Outraspalavras.net-Para Velhos Jornais Crime de Sonegação Não é Notícia

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outraspalavras.net http://outraspalavras.net/destaques/para-os-velhos-jornais-crime-de-sonegacao-nao-e-noticia/ Luís Humberto Rocha Carrijo Para velhos jornais, crime de sonegação não é notícia Por que a mídia dá tão pouco destaque à Operação Zelotes, que flagrou fraudes fiscais de mega-empresas? Que interesses levam editores, em certos casos, a não cobrar Judiciário? Por Luís Humberto Rocha Carrijo, editor do Rapport Comunica O escândalo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais — Carf –, que pode superar 19 bilhões de reais, recebe uma cobertura muito acanhada da imprensa brasileira, apesar de sua magnitude e implicações de toda ordem. Dentro do ponto de vista jornalístico, não há nada que justifique um tratamento tão desinteressado e desatento por parte das redações. Ao contrário, os vultosos desvios de recursos da Receita, com a participação de personagens graúdos do PIB nacional (bancos e empresas, boa parte, grandes anunciantes), fundamentam os princípios do que é notícia, pelo menos em veículos que praticam jornalismo em sua mais ampla definição — corajoso e isento, dedicado a informar a população. Inúmeros fatos novos, que merecem uma investigação jornalística profunda, recebem, ao contrário, coberturas episódicas. A imprensa ignora que há o risco de a investigação não chegar a um resultado efetivo. Em operações de caráter semelhante, essa fase já teria resultado em prisões preventivas, por exemplo. A mídia ignora também a inexplicável morosidade do Poder Judiciário, que não autoriza medidas invasivas, a fim de levantar provas contra a corrupção. Dentro dos critérios puramente jornalísticos e de interesse da sociedade, o que diferem os escândalos de corrupção envolvendo políticos, como a Operação Lava Jato, daqueles que atingem apenas empresas, como a Operação Zelotes? A literatura de comunicação de massa é pródiga em episódios que mostram a imprensa interferindo até em resultados judiciais. Do outro lado da moeda, outros atores atuam com a intenção de esvaziar o “buzz” dos eventos. Há casos de a administração pública agir privando as redações de conteúdo sobre fatos, até levá-los ao esquecimento com a inanição de dados e novidades. No Brasil, é a ausência deliberada de notícias sobre certos temas, como sobre crimes tributários, que leva à inação da Justiça e à consequente impunidade dos envolvidos.

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Para Velhos Jornais: Crime de Sonegação Não é Notícia

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    Lus Humberto RochaCarrijo

    Para velhos jornais, crime de sonegao no notcia

    Por que a mdia d to pouco destaque Operao Zelotes, que flagrou fraudes fiscais de mega-empresas? Queinteresses levam editores, em certos casos, a no cobrar Judicirio?

    Por Lus Humberto Rocha Carrijo, editor do Rapport Comunica

    O escndalo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais Carf , que pode superar 19 bilhes de reais,recebe uma cobertura muito acanhada da imprensa brasileira, apesar de sua magnitude e implicaes de todaordem. Dentro do ponto de vista jornalstico, no h nada que justifique um tratamento to desinteressado edesatento por parte das redaes. Ao contrrio, os vultosos desvios de recursos da Receita, com a participao depersonagens grados do PIB nacional (bancos e empresas, boa parte, grandes anunciantes), fundamentam osprincpios do que notcia, pelo menos em veculos que praticam jornalismo em sua mais ampla definio corajoso e isento, dedicado a informar a populao.

    Inmeros fatos novos, que merecem uma investigao jornalstica profunda, recebem, ao contrrio, coberturasepisdicas. A imprensa ignora que h o risco de a investigao no chegar a um resultado efetivo. Em operaes decarter semelhante, essa fase j teria resultado em prises preventivas, por exemplo. A mdia ignora tambm ainexplicvel morosidade do Poder Judicirio, que no autoriza medidas invasivas, a fim de levantar provas contra acorrupo. Dentro dos critrios puramente jornalsticos e de interesse da sociedade, o que diferem os escndalos decorrupo envolvendo polticos, como a Operao Lava Jato, daqueles que atingem apenas empresas, como aOperao Zelotes?

    A literatura de comunicao de massa prdiga em episdios que mostram a imprensa interferindo at emresultados judiciais. Do outro lado da moeda, outros atores atuam com a inteno de esvaziar o buzz dos eventos.H casos de a administrao pblica agir privando as redaes de contedo sobre fatos, at lev-los aoesquecimento com a inanio de dados e novidades. No Brasil, a ausncia deliberada de notcias sobre certostemas, como sobre crimes tributrios, que leva inao da Justia e consequente impunidade dos envolvidos.

  • Como no incomodado pela imprensa, o Judicirio continua pouco comovido com o bilionrio prejuzo causadopor grandes empresas aos cofres pblicos. A imprensa, com essa atitude, torna-se cmplice e comete uma fraudecontra sua audincia, tomando empresado a frase do proeminente jornalista Peter Oborne sobre a postura do DailyTelegraph em relao cobertura noticiosa do Swissleaks.

    Enquanto na Sucia os jornais colocam a tica at mesmo acima das leis, no Brasil seus pares usam seu poderseletivo para cobrir fatos conforme interesses polticos e financeiros. A imprensa brasileira, nesse sentido, continuaprimitiva e longe dos ideais do que seja uma mdia livre e imparcial. O grave que os veculos passam ao pblico apercepo de que so fiscais da sociedade, preocupados com o bem-estar e a lisura. Um ato sofisticado de cinismo.

    As redes sociais ainda esto longe de ter a fora e a influncia para mobilizar a sociedade em torno de assuntosridos. A ao conjunta e contnua de veculos alternativos e blogs de contestao mostra-se, por enquanto, incapazde provocar uma reao popular e em rede em condies de mudar o estado das coisas. A populao reage namedida proporcional em que vtima direta, aguda, constante, objetiva e simplificada da opresso e da carncia. Aspessoas, no Brasil, pobres de educao poltica e leitura, no conseguem fazer conexes to distantes ecomplexas.Ou seja, se no est na grande imprensa, como se no existisse.

    Por tambm serem invisveis para a imprensa, sofrem do descaso pblico as parcelas mais vulnerveis dasociedade, que saem s ruas em movimentos reivindicatrios por acesso aos bens sociais. Mas como asmobilizaes se do na periferia, longe dos olhos da classe mdia e da elite, elas so ignoradas pela imprensa,deixando o Estado em situao confortvel para manter seu desprezo pelas camadas populares.

    Para velhos jornais, crime de sonegao no notcia