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Izabel Muanis do Amaral Rocha Osirarte: Destino e Vocação na Modernidade Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre, sob orientação da Profa. Dra. Daisy Valle Machado Peccinini de Alvarado. São Paulo 2007

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Izabel Muanis do Amaral Rocha

Osirarte: Destino e Vocação na Modernidade

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre, sob orientação da Profa. Dra. Daisy Valle Machado Peccinini de Alvarado.

São Paulo 2007

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Reservado todos os direitos. É autorizada a reprodução parcial deste volume, de no máximo 30% de seu conteúdo, sendo proibida a reprodução integral por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou outras) sem a autorização expressa da autora.

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Arquivo do Estado de São Paulo

Biblioteca Bienal de São Paulo

Biblioteca Museu de Arte Moderna de São Paulo

Biblioteca Pinacoteca do Estado de São Paulo

Cerâmica no Rio

Daniela Alonso Fontes

Flávia Rudge Ramos

Maria Cristina Muanis do Amaral Rocha

Maria Soledad Alonso Fontes

Neusa Brandão

Professora Daisy Peccinini

Renato Wandeck

Saleti Barreto de Abreu

Sylvio do Amaral Rocha Filho

Agradecimentos especiais ao Projeto Portinari, Ângela, João Cândido e Noélia pela presteza e simpatia.

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Esta dissertação de mestrado busca interpretar e apresentar criticamente a questão da

Osirarte como processo histórico e artístico no quadro da Modernidade da arte brasileira e

o papel fundamental na sua formação e desenvolvimento, desempenhado pelo artista

plástico Paulo Rossi Osir. Buscamos aqui exibir o processo de emergência da Osirarte,

vinculado com atividades de cunho político cultural da era Getuliana, como, por exemplo,

a construção do prédio do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, e do

fenômeno do Portinarismo. Para tanto reconstruímos um quadro histórico sócio-político-

cultural relacionando também a técnica e arte da azulejaria.

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This thesis is in quest of to interpret and to present in a critical way the matter

Osirarte as a historical and artistic process in the scene of the modernity of Brazilian art

and the fundamental role on its construction and development played by the artist Paulo

Rossi Osir.

We tried to exhibit the emergencial process of Osirarte, linked to political and

cultural activities in Getúlio Vargas epoch, as for example, the construction of the Ministry

of Education Health building in Rio de Janeiro, and the Portinarism phenomenon. To do

so, we built a social, political and cultural plan, associating the technique and art of tiling.

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Osirarte, Paulo Rossi Osir, Azulejaria, Ministério da Educação e Saúde Pública,

Modernidade.

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Osirarte, Paulo Rossi Osir, Tiling, Ministry of Education and Public Health, Modernity.

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680É5,2� PREFÁCIO .........................................................................................................................09 Capítulo um – DO NEOCOLONIAL À ARQUITETURA MODERNA: A PRESENÇA DO AZULEJO...........................................................................................11 Victor Dubugras e Ricardo Severo: o Neocolonial e a Busca por uma Arte Nacional...........................................................................................................11 Azulejaria Moderna no Brasil: Os Pioneiros ............................................................................16 Arquitetura na Década de 1930: o Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro ......................................................................................................25 Capítulo dois – OS PRIMÓRDIOS DA OSIRARTE.........................................................31 A Criação dos Azulejos para o Ministério da Educação e Saúde: A Negociação .......................................................................................................31 Capítulo três – OSIRARTE: DESTINO E VOCAÇÃO NA MODERNIDADE ...............56 Questões Políticas e Corporativas.......................................................................................56 A Osirarte............................................................................................................................63 Os Painéis ...........................................................................................................................77 A Técnica e Fabricação do Azulejo para Produção da Osirarte: A Decoração em Baixo Esmalte e As Cores.......................................................................88 CONCLUSÃO ....................................................................................................................95 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................97

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O objetivo desta dissertação de mestrado é o de interpretar e apresentar criticamente

a questão da Osirarte como processo histórico e artístico no quadro da Modernidade da arte

brasileira e o papel fundamental na sua formação e desenvolvimento, desempenhado pelo

artista plástico Paulo Rossi Osir. O perfil marcante desta personalidade terá seus contornos

definidos no Capítulo 2, Primórdios da Osirarte, uma vez que são os traços de sua

personalidade que marcam a origem e trajetória deste empreendimento.

Os objetivos específicos incidem sobre o processo de emergência da Osirarte, no

qual buscamos reconstruir um quadro histórico e sócio-político-cultural relacionando

também com a técnica e a arte da azulejaria.

O trabalho inclui uma pesquisa e reflexão de ordem histórica e artística sobre a

Osirarte e seus azulejos. Foi estudado como era essa técnica e os artistas artesãos que

trabalhavam no atelier oficina de Rossi, indicando os chefes da produção, Alfredo Volpi e

Mário Zanini, e os demais participantes desse grupo: Giuliana Giorgi, Hilde Weber, Gerda

Brentani, Ettore Boretti, Maria Wrochnik, Ottone Zorlini, Frans Krajcberg. Havia ainda

aqueles que visitavam o atelier e aproveitavam para pintar um ou outro azulejo, tais como

Ernesto de Fiori e Bruno Giorgi.

Como resultado desta pesquisa, tornou-se evidente que o surgimento da Osirarte

esteve vinculado com atividades de cunho político cultural da era Getuliana e do fenômeno

do Portinarismo. Foi fundamental para a emergência da Osirarte a construção do prédio do

Ministério da Educação e Saúde Pública, no Rio de Janeiro. De fato, esse projeto inovador

de autoria de Lúcio Costa e sua equipe, somado a alguns princípios arquitetônicos

sugeridos pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, foi um marco para a arquitetura

modernista de todo o mundo.

Esta pesquisa tem como marco inicial o ano de 1937, quando Paulo Rossi foi

convidado pelo Ministro Gustavo Capanema e Lúcio Costa para elaborar os azulejos do

pilotis do prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública, no Rio de Janeiro. A

investigação estende-se pelas décadas de 1940 e 1950, período no qual se verifica a

vigência da Osirarte. Tornou-se importante para nós apresentar o contexto histórico da

aparição deste atelier, bem como estabelecer o sentido de sua produção na trama

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arquitetônica da cidade e seu caráter decorativo através de objetos de interiores residenciais

e/ou utilitários.

No decorrer da pesquisa de que esta dissertação é resultante, após o estudo e

reflexão do tema, aspectos interessantes e importantes foram revelados, dos quais cabe

destacar: negociações antecedentes à criação da Osirarte cujo estudo hermenêutico da rica

correspondência entre Cândido Portinari e Paulo Rossi revelaram, bem como depoimento

de Lúcio Costa; atuação da Osirarte em consonância com os ideais sócio-políticos da época

e questões do sindicato e corporativismo; espraiamento e término da Osirarte, suas

extroversões para outros Estados e países e sua atuação no Estado de São Paulo.

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Victor Dubugras e Ricardo Severo: o Neocolonial e a busca por uma arte nacional.

No final do século XIX e início do século XX uma mistura de estilos das mais

variadas tendências foram o traço característico das construções urbanas do Brasil. Com

efeito, o ecletismo perdurou até a década de 1920; arquiteturas que remetiam ao estilo

gótico, neoclássico, florentino, mourisco, normando, entre outros, apareceram nos

principais centros urbanos brasileiros. Em São Paulo, a Avenida Paulista foi o maior

mostruário de arquitetura eclética historicista, de imigrantes desejosos em reproduzir aqui a

arquitetura de seus países; lado a lado, podiam-se encontrar residências otomanas,

românicas, góticas etc.

Na década de 1890 o governo paulistano estava preocupado em construir escolas,

monumentos, hospitais, sedes administrativas e jardins. Nessa fase, a modernização e a

instalação de uma infra-estrutura de base (água, esgoto, luz, bondes elétricos, telefones)

acompanharam a crescente industrialização e expansão demográfica da cidade.

Paralelamente a essa modernização estatal, as construções paulistanas desse período

pré-moderno desenvolviam-se através de arquitetos pioneiros.

O francês Victor Dubugras (1868-1933)1, considerado um dos mais importantes

arquitetos que atuou na cidade de São Paulo e conhecido, sobretudo, pelo projeto da

Estação Ferroviária de Mayrink, além de um conjunto de casas na Avenida Paulista,

interferia, inicialmente, na paisagem urbana paulista com traços característicos da art

nouveau. Construiu uma série de projetos residenciais, dentre eles a casa de Horácio

Sabino (na avenida Paulista, onde hoje se encontra o Conjunto Nacional) e a Vila Uchoa,

na Consolação, ambos de 1903. O caráter marcante das casas de Dubugras era dado pela

continuidade espacial entre os ambientes, o que se tornaria, tempos depois, uma

1 Victor Dubugras nasceu em Sarthe, na França, em 1868. Formou-se na Argentina e se mudou para São Paulo em 1891. Lecionou na Escola Politécnica de São Paulo desde 1894, ano de sua fundação, até 1927, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Trabalhou sob a direção de Ramos de Azevedo no Departamento de Obras Públicas do Estado e foi para a arquitetura brasileira um agente de transição. Atuou até o período final de sua carreira, falecendo no Rio, em 1933.

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característica da casa paulistana de vanguarda da segunda metade do século XX. Apesar de

sua importância, nenhum exemplar residencial de Dubugras foi salvo das demolições,

restando apenas desenhos e fotografias.

Estação Ferroviária de Mairinque, arquiteto Victor Dubugras, 1907. Casa Sabino de Victor Dubugras, de 1903. Foto arquivo FAU USP Avenida Paulista

Após a década de 1910, Dubugras abandonou o art nouveau e passou então a

praticar o estilo Neocolonial divulgado em 1914 pelo engenheiro português Ricardo

Severo. A importância de seus projetos na chamada fase da arquitetura protomoderna, que

antecede e antecipa as formas e processos construtivos, serviram de base para os primeiros

estágios do Movimento Moderno no Brasil.

Por ocasião do Centenário da Independência, realizou o projeto de reurbanização da

Ladeira da Memória, em São Paulo. Foi também o autor dos monumentos da Serra do

Mar, na antiga estrada de Santos, construídos entre 1920 e 1926 e hoje relegados ao

abandono: Pouso de Paranapiacaba, no alto da Serra, Rancho da Maioridade e Padrão do

Lorena em meio a Serra e o Cruzeiro, marcam o início do antigo Caminho do Mar.

Victor Dubugras foi o primeiro arquiteto a usar em seus projetos o estilo

Neocolonial como linguagem plástica. Usemos como exemplo o agenciamento paisagístico

conseguido por ele na reformulação total do Largo da Memória em São Paulo, “onde

degraus, patamares, recantos de estar e o chafariz se sucedem em uma movimentação

ímpar e jamais encontrada nas fontes de inspiração, Portugal ou Colônia, sendo a

ornamentação dita Neocolonial mero recurso decorativo – usado porque talvez estivesse na

moda – que na verdade não interfere na ‘modernidade’ da organização espacial2”. O

movimento Neocolonial foi o meio de expressão do pensamento da época e talvez a última

manifestação eclética de nossa arquitetura.

2 LEMOS, Carlos A. C. in Arquitetura Contemporânea. ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no

Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2v., il. P. 828

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O estilo Neocolonial buscou recuperar nossas tradições arquitetônicas em oposição

à arte neoclássica trazida anteriormente pelos imigrantes, principalmente alemães e

italianos instalados, sobretudo, na cidade de São Paulo.

Na capital paulista, o maior incentivador dessa proposta foi o arquiteto português

Ricardo Severo (1869-1940)3, aqui exilado por questões políticas. Severo é considerado

outro personagem importante no cenário paulistano e brasileiro da década de 1910, quando

inseriu uma nova temática na arquitetura nacional: “Não procurem ver, meus senhores,

nesta veneração tradicionalista, diluída em nostálgica poesia do passado, uma manifestação

de saudosismo romântico e retrógrado. Com efeito, para criar uma arte que seja nossa e de

nosso tempo cumprirá, qualquer que seja a orientação, que não se pesquisem motivos,

origens, fontes de inspiração para muito longe de nós próprios, do meio em que decorreu o

nosso passado e no qual terá que prosseguir o nosso futuro4”. Essas palavras, proferidas em

1914 por Ricardo Severo na conferência A Arte Tradicional Brasileira, realizada na

Sociedade de Cultura Artística de São Paulo, constituem o marco inaugural do movimento

Neocolonial, que tenta propor novas bases para a modernização da arquitetura no Brasil.

A orientação nacionalista do movimento se explica, entre outros aspectos, na defesa

das manifestações artísticas tradicionais como expressões da nacionalidade e como

elementos de constituição de uma arquitetura brasileira. Através da busca das origens

portuguesas na cultura nacional, Severo defendia o estudo da arte colonial para a “perfeita

cristalização da nacionalidade”. O culto à tradição e à exaltação das raízes culturais e

étnicas portuguesas estavam na base da defesa de uma arte brasileira e de um

“renascimento arquitetônico”, nos termos de Severo. Contrapondo-se ao ecletismo

arquitetônico reinante nos séculos XIX e início do XX, o movimento Neocolonial propôs

uma arquitetura de cunho nacional cujas raízes remontavam ao Brasil Colônia.

É bastante esclarecedor o entusiasmo com que o movimento Neocolonial foi

recebido em São Paulo. Dado seu passado colonial pobre, a arquitetura paulista buscou na

3 Ricardo Severo da Fonseca e Costa (Lisboa, Portugal, 1869 – São Paulo, SP, 1940) foi engenheiro, arqueólogo, arquiteto e escritor. Formou-se em Portugal como engenheiro civil de obras públicas em 1890 e engenheiro civil de minas em 1891 na Academia Politécnica do Porto, em Portugal. Em 1891 participou da revolta republicana do Porto e foi obrigado a emigrar para o Brasil. Em 1893 casou-se com Francisca Santos Dumont, irmã do inventor Alberto Santos Dumont e filha do grande cafeicultor Henrique Dumont. Entre 1895 e 1897 regressou a Portugal, onde retomou as atividades de arqueólogo. Em 1908, devido a dificuldades financeiras, voltou definitivamente ao Brasil e se tornou sócio do Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo. Suas relações com o arquiteto aproximaram-se ainda mais quando iniciaram juntos a Campanha Iniciadora Predial e trabalham no Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, do qual Ricardo Severo foi diretor de 1928 a 1940. Dentre suas inúmeras atividades em São Paulo, foi o criador e divulgador do movimento da arquitetura Neocolonial no Brasil. 4 Enciclopédia Itaú Cultural.

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arquitetura de outros Estados a inspiração e o modelo de edificações ricas e luxuosas.

Segundo depoimento de Luís Saia concedido a Aracy Amaral, a arquitetura colonial de São

Paulo feita de taipa não se equiparava à riqueza e elegância do colonial mineiro e baiano:

“O cultivo do Neocolonial na segunda década surgiu implicitamente com a exaltação do nacional, no sentido de buscar a grandeza – isto é, as aparências de um tempo de grandiosidade dentro do contexto do nosso passado – e usaram em São Paulo o colonial mineiro e baiano para se associar a uma linguagem plástica mais condizente com suas idéias na época. (...) Assim, ao aparecer como modismo, o Neocolonial em São Paulo, ele surge – fruto dessa frustração, dessa pobreza cultural aparente de nosso passado diante de um presente rico – com exacerbação maior que a que caracteriza o Neocolonial no Rio, por exemplo 5”.

O movimento Neocolonial defendia uma temática brasileira próxima àquela que os

modernistas iriam exacerbar oito anos depois na Semana de Arte Moderna de 1922. Os

elementos decorativos ressuscitados pelo Neocolonial, como, por exemplo, os azulejos

(tanto os decorativos quanto os padronizados), as treliças, os beirais de telhas, encantaram

também os arquitetos modernistas das décadas seguintes, como Lúcio Costa (1902-1998) e

Oscar Niemeyer (1907- ), que buscavam apresentar ao mercado internacional

características brasileiras da nossa arquitetura. De fato, o movimento Neocolonial foi

precursor do nascimento do Movimento Moderno.

No início, a arquitetura Neocolonial simbolizava apenas uma transposição daquela

arquitetura barroca portuguesa, pois era somente essa a linguagem que Ricardo Severo

sabia projetar. Mas logo, a carência de “características brasileiras” foi sanada, uma vez que

uma ampla pesquisa foi feita no interior de Minas Gerais, Rio de Janeiro e cidades do

nordeste pelo artista plástico paulista José Wasth Rodrigues (1891-1957), que registrou

elementos de composição arquitetônicos até hoje consultados por estudiosos do tema.

No interior do grupo Neocolonial destacavam-se ainda o médico e historiador da

arte José Mariano Filho (1881-1946) – segundo algumas fontes, o responsável pela

denominação Neocolonial – e Lúcio Costa, que se ligou ao movimento entre 1917 e 1930,

quando rompeu com ele e se engajou no chamado movimento moderno da arquitetura

brasileira. A atuação de Mariano Filho à frente da campanha Neocolonial foi intensa. Na

condição de presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes, no Rio de Janeiro,

patrocinou viagens de arquitetos às cidades mineiras (Lúcio Costa visitou Diamantina;

Nestor de Figueiredo, Ouro Preto e Nereu Sampaio, São João Del Rey e Congonhas do

Campo). Além disso, sua influência no governo fez com que o Neocolonial virasse uma 5 AMARAL, Aracy A. Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora 34, 1998. P. 82

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espécie de pauta obrigatória nos concursos públicos e construções oficiais, vide, entre

outros, os projetos dos pavilhões do Brasil na Exposição da Filadélfia (1925) e na

Exposição de Sevilha (1928), diretamente inspirados na arquitetura tradicional brasileira.

Lúcio Costa aderiu ao Neocolonial ainda estudante e, entre 1921 e 1924, concebeu

cinco projetos afinados com o estilo, entre eles o Pavilhão das Grandes Indústrias da

Exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, o plano de Portão, Banco e

Solar Brasileiro, realizado para o concurso do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB e a

Residência Raul Pedrosa, em parceria com Fernando Valentim.

