Ornamentação e Improvisação no Método de Pianoforte de José Maurício Nunes Garcia
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Maria Aida Falcão Santos Barroso
ORNAMENTAÇÃO E IMPROVISAÇÃO NO MÉTODO DE PIANOFORTE
DE JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 10 de maio, de 2006
Maria Aida Falcão Santos Barroso
ORNAMENTAÇÃO E IMPROVISAÇÃO NO MÉTODO DE PIANOFORTE
DE JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Música da Escola de Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do Prof. Dr. Marcelo
Fagerlande.
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 10 de maio, de 2006
AGRADECIMENTOS
Agradeço às pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste
trabalho.
Em especial:
Ao Marcelo Fagerlande, pela brilhante orientação, pela confiança e amizade.
Ao meu irmão Márcio Barroso pelas inúmeras leituras e sugestões.
Às colegas do mestrado Mayra Pereira e Ana Cecília Tavares pela amizade e
convivência enriquecedora durante esse período.
À Vera Lúcia Gonçalves de Sousa, aos colegas e alunos da Escola de Música Lila C.
Gonçalves pela compreensão e estímulo.
À Vera Siqueira, ao Coral a Capella e aos músicos da Orquestra Experimental.
Aos meus pais.
E ao meu marido Luiz Kleber pelo carinho e incentivo.
RESUMO
BARROSO, Maria Aida. Ornamentação e Improvisação no Método de Pianoforte de José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 2005. Dissertação de Mestrado em Música.
A proposta deste trabalho é a realização de um estudo da ornamentação no Método de Pianoforte de José Maurício Nunes Garcia levando em consideração a prática da livre ornamentação. Para tal, os ornamentos do método são identificados, analisados e contextualizados. É também feito um estudo comparativo entre os ornamentos encontrados no Método e aqueles presentes no restante da obra de José Maurício através de uma amostragem. São utilizados como referencial tratados teóricos do período e obras de autores considerados referência no estudo da ornamentação e da improvisação. O objetivo desta pesquisa é fornecer aos músicos subsídios para a interpretação das peças do Método de Pianoforte, demonstrando sua real adequação para a utilização de livre ornamentação.
ABSTRACT
BARROSO, Maria Aida. Ornamentation and Improvisation in the Pianoforte Method by José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 2005. Dissertação de Mestrado em Música.
The proposal of this work is to carry out a study on the ornamentation in the Pianoforte Method by José Maurício Nunes Garcia taking into consideration the practice of free ornamentation. To fulfill this purpose, the method’s ornaments are identified, analyzed, and put into context. A comparative analysis study is also carried out between the ornaments found in the Method and those present in the rest of the work by José Maurício using sampling. Theoretical reference work from the period is used as well as works by authors considered as reference in the study of ornamentation and improvisation. The objective of this research is to give musicians the necessary information for the interpretation of pieces of the Pianoforte Method, demonstrating its true adequacy for the usage of free ornamentation.
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................1 Capítulo I: Ornamentação e Improvisação: estudo das práticas 1.1 – Ornamentos ....................................................................................09 1.1.1 – Apogiaturas......................................................................13 1.1.2 – Trinados............................................................................19 1.1.3 – Grupetos ..........................................................................23 1.1.4 – Mordentes ........................................................................26 1.1.5 – Escorregadelas ................................ ................................28 1.1.6 – Tiratas ..............................................................................29
1.1.7 – Arpejos ............................................................................30 1.2 – Improvisação 1.2.1 – Conceito geral .................................................................31 1.2.2 – O período clássico ...........................................................32 1.2.2.1 – Embelezamentos................................................34 1.2.2.2. – Cadências..........................................................38 1.2.2.3. – Fantasias livres.................................................40 Capítulo II: Ornamentação e Improvisação no Método de Pianoforte de José Maurício
2.1 – José Maurício como Improvisador................................................. 43 2.2 – O Método de Pianoforte .................................................................49 2.3 – Os Ornamentos do Método.............................................................51
2.3.1 – Apojo ...............................................................................52 2.3.2 – Portamento.......................................................................57
2.3.3 – Acento .............................................................................59 2.3.4 – Outros ornamentos...........................................................59
2.4 – Escrita ornamentada .......................................................................63 2.5 – Indícios da prática de livre ornamentação.......................................65
2.5.1 – Forma de aria da capo ............. ......................................66 2.5.2 – Fermatas nas cadências ...... ............................................67
2.5.3 – Repetições de compassos ................................................68 2.5.4 – Espaços vazios e estrutura simplificada ..........................68
Capítulo III – Ornamentos extraídos da literatura mauriciana 3.1 – Critérios para a seleção dos ornamentos ........................................72 3.2 – Apogiaturas.....................................................................................76 3.3 – Trinados..........................................................................................86 3.4 – Grupetos .........................................................................................91 3.5 – Mordentes .......................................................................................93 3.6 – Escorregadelas ...............................................................................94 3.7 – Tiratas .............................................................................................95
3.8 – Arpejos ...........................................................................................96 3.9 – Indicações de livre ornamentação ..................................................97
3.10 – Exemplos de ornamentação .........................................................98 Capítulo IV: Propostas de Livre Ornamentação para o Método de Pianoforte 4.1 – Critérios para a escolha das peças ...............................................104
4.2 – Lição 10 – I Parte ........................................................................104 4.3 – Lição 7 – I Parte ..........................................................................115
Conclusão.....................................................................................................................126 Bibliografia ...................................................................................................................131 Anexos Anexo I – Tabela. Ornamentos – Varella .........................................................142 Anexo II – Tabela. Ornamentos luso-brasileiros ..............................................144 Anexo III – Tabela. Denominação de ornamentos em vários idiomas..............147 Anexo IV – Fac-símile. Clarinetas – Kyrie da Missa Pastoril ..........................150
Anexo V – Fac-símile. Laudamus Te. Missa Pastoril ......................................152 Anexo VI – Fac-símile. Laudamus Te. Missa São Pedro Alcântara 1808........157
Índice de Figuras
Capítulo I
− Pág. 12 – Figura 1: Classificação dos Ornamentos segundo F. Neumann.
− Pág. 14 – Figura 2: APOGIATURAS. Carl Ph. E. Bach, Figura 69.
− Pág. 15 – Figura 3: APOGIATURAS. Varella, Ex. I, nº 8.
− Pág. 17 – Figura 4: APOGIATURAS. Coelho Machado, p. 62.
− Pág. 18 – Figura 5: APOGIATURAS. Francisco Manoel da Silva, p. 10, seção 19.
− Pág. 19 – Figura 6: APOGIATURA DUPLA. Carl Ph. E. Bach, Figura 148.
− Pág. 19 – Figura 7: APOGIATURAS duplas e simultâneas. Coelho Machado, p. 62
− Pág. 20 – Figura 8: TRINADOS. Carl Ph. E. Bach, Figura 90.
− Pág. 20 – Figura 9: TRINADO SIMPLES. Carl Ph. E. Bach, Figuras 91 e 92.
− Pág. 21 – Figura 10: TRINADO ASCENDENTE. Carl Ph. E. Bach, Figura 102.
− Pág. 21 – Figura 11: TRINADO DESCENDENTE. Carl Ph. E. Bach, Figura 109.
− Pág. 21 – Figura 12: TRINADO CURTO. Carl Ph. E. Bach, Figura 113.
− Pág. 22 – Figura 13: TRINADO. Varella, Ex. 8 nº 9.
− Pág. 22 – Figura 14: TRINADO. Varella, Ex. 8 nº 10.
− Pág. 23 – Figura 15: TRINADO. Francisco Manoel da Silva, p. 10, seção 19.
− Pág. 24 – Figura 16: GRUPETOS. Carl Ph. E. Bach, Figura 119.
− Pág. 25 – Figura 17: GRUPETOS. Varella, Ex. I nº 10.
− Pág. 25 – Figura 18: GRUPETOS. Varella, Ex. I nº 8.
− Pág. 25 – Figura 19: GRUPETOS. Francisco Manoel da Silva, p. 10, seção 19.
− Pág. 26 – Figura 20: MORDENTES. Carl Ph. E. Bach, Figura 140
− Pág. 26 – Figura 21: MORDENTE depois de trinado. Carl Ph. E. Bach, Figura 145.
− Pág. 27 – Figura 22: MORDENTE. Varella, Ex. I nº 10.
− Pág. 28 – Figura 23: MORDENTE. Francisco Manoel da Silva, p. 10, Seção 19.
− Pág. 28 – Figura 24: ESCORREGADELAS. Carl Ph. E. Bach, Figura 156.
− Pág. 29 – Figura 25: TIRATA. Leopold Mozart.
− Pág. 30 – Figura 26: ARPEJOS. Türk
− Pág. 36 – Figura 27: VARIAÇÕES. Quantz, Table IX, Figura 1
− Pág. 37 – Figura 28: VARIAÇÕES. Coelho Machado, p.61
− Pág. 39 – Figura 29: FERMATA. Carl Ph. E. Bach, Figura 164. 1
− Pág. 39 – Figura 30: SUSPENSÃO. Francisco Manoel da Silva p. 10 Seção 19
Capítulo II
− Pág. 53 – Figura 31: APOGIATURA longa, superior, simples, no 1º tempo. Lição 7ª
– I Parte.
− Pág. 53 – Figura 32: APOGIATURA longa, superior, dupla, em terças . Lição 1ª –
II Parte. Moderato.
− Pág. 53 – Figura 33: APOGIATURA longa, superior, dupla, em sextas. Lição 3ª –
II Parte. Andante Moderato.
− Pág. 54 – Figura 34: APOGIATURA longa, superior, dupla, em oitavas. Fantezia
3ª. Moderato.
− Pág. 54 – Figura 35: APOGIATURA longa, inferior, simples, no 1º tempo. Lição 8ª
– I Parte. Andante.
− Pág. 54 – Figura 36: APOGIATURA longa, inferior, simples, no 1º tempo. Lição
11ª – I Parte. Allegretto.
− Pág. 55 – Figura 37: APOGIATURA longa, inferior, dupla, no 1º tempo. Lição 5ª
– I Parte. Moderato.
