam se interessar no desenvolvimento das estratégias de leitura deste tipo de texto.

Podemos ler com Andreea Teletin (2008, p.216) que “em um texto publicitário, o

destinatário está presente como um consumidor potencial. (...) Sua interpelação pode ser

feita através de pronomes de tratamento”. Tomando esta citação como base, fazemos

aqui uma observação de como o pronome de tratamento do anúncio miss juntamente

com as imagens que compõe a publicidade fazem para chamar a atenção do público

alvo. Pois, sabemos que um texto publicitário é constituído por textos verbais e não

verbais.

Ressaltamos desse modo igualmente à importância da leitura visual no

ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras por implicar na ampliação da

representação de mundo do aprendiz. Para Joly, os textos/anúncios publicitários, são

dentre os gêneros textuais, textos propícios para análise e de uma força interativa

considerável, pois, estes estão repletos de conteúdos socialmente construídos que são

representados através de texto gráfico e imagens.

A publicidade, de fato, é uma grande consumidora de teoria, ou pelo

menos "ferramentas teóricas para analisar, e compreender o indivíduo

em suas relações com os seus próprios desejos e motivações nas suas

interações com outros indivíduos da sociedade, como na percepção

das mídias e seus modos de representação " 90

Sendo assim, o texto publicitário exerce grande influência no ser humano,

porque está repleto de teorias sociais, que visam os pontos principais da relação do ser

com o ambiente no qual ele está inserido. Diversos estudos sobre o comportamento do

consumidor face ao produto a ser consumido nos faz compreender que se o sujeito na

sociedade moderna compra, mesmo se não houver necessidade, e parece que compra se

90

La publicité, en effet, est une grande consommatrice de théorie, ou tout au moins d’outils théoriques lui

permettant d’analyser, de comprendre l’individu dans ses rapports avec ses propes désirs et motivations,

dans ses interactions avec les autres individus de la société, dans la perception des médias et de leurs

modes de représentation.’ (Joly,p.57) (Todos os trechos aqui citados foram traduzidas por nós).

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sobretudo, não houver necessidade, o consumidor de fato é preso em uma teia, mas

longe de se sentir preso na mesma, ele acha essa teia confortável porque lhe faz gozar

do prazer do ter, do possuir, e do querer mais e tudo e sempre. A influência da era

moderna do consumismo propicia também um meio de integrar o sujeito na sociedade

reforçando sua autoestima.

As primeiras pesquisas comportamentais, inspiradas pelo

behaviorismo, não encontraram resposta global ao esquema estímulo /

resposta e fora desta primeira visão mecanicista, levam a hierarquia

dos modelos de aprendizagem baseada em três seguintes etapas:

cognitiva, afetiva e comportamental. Então o que eram as motivações

de pesquisa estabeleceram metas para analisar as necessidades pré-

conscientes e inconscientes que compram menos e mais para

satisfazer o consumidor (segurança, narcisismo, identificação com

uma classe...) fazendo um apelo não somente a psicologia, mas

também a psicanálise , a sociologia, e a antropologia (Joly, p.58). 91

Como podemos perceber através do texto da autora acima citada, a publicidade

está repleta de teorias da psicologia aplicada, como as relações de estímulo/resposta que

a campanha pode causar no indivíduo para qual está direcionada. E também da

sociologia, como uma forma de compreender os desejos e motivações do ser em sua

construção social. Entretanto, não vamos nos aprofundar nesses aspectos por julgar que

os mesmos não fazendo parte da didática de línguas estrangeiras fogem ao nosso

propósito neste artigo como também pelo que foi dito seja o bastante por hora no

assunto aqui tratado.

De um ponto de vista metodológico, temos que observar cada objeto que

compõem a imagem, minuciosamente. Pois, seus materiais são múltiplos e articulam

suas significações específicas umas com as outras para produzirem uma mensagem

global. Segundo Joly “é que ‘a imagem pura’, quer dizer, tudo o que está no anúncio e

não é linguístico, interpreta-se em um segundo grau e remete a outros universos que si

mesmo, segundo leis particulares”.92

Entendemos que a imagem funciona como um conjunto de signos. Cada um

desses signos tem uma representação diferente dependendo do uso ou da cultura onde

estão sendo interpretados pelos indivíduos em seus universos particulares. Joly se apoia

em Barthes para afirmar que temos que observar tais “objetos” que constituem a

imagem. Para isso, temos que dividir a imagem em dois pontos principais, a saber, o

denotativo e o conotativo. Sendo o primeiro fundamentado pela descrição desses

objetos, observando sua simbologia; e o segundo, fazendo referência ao que Joly chama

de “saber preexistente” da mente do leitor, é nesse ponto que podemos começar a

atribuir sentido a tais objetos.

91

Les premiers recherches comportementales, inspirées du béhaviorisme, n’ont pas trouvé de réponse

globale dans le schèma stimulus/réponse et ont du, ‘pour sortir de cette première vision mécaniste,

déboucher sur les modeles de hièrachie de l’apprentissage basée sur les trois étapes suivantes: cognitive,

affective et comportementale’; puis ce que fut la recherche des motivations que se fixa pour objectif

d’analyser les besoins préconscients et inconscients que l’achat satisfait plus ou moin chez le

consommateur (sécurité, narcissisme, identification à une classe sociale...) en faisant appel non seulement

à la psychologie, mais aussi à la psychanalyse, la sociologie, l’anthropologie. (Joly, p.58)

92

« c’est que ‘ l’image pure’, c’est-a-dire, tout ce qui dans l’annoce n’est pas linguistique, s’interprete au

second degré et renvoie à des univers autres que lui-meme, selon des lois particulières .» (Joly, p.61)

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Segundo Barthes, a definição de representação equivale a um tipo de

ressurreição no sentido de fazer viver a imagem vista por muitos. Assim, em Barthes

lemos que para explicar a mensagem linguística da imagem devemos levar em

consideração o que ele chama de ‘retórica’. A retórica da imagem se baseia na

pluralidade de significações que esta tem, levando em consideração que a imagem é

constituída por signos, e esses sempre remetem a outra imagem, e outra imagem, assim

em diante.

(...) A imagem é uma re-apresentação, isto é, em última análise,

ressurreição, e nós sabemos que o inteligível é considerado hostil à

experiência. Assim, em ambos os lados, a analogia sentida como em

pobres sentidos: alguns acham que a imagem é um sistema rudimentar

sobre a língua, e outros que o significado pode esgotar a riqueza

inefável da imagem. (Barthes, p.573)93

O que nos interessa igualmente ao analisar textos publicitários, é justamente

observar o fato de que essas campanhas possuem em si, aspectos que formam um

sentido geral, e esses, segundo Barthes, são intencionais, pois “a imagem publicitária é

seguramente intencional: são alguns atributos do produto que formam a priori os

significados da mensagem”.94

Para fazer análise do texto publicitário, Barthes o separa em duas partes: A

primeira daria enfoque ao nível verbal, que analisa o texto gráfico. A segunda, dividida

em dois níveis, o nível conotativo e denotativo da mensagem asseguram a metodologia

aplicada nas análises das imagens. Assim, a imagem denotada é a representação “pura”,

real da constituição dos objetos da mesma. Já a mensagem conotada ou simbólica

representa a construção dos sentidos produzidos pela imagem segundo a percepção do

conhecimento cultural daquele que está lendo, observando a mensagem.

3. Análise das imagens

É importante relembrar que neste artigo, temos como objetivo analisar imagens

referentes às duas últimas campanhas publicitárias do perfume Miss Dior Chérie. Para

tal, constituímos um corpus com três imagens retiradas da Internet. Para analisá-las

faremos em duas partes: a primeira, destacamos os elementos físicos e a posição

corporal da modelo, a segunda análise é voltada para os objetos como o frasco do

perfume, o que vemos no plano de fundo da foto e a simbologia da cor rosa nas duas

dimensões: denotativa e conotativa.

Figura 1 – Miss Dior Chérie 2010

93 (...) l’image est re-présentetion, c’est-à-dire en définitive résurrection, et l’on sait que l’inteligible est

reputé antipathique au vécu. Ainsi, des deux côtés, l’analogie est sentie comme en sens pauvre: les uns

pensent que l’image est un système très rudimantaire par rapport à la langue, et les autres que la

signification ne peut épuiser la richesse ineffable de l’image (Barthes, p.573).

94 l’image publicitaire est assurement intentionelle: ce sont certains atributs du produit qui forment a

priori les signifies du message (Barthes, p.573).

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Fonte: Luxury Activist95

Esta imagem corresponde à campanha do perfume Miss Dior Chèrie referente

ao ano de 2010. Em um primeiro momento, damos enfoque analítico para o tratamento

da imagem feito primordialmente no lado direito da mesma. Um pouco mais abaixo, a

análise do lado direito da imagem será feita.

3.1. Análise Denotativa da Imagem

A modelo desta campanha apresenta as seguintes características físicas:

cabelos loiros, olhos claros, pele bronzeada. Quanto à expressão facial da modelo

podemos ver que ela está com os olhos apontados para frente, sua boca está levemente

aberta segurando uma rosa. Será que estas características estariam relacionadas com a

imagem do público alvo deste anúncio? Ou seja, meninas jovens, as que fazem parte de

um grupo padrão de beleza estabelecido na nossa sociedade?

95

Disponível em: <http://luxuryactivist.com/beauty/miss-dior-cherie-marketing-wins/> Acesso em

29/11/2013

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Ainda observamos na imagem, que a modelo por não tem marcas de expressão,

esbanja jovialidade como a de uma menina em fase de crescimento. No entanto, ela se

descaracteriza como uma mulher adulta. O perfume então não visa à compra pela

mulher adulta, mas sim pela menina em fase de crescimento ou ao contrário, as

mulheres adultas podem usá-lo e se sentiram como ‘meninas em fase de crescimento’?

Outros elementos que julgamos importantes na análise semiótica é o uso das

cores e das formas. Quanto ao uso da cor, ressaltamos tons claros mais especificamente

a cor rosa. A utilização dessa cor é estabelecida na nossa sociedade culturalmente como

a cor do universo feminino e evocaria o mundo de uma menina pequena. Todavia,

sabemos que esse anúncio publicitário está direcionado para mulheres adultas.

Supomos que a escolha desta cor faria com que o público alvo, as mulheres, pudessem

se sentir mais jovens. Ainda quanto à forma, vemos no lado direito da imagem, que se

encontra o nome da marca escrito com fita de cetim, mesmo que na imagem analisada

possamos ver apenas o nome Miss.

No lado esquerdo da fotografia, vê-se o frasco do perfume que está sendo

mostrado pela modelo. Ora não seria o lado esquerdo o do coração? Apostamos que a

função emotiva da linguagem também possa ser evocada pela localização do produto

em questão. Destacamos também as unhas da modelo em tom rosa, reforçando o

universo feminino, mas também o ser jovial que pode ser evocado na dimensão do tipo

de público que se deseja atingir nesta publicidade.

3.2. Análise Conotativa da Imagem

A análise conotativa evoca como o nome sugere a dimensão suscitada pela

leitura feita do texto não verbal fundamentado nos conhecimentos prévios do analista.

Sendo então esta análise puramente subjetiva, faremos atenção para não fazer

divagações o que seria um tanto prejudicial à compreensão da análise do texto não

verbal em seu todo. Para iniciarmos tal analise, podemos começar pela imagem em

foco, que dizer a da modelo, e depois partiremos para as representações dos demais

objetos que compõem a imagem.

A partir da análise denotativa acima descrita, sobre as características físicas da

modelo e o espaço onde ela se encontra, percebemos que as mesmas estão direcionadas

para um padrão de beleza pré-estabelecido socialmente dando vazão a eterna juventude

buscada nos tempos de hoje, ou seja, correspondendo às expectativas do público que a

campanha quer atingir. A jovialidade da modelo, que não parece uma mulher adulta,

mas sim uma menina, para qual o anúncio está sendo direcionado.

Observamos como mencionado acima que neste anúncio o uso excessivo da

cor rosa se faz presente em diversos objetos na imagem, a saber, as vestimentas da

modelo, o laço de fita utilizado por ela, o perfume, o cenário.

Em cada cultura as cores podem atribuir significados diversos como

sentimentos, religião, sexo e infinitas outras representações. Tomando essa afirmação

como base, questionamos qual seria a representação da cor em questão nesta campanha?

Na cultura ocidental, o rosa pode significar romantismo, ternura, ingenuidade

etc. Essa também está sempre associada ao universo feminino, o que pode ser visto por

alguns como uma representação negativa da cor como uma forma de estereótipo. O rosa

também é atribuído à beleza, suavidade, pureza, fragilidade etc. Notamos então, que o

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rosa está estritamente ligado às outras representações como a infância das meninas, à

beleza, à ingenuidade e até mesmo à suavidade, neste caso representado na imagem da

modelo.

Podemos confirmar algumas dessas representações positivas da cor rosa aqui

mesmo no nosso contexto brasileiro, quando no ano de 2009 a revista CAPRICHO da

editora Abril destinada aos adolescentes, lançou uma campanha como o título de “Deixe

o mundo mais Pink”, que tinha o intuito de mostrar relatos de meninas que faziam do

mundo um lugar melhor.96

Sendo assim, podemos ver que na campanha acima analisada estão presentes

alguns elementos em sua composição que portam características positivas da rosa na

cultura ocidental e assim absorver o público alvo da publicidade trabalhada.