O movimento Neocolonial foi, sobretudo, divulgado por arquitetos estrangeiros:

Ricardo Severo era português, Victor Dubugras francês. Houve fortes reações contra o

neocolonialismo, com porta-vozes de peso intelectual, como Manuel Bandeira (1886-

1968), que por volta de 1915 afirmou: “o movimento pegou – pegou demais6”. Apesar de

os arquitetos viajarem e pesquisarem sobre a arquitetura Colonial, não conseguiram

transpor para as suas construções a idéia de uma arte nacional. Segundo Aracy Amaral, os

arquitetos “utilizavam-se de todos os detalhes do colonial, sem, contudo, absorver-lhe a

linguagem7”. Apenas o continuador da obra de Ricardo Severo, Mariano Filho, foi quem

tentou mostrar que essa arte Neocolonial de nada tinha de brasileira, uma vez que essa

busca por uma identidade nacional se voltava para uma arte portuguesa. Entretanto, apesar

dessas denúncias e críticas o movimento Neocolonial foi o primeiro movimento que se

voltou contra o ecletismo europeu e a favor de uma arte nacional, fato este que não deve

ser descartado.

O discurso do Neocolonial abre um vasto campo para a azulejaria moderna. O

movimento lançado por Ricardo Severo além de buscar uma arquitetura nacional, resgata a

atenção para os detalhes e ornamentos das construções coloniais. A azulejaria ressurge na

década de 1910 como objeto não só de decoração, como também de documentação e

informação, uma vez que artistas utilizavam-se desta cerâmica para apresentar ao público

pinturas de narrativas de fatos históricos brasileiros.

6 AMARAL, Aracy A. Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora 34, 1998. P. 85 7 Idem. P. 85

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Azulejaria Moderna no Brasil: Os Pioneiros.

Com a forte presença da azulejaria no contexto de obras arquitetônicas visando uma

arte nacional no início do século XX, temos como exemplo na cidade de São Paulo a

reforma do Largo da Memória em 1920 e a revitalização do Caminho do Mar, que liga São

Paulo à cidade de Santos ambas executadas por Victor Dubugras. Neste momento,

destacamos o mestre José Wasth Rodrigues8, o primeiro artista a fabricar aqui mesmo as

peças de cerâmica que iriam decorar estas edificações. Seus azulejos pintados um a um são

um exemplo de característica narrativa, documental e decorativa, como veremos em

seguida.

Baseado na arquitetura colonial barroca portuguesa, Wasth Rodrigues foi buscar

nas construções do passado inspirações para a realização de suas obras. O interesse do

Brasil Colônia pelos azulejos pode ser detectado através de encomendas feitas a Portugal

nos séculos XVII e XVIII para a construção de Igrejas Franciscanas9, vide Capela

Dourada, Igrejas São Francisco e São Pedro dos Clérigos e Convento de Santo Antônio,

em Recife, Convento Franciscano, em São Cristóvão, Sergipe, Nossa Senhora da Guia do

Cabedelo, na Paraíba, Nossa Senhora da Corrente, em Penedo, Alagoas e Igrejas

Beneditinas, como Nossa Senhora do Monte Serrat, na Bahia 10.

8 José Wasth Rodrigues nasceu em São Paulo, em 1891. Foi desenhista, pintor, historiador e conselheiro do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 1910 ganhou do Governo do Estado de São Paulo uma bolsa para estudar pintura na Europa. Após quatro anos de permanência em Paris, expôs no Salão dos Artistas Franceses. Regressando ao Brasil, voltou seu interesse a estudos históricos, nunca abandonando a pintura. Dedicou-se também ao desenho arquitetônico documental. Neles apresentou pormenores de velhas casas, ruas, grades, portões, chafarizes, azulejos etc. Em parceria com Guilherme de Almeida, ganhou a concorrência da criação do brasão da cidade de São Paulo. Tornou-se perito em mobiliária e heráldica e foi quem desenhou o escudo da Universidade de São Paulo. Faleceu em 1957, no Rio de Janeiro. 9 As construções conventuais franciscanas organizavam-se em sua maioria em torno de grandes claustros retangulares rodeados de arcada e o pavimento superior composto por arcos ou pilares. As paredes que enquadram esse espaço eram freqüentemente revestidas de azulejo. 10 É interessante notar que apenas em cidades próximas do litoral eram usados azulejos nos séculos XVII e XVIII. Devido às péssimas condições das estradas, o transporte do objeto em cerâmica tornava-se impossível. A solução encontrada em construções mineiras, por exemplo, foi a utilização de tábuas de madeira, que com bordas recortadas eram pintadas e afixadas às paredes da capela mor de forma a lembrar azulejos.

As construções paulistas revestidas com azulejos

do período colonial encontram-se predominantemente no

litoral. No altar da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em

Itanhaém, São Paulo, podemos ver ao centro, sobre o arco,

um painel de 10 x 10 azulejos, pintura azul, na qual a

imagem de Nossa Senhora da Conceição aparece coroada.

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Na parede do arco cruzeiro, acima dos retábulos e parte das laterais, forma-se um tapete de

padrão azul de 4 x 4/8 de grandes folhas recurvadas formando um florão central. A data de

colocação dos azulejos é aproximadamente 1710.

A azulejaria é a grande criação da arte portuguesa no século XVII. Como afirma

Benedito Lima de Toledo, “os ceramistas com sua tradição local enriquecida pela

contribuição da cultura árabe revelaram-se exímios artistas numa manifestação que ficou

indissociável da arte portuguesa: a azulejaria. (...) O azulejo substituiu nas paredes das

igrejas e dos palácios as caras tapeçarias que antes vinham de Flanders e da Holanda e cuja

importação se tornara impossível por causa das guerras que os espanhóis ali travaram

durante quase todo o século. Os especialistas falam em azulejos do ‘tipo tapete’ e em

‘tapeçarias cerâmicas’11”.

No Brasil, os claustros conventuais eram revestidos de azulejos importados de

Portugal e também o exterior dos edifícios que, procedimento arquitetônico bem sucedido

na colônia, foi levado à metrópole – um brasileirismo, portanto. O lado decorativo desta

arte cerâmica era muito importante, somando-se em certo grau o lado prático de

conservação do tempo e de facilidade de limpeza. Nos séculos XVIII e XIX, sobrados com

decoração em azulejos podem ser vistos em Pernambuco, Bahia, Maranhão e Rio de

Janeiro.

Podemos estabelecer um paralelo entre a busca do neocolonial por uma memória

nacional com o conceito da modernidade teorizada por Charles Baudelaire (1821-1867). A

modernidade, ou modernité, defendida pelo poeta na Europa do século XIX buscava a

junção do tempo presente unido ao tempo passado. Baudelaire acreditava que para viver e

sobreviver à modernidade era preciso ter uma formação heróica – e este herói do século

XIX aproximava-se ao herói antigo greco-romano. Para ele, o exemplo modelar da

Antigüidade se limitava à construção; a substância e inspiração da obra construída eram o

objeto desta modernidade. A teoria lançada por Baudelaire está um tanto próxima da

buscada pelo movimento do revival colonial lançada por Ricardo Severo e incorporada por

José Wasth Rodrigues: a inspiração na edificação antiga, colonial, para se erguer o novo,

mas um novo baseado na arquitetura então reinante séculos antes.

Em ocasião da comemoração do Centenário da Independência (1822-1922), quando

os sentimentos nativistas e nacionalistas estavam muito fortes, Victor Dubugras e José

Wasth Rodrigues foram contratados pelo Presidente de Estado Washington Luís para

11 TOLEDO, Benedito Lima de. Arquitetura Contemporânea in ZANINI, Walter, org. História Geral da

Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2v., il. P. 165

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executar obras de grande magnitude, quais sejam: reforma do Largo da Memória, em São

Paulo, e Caminho do Mar, que liga a cidade de Santos à capital paulista.

São Paulo se preparava desde após a I Guerra Mundial para a grande comemoração

do centenário: a capital paulista foi onde a Independência do país foi proclamada e era aqui

que as festividades deveriam ser marcantes. A reforma do Largo da Memória representaria

a memória nacional da vida paulista do século XIX. O azulejo, que traz uma forte

característica decorativa, documental e narrativa, relembraria aos paulistanos o início do

crescimento econômico de São Paulo através da política do café. A remodelação do

Caminho do Mar traria construções que relembrariam a história do país, uma vez que este

percurso era utilizado por D. Pedro II para vir de Santos à capital.

próximo ao chafariz, um enorme painel de azulejos narrando a vida daquele local no século

XIX: tropeiros, soldados, mulatas carregando água e burros de carga com sacos de café

sobre o dorso. Tudo retratado com grande rigor documental.

No começo do século XIX, o Largo da Memória, localizado no início da Rua Palha,

atual Sete de Abril, era ponto de encontro dos moradores da província e caminho

obrigatório dos viajantes que usavam a bica ali existente para encher os seus cantis e dar

água aos animais de carga. Em 1814 o governo da época contratou o engenheiro Daniel

Victor Dubugras deu então ao Largo da Memória um

novo chafariz, escadarias e bancos que acompanham a curvatura

do muro e os diversos níveis do terreno. Próximos aos bancos,

Wasth Rodrigues criou azulejos heráldicos e o brasão da cidade

de São Paulo com a data de 1920. Acima desta arquitetura,

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Pedro Müller (s/d) para construir a estrada do Piques, facilitando então a comunicação

entre São Paulo e o interior. Além da estrada, Müller propôs também a construção do

Largo da Memória, com o alargamento das ladeiras do Pique e da Palha, a construção de

um chafariz e de um obelisco que simbolizaria a ‘memória do zelo do bem público’. O

Largo ficava localizado no limite da chamada ‘cidade nova’, do outro lado do ribeirão

Anhangabaú; confluência de caminhos, porta de entrada do núcleo urbano, numa época em

que as tropas de burros representavam papel importante no transporte de cargas. Pelo

chafariz todos teriam acesso facilitado à água potável.

Construído em pedra de cantaria pelo mestre pedreiro Vicente Gomes Pereira (s/d),

o obelisco nascia de dentro de uma bacia de alvenaria com grades de ferro, que servia

como um reservatório de água vindo do Tanque Reúno, atual Praça da Bandeira.

Em 1872 o chafariz foi retirado da Ladeira de Piques e a estrada, agora de ferro,

transferida para as imediações da Estação da Luz, que passou a representar então o papel

de porta de entrada da cidade. A nova remodelação do Largo da Memória se daria durante

a comemoração do Centenário da Independência do Brasil.

Outro ponto marcante nesse ato histórico tem como grande marco o Caminho do

Mar. Através da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas o presidente do

Brasil mandou construir monumentos alusivos às várias transposições da Serra do Mar,

para comemorar o Centenário da Independência do Brasil. Essas edificações, colocados em

locais estratégicos, permitiam às pessoas que transitavam pelo Caminho que fizessem uma

parada e apreciassem a paisagem, conhecessem um pouco da História de São Paulo e da

Independência do Brasil, contada nos azulejos do artista José Wasth Rodrigues, e

admirassem a arquitetura de pedra do arquiteto Victor Dubugras. Todos os pousos foram

construídos próximos a nascentes de água, com óbvia utilidade no resfriamento dos

motores dos automóveis e das gargantas secas pelo calor abafadiço da serra.

O Caminho do Mar e seus monumentos foram tombados pelo Conselho de Defesa

do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico - Condephaat em 1972.

Considerada "a primeira estrada brasileira revestida com concreto" como vai

registrada na placa comemorativa existente no pontilhão da base da serra, a estrada

representa o marco de uma era tecnológica, comprovada através da transcrição no azulejo

de um dos seus pousos:

As grandes linhas férreas de penetração pouco valem sem todo um sistema de bons caminhos por onde possam vir às estações os produtos de toda sorte. A estrada de rodagem é hoje, em toda parte do mundo civilizado, tanto ou mais

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importante que a via férrea. Basta lembrar que o automóvel será o principal meio de locomoção no futuro... Tropas e Tropeiros, junho 1904. Afonso Arinos.

Esse texto transcrito nos azulejos dá conta da importância da azulejaria como

veículo de informação e comunicação em uma época em que a industrialização começava a

crescer no Estado de São Paulo e, conseqüentemente, no Brasil.

Alguns dos pousos trazem documentados em azulejos de José Wasth Rodrigues a

história do Brasil e do Caminho do Mar. São eles, tomando como marco zero a Praça da

Sé:

1) Pouso de Paranapiacaba: no pátio da frente deste monumento há um painel de azulejos

PARANÁ mar, APIAC ver e CABA lugar, sítio. A tradução literal da palavra é, portanto,

LUGAR DE VER O MAR ou MIRAMAR. O Pouso de Paranapiacaba foi erigido exatamente

no local aonde o viajante vindo de São Paulo toma o mar como primeira visão.

2) Rancho da Maioridade: Este pouso nos remete à construção da Estrada da Maioridade e

a visita da Família Real em 1846. Bem ao centro estão as armas do Império, com seu

escudo e esfera armilar. Esse símbolo vem do tempo de D. Manoel e assinala a era dos

Descobrimentos. Depois do período colonial, no Brasil, foi fixado como símbolo nacional

Essa situação privilegiada não deixou de

sensibilizar intelectuais da época: em 1922,

Oswald de Andrade (1890-1954),

acompanhado de outros integrantes do

movimento modernista, costumava dirigir-

se ao recém-construído Pouso de

Paranapiacaba. Ali, durante algumas noites,

os integrantes do grupo recitavam suas

poesias tendo a Serra por cenário.

que tem como tema um mapa rodoviário de São Paulo;

um dos primeiros que surgiu na era do rodoviarismo.

Nesse monumento, seu nome, “Pouso de

Paranapiacaba”, se acha gravado bem à frente, na face

voltada ao planalto. A denominação, escolhida por

Washington Luís, deve ter sido proposital: a palavra

tupi-guarani é composta pelos seguintes vocábulos:

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da Independência. Uma barra de azulejo ladeia as molduras da base da coluna; de um lado

mostra a viagem que D. Pedro II e comitiva fizeram em 1846; de outro, figuras políticas da

3) Padrão do Lorena: No mirante da baixada vê-se no intradorso do arco central um

medalhão de azulejo com a figura de Bernardo José Maria de Lorena (1756-1818)12, a

quem o Caminho do Mar deveu grandes melhorias.

12 Bernardo José Maria de Lorena e Silveira nasceu em 20 de abril de 1756 em Campo Grande e faleceu no Rio de Janeiro em 1818. Foi um filiado e administrador colonial português. Em 1786 foi nomeado capitão-general governador da Capitania de São Paulo, mas tomou posse somente no ano de 1788. Seu governo durou nove anos, terminando em 1797. Entre suas obras mais importantes, destaca-se a Calçada do Lorena, o primeiro caminho calçado com pedras na Serra do Mar. Terminando seu governo em São Paulo, foi transferido para a Capitania de Minas Gerais, da qual foi governador até 1803. Em 1806 foi nomeado vice-rei da Índia, que governou também por nove anos, até 1816. Radicou-se até falecer no Rio de Janeiro.

época, tais como Antônio Carlos,

Martim Francisco, Senador

Vergueiro, Regente Feijó,

Brigadeiro Tobias, Duque de

Caxias, Brigadeiro Machado,

Marquês de S. Vicente, Marquês

de M. Alegre, Paula Sousa. No

alpendre um painel de azulejo que

mostra a vista de Itanhaém, na

qual se vêem duas igrejas

históricas daquela cidade.

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4) Cruzeiro na raiz da serra: o grande Cruzeiro de granito mostra o significado histórico

do Caminho. A cruz situa-se ao centro de uma pequena praça resultante da bifurcação da

pista. Em seu pedestal, os nomes de Tibiriçá, Anchieta, Mem de Sá, Nóbrega, Leonardo

Nunes, Martim Afonso, João Ramalho, Brás Cubas, e as datas 1500 e 1922; o azulejo de

Wasth Rodrigues, colocado à volta da base, nos mostra, em uma face, a figura do Padre

José de Anchieta, cujo nome ficou ligado ao antigo caminho; em outra face, são

representadas caravelas, homenagem aos navegantes descobridores.

Os azulejos de José Wasth Rodrigues, executados em diversos tons de azul, foram

queimados na Fábrica de Louças Santa Catharina, fundada em 1913, por Romeo Ranzini –

a técnica de queima aqui utilizada era a sobreesmalte, ou seja, o azulejo era pintado sobre a

superfície vidrada e depois era queimado novamente a fim de que a tinta se fundisse ao

esmalte.

Aproveitando-se da abundância de caulim existente na região de Itapecerica, em

São Paulo, o imigrante italiano Romeo Ranzini fundou, juntamente com quatro sócios, sua

fábrica no bairro da Água Branca / Lapa, onde funcionou até o final da década de 1930 ao

Na face voltada a Serra um enorme

monumento que evoca a construção

da Calçada do Lorena. Nele estão

chantadas dois marcos que

pertenceram ao monumento erigido

em homenagem à rainha D. Maria I,

em 1792.

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ser vendida a Francisco Matarazzo – quando a fábrica teve seu nome alterado para Fábrica

de Louças da Água Branca13 e logo Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo14. A

importação de fornos alemães com capacidade para produzir 10.000 azulejos por dia

permitiu à Santa Catharina que se tornasse uma das maiores fábricas de cerâmica da época,

com 1.000 funcionários, dentre eles mulheres e crianças, e uma mão de obra estrangeira

extremamente especializada.

Durante a I Guerra Mundial (1914-1918) com a drástica redução das importações,

as empresas nacionais de louça tiveram um impulso decisivo, ganhando mercado e

abastecendo a demanda nacional. Com o final da Guerra, as grandes importações de

cerâmica branca, sobretudo inglesa, consideradas mais diversificadas, mais baratas e de

melhor qualidade, voltaram a encher o mercado brasileiro acabando por limitar por vários

anos a expansão e o desenvolvimento da indústria de louça nacional.