− Pág. 55 – Figura 38: APOGIATURA longa, inferior, dupla, em oitavas, no 1º
tempo. Fantezia 2ª. Moderato
− Pág. 55 – Figura 39: APOGIATURAS longas, superiores, tempo fraco . Lição 7ª – I
Parte.
− Pág. 56 – Figura 40: APOGIATURAS longas, inferiores, tempo fraco. Lição 2ª – I
Parte. Moderato.
− Pág. 56 – Figura 41: APOGIATURAS curtas, superiores, 1º tempo. Lição 4ª – II
Parte. Andantino.
− Pág. 56 – Figura 42: APOGIATURA curta, superior, tempo fraco. Lição 2ª – II
Parte. Allegretto.
− Pág. 57 – Figura 43: APOGIATURA precedida por grupeto. Lição 8ª – I Parte.
Andante.
− Pág. 57 – Figura 44: GRUPETO conectivo. Lição 8ª – I Parte. Andante.
− Pág. 58 – Figura 45: GRUPETO intensificador. Lição 9ª – I Parte. Andantino.
− Pág. 58 – Figura 46: GRUPETOS intensificadores, superiores e inferiores. Fantezia
6ª. Moderato.
− Pág. 58 – Figura 47: GRUPETOS intensificadores. Fantezia 6ª. 1ª Variação.
Moderato.
− Pág. 60 – Figura 48: TRINADOS. Lição 3ª – II Parte. Andante Moderato.
− Pág. 60 – Figura 49: TRINADO. Lição 6ª – II Parte. Allegro Maestoso.
− Pág. 61 – Figura 50: TRINADOS com preparação e terminação. Fantezia 5ª.
Moderato.
− Pág. 61 – Figura 51: ESCORREGADELA. Lição 8ª – I Parte. Andante.
− Pág. 62 – Figura 52: ESCORREGADELA combinada com grupeto. Fantezia 1ª.
Moderato.
− Pág. 62 – Figura 53: ARPEJO. Lição 3ª – II Parte. Andante Moderato.
− Pág. 63 – Figura 54: OITAVAS QUEBRADAS. Lição 6ª – II Parte. Allegro
Maestoso.
− Pág. 63 – Figura 55: OITAVAS QUEBRADAS. Lição 6ª – II Parte. Allegro
Maestoso.
− Pág. 64 – Figura 56: ESCRITA ORNAMENTADA na seção A (a’). Lição 10 – I
Parte. Allegretto.
− Pág. 64 – Figura 57: ESCRITA ORNAMENTADA em a’. Lição 12 – I Parte.
Allegretto.
− Pág. 65 – Figura 58: ESCRITA ORNAMENTADA em b’. Lição 3 – II Parte.
Andante Moderato.
− Pág. 67 – Figura 59: FERMATA NO FINAL DE SEÇÃO. Lição 12 – II Parte.
Allegro Moderato.
− Pág. 67 – Figura 60: FERMATA SOBRE PAUSA. Lição 5 – I Parte. Moderato
− Pág. 68 – Figura 61: REPETIÇÃO DE COMPASSO. Lição 8 – I Parte.
− Pág. 68 – Figura 62: REPETIÇÃO DE COMPASSO. Lição 8 – I Parte.
− Pág. 69 – Figura 63: ESTRUTURA SIMPLIFICADA e ESPAÇOS VAZIOS.
Fantezia 4. Moderato
− Pág. 70 – Figura 64: ESPAÇOS VAZIOS. Lição 3 – II Parte. Andante Moderato
− Pág. 70 – Figura 65: ESPAÇOS VAZIOS. Lição 8 – II Parte. Allegro Moderato
Capítulo III
− Pág. 74 – Figura 66: GRUPETOS. O Triunfo da América. Aria – América.
− Pág. 75 – Figura 67: GRUPETO. O Triunfo da América. Aria – América.
− Pág. 75 – Figura 68: APOGIATURAS. O Triunfo da América. Coro final do drama.
− Pág. 78 – Figura 69: APOGIATURA longa. Vésperas de Nossa Senhora – 1797
(CPM 178). 1º Salmo. Dixit Dominus.
− Pág. 78 – Figura 70: APOGIATURAS longas. Beijo a mão que me condena.
Modinha
− Pág. 79 – Figura 71: APOGIATURAS longas. Gloria. Missa de Santa Cecília
− Pág. 79 – Figura 72: APOGIATURAS longas. Moteto Domine, tu mihi lavas
pedes. Soprano
− Pág. 79 – Figura 73: APOGIATURAS longas. Tota pulchra es Maria. Violino I
− Pág. 80 – Figura 74: APOGIATURAS curtas superiores. Gloria. Missa Pastoril.
− Pág. 81 – Figura 75: APOGIATURAS curtas superiores. Gloria. Missa de Santa
Cecília
− Pág. 82 – Figura 76: APOGIATURAS curtas com e sem corte. No momento da
partida. Modinha
− Pág. 83 – Figura 77: APOGIATURAS longas e curtas. Gloria. Missa de São Pedro
de Alcântara – 1808.
− Pág. 83 – Figura 78: APOGIATURAS longas. Laudamus – Missa de São Pedro de
Alcântara – 1808.
− Pág. 84 – Figura 79: APOGIATURA longa representada como curta. Popule Meus.
Soprano
− Pág. 84 – Figura 80: APOGIATURAS longas. Popule Meus. Soprano
− Pág. 85 – Figura 81: APOGIATURAS. Crux Fidelis. Soprano
− Pág. 85 – Figura 82: APOGIATURAS. Crux Fidelis. Soprano
− Pág. 86 – Figura 83: APOGIATURAS inferiores por graus disjuntos. Benedictus.
Sanctus – Missa Pastoril.
− Pág. 86 – Figura 84: APOGIATURAS por graus disjuntos. Qui Tollis. GLORIA –
Missa de Santa Cecília. Tenor Solo
− Pág. 87 – Figura 85: TRINADOS. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178).
1º Salmo. Dixit Dominus.
− Pág. 87 – Figura 86: TRINADO. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178).
IIº Salmo. Laudate Pueri.
− Pág. 88 – Figura 87: TRINADO com preparação. Laudamus. Missa de São Pedro
de Alcântara – 1808
− Pág. 88 – Figura 88: TRINADOS com terminação. Qui tollis. GLORIA – Missa de
Santa Cecília. Tenor solo.
− Pág. 89 – Figura 89: TRINADOS. Quoniam. GLORIA – Missa de Santa Cecília.
Baixo solo.
− Pág. 89 – Figura 90: TRINADO longo. Flautas. O Triunfo da América – Coro que
se ha de cantar dentro.
− Pág. 89 – Figura 91: TRINADO. Abertura Zemira.
− Pág. 90 – Figura 92: TRINADO curto. Abertura Zemira.
− Pág. 90 – Figura 93: TRINADO. Gloria – Missa de Santa Cecília.
− Pág. 91 – Figura 94: GRUPETO superior conectivo. Beijo a mão que me condena.
Modinha
− Pág. 91 – Figura 95: GRUPETO inferior conectivo. Beijo a mão que me condena.
Modinha.
− Pág. 92 – Figura 96: GRUPETOS. O Triunfo da América – Ária.
− Pág. 92 – Figura 97: GRUPETO superior conectivo. KYRIE. Missa Pastoril. Coro
em uníssono.
− Pág. 92 – Figura 98: GRUPETO superior intensificador. Domine Deus. GLORIA –
Missa de Santa Cecília.
− Pág. 93 – Figura 99: GRUPETO combinado com arpejo. Laudamus – Missa de
Santa Cecília.
− Pág. 93 – Figura 100: GRUPETO combinado com escorregadela. Domine Deus.
Missa de Santa Cecília.
− Pág. 93 – Figura 101: GRUPETO. Gratias. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 94 – Figura 102: MORDENTE. No momento da partida. Modinha.
− Pág. 95 – Figura 103: ESCORREGADELA. Laudamus – Missa de São Pedro de
Alcântara – 1808.
− Pág. 95 – Figura 104: ESCORREGADELA. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 95 – Figura 105: TIRATA descendente. Kyrie. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 96 – Figura 106: TIRATA descendente. Gloria. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 96 – Figura 107: TIRATA ascendente. Gloria. Missa Pastoril. Cum sancto
spiritu.
− Pág. 97 – Figura 108: ARPEJO descendente. Laudamus – Missa de Santa Cecília.
Oboé solo.
− Pág. 97 – Figura 109: CADENZA. Quonian – Missa de Santa Cecília.
− Pág. 98 – Figura 110: FERMATA. Tota Pulchra es Maria – soprano.
− Pág. 99 – Figura 111: ORNAMENTAÇÃO. Kyrie. Missa Pastoril. Clarineta em Sib
− Pág. 100 – Figura 112: ORNAMENTAÇÃO. Laudamus. Missa Pastoril. Soprano
solo
− Pág. 101 – Figura 113: ORNAMENTAÇÃO – FERMATA. Laudamus. Missa
Pastoril. Soprano solo.
− Pág. 102 – Figura 114: ORNAMENTAÇÃO. Qui Tollis. GLORIA – Missa de
Santa Cecília. Tenor Solo
Capítulo IV
− Pág. 105 – Figura 115: Lição 10 – I Parte. Allegretto – Método de Pianoforte.
− Pág. 106 – Figura 116: Lição 10 – I Parte. Allegretto. Esquema formal.
− Pág. 106 – Figura 117: Lição 10 – I Parte. Seção A – a1.
− Pág. 107 – Figura 118: Lição 10 – I Parte. Seção A – a1. Variação I
− Pág. 107 – Figura 119: Lição 10 – I Parte. Seção A – a1. Variação II
− Pág. 108 – Figura 120: Lição 10 – I Parte. Seção A – a2.
− Pág. 108 – Figura 121: Lição 10 – I Parte. Seção A – a2. Variação I
− Pág. 109 – Figura 122: Lição 10 – I Parte. Seção A – a2. Variação II
− Pág. 109 – Figura 123: Lição 11 – II Parte. Figuração em tercinas.