Figura 2- Miss Dior Chérie 2011/2013

Fonte: Luxuo97

3.3. Análise Denotativa da Imagem

Cabelos castanhos claros, olhos claros, pele branca são estas as características

físicas da modelo da imagem analisada. Fazemo-nos aqui desde já o seguinte

questionamento: Estas características estariam relacionadas com a imagem do público

alvo deste anúncio? Ao observarmos ainda a imagem da mulher, vemos que ela está de

costas dando em si mesma um abraço, está com o rosto em ângulo desfocado e um

pouco abaixado e sua boca está levemente aberta mostrando a ponta de seus dentes.

Qual seria a intencionalidade por traz da postura desta modelo? Vemos também que em

seus traços físicos estão expressos uma extrema jovialidade.

96

Para os interessados segue aqui o link de uma das imagens usadas na campana:

http://i166.photobucket.com/albums/u118/nathaliagrun/deixepink1.jpg 97

Disponível em: < http://www.luxuo.com/celebrities/dior-vegan-shoes-natalie-portman.html> Acesso

em: 29/11/2013

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Quanto ao espaço da imagem analisada, observamos que o fundo desta

imagem está constituído por uma parede cor de rosa em tom claro com aspectos de

arquitetura clássica e iluminada no canto direito. Levando também o nome do perfume e

da marca Miss Dior Chérie, acompanhando o frasco do perfume que é pequeno e

retangular com um laço de fita carregando dentro o liquido do perfume dourado.

3.4. Análise Conotativa da Imagem

Vamos começar observando a modelo da publicidade que se chama Natalie

Portman. Ela é uma atriz americana de descendência judaica. No ano do lançamento da

nova campanha da Dior, Natalie era uma das principais indicadas ao Oscar, e seus

filmes haviam tido repercussão mundial. A escolha de Natalie para fazer a campanha foi

clara: ela era um objeto de desejo, pois naquele ano muitas mulheres desejariam estar

em seu lugar.

Outro motivo que também podemos apontar é que a mesma trata-se de uma

mulher pele clara, olhos claros, e cabelos escuros indicando um determinado padrão de

beleza da atualidade, e também a aparência das pessoas de uma determinada classe

social, aquelas que comprarão a mercadoria oferecida.

Podemos não perceber em um primeiro momento, mas tudo na imagem tem

uma apologia sexual e erótica como demonstramos na análise denotativa pela posição

corporal relativa à pose da modelo. Primeiramente, o fato de que ela não usa roupas, e

depois que ela esconde seus seios, abraçando-se ou fazendo um gesto de acariciar a

própria pele. Mesmo que a imagem faça incitações sexuais, ela não se usa de elementos

claros como na linguagem pornográfica, ela se utiliza da imagem do ingênuo ressaltados

na maquiagem que como se pode ver, modelo não está fortemente maquiada, ela não

tem olhos maquiados de preto, nem usa batom vermelho, ou unhas vermelhas, que são

símbolos de feminilidade e poder entre as mulheres.

A imagem evoca simplicidade tendo em vista que sua maquiagem é bem suave

que não pinta suas unhas, que passa uma camada de brilho apenas demonstrando pureza

e simplicidade. Seu olhar, assim como seu rosto está levemente abaixado reforçando a

ideia de ingenuidade. Ela tem um sinal no canto da boca que representa símbolo de

charme e sedução na década de 50 e nos dias de hoje também. Para acentuar ainda mais

a sensualidade ingênua, vemos que ela tem em seu cabelo, uma tiara com um laço que é

acessório mais usado em meninas pequenas do que em mulheres adultas favorecendo

uma leitura de uma imagem que oscila ora no ingênuo, ora no sensual, menina mulher.

Agora passando para o plano de fundo da imagem, podemos observar que se

trata possivelmente da parede de um quarto, uma parede com toque antigo e está na cor

rosa claro. A parede que vemos parece ser a de um quarto de meninas pequenas.

Entretanto, os elementos até agora analisados não convergem para esse resultado,

contrapondo o mostrado com o idealizado. Dito em outras palavras, os elementos que

compõem o anúncio mostram que o mesmo está voltado para um público mais adulto,

pois percebemos que a modelo está despida e que o único acessório que podemos ver na

imagem é um laço de fita de cetim em seu cabelo. Aqui a cor rosa pode estar sendo

também atribuída à sedução, à feminilidade, e ao romantismo como também à

ingenuidade, à pureza, à fidelidade e ao amor.

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Voltando agora para o último elemento do plano de fundo, podemos ver o

frasco do perfume. Neste anúncio o líquido do perfume é dourado fazendo lembrar

alguns tipos de bebida. Temos na tampa do frasco um laço, que pode estar remetendo a

um presente, ou a um laço de cabelo, como o acessório que está presente na modelo.

Aqui podem ser feitas diferentes leituras, resolvemos partir do principio de que a

intencionalidade na composição deste objeto é que o frasco do perfume e a modelo

podem ser vistos como um mesmo objeto. Ou seja, comprando o perfume você pode

estar comprando a beleza, a ingenuidade e a jovialidade representadas pela modelo.

Sendo assim, perfume e modelo se tornam o mesmo alvo do desejo do consumidor.

4. Considerações finais

A partir da análise que fizemos das campanhas do perfume francês Miss Dior

Chèrie notamos que ambas as campanhas atingem o objetivo de chamar atenção do

público alvo, a mulher, através de elementos da jovialidade e pureza com certo teor

infantil em sua composição. Observamos ainda que as modelos são jovens como

meninas e não como mulheres, e este apelo é feito pela presença (exagero?) da cor rosa,

que evoca em nossa cultura, a cor favorita das mães das meninas pequenas. Este

reforço, muito bem pensado por sinal, favorece significados positivos reforçando

igualmente a ingenuidade e pureza desejados na sociedade familiar ‘bem comportada’.

Através desta pesquisa podemos notar que o estudo de campanhas publicitárias

é bastante relevante, pois a publicidade além de ser um texto propício à análise cultural

da língua alvo em estudo está presente em todo tempo no nosso cotidiano imediato.

Sabendo que o aprendiz de línguas estrangeiras deve desenvolver uma boa leitura e

compreensão de diversos tipos de textos nessa segunda língua, e que esses devem ser

compreendidos a partir das culturas nos quais estão inseridos, consideramos assim

relevantes as leituras da publicidade em sala de línguas estrangeiras como suporte de

estudo de língua e cultura.

5. Referências bibliográficas

Significados da cor rosa. Acesso em: 20-09-13. Disponível em:

<www.significados.com.br/cor-de-rosa>.

JOLY, Martine, Introduction à l’analyse de l’image, 2a Edição, Paris, Armand Colin,

2012.

BARTHES, Roland, Rhétorique de l’image, Paris, 1964.

_____, Elementos da semiologia, 19ª edição, São Paulo, Cultrix, 2012.

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COMO LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA ABORDAM A

INTERFACE ORALIDADE/ESCRITA NO GÊNERO HISTÓRIA EM

QUADRINHOS?

Vivian Monteiro SILVA98

(UFCG)

RESUMO: O avanço nos estudos sobre as modalidades oral e escrita de uso da língua

tem proporcionado aos pesquisadores da área uma percepção mais clara e ampla das

particularidades de cada modalidade e do fato de elas estarem situadas em um

continuum e não em pólos diametralmente opostos. Assim, considerando-se o âmbito da

sala de aula de língua estrangeira, defende-se um ensino de língua que preconize as

características da fala e da escrita como tais, e que considerem suas diferenças dentro de

um continuum, e não numa relação dicotômica como tradicionalmente tem sido feito. O

gênero história em quadrinhos (HQ) é um exemplo clássico de texto que pertence à

modalidade escrita, mas com muitas características típicas da fala, o que favorece a

investigação dessa interface, além de ser um gênero bastante explorado em manuais

didáticos de língua inglesa. Esta pesquisa exploratória de abordagem qualitativa,

portanto, objetiva investigar se e como duas coleções de livros didáticos abordam a

interface oralidade/escrita no gênero HQ. Ancorados em Marcuschi (2003), Pretti

(2004), Thornbury (2005), Tocatlidou (2002), entre outros, observamos que, em geral,

os manuais didáticos ainda pressupõem um ensino centrado no sistema normativo da

língua e não levam em conta o continuum entre as duas modalidades.

PALAVRAS-CHAVE: Interface oralidade/ escrita – Livro didático – História em

quadrinhos

1. Considerações iniciais

Os estudos sobre as modalidades oral e escrita cada vez mais têm contribuído

para o redimensionamento da aula de língua estrangeira no que diz respeito à ampliação

das concepções de língua e de texto uma vez que os apresenta como um conjunto de

práticas sociais, com suas peculiaridades, e não como um sistema normativo de formas

abstratas. Além disto, tais pesquisas têm mostrado que uma modalidade não deriva da

outra, pois o texto falado têm propriedades dialógicas que diferem das propriedades dos

textos escritos, nem estão em polos dicotômicos, como tradicionalmente se pensava,

porém se situam em um continuum, e ambas se complementam no contexto das práticas

sociais (cf. FÁVERO, et al. 1999; MARCUSCHI, 2003).

98

A autora é professora Assistente da Universidade Federal em Campina Grande, integrante do grupo de

pesquisa DILLES, e ministrante da disciplina Estudos de Oralidade e Escrita para as turmas de língua

inglesa, cujas discussões deram origem ao presente trabalho.

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Na visão dicotômica da fala e da escrita pressupunha-se uma concepção de

língua como um sistema de regras que constitui a norma culta e padrão dessa língua.

Nessa visão, a escrita tem supremacia sobre a fala, apresentando, portanto, um status

social mais elevado. Segundo Marcuschi (2003), a visão dicotômica considerava a fala

como algo não planejado, impreciso, não-normatizado e fragmentado; enquanto que a

escrita era considerada planejada, precisa, normatizada e não fragmentada.

Entretanto, o referido autor afirma que essa divisão da fala e escrita em polos

antagônicos é superficial e limitada porque há gêneros textuais que pertencem ao

domínio da escrita, mas apresentam elementos bastante característicos da fala, e vice-

versa, a exemplo dos chats, das palestras e das histórias em quadrinhos (doravante HQ),

que são gêneros que se situam no entrecruzamento das duas modalidades. As HQ

apresentam muitos elementos característicos da fala, como veremos mais adiante, mas

se manifestam no domínio escrito, e são, portanto, consideradas um gênero da

modalidade escrita. Além disto, elas têm certas peculiaridades que as tornam atrativas

para serem objeto de estudo tanto na sala de aula de língua materna (LM) quanto na de

língua estrangeira (LE). Sendo assim, alguns livros didáticos (LD) de língua inglesa

(LI), por exemplo, incluem as HQ em parte de suas unidades seja para explorar

compreensão textual, seja para abordar algum tema transversal ou tópico gramatical,

seja simplesmente para familiarizar o aluno um pouco melhor com o gênero.

Feitas essas considerações, e dada a importância do estudo da HQ como um

gênero que situa no entrecruzamento das modalidades oral e escrita, objetivamos com

esta pesquisa investigar se e como duas coleções de livros didáticos, uma do Ensino

Fundamental e outra do Ensino Médio, abordam em suas unidades a interface

oralidade/escrita no gênero HQ.

2. Ensino de oralidade e escrita no estudo de gêneros na aula de LI

Durante muito tempo a língua falada foi considerada o lugar do caos por conter

muitos elementos pragmáticos tais como pausas, hesitações, digressões, repetições,

truncamentos etc. (cf. FÁVERO et al., 1999), sendo atribuído à língua escrita um lugar

de prestígio e valorização. Entretanto, conforme Thornbury (2005), atualmente, tem

sido dada uma atenção especial à modalidade oral da língua tanto pelo fato de ser a mais

amplamente utilizada pelos usuários em seu dia-a-dia como pelo fato de ser a primeira

modalidade que um usuário nativo aprende em seu desenvolvimento linguístico. No

âmbito do ensino-aprendizagem de uma LE, Thornbury (op.cit.) explica que o texto

falado deve ser objeto de estudo tanto quanto o texto escrito, pois, além de muitos

aprendizes desejarem obter certa fluência na sua oralidade, não poderão compreender

certas práticas de linguagem se dissociarem o texto escrito do falado, uma vez que as

linhas que separam alguns gêneros dessas modalidades são muito tênues.

Tal visão corrobora com os pressupostos de Marcuschi (2003) sobre o fato de

alguns gêneros textuais estarem situados no entrecruzamento da modalidade oral e da

escrita. De acordo com o autor (op.cit.), os gêneros textuais99

estão situados em dois

99

Em outra obra, Marcuschi (2002, p.19) define gêneros textuais como “fenômenos históricos

profundamente vinculados à vida cultural e social” que “contribuem para ordenar e estabilizar as

atividades comunicativas do dia-a-dia”.

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domínios linguísticos, fala e escrita, e estes domínios se dão em dois contínuos. Há

gêneros que representam espécies de protótipos de determinado domínio, como por

exemplo, uma conversação espontânea, que é típica da modalidade oral, e uma

monografia, que é um gênero bastante representativo da modalidade escrita. Porém,

muitas vezes, os textos se entrecruzam em alguns aspectos, e constituem o que o autor

denomina de domínios mistos. É o caso da carta íntima e do chat, que se realizam no

meio escrito, mas se aproximam da oralidade por sua linguagem informal e pela relação

espontânea entre os interlocutores, e os gêneros aula expositiva e palestra, que se

manifestam oralmente, entretanto tem características típicas do domínio escrito, uma

vez que se constituem de leituras prévias feitas pelo professor, requerem planejamento,

tem certo grau de formalidade etc.