Apesar da grande quantidade de cerâmica importada para o Brasil, a decoração com

azulejos nacionais ganhou força e se tornou moda em construções neocoloniais e

modernistas. José Wasth Rodrigues, em seu Manual Arquitetônico, publicado pela

primeira vez em 1975, resgata a influência dos azulejos na arquitetura brasileira:

A ornamentação em azulejos, de que Portugal é tão rico, foi também muito usada no Brasil, nos séculos passados, principalmente em Igrejas e Conventos, tanto em painéis com cenas religiosas ou profanas como em tapetes, ocorrendo em muito menor número em residências civis. Nas casas residenciais, quando os havia, formavam lambris nos corredores e vestíbulos, ou painéis avulsos com imagens religiosas; raramente com cenas profanas.

Nos meados do século passado (XIX) surgiu entre nós a aplicação do azulejo no revestimento exterior das fachadas, uso que se estende por todo o Brasil, forrando-se também com eles corredores, vestíbulos, banheiros e cozinhas. São estes azulejos pintados à mão, ou feitos com moldes ou mesmo estampados15.

No final da década de 1920 e início da década de 1930, a azulejaria nacional já

tinha um discurso, uma maturidade, principalmente devido às construções e marcos da

comemoração do centenário da independência do Brasil. O período neocolonial se liga a

13 ALCANTARA, Dora, org. Azulejos na Cultura Luso-Brasileira. Rio de Janeiro: Editora do Patrimônio – Ministério da Cultura, IPHAN, 1997. 14 O sucesso das Indústrias Matarazzo foi muito grande, o que levou Francesco Matarazzo, seu fundador, a reunir todas as suas indústrias em uma só, fundando então as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Saindo da zona leste de São Paulo, fixou-se no Bairro da Água Branca, Zona Oeste, o que foi fundamental para a industrialização e urbanização da Água Branca e da Lapa. Com o fomento da indústria na região, essa passou a ser um pólo de atração dos operários recém chegados à cidade. 15 RODRIGUES, José Wasth. Documentário Arquitetônico. São Paulo: Itatiaia, 1990. P. 224

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um forte movimento de modernização da arquitetura, uma vez que as novas edificações

primeiramente neocoloniais e em seguida modernas simbolizavam o progresso nacional.

A década de 1920 terminou com a chegada de Charles-Edouard Jeanneret Le

Corbusier (1887-1965) ao Brasil, passando por aqui ao retornar de Montevidéu e Buenos

Aires. Sua visita transformaria a história da arquitetura no país.

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Arquitetura na década de 1930: o Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro

Em 1929 Le Corbusier de volta de sua viagem à Argentina e Uruguai percorreu as

cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, sendo recebido em ambos os Estados por políticos e

personalidades importantes da época, pertencentes a uma elite cafezista e conhecedora do

que havia de melhor na Europa. O arquiteto franco-suíço visitou obras e expôs, em uma

série de conferências, suas propostas revolucionárias. Em São Paulo, foi oficialmente

recebido na Câmara Municipal e debateu sobre os problemas de crescimento da cidade

industrial, bem como a completa renovação dos conceitos arquitetônicos e de construção

ocorridos no início do século XX.

No Rio de Janeiro, Le Corbusier traçou uma antevisão para a expansão demográfica

que, conforme previu, se daria em direção à zona sul, daí ser indispensável um plano que

atendesse a essa expansão ao mesmo tempo em que preservasse a exígua faixa de solo

entre a montanha e o mar, em um perfeito equilíbrio entre a natureza e a massa construída.

Carlos Lemos, em História Geral da Arte no Brasil, nos mostra a influência que Le

Corbusier transmitiu aos estudantes de arquitetura paulistas e cariocas:

“Acreditamos que essa visita e seus ecos tenham sido realmente importantes para os jovens que assistiram às aulas do arquiteto funcionalista. Deve ter aberto os olhos de muito estudante e impulsionado a uma nova visão arquitetos vinculados à tutela de José Mariano Filho como Lúcio Costa, que já havia ganho concursos de arquitetura onde transpareciam os seus conhecimentos de arquitetura tradicional buscados nos tempos do Neocolonial misturados com soluções próprias dos estilos das missões mexicanas e californianas. Foi exemplar a lucidez de Lúcio Costa depois dessa visita, tempo em que foram muito poucos os capazes de reformular conceitos e de se libertarem dos ensinamentos obsoletos das escolas ditas tradicionalistas, especialmente a sua, a Nacional de Belas Artes, que logo passou a dirigir a convite de seu amigo Rodrigo Mello Franco de Andrade, em 1930”16.

Os anos de 1930 foram a década do concreto armado, da construção dos edifícios

de apartamentos e os altos prédios de escritórios. No Rio de Janeiro, arquitetos recém

saídos da Faculdade de Belas Artes, fizeram vingar o movimento arquitetônico modernista

brasileiro. Esta década pode ser considerada decisiva para a cultura nacional, porque “a

partir daí pudemos mostrar que estávamos levando avante um amplo processo de recriação

usando como ponto de partida a experiência dos mestres internacionais da arquitetura

16 LEMOS, Carlos A. C.. Arquitetura Contemporânea in ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2v., il. P. 837

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racional17”. O processo de concretização de a arquitetura modernista ter sido no Rio de

Janeiro é claro: a cidade era a capital federal do país, a sede da única escola de arquitetura

do Brasil e o local de convergência de intelectuais, artistas e técnicos, todos juntos com

oportunidade de emprego e soma de esforços.

A arquitetura modernista muito deve a homens como o mineiro Gustavo Capanema

(1900-1985), então Ministro da Educação e Saúde, e Rodrigo Mello Franco de Andrade

(1898-1969). Ambos estavam muito ligados aos grupos literários modernos, o que viria a

ser de grande importância no momento de tomarem a decisão por ocasião do concurso de

projetos para a construção da nova sede do órgão que dirigiam.

O júri do concurso, realizado em abril de 1935, era composto por Souza Aguiar

(1889-1978) (engenheiro chefe de serviço de obras do Ministério da Educação e Saúde,

MES), Salvador Duque Estrada Batalha, Adolfo Morales de los Rios Filho, Natal Palladini

e Gustavo Capanema, como presidente da equipe. A classificação dos anteprojetos recaiu

sobre três propostas: Alpha, de Arquimedes Memória, Minerva, de Gerson Pompeu

Pinheiro e Pax, de Rafael Galvão e Mário Fertini. Os projetos que desrespeitaram as

normas do edital foram automaticamente desclassificados e isso incluía os dos arquitetos

modernistas.

A crítica destes arquitetos eliminados do concurso pôde ser lida na revista da

Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, onde se lamentava o fato de os

anteprojetos não terem sido expostos e apresentava dois destes trabalhos, o de Afonso

Eduardo Reidy (1909-1964) e o de Jorge Machado Moreira (1904-1992) e Ernani

Vasconcelos (1912-1989). No entanto, como programado, a seleção final foi feita após

quarenta e cinco dias do anúncio dos finalistas, tempo que os autores dispuseram para

desenvolver o projeto apresentado no concurso. A obra de Arquimedes Memória foi a

selecionada.

A posterior desconsideração do resultado do concurso pelo Ministro e a escolha de

Lúcio Costa (1902-1998) para coordenar a elaboração de um novo projeto são

acontecimentos notórios. Gustavo Capanema, cercado por célebres assessores modernistas,

dentre eles Manuel Bandeira, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Mário de Andrade (1893-

1945) e, principalmente, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), ficou desolado com

o resultado do concurso, decidindo-se então por chamar Lúcio Costa para realizar o projeto

e a construção do prédio do MES. O arquiteto convenceu Gustavo Capanema a solicitar de

17 LEMOS, Carlos A. C.. Arquitetura Contemporânea in ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2v., il. P. 840.

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Getúlio Vargas a vinda de Le Corbusier para emitir parecer sobre o novo projeto para o

prédio18.

Em 25 de março de 1936 Gustavo Capanema convidou oficialmente Lúcio Costa

para desenvolver o projeto do prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública:

Rio, 25 de março de 1936. Ilmo. Sr. arquiteto Lúcio Costa

Confirmando nossos entendimentos anteriores sobre o assunto, solicito-vos a elaboração de um projeto de edifício para a sede desta Secretaria de Estado, tendo em vista o plano de reorganização dos serviços do Ministério da Educação e Saúde Pública, apresentado ao Poder Legislativo, em dezembro do ano passado.

Desejo, igualmente, que me declareis qual o preço pelo qual o ministério poderá adquirir esse vosso trabalho.

Saudações atenciosas. Gustavo Capanema. 19

Em 30 de março de 1936 Lúcio Costa escreveu a Souza Aguiar aceitando o convite

de Gustavo Capanema, mas adiantou que todos os arquitetos modernistas que prestaram o

concurso junto com ele, e tiveram seus projetos excluídos, deveriam colaborar na

concretização da planta do novo edifício.

Rio de Janeiro, 30 de março de 1936 Exmo. Sr. dr. Souza Aguiar MD. superintendente de Obras e Transportes do Ministério da Educação e

Saúde Pública.

De acordo com o convite a mim dirigido pelo Exmo. Sr. Ministro da Educação e Saúde Pública, proponho-me – em colaboração com os arquitetos srs. Jorge Machado Moreira, Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Oscar Niemeyer Soares Filho e Ernani M. Vasconcelos – elaborar projeto para a construção da futura sede dessa Secretaria de Estado, (...).

Atenciosas saudações. Lúcio Costa20

Assim foi constituída uma equipe histórica cujo trabalho veio simbolizar a

introdução oficial da arquitetura moderna no país.

Le Corbusier chegou ao Rio de Janeiro em julho de 1936 para discutir o projeto, já

pronto, com os arquitetos brasileiros. Após uma série de reuniões e mudanças do projeto

original, inicialmente em forma de U (apelidado de múmia por Le Corbusier), a equipe

18 LISSOVKSKY, Maurício; SÁ, Paulo Sérgio Moraes de. Colunas da Educação – A Construção do Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro: MinC/IPHAN; Fundação Getúlio Vargas/CPDOC, 1996. P. XIV 19 Idem P. 56 20 Ibidem Idem P. 57

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chegou a um projeto próximo do que viria a ser o prédio do modo como o conhecemos

hoje. O arquiteto franco-suíço propôs ainda a alteração do local de construção do

Ministério: queria que fosse implantado na Avenida Beira Mar, projeto que acabou sendo

abortado devido ao tamanho do edifício e sua proximidade com o aeroporto Santos

Dummont. Para Le Corbusier, a edificação deveria ser construída em um espaço onde não

houvesse interferência de outros Ministérios; para ele, se o MES fizesse parte do conjunto

arquitetônico ministerial, seria impossível atingir uma maior impressão de nobreza e de

grandiosidade.

Somente no final do ano de 1936 a equipe de arquitetos, já sem a presença de Le

Corbusier que havia regressado à França, encontrou o local e a solução final para a

construção do Ministério da Educação e Saúde Pública: o lugar seria o terreno

anteriormente escolhido, Esplanada do Castelo, no centro da Capital da República e a

solução seria a modificação da planta inicial seguindo proposta de Le Corbusier que

sugeria a quebra da simetria do projeto original, mantendo a construção do prédio em um

só bloco horizontal. O Ministério seria constituído por uma fachada totalmente envidraçada

e suspenso sobre colunas.

Lúcio Costa escreveu a Le Corbusier em 3 de julho de 1937 falando sobre a

elaboração do novo projeto:

“Reconhecida a impossibilidade de construí-lo no magnífico terreno que o senhor escolheu – porque ele teria que ser muito mais baixo e sem poder desenvolvê-lo em seguida, por causa do aeroporto; e certificado, de outro lado, que a ‘múmia’ estava já bem morta – fizemos um novo projeto, inspirado diretamente em seus estudos. Oscar, que se revelou de repente – depois de sua partida – a estrela do grupo, é o principal responsável e espera, comovido, certamente – como todos nós, aliás – o OK de Jeová. (...)

Aceite, pois, caro Le Corbusier, com nossas melhores lembranças, nossa amizade.

Lúcio Costa21”.

21 LISSOVKSKY, Maurício; SÁ, Paulo Sérgio Moraes de. Colunas da Educação – A Construção do Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro: MinC/IPHAN; Fundação Getúlio Vargas/CPDOC, 1996. P. 137

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Em 1936 a azulejaria foi chamada a participar deste projeto: mais uma vez era

contemplado um elemento da cultura nacional. Cândido Portinari, amigo de Gustavo

Capanema, fora convidado a pintar grandes murais para o Ministério da Educação e Saúde

e a desenvolver motivos para azulejos que revestiriam o lado externo do edifício. Paulo

Rossi Osir, como vemos em sua carta para Carlos Leão (1906-1986), datada de 17 de abril

de 1936, é aparentemente sondado por Lúcio Costa e Gregório Warchavchik (1896-1972)

para executar um serviço, ao que tudo indica, para o prédio do Ministério.

Depois de terminada a construção, chegou a

vez de preencher os espaços com obras de arte.

Todas encomendadas pelo Ministro Gustavo

Capanema, pinturas e esculturas partilhariam o

espaço com o edifício, já considerado nos

tempos de sua inauguração como uma obra de

arte unida a realizações técnicas inusitadas.

Celso Antônio (1896-1984), Jacques Lipschitz

(1891-1973), Bruno Giorgi (1905-1993), Paulo

Rossi Osir (1890-1959), Roberto Burle Marx

(1909-1994), Cândido Portinari (1903-1962)

executaram trabalhos para o prédio do MES.

As obras tiveram de fato início em 02 de maio de

1937. Em setembro do mesmo ano Oscar

Niemeyer substituiu Lúcio Costa na chefia do

grupo de arquitetos, afastado por motivos de

saúde. Permanecia somente como principal

conselheiro do Ministro e da própria comissão de

arquitetos. O prédio seria inaugurado em 03 de

outubro de 1945, oito anos após o início das

construções e dez após o início das negociações

entre arquitetos e políticos.

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“Caro Carlos”, Vieram ontem me visitar Lúcio Costa e Gregório Warchavchik, justamente

n’uma hora em que eu não estava em casa. Quando soube da visita fiquei muito desapontado e fiz muitas suposições sobre o facto, chegando mesmo a pensar que vocês teriam trançado pauzinhos para me arranjar uma collocação ahi no Rio.

Telephonei esta manhã ao Gregório e soube do que se tratava. Lúcio queria ver uns trabalhos meus, de aquarella e architectura, para julgar se podia confiar-me um serviço, não sei exatamente se de perspectiva e aquarella, ou simplesmente de aquarella. Trata-se, pelo que eu compreendi, do tal projecto de Ministério de que você me fallou. (...).

Um grande abraço a vocês dois do Paulo Rossi.”

As negociações para a execução dos azulejos se estenderiam por longos anos. O

trabalho estaria concluído em 1946 após a inauguração do prédio do Ministério.

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A Criação dos Azulejos para o Ministério da Educação e Saúde: A Negociação

O Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado em dezembro de 1930, logo

após a vitória da Revolução de 301. Desde a sua criação até julho de 1934, quando tomou

posse Gustavo Capanema, sua chefia já havia sido exercida por três Ministros, mas foi

durante a gestão do mineiro Capanema que o Ministério ganhou a personalidade e

configuração que o caracterizaria por toda a era Vargas.

Durante os dois primeiros anos da gestão Capanema, o Ministro empenhou-se em

oferecer à população e aos funcionários instalações adequadas, facilidade no atendimento e

sistema eficiente de fluxos burocráticos. Dada estas preocupações, surgiu a idéia da

construção de um edifício único que abrigasse ambos os órgãos, para que assim houvesse a

melhora necessária no sistema público da educação e saúde e ainda uma diminuição

considerável nas despesas com aluguéis. A estas razões de ordem eminentemente

administrativas, somava-se o interesse de dotar o Ministério de uma face pública, um

edifício sede que sintetizasse o espírito dessa gerência.

O Palácio Gustavo Capanema, nome como hoje é conhecido, deveria refletir

através de sua construção uma natureza ancorada no passado e na tradição e ao mesmo

tempo ter uma capacidade de expressar a antecipação de um futuro real e plausível2.

1 Movimento armado liderado pelos Estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul que culminou com a deposição do presidente paulista Washington Luís. Getúlio Vargas assumiu a chefia do governo provisório em 03 de novembro de 1930, data que marca o fim da República Velha. 2 LISSOVKSKY, Maurício; SÁ, Paulo Sérgio Moraes de. Colunas da Educação – A Construção do

Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro: MinC/IPHAN; Fundação Getúlio Vargas/CPDOC, 1996. P 22

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Celso Antônio Maternidade, década de 1940. Jardins do terraço do Ministério

Cândido Portinari Bruno Giorigi3 Painéis Ciclos Econômicos Mulher de Pé Salão de Audiências do MES Sala de espera do elevador do Ministério

3 A Igreja do Outeiro da Glória foi construída entre os anos de 1714 a 1739 pelo engenheiro e arquiteto Tenente-Coronel José Cardoso de Ramalho. Os azulejos datam de 1735/40 e foram feitos pelo Mestre Valentim de Almeida (1745-1813), um dos principais artistas do Brasil Colonial, tendo atuado como escultor, entalhador e urbanista no Rio de Janeiro. 4 LOURENÇO, Maria Cecília França. Operários da Modernidade. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1995. P. 176

Sua arquitetura não pode ser considerada como

uma obra de cunho totalmente nacional, mas seus

componentes decorativos deveriam preencher esta lacuna:

esculturas de Celso Antônio e Bruno Giorgi lembrariam o

homem brasileiro, painéis de Cândido Portinari trariam

aspectos da história econômica brasileira, dentre eles

algodão, café, pau-brasil, gado, ouro etc., da primeira

aula dos jesuítas no Brasil, cenas da vida infantil e ainda

telas abstratas sobre o motivo dos quatro elementos: água,

fogo, terra e ar. Os jardins seriam do paisagista Roberto

Burle Marx.

Os azulejos, criados especialmente para o prédio

do MES e cuja tonalidade azul fora inspirada nos da

Igreja do Outeiro da Glória3, no Rio de Janeiro, foram

sugeridos, segundo Maria Cecília França Lourenço e

Carlos Lemos, por Le Corbusier: “a opção pelos

azulejos, segundo historiadores de arquitetura, entre os

quais Carlos Lemos, deveu-se a Le Corbusier, dentro de

suas preocupações em utilizar materiais locais como

suporte de novas expressões plásticas4.”