− Pág. 110 – Figura 124: Lição 10 – I Parte. Seção B.
− Pág. 111 – Figura 125: Lição 10 – I Parte. Seção B. Variação.
− Pág. 112 – Figura 126: Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 1
− Pág. 113 – Figura 126: Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 2
− Pág. 114 – Figura 126: Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 3
− Pág. 115 – Figura 127: Lição 7 – I Parte – Método de Pianoforte.
− Pág. 116 – Figura 128: Lição 07 – I Parte. Esquema formal.
− Pág. 117 – Figura 129: D. Scarlatti. Sonata em Ré Maior.
− Pág. 117 – Figura 130: D. Scarlatti. Sonata em Lá Maior. Allegro.
− Pág. 118 – Figura 131: Carlos Seixas. Sonata em Ré menor nº 27. Allegro.
− Pág. 118 – Figura 132: Carlos Seixas. Sonata em Mib Maior nº 32. Moderato.
− Pág. 118 – Figura 133: Carlos Seixas. Sonata em Mib Maior nº 33. Moderato.
− Pág. 119 – Figura 134: Lição 07 – I Parte. Seção A
− Pág. 120 – Figura 135: Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação I.
− Pág. 121 – Figura 136: Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação II.
− Pág. 122 – Figura 137: Lição 07 – I Parte. Seção B.
− Pág. 123 – Figura 138: Lição 07 – I Parte. Seção B. Variação.
− Pág. 124 – Figura 139: Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 1
− Pág. 125 – Figura 139: Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 2
�
INTRODUÇÃO
O emprego de ornamentos1 na música pode ser considerado tão antigo quanto a própria
música2. Eles têm sido representados de maneiras diferentes pelos compositores de
diversas épocas. Vários símbolos podem ser utilizados para representá-los, assim como
pequenas notas colocadas ao lado daquela que se ornamenta, que não fazem parte da
contagem de tempo do compasso. Alguns compositores também optam por escrevê-los
por extenso na música. Seu uso varia de acordo com cada compositor e com o período
em que ocorre. Muitos autores escrevem toda a ornamentação, tanto por símbolos e
pequenas notas quanto por extenso. Outros deixam a cargo do intérprete a aplicação dos
ornamentos. Essa variedade na utilização da ornamentação constitui um conceito muito
amplo. Considera-se, portanto, ornamentação a aplicação de símbolos ou pequenas
notas que já vêm propostos na partitura pelo compositor, assim como as divisões ou
variações aplicadas à melodia. A livre ornamentação é o acréscimo de ornamentos ou a
variação melódica realizada pelo intérprete.
O estudo da ornamentação tem sido de grande importância para a compreensão das
obras de diversos autores e de como executá-las, sobretudo quando se trata de músicas
escritas nos séculos XVII e XVIII. Sempre que um intérprete preocupado com uma
execução apropriada se depara com um novo autor, vêm à tona questões a respeito de
como devem ser tocados os ornamentos grafados na partitura e leva-se em consideração
a possibilidade de se ornamentar livremente. A decisão a ser tomada depende, de um
modo geral, de estudos feitos sobre ornamentação, de prefácios escritos pelos
compositores ou de tabelas deixadas pelos mesmos. No caso específico de José
Maurício Nunes Garcia, o que ele deixou escrito não auxilia quanto à execução e ao
emprego correto dos ornamentos em sua música. Além disso, muito pouco se pesquisou
a respeito desse aspecto de sua obra.
Atualmente muitos pesquisadores se debruçam sobre prefácios ou tratados de séculos
anteriores, buscando a interpretação correta dos ornamentos. Esse trabalho é essencial,
pois a compreensão de muitos desses tratados é prejudicada devido ao fato de seus
autores terem direcionado as informações para seus contemporâneos, omitindo dados
mais precisos que pudessem permitir aos músicos de outras épocas uma maior clareza
1 Ver item 1.1 – Ornamentos. Capítulo I, pág. 9. 2 SCHOTT, Howard. Playing the Harpsichord. London: Faber and Faber, 1973. p. 118.
na interpretação3 de suas músicas. Acredita-se que um dos grandes equívocos
usualmente cometidos pelos intérpretes no estudo dos antigos tratados seja a respeito da
ornamentação4. Em muitas obras os ornamentos não foram fixados justamente para que
não se limitasse a fantasia criativa do intérprete, necessária para a realização da livre
ornamentação e do improviso5. Então, num erro gerado pela tentativa da interpretação
histórica, muitos músicos atuais procuram tocar na íntegra o que está escrito, ignorando
o fato de que o usual naquela música era a liberdade interpretativa e, conseqüentemente,
a inclusão de ornamentos.
Além do mais, a disponibilidade de tratados de diversas épocas pode levar o intérprete a
buscar informações em autores díspares, chegando a conclusões errôneas a respeito da
execução de determinadas passagens ornamentais. Não é qualquer tratado que serve de
apoio à interpretação de um determinado autor. O músico ou o pesquisador deve estar
atento para a escolha de obras que sirvam como parâmetros para a interpretação dos
ornamentos do compositor escolhido. Atualmente este cuidado deverá ser redobrado
pois, o músico moderno, ao executar uma peça histórica pode lançar mão de muito mais
informações para a improvisação que um contemporâneo do autor, tanto por sua
bagagem cultural, que engloba músicas de vários séculos, quanto pela variedade de
informações históricas disponíveis nas bibliotecas. Entretanto, este fato não torna
necessariamente sua performance6 melhor que uma original7.
Harnoncourt8 aborda a questão em “O discurso dos Sons”, advertindo os músicos dos
perigos de interpretar “ao pé da letra” as fontes e os tratados teóricos anteriores a 1800,
por terem sido escritos para os músicos da época. Segundo o autor, como a interpretação
3 Interpretação é a forma como o músico compreende a obra a ser executada. Difere-se de performance (ver nota 6), que seria a forma como o músico apresenta a obra ao público. DAVIES, Stephen; SADIE, Stanley. Interpretation. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 4 NEUMANN, Frederick. Interpretation Problems of Ornament Symbols and Two Recent Case Histories: Hans Klotz on Bach, Faye Ferguson on Mozart. In: New Essays on Performing Practice. Rochester: University of Rochester Press, 1992. p. 121. 5 HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons – Caminhos para uma nova compreensão musical. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. p. 34-39. 6 O termo performance é usado não só no sentido de desempenho, mas também como a forma do intérprete comunicar ao ouvinte sua compreensão da obra que está executando. DUNSBY, Jonathan. Performance. In: Grove Music Online. <http://www.grovemusic.com> Ed. L. Macy (Acessado em 15 de abril de 2004). 7 A palavra original refere-se à interpretação da música por um contemporâneo do compositor, familiarizado com todos os aspectos culturais que envolvem uma maior compreensão da obra. 8 Op. cit. 1988, p. 34-39.
cabia a músicos contemporâneos dos autores, muitas questões podem ter sido omitidas
dos tratados por serem recorrentes naquela música. Para ele, a partitura fornece indícios
de como devemos interpretar a obra, mas a chave para a interpretação dessas indicações
estava ao alcance apenas dos músicos contemporâneos do compositor, devendo o
intérprete moderno estudar profundamente o assunto para chegar a uma leitura correta.
O fato de a improvisação ser profundamente ligada à prática musical até fins do século
XVIII não pode ser deixado de lado pelo intérprete. Harnoncourt chama ainda atenção
para a questão da notação e estabelece dois princípios para a sua utilização: a notação da
obra em si, sem indicação de execução; ou a notação da execução, indicando de que
forma a peça deve ser tocada sem preocupação com a forma ou a estrutura da obra, que
se apresentaria por si mesma durante a execução. O primeiro caso é o mais comum na
música até fins do séc. XVIII. Um músico que execute obras desse período deve estar
atento a esse fato e procurar extrair dessa música elementos além da notação. Segundo
Harnoncourt,
a notação das épocas em que não se representava a maneira de tocar,
mas a obra, exige de nós, nos dias atuais, para sua leitura, o mesmo
conhecimento que era requerido do músico para o qual esta obra foi
escrita na época.9
Embora voltadas à interpretação da música histórica até meados do Séc. XVIII, as
afirmações de Harnoncourt levantam a questão e apontam para o problema a respeito de
como se interpretar a música de José Maurício e, conseqüentemente, sua ornamentação.
Suas partituras, assim como a dos autores considerados suas maiores influências10, não
representavam a execução das suas obras. Esse fato, aliás, contribui para os equívocos
cometidos quanto à interpretação da obra do Padre Mestre, muitas vezes executada “ao
pé da letra”, apenas utilizando as informações contidas na partitura, sem preocupações
históricas. Nesse caso, o estudo de tratados do período pode auxiliar na escolha dos
9 HARNONCOURT, N. Op. cit., p. 37. 10 Mattos e Neves consideravam como influências na obra de José Maurício os mestres europeus do séc. XVIII da chamada escola napolitana – Durante, Jomelli, Pergolesi, Cimarosa, Zingarelli – além de Haydn, Mozart, Rossini e o jovem Beethoven. MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia – Biografia. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1997. NEVES, José Maria. José Maurício e os compositores setecentistas mineiros. In: Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro: Funarte, 1983. p. 55-63.
ornamentos a serem utilizados e também na maneira correta de executá-los,
principalmente quando se tratam daqueles que possivelmente estavam disponíveis no
Rio de Janeiro à época de José Maurício, ou daqueles que faziam parte do conhecimento
musical vigente.
O Método de Pianoforte oferece amplo campo para a aplicação da livre ornamentação
devido à forma de suas peças, na grande maioria arias da capo. Embora José Maurício
trate de ornamentos no Compêndio que acompanha o Método, a descrição apresentada
não oferece apoio à interpretação das peças. Além do mais, muito poucos ornamentos
são encontrados nas peças do Método, possivelmente porque a prática da livre
ornamentação era usual naquela época e estava implícita na educação musical sem que
precisasse constar nos métodos. A simplicidade melódica de suas peças possibilita ao
executante o exercício da livre ornamentação, assim como da improvisação melódica e
é essa característica que se pretende explorar neste trabalho. Embora o Método já tenha
sido objeto de pesquisa e publicado em diversos formatos11, considera-se que a questão
da ornamentação ainda oferece amplo campo para estudos.