Cabe neste momento, então, definir oralidade e escrita para podermos explicar

como se dão as relações mistas entre os gêneros de ambas as modalidades. De acordo

com Marcuschi (op.cit., p.25), oralidade é

“uma prática social interativa para fins comunicativos que se

apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na

realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais

formal nos mais variados contextos de uso”.

E a escrita seria,

“um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos

com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua

constituição gráfica, embora envolva também recursos de ordem

pictórica e outros” (op.cit., p.26).

Para percebermos as relações mistas entre os gêneros dos dois domínios,

precisamos compreender as noções de meio e concepção discursiva. O meio

corresponde ao modo de recepção de um texto, que pode ser sonoro ou gráfico. Por

exemplo, o meio de recepção de uma conversa telefônica será sempre o sonoro ao passo

que o de um bilhete sempre será o gráfico. A concepção discursiva diz respeito à

natureza do meio em que o texto foi originalmente produzido (cf. MARCUSCHI, 2008).

Um artigo científico, por exemplo, tem uma concepção discursiva escrita, pois foi

pensado e elaborado através da escrita, e seu meio de recepção é o gráfico, pois não

existe outra forma de produção/ recepção para este gênero. Já a conversa telefônica tem

uma concepção discursiva oral, pois é originada através da fala, e seu meio de recepção

é o sonoro, uma vez que não há como estabelecer uma conversa telefônica por meio

gráfico. O que há em comum em ambos os casos é que o meio de recepção e a

concepção discursiva para cada gênero são da mesma modalidade, ou seja, para o artigo

científico, o meio e a concepção são do domínio da escrita (foi desenvolvido e

compartilhado através de um sistema gráfico), e, para a conversa telefônica, o meio e a

concepção são do domínio da oralidade (pois foi desenvolvido e partilhado através da

fala).

Entretanto, há gêneros que são de domínios mistos porque “neles a produção e

o meio são de modalidades diversas” (MARCUSCHI, 2003. p. 40). Uma notícia de TV,

por exemplo, tem uma concepção discursiva escrita, pois foi originalmente planejada e

desenvolvida de forma escrita, porém, tem um meio de recepção sonoro, porque foi

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compartilhada na televisão por meio da fala de algum repórter. As HQ, que são objeto

de nosso estudo, possuem um modo de recepção gráfico, pois são gêneros que só se

manifestam através do sistema gráfico/pictórico, mas têm uma concepção discursiva

escrita e ao mesmo tempo oral, pois, por um lado, o quadrinhista tem um roteiro e certo

planejamento a seguir para poder desenvolver sua história, mas, por outro lado, os

balões típicos desse gênero reproduzem diálogos, que são característicos da fala. Esses

aspectos, portanto, as situam no domínio misto das duas modalidades.

Tais considerações são importantes para o ensino-aprendizagem de LI, pois

poderá propiciar ao aprendiz uma compreensão/produção mais adequada de

determinado gênero ao ampliar-lhe a visão do que é adequado/ inadequado em termos

de linguagem em determinadas situações comunicativas e com certos interlocutores.

“Desvios” da norma padrão, por exemplo, são aceitos em instâncias comunicativas mais

informais (TOCATLIDOU, 2002). Assim, apesar de ser um gênero da modalidade

escrita, uma HQ permite o uso informal da língua e a presença de elementos

característicos da fala espontânea, porque tais aspectos são típicos desse gênero.

Portanto, acreditamos que se explorarmos os gêneros adequadamente, mostrando a

importância das duas modalidades da língua para a melhor compreensão dos textos,

poderemos favorecer uma melhor qualidade de leitura em LE, pois propiciará ao

aprendiz o reconhecimento de regras socialmente estabelecidas para o uso linguístico

em dadas circunstâncias de produção textual.

3. Os elementos típicos do gênero HQ e a interface oralidade/escrita

Dissemos que o gênero HQ situa-se no domínio misto das modalidades oral e

escrita, e explicamos o que significa esse tipo de domínio. Agora iremos abordar a

definição de HQ, os seus elementos típicos, e a sua relação com as modalidades oral e

escrita.

Segundo Mendonça (2002, p. 199, 200), a HQ é “um gênero icônico ou icônico

verbal narrativo cuja progressão temporal se organiza quadro a quadro”. Desse modo, a

história se constitui da relação da imagem com a palavra, numa organização espácio-

temporal, cujas ações são demarcadas por cada quadro da história. As HQ de um modo

geral situam-se no que a autora chama de “constelação de gêneros não-verbais ou

icônico-verbais assemelhados” (p.197), dentre estes gêneros estão os cartuns, as

charges, as caricaturas, as tiras e as próprias HQ. Tais gêneros apresentam não só

aspectos em comum, mas também diferenças entre si. As HQ, por exemplo, compõem-

se de vários quadrinhos com uma sequência narrativa, ao passo que a charge constitui-se

de um único quadro, e as tiras de, no máximo quatro quadros (Mendonça, op.cit.). A

charge normalmente satiriza pessoas ou situações conhecidas publicamente e são

marcadas pela atualidade, enquanto que o cartum é mais atemporal e envolve

acontecimentos e pessoas comuns, sem destaque público (AROEIRA, 2001).

Mendonça (op.cit.) explica que quanto o tipo textual as HQ são do tipo

narrativo, dada a predominância dessa espécie de sequência no gênero, contudo, outras

sequências tipológicas podem aparecer tais como a argumentativa, a injuntiva, a

expositiva, entre outras.

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Ao falar sobre os elementos das HQ, Mendonça (ibidem) aponta os balões, os

quadros e os desenhos, e Nicolau (2008) acrescenta a estes, as onomatopeias e as caixas

de texto com a voz do narrador. Os balões servem de moldura para a fala/pensamento da

personagem. Os quadros, ou vinhetas, funcionam como moldura de um momento da

ação, situando-a no tempo. Eles em geral aparecem na forma retangular ou quadrada.

Segundo McCloud (2005), “o quadro funciona como um tipo de indicador de que o

tempo ou espaço está sendo dividido.” (p.99). Os desenhos aparecem imóveis na

história, mas o leitor os “movimenta” em sua imaginação, a partir da leitura de cada

quadro, dando-lhes vida e movimento, e reconstruindo o fluxo narrativo. As

onomatopeias são componentes verbais de intensa sonoridade e componentes visuais de

intensa expressividade. Apesar de se apresentarem de modo gráfico/pictórico, elas dão a

impressão ao leitor de que ele está ouvindo aquele determinado som. As caixas de texto

indicam a voz do narrador.

Apesar do fácil reconhecimento de uma HQ quanto à identificação dos seus

elementos, elas se constituem em gêneros bastante complexos quanto ao seu

funcionamento discursivo, que demanda do leitor vários tipos de conhecimentos se

quiser interpretá-las adequadamente. O leitor precisa estar consciente, por exemplo, de

como os elementos icônicos se harmonizam com o tamanho das letras e alguns símbolos

para poder reproduzir certos aspectos da fala. Desse modo, se um quadrinhista quiser

apresentar um personagem xingando outro, ele pode lançar mão de palavras em negrito,

ou em caixa alta para expressar a altura da voz, ou pode se utilizar de símbolos como

caveiras, ossos e estrelas, que representam palavrões, para poder comunicar sua ideia

(cf. MONTEIRO, 2003).

Além disto, é fundamental que se compreenda que as HQ são constituídas de

uma dimensão verbal e de uma dimensão não verbal, e que, portanto, ao serem

abordadas na sala de aula de LE, não devem ter nenhuma dessas dimensões

negligenciadas, visto que dialogam harmoniosamente na produção de sentidos

(OLIVEIRA, 2001; MONTEIRO, op.cit.). Hoje, o reconhecimento de que ambas as

semioses são igualmente importantes para a produção de significados é algo

amplamente aceito e defendido pelos estudiosos de quadrinhos, mas, durante algum

tempo, o desenho nos quadrinhos foi relegado a um lugar secundário em detrimento da

narrativa (texto verbal), conforme atesta Groensteen (2004). Entretanto, ao falar sobre a

complexidade desse gênero, e ao pôr em relevo a importância do desenho na sua

composição, o referido autor defende que a representação do desenho “deixaria de estar

em segundo plano nos quadrinhos, em função da história (narrativa) tornando-se uma

escrita singular, a expressão de uma sensibilidade e o resultado de uma habilidade”

(op.cit. p.15).

Para além dos elementos já elencados e das semioses envolvidas na composição

do gênero, McCloud (2005) apresenta as noções de sarjeta e conclusão. A sarjeta (ou

hiato) corresponde ao espaço existente entre os quadros que é preenchido pelo leitor e

que estabelece a relação entre o quadro anterior e o posterior no fluxo narrativo da HQ.

Nesse aspecto, o leitor exerce uma espécie de co-autoria da HQ, pois ele é quem

preenche o que não foi “dito” pelo autor. A conclusão refere-se ao fenômeno de

observação das partes, mas compreensão do todo por parte do leitor. A esse respeito,

observe a tira (fig.1) a seguir:

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http://www.timetravelturtle.com/wp-content/uploads/2011/11/mafalda_nuclear_war.jpg

Fig.1

Ao ler a tira da Mafalda, o leitor pode ter algumas percepções sobre a história

mesmo ela não estando em movimento. Na passagem do segundo para o terceiro

quadro, por exemplo, ele pode “visualizar” os três colegas (Mafalda, Manolito e

Susanita) se digladiando e se ferindo, apesar da imagem apenas mostrar os três estirados

ao chão e a onomatopeia ‘booom!’. Isto é, não há detalhes sobre a brincadeira, nem

sobre o que acontece para que eles venham a cair, mas o leitor pressupõe e preenche

esses espaços (ou hiatos) em sua mente. A conclusão diz respeito exatamente a essa

capacidade de examinar as partes e fazer deduções sobre o todo. Pode-se perceber aqui

a participação do leitor, assumindo uma espécie de co-autoria com a obra, ao preencher-

lhe as sarjetas e atribuir-lhe uma conclusão.

As características e elementos das HQ ilustram o quanto elas estão situadas na

interface oralidade/escrita. Como dito anteriormente, o diálogo espontâneo é

característico da oralidade e tem uma concepção discursiva oral, no entanto, no gênero

HQ (e seus subtipos), seu meio de expressão é o gráfico/ pictórico. Os quadrinhistas têm

que lançar mão de certos elementos gráficos tais como pontos de exclamação, letras em

negrito, tamanho diferenciado de letras, entre outros, para poder expressar o que

acontece numa conversação face a face. No caso da tira, foram utilizados pontos de

exclamação uma onomatopeia para ilustrar a ‘briga’ entre os garotos. Isto é resgatado

pelo quadrinhista de tal forma que o leitor consegue quase “presenciar” o evento,

“ouvindo” os gritos entre os personagens e o “barulho” deles caindo ao chão. O

preenchimento dessas sarjetas e essas conclusões só são possíveis porque o leitor, além

de conhecer as pistas deixadas pelo quadrinhista para a construção da história,

reconhece o que é típico numa briga e consegue relacionar esses elementos mesmo

estando diante de um gênero da escrita.

Sobre o uso dos manuais didáticos na aula de LI

A proposta dos PCN do Ensino Médio (2000) para o ensino de LE é de que ele

seja voltado para o desenvolvimento de competências comunicativas (gramatical,

sociolinguística, discursiva e estratégica) ao invés de um enfoque em normas

gramaticais, que, via de regra, priorizam a modalidade escrita da língua em detrimento

da modalidade oral. Nesse sentido, um trabalho adequado com gêneros orais e escritos é

primordial para auxiliar a desenvolver no aluno tais competências e torná-lo mais

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consciente sobre as diferentes formas de produção textual, inseridas num contexto

histórico-social. Em outras palavras, tal proposta de ensino de LE deve familiarizar o

aluno com os mais diferenciados gêneros de texto, conscientizando-lhe sobre o que é

aceito socialmente e o que não é. E isto não tem tanto a ver com informar-se apenas

sobre a norma culta da língua, mas em que situações comunicativas (e gêneros) essa

norma deve ser mais considerada e em que situações ela não é tão necessária.

Uma das principais ferramentas para o ensino de LE, e, no nosso caso, de LI, é o

livro didático (RAMOS, 2009). Portanto, sendo um instrumento tão utilizado pelos

professores de LI, pressupomos que deve considerar o que preconizam os PCN em sua

proposta teórico-metodológica100

. Ao abordar os gêneros textuais, por exemplo,

acreditamos que o LD necessita mostrar as peculiaridades de determinados gêneros

orais e escritos, explicitando suas diferenças e semelhanças, e relacionando tais

características ao uso da norma culta. Assim, se em sua proposta apresentar o gênero

HQ, pode ressaltar que o uso de abreviações, gírias e repetições é perfeitamente

aceitável porque, apesar de ser um gênero típico da modalidade escrita, reproduz

aspectos da fala e, por conseguinte, permite um uso mais informal da língua.

Tais aspectos foram levados em consideração ao refletirmos sobre as atividades

propostas para o trabalho com quadrinhos nas duas coleções de LD analisadas. A seguir,

apresentamos uma breve descrição das coleções.