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características nacionais. O projeto de Portinari não seguiu a orientação inicial, cuja

sugestão era de que as peças em cerâmica tivessem motivos históricos ou geométricos. Os

painéis representam temas marinhos, mais condizentes com o ambiente carioca:

O começo da Vida: da Vida surgindo à luz do dia em pleno Mar, em que conchas, peixes, cavalinhos do mar etc, em diversos tons de azul, parecem flutuar, contidos por linhas sinuosas que, embora de concepção bastante livre e mesmo abstrata, evocam as ondas do mar5.

Antes da chegada de Le Corbusier ao Rio de Janeiro, em julho de 1936, para a

consultoria do projeto do Edifício da Educação e Saúde, percebemos que já havia sido

levantada a hipótese da colaboração de Rossi na execução de trabalho plástico para o

prédio do Ministério, como vimos no capítulo anterior em carta de Rossi Osir a Carlos

Leão em 17 de abril de 1936.

O início da construção do prédio do MES foi em 1937. Pouco tempo depois,

Portinari começou a trabalhar em um galpão próximo às obras onde esboçava seus estudos

para os grandes painéis. Seus desenhos eram feitos em papel de embrulho marrom, grande,

em tamanho natural. Os painéis que hoje decoram o auditório do Ministério, por exemplo,

mostravam, segundo Lúcio Costa, “figuras dos índios, desenhos apuradíssimos, como se

fossem documentos, de tão precisos. Ele (Portinari) levou meses naquilo e acabou

resultando, felizmente, no que está lá. É uma coisa meio abstrata, como a vaga sugestão do

padre jesuíta ensinando6”.

O Ministro Gustavo Capanema foi o responsável pela definição da planta do

edifício e das obras de arte que o comporiam: tudo partia de Capanema; era ele quem

5 BRILL, Alice. Mário Zanini e seu Tempo. São Paulo: Perspectiva, 1984. P 86 6 Entrevista com Lúcio Costa, realizada em 22 de dezembro de 1982, no Rio de Janeiro. Projeto Portinari, Programa Depoimentos. P. 18

Sua utilização na base do Ministério resultaria em

um aspecto decorativo de grande leveza e ao mesmo

tempo revalorizaria um material típico da arquitetura

colonial brasileira, atendendo, portanto, o desejo de

Capanema de decorar o prédio com obras de

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mobilizava todos os acontecimentos. Em entrevista concedida ao Projeto Portinari, em

1982, Lúcio Costa nos conta que o Ministro pessoalmente convocava os críticos, pedia

suas opiniões e chamava, principalmente, por Mário de Andrade.

Em oposição à afirmação de Carlos Lemos e Maria Cecília França Lourenço, a de

que a idéia da construção dos azulejos teria partido de Le Corbusier, Lúcio Costa nos conta

que Le Corbusier realmente sugeriu o revestimento de azulejos, mas para outra edificação

que não a do Ministério. Sua idéia seria então, no futuro, aproveitada por Lúcio Costa e a

equipe de arquitetos para o prédio da Educação e Saúde:

Sobre essa idéia dos azulejos no Ministério, interessa registrar talvez uma coisa à parte. É que, inicialmente, nós não tínhamos idéia de botar azulejo no Ministério. Acabou ficando uma coisa que marcou muito, como sendo uma construção original nossa, a incorporação da azulejaria – que era uma tradição nossa – numa arquitetura contemporânea. Agora, na realidade o que ocorreu foi o seguinte: o Capanema, na época, estava empenhado em fazer uma série de escolas técnicas, para ensino profissional. E o Corbusier tinha estado aqui por umas três semanas, nesse período (1936). Uma ocasião, no gabinete, o Capanema quis mostrar os projetos destas escolas que estava querendo fazer, que eram projetos bastante medíocres, metidos a arquitetura da época, mas fracos, do arquiteto Porto, eu acho, não me lembro. E o Corbusier então sugeriu, conversando com ele e rascunhando um papel que estava sobre a mesa: ‘– o Senhor deve fazer o seguinte para essas escolas profissionais. Faça uma estrutura grande, coberta de shed.’ Shed é aquele telhado de fábrica inclinado, com iluminação zenital. E o Corbusier continuou: ‘– Faça os muros de alvenaria de pedra rústica e forrem os allèges com azulejos’. Allèges que ele chama são os peitoris das janelas, que eram corridas. Foi a primeira vez que ele sugeriu a idéia dos azulejos. E ficou essa sugestão lá no ar. Nós prosseguimos com o trabalho, e muitos anos depois, quando chegou na fase de decidir o problema do revestimento das fachadas, aí é que eu me lembrei dessa sugestão dele para as escolas profissionais, que não foi aproveitada, aliás. Me lembrei de fazer a experiência no próprio MEC, aplicar azulejos nas paredes térreas que não eram estruturais. As colunas são que suportam, de modo que o azulejo ficaria muito bem, em padrão geométrico, uma coisa assim, e não aquelas fantasias que o Capanema inicialmente estava pretendendo, com a colaboração de Mário e outros. E assim foi feito.7

Depois de definido que os revestimentos da base do prédio do MES seriam os

azulejos, Lúcio Costa relatou que Mário de Andrade e Gustavo Capanema ficavam, juntos,

programando temas históricos para figurar e servir de base para os azulejos, de modo que a

decoração ficaria como se fossem histórias em quadrinhos.

Antes da definição de Cândido Portinari, Alberto da Veiga Guignard foi contratado

para que fizesse uma série de estudos para compor os azulejos. Segundo Lúcio Costa, estes

7 Entrevista com Lúcio Costa, realizada em 22 de dezembro de 1982, no Rio de Janeiro. Projeto Portinari, Programa Depoimentos. P. 19 e 20

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estudos eram azuis e tinham várias composições, de acordo com os temas. “Felizmente

isso tudo fracassou, porque não cabia, ficaria muito inadequado ali no Ministério”.

Na encomenda dos azulejos houve várias tentativas que não deram certo, dentre

elas os desenhos de Guignard. Portinari, segundo Lúcio Costa, “já estava lá, com a mão na

massa, fazendo as outras coisas e os azulejos caminharam para motivos mais abstratos, que

não fossem figurativos, de cenas históricas”.

Nessa época, no ano de 1940, Portinari já era o pintor oficial, prestigiado pelo

Ministro e por Carlos Drummond de Andrade, seu chefe de gabinete. O pintor de

Brodósqui forneceu então a Paulo Rossi Osir os motivos, os desenhos dos azulejos, e o

artista paulista os executou.

A amizade entre Lúcio Costa, Cândido Portinari e Paulo Rossi Osir vinha desde o

ano de 1931 quando Portinari voltou ao Brasil após permanecer dois anos estudando em

Paris graças à obtenção do prêmio Viagem ao Estrangeiro8. A amizade entre os três se

daria quando da direção de Lúcio Costa na Escola Nacional de Belas Artes e a organização

do Salão Nacional de Belas Artes, ou Salão Revolucionário (falaremos dele mais

profundamente no próximo capítulo), como ficaria conhecido.

Lúcio Costa conta que tomou contato com Portinari após a volta dele de Paris,

quando o pintor fez uma exposição no Palace Hotel da cidade, no Rio de Janeiro, com

trabalhos que havia trazido de sua estada na Europa.

Neste ano de 1931 Rossi já se correspondia com Portinari, uma vez que temos

posse de uma carta datada de 16 de setembro, no qual um dos assuntos é Lúcio Costa, a

Escola Nacional de Belas Artes e o pedido de Rossi para que Portinari entregasse

pessoalmente ao arquiteto uma correspondência que seguia anexo.

Quando Rossi foi cotado para executar os azulejos do prédio do Ministério,

chamamos a atenção para a figura de José Watsh Rodrigues: contemporâneo de Paulo

Rossi Osir, os dois eram colegas de SPAM9 e conviviam juntos nas rodas de arte,

8 Em 1928 Portinari conquistou o prêmio de Viagem ao Estrangeiro, em decorrência da Exposição Geral de Belas-Artes, de tradição acadêmica. Partiu em 1929 para Paris, onde permaneceu até o início de 1931. Foi após seu retorno que decidiu retratar em suas telas o povo brasileiro, superando aos poucos sua formação acadêmica e ganhando uma personalidade moderna e experimentalista. 9 A SPAM, Sociedade Pró Arte Moderna, fundada em outubro de 1932, tinha por objetivo ‘estreitar as relações entre os artistas e as pessoas que se interessavam pela arte em todas as suas manifestações’, promover exposições, concertos, conferências, reuniões literárias, organizar uma vez por ano o mês da arte e instalar uma sede social, com salão de festas e exposições, sala de leitura, atelier para artistas etc. Apesar de sua curta duração (até março de 1934), a SPAM realizou quase tudo que se propôs a fazer. Seus fundadores, dentre outros, foram Paulo e Alice Rossi Osir, Wasth Rodrigues, Paulo Mendes de Almeida, Olívia Guedes Penteado, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Victor Brecheret, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade.

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conversavam e trocavam experiências sobre técnicas da pintura e possivelmente sobre os

azulejos, que eram queimados, inclusive, na mesma fábrica da Lapa. No entanto, ao

contrário de Watsh Rodrigues, Rossi tinha como objetivo, em seus azulejos, libertar-se

tanto da técnica quanto do assunto da tradição colonial.

Em entrevista concedida ao Jornal A Manhã, no Rio de Janeiro, em 14 de julho de

1943, Rossi respeita a prática herdada pelos portugueses, mas demonstra seu desejo de

inovação:

Temos, é certo, uma tradição do azulejo, herdada dos portugueses que tão criteriosamente a aplicaram na época colonial e retransmitiram até nossos dias, através dos períodos imperial e contemporâneo. Mas é dessa tradição que eu desejava libertar-me e tanto da técnica como do assunto, a fim de encontrar algo que diferenciasse a nossa arte decorativa da portuguesa e da dos outros povos americanos.

Apesar de os azulejos do Ministério terem sido executados somente em 1940, no

ano de 1937 o interesse de Rossi pela cerâmica e o desafio que esta lhe proporcionaria já

eram grandes, o que pode ser percebido através de nova carta enviada a Carlos Leão,

datada de 14 de outubro, na qual perguntava sobre as novidades a respeito dos azulejos,

demonstrando preocupação e desejo na realização deste trabalho.

Ruth e Carlos Leão, Carríssmos. Como vão os doisinhos? Aproveitando bastante a praia um? Trabalhando

muito o outro? Eu aqui sinto-me esquecido. Trabalho sem proveito. Encontro difficuldade em tudo. Estou desanimado. Talvez esteja perdendo fósforo... Não sei.

Há novidades a respeito dos azulejos? Foi já entregue este serviço para alguém? Devo desistir de sonhar com ele?

(...). Um grande abraço do vosso Rossi.

Paulo Cláudio Rossi Osir, amigo íntimo de Portinari, foi a pessoa cotada por

Gustavo Capanema, Lúcio Costa e os demais arquitetos para executar os azulejos que

decorariam o edifício. Rossi era um excelente aquarelista, característica fundamental e

importantíssima para aquele que quisesse se dedicar à pintura em baixo esmalte.

Paulo Rossi nasceu em São Paulo, capital, em 26 de junho de 1890. Filho de pai

italiano e mãe francesa, foi juntamente com sua família, aos dois anos de idade, morar em

Alássio, Itália, cidade na qual cresceu juntamente com seus quatro irmãos10. Pintor,

10 Dos cinco filhos de Cláudio Rossi e Odile Neagelen, Paulo Rossi foi o único que nasceu no Brasil. A mais velha, Amélia, nasceu em Buenos Aires e os outros três, Lélio, Giulio e Giulia, nasceram na Itália,

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desenhista, aquarelista e arquiteto, iniciou-se na pintura através da influência de seu pai,

Cláudio Rossi (1812-1858). Em 1906 e 1907 cursou a Academia de Brera, na Itália, com

Alberto Beniscelli (1870-1952) e em 1908 estudou aquarela em Dover, Inglaterra. Entre

1909 e 1911 estudou na Escola Politécnica e no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo,

com Amadeu Zani (1869-1944). De volta à Europa, freqüentou o atelier de Victor Laloux

(1850-1937) e a Académie de la Grande Chaumière, na França em 1912. Em Milão,

diplomou-se construtor em 1915 e na Real Academia de Bolonha formou-se arquiteto em

1916. Rossi voltaria definitivamente para o Brasil em 1927. Trabalhou então na Secretaria

da Viação e Obras Públicas de São Paulo até fundar a Osirarte no início da década de 1940.

Em 1929, acrescentou ao seu nome o sobrenome Osir para se diferenciar da grande

quantidade de imigrantes Rossi existentes em São Paulo. A palavra Osir é uma derivação

do sobrenome Rossi, segundo explicação dada pelo próprio artista11.

Em toda a década de 1930 Rossi se fez cada vez mais importante como orientador e

apoiador dos pintores da modernidade. Partilhava, estimulava e apoiava a produção dos

artistas12 não como um mecenas, mas sim como um mestre em muitas questões plásticas,

técnicas e críticas – até mesmo para o grande Portinari.

Em carta de Rossi a Portinari em 07 de agosto de 1937, percebemos claramente o

estímulo e entusiasmo de Rossi após ver uma tela de Portinari e comparar a sua

composição claro escuro e o belo colorido deste quadro13 à pintura de Goya. “Bravo!

Bravo!”, disse ele.

Em entrevista de Maria Portinari (1912-2006) datada de 1982/83 concedida ao

Projeto Portinari, a viúva do pintor dizia que o contato de Cândido Portinari com o

movimento artístico em São Paulo era bastante pequeno e eram quase sempre feitos através

de Mário de Andrade e Paulo Rossi Osir. Do mesmo modo, Rossi tinha grande apoio de

Portinari para auxiliá-lo em trabalhos e exposições no Rio de Janeiro, cidade na qual o

pintor de Brodósqui era influente.

provavelmente em Alássio. Ao que tudo indica, nenhum de seus irmãos morou no Brasil e Rossi tinha muito pouco contato com eles. Giulia morava em Milão e quando faleceu fazia 23 anos que não via o irmão. 11 RIBEIRO, Nivra Aparecida Ligramante. Rossi Osir – artista e idealizador cultural. 1995. Dissertação de Mestrado – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995 P. 9 12 Rossi mantinha boas relações com artistas e escritores da época como Fulvio Penacchi, Manuel Bandeira, Lasar Segall, Mário de Andrade, Vitório Gobbis, de quem era muito amigo, Osvaldo Goeldi, Carlos Drummond de Andrade, dentre muitos outros. 13 Rossi não menciona a que tela se refere, diz apenas que José, irmão de Portinari, deveria entregá-la a Mário de Andrade.

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No final de maio de 1937 Rossi escreveu a Portinari mencionando a abertura do I

Salão de Maio, realizado no grillroom do Esplanada Hotel, em São Paulo, onde Portinari

participaria com três telas.

Organizado por Quirino da Silva (1897-1981) e tendo por colaboradores Geraldo

Ferraz (1905-1979) e Flávio de Carvalho (1899-1973), o Salão apresentou obras

vanguardistas e ousadas para a época. A exposição contou com artistas brasileiros ou aqui

residentes. Eram eles: Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), Alfredo Herculano (s/d),

Antônio Gomide (1895-1967), Cândido Portinari, Cícero Dias (1907-2003), Carlos Prado

(1908-1992), Elisabeth Nobiling (1902-1975), Ernesto de Fiori (1884-1945), Ester Bessel

(1908-1964), Flávio de Carvalho (1899-1973), Gervásio Furrest Muñoz (1893-?), Gino

Bruno (1899-1977), Hugo Adami (1899-1999), Lasar Segall (1891-1957), Lívio Abramo

(1903-1992), Lucy Citti Ferreira (1911-?), Madeleine Roux (s/d), Maxito Hasson (s/d),

Moussia Pinto Alves (1910-1986), Nelson Nóbrega (1900-1997), Odete de Freitas (1897-

1984), Oswald de Andrade Filho (1914-1972), Quirino da Silva, Santa Rosa (1909-1956),

Tarsila do Amaral (1886-1973), Tomoo Handa (1906-1996), Victor Brecheret (1894-

1955), Vittorio Gobbis (1894-1968), Waldemar da Costa (1904-1992) e Yolanda Lederer

Mohalyi (1909-1978).

O ano de 1937 foi um ano conturbado para o Brasil. Na manhã de 10 de novembro

de 1937 a cavalaria cercou o Congresso e cópias da nova Constituição, já impressa, foram

distribuídas à imprensa. À noite, o presidente da República Getúlio Vargas (1882-1954)

falou pelo rádio à Nação, dizendo ser necessário abandonar a democracia dos partidos que

ameaçavam a unidade pátria. Segundo Vargas, o Brasil não tinha alternativa senão instituir

um regime forte a fim de reajustar o organismo político às necessidades econômicas do

país. A classe dominante foi inicialmente arredia, mas aos poucos, percebeu que seus

interesses básicos eram atendidos pela política governamental e passou então a apoiá-la.

Os intelectuais foram também atingidos pela Revolução de 1930 e depois pelo

Estado Novo. Getúlio Vargas, atento às conquistas do Modernismo, convidou poetas e

artistas da época para fazer parte do seu governo. Após a nomeação de Gustavo Capanema

para o Ministério da Educação e Saúde, a presença destes intelectuais na política ficou

ainda mais eminente: Carlos Drummond de Andrade era chefe do gabinete do Ministro

Capanema, o poeta Augusto Meyer (1902-1970) foi nomeado diretor do Instituto Nacional

do Livro, Mário de Andrade chefiava o Departamento Cultural da Prefeitura de São Paulo.

Com a progressiva e definitiva centralização do poder do Estado, passou a haver

um controle total das informações e da propaganda, coordenado pelo DIP – Departamento

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de Imprensa e Propaganda, criada no final de 1939. Intelectuais de direita foram

incorporados ao seu serviço, dentre eles Cassiano Ricardo (1895-1974), Menotti Del

Picchia (1892-1988) e Cândido Mota Filho (1897-1977).