A proposta deste trabalho vai um pouco além da simples interpretação dos ornamentos,
buscando apresentar soluções práticas para a livre ornamentação das peças do Método
de Pianoforte. Embora Fagerlande12 já apresente em seu trabalho uma Fantasia
ornamentada, considera-se o presente trabalho um desdobramento das propostas
apresentadas por esse autor. Neste trabalho a reconstituição da livre ornamentação no
Método de Pianoforte será apoiada nas evidências da fama de José Maurício como
grande improvisador, em suas influências artísticas, nas obras de importantes autores de
música para teclado presentes na Península Ibérica, como Domenico Scarlatti e Carlos
Seixas e nos estudos feitos por teóricos sobre ornamentação no período em que ele
viveu. Também serão levadas em conta as possíveis obras teóricas disponíveis para
consulta no Rio de Janeiro à sua época e que podem ter lhe servido como modelo.
Considera-se que o estudo da ornamentação no Método de Pianoforte possa auxiliar o
11 Podem ser encontradas diversas edições do Método de Pianoforte, dentre as quais destacam-se a de Marcelo Fagerlande, edição fac-similar com amplo estudo, resultado de sua pesquisa de mestrado e a de Giulio Draghi, edição revisada publicada pela Irmãos Vitalle. Além dessas podemos citar as de Elisa Wiermann (1995) e Paulo Brandt (1989). No site http://members.tripod.com/bvmusica/ encontra-se em arquivos PDF todas as peças do Método editadas por J. Luna. 12 FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Rio Arte, 1996.
preenchimento de uma lacuna na interpretação de obras de José Maurício, podendo
servir como apoio a músicos de diversas áreas e a estudiosos de Práticas Interpretativas.
A dissertação foi dividida em quatro capítulos. No primeiro serão estudados, como
referencial teórico para José Maurício, importantes tratados escritos entre a segunda
metade do século XVIII e a primeira do século XIX. Também serão estudados autores
que se dedicaram profundamente ao estudo desses tratados, e que são referência tanto
no que diz respeito à ornamentação quanto à improvisação. No segundo capítulo será
apresentada uma síntese do que se escreveu a respeito de José Maurício e sua fama de
autodidata e improvisador. Também será feito um estudo dos ornamentos encontrados
no Método de Pianoforte, e dos indícios encontrados em suas peças para a prática da
livre ornamentação. No terceiro capítulo será feita uma amostragem de ornamentos
encontrados na obra de José Maurício, buscando assim subsídios não só para a
interpretação da ornamentação no Método como também para o acréscimo de livre
ornamentação. No quarto e último capítulo serão feitas sugestões de ornamentação para
duas peças do Método. Nos anexos serão apresentados fac-símiles de algumas obras de
José Maurício utilizadas nesta pesquisa. Será apresentada também uma tabela com as
diferentes denominações dos ornamentos pesquisados em diversos idiomas e um quadro
com os tipos de ornamentos citados nos tratados de língua portuguesa.
Este trabalho tem como objetivo uma melhor compreensão da ornamentação de José
Maurício com ênfase no Método de Pianoforte. Além disso, pretende-se fornecer aos
músicos subsídios para a interpretação de suas peças e demonstrar sua real adequação
para a utilização de livre ornamentação. Para isso os ornamentos presentes no Método
serão identificados, analisados e contextualizados. Através de uma amostragem dos
ornamentos encontrados no restante da obra de José Maurício, será feito um estudo
comparativo, amparado nos conhecimentos reunidos em alguns dos mais importantes
tratados do período, relacionados direta ou indiretamente a ele, e na bibliografia
específica do assunto. Finalmente, pretende-se recomendar a utilização didática das
peças do Método de Pianoforte para a prática da livre ornamentação e da improvisação
e apresentar propostas de ornamentação para algumas de suas peças, como exemplo
para os músicos que desejarem seguir esse caminho. O presente estudo poderá ser útil
tanto a músicos práticos (pianistas, cravistas, organistas, cantores, regentes) quanto aos
estudiosos da música do compositor e da música brasileira do período, de um modo
geral.
I – ORNAMENTAÇÃO E IMPROVISAÇÃO: ESTUDO DAS PRÁTICAS
1. 1 – Ornamentos
Ornamentos são fórmulas mais ou menos breves e convencionais de embelezamento13
que ocorrem dentro das tradições da livre ornamentação que proliferaram na música
européia do período barroco. Embora freqüentemente representados por símbolos, não
há um conjunto de regras que unifique essa representação. Sua simbologia e significado
vão depender de aspectos regionais e temporais.14 A partir da segunda metade do século
XVIII inicia-se uma grande transformação no emprego dos ornamentos, ficando os
compositores mais preocupados com a indicação de como e onde utilizá-los, tirando do
intérprete a decisão de como fazê-lo.15 Entretanto, essa prática ainda não está fixada na
obra de José Maurício Nunes Garcia, podendo-se encontrar peças com toda a
ornamentação indicada, e outras que permitem o acréscimo de livre ornamentação.
Neste capítulo é feito um breve estudo dos ornamentos mais usados no período que
engloba fins do século XVIII e princípio do XIX, época em que viveu o Padre José
Maurício Nunes Garcia, utilizando-se como fontes primárias obras de importantes
autores da época, como Carl Philipp E. Bach16 e Johann Joachim Quantz,17 que têm seus
tratados, ao lado do de Leopold Mozart18 dentre os mais importantes do período19; os
autores portugueses Domingos de S. José Varella20, Manoel de Moraes Pedroso21,
Rafael Coelho Machado22 e Francisco Ignácio Solano23, por serem fontes escritas em
13 “Elementos musicais que são mais decorativos que estruturais e que incluem tanto a livre ornamentação quanto ornamentos específicos, indicados por notas ou sinais na notação ou deixados para serem improvisados de acordo com o gosto do intérprete.” DONNINGTON, Robert. Embellishment. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, Disponível em <http://www.grovemusic.com> 14 DONNINGTON, Robert. Ornaments. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London: Macmillan publishers limited, vol. 13, 1980. p. 827. 15 BROWN, Clive. Classical and Romantic Performing Practice 1750-1900. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 415 16Ensaio sobre a maneira correta de tocar teclado. Tradução de Fernando Cazarini. Assis: UNESP, 1996. 355 p. 17 On Playing the Flute. A complete translation with na introduction and notes by Edward R. Reilly. London: Faber and Faber, 1976. 412 p. 18 “Gründliche Violinschule”, 1756 (1770 – 2ª edição) 19 LEISINGER, Ulrich. Bach. III. 9. Carl Philipp Emanuel Bach In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 20 Compendio de Musica, theorica e prática, que contém breve instrucção para tirar musicas. Liçoens de acompanhamento em orgão, cravo, guitarra ou qualquer outro instrumento em que se póde regular a harmonia.Porto: Typ. de Antonio Alvarez Ribeiro, 1806. 104 p. 21 Compendio Musico ou arte abreviada, em que se contém as regras mais necessárias da cantoria, acompanhamento e contraponto. Porto: Officina Episcopal de Capitão Manoel Pedroso Coimbra, 1751. 22 Breve Tratado d’harmonia contendo o contraponto ou regras da composição musical e o baixo cifrado ou acompanhamento d’orgão. Rio de Janeiro: Narciso e Arthur Napoleão, 1851. 125 p.
língua portuguesa que provavelmente estavam disponíveis para consulta no Brasil24 e
aos quais, possivelmente, José Maurício teve acesso; Francisco Manuel da Silva25, o
mais conhecido de seus alunos, que escreveu obras didáticas em que se pode vislumbrar
uma continuidade dos ensinamentos do Padre Mestre e a Arte da Muzica para uzo da
mocidade brazileira por hum seu patrício26, obra de autor anônimo publicada pouco
depois do Método de José Maurício. Também foram consultadas obras de autores mais
recentes como Edward Dannreuter27, que realizou extensa compilação da prática da
ornamentação em diversos autores, Robert Donnington,28 e Frederick Neumann,29 autor
de importante estudo sobre ornamentação de quem será usada a classificação dos
ornamentos, para esta pesquisa.
Neumann30 afirma que tanto na música como nas artes visuais um ornamento é
concebido como uma adição à estrutura, servindo para realçar elementos considerados
pouco artísticos ou pouco expressivos, dando a eles mais graça, elegância, leveza e
variedade. No entanto, ornamento e estrutura como elementos puros, separados em seus
significados ocorrem apenas teoricamente, pois, na prática, esses elementos são
freqüentemente misturados, não havendo como se estabelecer uma linha divisória entre
eles. Muitos fatores, como o tempo de duração de uma figura, podem ser determinantes
ao analisarmos uma melodia. Uma semínima pode ser estrutural numa melodia em que
seja a unidade de tempo e ornamental, num contexto em que a unidade de tempo seja de
maior valor. A identificação desses dois elementos – estrutura e ornamento – é
apontada pelo autor como uma grande dificuldade para se analisar uma obra.