4. Sobre as coleções

A coleção RADIX, da Editora Scipione, é composta por uma pasta pedagógica e

4 volumes de livros (com seus respectivos CDs), um para cada ano do 3º e 4º ciclos do

Ensino Fundamental II. Cada volume da coleção abre com uma unidade chamada All on

board, que, segundo as autoras da coleção, Elizabeth Young Chin e Maria Lúcia Zarob

(2013), “dá as boas-vindas aos alunos a mais um ano de aprendizagem” (p.46)101

. Os

livros são compostos por oito módulos. Cada módulo do 3º ciclo (volumes 1 e 2) possui

duas unidades de trabalho que compreendem as seguintes seções: Get in the mood,

Presentation, Language Work and Skills Work. A cada duas unidades, há o acréscimo

da seção intitulada Review, com o objetivo de revisar as unidades, e perfaz um total de

oito revisões em todo o livro. Ao final de cada volume há ainda as seguintes seções: The

8 Millenium Developing Goals, Surfing the web e Extra activity. O projeto Surfing the

web visa utilizar o computador como um instrumento de ampliação do currículo do

aluno e de impulsionamento do desenvolvimento de suas competências e habilidades.

No volume destinado ao 9º ano, esta seção está inteiramente dedicada à criação de uma

tirinha, pelo que será objeto de nosso estudo nesta pesquisa.

Os módulos do 4º ciclo têm o mesmo tipo de estrutura dos módulos do 3º ciclo

com a diferença de que apresenta 12 unidades de trabalho e apenas 6 revisões. Algumas

unidades apresentam uma seção com o nome de Project, que visa instigar os aprendizes

100

Não é nossa intenção aqui discutir as vantagens e desvantagens do uso do LD na aula de LI, mas

apenas fazer algumas reflexões sobre sua abordagem ao gênero textual HQ. Para um estudo sobre os

papéis do LD no ensino de LI sugerimos a leitura do artigo de Ramos (2009) intitulado O livro didático

de língua inglesa para o ensino médio: papéis, avaliação e potencialidades. 101

Essas instruções sobre a organização do livro e os objetivos de cada seção encontram-se na pasta

pedagógica da coleção RADIX.

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a partilharem o que aprenderam em sala com o mundo exterior e a trazerem para dentro

dela os conhecimentos adquiridos lá fora. Em cada unidade, situados em diferentes

lugares ao longo dos volumes, existe um boxe chamado Cool, que consiste de atividades

curtas e lúdicas para o aluno realizar ou de curiosidades sobre a linguagem ou cultura de

diferentes povos, com o intuito de criar um momento de descontração na aula e ainda

contribuir para o desenvolvimento da habilidade de leitura. É nesta seção que se

encontra a maioria dos cartuns e tiras da coleção pelo que também constituirá parte do

corpus de nossa análise.

A coleção On stage, de autoria de Amadeu Marques (2011), Editora Ática, é

composta por três volumes e está destinada aos estudantes do Ensino Médio. Os dois

primeiros volumes possuem quatro partes temáticas, cada uma composta por quatro

unidades (intituladas Units) intercaladas por testes, que incluem questões dos exames de

acesso ao Ensino Superior. Esses volumes, segundo o autor (op,cit. p.2), “cobrem todo o

conteúdo programático das estruturas gramaticais da língua inglesa” 102

. O terceiro livro

se diferencia um pouco dos demais porque não aborda conteúdos gramaticais, mas

apresenta uma grande quantidade de gêneros textuais com o objetivo de enfocar a

prática de leitura. Ao longo dos três volumes aparecem cartuns e tiras, mas apenas no

volume 2 tem uma unidade totalmente destinada ao trabalho com o gênero HQ. Esta

unidade, portanto, será o objeto maior da nossa análise.

5. Enquadrando os quadrinhos no livro didático de LE

Devido ao grande número de atividades com HQ em ambas as coleções, fizemos

um recorte das que consideramos mais representativas da proposta pedagógica de cada

livro e mais relevantes para o objetivo desta pesquisa.

A primeira atividade de HQ que gostaríamos de destacar encontra-se na unidade

7 do segundo volume de RADIX (7º ano). Essa unidade aborda a importância dos

hábitos de estudo para o desempenho escolar. Observemos a tira a seguir:

CHIN, E. Y. & ZAROB, M. L. Radix (7º ano). São Paulo: Scipione, 2013, p.67.

Fig. 2

102

MARQUES, Amadeu. On Stage 1 (Manual do professor). São Paulo: Ática, 2011. O manual do

professor vem ao final do livro do professor com os pressupostos teóricos norteadores da coleção e com

as traduções de alguns textos do livro.

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As autoras perguntam se o aluno tem um perfil de estudante mais parecido com

o de Marcie ou o de Patricia (tradução nossa) 103

. Para responder a esta pergunta o

estudante precisa perceber que o ambiente em que as personagens estão inseridas é uma

sala de aula (pelo posicionamento das carteiras, o quadro negro etc.), e que a situação é

um pedido de cola na realização de uma prova, pois Patricia (em tom de sussurro) pede

que Marcie responda rapidamente se a primeira questão é verdadeira ou falsa. Patricia

se surpreende com a segurança da colega ao dar a resposta e questiona como ela pode

ter tanta certeza assim. Marcie justifica sua certeza quanto à resposta porque fez as

atividades de casa e estudou para a prova. Patricia se admira da atitude da colega e

responde “Wow!”. Nesta atividade, os alunos são estimulados a perceber os hábitos de

estudos das personagens e compará-los com os seus, relacionando a leitura à sua prática

social, em consonância com o que preconizam os PCN e com a proposta pedagógica da

coleção, porém, os elementos típicos da HQ, que poderiam enriquecer a leitura, não são

explorados. Aspectos da fala tais como “Depressa, Marcie104

”, no primeiro quadro,

poderiam ser evidenciados como característicos da conversação espontânea, mas que

estão presentes no texto escrito pela natureza do gênero HQ.

Aqui não houve exploração do gênero em si, nem da interface oralidade/escrita,

mas procurou-se abordar compreensão textual através do estudo vocabular e da

recuperação do tema da unidade. Esse resgate do tema através das HQ é recorrente em

quase todas as lições da coleção e faz parte da sua proposta pedagógica, entretanto,

algumas atividades também focaram aspectos outros tais como as duas semioses

envolvidas no gênero.

Na unidade 11 do volume do 6º ano, aparece um cartum (fig.3), que, conforme

Chin & Zarob (2013), tem a finalidade de introduzir o humor para o tema da unidade

que é sobre a matéria escolar favorita do aluno 105

e explorar as duas semioses do

gênero. Segundo elas, as questões levam o aluno “a perceber a relação entre as

linguagens visual e verbal nos quadrinhos, como ele pode usar uma para entender a

outra e, consequentemente, o quadro todo” (op.cit. p.103).

CHIN, E. Y. & ZAROB, M. L. Radix (6º ano). São Paulo: Scipione, 2013, p.103.

Fig.3

A primeira questão pede que, após a leitura, o aluno identifique a matéria escolar

abordada no cartum (Inglês, Educação Física ou Ciências). A segunda pede que o aluno

103

No original: “Are you more like Marcie or Patricia?” 104

No original: Quick, Marcie. 105

No original: “What’s your favorite subject?”

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discuta com os colegas o que o ajudou a compreender o quadrinho (se o desenho, o

balão de fala ou os dois) e se ele considerou o quadrinho engraçado e por que. Aqui já

pode se observar um avanço na abordagem ao gênero HQ quanto aos seus elementos,

pois foram postas em relevo as duas dimensões típicas do gênero e o fato de que o balão

representa a fala das personagens.

No último volume, encontramos uma seção, intitulada Surfing on the web

(p.156), inteiramente dedicada à elaboração de uma HQ. Aqui, verifica-se a proposta de

elaborar uma tira ou HQ completa a partir de ferramentas da internet enfocando o tema

da unidade 11 do mesmo volume, com o objetivo de expressar os sentimentos do

estudante sobre certas questões típicas da adolescência. Primeiramente, as autoras falam

sobre a importância da internet como ferramenta de aprendizagem. Em segundo lugar,

elas apresentam o objetivo do projeto, que é a criação de uma HQ, e definem o que vem

a ser este gênero. Segundo elas (op. cit., p.156), “Uma tirinha é uma sequência de

desenhos que conta uma história com ou sem o auxílio de palavras em balões ou

quadros. Ela pode ser humorística ou não” – (Tradução nossa)106

. Somente neste

último volume aparece a concepção de HQ adotada pela coleção. Em seguida, elas dão

as orientações para a elaboração do gênero: divisão dos grupos, escolha do tema, estudo

do gênero em questão, criação da tira a partir de uma website, publicação e auto-

avaliação em todo o processo.

Este projeto de fato pressupõe um trabalho mais adequado com o gênero HQ,

pois apresenta e define alguns de seus elementos típicos (quadro, personagem,

onomatopeias, objetos, formas e balões) e apresenta os balões como representativos da

fala, como pode ser observado na fig. 4. As noções de tempo, hiato e conclusão não são

mencionadas, mas já há um avanço no trabalho com este gênero.

CHIN, E. Y. & ZAROB, M. L. Radix (9º ano). São Paulo: Scipione, 2013, p.157.

Fig.4

As autoras recomendam que se explorem as características da linguagem das

HQ, mas não há menção a que tipo de linguagem seria essa: se mais objetiva, ou mais

elaborada, se mais próxima da fala ou da escrita. Fica o espaço para o professor levar

seu aluno a perceber que tipo de linguagem é mais apropriado neste gênero através da

observação minuciosa da HQ. Ao explorar a linguagem peculiar das HQ, o professor

pode enfatizar o emprego de elementos típicos da oralidade neste gênero escrito. No

106

No original: “A comic strip is a sequence of drawings that tells a story with or without the help of

words in balloons and captions. It can be humorous or not”.

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caso da tira da fig.5, o professor pode mostrar o uso do Hey, por exemplo, que é

informal e utilizado na interação face a face, mas é perfeitamente aceitável numa HQ

uma vez que está retratando uma conversação espontânea. Pode ainda mostrar que o Ha

ha foi utilizado para expressar o riso da personagem, entre outros.

Na coleção On Stage, a primeira parte temática do livro 1 aborda a relação do

homem com a natureza e, portanto, trata de assuntos relacionados à poluição,

aquecimento global, desmatamento etc. O primeiro cartum do volume (fig.5) aparece na

seção In a few words (p.23) da unidade 1 com o objetivo de resgatar o tema da lição,

aquecimento global, e trabalhar compreensão textual.

MARQUES, Amadeu. On Stage 1. São Paulo: Editora Ática, 2011, p.23.

Fig.5

O exercício referente a esse cartum requer que o aluno assinale a alternativa

correta e compreende três questões feitas em língua portuguesa. São elas: “O problema

que preocupa a pessoa que fala é”, “O homem acha que esse problema” e “Como

consequências dos efeitos desse problema”. Para responder às primeiras perguntas da

atividade, o estudante precisa compreender apenas a linguagem verbal do texto, mas

para responder à última, a linguagem não verbal também é necessária. As características

típicas do gênero bem como a sua inserção na interface oralidade/escrita não são

mencionadas talvez por ser uma coleção destinada ao Ensino Médio e que visa

primordialmente preparar o estudante para realizar exames de ingresso no Ensino

Superior. As atividades com as HQ, portanto, concentram-se em revisar itens

gramaticais, testar vocabulário, levar o aluno a realizar inferências e trabalhar

compreensão geral e detalhada.

Entretanto, há algumas atividades em que as duas semioses típicas do gênero são

consideradas. É o caso da quarta parte temática do volume 2 em que o autor irá enfocar

magia e ficção. O capítulo 13 abre essa sessão e está todo voltado para as HQ de Calvin

& Hobbes. Logo no início da lição, há uma HQ da dupla e uma pequena introdução

mostrando o quanto essas personagens são populares e difundidas e suas histórias são

queridas pelos leitores.

Como atividade de pré-leitura, o autor faz questionamentos sobre quem são as

personagens, o conhecimento prévio do estudante sobre elas etc. Entretanto, tais

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perguntas já foram em parte respondidas na página anterior, o que impossibilitaria uma

real resposta do aluno. Em seguida, uma HQ sobre um dia na rotina de Calvin é

apresentada logo após a atividade de pré-leitura. São feitas perguntas objetivas ora com

o propósito de identificar a ideia ‘principal’ do texto ora com o objetivo de levar o aluno

a identificar alguma ideia pontual na HQ.

Depois são realizadas várias atividades de vocabulário, inclusive muito

importantes para a compreensão leitora, mas que não são do escopo deste trabalho. Há

atividades que requerem a busca por informação específica, exercícios estruturais, i.e.

discurso indireto, imperativo, mas nenhuma atividade trabalha a HQ enquanto gênero.

A visão de leitura como decodificação em alguns momentos é bastante perceptível,

embora na proposta pedagógica seja ressaltado que não. Os elementos das HQ não são

evidenciados e a relação fala/escrita não é considerada.

A última HQ que aparece nesta unidade, na seção In a few words, poderia

ilustrar muito bem a relação fala/escrita típica do gênero. Há dois gêneros escritos com

características da fala numa única HQ (fig.6).

MARQUES, Amadeu. On Stage 2. São Paulo: Editora Ática, 2011, p.173.

Fig.6

O texto aborda o fato de Calvin estar escrevendo um cartão para sua mãe

desejando-lhe uma pronta convalescência. Assim como a HQ, um cartão desse tipo

permite uma linguagem mais informal e um cumprimento mais espontâneo, apesar de

serem gêneros da modalidade escrita. O professor pode usar esse texto para explorar

usos da língua, a relação fala/escrita, além de abordar as questões de interpretação

textual propriamente ditas.

Entretanto, o que se observa na coleção é que as perguntas de resgate seguem

por quase todas as atividades envolvendo os cartuns e tiras do livro, sem considerar as

suas características típicas, embora na proposta pedagógica seja mencionado um

trabalho adequado com os diferentes gêneros propostos. Obviamente, muitas das

atividades apresentadas contribuem para a formação do aprendiz-leitor de LE que

pretende prestar exame de ingresso para o ensino superior, mas deixa lacunas no que

concerne a uma proposta de estudo dos diversos gêneros, pois aborda quase todos da

mesma forma independentemente de suas especificidades.