Escritores e artistas que não apoiavam o governo foram perseguidos, presos e/ou

exilados. Para citarmos alguns, lembremos de Graciliano Ramos (1892-1953), Caio Prado

Júnior (1907-1990), Mário Pedrosa (1900-1981), Jorge Amado (1912-2001), Érico

Veríssimo (1905-1986) e Di Cavalcanti (1897-1976).

Nesse mesmo ano conturbado de 1937, um grupo de promissores artistas vivia

longe do público e da crítica, pintando e discutindo sobre os trabalhos realizados, soluções

adotadas, trocando conhecimentos e experiências. O grupo, chamado de Santa Helena,

reunia-se no Palacete com o mesmo nome, na Praça da Sé, nº 43, e era composto por Aldo

Bonadei (1906-1974), Alfredo Rullo Rizzotti (1909-1972), Alfredo Volpi (1896-1988),

Clóvis Graciano (1907-1988), Humberto Rosa (1908-1948), Francisco Rebolo Gonzáles

(1902-1980), Fúlvio Pennacchi (1905-1992), Manuel Martins (1911-1979) e Mário Zanini

(1907-1971).

Aldo Bonadei, 1962 Óbidos 33 x 23 cm. Coleção Particular

dirigido por Lopes de Leão, que os santelenistas se conheceram e passaram a se reunir com

freqüência a partir de 1935 nas salas alugadas por Rebolo e Zanini no Palacete Santa

Helena. 22

14 AJZENBERG, Elza, org. Operários na Paulista.São Paulo: MAC USP, 2002. P 18

Quase todos os integrantes do grupo eram italianos ou

descendentes de famílias de imigrantes vindas da Itália

– a exceção era Manuel Martins, descendente de

portugueses, e Rebolo, de espanhóis; autodidatas ou

ex-alunos do Liceu de Artes e Ofícios, para sobreviver

tinham que exercer labor outro que não a pintura:

Volpi, Rebolo e Zanini eram pintores de parede,

Rizzotti, torneiro, Bonadei, bordador, Penacchi,

açougueiro e professor, Clovis Graciano, ex-

ferroviário e Manuel Martins, aprendiz de ourives.

“Nas horas vagas, eram pintores amadores e

freqüentavam a noite um curso de desenho livre na

Escola Paulista de Belas Artes14”. Foi neste curso,

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Mário Zanini, 1967

Casario 50 x 70 cm.

Francisco Rebolo, 1944

23

Sem Título 40 x 50 cm.

Segundo Paulo Mendes de Almeida (1905-1986) foi Paulo Rossi Osir, com livre

trânsito e as melhores relações nos mais altos meios artísticos do país, quem ligou os

artistas santelenistas a críticos e escritores da época.

O trabalho do grupo Santa Helena seria visto pelo público pela primeira vez em

novembro de 1937.

Alfredo Volpi, 1939 Fulvio Pennachi, 1942. Mogi das Cruzes Cena sobre a vida de São Francisco 54 x 81 cm. 15 x 19,5 cm.

15 AJZENBERG, Elza, org. Operários na Paulista.São Paulo: MAC USP, 2002. P 18

Rebolo diria mais tarde que

“o Santa Helena não começou como um movimento: foi transformado em movimento pelos intelectuais. Um grupo formado por meia dúzia de amigos, cujo traço comum era não gostar de acadêmicos e não querer a pintura verdadeira que não fosse anedótica ou narrativa. A pintura pela pintura15”.

Os traços do grupo não se

aproximavam das linhas de vanguarda e

tampouco das regras acadêmicas. Suas

pinturas refletiam o extrato social no qual

viviam e representavam a figura humana

popular, temas religiosos, paisagens, nus,

arrabaldes, naturezas mortas, retratos.

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No dia do golpe de Getúlio Vargas e da implantação do Estado Novo, em

novembro de 1937, inaugurou-se, no mesmo grillroom do Esplanada Hotel, a primeira

exposição da Família Artística Paulista, FAP, que buscava “estabelecer um certo

equilíbrio, retomar o fio da tradição em arte, prevenindo e prevenindo-se contra os

desvarios e facilidades cometidos em nome da liberdade de expressão16.” Ela não tinha

qualquer intenção revolucionária; pensava em realizar uma arte contemporânea que se

prevalecesse das lições do passado, ao invés de romper com ele.

Em belo testemunho sobre a personalidade de Rossi, Paulo Mendes de Almeida nos

conta que

Osir era um ‘esfria’, alguém que punha água na fervura dos entusiasmos fáceis, e repetia incansável a lição que aprendera nos museus e nos livros e no cavalete ou na prancha. Afirmava a necessidade de primeiro desenhar minuciosamente, algumas vezes, o que se deseja pintar. Um retrato não se faz senão depois de muitos croquis. É preciso conhecer a composição das tintas, suas incompatibilidades químicas, sendo conveniente rever os ensinamentos de Cennino Cennini, sobre a preparação delas e a das superfícies a serem pintadas. Era obrigatório atentar para a passagem das cores, para a matéria pictórica em si mesma, a pincelada, o impasto, a transparência. Enfim, tudo aquilo que constitui a trama íntima de um quadro e que talvez se pode melhor perceber encostando o nariz na tela, mas que realmente distingue uma coisa bem pintada de uma coisa mal pintada. Esse era o seu credo, que em tempos de maior vigor físico procurou desassombrosamente divulgar. (...) A tudo isso se adicione sua invulgar cultura literária e histórica17 (...).

Toda essa característica da personalidade de Rossi podia ser igualmente percebida

na organização da futura Osirarte e da Família Artística Paulista.

Segundo Mário de Andrade, em seu artigo Essa Paulista Família publicado em O

Estado de São Paulo, em 02 de julho de 1939,

16 ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao Museu. São Paulo: Perspectiva, 1976. P 198/199 P 116 17 Idem. P 123,124

Tendo Rossi como organizador e influenciador, a FAP foi

composta, em seu primeiro ano, pelos artistas do Santa Helena e

ainda Anita Malfatti (1889-1964), Arnaldo Barbosa (1902-1981),

Arthur P. Krug (1896-1964), Armando Balloni (1901-1969), Hugo

Adami (1899-1999), Joaquim Figueira (1904-1943), Waldemar da

Costa (1904-1982) e o próprio Paulo Rossi Osir, sempre dedicado às

ações que promovia.

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“O problema da pintura (...) principiou preocupando os moços pintores de São Paulo, e foi colocado no seu exato lugar técnico-estético. Era preciso compor o quadrado da tela; era preciso ligar uma cor a sua vizinha; era preciso pincelar diferentemente a representação de uma pluma de ave e de uma pele de maçã; era preciso não confundir pintura com assunto nem a beleza com o decorativo das cores bonitas etc. E é desse exemplo vivo e cotidiano que a pintura nova de São Paulo tirou o melhor de sua expressão atual, expressão que ninguém pode revelar melhor que esta Família Artística Paulista”.

Em abril de 1938, Rossi, apesar de influente e atuante nos acontecimentos artísticos

de São Paulo, ainda não desistira dos azulejos. Aguardava o esboço dos desenhos de

Portinari para iniciar os trabalhos.

Estamos sempre a espera da documentação dos painéis para começar o esboço. Em data 22 de março, quer dizer a 14 dias, escrevi ao Carlos (Leão) uma carta pedindo-lhe conselho a respeito da minha resposta a C. Drummond. Carlos ainda não me respondeu, nem sequer mandou um recado por meio de Tati. Assim estamos sempre esperando que algo se resolva. A única notícia boa que Tati me deu foi que ela mesma teria trazido as fotografias dos documentos assuntos azulejos que você deveria entregar-lhe, mas que no último momento dela sair não estavam prontos – mas deveriam vir logo em seguida (passaram mais de 8 dias da sua chegada).

(...). Um grande e afetuoso abraço do seu Rossi

Em 17 de maio do mesmo ano, Rossi adiantou-se ao envio dos esboços por

Portinari e utilizou motivos de obras de Debret (1768-1848) e Rugendas (1802-1858) para

iniciar suas experiências.

Queridíssimo Portinari: (...) No que se refere à questão dos azulejos, vejo que não há nada a fazer

senão pacientar!... É um pouquinho demorado. Mandei as fotografias destes azulejos, ou simplesmente os motivos, indicando as estampas de Debret e Rugendas, nós que havíamos calmamente preparado os esboços.

Deste modo, não sei também se Drummond cuidou de enviar a carta que lhe escrevi, fazendo variações em torno de sua proposta. Acho Carlos de uma indiferença à prova de bomba. Responder a uma carta de negócios independente de razões de amizade, acho que é uma coisa bem simples e comum. Paciência!

(...). Abraço-te com afeto, e também a Maria e a Olga. Paulo Rossi

Quando juntos, Rossi e Portinari conversavam muito sobre técnicas da pintura,

trocavam opiniões sobre os respectivos trabalhos e pintavam.

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Em carta de 24 de setembro de 1938, Rossi avisa a Portinari que iria ao Rio, de

férias, no mês de novembro. Pede ao amigo “uma boa injeção de coragem a mais de uma

boa dose de conselhos técnicos” e lhe cobra a preparação juntos das tais telas.

esquerda foi pintado por Paulo Rossi Osir e o da direita, o fundo e as árvores por

Portinari18.

Três meses após a segunda edição do Salão de Maio19, realizada no mesmo local da

anterior, Rossi abria sua exposição no grillroom do Esplanada Hotel, no mês de setembro

de 1938. Segundo ele, a exposição teve grande sucesso, inclusive no quesito financeiro.

pictórico por excesso21.” Paulo Rossi Osir, 1926 Natureza Morta 60 x 50 cm.

Seu trabalho, sem ser acadêmico, de nada tinha de moderno. Linhas bem

delimitadas, a presença das cores bem definidas, um trabalho figurativo cujas técnicas

aprendidas enquanto aluno na Europa demonstrava domínio de profundidade, luz e sombra

e conhecimento das cores.

18 Dois Coelhos está catalogada no Projeto Portinari com o número de registro 1667 924. A obra, óleo sobre tela, mede 33 x 41 cm e pertence a colecionador particular. A informação, cedida pelo Projeto Portinari, é baseada em depoimento de Alice Rossi e confirmada por José Portinari. 19 O segundo Salão de Maio foi inaugurado em 27 de junho de 1938 e Rossi estava entre os expositores. 20 Catálogo de exposição realizada no MAM-SP, s/d. 21 Crônica de Arte, 18 de junho de 1946.

Não podemos afirmar que a tela Dois

Coelhos tenha sido pintada nesta época, mas

foi realizada em conjunto entre Paulo Rossi e

Portinari, segundo informação de Alice Rossi

(s/d), mulher de Paulo Rossi Osir, e depois

autenticada por José Portinari (?-1953),

irmão do pintor. A obra não está assinada

nem datada, mas se acredita que tenha sido

realizada circa de 1938. O coelho da

Paulo Rossi Osir era um pintor muito exigente consigo

mesmo. Segundo Sérgio Milliet (1898-1966), “preocupado

talvez demasiadamente com o ‘acabamento’20”. Luís Martins

(1907-1981) concordava, ao dizer que Rossi “é um apaixonado

das puras formas exteriores, levando a sua pintura ao extremo e

a um acabamento sensual que chega paradoxalmente ao anti-

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Maria Portinari em entrevista datada de 1982/83 ao Projeto Portinari, dizia que

Rossi era um pintor muitíssimo culto, conhecia muito sobre a pintura, mas Portinari

achava, segundo ela, que a pintura dele não correspondia aos conhecimentos que tinha

sobre a pintura; Rossi, para ela, não era tão bom pintor quanto era crítico.

Paulo Mendes de Almeida acreditava também que o grande rigor buscado na

pintura de Rossi prejudicou, de certa forma, o conjunto da bagagem que conseguiu

realizar22.

Paulo Rossi Osir, 1946 Bonde de Santa Teresa 45 x 57 cm.

Rossi estava sempre empenhando em seus trabalhos. Gostava muito de pintar, fazia

desenhos e estudos para trabalhos futuros e refazia quadros antigos. No entanto, em

meados de 1939 reclamava ao amigo Portinari que andava muito triste e amolado com sua

vida. Gostaria ele de pintar mais efetivamente ou de alguma forma lidar com a pintura,

pois aí sim sua vida mudaria e seria feliz. Se continuasse assim, desanimado, envelheceria

cedo e não produziria mais nada de bom.

22 ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao Museu. São Paulo: Perspectiva, 1976. P 124

Ao mesmo tempo em que se lamuriava, em maio de 1939

Rossi andava ocupado com a exposição da Família Artística Paulista.

O fruto do antigo relacionamento, confiança e grande amizade entre

Rossi e Portinari trouxeram como conseqüência a participação de

Portinari na segunda exposição da FAP como expositor de honra. Sua

presença é euforicamente esperada por todos os artistas da Família,

como diz Rossi em cartas:

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Estamos todos sensibilizados com a participação a exposição da Família Artística – terás o lugar de honra em nosso _______ (ilegível).

Nós, bem unidos, continuamos na mesma. Precisas que tu mandas os

quadros para a exposição há 20 dias corridos. Estamos ansiosos de ver tuas obras que vão dar relevo a nossa manifestação artística.

A segunda exposição da FAP se realizou no subsolo do Automóvel Clube, na Rua

Libero Badaró. O sucesso foi grande e, além dos expositores que compunham a primeira

exposição, uniu-se Bernardo Rudofsky (1905-1988), Domingos Toledo Piza (1887-1945),

Ernesto de Fiori (1884-1945), Nelson Barbosa (1903-1984), Nelson Nóbrega, Renée

Lefèvre (1910-1996), Vilanova Artigas (1915-1985) e, claro, Portinari.

Durante a exposição da Família Artística Paulista, Rossi já andava ocupadíssimo

fazendo experiências com azulejos (tintas, temperaturas, queimas etc.). Começou a

cozinhá-los em fornos contínuos à temperatura de 850o, passando, em seguida, para fornos

para verniz a 1.200oC . Osir executou uma série de experiências, com o objetivo de obter

esmaltes melhores, enquanto aguardava o amigo enviar o desenho definitivo que decoraria

o pilotis do Ministério.

Não me fiz mais vivo desde a minha saída do Rio, pois andei sempre ocupadíssimo fazendo experiências com azulejos (tintas, temperaturas etc), comecei a cozinhar em forno contínuo a 850º C, agora estou cozinhando em forno para verniz a 1200ºC e sábado irei ver os resultados. Espero segunda feira mandar-te umas amostras de azulejos para teres uma idéia do que se pode fazer. Naturalmente essas amostras são para uso interno (para você); pois eu continuarei minhas experiências, poderei fazer esmaltes melhores, de modo que, quando mandares o desenho, estarei em condições de fazer uma execução de primeira ordem.

Conseguiste fazer o contrato com o Ministério nas condições que falamos juntos? Começaste os desenhos? Tudo isso interessa-me muito e peço-te o favor de escrever breve.

Esta forma empenhada e dedicada eram fortes características da personalidade de

Rossi. Ele tão aplicado se desapontava com o fato de Portinari demorar tanto a enviar os

desenhos. Mas acreditamos que esta demora se deu devido ao fato de o contrato entre

Paulo Rossi Osir e Ministério da Educação e Saúde demorar a ser assinado. Os arquitetos,

como vemos a seguir em solicitação de Portinari, gostariam de ver, antes de efetivar o

acordo, amostras dos azulejos.

Uma vez que já havia acertado nas cores e no grão de fusão do esmalte Osir

experimentou então executar um grande painel de azulejos a partir da cópia do quadro de

Portinari “da mulher e das crianças sentadas”, que o pintor enviara à Família Artística

Paulista.

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Caro Portinari, Respondo as tuas cartas. A primeira onde me comunicas que não travou

entendimento para fazer os desenhos dos azulejos; me deixou desapontado. Continuo assim mesmo a fazer experiências e como já acertei nas cores e no grau da fusão do esmalte, estou preparando um painel, cópia do teu quadro da mulher e das crianças sentadas que mandaste para a Família Art. Paul. – Estava para entregar um pacotinho de azulejos para o Mário (de Andrade) te entregar, mas como ele vinha de aeroplano os achou pesados demais – estas provas não posso mandá-las para os arquitetos, como me disseste de fazer, pois interessa pelo lado técnico de quem fazendo os desenhos vê as possibilidades de execução nos azulejos. O painel quando cozido, se você acha oportuno, tratando-se de uma cópia de um teu quadro, o mandarei para elles.

No mês de julho, um mês após a última correspondência, os azulejos foram

encaminhados ao Rio de Janeiro, por trem, no Expresso Paulista. Juntamente com alguns

quadros de Portinari, Rossi enviou uma caixa contendo 60 azulejos a Lúcio Costa e aos

arquitetos que executavam as obras do Ministério. Os 60 azulejos formavam um painel

cuja cópia é a tela da mulher e crianças sentadas, de Portinari. A demora do envio se deu

devido ao fato de uma forte gripe de Rossi, o que o impossibilitou de ir à Lapa, bairro onde

estava localizada a fábrica dos azulejos23 que fornecia o material a Osir.

Juntamente com a caixa de azulejos, Rossi escreveu a seguinte carta a Lúcio Costa:

“Senhor Lúcio Costa e Colegas Architetos das obras do Ministério da

Educação: Amigos, pemito-me mandar-vos dois painéis de azulejos, cópias de um quadro de Portinari que, sendo o artista que devia fornecer os desenhos para os azulejos do Ministério, escolhi para me conformar com seu estilo. Os dois painéis são iguais, e iguais as numerações atrás de cada painel. Sendo que o segundo painel pintado e cozido para experimentar outro azul de fundo, a mais dos números e letras tem um X. Na caixa que contém 60 azulejos as numerações seguem em ordem – além destes dois painéis, fiz muitas experiências para achar um bom esmalte nas cores básicas azul e preto que consegui em forno de verniz 1200 – 1280ºC, pois o que estava se fazendo aqui em forno a 800º não me satisfazia. Agora estaria em condições de, executar o serviço – com maior perfeição das

A1 A2 A3 A4 A5 A6

B1 B2 B3 B4 B5 B6

C1 C2 C3 C4 C5 C6

D1 D2 D3 D4 D5 D6

E1 E2 E3 E4 E5 E6

23 A utilizada era a fábrica Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo.

experiências que acabo de despachar. Como é trabalho demasiado, dependendo dos fornos, operários etc., peço-vos tratando de grande encomenda, calcular para execução um prazo não muito curto.