Neumann classifica os ornamentos em vários grupos ou categorias, sendo que um
mesmo ornamento pode ser inserido em mais de um desses grupos (ver Fig. 1, página
23 Novo Tratado de Musica, Metrica e Rythmica, o qual ensina a acompanhar no Cravo, Orgão ou qualquer outro instrumento em que se possão regular todas as especies, de que se compõe a harmonia da mesma musica. Demonstra-se este assumpto prática e theoricamente, retratão-se também algumas cousas parciais do Contraponto e da Composição. Lisboa: Regia Officina Typografia, 1779. 301 p. 24 O Tratado de Solano, disponível para consulta na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, possui o carimbo da Real Biblioteca. 25 Compendio de Princípios Elementares de Musica. Para uso do Conservatório do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: E. Bevilacqua & C. [s.d.] 26 Rio de Janeiro: Typografia de Silva Porto, & Cia., 1823. Autor Anônimo. 27 Musical Ornamentation. Part II – From C. PH. E. Bach to the present time. 3rd Edition. London: Novello and Company & New York: Novello, Ewer and Co. [s.d.] 28 The Interpretation of Early Music. Faber and Faber. New York, 1963. 29 Ornamentation in baroque and post-baroque music – with special emphasis on J. S. Bach. New Jersey: Princeton University Press, 1978. 630 p. 30 Ibid. p. 3
12). Analisando o desenho melódico, identifica duas categorias em que os ornamentos
aparecem em pares contrastantes. Na primeira, os “pequenos e grandes”31 e na segunda,
os “mélicos e repercussivos”32. No que diz respeito aos primeiros, “pequenos e grandes”
se referem à quantidade de notas envolvidas. Uma apogiatura é um ornamento
“pequeno” enquanto que um trinado ou uma tirata são ornamentos “grandes”, por
conterem muitas notas. Para o autor existe uma diferença crucial entre esses dois tipos
de ornamentos, pois os que têm muitas notas têm muito menos possibilidades de
apresentar diferentes variações do que aqueles com umas poucas notas, que podem ser
inseridos com mais facilidade na melodia. Os ornamentos “repercussivos” são os
trinados e mordentes, em que a nota principal se alterna com outra adjacente ou a
mesma nota é repetida.33 “Mélicos” são todos os outros desenhos, de uma simples
apogiatura a escorregadelas ou grupetos.
Outra importante categoria é extraída por Neumann das relações rítmicas entre os
ornamentos e a nota a que estão ligados. Há aqueles que são tocados no momento do
ataque34 da nota principal, sendo seu valor retirado da nota a que estão ligados. Esses
são chamados pelo autor de “ornamentos no tempo” 35. Há também aqueles que são
tocados fora do tempo da nota principal, os chamados “ornamentos fora do tempo” 36.
Esses podem ser de três tipos: Os que são tocados antes da nota principal –
“ornamentos antes do tempo ou antecipados” – ligados à nota anterior; os que são
tocados após a nota principal – “ornamentos depois do tempo” – e estão ligados a ela; e
os que são tocados entre duas notas – “ornamentos entre tempos”37 – , estando
igualmente ligados a ambas.
Quanto à função musical, Neumann classifica os ornamentos em dois grupos. No
primeiro ele inclui aqueles chamados de ornamentos “conectivos e intensificadores”38 e
no segundo os chamados de “melódicos e harmônicos”39. Quando um ornamento está
ligado a uma nota simples e tem como função realçá-la ou enfatizá-la, é chamado de
31 “Small and large” 32 “Melic and repercussive” 33 Há ornamentos que consistem na rápida repetição da mesma nota, usuais no Séc. XVII. 34 A palavra “ataque” é usada aqui significando o momento em que o som é executado. 35 “Onbeat graces” 36 “Offbeat graces” 37 Respectivamente: “prebeat (or antecipated) graces”, “afterbeat graces” e “interbeat graces” 38 “Conectives and intensifying” 39 “Melodic and harmonics”
“intensificador”. Pode-se identificar entre eles alguns trinados ou mordentes,
apogiatura ou grupetos e geralmente, aqueles que iniciam uma frase. Os “conectivos”
têm a função de fazer a ligação entre duas notas vizinhas. Podem variar de uma a muitas
notas. Os ornamentos “melódicos” se referem àqueles que aparecem numa frase de
forma linear, acomodando-se entre duas notas vizinhas como uma simples nota ou
ocupando vários tempos e os “harmônicos” são aqueles que, por ocorrerem
verticalmente, no momento do ataque de uma nota, interferem na harmonia,
modificando um intervalo consonante num dissonante, ou uma dissonância leve numa
forte.
Carl Philipp Emanuel Bach40, em seu Ensaio de 1753, faz uma classificação bem mais
simples que a de Neumann, embora haja uma semelhança entre elas quanto à função dos
ornamentos. Para ele os ornamentos são indispensáveis por conectarem notas, dar vida,
acento ou peso especial, chamar atenção para uma nota, ajudar a expressão e melhorar
uma música considerada medíocre. Ele os divide em duas classes: os “sinalizados”, 40 Op. cit. 1996 p. 43-48.
Classificação dos Ornamentos segundo F. Neumann
Desenho melódico
Função Musical
Relações rítmicas
Pequenos / Grandes
Mélicos / Repercussivos
Conectivos / Intensificadores
Melódicos / Harmônicos
No tempo
Fora do tempo
Antes
Entre
Depois
Figura 1. Classificação dos Ornamentos segundo F. Neumann
indicados por sinais ou pequenas notas, considerados de primeira classe e os “restantes“,
não sinalizados, consistindo em “muitas notas curtas”, considerados de segunda classe,
portanto quase desnecessários, dependendo do bom gosto na música e suscetíveis a
mudanças. Esses últimos podem ser identificados com a livre ornamentação, deixando
Carl Philipp bem claro que devem ser utilizados com moderação.
Carl Philipp também afirma que harmonicamente os ornamentos se ajustam aos
acidentes de acordo com a armadura de clave, podendo haver exceções em algumas
passagens com mudança de tonalidade. Há também uma relação proporcional entre os
ornamentos e o valor da nota principal, também com o andamento e o afeto41 da peça.
Quanto mais notas tem um ornamento, mais longa deve ser a nota principal,
independente dela ser longa devido ao próprio valor ou ao andamento da peça. Os
ornamentos são usados mais em andamentos lentos e moderados do que em rápidos,
mais em notas longas que em curtas. Aqueles indicados por pequenas notas pertencem à
nota seguinte, sendo dela retirado o valor do ornamento e sendo a nota do ornamento a
que se toca junto com o baixo. Carl Philipp considera ainda importante o cuidado com a
pureza harmônica, evitando ornamentos que possam provocar erros na harmonia.
1.1.1 – Apogiaturas42
Identificam-se nesse grupo os ornamentos formados por uma única nota, representados
por uma pequena nota colocada ao lado esquerdo da principal. Essa pequena nota é
sempre tocada ligada à principal. Seu valor é retirado preferencialmente da nota
seguinte, à que está ligada, embora existam casos em que retiram seu valor da nota
anterior.
Tanto C. P. E. Bach,43 quanto J. J. Quantz44 afirmam que as apogiaturas estão entre os
ornamentos mais indispensáveis, pois são utilizadas tanto para melhorar a melodia
41 A palavra afeto é utilizada significando caráter (dolce, vivace, giocoso, gracioso, etc.) 42 Inglês: appoggiatura, grace note; Italiano: appoggiatura; Francês: appogiature, port de voix; Alemão: vorschlag. NEUMANN utiliza o termo alemão Vorschlag (pl. Vorschläge) para denominar aquelas notas ornamentais simples que precedem uma nota principal ligada a ela. Utiliza appoggiatura para aquelas Vorschläge que são tocadas no tempo e grace note (nota de enfeite) para aquelas que são tocadas antes do tempo. Segundo ele, as appoggiaturas são enfatizadas, enquanto que as grace notes não (Ornamentation and Improvisation in Mozart. New Jersey: Princeton University Press, 1986, pág. 6). 43 Op. cit. 1996, p. 49-59. 44 Op. cit. 1976, p. 91-100.
quanto a harmonia. Sua finalidade principal é ligar as notas umas às outras. Podem ser
escritas de duas formas: como notas da melodia ou como pequenas notas que precedem
àquela da qual retiram seu valor. Alguns autores, como Quantz, escrevem as pequenas
notas com valores indistintos, muitas vezes representando-as por colcheias, não se
preocupando com a real duração. Em Carl Philipp essas pequenas notas já são escritas
com seu valor real. Segundo Brown45, a questão envolvendo a representação ou não do
valor real das apogiaturas causava grande dificuldade aos músicos no período
abordado, pois a falta de uma indicação clara dificultava o reconhecimento da sua
verdadeira função, se harmônica, para provocar uma dissonância, devendo retirar uma
boa porção do valor da nota real, ou simplesmente a de uma nota de enfeite, sendo
tocada bem rápida, retirando o mínimo valor da nota principal46.
Na Fig. 2, podem ser encontrados diversos casos de ocorrência de apogiaturas, segundo
Carl Philipp. Nos dois primeiros compassos elas são representadas por seu valor real e
fica clara a intenção do autor ao indicar que a primeira deve ser tocada forte, apoiada e
resolver ligada à nota principal, decrescendo de intensidade. As apogiaturas podem
repetir ou não a nota anterior. A nota principal pode estar acima ou abaixo, saltando47
ou não. Devem ser tocadas sempre ligadas, mesmo quando não há ligaduras.
45 BROWN, Clive. Ornaments. 9. Late 18th century and 19th. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 46 Carl Phillip classifica as apogiaturas como variáveis – aquelas que retiram parte do valor da nota principal, de acordo com variações em seu próprio valor, no valor da nota principal ou no andamento da peça – ou invariáveis, sempre notas curtas e rápidas. 47 Para Carl Phillip, mesmo quando há intervalos maiores que a segunda – caso em que seriam chamados de portamentos – esses ornamentos são identificados como apogiaturas.
Figura 2: APOGIATURAS. Carl Ph. E. Bach, Fig. 69
Carl Philipp considera inaceitáveis as apogiaturas antes do tempo48, enquanto que
Quantz49, assim como Leopold Mozart50, além das apogiaturas tocadas no momento do
ataque da nota principal, identificam as “apogiaturas de passagem”,51 que são ligadas à
nota principal mas retiram seu valor da nota anterior.52
Em Varella, a seguinte definição é apresentada:
Apoio, Apoiatura, ou Appoggiatura he huma figura pequena, a qual
tira o seu valor à figura ordinaria, que se lhe segue, e algumas vezes à
figura antecedente. O Apoio humas vezes tira a metade do valor da
figura seguinte, outras vezes lhe tira hum minimo valor. Quando o
Apoio está em meio ponto53 abaixo da figura ordinaria, e lhe tira hum
minimo valor, entaõ se chama Mordente: o mesmo he quando está em
intervallo maior que o ponto: v. g. em 3ª, 4ª, 5ª, etc. 54
Pode-se notar que Varella chama de mordente as apogiaturas curtas inferiores, assim
como aquelas separadas da nota real por intervalo maior que 2ª, embora em seu
exemplo sejam claramente identificadas como apogiaturas. Fig. 3.
