OTAVIO Discurso Do Método

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Sobre o “Discurso do Método” de René Descartes / Otavio Augusto Horning / TDE Pesquisa em Psicologia / Prof. Carla Françoia / PUC PR O bom senso, ou razão, é a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso. Ele está presente igualmente em todos os homens. Sendo assim, a diferença no juízo não decorre do maior ou menor grau de racionalidade, mas sim da distinção nos modos de conduzir a razão. Trata-se de empregar o caminho correto, aplicar corretamente a razão. Não se pode destruir todos os fundamentos apenas por finalidades acessórias. Contudo, se os defeitos são graves é preciso substituí-los ou reformula-los totalmente. Assim, só se pode reformar o Estado ou os fundamentos da ciência quando houver novos pilares construídos ou quando for possível ajustar totalmente os pilares antigos. É preciso não se fiar mais completamente nos velhos fundamentos: tem- se que reavaliá-los, para ver se permanecerão ou serão trocados por novos. Porém, essa tarefa não é fácil, tendo em vista que, pelo uso costumeiro consolidado, parece mais simples seguir pelo caminho já conhecido. Antes de destruir totalmente os princípios anteriormente estabelecidos é preciso possuir alguns que terão a função de ser provisórios. Dessa forma, tendo em vista as análises a serem feitas no livro, é preciso ter uma moral provisória, a qual será composta de três ou quatro máximas. A primeira máxima da moral provisória cartesiana é obedecer aos costumes, leis e religião. A segunda é não suspender o juízo quando ações são exigidas. A terceira é depender o mínimo possível de fatores e qualidades externas. Embora na moral provisória seja necessário considerar os costumes duvidosos como corretos , na análise da verdade tudo o que for duvidoso será considerado metodicamente falso. Isso para que se encontre algo absolutamente inquestionável. Os sentidos nos enganam, então o que nos apresentam, enquanto são coisas duvidosas, será considerado falso. Nem mesmo as demonstrações são isentas de dúvidas, assim, também serão consideradas não inquestionáveis. Tudo o que pode ser pensado também pode ser falso, porquanto comumente confundimos sonhos e realidade. No entanto, não se pode duvidar de que duvidando se pensa e isso garante a existência do ser que pensa (não das coisas sobre as quais se pensa, contudo). O princípio “penso, logo sou”,

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Sobre o Discurso do Mtodo de Ren Descartes / Otavio Augusto Horning / TDE Pesquisa em Psicologia / Prof. Carla Franoia / PUC PRO bom senso, ou razo, a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso. Ele est presente igualmente em todos os homens. Sendo assim, a diferena no juzo no decorre do maior ou menor grau de racionalidade, mas sim da distino nos modos de conduzir a razo. Trata-se de empregar o caminho correto, aplicar corretamente a razo.No se pode destruir todos os fundamentos apenas por finalidades acessrias. Contudo, se os defeitos so graves preciso substitu-los ou reformula-los totalmente. Assim, s se pode reformar o Estado ou os fundamentos da cincia quando houver novos pilares construdos ou quando for possvel ajustar totalmente os pilares antigos. preciso no se fiar mais completamente nos velhos fundamentos: tem-se que reavali-los, para ver se permanecero ou sero trocados por novos. Porm, essa tarefa no fcil, tendo em vista que, pelo uso costumeiro consolidado, parece mais simples seguir pelo caminho j conhecido.Antes de destruir totalmente os princpios anteriormente estabelecidos preciso possuir alguns que tero a funo de ser provisrios. Dessa forma, tendo em vista as anlises a serem feitas no livro, preciso ter uma moral provisria, a qual ser composta de trs ou quatro mximas.A primeira mxima da moral provisria cartesiana obedecer aos costumes, leis e religio. A segunda no suspender o juzo quando aes so exigidas. A terceira depender o mnimo possvel de fatores e qualidades externas. Embora na moral provisria seja necessrio considerar os costumes duvidosos como corretos , na anlise da verdade tudo o que for duvidoso ser considerado metodicamente falso. Isso para que se encontre algo absolutamente inquestionvel. Os sentidos nos enganam, ento o que nos apresentam, enquanto so coisas duvidosas, ser considerado falso. Nem mesmo as demonstraes so isentas de dvidas, assim, tambm sero consideradas no inquestionveis. Tudo o que pode ser pensado tambm pode ser falso, porquanto comumente confundimos sonhos e realidade. No entanto, no se pode duvidar de que duvidando se pensa e isso garante a existncia do ser que pensa (no das coisas sobre as quais se pensa, contudo). O princpio penso, logo sou, portanto, inquestionvel e por isso pode ser considerado o primeiro princpio da filosofia a ser formulada. A existncia do ser pensante absolutamente certa. Mas possvel se questionar a existncia do corpo. Portanto, o corpo no o que garante a existncia necessria do ser pensante. O pensamento indispensvel para a