Para qualquer decisão, estou às ordens.

Agradecendo a atenção de uma resposta,

cordialmente cumprimento,

Paulo Rossi.”

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Em julho de 1939 acontecia também o último Salão de Maio, realizado na Galeria

Itá. Dele participaram 39 artistas, mas muitos, segundo Paulo Mendes de Almeida, eram

desconhecidos e sem maior importância. Rossi conta a Portinari que “o Salão de Maio,

muito bem apresentado, agita o meio – assim mesmo, poucas obras boas”.

Em 1º de agosto do corrente ano, Rossi escreveu a Portinari, dizendo que recebera a

carta do amigo, na qual comunicava que os azulejos agradaram a ele e aos arquitetos.

Estava muito satisfeito e aguardava carta do grupo de Lúcio Costa e o desenho de Portinari

para que começasse a trabalhar.

No dia 21 do mesmo mês, Rossi protestou escrevendo que havia mais de um mês

que os azulejos haviam sido enviados e nenhuma resposta dos arquitetos: “estes architetos

nem se quer mandaram-me dizer: recebemos seus azulejos”, protestou.

Em setembro e o mundo já prejudicado pelas altas dos preços devido a II Guerra

Mundial, Rossi mostrou-se surpreso com a elevação do preço da tinta azul de cobalto

(óxido de cobalto) que já estava escassa no mercado:

“Este subiu de 200$000 réis o Kg. e como para a execução dos azulejos precisava-se de 88 Kg, seja 2 gramas em média por cada azulejo pintado, um por outro. 44.000 azulejos x 2 Gr = 88 Kg x 200$000 = 17.600$000. Os azulejos também aumentaram, assim como os fornos que pediram mais 5$000 por m2, podendo haver mais surpresas. No entanto, iria averiguar melhor estes aumentos e se assim fosse, escreveria logo para os arquitetos avisando que sua proposta de 29 de agosto deveria ser modificada, uma vez que haveria risco dele, Rossi, perder dinheiro.”

Em 29 de setembro de 1939 Rossi entrou em contato com Lúcio Costa na tentativa

de rever orçamentos passando para 30$000 o metro quadrado para compra de óxido de

cobalto, azulejos e queima, como especifica, embora ainda pensasse ser este valor

insuficiente. A decisão do Ministro devia vir o quanto antes, caso contrário Rossi perderia

os 32 Kg de óxido de cobalto que arranjara com um alemão; se depois fosse contratado

pelo Ministério, não teria tinta suficiente para executar o trabalho, uma vez que as fábricas

de louças e azulejos não queriam fornecer nem mesmo 100 gramas do óxido.

Em 05 de outubro, Rossi pediu a Portinari que procurasse saber o que havia de

novo com os azulejos:

“Lúcio não respondeu a minha carta. Assim não sei se tenho de esquecer a

comprida história dos azulejos ou esperar fazer ainda o serviço. É certo que teria feito com muito amor e diligência, afirma ao amigo, para respeitar e valorizar ao seu máximo tua composição; como também pela parte dos padrões que

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acompanham lateralmente os painéis teria variado os motivos para que o conjunto ficasse harmônico”.

Rossi suspeitava que pudessem existir casas comerciais organizadas com material e

em condições de executar o serviço mais barato, “mas é certo que artisticamente não vão

fazer o serviço com o mesmo carinho que eu posso fazê-lo”, observou.

Posteriormente, em 17 de outubro deste mesmo ano, Rossi manifestou preocupação

de que Antônio Paim Vieira24 (1895-1988) fosse escolhido em seu lugar para a execução

dos azulejos, solicitando informações e apoio a Portinari e a Lúcio Costa.

O silêncio dos arquitetos devia-se à paralisação das obras do Ministério e

conseqüentemente as experiências de Rossi para a realização do trabalho do MES

desaceleraram. Em carta datada de 30 de março de 1940 Portinari afirmou: “aqui continua

tudo parado. Creio que as obras do Ministério dentro em breve continuarão”.

Finalmente, em 30 de maio de 1940, Rossi recebeu, inesperadamente, uma carta do

Senhor Souza Aguiar, na qual comunicava que o Ministro resolvera mandar executar os

azulejos em baixo esmalte. Souza Aguiar perguntava a Rossi se ele poderia fazê-los nessa

técnica e que enviasse proposta. Rossi imediatamente respondeu que não teria dificuldade

alguma em realizar o trabalho sobre “biscoito” e que se não tivesse havido no mercado

aumentos exagerados, seria possível manter sua proposta anterior. No entanto, Rossi

andava tão desconfiado com o trabalho que não acreditava mais na possibilidade de ser ele

a executá-lo.

Em 17 de junho, inseguro ainda com sua contratação, pede a Portinari que o

informe a respeito das novidades, principalmente se havia intromissão de possíveis

concorrentes. Rossi acreditava que muitas das suas possibilidades de sair do marasmo no

qual vivia dependia deste serviço – o emprego público, segundo ele, muito mal dava para

viver.

Sobre a técnica do biscoito solicitada por Souza Aguiar, Rossi acreditava que

Realmente a pintura é muito mais dificultosa, pois não se pode apagar nem tirar nada do que se já tem pintado; mas como resultado plástico é muito mais bonito. (...) Sinto que com este material, posso executar teus desenhos de modo magnífico.

24 Paim começou queimando azulejos na Fábrica Ceramus utilizando azulejos da Incepa. Em 1937 tinha seu próprio forno à lenha. Em 1947 executou os azulejos criados para a Igreja Nossa Senhora do Brasil, em São Paulo.

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Em algum momento do segundo semestre de 1940 houve o acerto entre o

Ministério e Osir, uma vez que em 02 de janeiro de 1941, Rossi já tinha sua oficina

montada e se mostrava cansado, remando para cumprir seus compromissos com o

Ministro: “Trabalho muito. Levanto cedíssimo e antes das 7 estou no atelier. Espero que

tudo corra bem, mas tenho sempre a incógnita do fogo que me deixa com o coração em

suspenso. É difícil obter duas vezes o mesmo resultado com o fogo a 1.200oC! Assim fica-

se ansioso em abrir as caixas quando voltam os azulejos queimados. Espero que o Ministro

fique contente com o meu serviço.”

Portinari desenhou dois painéis para o prédio do Ministério. Um voltado para a

Avenida Graça Aranha e outro, interno, nos pilotis, voltado para o hall dos elevadores.

Suas realizações datam dos anos 1941 a 1945. Rossi se encarregou de criar os motivos

próximos à rua da Imprensa, datados de 1946.

Em meio às negociações com o Ministério, a terceira e última mostra da Família

Artística Paulista foi organizada na cidade do Rio de Janeiro, em agosto de 1940. Com o

grupo inicial desfalcado, somaram-se aos antigos Bruno Giorgi (1905-1993), Carlos Scliar

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(1920-2001), Franco Cenni (1909-1973), Paulo Sangiuliano (1907-1984), Vicente Mecozzi

(1909-1964) e Vittorio Gobbis (1894-1968).

Os artistas presentes nas três edições da FAP eram Aldo Bonadei, Alfredo Volpi,

Arnaldo Barbosa, Artur Preston Krug, Clovis Graciano, Francisco Rebolo, Fúlvio

Penacchi, Joaquim Lopes Figueira, Mário Zanini, Manuel Martins, Paulo Rossi Osir e

Waldemar da Costa.

Com o final da Família Artística Paulista nasceria o Clube dos Artistas e Amigos da

Arte, o Clubinho, como veremos mais adiante.

Em primeiro de setembro de 1941, Rossi foi à Capital Federal a chamado do

Ministério para que negociassem os valores dos painéis. Com o depósito da verba, Osir

corria para terminar os azulejos o quanto antes. Em 14 de março de 1942, escreveu a

Portinari:

Eu estou também muito cansado, e desejosíssimo de um bom descanso, mas até que os azulejos não estão todos acabados, não posso largar o serviço. Já entreguei 700 m2 de padrões e o teu painel que olha para Avenida Graça Aranha – Estou para acabar o outro painel. Em duas semanas estarei pronto e irei para o Rio fazer a entrega.

O conjunto de azulejos tendo por motivos “peixes” destinado à fachada do edifício

sede do Ministério, depois de parcialmente colocados, foram retirados, e uma nova

encomenda foi feita a Paulo Rossi. Para esclarecimento ao departamento de Administração

do Serviço Público, encarregado da conclusão do edifício, escreveu Gustavo Capanema,

em 16 de maio de 1942:

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A substituição dos azulejos resulta de ordem pessoal minha. Aprovei o desenho inicial feito pelo pintor Portinari e mandei executar os painéis pelo artista Rossi. Tudo ficou bom. O painel da parede interna, executado fielmente de acordo com o desenho, não poderia ser colocado, visto como principal motivo da decoração (peixes), na parte central, em virtude da grande ampliação, deu um resultado estético não satisfatório. Recomendei a substituição do motivo, e nova execução, isto é, a fabricação de novos azulejos somente para a parte central do painel. Recomendo que se combine com o pintor Rossi o preço do trabalho novo25.

Em 21 de maio de 1942 Rossi escreveu:

Caro Candinho,

Recebi hoje tua carta. Lastimo o incidente peixe cara de gente26. Segunda-feira darei um pulo ao Rio. (...).

O edifício Gustavo Capanema foi inaugurado dia 03 de outubro de 1945, mas os

azulejos só estariam finalizados no ano seguinte: em carta datada de 22 de setembro de

1945, Rossi escreveu a Portinari dizendo que estava para acabar o painel grande do

Ministério da Educação.

25 LISSOVKSKY, Maurício; SÁ, Paulo Sérgio Moraes de. Colunas da Educação – A Construção do

Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro: MinC/IPHAN; Fundação Getúlio Vargas/CPDOC, 1996. P 271 26 Segundo Maurício Lissovksky e Paulo Sérgio Moraes de Sá, em Colunas da Educação, apesar da justificativa do Ministro em relação à retirada do painel de azulejos (o motivo estético), o boato que circulava na época era o fato de alguém ter notado que o peixe do painel era similar ao perfil do Ministro. Diante de uma associação não autorizada incontrolável e não sendo possível assegurar a correta interpretação do “peixe”, o Ministro se viu obrigado a mandar retirar o painel. (pág XXV)

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No ano 1945, Paulo Rossi Osir, Mário Zanini, Alfredo Volpi, Quirino da Silva,

Rebolo Gonzáles e Nelson Nóbrega reuniram-se para promover a decoração de um baile

carnavalesco em um bar na Avenida Ipiranga chamado “Atelier-Bar”. Retomavam aí as

iniciativas da SPAM, Sociedade Pró Arte Moderna, quando os pintores decoravam, com

sentido artístico, salões carnavalescos. Após a festa realizada, uma parte da renda arrecada

foi destinada à fundação, proposta por Paulo Rossi Osir, do Clube dos Artistas e Amigos

da Arte, que em breve contaria com 120 associados, dentre Clóvis Graciano, Sérgio

Milliet, John Graz (1891-1980), dentre outros.

A primeira Assembléia Geral do Clube, realizada na semana seguinte à inauguração

do Ministério da Educação e Saúde, elegeu os seguintes diretores: Tarsila do Amaral,

Presidente; Valdemar da Costa, 1º Secretário; Berço Udler (1923-1971), 2º Secretário;

Gregori Warchavchik, 1º Tesoureiro; Paulo Rossi Osir, 2º Tesoureiro. Membros do

Conselho Deliberativo: Póla Resende (1906-1978), Sérgio Milliet, Clóvis Graciano, Aldo

Bonadei e Arnaldo Pedrodo d’Horta (1914-1973). Mas ficou nisso e a Diretoria nada

realizou.

Somente em 1947, “Paulo Rossi Osir, mais uma vez, e Póla Rezende a ajudá-lo

decidiram ressuscitar o Clube, promovendo a nova Assembléia Geral, na Biblioteca

Pública Municipal. E é por essas e outras que nas atas do Clubinho se lê haver sido o pintor

Paulo Rossi Osir o ‘fundador virtual e positivo do Clube’. Dessa Assembléia, realizada em

3 de outubro daquele ano, resultou a eleição de uma nova Diretoria, assim composta:

Presidente: Rino Levi (1901-1965), Diretor: Sérgio Milliet, Vice-Diretor: Paulo Rossi Osir,

1º Secretário: Vicente Mecozzi; 2º Secretário: Germana de Angelis (s/d), 1º Tesoureiro:

Gregori Warchavchik, 2º Tesoureiro: Rebolo Gonzales, Conselho Deliberativo: Elisabeth

Nobiling (1902-1975), Gerda Brentani (1908-1999), Póla Resende, Aldo Bonadei, G. O.

Campiglia (s/d). O Clube com isso ganhava novo alento, dava sinal de vida, muito embora

não possuísse uma sede. Nessa fase de reorganização, sucessivas e acaloradas reuniões se

realizavam na casa de Paulo Rossi Osir27”.

O Clubinho ganharia sede definitiva no ano de 1952 no subsolo do Instituto dos

Arquitetos, à Rua Bento Freitas, 306. E com seu ar boêmio e antiformalista tornou-se o

ambiente predileto para pintores, escultores, literatos, jornalistas etc conversarem e

maquinarem sobre arte.

27 ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao Museu. São Paulo: Perspectiva, 1976. P 198/199

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As composições para o Edifício Gustavo Capanema são monocromáticas e foram

realizadas em diferentes tons de azul. O tema é motivos marinhos, uma vez que o prédio

estava localizado próximo ao mar e à praia Santa Luzia, hoje aterrada. As figuras, algumas

delas listadas abaixo, são corais, sereias, caravelas, estrelas do mar, cavalos-marinhos,

caranguejos, conchas, peixes, moluscos, tritões e golfinhos. Todos foram executados

seguindo a técnica do “biscoito”: os azulejos eram primeiro pintados e depois esmaltados.

No total, foram executados 47.000 azulejos.

Paulo Rossi Osir, após estudar todas as técnicas da cerâmica e do biscoito, fazer

experiências com cores e suas derivações e pesquisar as queimas possíveis do azulejo no

baixo esmalte para a sua execução no Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro,

estava pronto para ir além e abrir sua empresa, que funcionaria por 20 anos e atenderia a

uma geração. A partir daí, a decoração em azulejo reganhava força, notoriedade e prestígio

agora com motivos do folclore nacional. A Osirarte, de Paulo Rossi Osir, seria a empresa

responsável por grande parte dessa disseminação da arte modera em cerâmica pelo

território nacional.

Em 31 de janeiro de 1946

Rossi estava a enumerar e

engradar os azulejos do

Ministério, que “por sorte estão

saindo do fogo muito bonitos”.

Dentro de 25 dias, segundo ele,

estaria no Rio para entregar o

serviço ao Ministério.

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Caravela Paulo Rossi Osir Dois mastros e proa à esquerda

Diagonais Cândido Portinari Linhas suavemente onduladas e cruzadas

Delfim Paulo Rossi Osir Cauda tricorne à esquerda

Tritão Paulo Rossi Osir Figura de perfil, com peixe e tridente para baixo, cauda tricorne à esquerda.

Cavalo-Marinho Cândido Portinari Hipocampo voltado para a direita

Molusco Cândido Portinari Coroamento misto, parte inferior concêntrica e superior espirada.

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Molusco Cândido Portinari Espiralado liso, base à esquerda.

Estrela-do-Mar Cândido Portinari Cinco pontas, face oral.

Peixe Cândido Portinari Corpo alongado, escamoso, em posição vertical, com apenas a nadadeira caudal voltada para a direita.

Estrela do Mar Cândido Portinari Cinco pontas com círculo no centro

Concha Cândido Portinari Posição frontal

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Questões Políticas e Corporativas

As décadas de 1930 e 1940 representaram para o Brasil momentos de significativas

mudanças na economia, política, sociedade e nas artes.

No período que vai do final da década de 1920 até a Segunda Guerra Mundial,

ressaltam as transformações políticas internacionais e seus reflexos no Brasil.

A crise na bolsa de valores de Nova York em 1929 foi sentida no país, sobretudo

devido à queda do preço do café no mercado internacional. O que representou perda de

dinheiro para os agricultores beneficiou, por outro lado, a classe operária e o

desenvolvimento da industrialização, principalmente em São Paulo.

A classe política e a privilegiada, sob a égide econômica, buscavam rever posições ante a derrocada da lucratividade com o negócio dos cafezais (...). A crise traz para a capital uma série de trabalhadores, muitos dos quais antes fixados no interior, gerando movimentos significativos em todas as esferas, incluindo-se a cultural. Entre 1932-1934, os modernistas ainda ampliam a antiga postura para chamar a atenção (...)1.

O Rio de Janeiro enquanto capital Federal, aos poucos foi retomando a importância

de núcleo difusor da arte. Rodrigo Melo Franco de Andrade, chefe de gabinete do Ministro

da Educação, indicou, em 1930, Lúcio Costa para a direção da Escola Nacional de Belas

Artes.

Segundo o arquiteto, em entrevista concedida ao Projeto Portinari em 1982, o

governo Vargas tomou a iniciativa de promover as artes depois da rápida criação do

Ministério da Educação, cujo Ministro era Francisco Campos (1891-1968). De acordo com

Lúcio Costa, “Francisco Campos era jurisconsulto, um sujeito muito culto e pretensioso. E

o Campos convidou para chefe de gabinete o Rodrigo Mello Franco de Andrade, que foi

criador do Patrimônio e seu diretor enquanto viveu, até se aposentar. De modo que como o

1 LOURENÇO, Maria Cecília França. Modernidade e Compromisso In AJZENBERG, Elza, org. Operários

na Paulista. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da USP, 2002. P. 22

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Rodrigo foi chefe de gabinete, foi ele quem deliberou, junto com Manuel Bandeira e Mário

de Andrade, as nomeações2 3”.