Varella também afirma que,
48 Carl Philipp se refere assim a essas apojaturas: “Este último erro é que deu origem a horríveis apojaturas antes do tempo, que estão muito em moda”. (Ensaio, pág. 58) O erro em questão é o de separar a apogiatura da nota principal, tocando-as desligadas. 49 Op. Cit. 1976. p. 91-100. 50 DANNREUTER, E. Op. cit. [s.d.], p. 63-68. 51 Identificadas por Neumann como “grace notes”. Ver nota 42, p. 13. 52 O exemplo dado por Quantz em seu tratado pode ser identificado com o ornamento francês chamado “coulé de tierce”, que preenche intervalos de terças com pequenas notas que retiram seu valor da nota precedente mas são ligadas à nota seguinte. 53 Ponto é o mesmo que intervalo de 2ª. Meio ponto seria a 2ª menor. 54 VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806, p. 10-11.
Figura 3: APOGIATURAS
Varella, Ex. I, nº 8
Quando os Apoios são muitos, estes tiraõ o seu valor da figura
ordinaria, que se lhes segue, e algumas vezes á figura antecedente.
Chamaõ-se ordinariamente Portamentos. Se os Apoios são bem
escritos na Musica, representaõ pelas suas figuras o valor, que se deve
tirar á figura ordinaria.55
Tanto a descrição acima como o exemplo apresentado por Varella dos chamados
“portamentos” se aproximam muito mais do que comumente pode ser chamado de
grupeto.56 Deve-se notar que Varella afirma que as apogiaturas (apoios) bem escritas
são as que representam em suas figuras, o valor real que irão retirar da nota principal.
Pode-se também observar que, para Varella, a palavra apoio aparece significando não só
apogiatura, como também outros ornamentos.
Solano não apresenta exemplos em seu Tratado, mas faz a seguinte descrição das
apogiaturas:
Os Apojos, ou Pojaturas, e os delicados Accentos, que são os mesmos
Apojos muito diminuidos, regulão-se como Figuras para o portamento
dos Dedos. No que não he nada ingrato intercalar algumas vezes entre
as Notas da Harmonia os Sons da 8ª, assim Chromatica, como
Diatonica. 57
Pode-se notar que Solano se refere a dois tipos de apogiaturas – longa e curta –
chamando a última de “accento”, termo utilizado por outros autores com diferentes
significados.58 Ele também afirma que as apogiaturas devem ser tocadas ligadas, “para
o portamento dos Dedos”.
No anônimo A Arte de Muzica para Uso da Mocidade Brazileira,59 o autor descreve da
seguinte forma as apogiaturas: “Apojo, he huma figurinha, que se assigna antes da
figura que lhe precede, e vale a metade do valor da dita figura.” Em nota de rodapé,
55 VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806, p. 11. 56 Ver item 1.1.3 Grupetos. p. 23. 57 SOLANO, F. I. Op. cit. 1779, p. 59. 58 Varella (Op. cit. 1806, p. 12-13) chama de accentos os “varios sinaes com os quaes se altera o valor das figuras: Apoiaturas, Ligados, Picados” e afirma que muitos autores utilizam o termo referindo-se a ornamentos como “Apoiaturas e Mordentes” 59 Op. cit. 1823, p. 19-20.
acrescenta: “Esta figurinha, a que chamamos Apojo, as mais das veses assigna Signo
acima da figura expressa que lhe precede; porém tambem se acha na de baixo, em
distancia de meio ponto.” Ele não deixa claro se a notinha deve ser representada por seu
valor real, como em Varella, nem cita as apogiaturas curtas.
O Breve Tratado D’Harmonia de Coelho Machado60 traz descrição apenas do uso das
apogiaturas mas, ao contrário dos demais tratados em língua portuguesa, sua descrição
é minuciosa. Para Coelho Machado, as apogiaturas precedem “a um gráo inferior ou
superior, uma nota real.” As apogiaturas superiores podem ser separadas por tons ou
semitons, enquanto que as inferiores apenas por semitons. Podem ser empregadas nos
tempos fortes e no primeiro tempo fraco e são escritas como pequenas notas ou como
notas da melodia. Seu Tratado traz não só exemplos de apogiaturas como a forma de
executá-las. Suas apogiaturas podem ser representadas por pequenas notas, não só
colcheias cortadas como outros valores, mas são sempre executadas como apogiaturas
longas. Na Fig. 4 encontram-se exemplos de apogiaturas longas representadas por
pequenas colcheias cortadas.
Para Francisco Manoel da Silva, “APOJO, MORDENTE E GRUPETTO são pequenas
notas que se empregam para adorno e belleza da musica, e que, não entrando na
distribuição do compasso, absorvem parte do valor da nota a que vem annexas.” 61
O autor utiliza uma mesma definição para os três tipos de ornamentos e não faz
distinção entre suas formas de execução, embora os indique separados nos exemplos.
Silva apresenta também dois tipos de apogiaturas, longas e curtas, como pode ser visto
60 Op. cit. 1851, p. 62 61 SILVA, F. M. Op. cit. [s.d.], p. 10.
Figura 4: APOGIATURAS, Coelho Machado. Página 62
na Fig. 5. No primeiro tipo as apogiaturas são representadas por pequenas notinhas em
seus valores reais e no segundo são representadas por colcheias cortadas, executadas
muito curtas. No segundo compasso ele apresenta duas formas de execução para as
colcheias cortadas, uma retirando metade do valor da nota principal e outra, um
quarto62. Pode-se deduzir que a primeira opção ocorre em um andamento mais rápido e
a segunda em um andamento mais lento.
É importante notar que nos tratados luso-brasileiros, em oposição a Carl Philipp ou
Quantz, não existe uma preocupação com a padronização dos termos nem com uma
melhor definição de cada ornamento. Todos concordam que as apogiaturas, ou
“apoios”, “apojos”, “pojatura” e “accentos” retiram seu valor da nota principal63 e
podem ser tocadas tanto longas e apoiadas, quanto bem rápidas, tirando um mínimo
valor da nota a que vêm ligadas, mas os tratadistas alemães, embora anteriores, são
muito mais detalhistas quanto às diferentes formas de ocorrência e resolução.
Além dos exemplos citados acima, encontramos em Carl Philipp64 as apogiaturas
duplas65, compostas por duas notas, uma superior e outra inferior à nota principal.
Segundo Carl Philipp, a apogiatura dupla pode ocorrer de duas formas: na primeira,
Fig. 6 (a), ao invés de simplesmente se tocar uma nota, repete-se uma vez a nota
anterior, para em seguida tocar a nota precedida por uma segunda superior. Na segunda
forma, Fig. 6 (b), toca-se a segunda inferior da nota, depois a segunda superior antes da
nota real. Ao contrário da apogiatura simples, as apogiaturas duplas são tocadas mais
leves que a nota real e seu efeito é melhor em melodias descendentes 62 Esse tipo de figuração é conhecido como ritmo lombardo. 63 Varella, assim como Quantz, admite que os “apoios” em alguns casos podem retirar seu valor da nota precedente. 64 Op. cit. 1996, pág. 90-93. 65 Inglês: double appoggiatura; Italiano: appoggiatura doppia; Francês: appogiature double, port de voix double; Alemão: anschlag, doppelvorschlag”
Figura 5: APOGIATURAS. Francisco Manoel da Silva pág. 10 Seção 19
Coelho Machado66 também cita as apogiaturas duplas e simultâneas, como no exemplo
da Fig. 7.
1.1.2 – Trinados67
Identificam-se nesse grupo aqueles ornamentos em que há uma rápida alternância de
uma nota com sua vizinha superior.68
Para Carl Philipp69 os trinados são indispensáveis por darem vida à melodia. Quantz70
também os considera indispensáveis e afirma que um instrumentista ou cantor, por
melhor que seja, se não sabe fazer bons trinados, não é completo. Ambos concordam
que é necessário muito estudo para se obter a técnica necessária para tocá-los bem. Os
trinados ocorrem em várias situações: após apogiaturas Fig. 8 (a); quando há repetição
da nota precedente (b); em notas presas (c); em fermatas (d); em cesuras com (e) e sem
apogiaturas (f). 66 Op. cit. 1851, p. 62. 67 Inglês: trill, shake; Italiano: trilo ; Francês: trille,tremblement; Alemão: triller 68 NEUMANN, F. Op cit. 1978, p. 241. 69 Op. cit. 1996, pág. 60-71. 70 Op. cit. 1976, pág. 101-108.
Figura 6: APOGIATURA DUPLA
Carl Ph. E. Bach, Figura 148
Figura 7: APOGIATURAS duplas e simultâneas. Coelho Machado, página 62.
Carl Philipp classifica os trinados em quatro tipos distintos:
- Simples71: inicia-se com a nota superior que não precisa ser indicada, a não ser
que esta seja uma apogiatura. É representado pelo sinal ���. Às vezes é acrescido de
uma terminação72, que o torna ainda mais rápido. Na Fig. 9 podemos identificar, no
primeiro exemplo, duas formas de grafia, com a linha ondulada e com o símbolo tr, e a
execução iniciando com a nota superior. No segundo exemplo é acrescentada uma
terminação.
- Ascendente73: Deve ser colocado principalmente sobre notas longas, por
comportar muitas notas, mais particularmente antes de fermatas e cadências. Preparado
por uma nota inferior à nota real. Na Fig. 10 podemos encontrar as diferentes formas de
grafia, assim como a execução.
71 “Ordentlichen” 72 Carl Philipp cita várias exemplos de trinados com terminação e afirma que “um ouvido mediano saberá sempre sentir onde a terminação pode ser acrescentada e onde não pode.” 73 “Von unten”
Figura 9. TRINADO SIMPLES. Carl Ph. E. Bach, Figuras 91 e 92
Figura 8: TRINADOS. Carl Ph. E. Bach, Figura 90
- Descendente74: é o que comporta mais notas, requerendo as notas mais longas.