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5. Considerações Finais

As sociedades mudam e com elas as maneiras de pensar, agir e significar.

Paradigmas e tabus são quebrados a cada momento da história. Aquilo que era prestígio

ontem, hoje é relativizado, tal como acontece com a escrita (que historicamente sempre

teve supremacia sobre a fala), e o que era negligenciado no passado, agora é posto em

relevo. O texto que era considerado apenas de entretenimento há algum tempo atrás, a

exemplo da HQ, hoje é objeto de estudo de inúmeras pesquisas científicas, por sua

complexidade, beleza e riqueza de elementos. Nas palavras de Pretti (2004:19): “novas

maneiras de dizer se constituíram” porque “se alteraram profundamente os critérios de

aceitabilidade social da linguagem”.

Considerando essas rupturas de paradigmas nos estudos da linguagem,

resultando na valorização da fala como objeto de ensino-aprendizagem na aula de LE,

objetivamos com esta pesquisa investigar se e como livros didáticos de LI estão

contemplando a relação fala/escrita em suas propostas de atividades aos gêneros, e, mais

especificamente ao gênero HQ, que tem sido tão amplamente investigado em nossos

dias.

Com a investigação, observamos que as atividades em geral propostas pela

coleção RADIX concentram-se em requerer que o aluno identifique o tema abordado

pela HQ, debater suas respostas em classe e mostrar as implicações sociais dos temas

abordados. Em alguns momentos, verifica-se uma orientação para uma boa exploração

dos desenhos e sua relação com o verbal e um incentivo à percepção de como o humor é

configurado no gênero. Porém, a questão da identificação da modalidade oral presente

em um gênero da escrita só é rapidamente explorada na última atividade com HQ no

último volume da coleção.

Considerando a coleção On Stage, observamos que, embora na sua proposta

pedagógica, haja a menção a um trabalho com gêneros, os elementos típicos deles em

geral não são explorados (com algumas exceções), mas apenas são realizadas atividades

de compreensão textual com o mesmo tipo de abordagem aos textos independentemente

do gênero utilizado. Observamos que talvez isto se deva ao fato de ser uma coleção

destinada a quem vai prestar exames de ingresso no ensino superior, mas, acreditamos

que, mesmo assim, um trabalho adequado com os gêneros poderia ajudar na formação

de aprendizes mais conscientes do que acontece no conjunto das práticas sociais.

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REPRESENTAÇÕES DE IDOSOS VEICULADAS NOS MAMUAIS DE FRANCÊS

LÍNGUA ESTRANGEIRA

Maria Auxiliadora de A. V. Filha

(CESREI)107

Rosiane Xypas (UFCG)108

RESUMO: O ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras pode feito em todas as

idades. As representações da aprendizagem de línguas estrangeiras em crianças,

adolescentes, jovens e adultos têm sido enfoque de diversos estudos sobre o tema.

Contudo, as representações do ensino/aprendizagem no que concerne o idoso são bem

mais raras. Sendo o manual um dos suportes didáticos mais utilizados para se trabalhar

as competências socioculturais, o presente trabalho pretende analisar as imagens do

idoso nos manuais didáticos de Francês Língua Estrangeira (FLE). Sabe-se que a

sociedade francesa é composta por mais de 45% por idosos, as imagens dos mesmos

quase não são encontradas nos manuais. Por isso questionamos: quais representações do

idoso veiculadas nos manuais de Francês como língua estrangeira? Será que o idoso

francês está bem inserido na sua sociedade e tem relação com a aprendizagem? Será que

ele interage nos espaços sociais de forma participativa? Para responder a estes

questionamentos realizamos uma pesquisa de cunho quantitativo e qualitativo com um

corpus composto por manuais dos anos 80, 90, 2000 até 2012. Ora, para nossa surpresa

o idoso não é representado nos manuais dos anos 80 nem nos anos 90. Ele aparece

significativamente em 2007, depois há uma leve decaída e reaparece nos dias de hoje.

Os nossos resultados sugerem que as representações dos idosos indicam a inserção de

modo ativo desta camada da população. Em outras palavras, indicam um

envelhecimento saudável, com oportunidades de aprendizagem, crescimento e

realização no âmbito social no qual estão inseridos. Esta pesquisa de cunho qualitativo

apresenta resultados à luz de teóricos tais como Bauer (2012), Volli (2012),

Jodelet(1984) entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Francês Língua Estrangeira; Idoso; Manuais Didáticos,

Representações

1. Introdução

Sabemos que o número de idosos cresce mais e mais e as imagens que os

representam vêm se modificando com o passar dos anos. Na França, esse cenário não é

diferente, por exemplo. Mais de 45% da população francesa são do grupo da melhor

idade. E o que essa realidade representa? Que cada vez mais novos espaços necessitam

ser pensados para que esse público possa ter, além dos cuidados necessários nesta fase

107

Professora de Comunicação da CESREIS, E-mail: [email protected] e pesquisadora do

Grupo de Pesquisa Didática de Línguas Estrangeiras: Teorias, culturas e representações – DILES, Cnpq –

UFCG. 108Professora, Doutora, Unidade Acadêmica de Letras, UFCG, Campina Grande, PB, E-mail:

[email protected].

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da vida, novas oportunidades de convivência, experiência e aprendizado. Tendo em

vista que muitos dos aspectos da sociedade e das pessoas que a compõem através das

imagens, perpassam pelos manuais didáticos, pensamos ser importante verificar como

esse público é representado nos manuais de Francês Língua Estrangeira (doravante

FLE), já que estes são direcionados para estudantes de diversos países ao redor do

mundo. Questionamos: como se dá as representações do idoso nos manuais de francês

como língua estrangeira? Será que o idoso francês está bem inserido na sua sociedade e

tem certa relação com aprendizagem e o lazer, motivando-o a viver de forma

participativa, interagindo nos espaços sociais, construindo caminhos para um

envelhecimento saudável?

Observamos que o ensino de línguas estrangeiras pode ser feito em todas as

idades. As representações da aprendizagem de línguas estrangeiras em crianças,

adolescentes e adultos têm sido enfoque de diversos estudos sobre o tema. Contudo, as

representações do ensino/aprendizagem no que concerne ao idoso ainda são pouco

estudadas por profissionais do âmbito das linguagens. Assim, justificamos nossa

escolha por essa temática.

Sabemos que o manual é um dos suportes didáticos mais utilizados para se

trabalhar as competências socioculturais. Sendo assim, pretendemos com o presente

trabalho analisar as imagens do idoso nos manuais didáticos de Francês Língua

Estrangeira (FLE). Tendo em vista que, as imagens quando valorizadas, são aberturas

para diversas possibilidades de leituras e de interpretações, não devemos desconsiderar

àquelas apresentadas nos manuais. Se aguçarmos nosso olhar, perceberemos que elas

nos instigam a fazermos referências, inferências a algo que está explícito, como

também, ao que muitas vezes, está implícito. Elas sempre estão representando pessoas,

fatos, acontecimentos que significam socialmente.

Realizamos uma pesquisa em manuais dos anos 80 até 2012 com o intuito de

verificar se as representações do idoso francês na atualidade estão relacionadas com

aspectos negativos associados à velhice como doença, inutilidade e ausência social ou

não. Será que as imagens do idoso francês nos referidos manuais representam

integração ou ausência social dessa camada da população?

2. Fundamentação teórica

Uma das primeiras reflexões a respeito das imagens dos idosos, encontramos em

Ariès (2011) quando ele apresenta seu estudo sobre as idades da vida. Ele assinala que,

em geral, antes do século XVIII, o ancião era considerado ridículo. Ou seja, a França

antiga não respeitava a velhice. Essa fase da vida era considerada a idade do

recolhimento, dos livros, da devoção e da caduquice. A imagem do homem integral nos

séculos XVI-XVII era a de um homem jovem. Podemos afirmar de acordo com o

estudioso que o século XVII se reconhecia na juventude, o século XIX na infância e o

século XX na adolescência.

Ainda segundo o autor, na atualidade a velhice desapareceu do francês falado,

onde a expressão vieux subsiste com sentido de gíria, pejorativo ou protetor. Essa

mudança se deu em dois momentos. Inicialmente houve o ancião respeitável, o ancestral

de cabelos de prata, o patriarca de experiência preciosa. E em um segundo momento, o

ancião desapareceu e foi substituído pelo “homem de uma certa idade” e por “senhores

e senhoras muito bem conservados”. Trata-se de uma noção burguesa que tende a se

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popularizar. Aos poucos, afirma o estudioso, a ideia tecnológica de conservação vai

substitui a ideia ao mesmo tempo biológica e moral da velhice.

Debert (2012) assinala que a partir da segunda metade do século XIX, a velhice

era percebida como uma etapa da vida caracterizada pela decadência física e ausência

de papéis sociais. Já na contemporaneidade a tendência é rever os estereótipos

associados ao envelhecimento. Ou seja, a ideia de um processo de perdas vem sendo

substituída pela “consideração de que os estágios mais avançados da vida são os

melhores momentos para realizações de projetos abandonados em outras etapas da vida

e estabelecer relações mais profícuas com o mundo dos mais jovens e dos mais velhos”.

De certa maneira, a autora está concordando com as reflexões de Ariès (1884, p.?????)

A nova imagem do idoso, de acordo com a antropóloga, não oferece

instrumentos capazes de enfrentar a decadência em habilidades cognitivas e os controles

físicos e emocionais que são fundamentais na nossa sociedade. Dito de outra maneira,

nas representações atuais da velhice há um silenciamento dos problemas e dificuldades

referentes a essa fase da vida.

Pensando no contexto francês, Guillemard (1986, apud DEBERT 2012) ressalta

que a sensibilidade no que diz respeito ao idoso perpassa por três grandes conjuntos de

transformações, entre1945 aos dias atuais. A autora defende que entre de 1945 a 1960 a

velhice é associada à situação de pobreza. Nesse período há uma discussão sobre os

meios de subsistência dos trabalhadores idosos e além da aposentadoria eles passam a

ter outras formas de assistência. Entre 1959 e 1967, a velhice passa a ser associada à

ideia de solidão e marginalidade. As condições de vida dessa camada da população

francesa são enfatizadas e novas práticas são pensadas e realizadas, como por exemplo,

o lazer, as férias e os serviços especializados para os aposentados, fazendo assim, do

modo de vida, o campo privilegiado de intervenção. Em seguida tem-se o terceiro

período que é caracterizado pela ideia de pré-aposentadoria. Assim há uma revisão da

idade cronológica própria à aposentadoria. A nova sensibilidade em relação à velhice é

justamente percebê-la como o momento em que o trabalho é ilegítimo. Podemos

observar nas reflexões acima que a imagem da velhice vem mudando à medida que a

sociedade vai se transformando. Outrora, a imagem do idoso é relacionada a

estereótipos estigmatizados. Na atualidade, esses estereótipos estão cada vez mais sendo

repensados e transformados pela ideia da saúde e juventude eterna, projeções e

realizações sociais.

Segundo Jodelet (1984) essa designação “representação social” foi retomada por

Moscovici no início dos anos 60, mas é um conceito que já havia sido pensado por

Durkheim. Trata-se de uma noção oriunda da Psicologia Social. Ela nos dá uma

definição geral do seja representação:

« O Conceito de representação social designa uma forma de

conhecimento específico, o saber do senso comum, no qual os

conteúdos manifestam a operação dos processos generativos e

funcionais socialemente marcados. Mais largamente, ele deseigna uma

foram de pensamento social (JODELET, 2012, p.361)109

».

109

« Le concept de représentation sociale designe une forme de connaissance spécifique, le savoir de sens

commun, dont les contenus manifestent l’opération de processus génératifs et fonctionnels socialment

marqués. Plus largement, Il designe une forma de pensée sociale. » (Jodelet, 1984, p.361).

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Podemos afirmar de acordo com autora que, a representação social diz respeito a

imagens que condensam um conjunto de significações, sistema de referência que nos

permitem interpretar o que nos chega.

Após, mencionar alguns dados de pesquisas realizadas no campo das

representações, a estudiosa apresenta duas constatações que podem definir a

representação social:

“De um lado, a representação social é definida por um conteúdo:

informações, imagens,, opiniões, atitudes etc. Este conteúdo se volta

para um objeto : um trabalho a fazer, um evento econômico, um

personagem social etc. Por outro, a reprsentação social de um sujeito.

A representação é pois a tributária que os sujeitos ocupam na

sociedade, na cultura etc.” 110

Ou seja, é importante refletir sobre as significações que permeiam as imagens

nos manuais de FLE. Estas não se encontraram no livro didático aleatoriamente, sem

um motivo específico, elas não representam sem uma intencionalidade. De um lado,

pode ser definida por um conteúdo de informações como imagens, por exemplo. E por

outro lado, a representação social de um sujeito. No caso do nosso trabalho, as imagens

estudadas nos manuais concernem às representações do sujeito idoso percebido pela

sociedade francesa.

Entendemos por meio do texto da referida autora que a representação social diz

respeito a um conhecimento de mundo, construído, reconstruído e partilhado

socialmente.

Volli (2012) no seu livro Manual de Semiótica já no seu segundo capítulo

assinala que os significados que são aceitos por uma determinada sociedade variam com

o tempo. Pensamos que as representações também assim acontecem nos seus processos

de construção e reconstrução. A infância não é representada hoje, por exemplo, igual era

no passado. Assim, as representações da velhice se modificam conforme as mudanças

socioculturais e econômicas que vão acontecendo ao longo do tempo nas sociedades.