existncia do ser pensante, portanto a sua essncia. Ento, a alma, ou substncia imaterial, o que define esse ser. Ela no depende da existncia do corpo nem das qualidades do mesmo. Ademais, mais fcil de ser conhecida. A verdade do penso, logo existo vem da clareza e distino com a qual o concebo. Portanto, a clareza e distino ser o critrio de verdade. A regra geral , aps tendo-se evidenciado a certeza da existncia do cogito, que tudo o que concebo clara e distintamente deve ser considerado verdade. Mas h uma certa dificuldade de se determinar o que claro e distinto.Como duvido, no sou perfeito. Concebo a idia de perfeio e a origem da mesma deve ser algo mais perfeito que eu, considerando-se minha imperfeio. Quanto s idias das coisas supostamente externas, essas poderiam advir de mim mesmo. Se fossem verdadeiras, poderiam advir daquilo que no falho em mim. Se fossem falhas, poderiam ser conseqncias da incompletude do meu pensamento. Minha imperfeio indica, em relao perfeio, uma ausncia de algo. A idia de Deus no pode advir dessa ausncia, posto que o perfeito no pode advir do menos perfeito. A origem da idia de perfeio deve proceder de algo com perfeio igual dessa idia. Portanto, ela deve ser originada da idia de Deus.Eu existo. Deus existe, tendo em vista que precisa ser a causa da idia de perfeio. Deus a causa da minha existncia. Para determinar sua natureza pode-se perceber as idias que existem em mim e ver se elas condizem com a perfeio de Deus. As idias que percebo em mim e indicam minha imperfeio, tais como a dvida e a tristeza, no podem existir em Deus. No posso negar que possuo idias sensveis e corporais, ainda que no possa assegurar a existncia dos objetos externos. Assim, possuo tambm uma natureza corporal. Mas Deus no pode possuir essa natureza, tendo em vista que isso indicaria que composto, ou seja, uma mistura entre corpo e alma. Toda composio indica dependncia, portanto imperfeio. Como necessariamente Deus perfeito, necessariamente no tem natureza corporal. Se os corpos existirem, Deus sua causa. Concebo clara e distintamente os objetos da geometria. Mas nesse caso a existncia dessas idias no garante a sua existncia no mundo. No posso conceber um tringulo seno como um objeto cujos trs ngulos somas 180 graus. Porm, no posso dizer que tringulos existem enquanto objetos. Posso dizer que, caso eles existam, necessariamente seus ngulos somam 180 graus. No caso de Deus a certeza da sua existncia enquanto idia implica a sua existncia real. Sua existncia real necessria, porquanto implicada diretamente na idia de perfeio, que compe a essncia do seu ser. Isso demonstrativamente certo.Normalmente os que negam que temos o conhecimento de Deus entendem que apenas inteligvel aquilo que imaginado. Se a imaginao s concebe o que perceptvel, consideram que no temos a idia de Deus, visto que ele, obviamente, no perceptvel. Conhecemos Deus pelo entendimento. Do ponto de vista de uma meditao metafsica, a existncia dos outros objetos, tais como a do nosso corpos, dos astros e da terra, etc, muito menos certa que a existncia j comprovada de Deus e da alma. Podemos, no sonho, imaginar esses objetos, sem que eles existam. No h nada que possa dirimir a dvida se estamos acordados ou sonhando seno a existncia de Deus. Aquilo que concebemos clara e distintamente s pode ser considerado verdadeiro porque Deus existe e perfeito. Apenas a perfeio de Deus garante a verdade daquilo que claro e distinto. Esses objetos devem ser considerados como provenientes deles. O que confuso, no claro e distinto, porm, advm da nossa imperfeio.Dada a certeza da existncia da alma e de Deus, pode-se dirimir o argumento do sonho e no fazer dos nossos sonhos argumentos para pormos em dvida o que concebemos clara e distintamente quando acordados. A evidncia da nossa razo vale tambm para o sonho. A razo no nos diz que tudo o que vemos tal como vemos ou imaginamos, mas sim que h um fundamento de verdade para essas coisas. Isso porque ela nos dita que Deus no seria perfeito se no houvesse um fundamento de verdade no que pensamos. Os pensamentos so mais evidentes e completos quando estamos acordados. Ento, aquilo que os pensamentos tm de verdade, dado a existncia de Deus, deve estar presente nos que temos na viglia.Quanto mais avanamos no conhecimento, mais precisamos de experincias. Quando temos pouco conhecimento devemos nos servir das experincias mais corriqueiras dadas pelos sentidos, porque as experincias mais raras nos confundem mais. No conhecimento devemos partir do estabelecimento dos princpios mais gerais ou as causas primeiras, as quais devem ser consideradas como criadas por Deus. Depois passamos aos eventos mais comuns dessas causas primeiras. Posso explicar a existncia de todos os objetos por meio dessa relao e normalmente devo considerar as causas e efeitos mais gerais. Devo apenas procurar novas causas caso um efeito no possa ser explicado a partir dessas causas mais gerais j estipuladas. Nesse caso, para determinar a relao causal, devo ir fazendo novas experincias.