Inicia-se com um grupeto. Carl Philipp aponta sua utilização mais freqüente em
repetições da nota anterior; em notas descendentes e em saltos descendentes de terça.
Fig. 11.
- Curto75: de execução brilhante e rápida. A nota anterior é ligada à nota
seguinte, portanto ele ocorre sempre em legato. Vem precedido de uma apogiatura ou
de uma segunda superior à nota em que ele se situa. Carl Philipp o considera o mais
indispensável, agradável e difícil dos ornamentos. Ocorre antes de uma segunda
descendente que se origina de uma apogiatura ou de uma nota principal. Fig. 12.
Carl Philipp aponta alguns erros na utilização dos trinados, como sobrecarregar notas
longas, em que muitas vezes o trinado seria dispensável. Para ele não se deve utilizá-los
para compensar a perda sonora das notas longa. “Os ouvintes esclarecidos substituem
74 “Von oben” 75 “Halben oder Pralltriller”
Figura 12. TRINADO CURTO
Carl Ph. E. Bach, Figura 113
Figura 10. TRINADO ASCENDENTE. Carl Ph. E. Bach, Figura 102
Figura 11. TRINADO DESCENDENTE. Carl Ph. E. Bach, Figura 109
esta perda usando a imaginação”.76 Também não se deve acrescentar terminação ou, no
caso de haver uma, acrescentar uma nota a mais ao final. O intérprete também erra ao
não sustentar o trinado o tempo suficiente77, ao tocá-lo introduzido por apogiatura sem
tocá-la ou ligá-la, ao tocá-lo com muita força em trechos suaves e, por fim, ao empregá-
los exageradamente.
Varella nos dá a seguinte definição: “O Trinado se faz com dous Signos immediatos.” 78
Pode-se notar em seus exemplos que ele utiliza os dois símbolos mais usuais para
trinado e que apresenta uma resolução iniciando-o com a nota real, Fig. 13 e 14. Essa
prática é comum em autores de tradição ibero-italiana e casos de trinados que se iniciam
com a nota real são encontrados desde Sancta Maria79, 1565.
Para Solano80, os Trillos, ou Trinados são tocados com a mão direita, utilizando os
dedos 2 e 3 ou 3 e 4. São executados alternando a nota principal, sobre a qual se coloca
o símbolo tr, com a nota imediatamente superior. Solano não deixa claro se o trinado
deve ou não ser iniciado com a nota superior.
A Arte da Muzica81 também não deixa claro se o trinado deve ser tocado iniciando-se
com a nota superior ou com a nota real. Segundo o autor, “O Trino que se assigna com
um tr por cima de huma figura, que muitas vezes he a penultima de huma cadencia, faz-
se tocando-se com o (sic) maior velocidade dous pontos, que são: o expresso, e o que
lhe fica superior.”
76 BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996, p. 65. 77 Para Carl Philipp o trinado deve durar todo o valor da nota a que se referem, com exceção do trinado curto. 78 VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806, p. 12. 79 SANCTA MARIA, Fray Thomas de. “Líbro llamado Arte de tañer Fantasia, assi para Tecla como para Vihuela, y todo instrumento em que se pudiere tañer a três, y a quatro voces, y a mas.” Francisco Fernandez de Cordova, Valladolid, 1565. 80 SOLANO, F. I. Op. cit. 1779, p. 59. 81 Autor Anônimo. Op. cit. 1823, p. 19-20.
Figura 14. TRINADO.
Varella, Ex. 8 nº 10
Figura 13. TRINADO.
Varella, Ex. 8 nº 9.
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Em Francisco Manuel da Silva, ao contrário de Solano, Varella ou a Arte da Muzica, há
muito mais possibilidades de variações do trinado. Seus exemplos são mais próximos
do que se pode encontrar em Quantz ou Carl Philipp, com combinações entre trinados e
outros ornamentos. Para ele, “TRINADO é uma rapida e alternada passagem de uma
nota para outra immediata de gráo superior, e quasi sempre, na execução, costuma ser
preparado e terminado pelo Apojo, Mordente ou Grupetto.”82. No primeiro compasso da
Fig. 15, Silva apresenta um trinado preparado por apogiatura, com terminação,
semelhante ao “trinado simples” descrito por Carl Philipp. No segundo compasso,
trinado preparado por grupeto, com terminação, também semelhante ao exemplo de
“ trinado ascendente” de Carl Philipp. No terceiro compasso, dois trinados sem
preparação, com diferentes terminações. Nota-se que, mesmo sem a preparação, os
trinados iniciam-se com a nota superior. No último compasso temos um trinado
preparado por apogiatura dupla83, também com terminação.
1.1.3 – Grupetos84
Inserem-se nesse grupo aqueles ornamentos que formam um grupo de três notas que
mesclam a nota principal com suas vizinhas superior e inferior. São representados pelo
símbolo e podem ser de dois tipos, segundo a classificação de Neumann85:
intensificadores, que retiram seu valor da nota sobre a qual são colocados ou conectivos,
inseridos entre duas notas, retirando seu valor da primeira. O grupeto invertido
82 SILVA, F. M. Op. cit. [s.d.], p. 10. 83 Embora a forma de ocorrência não seja exata, por se tratarem de duas notas separadas da nota real por intervalo maior que a segunda, foi seguida a classificação utilizada por C. P. E. Bach. Deve-se notar também que, mesmo sendo preparado por esse ornamento, o trinado inicia-se com a nota superior. Pode-se então concluir que a apogiatura dupla em questão se relaciona com a nota superior do trinado e não com a nota principal. 84 Inglês: turn; Italiano: gruppetto; Francês: groupe, doublé, double cadence; Alemão: doppelshlag. 85 Op. cit. 1978 p. 8.
Figura 15. TRINADO. Francisco Manoel da Silva pág. 10 Seção 19
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tem a mesma estrutura do grupeto normal, mas inicia-se com a nota inferior.
Carl Philipp86 considera o grupeto ornamento fácil que torna a melodia ao mesmo
tempo agradável e brilhante. É utilizado em peças lentas ou rápidas, em legato ou
staccato, mas deve ser evitado em notas curtas devido à quantidade de notas. Pode vir
combinado com outros ornamentos, Figura 16, como o trinado curto, e ocorrer em
diversas situações: graus conjuntos (a) ou disjuntos (b); cesuras (c); cadências (d);
fermatas (e); no início (f), meio (g) ou fim do trecho, depois de apogiaturas (h)87; sobre
uma nota repetida; depois de uma nota repetida, por grau conjunto ou disjunto.
Carl Philipp ainda afirma que, assim como todos os outros ornamentos, deve-se evitar o
uso exagerado do grupeto, principalmente por sua facilidade de utilização. É mais
utilizado em movimentos ascendentes que em descendentes e suas alterações ocorrem
de acordo com as notas anterior ou seguinte, não se admitindo segundas aumentadas.
O grupeto invertido pode ser usado tanto em andamento lento quanto rápido. Para Carl
Philipp é utilizado em peças rápidas para preencher e dar brilho às notas, executado
rapidamente. Pode ser seguido por graus conjuntos ou disjuntos. Pode também ser
utilizado como um “ornamento triste”, tocado levemente e piano, com muito afeto e
liberdade. Devido a esse segundo caso, o grupeto invertido é muito utilizado nas
dissonâncias.
86 Op. cit. 1996, p. 72-84 e 94-97. 87 No exemplo da letra h o sustenido encontra-se sobre o sinal do grupeto, mesmo sendo claro tratar-se da alteração da nota inferior. Carl Philipp sempre representa as alterações, tanto inferiores quanto superiores sobre os sinais dos ornamentos.
Figura 16. GRUPETOS Carl Ph. E. Bach, Figura 119
Varella88 não cita os grupetos em seu Compêndio, mas utiliza exemplos, como os da
Fig. 17. Podemos identificar nesses exemplos grupeto inferior (invertido), grupeto
superior, grupeto preparado por apogiatura, após nota pontuada89 e mesclado com o
trinado. Sua execução é feita tanto tirando seu valor da nota seguinte quanto da anterior.
Além dos exemplos acima, podemos também identificar como grupetos, Fig. 18, os
ornamentos que ele exemplifica como portamentos.90
Francisco Manoel da Silva91 descreve o grupeto da mesma forma que “apojos” e
mordentes. Em seus exemplos, Fig. 19, ocorrem os dois tipos citados por Neumann92,
indicados sobre a nota principal, intensificador, ou entre duas notas, conectivo. Embora
utilize no exemplo seu símbolo usual, Silva não faz uso de símbolos diferentes para
grupetos superiores ou inferiores (invertidos).
88 VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806. p. 10 a 12. 89 Nesse caso fazendo a ligação entre as duas e tirando seu valor da primeira. 90 José Maurício, no Método de Pianoforte também classifica os grupetos como portamentos. 91 Op. cit. [s.d.], pág. 10. 92 Op. Cit. 1978, pág. 8.
Figura 18. GRUPETOS. Varella. Ex. I nº 8
Figura 19. GRUPETOS. Francisco Manoel da Silva pág. 10 Seção 19
Figura 17. GRUPETOS. Varella Ex. I nº 10
1.1.4 – Mordentes93
Segundo Neumann, “Os mordentes em sua forma mais comum são uma oscilação da
nota principal com sua vizinha inferior”. 94
Para Carl Philipp95 os mordentes, Fig. 20, são considerados indispensáveis por ligar,
preencher e dar brilho às notas. Podem ser longos (a) ou curtos (b)96 e são mais
utilizados em notas por graus conjuntos, ascendentes ou em saltos, ocorrendo tanto no
início quanto no meio ou no fim de uma peça, sendo encontrados sobre notas ligadas,
pontuadas e sincopadas.
O mordente, principalmente o longo, é utilizado para preencher notas longas
sustentadas. Pode ocorrer após um trinado, desde que seja separado deste dividindo a
nota longa, como na Fig. 21, para que os ornamentos não fiquem “amontoados”. É o
oposto do chamado trinado curto, por só ocorrer após uma segunda ascendente. Deve-se
ter o cuidado de não utilizar o mordente longo para preencher toda e qualquer nota
sustentada. Carl Philipp chama atenção para o fato de que, dentre todos os ornamentos,
o mordente é o que ocorre com maior freqüência no baixo. Ajusta-se aos acidentes de
acordo com as circunstâncias, mas para maior brilho pode ter a nota inferior alterada.