O teórico reflete de forma didática sobre a relação entre significante e

significado esclarecendo que a mesma algumas vezes “aparece simples, direta, bem

delimitada” e aí é possível falarmos em denotação de um signo. Esclarece ainda que

outras vezes “o significante é utilizado para evocar significados mais amplos e vagos”.

Trata-se do ele que nomeia de “halo semântico” e que tradicionalmente é traduzido por

conotação. (VOLLI, 2012, p.49). Ou seja, esta última, nos dá inúmeras possibilidades

de significações, interpretações e sentidos. Enquanto aquela nos indica de forma direta e

objetiva o significado básico, geral de um signo verbal ou visual.

Quando nos deparamos com uma imagem logo percebemos do que se trata: uma

pintura, um desenho, uma fotografia etc. Ela nos indica um lugar, uma pessoa, um fato

conhecido ou desconhecido. Essa indicação servirá para darmos voos mais altos nas

110 D’un côté, la représentation sociale est définie par un contenu: informations, images, opinions,

attitudes,etc. Ce contenu se rapporte à un objet: um travail à faire, um événement écoconomique, um

personnage social, etc. D’un autre côté, la répresentation sociale d’un sujet (individu, famille, groupe,

classe...) en rapport avec un autre sujet. La representation est donc tributaire de la position que les sujets

occupant dans la societé, l’économie, la culture. (JODELET, 1984, p.362)

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nossas interpretações a depender do nosso conhecimento de mundo, do acesso aos bens

educacionais e culturais.

Bauer e Gaskell (2012) tratando da análise semiótica de imagens paradas

ressaltam que linguagem e imagens são diferentes. A imagem é sempre polissêmica ou

ambígua e é por isso que a maioria está sempre acompanhada de algum tipo de texto.

Este tira a ambiguidade da imagem. Esta relação, segundo os autores, Barthes (1964a:

11) denomina de ancoragem, em contraste com a relação mais recíproca de

revezamento, onde tanto imagens como texto contribuem para o sentido completo.

Outra diferença importante é que tanto na linguagem escrita quanto falada, os signos

surgem sequencialmente. Enquanto que nas imagens os signos se fazem presentes

simultaneamente. Conforme os teóricos, Barthes ainda apresenta dois diferentes níveis

de significação. O denotativo, também chamado de primeiro nível. Nesse nível, que é

literal, ou motivado o leitor necessita para ler apenas conhecimentos linguísticos e

antropológicos. E os níveis mais altos ou de segunda ordem, são mais arbitrários e

dependentes de convenções culturais. É o que o teórico denomina de conotação. As

colocações acima realizadas sobre os níveis de significação dialogam com o que

ressaltou Volli (2012) sobre a relação entre significado e significante mencionada

anteriormente.

3. Uma abordagem quantitativa e qualitativa

Esta pesquisa nasce, fomentada a partir de discussões que aconteceram nos meses de

maio e junho sobre as representações construídas via imagens, realizadas pelo Grupo de

Pesquisa Didáticas de Línguas Estrangeiras do qual fazemos parte. Percebemos a

necessidade de realizarmos um estudo sobre as representações de idosos franceses nos

manuais de FLE tendo em vista que as representações da aprendizagem de línguas

estrangeiras em crianças, adolescentes e adultos têm sido enfoque de diversas pesquisas.

No entanto, quase não encontramos estudos com as representações do

ensino/aprendizagem no que diz respeito ao idoso.

Para realizarmos esta pesquisa, observamos um corpus constituído por manuais de

FLE dos anos 80, 90, 2000 até 2012. É interessante esclarecer que priorizamos as

fotografias por terem estas uma relação direta e mais “concreta” com o imaginário

ocidental. Constatamos que o idoso não é representado nos manuais dos anos 80, nem

dos anos 90. Ele aparece significativamente em 2007 no manual didático Alors.

Observamos que depois de 2007, há uma leve decaída. Contudo, ele reaparece nos dias

de hoje nos manuais de FLE. As análises qualitativas se fundamental no que Volli

(2012, p.49) denomina de denotação e conotação e nas reflexões de Jodelet (1984)

sobre a noção de representação social.

4. As imagens e suas representações

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Figura 1: Unidade 3 do livro didático ALORS

Fonte: (ALORS, 2007)

Na imagem acima, logo no primeiro momento quando lançamos o nosso olhar,

observamos que a cor verde do jardim toma toda a imagem contrastando com a cor azul,

presente na vestimenta das pessoas que a compõe. Na nossa percepção, denota uma

conversa no jardim entre vizinhos, uma situação cotidiana. Se aguçarmos nosso olhar, é

possível verificar que cada um se encontra do lado das suas respectivas residências que

se encontram separadas por plantas. A conversa é entre um idoso e uma mulher adulta.

Ele nos parece em plena atividade, faz uso de um avental por cima da vestimenta, um

chapéu provavelmente para se proteger do sol, e segura uma ferramenta utilizada na

prática de jardinagem, muito comum na França. Entendemos que esta imagem

representa um idoso não com os estigmas da velhice que conhecemos, mas um idoso

saudável, que cuida da sua casa, que tem contato com as pessoas que o cercam e tem

uma vida ativa

Figura 2: Unidade 5 do livro didático ALORS

Fonte: (ALORS, 2007)

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Na segunda imagem analisada percebemos um grupo de pessoas, entre elas,

idosas, que se encontram ao redor de uma mesa, ao que nos parece, praticando pintura.

Podemos observar que quatro adultos estão vestindo blusas na cor laranja em uma

tonalidade bem forte. O homem que está de costas se destaca. Não é à toa. A escrita

“Unis Cité – Génération Volontaire” (Unidos Cidade – Geração de Voluntários),

estampada na sua camisa, conota uma informação considerada importante que precisa

ser repassada para os leitores dessa imagem.

Verificamos que o ponto da letra i de “unis” foi substituído por uma estrela, que

as duas primeiras palavras estão em negrito enquanto as últimas estão na cor preta sem

destaque. Notamos também que, apesar da informação ser curta, traz três fontes de

letras, o que chama a atenção para o leitor que se depara com a imagem. As mulheres

idosas estão tranquilas, sentadas, pintando. Provavelmente estão sendo acompanhadas,

auxiliadas no exercício da pintura. Que representação do idoso nos traz essa imagem?

Compreendemos que aqui se tem representações de uma sociedade que se preocupa,

valoriza e proporciona ao seu idoso oportunidades de aprendizagem no que diz respeito

à prática de artes. Essa sociedade é tão sensibilizada e consciente com a questão da

velhice que até voluntários colaboram com a sua assistência. Em outras palavras, a

imagem nos apresenta um idoso respeitado e com acesso aos bens sociais.

Figura 3: Unidade 6 do livro didático ALORS

Fonte: (ALORS, 2007)

A terceira imagem denota um lindo dia de verão e um possível casal no jardim.

Enquanto ele pratica jardinagem com disposição, ela o observa tranquila, descontraída,

bem vestida enquanto toma uma bebida refrescante. Trata-se de imagem muito

agradável de ver. A cor verde das árvores, grama e plantas contrastam com o branco e o

tom neutro acinzentado das vestimentas, da cadeira e o do jarro de chão do lado direito

da imagem. A conotação é de um casal que está de bem com a vida, são saudáveis,

moram com qualidade, não dependem de ninguém, geram as suas vidas. Nesta imagem,

assim como nas anteriores, não encontramos os estereótipos estigmatizados associados à

velhice. Muito pelo contrário, as representações são de idosos que demarcam seu espaço

na sociedade, sentem prazer e aproveitam essa fase da vida da melhor maneira possível.

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Figura 4: Unidade 7 do livro didático ALORS

Fonte: (ALORS, 2009)

A quarta e última imagem consideramos ser muito interessante. Logo quando

olhamos percebemos um casal de idosos em meio à cor cinza e branca que estão

ressaltadas ao fundo da imagem, nos cabelos do casal, na camisa do idoso, nos ícones

que se encontram acima das suas cabeças e representam o uso da internet. O casal

sugere estar nas nuvens, inteirados com o mundo. Eles estão juntinhos e denotam

felicidade de frente a um notebook de uma marca muito conceituada no mercado

internacional. Não é qualquer notebook que eles utilizam. É um notebook da Apple. No

canto esquerdo, por traz do casal, observamos o corpo de uma jovem com vestimenta

azul e vermelha e abaixo um pedaço de papel com letras digitadas indicando o uso do

computador. O rosto da jovem não aparece. Dessa forma, entendemos que o foco dessa

imagem são mesmo os idosos. Eles não dependem dela para fazer uso do computador.

Eles são independentes e se conectam sem ajuda de ninguém. As representações do

idoso nessa fotografia são de acessibilidade à tecnologia, de participação das mudanças

socioculturais, de prazer e realizações na etapa da vida em que se encontram.

Considerações finais

Após a realização das nossas análises podemos afirmar que no manual estudado

as representações do idoso francês não reflete ausência social, adoecimento, inutilidade

e confinamento como antigamente. Percebemos que essa camada da população está

muito bem inserida nos espaços sociais. A velhice na França não é esquecida e nem

negligenciada. Ao contrário, é percebida, valorizada e assistida. O idoso tem acesso aos

bens sociais, artísticos, culturais e educacionais.

As imagens apresentadas no Alors suscintam a inserção de modo ativo desta

população em dois aspectos importantes: os aspectos socioculturais, como o trabalho

com jardinagem e a presença de pessoas mais jovens para assisti-los em suas atividades.

O outro aspecto é, justamente, o estímulo à relação com o saber como a

aprendizagem de pintura, a utilização do computador, o acesso às inovações

tecnológicas. Essas representações indicam que os idosos franceses envelhecem com

dignidade, se sentindo saudáveis, uteis, ativos, integrados na sua sociedade.

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Essas representações sugerem um envelhecimento saudável e a relação com o

saber, são tidas pelos estudiosos como fundamentais para que esse público continue

tendo oportunidades de aprendizado, crescimento e realização nos seus espaços sociais.

Referências bibliográficas

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução de Dora

Flaksman. 2. ed. [Reimpr.]. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e

som – Um manual Prático, (Trad. De Pedrinho A. Guareschi), 10a. Edição, Petrópolis,

Editora Vozes, 2012.

CYR, Paul. Les stratégies d’apprentissages. Paris: CLE – International, 1998.

DEBERT, Guita Grin. A Reinvenção da Velhice: Socialização e Processos de

Reprivatização do Envelhecimento. 1 ed. 2 reimp. São Paulo: Editora da USP: Fapesp,

2012.

JODELET, Denise. Représentation Saociale: phénomènes, concept et théorie. In.:

MOSCOVICI, Serge. Psycologie Sociale. Editora: Paris: Presse Universitaire de

France, 1984.

VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica, (trad. Silva Debetto c. Reis), 2ª edição, São Paulo,

Edições Loyola, 2012.

VIEIRA-FILHA, Maria Auxiliadora de Almeida; XYPAS, Rosiane; MELO, Gabrielly.

As expectativas de leitura provocadas pelas imagens do lobo em capas de livros infantis

de literatura francesa, Anais do II Simpósio de análise de textos - II SINATE – UERN

Pau dos Ferros, dezembro 2012, pp.2205 a 2218.

http://www.4shared.com/get/7uRTkSsq/Anais_do_II_SINATE.html.

XYPAS, Rosiane; OLIVEIRA, Heloísa Costa. Imagens multimodais e seu papel no

desenvolvimento sociocultural no ensino/aprendizagem de FLE, Anais do II Simpósio

de análise de textos - II SINATE – UERN Pau dos Ferros, 2012, pp. 2171 a 2180

http://www.4shared.com/get/7uRTkSsq/Anais_do_II_SINATE.html.

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CULPA E MELANCOLIA: “A CULPA É MINHA” EM A HORA DA ESTRELA

DE CLARICE LISPECTOR

Ângela Maria de Souto (Mestranda – PPGLI- UEPB)111

Rosilda Alves Bezerra (Orientadora – PPGLI – UEPB)

RESUMO: Em A hora da estrela (1977), obra clariceana, analisaremos a relação entre

o autor-personagem Rodrigo S.M. e a sua personagem, Macabéa, evidenciando o

sentimento de culpa no discurso dele que por sua vez torna-o melancólico

manifestando-a por intermédio de sua protagonista que também acaba sofrendo dessa

depressão. No decorrer do trabalho mostraremos a razão dessa culpa por parte do

criador (Rodrigo) sobre sua criatura (Macabéa). Para a fundamentação de nossas ideias

sobre a melancolia tivemos que recorrer a Freud, em suas obras Sobre o Narcisismo:

Uma introdução (1914) e Luto e melancolia (1915), assim como as colocações de

Rouanet em Riso e melancolia, Lambotte em Estética da melancolia, Edler em Luto e

melancolia: À sombra do espetáculo, dentre outros que se fizeram necessários. Sabemos

que desde sua estreia como escritora com o romance Perto do coração selvagem, Clarice

intriga até hoje os estudiosos quanto ao uso de sua linguagem literária, uma linguagem

quase que “incorpórea”; em A hora da estrela nos chama a atenção para a relação

estabelecida entre como já expomos Rodrigo e Macabéa, ambos melancólicos, porém o

sentimento que paira sobre aquele é de uma culpa confessada aos poucos no decorrer da

criação que não paira nesse sentido sobre sua personagem, já que ele é quem destina a

vida desta, sendo que a leva de encontro à morte, acreditamos que ela representa na obra

o duplo dele. Quanto a sua culpa para nós é fingida e por isso ele lhe concede um

destino trágico, para uma vida cômica.