Em 1931 Lúcio Costa assumiu ainda a reestruturação da XXXVIII Exposição Geral

de Belas-Artes, patrocinada pela Escola Nacional. Formada por uma comissão composta

por Anita Malfatti, Cândido Portinari, Celso Antônio e Manuel Bandeira a exposição, que

viria a ser conhecida como “Salão Revolucionário”, serviu para propagar as vanguardas no

Rio de Janeiro e sua irradiação pelo país. Muito difundida pela imprensa, a mostra

funcionou como marco de conscientização de uma realidade artística por muito tempo

quase só circunscrita a São Paulo e a casos isolados no Rio de Janeiro.

Lúcio Costa descreve como fez do XXXVIII Salão Nacional a referência que hoje é

considerada:

(...) Este foi um milagre, porque o Salão era aquela coisa repetida, aqueles mesmos acadêmicos. Toda essa ala mais atualizada de pintores paulistas e daqui (Rio de Janeiro), praticamente não compareciam ao Salão. De modo que eu deliberei fazer um Salão abrangente e para isso fui a São Paulo, estive na casa de Dona Olívia Penteado e estive com o Mário... Fui já visando o Salão para convidar aqueles artistas paulistas que não costumavam freqüentar o Salão (...) Uma coisa linda foi essa exposição! Peguei aquele moderno vienense, a moda era Viena, de modo que quis fazer aquela ambientação para que os quadros então fossem colocados individualmente. Formando uns recessos. E tudo com aqueles painéis (...). Haviam alas, tudo arrumado de acordo com o espírito de cada um. Foi uma pena não terem fotografado os conjuntos4.”

A exposição reuniu uma gama muito importante de artistas, dentre eles Anita

Malfatti, Victor Brecheret, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Antônio

Gomide, Ismael Nery, Celso Antônio, Cícero Dias. Artistas jovens como Portinari, que

acabava de regressar da Europa, apresentavam obras vanguardistas ao lado de acadêmicos

como Alberto da Veiga Guignard, Flávio de Carvalho e Orlando Teruz (1902-1984). Entre

a tradição e a modernidade, figuravam Paulo Rossi Osir, Vittorio Gobbis, Eugênio de

Proença Sigaud (1899-1979). A seção de arquitetura exibia o trabalho de Gregori

Warchavchik e de jovens promissores, como Lúcio Costa e Affonso Eduardo Reidy.

Em 1929 e 1936, as visitas de Le Corbusier ao Rio de Janeiro e São Paulo foram

fundamentais para chamar a atenção do poder público para a reformulação da arquitetura

2 As nomeações as quais Lúcio Costa se refere são a sua para a Escola Nacional de Belas Artes, Luciano Gallet (1893-1931) para o Instituto de Música e Rodolfo Garcia (1873-1949) para a Biblioteca Nacional. 3 Entrevista com Lúcio Costa, realizada em 22 de dezembro de 1982, no Rio de Janeiro. Projeto Portinari, Programa Depoimentos. P. 5 4 Idem. P. 9

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nacional e nela se incluía a pintura, escultura, paisagismo e decoração. A tendência da

integração das artes tinha aí seu aparecimento reforçado.

Coube a Cândido Portinari, na pintura, o papel maior nesse contexto. Voltado para

a pesquisa de temas brasileiros, passados e presentes, sobretudo os de injustiça social,

dedicou quase trinta anos de sua vida à comunicação de sua pintura com o povo, através

dos trabalhos murais que disseminou pelo país e exterior. Alice Brill aponta que

Portinari cria um tipo idealizado de trabalhador brasileiro como personagem

absoluto da arte em seus grandes murais5.

O pintor, apoiado pelo governo, empresas particulares ou institucionais, executou, a

partir de 1936, uma série de murais como, por exemplo, os do prédio do Ministério da

Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, já apontados no capítulo anterior desta dissertação.

Com influência da pintura mexicana e de muralistas como Diego Rivera (1886-1957), José

Orozco (1883-1949) e David Alfaro Siqueiros (1869-1974), que tinham por objetivo

retratar o social em suas obras, Portinari buscou expor em seus trabalhos um nacionalismo

artístico baseado na memória de sua infância em Brodósqui.

Cândido Portinari Painéis Ciclos Econômicos Salão de Audiências do Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro.

Tadeu Chiarelli, baseado nas críticas de Mário de Andrade, descreve os painéis de

Portinari como música:

Os painéis são música popular. Melhor dizendo: o conjunto de painéis do

Ministério forma uma rapsódia erudita entranhada de uma lógica popular de composição: existe um tema unificador que congrega todas as suítes (painéis) que

5 BRILL, Alice. Mário Zanini e seu Tempo. São Paulo: Perspectiva, 1984. P 67

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compõem a rapsódia: os ciclos econômicos, que contam a história do Brasil. Cada um deles é um agregado de vários elementos visuais que, unidos, enformam o todo6.

E acrescenta, mostrando a importância do trabalho e do trabalhador através das

personagens do pintor:

(...) à análise dos painéis de Portinari, podemos dizer que o artista, fazendo

coexistir justapostas cenas retiradas ou recriadas a partir da história econômica brasileira, zera o caráter narrativo que em tese teriam os painéis, uma vez que anula a temporalidade implícita no assunto geral dos mesmos, ou seja, os ciclos econômicos brasileiros, ocorridos ao longo da história do Brasil. Fazendo com que todos os painéis coexistam ao mesmo tempo num só espaço, Portinari rompe a noção linear da história, onde as diferenças de regiões, épocas, modos de produção e regimes políticos se diluem para a glorificação da dignidade do trabalho e do trabalhador7.

No entanto, Portinari não ficou isolado no interesse pela temática social. A década

de 1930 é marcada pela denúncia das injustiças e pelo apogeu do figurativo de cunho

realista figurativo, com pinceladas cubistas e surrealistas; esse período se estendeu até

1945, quando novo processo de internacionalização se instalou, então influenciado pelo

abstracionismo geométrico.

Ao final do período de intranqüilidade política e de crise econômica, entre 1930 e

1932, criou-se na capital paulista a Sociedade Pró Arte Moderna, SPAM, reunindo cerca de

quarenta artistas plásticos, intelectuais, escritores, críticos de arte, poetas, músicos etc,

dentre eles Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret, Paulo Rossi Osir, Watsh

Rodrigues e Vittorio Gobbis. Apesar desta diversidade, foi nas artes visuais que a SPAM

alcançou melhores resultados. Além de duas mostras de arte moderna, em 1933 e 1934, ela

organizou, nestes mesmos anos, dois grandes bailes carnavalescos com projetos

decorativos criados por Lasar Segall.

No dia seguinte à fundação da SPAM, nascia também em São Paulo o Clube dos

Artistas Modernos, CAM. Além de Flávio de Carvalho, o Clube era formado por Carlos

Prado, Antônio Gomide e Di Cavalcanti e foi responsável por várias atividades

importantes, como palestras de Tarsila do Amaral, Mário Pedrosa, Caio Prado Júnior,

Jorge Amado e o pintor mexicano Siqueiros, além de exposições e debates. O Clube dos

Artistas Modernos viveria até 1934.

6 CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só Beleza – A crítica de Arte de Mário de Andrade. Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 2007. P. 135 7 Idem. P. 137

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Durante o governo de Getúlio Vargas, umas das características de sua política,

segundo Maria Cecília França Lourenço, foi “a associação entre o povo e o trabalho,

entendida como sinal positivo de luta cotidiana, valor e empenho para o país”.

O ditador, após o golpe em 1937 e a implantação do Estado Novo, que duraria até

1945, reestruturou o Estado e profissionalizou o serviço público. Dentre suas medidas

orientou cada vez mais para a intervenção do Estado na economia, o nacionalismo

econômico e provocou um forte impulso à industrialização. Adotou a centralização

administrativa como marca para criar uma burocracia estatal ampliada e profissionalizada,

até então inexistente. Foram criados, nesse período, a Companhia Siderúrgica Nacional

(CSN), a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco e o

Conselho Nacional do Petróleo (CNP), que daria origem, em 1953, à Petrobrás. Vargas

editou o Código Penal e Código de Processo Penal e a Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT), todos em vigor até hoje. Criou ainda a carteira de trabalho, a Justiça do Trabalho, o

salário mínimo, a estabilidade do emprego depois de dez anos de serviço, revogada em

1965, e o descanso semanal remunerado. Regulamentou o trabalho dos menores de idade,

da mulher e do trabalho noturno. Fixou a jornada de trabalho em oito horas diárias de

serviço, obrigatoriedade de férias e ampliou o direito a aposentadoria a todos os

trabalhadores urbanos.

A partir daí, a organização dos operários em sindicatos ou cooperativas foi

estimulada e até mesmo institucionalizada por força da Lei. Despontam associações entre

arquitetos, artistas e músicos. A existência de uma magnificação do trabalhador, na

temática artística, tornou-se um verdadeiro monumento imortalizado. A literatura,

arquitetura, pintura, escultura e a música carnavalesca foram empregadas como parte de

um projeto político em que os artistas se envolviam, contribuindo para a permanência e o

continuísmo de uma ideologia conservadora8.

Em São Paulo, após o fim da SPAM e do CAM em 1934, precisou-se esperar até

1937 para que o silêncio fosse quebrado, retomando o ritmo a que o ambiente artístico e

cultural da cidade se acostumara. Surgia em 1937 dois novos grupos, de intenções

distintas: o Salão de Maio e a Família Artística Paulista, temas já abordados nesta

dissertação.

Neste mesmo ano, a Sociedade Paulista de Belas-Artes transformou-se em

Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo e promoveria, até o ano de seu término, em

8 LOURENÇO, Maria Cecília França. Operários da Modernidade. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1995. P. 33

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1949, o Salão anual do Sindicato, predominado por obras modernas das antigas e novas

gerações. “A significação da mostra anual do Sindicato está no preenchimento do vazio

deixado por manifestações extintas e a oportunidade constante dada aos artistas da leva dos

anos de 1940. A crédito do Sindicato vai também a tarefa de divulgação artística através de

mostras em bairros9”.

O moderno nasceu no momento de transição do regime oligárquico e rural para o

urbano e industrial. Camadas sociais antes desconhecidas surgiram, não só no campo da

política, como no da economia e das artes. Antigos trabalhadores, sobretudo artesãos,

imigrantes e operários estabelecidos na capital de São Paulo, expandiram os limites desta

vertente, agregando ingredientes vivenciais desconhecidos para os primeiros modernistas.

O contingente de não acadêmicos nas artes plásticas ganhava então espaço através de

salões, como os de Maio e o Nacional de Belas Artes e exposições, como as da Família

Artística Paulista.

Tadeu Chiarelli chama a atenção para a opinião de Mário de Andrade sobre o

artista e o artesão:

Andrade (...) propõe que ‘todo artista tem de ser ao mesmo tempo artesão’ e que fugir do artesanato, ‘será sempre prejudicial para a obra de arte’. (...).

Sua preocupação é repelir qualquer possibilidade de restringir o alcance da obra de arte apenas à sua especificidade, e a responsabilidade do artista apenas ao extravasar de sua própria subjetividade. Para isso retorna – e a idéia é esta mesma – retorna ao artista como artesão, com todas as implicações que este elo entre os valores operativo e ideativo da obra de arte pode trazer. (...).

Se o artesanato é imprescindível a qualquer artista e “ensinável”, a outra “parte da técnica da arte”, é fundamental, e nela está totalmente integrada a subjetividade do artista, como indivíduo e “como ser social”. Ou seja, Andrade não se esquece que o gesto do artista é um gesto condicionado socialmente, inclusive. E ele faz questão de frisar tal afirmação justamente para se opor ao individualismo da “estética experimental10” – basicamente os artistas não figurativos da época11.

Podemos pensar aqui nos artistas figurativos contemporâneos a Mário de Andrade

das décadas de 1930 e primeira metade da de 1940, artistas artesãos, proletários, artistas

cujos gestos eram condicionados ao seu meio social e cuja obra de arte vai muito além de

uma simples pintura de observação.

9 ZANINI, Walter. Arte Contemporânea. in ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2v., il. P 587 10 Estética experimental para Mário de Andrade, segundo Tadeu Chiarelli, diz respeito àqueles artistas supostamente desvinculados de seus compromissos com o outro, preocupados apenas com experiências estéticas, abandonando as exigências humanas, individuais e sociais do fazer artístico. 11 CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só Beleza – A crítica de Arte de Mário de Andrade. Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 2007. P 89 e 90.

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Os anos de 1930 e seus acontecimentos chamaram a atenção da classe artística, que

reproduziu em suas obras “uma melancolia saturnina a remoer as aspirações e incertezas,

que não são apenas pessoais, mas muito mais políticas e universais. Há toda uma produção

de autocrítica, de balanço nostálgico dos primeiros tempos, chamando-os de heróicos e

outras designações retumbantes. (...) A melancolia está nas paisagens de periferia dos

artistas proletários do Santa Helena, que parecem querer preservar aquela antiga São Paulo

provinciana agonizante, ultimando esforços para ser a grande metrópole dos anos

subseqüentes12.”

Podemos considerar como artista descrito por Mário de Andrade, dentre outros, os

artistas do Santa Helena? E certamente Cândido Portinari, Lasar Segall, Tarsila do Amaral.

Artistas artesãos, artistas proletários, artistas sociais, artistas que em nenhum momento

deixaram de fazer uma arte essencialmente humana, com conhecimento da técnica e

sempre com muito talento – que, para Mário de Andrade, “é a solução pessoal do artista no

fazer da obra de arte13”.

E foi neste momento de organização da classe artística em sindicatos ou clubes, de

fortes movimentos culturais, da valorização cada vez maior da arte moderna, de grandes

construções prediais (o que representou uma função empreendedora por parte da política

getuliana) que Paulo Rossi Osir encontrou espaço para a criação de seu atelier-oficina de

azulejos, local este de trabalho regular de artistas como Alfredo Volpi e Mário Zanini e

freqüentado ainda por tantos outros, como Bruno Giorgi, Carybé (1911-1997) e Ernesto de

Fiori.

A Osirarte representaria um novo impulso e valorização da velha arte em que se

distinguiam os azulejos de Portugal, Espanha e Itália. Motivos do folclore nacional ou

ainda grandes painéis executados através de desenhos de Cândido Portinari, Poty

Lazzarotto (1924-1998), Burle Marx ou Anísio Medeiros (1922-2003) decoraram edifícios,

Ministérios, Igrejas, clubes e residências brasileiras nas décadas de 1940 e 1950.

12 LOURENÇO, Maria Cecília França. Operários da Modernidade. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1995. P. 18 13 CHIARELLI, Tadeu. Pintura não é só Beleza – A crítica de Arte de Mário de Andrade. Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 2007. P 91

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A Osirarte

A Osirarte foi fundada no segundo semestre de 1940 por Paulo Rossi Osir para

atender, inicialmente, à demanda de execução de azulejos para o prédio do Ministério da

Educação e Saúde, no Rio de Janeiro.

Em carta de 17 de junho de 1940, Paulo Rossi perguntou a Cândido Portinari se

existiam novidades sobre os azulejos, uma vez que Lúcio Costa e Carlos Leão não haviam

dado notícias sobre o sua proposta de trabalho e a efetivação do serviço. As negociações e

abertura da empresa caminharam depressa, pois em 02 de janeiro de 1941 Osir já estava

trabalhando muito na queima dos azulejos.

Em entrevista de Paulo Rossi Osir concedida ao jornal A Manhã, no Rio de Janeiro,

em 14 de julho de 1943, o artista descreveu como nasceu a Osirarte:

Foi durante as experiências exigidas pela encomenda de azulejos pintados sob esmalte, feita pelo Ministro Gustavo Capanema, para a execução do revestimento externo do Ministério da Educação e Saúde Pública, que, na tentativa de obter determinado azul, comecei a misturar cores suscetíveis à temperatura acima de 1200 graus. Em verdade devo confessar que não consegui, apesar de três a quatro meses de ensaio, o azul desejado, de conformidade com o azulejo tirado da Igreja da Glória, no Rio, e que me fora remetido como modelo. Tratava-se, provavelmente, de um óxido de cobalto que os portugueses recebiam outrora da Angola e cujo segredo se perdeu, sem dúvida, porquanto nem mesmo em Portugal foi possível obtê-lo novamente. Minhas pesquisas permitiram-me encontrar um azul intenso, transparente e atraente que satisfez às exigências do Ministro, que me confiou, então, a execução do revestimento de azulejos do palácio da Educação.

Foi durante esse período de experiências que, percorrendo toda a gama de cores frias, azuis, amarelas e verdes, verifiquei ser viável em nosso meio uma policromia sob esmalte, desde que dela se excluísse o vermelho. É claro que nada de novo descobrira (...) Mas nada como postar-se pessoalmente diante dos resultados para perceber as possibilidades todas que sugere uma técnica (...).

Minha pretensão era, e é, a de seguindo determinadas diretrizes, tanto em relação à técnica como aos assuntos, contribuir para criar uma arte decorativa nossa, independente, com raízes na nossa história, nos nossos costumes, em suma, na nossa vida de todos os dias.

O atelier da Osirarte era dirigido por Rossi; era ele quem remunerava os artistas,

contatava os interessados para compra de azulejos, promovia e comercializava os produtos.

O artista, e agora empresário, aproveitando o crédito de executar um trabalho para o

governo, utilizou o argumento da realização das fachadas do prédio do Ministério para

fazer propaganda da Osirarte. No rodapé do papel timbrado da empresa, podemos ler:

“Osirarte está atualmente executando os azulejos para as fachadas externas no novo

Ministério da Educação e Saúde no Rio, e acha-se em condição de executar qualquer

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encomenda como: painéis, decoração para banheiros, lareiras, fontes, padrões para

revestimento de fachadas a gosto dos senhores Arquitetos e particulares”.