PALAVRAS-CHAVE: Culpa, melancolia, A hora da estrela, Clarice Lispector.

O presente artigo tem como objetivo analisar a obra A hora da estrela, de

Clarice Lispector. Nesse romance ocorre algo atípico quanto à escolha de um dos

personagens, já que a maioria é feminina, contudo a presença de um personagem

masculino, Rodrigo S.M., já nos intriga; perguntamos-nos qual a razão da autora em tê-

lo criado. Por isso, diante deste fato, resolvemos analisar a obra aqui tomada, quanto à

relação entre ele, personagem-autor fazendo uso das palavras de Rodrigues Lima

(2009). Segundo Lima (p.73), trata-se de “personagem- autor (ou autor-personagem que

faz lembrar aquela história de defunto autor de Brás Cubas)”. Macabéa evidencia o

sentimento de culpa no discurso, que por sua vez torna-o melancólico manifestando e

111

Este trabalho é fruto do andamento da dissertação Ironia e subversão na escritura de Clarice

Lispector, no Programa de Pós-graduação em Literatura e Interculturalidade pela Universidade Estadual

da Paraíba em Campina Grande.

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transferindo seu estado de melancolia por intermédio de sua personagem que assim

também acaba sofrendo dessa depressão.

A razão dessa culpa por parte do criador (Rodrigo) sobre sua criatura

(Macabéa) relaciona-se aos estudos sobre melancolia desenvolvida nas obras Sobre o

Narcisismo: Uma introdução (1914) e Luto e melancolia (1915), de Sigmund Freud,

assim como as discussões de Rouanet, em Riso e melancolia, Lambotte, em Estética da

melancolia e Edler, em Luto e melancolia.

Lambotte (2000) elabora um estudo detalhado sobre a melancolia desde a

Idade grega, Idade medieval até o século XX. Afirma que a melancolia foi ligada a bile

negra, faz uma união da etimologia da palavra com relação a esse período:

A etimologia grega da melancolia, melas (negra) e chole (bile), nos

indica a fonte do que temos o hábito de designar antes como um traço

de caráter do que como uma doença propriamente falando, a saber, a

bile negra que entrava na composição do corpo com os três outros

humores: o sangue, a linfa, ou o fleuma e a bile amarela ou pituíta.

(p.32).

Lambotte (2000) expõe a etimologia da palavra ligada aos estudos de Freud,

que no caso da obra de Clarice Lispector, parece-nos de acordo com a elaboração acerca

da culpa e da melancolia:

E é Freud quem, paralelamente, e já em 1895, vai dar conta da

etimologia problemática da melancolia pela revelação de um

mecanismo econômico, primeiramente, e de um processo dinâmico

em seguida, sem por isso sentir a necessidade imediata de uma

classificação rigorosa sob a qual colocar.

Freud classifica a melancolia entre as psicoses de defesa e, mais

precisamente, entre as neuroses narcísicas. Ligada a série das neuroses

de angústia, particularmente a depressão periódica, ela se liga ao

terceiro modo de transformação da energia não liquidada, o da

transformação do afeto; mas enquanto que a neurose de angústia

provém de uma acumulação de tensão sexual física, a melancolia

provém de uma acumulação de tensão sexual psíquica, o que

determina nos sujeitos por ela afetados “ uma grande tensão erótica

psíquica”. Foi em relação a esta, compreendida a um só tempo como

sintoma e como mecanismo, que Freud comparou a melancolia a uma

espécie de “hemorragia interna” em virtude da qual a excitação sexual

inteiramente bombeada escorreria como que por um buraco situado no

psiquismo, acarretando assim, no sujeito, uma inibição generalizada

de suas outras funções. (p.38).

O personagem-autor em a HE, e a protagonista da obra sofrem dessa depressão

(ou psicose)112

estudada por Freud. Percebe-se nas falas de Rodrigo S.M. que se sente

frustrado em ter em suas mãos o destino da jovem, como pode ser percebido na seguinte

112

O termo “psicose” é designado por Edler referindo-se aos dias de hoje na obra Luto e melancolia: À

sombra do espetáculo. Está nas nossas referências.

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passagem: “O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e, no entanto não me sinto

com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal”. (HE: p. 21).113

Rodrigo S.M. transfere as amarguras de escritor e a melancolia inerentes à

personagem. Segundo Martins (1997),

O narrador de A Hora de Estrela sente-se culpado por se ver afastado

do homem comum, ao perceber que uma real identificação com sua

personagem – e com os que ela representa – é fato negado pela

experiência, muito cuja inviabilidade prática mostra-se na

incapacidade que ele carrega de por ela sentir compaixão, no sentido

primeiro do sofrer – com, atingindo, no máximo, os limites da piedade

– ainda assim recusado porque culpada e culposa... Vê Macabéa, mas

não a alcança, seu fracasso o atormenta e atrasa seu relato. (p.48).

Contudo, a referida culpa se deve ao fato do material básico ser a palavra. Ele

afirma: “Sim, mas não esquecer que para escrever não sei o quê o material básico é a

palavra. Assim é que esta história será feita de palavras, que se agrupam em frases e

destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases.” (HE: p.14). É por

meio desse objeto, que se busca “um sentido secreto” assim como por intermédio de

Macabéa.

Queiroz (2006), em seu trabalho elabora um discurso acerca da escrita, no

artigo Por dentro de um fazer poético, no qual relaciona o ato de escrever a um prazer

culposo. Segundo a autora:

Escrever, para o raciocínio melancólico, é um prazer culposo; se o

surto maníaco do fazer impele irremediavelmente o ego à escrita, que

ela seja , então, presidida pela dor. Esta fruição masoquista do prazer

encontra-se na fronteira entre prazer e dor que Freud (1920) assinala

em Além do princípio do prazer como o domínio do equilíbrio entre

a ação do ego e a do agente crítico. (p.124-5).

Queiroz (2006) notifica que o personagem-autor Rodrigo S.M. ao mesmo

tempo em que se sente culpado pela vida miserável de sua personagem, sente um prazer

no ato da escrita, sendo assim, ele “encontra-se na fronteira entre prazer e dor”, também

discutido anteriormente por Freud (1925).

A HE é uma obra em que alguns pesquisadores como Bedasee (1999), por

exemplo, destaca o fato de que Rodrigo é uma persona de Clarice Lispector, sendo por

meio dele, que a escritora faz denúncias de cunho social, já que as personagens,

Olímpico e Macabéa são nordestinos e estão fora do seu hábitat natural, numa “cidade

toda feita” contra eles (o Rio de Janeiro). Não só neste sentido, já que a personagem

Macabéa é mulher, também há a denúncia quanto ao patriarcalismo, que por sua vez

também era questionado por Clarice. Segundo Bedasee (1999)

113

Utilizaremos HE para nos referir a obra A hora da estrela.

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[...] Esta personagem é um tipo a mais neste imenso conjunto e a sua

grande importância deve-se ao fato de, entre outros fatores, ela ser a

veiculadora mais prosaica das denúncias da escritora. (p.136).

A Hora da Estrela narra a trajetória criativa de um escritor que um

dia, numa rua do Rio de Janeiro pegou no ar de relance o sentimento

de perdição no rosto de uma moça nordestina [HE:26]. Sente que é o

seu dever escrever sobre ela, porque há o direito ao grito e ele grita.

Entretanto, “a sua personagem principal, a nordestina” de dezenove

anos, nunca exercerá esse direito ao grito. Segundo a autora, a história

é de uma inocência pisada, de uma miséria anônima. (Idem).

Esse direito ao grito, quem exerce é a própria Clarice que, repetindo

frases já ditas em depoimentos seus anteriores, reitera sua posição

quanto a sua profissionalização enquanto escritora, através do

personagem narrador de A Hora da Estrela [...]. (Idem).

A relação ora já citada entre o personagem-autor e a personagem Macabéa,

relaciona-se aos estudos de Freud (1925), que faz uma analogia entre o luto e a

melancolia: “Tendo os sonhos nos servido de protótipo das perturbações mentais

narcisistas na vida normal, tentaremos agora lançar alguma luz sobre a natureza da

melancolia, comparando-a com o afeto normal do luto.” (p.141).

A comparação feita por Freud (1925) baseia-se quanto à questão da perda, uma

vez que tanto no luto quanto na melancolia há a perda. Entretanto, o melancólico não

consegue superá-la, no luto: “O teste da realidade revelou que o objeto amado não

existe mais, passando a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com

aquele objeto” (p.142). Isto é, há uma transferência da libido para um “novo” objeto e

assim o sujeito continua sua vida superando a perda (O luto).

O melancólico, diante do que foi exposto no parágrafo anterior, não supera a

perda e se auto-consome. Para Freud (1925),

Os traços distintivos da melancolia são um desânimo profundo

penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da

capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma

diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar

expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando

numa expectativa de punição.(p.142).

Rodrigo S.M. manifesta essa auto-recriminação e essa diminuição de estima,

assim, cria uma personagem tão marginalizada quanto ele. Nesse contexto, Rodrigo

afirma:

[...] Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca

de um bom jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a

pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer,

ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás _ descubro eu

agora_ também eu não faço a menor falta, e até o que escrevo um

outro escreveria. Um outro escritor sim, mas teria que ser homem

porque escritora mulher pode lacrimejar piegas. (HE: pp.13-14).

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Em outra passagem da obra, o narrador interpreta a sociedade de modo irônico:

“A classe social me tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança de que

eu possa desequilibrá-la [...]” (HE: p.19). Isto ratifica o que assinalamos.

Em HE, o narrador-personagem (Ou personagem-autor), ao descrever a jovem

Macabéa também se auto-descreve. Nesse sentido, segundo Sá (2000, p.173), “o

narrador desvenda-se na narrativa a sua problemática interior e à medida que nos faz

conhecer a protagonista, também conhece a própria identidade”. Como o próprio

Rodrigo afirma: “ser a procura da palavra no escuro”. Sá (idem) também acrescenta:

“que toda ficção de Clarice é da espécie metafísica”, ou seja, transcendente. A relação

de Rodrigo com Macabéa serve para conhecermos a própria identidade dele, através

dela.

Há no discurso de Rodrigo, um sentimento culposo. Quem é Macabéa?

“Nordestina” e “pobre”, sua pobreza nem enfeitada é, como interroga: “porque escrevo

sobre uma jovem que nem pobreza enfeitada tem?” (HE: p.21). Rodrigo escreve porque

busca o encontro com o outro “eu”, já que, de acordo com Nunes (1969, p.119),

“ninguém é ninguém. Cada qual empenhado no fingimento de ser, que a memória

estimula e a imaginação conduz, busca a si mesma para encontrar-se. E o que o homem

encontra, afinal, é quem ele quer ser e não quem ele é”. O autor afirma que “a

identificação pessoal parece mais um ideal a atingir, um produto da imaginação, uma

meta a alcançar, do que um dado real”. Enfim, a busca do outro “eu” será uma constante

procura, porque Rodrigo necessita da forma, ou seja, escrever sobre o que é e sente.

Entretanto, não conseguirá alcançar a meta, conforme Nunes (idem, p.133):

“alcançamos expressões parciais da existência indefinida, imagens sucessivas do nosso

ser, que aparecem no momento para desfazer-se em outro”.

Essa busca do homem “de quem ele é e que encontra apenas o que ele quer

ser”, como fora colocado por Nunes (1969), Freud (1925) define como ser ideal em

Sobre o Narcisismo: Uma introdução (1914). Enfatiza que “para o ego, a formação de

um ideal seria o fator condicionante da repressão”. (p.57). Ainda sobre isto afirma que

“[...] O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo

perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal”. (FREUD, pp.57-8).

Macabéa tinha como ideal Marylin Monroe, símbolo sexual da época e também

admirava Greta Garbo; ela confessa a sua colega de trabalho Glória o seu sonho:

Macabéa que nunca se irritava com ninguém, arrepiava-se com o

hábito que Glória tinha de deixar a frase inacabada. Glória usava uma

forte água-de-colônia de sândalo e Macabéa, que tinha o estômago

delicado, quase vomitava ao sentir o cheiro. Nada dizia porque Glória

era agora a sua conexão com o mundo. Este mundo fora composto

pela tia, Glória, o Seu Raimundo e Olímpico_ e de muito longe as

moças com as quais repartia o quarto. Em compensação se conectava

com o retrato de Greta Garbo quando moça. Para minha surpresa, pois

eu não imaginava Macabéa capaz de sentir o que diz um rosto como

esse. Greta Garbo, pensava ela sem se explicar, essa mulher deve ser a

mais importante do mundo. Mas o que ela queria mesmo ser não era a

altiva Greta Garbo cuja trágica sensualidade estava em pedestal

solitário. O que ela queria, como eu já disse, era parecer com Marylin.

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Um dia, em raro momento de confissão, disse a Glória quem ela

gostaria de ser. E Glória caiu na gargalhada:

− Logo ela, Maca? Vê se te manca! (HE: p.64).

O ideal de Rodrigo era se aproximar das classes desfavorecidas, para isso criou

uma personagem como estamos colocando advinda da classe social que ele não

alcançava, essa é a sua frustração, ele afirma “a classe baixa nunca vem a mim” (HE:

p.19).

Ao ler o romance ou novela como a própria autora Clarice declarou em uma

entrevista a Júlio Lerner:

_ “Antes de entrarmos aqui no estúdio você me dizia que está

começando um novo trabalho.