Cheia de trabalho, a Osirarte, composta por artistas estrangeiros, era uma torre de

babel em que todos se entendiam. Rubem Braga em seu artigo Azulejos Osirarte,

publicado em O Estado de São Paulo, em 01 de outubro de 1941, nos conta que

Para esse grupo de artistas, todos de nomes estrangeiros, as coisas da terra e de gente nostra serviram de campo de concentração amistosa. Volpi exclama “Dio bóia!” Giuliana se queixa que o companheiro “non me adjiuda di nada!” e Hilde recita Heine quando Rossi não está declamando seu Leopardi, mas todos de pincel na mão falam a mesma língua. Língua simples, ingênua e chã de nossa pobre gente.

Hildegard Rosenthal, 1942. Hilde Weber, Paulo Rossi e Alfredo Volpi na Osirarte. Fotografia p/b sobre papel Coleção MAC-USP

Como reflexo de sua educação européia, metódico, exigente e extremamente

disciplinado, Rossi tentava impor certa ordem, possivelmente em vão, entre os artistas que

pintavam em seu atelier. Gerda Brentani (1908-1999), segundo depoimento concedido ao

crítico Frederico Morais, conta que Rossi “era um patrão duro, um empresário. E eu me

diverti muito vendo Volpi, Zanini, Giuliana e Hilde tentando conviver com ele, todos

indisciplinados, obrigados a obedecer ao seu gosto. Volpi era sua vítima predileta, era

quem fazia os grandes painéis, por ser o artista mais respeitado entre eles14”.

14 MORAIS, Frederico. Azulejaria Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editoração Publicações e Comunicações, 1988. P 42.

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Rossi exigia que Volpi realizasse as grandes composições. Zanini criava as menores

e trabalhava na execução das imagens grandes, pois como tinha mais paciência que o

amigo, pintava os traços mais finos e delicados15.

Rubem Braga, em Azulejos Osirarte, observou a direção de Rossi e a união do

grupo:

Osir é patrão, e menos patrão que maestro a afinar este coro. Deus o proteja, que os artistas, e ainda mais os pintores, são gente de natureza pouco orfeônica – ainda mais em país tão pouco orfeônico assim como o Brasil. Mas Osir também é artista e lá se entende sua voz macia. Sente-se que ele conseguiu estabelecer um compromisso feliz entre o individualismo anarquista e as exigências do trabalho comum. Uma disciplina totalitária arruinaria tudo, ele a evitou.

Giuliana Giorgi, recém chegada de Trieste, Itália, conhecera Rossi em Paris.

Quando veio para o Brasil, em 1940, procurou por Osir e logo fazia parte do grupo. Ela

descreveu o ambiente do atelier como um local descontraído e despojado:

Volpi fumava o seu cigarro de palha, Zanini trabalhava sem camisa por causa do calor, Giuliana e Hilde não se mostravam perturbadas nem com uma coisa nem com outra, enquanto conversavam com a modelo pelada do Rossi Osir16. Comecei a ver que o mundo não era só regido pelas luvas e chapeuzinhos da bitolada Trieste, mas que tem mil coisas para aprender17.

Durante toda a década de 1940 a Osirarte funcionou como uma verdadeira escola.

Artistas iniciantes trabalhavam junto com os já experientes, pintando, traçando e criando

conjuntamente os desenhos que ilustrariam os azulejos. Gerda Brentani estudava desenho

com Ernesto de Fiori, Hilde Weber com Bruno Giorgi e Maria Wochnik, que era também

secretária da Osirarte, aprendeu a pintar com o próprio Rossi.

Em entrevista de Gerda Brentani concedida a Nivra Ribeiro, a artista conta que

Rossi queria que eu pintasse, mas eu nunca tinha desenhado quando ele me levou para o atelier. Eu pintava azulejo do meu jeito (...). Eu aprendi muita coisa lá. O desenho e a pintura eram meus, tinha toda a liberdade de fazer e quando se vendia alguma coisa era do Rossi. A mim o Rossi não impunha temática, mas aos outros sim18.

15 Informação fornecida por Hilde Weber e Gerda Brentani a RIBEIRO, Nivra Aparecida Ligramante in Rossi Osir – artista e idealizador cultural. 1995. Dissertação de Mestrado – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. P 192. 16 O atelier de Rossi ficava dentro da Osirarte, em uma sala separada, e sempre promovia pintura de modelo vivo. 17 MORAIS, Frederico. Azulejaria Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editoração Publicações e Comunicações, 1988. P 435. 18 RIBEIRO, Nivra Aparecida Ligramante in Rossi Osir – artista e idealizador cultural. 1995. Dissertação de Mestrado – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. P 191.

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Paulo Rossi não pintava os azulejos, mas era ele quem idealizava e dirigia as

composições de grandes dimensões, orientando onde ficaria melhor cada figura. Pedia a

Volpi, por exemplo, que fizesse uma festa de casamento, com tantos convidados, com tal

paisagem de fundo, e Volpi desenhava e executava.

Em relação à composição dos painéis idealizados por artistas como Cândido

Portinari ou Burle Marx, Rossi, nesse caso, fazia a reprodução do desenho no azulejo, mas

não o pintava. Veremos um exemplo concreto quando falarmos dos painéis da Igreja da

Pampulha.

Alfredo Volpi e Mário Zanini, déc. de 1940

Músicos Composição com quatro azulejos

Coleção particular

um mesmo trabalho assinado por mais de uma pessoa. Em outros, podemos ver a indicação

do nome do artista que compôs o desenho, ou seja, aquele que o idealizou, e abaixo a

assinatura de quem o executou.

O trabalho em geral era mais ou

menos coletivo, muitas vezes não havendo

propriamente a noção de paternidade dos

padrões; percebemos que os mesmos

elementos figurativos podem ser

encontrados em vários azulejos, variando

as cores utilizadas, a pincelada ou um

pequeno detalhe da personagem. No início,

os azulejos não eram nem mesmo

assinados, mas após a venda das peças em

cerâmica para o Museu de Arte Moderna

de Nova York, MoMA, em 1942, os

artistas, por exigência americana, passaram

a assiná-las Em alguns casos, encontramos

m

Composição Carybé, execução Mário Zanini, s/d Cena Folclórica Mexicana Composição com seis azulejos Coleção Particular

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Para dar conta das encomendas e ampliar o mercado, Rossi contava com a

colaboração de artistas como Mário Zanini e Alfredo Volpi, que exercia uma função como

de chefe de atelier, solucionando problemas plásticos e técnicos à medida que surgiam.

Com eles, trabalharam ainda em diferentes momentos Hilde Weber (1913-1994), de 1941 a

1950, Gerda Brentani e Giuliana Giorgi (s/d), ambas de 1940 a 194319, Virginia Artigas

(1915-1990), de 1940 a 1942, César Lacanna (1901-1983), em 1945, Frans Krajcberg

(1921- ) em 1948, Maria Wrochnik (s/d) e Etore Moretti (s/d).

A Osirarte promovia também debates e encontros em fins de tarde entre os artistas,

daí podermos encontrar azulejos assinados por Ernesto de Fiori, Bruno Giorgi, Ottone

Zorlini (1891-1967) que pintavam nas cerâmicas esporadicamente.

Bruno Gioirgi, década de 1940 Ottone Zorlini, década de 1940 Coleção particular Coleção particular

Graças ao excelente relacionamento e influência de Rossi, a Osirarte tinha uma boa

demanda de vendas20 e pagava bem os profissionais que ali trabalhavam – dez mil réis21

por hora, o que possibilitou Volpi, inclusive, de comprar sua casa em Mogi das Cruzes22.

No Rio do Janeiro, por exemplo, objetos da Osirarte eram vendidos em

consignação, em uma loja chamada Le Connaisseur, localizada na Rua Sete de Setembro,

número 34. Os compradores utilizavam os azulejos como revestimento de painéis ou

mobiliário de interiores, tais como banheiros, mesas, fontes, lavabos e piscinas.

19 Gerda Brentani e Giuliana Giorgi a partir de 1943 dirigiram juntas um atelier de cerâmica na rua da Consolação, cujo nome era Alabarta. Tinham seu próprio forno e nele faziam pratos, jogos de jantar etc. 20 Em 1º de setembro de 1941, Rossi conta em carta a Portinari que o seu atelier, como ele chama a Osirarte, estava fervendo de trabalho. 21 Depois de feito cálculo de conversão de valores no site do Banco Central, descobrimos que dez mil réis equivalem hoje a aproximadamente R$ 70,17. 22 MORAIS, Frederico. Azulejaria Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editoração Publicações e Comunicações, 1988. P. 35

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anos de 1950, a casa da Pampulha, projetada por Oscar Niemeyer. Sua arquitetura é um

marco modernista da época, assim como a Igreja, o Cassino (depois transformado em

Museu) e o Iate Clube.

Rossi investia também no mercado norte-americano. Em setembro de 1941

comenta com Portinari a ajuda e gentileza de Florence Horn Retzer (s/d), jornalista da

Em Belo Horizonte, na antiga

residência de Juscelino Kubitschek (1902-

1976), encontramos azulejos Osirarte no piso,

executados por Volpi, e na parede da sala. A

casa pertenceu também a Joubert Guerra,

prefeito de Diamantina de 1936 a 1940,

sucedendo a Juscelino, de quem se tornou

grande amigo. Comprou dele, no início dos

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revista Fortune, do Grupo Time Life, e amiga do pintor de Brodósqui, em lhe arranjar uma

casa em Nova York para colocar seus azulejos.

Para muitos dos artistas que compunham o quadro de profissionais da Osirarte, o

salário recebido pela execução dos azulejos era fundamental para o seu próprio sustento.

Francisco Rebolo conta que Zanini fora convidado por ele, antes de trabalhar na

Osirarte, a pintar frisos decorativos (pinturas de liso, como se dizia) para residências,

realizados em estilo mourisco ou futurista, conforme o gosto do freguês. “Trabalhamos

juntos uns cinco anos, mas pouco tempo depois, mudou a moda e o futurismo não servia

mais. As pessoas deixavam de fazer decoração das casas e enfrentamos um período difícil,

o trabalho rareando. Veio então o convite da Osirarte23”. Zanini aceitou de imediato e logo

depois Volpi juntou-se a ele, o qual, também, desde os anos de 1910 vivia dos trabalhos

que realizava como pintor de liso. Os dois estavam sempre juntos, ou no atelier da Osirarte

ou pintando os arredores de São Paulo nos finais de semana.

teste – mistura de cores

Como bem observa Maria Cecília França Lourenço, “possivelmente o exercício

renovado no azulejo, sem possibilidade de retoques alteradores, tenha representado alguma

contribuição, tanto para a caricaturista Hilde Weber, quanto para o Volpi geométrico,

seguro nas composições e na técnica em têmpera das décadas seguintes24”.

23 MORAIS, Frederico. Azulejaria Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editoração Publicações e Comunicações, 1988. P. 34 24 LOURENÇO, Maria Cecília França. Operários da Modernidade. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1995. P 178

Zanini e Volpi, juntamente com Rossi Osir e Hilde Weber

fizeram experiências de cores e desenvolveram a técnica para

a pintura em biscoito. O traço deveria ser firme, ligeiro e sem

erros ou retoques, devido à rápida absorção da tinta pela

camada porosa da cerâmica e a aparição da falha após a

queima. A pintura era minuciosa e, aos poucos, segundo Hilde

Weber, “o domínio técnico era adquirido”.

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Além dos grandes painéis, o motivo dos azulejos feitos pela Osirarte era

predominantemente de cunho nacional popular. Eles trazem todo tipo de manifestações

folclóricas, como saci pererê, caipora, sereia e ainda quermesses, feiras, rodas de viola,

colheitas de laranja, circo, favelas; personagens como pescadores, garimpeiros, imigrantes,

fotógrafos ambulantes, pipoqueiro, verdureiro, vassoureiro; temas religiosos, como santos,

procissões, festa do Divino, batizados, casamentos e os característicos mapas do Brasil.

Gerda Brentani, déc. de 1940 Mário Zanini, déc. de 1940 Músicos Sem Título Composição com quatro azulejos 15 x 15 cm Coleção particular Coleção particular

Em relação ao tema folclórico escolhido por Rossi, Rubem Braga, em seu artigo

Azulejos Osirarte, diz que “para a arte digamos pura, como a do pintor, o folclore é um

perigo, pois leva ao pitoresco e ao mais fácil anedótico com muita freqüência. (...) Esse

perigo do folclore deixa de ser perigo quando se trata de uma arte como o azulejo, por

Em alguns casos, o artista desenhava primeiro em

outro suporte que não o azulejo, como é o caso da

composição para azulejos Músicos, de Mário Zanini, feito

em nanquim sobre papel.

O artista, como aponta Alice Brill, fez uma série de

estudos de composição de imagens múltiplas para azulejos.

Nestas suas pesquisas e influenciado por Portinari (os dois

se conheceram através da Osirarte), a temática de seus

desenhos representava o social, em que figuras humanas

simbolizavam músicos populares, operários ou grupos de

crianças.

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natureza leviana e decorativa. (...) Osir acertou. As cenas de vida e de trabalho do Brasil

que ele apresenta são com freqüência cheias de encanto, algumas até comoventes”.

É interessante notar aqui que os azulejos de Alfredo Volpi mantiveram os mesmos

motivos populares durante toda a sua permanência na Osirarte. Enquanto suas telas

evoluíam para a síntese e o abstracionismo, nos azulejos sua pintura permanecia com seus

temas antigos, dos anos de 1920 e 1930, apresentando a vida rural ou citadina de São

Paulo.

Alfredo Volpi, década de 1940. Músicos 15 x 15 cm. Coleção particular

Alfredo Volpi, déc. 1940 Congada Composição com 88 azulejos, c.i.d. Coleção particular

Os azulejos de motivos folclóricos

produzidos pela Osirarte eram executados em

diversos tamanhos: às vezes o tema era pintado em

uma única peça, outras em composição de 2 x 3 ou

até 9 x 15, formando-se amplos painéis. As peças

eram inicialmente queimadas nas Indústrias

Reunidas Francisco Matarazzo, na Lapa, até a

aquisição de forno próprio, quando a produção pode

então aumentar.

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Rossi encomendava os azulejos em forma de biscoito, ou seja, sem estar

esmaltados, às Indústrias Matarazzo. Pedia o tamanho necessário para a execução dos

trabalhos, fosse para os azulejos folclóricos fosse para os painéis. Matarazzo podia

demorar até um mês para entregar o pedido, como vemos em carta de Rossi a Portinari,

datada de 16 de maio de 1945, referente à encomenda para os azulejos internos da Igreja da

Pampulha:

A execução do revestimento para o púlpito e o batistério não é possível fazê-lo já, pois não tenho o biscoito de 15 x 7½ que o Matarazzo só entregará de aqui há um mês.

Após a pintura dos azulejos, os mesmos eram reenviados à Fábrica Matarazzo pra a

queima e em seguida devolvidos a Osir, que os esperava sempre com ansiedade.

Em relação à queima dos azulejos para o prédio do Ministério da Educação, disse

Rossi em janeiro de 1940: “assim fica-se ansioso em abrir as caixas quando voltam os

azulejos queimados”.

Durante toda a década de 1940, a Osirarte produziu uma série de exposições para

apresentar ao público sua produção – praticamente uma em cada ano. A primeira, realizada

em setembro e outubro de 1941, na Rua Barão de Itapetinga, 124, apresentou coleção de

quadros, mesas e painéis de azulejos e contou com a participação de Rossi, Alfredo Volpi,

Mário Zanini, Giuliana Giorgi, Hilde Weber, Gerda Brentani e Ettore Moretti. A

repercussão na mídia e as críticas foram favoráveis.

Segundo Rubem Braga, em seu artigo Azulejos Osirarte, a exposição foi um

sucesso de venda e de público:

As pessoas que podem, encomendam composições de 4, 6, 9 e 12, até 63 azulejos para quadro, mesa ou painéis. As outras compram quadros de 1 só azulejo, de 20 a 130 mil réis. O pitoresco livro vendas acusa um belo movimento. O fato de serem numerosas as mulheres compradoras parece significativo. Essas mulheres são de vários tipos e mentalidades. Muitas dentre elas seriam completamente incapazes de comprar um quadro de pintor moderno para pendurar em sua sala. Entretanto, compram azulejos – azulejos de pintores modernos. Compram naturalmente, como se comprassem qualquer outro elemento de enfeite para suas residências.

E assim, sob a capa tênue e brilhante do esmalte, o veneno invade os lares. Muitos desses azulejos irão ficar perto de quadrarrões detestáveis de péssimos pintores acadêmicos, com uvas que só faltam falar. E serão ali elementos de quinta-coluna a serviço da ordem nova ou desordem nova das artes plásticas. O inocente azulejo leva no seu bojo uma composição de Volpi; bem ou mal, é Volpi que se instala dentro de salas onde Volpis nunca foram sonhados. Comprar um quadro de Zanini seria sintoma de loucura nessas famílias; mas lá está um Zanini esmaltado e cozido, e ele trabalhará silenciosamente para que breve entrem Zaninis soltos e livres, crus e nus se alastrando paredes adentro.

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Essa primeira exposição, segundo crítica de jornal da época25, representou uma

realização absolutamente inédita e abriu novos rumos à arte decorativa brasileira.

Dentre muitos, os compradores dos azulejos foram Gregori Warchavchik, Carlos

Bratke (1942- ), Carlos Botti (1931- ), Luiz Saia (1911-1975), Vilanova Artigas (1915-

1985), Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977) e o prefeito Prestes Maia (1895-

1965)26.

Em dezembro de 1942, nova exposição foi aberta, no atelier da Osirarte à Rua

Vitória, 433.

Em 1943 a exposição foi realizada no Rio de Janeiro, no Museu Nacional de Belas

Artes, dos dias 13 a 27 de julho, e foram expostas cem peças de motivos folclóricos

brasileiros, em variados tamanhos.

Em dezembro de 1944, nova exposição foi aberta no atelier da Rua Vitória. A

exposição apresentou azulejos, vinte telas e seis desenhos de Hilde Weber, Paulo Rossi

Osir, Alfredo Volpi e Mário Zanini.

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