− “Não, eu acabei a novela.”” (IANNACE, 2001, p.115).

Identificamos que todos os sonhos da moça são frustrados. Além do sonho de

ser artista de cinema, encontramos no decorrer da leitura em HE, outras fantasias

frustradas. Fantasiar, sonhar é uma característica do melancólico conforme Kristeva “no

plano literário, o discurso do melancólico revela sucessivas imagens de solidão e

devaneio” (Apud CORREIA, 2004, p. 13), é esse o motivo das fantasias constantes de

Macabéa.

Um dos trechos no qual podemos perceber uma temática bastante interessante e

abordada na obra é a temática do “desejo”.

Ela sabia o que era o desejo embora não soubesse que sabia, era

assim: ficava faminta, mas não de comida, era um gosto meio

doloroso que subia do baixo-ventre e arrepiava o bico dos seios e os

braços vazios sem abraço. Tornava-se toda dramática e viver doía.

Ficava então meio nervosa e Glória lhe dava água com açúcar (HE:

p.45).

No tocante ao desejo de Macabéa, a reação de Rodrigo é de ordem emocional.

Ela percebe através das reações do corpo. Quanto a esta questão é interessante à ligação

que o narrador faz entre a sobremesa preferida da protagonista – goiabada com queijo –

e o seu namorado: “A moça bastou-lhe vê-lo para torná-lo imediatamente sua goiabada

– com – queijo” (HE: p. 43). A saciedade de Macabéa nas duas situações foi privada e o

seu desejo frustrado, já que sua tia a privava de comer a sobremesa, assim como,

quando Olímpico rompeu com o namoro.

Com relação ao desejo de Macabéa, Homem (2000) argumenta que a “sua

relação com o desejo – aquela “força” que nos impulsiona para os outros, para as coisas

e no tempo – mostra-se muito frágil, como se ela não fosse permitido querer

profundamente alguma coisa”. (p. 17). É por isso que Rodrigo sente-se culpado pelo

“viver ralo” possuído por Macabéa, ele tem consciência de que poderia dar um destino

melhor a sua protagonista, mas ao invés disso, destina a moça ao fracasso e ao destino

da morte.

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Desde o inicio da narração, o caminho traçado para Macabéa é óbvio que

Rodrigo tenta falsear, encobrir o “gran finale” que teria a moça: “... Só não inicio pelo

fim que justificaria o começo – como a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso

registrar os fatos antecedentes”. (HE: p. 12). Neste trecho evidenciam-se os paradoxos:

inicio / fim, morte / vida. Os paradoxos são constantes indícios da melancolia,114

pois

introduzem ao início da narrativa um aspecto mórbido. A partir daí, outros sinais

apontam para uma possível morte da protagonista: “Escrevo neste instante com algum

prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde,

no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe se coagular em

cubos de geleia trêmula”. (HE: p. 12).

Para confirmar o que foi destacado anteriormente em relação ao paradoxo ou à

ambivalência, a ideia de Freud (1925) desenvolvida em Luto e melancolia, considera

que há três precondições para ela, uma delas é a ambivalência115

:

Das três precondições da melancolia- perda do objeto, ambivalência e

regressão da libido do ego-, as duas primeiras também se encontram

nas auto-recriminações obsessivas que surgem depois da ocorrência de

uma morte. Indubitavelmente, nesses casos é a ambivalência que

constitui a força motora do conflito, revelando-nos a observação que,

depois de determinado o conflito, nada mais resta que se assemelhe ao

triunfo de um estado de mente maníaco. (p.151).

Na própria dedicatória do autor no livro encontramos: “Dedico à cor rubra

muito escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e, portanto, dedico-me a

meu sangue.” A marca do sangue nos leva a deduzir desde o princípio a morte de

Macabéa por Rodrigo.

A hora da estrela possui ao todo treze títulos, embora tenha sido este o

escolhido, um deles já evidencia o sentimento de culpa: “A culpa é minha”. Culpa de

quê? Por Rodrigo saber que Macabéa será morta pelo seu criador?

Rouanet (2007) discorre em Riso e melancolia acerca da melancolia

conceituada na obra de Laurence Sterne: A vida e as opiniões de Tristram Shandy,

cavalheiro, que o pai dele (de Tristram), Walter Shandy afirma que: “Para o filósofo,

disse Walter, a morte é uma libertação, porque o ajuda a libertar-se de sua melancolia”.

(Apud, ROUANET, 2007, p.204). Sendo assim, tanto Macabéa quanto Rodrigo se

libertam.

Para Bedasee (1999)

Mas é Rodrigo quem a mata. Clarice precisou da persona masculina

para cometer o ato da violência final contra Macabéa. A ligação forte

entre a autora e a personagem é das mais profundas na literatura

114

A Doutora em Literatura e Cultura pela UFPB e Professora Titular de Literatura e Psicanálise na

UEPB, Rosângela Queiroz, em seu trabalho Por dentro de um fazer poético: Motivação e arte em Museu

de tudo, de João Cabral de Melo Neto, trabalha o termo ambivalência. É bastante interessante, cremos

que é o equivalente ao que chamamos de “paradoxo”, termo empregado por Lambotte. 115

Usamos o termo “paradoxo” de Lambotte, mas equivale a “ambivalência” de Freud.

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feminina. Matar Macabéa sem a mediação de Rodrigo seria suicídio,

tal a identidade e a presença de Clarice Lispector mulher real na

fictícia. (p.95).

Deste modo, compreendemos que a autora de A hora da estrela, por meio do

narrador-personagem, Rodrigo, se isenta da morte de Macabéia. É a sua Saída discreta

pela porta dos fundos, aspecto que se repete na obra.

Para Souza (2006), “Do ponto de vista estrutural, A hora da estrela compõem-

se de dois segmentos narrativos: a história de Macabéa e a história de Rodrigo, que vão

sendo construídas por desdobramentos”. (p.100). Concordamos com Souza, já que ao

delinear a personagem ele também se auto-delineia, conforme nossa exposição dos

fatos.

A verdade é que Rodrigo precisa de Macabéa. Ele alega que necessita falar

dessa nordestina senão sufoca. Pois ao falar de Macabéa, fala sobre si: “Quero neste

instante falar da nordestina. É o seguinte: ela como uma cadela vadia era teleguiada

exclusivamente por si mesma. Pois reduzira-se a si. Também eu, de fracasso em

fracasso, me reduzi a mim, mas pelo menos quero encontrar o mundo e seu Deus”. (HE:

p. 18).

Em um outro fragmento da obra, Rodrigo destaca o fato de que andava nu, em

farrapos, não fazia a barba durante alguns dias, chegou ao ponto de adquirir olheiras por

dormir pouco. Vestia-se com roupa velha e rasgada, tudo para se por ao nível de

Macabéa:

Por enquanto quero andar nu ou em farrapos, quero experimentar pelo

menos uma vez a falta de gosto que dizem ter a hóstia será sentir o

insosso do mudo e banhar-se no não. Isso será coragem minha, a de

banhar-se no não. Isso será coragem minha, a de abandonar

sentimentos já confortáveis.

Agora não é confortável: para falar da moça tenho que não fazer a

barba durante dias e adquirir olheiras escuras para dormir pouco, só

cochilar de pura exaustão, sou um trabalhador manual. Além de vestir-

me com roupa velha rasgada. Tudo isso para me pôr no nível da

nordestina. (HE: p. 19).

A organizadora da obra escrita por Edler (2008), Luto e melancolia: À sombra

de um espetáculo, Nina Saroldi, afirma no prefácio do livro que: “a melancolia é

descrita por Freud como um quadro de suspensão de interesse pelo mundo externo, de

acentuada diminuição da auto-estima, podendo até mesmo chegar a uma expectativa

delirante de punição.” (p.13). A falta de interesse pelo mundo externo é perceptível no

personagem-autor, uma vez que se afasta dele só para se colocar ao nível de Macabéa.

Porém, é por meio dela que Rodrigo diz ser obrigado a procurar uma verdade que lhe

ultrapassa. Chegou a fazer a seguinte indagação: “por que escrevo sobre um jovem que

nem pobreza enfeitada tem?” (HE: p. 21). Não seria porque Rodrigo precisa de

Macabéa para manifestar as suas angústias?

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A HE é uma obra tida como existencialista, Souza (2006) em O humanismo em

Clarice Lispector: Um estudo do ser social em A hora da estrela afirma:

As pesquisas sobre Clarice Lispector contêm elementos expressivos

de uma possível identidade entre a autora e suas personagens. Alguns

elementos colhidos sobre sua vida e discurso, como também o registro

pontual da crítica, dão a conhecer a autora em aspectos que justificam

um estudo acerca do projeto ideológico que perpassa sua obra e que a

move em torno de uma busca incessante do homem, da sua natureza

social e condição existencial. (SOUZA, 2006, p.23).

Sabemos de pesquisas que fazem essa analogia entre Clarice e suas

personagens, portanto, não podemos deixar de destacá-las. Também há o fato de que no

ano em que a HE foi publicada, a autora morreu de câncer (1977). Quando escrevia a

“novela” descobriu que estava cancerosa, então pesquisadores dela apontam a ligação

existente entre ela, o narrador masculino Rodrigo S.M. como sua persona, e por sua vez

a protagonista, Macabéa.

Na própria dedicatória da obra a qual expomos uma parte dela quanto ao

“sangue”, confirma-se essa presença da escritora, assim como em outros fragmentos,

como o da “escritora mulher que fazia lacrimejar piegas”, etc. O título do livro é

irônico, A hora da estrela, pois todos os sonhos de Macabéa são frustrados, como temos

frisado com constância aqui. Rodrigo, o narrador – personagem, afirma para os leitores:

“... Que não esperem, então, estrelas no que se segue nada cintilará, trata-se de matéria

opaca e por sua própria natureza desprezível por todos” (HE: p. 16).

Encontramos outras evidências a este respeito (título), Rodrigo afirma “que a

narrativa está acompanhada do início ao fim por uma levíssima e constante dor de

dentes, coisa de dentina exposta” (HE: p. 24). Afirma ser a história quase nada,

“História de cordel” como sugere um dos títulos. Segundo Sà “escreve não por causa do

assunto ou da protagonista nordestina, mas por motivo de força maior como se diz nos

requerimentos oficiais por força de lei” (1979, p. 213).

O personagem-autor sente-se culpado pelo estado da vida lastimável da moça,

este sentimento por sua vez, desencadeia em um estado melancólico. A jovem, assim

como seu criador, é melancólica e manifesta-se como tal com seus sonhos fracassados.

O ápice da história acontece com a morte da protagonista, que deveria ter um futuro

glorioso, segundo a cartomante, porém seu “sonho de estrela” de cinema só ocorreria se

abraçasse seu único papel, “a morte”. A morte que aparece como “personagem

predileto” do narrador na história (HE: p.84).

A marca constante do sangue no romance já prenunciava também a possível

morte da protagonista como outrora afirmamos. Então, a morte foi a saída discreta pela

porta dos fundos do autor-personagem, como sugere um dos títulos da obra.

Ironicamente na página final, ele afirma: “No fundo ela não passara de uma caixinha de

música meio desafinada” (HE: p.87). O próprio Rodrigo sente-se frustrado quanto à sua

profissão.

Rodrigo S.M. confirma a morte de Macabéa e o fragmento em que o

personagem-autor nos lembra que morremos:

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E então_ então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de

repente a águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra,

o macio gato estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come

vida.

Até tu, Brutus?!

Sim, foi este o modo como eu quis anunciar que _ que Macabéa

morreu. Vencera o Príncipe das Trevas. Enfim a coroação. (HE:

p.85).

E agora_ agora só me resta acender um cigarro e ir para casa.

Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas_ mas

eu também?!

Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.

Sim. (HE: p.87).

Como já afirmamos com a ideia contida na obra de Sterne (ROUANET, 2007),

a morte é uma libertação para o melancólico, portanto liberta está a protagonista de sua

vida miserável, liberto está Rodrigo de sua personagem e de sua culpa e liberta está

Clarice de sua responsabilidade já que ela lhe foi outorgada ao autor-personagem.

Porém, Rodrigo, supera sua melancolia como o maníaco, já que sua vida segue.

Para Freud (1925) “[...] o indivíduo maníaco demonstra claramente sua

liberação do objeto que causou seu sofrimento, procurando como um homem

vorazmente faminto, novas catexias objetais”. (p.149). Para Rodrigo, acabou seu

sofrimento, sua dor, seu vazio, já que a morte de sua personagem e o fim da história o

libertou da sua dor, a dor de escrever.

Referências

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Salvador: EDUFBA, 1999.

CORREIA, Francisco José Gomes. O Rosto Escuro de Narciso: Ensaios sobre

literatura e melancolia. João Pessoa: Idéia, 2004.

EDLER, Sandra. Luto e melancolia: À sombra do espetáculo. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008.

FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. Trad.de Joan Rivieri, 1925.

______________. Sobre o Narcisismo: Uma introdução. Trad. C.M. Baines, 1925.

HOMEM, Maria Lúcia. Literatura Psicanálise o Desejo da Escritura. Insight

psicoterapia e psicanálise, São Paulo, n.110, set. 2000.

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IANNACE, Ricardo. A leitora Clarice Lispector. São Paulo: Editora da Universidade

de São Paulo, 2001.

LAMBOTTE. Marie-Claude. Estética da melancolia. Rio de Janeiro: Companhia de

Freud, 2000.

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conscientização em Clarice Lispector, Virginia Woof, Susan Glaspell, Katherine

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