93 Inglês: mordent; Italiano: mordente; Francês: mordent, pincé; Alemão: praller, schneller. 94 NEUMANN, F. Op. cit. 1978, p. 415. 95 Op. Cit. 1996, p. 85-89 e 98. 96 Ver nota 87, página 24. O mesmo vale para a alteração do mordente.
Figura 21. MORDENTE depois de trinado. Carl Ph. E. Bach, Figura 145
Figura 20. MORDENTES. Carl Ph. E. Bach, Figura 140
O mordente superior97 é executado rapidamente e só ocorre com notas rápidas em
staccato. Em sua execução a nota superior deve ser resvalada e só tocada por dedos
firmes. É seguido preferencialmente por uma nota descendente e utilizado
principalmente nas cesuras. Segundo Carl Philipp, só pode ser executado por aqueles
que possuam os dedos mais ágeis.
Para Varella98, o mordente ocorre quando o “Apoio está em meio ponto abaixo da figura
ordinaria, e lhe tira hum minimo valor” ou quando “está em intervallo maior que o
ponto”. Apesar dessa definição, Varella exemplifica os mordentes, Fig. 22, por seus
sinais habituais e não como apogiaturas, como se poderia supor pela descrição acima.
Para ele tanto o mordente superior quanto o inferior são executados da mesma forma.
Solano99 afirma que o mordente se faz com dois sons, sendo a nota superior a principal
e a inferior, por semitom, o mordente. Para ele os mordentes têm um bom efeito
também na mão esquerda, executados com o polegar e o 4º dedo100. Francisco Manoel
da Silva101, como já foi visto, utiliza a mesma descrição para “mordentes, apojos e
grupettos”. Pode-se notar no primeiro compasso de seu exemplo, Fig. 23, ornamentos
identificados por Carl Philipp como mordente superior e apogiatura dupla.102 No
segundo compasso vemos os mordentes representados por seus sinais habituais e um
ornamento representado por duas pequenas notas superiores descendentes antes da nota
97 Schneller 98 Op. cit. 1806, p. 11. 99 Op. cit. 1779, p. 59. 100 Solano utiliza-se do sistema antigo para a contagem dos dedos, em que há um paralelismo entre as mãos, sendo o número 1 utilizado para o polegar da mão direita e o dedo mínimo da mão esquerda. Esse é o sistema encontrado no manuscrito do Método de Pianoforte de José Maurício. FAGERLANDE, Marcelo. O Baixo Contínuo no Brasil: a Contribuição dos Tratados de Língua Portuguesa. Tese de Doutorado – UNI RIO. Rio de Janeiro, 2002, p. 133. 101 Op. cit. [s.d.], pág. 10. 102 Aqui ele apresenta uma resolução em que o ornamento retira seu valor da nota precedente, em oposição ao que diz Carl Philipp.
Figura 22. MORDENTE
Varella Ex. I nº 10
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principal. Esse ornamento, que foge à descrição habitual do mordente, pode ser
identificado como uma escorregadela inferior103.
Enquanto Carl Philipp e Varella apresentam mordentes inferiores e superiores, Solano
cita apenas os inferiores e Silva os superiores. Em A Arte de Muzica104 o autor afirma
que o “Mordente, que não tem sinal expresso, faz-se quando tremulando com o dedo se
fere a Nota expressa com a debaixo tacita, que sempre será em distancia de meio
ponto”, citando apenas os mordentes inferiores e desconhecendo seu sinal usual .
1.1.5 – Escorregadela105
As escorregadelas, Fig. 24, são ornamentos formados por duas notas ascendentes que
“escorregam” em direção à nota principal, tirando dela seu valor.
Segundo Carl Philipp106 podem ocorrer com ou sem notas pontuadas. São indicadas por
duas pequenas semicolcheias, mas em compassos “alla breve” podem ser indicadas por
fusas. Ocorrem antes de saltos, preenchendo o intervalo e têm execução rápida. A
escorregadela com notinha pontuada tem execução semelhante à da apogiatura dupla e,
segundo o autor, “provoca sentimentos agradáveis”.
103 Ver item 1.1.5 nesta página. 104 Op. cit. 1823, p. 19-20. 105 Termo utilizado segundo tradução de Fernando Cazarini para o Tratado de Carl Philipp E. Bach. Inglês: slide; Italiano: tipo di portamento; Francês: coulé; Alemão: schleifer. 106 Op. cit. 1996, p. 94-97.
Figura 24. ESCORREGADELAS. Carl Ph. E. Bach, Figura 156
Figura 23. MORDENTE. Francisco Manoel da Silva p. 10 Seção 19
1.1.6 – Tirata107
As tiratas são ornamentos mais ligados à prática da livre ornamentação, não sendo
indicados por sinais específicos. Consistem no preenchimento de saltos por graus
conjuntos. Consideradas por Neumann108 da mesma família das escorregadelas, por
terem a mesma função de preenchimentos de intervalos, só que com muito mais notas.
Podem ser encontrados exemplos de tiratas no “Gündliche Violinschule” de Leopold
Mozart. 109 Fig. 25.
Moraes Pedroso, no Tratado de Cantoria, cita um ornamento nomeado por ele como
mordente, cuja descrição se aproximas mais do que se conhece como tirata:
Em terceiro lugar se deve advertir, que ha Mordente; e este naõ tem
sinal na Musica, e se faz descendo com a voz cinco pontos antes de
dar a figura, que leva o tal Mordente, uza-se delle quando ao cantor
lhe parecer melhor, com particularidade porém em Recitativos se deve
usar. Alguns Mordentes se fazem com o proferir da boca, e estes como
senaõ podem explicar por escripto. O ouvir executar o ensina
melhor.110
O autor afirma que o ornamento descrito deve ser aprendido “de ouvido”, o que pode
confirmar ser a tirata mais ligada à livre ornamentação.
107 Italiano: tirata; Francês: tirade, coulade; Alemão: pfeil 108 Op. cit. 1978, p. 203. 109 DANNREUTER, Edward. Op. cit. s/d, p. 63 a 68. 110 Op. cit. 1751, p.
Figura 25. TIRATA Leopold Mozart
1.1.7 – Arpejo111
O arpejo consiste em executar as notas de um acorde de maneira sucessiva e não
simultaneamente. Neumann112 classifica os arpejos em dois tipos: acordal e linear113. O
primeiro tipo consiste em tocar as notas do acorde sucessivamente, mas o mais
próximas possíveis, sem ritmo definido. No segundo tipo as notas do acorde são tocadas
melodicamente, com ritmo definido, sem serem sustentadas.114 O exemplo da Fig. 26
encontra-se no Klavierschule de de Daniel G. Türk.115 Para Türk os arpejos podem ser
tocados ascendentes, descendentes, lentos e rápidos. Podem também ser tocados
repetindo-se vários intervalos ou notas do acorde.116 Também como tipos de arpejos
podem-se identificar as oitavas “quebradas”,117 muito comuns na música para cravo e
pianoforte do período.
111 Inglês: arpeggio; Italiano: arpeggio; Francês: arpégé. 112 Op. cit. 1978, p. 492. 113 “Chordal” e “linear” 114 Excluindo-se os casos em que se opta pelo efeito “pedal”. 115 TÜRK, Daniel G. Klavierschule oder Anweisung zum Klavierspielen für Lehrer und Lernende, mit kritischen Anmerkungen. 1789. In: DANNREUTER, Edward. Op. cit. [s.d.], p. 88. 116 WILLIAMS, Peter. Figured Bass Accompaniment. Vol I Edinburg: University Press, [s.d.], p. 37. 117 Ataques não simultâneos das notas de uma oitava em instrumentos de cordas e teclados. (Fonte: DOURADO, Henrique Autran. Dicionário de termos e expressões da música. Editora 34. São Paulo, 2004 p. 232)
Figura 26 . ARPEJOS. Türk
1.2 – Improvisação
1.2.1 – Conceito geral
Improvisação é “a criação de música no momento da performance”.118 Segundo
Wegman119, na música ocidental, improvisação designa qualquer tipo ou aspecto da
performance musical que não é expressa no conceito da obra musical fixa, conceito esse
que pode variar em cada época, ou seja: pelo menos quando se trata de música erudita
ocidental, improviso é toda prática de performance que transcende uma obra escrita.
O conceito de improvisação parece estar presente em praticamente todas as culturas,
assim como a idéia de uma aptidão especial para determinados tipos de prática
musical120. Em muitas culturas improvisação e composição estão estreitamente ligadas,
sendo muito difícil definir onde o improviso vira composição e vice-versa. Para muitos
é difícil, inclusive, reconhecer o improviso. É possível, segundo Wegman,121
encontrarmos composições escritas no estilo de improvisações (variações, fantasias), e
improvisações formatadas com propriedades de obras musicais fixas. Para Stephen
Blum122, podemos inclusive encontrar um problema de tradução, já que a palavra
“improviso”, assim como “música” ou “liberdade” pode ter diferentes significados ou
traduções dependendo do grupo em que ocorre. Em outras culturas a palavra improviso
pode ter significados diferentes ou pode-se ter palavras diferentes para designar
improviso.
Bruno Nettl trata Improvisação e Composição como conceitos opostos que fazem parte
de uma mesma prática:
Improvisação e Composição são conceitos opostos – um é espontâneo,
o outro calculado; um primitivo e o outro sofisticado; um natural e o
118 Improvisação (extemporização) In: The Harvard Concise Dictionary of Music and Musicians (1999). 119 WEGMAN, Rob C. Improvisation. II – Western Art Music In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 120 PRESSING, Jeff. Psychological Constraints on Improvisational Expertise and Comunication. In: In the course of performance: studies in the world of musical improvisation / edited by Bruno Nettl with Melinda Russell. Chicago:University of Chicago Press, 1998. p. 47-67. 121 Op. cit. <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 122 BLUM, Stephen. Recognizing Improvisation. In: In the course of performance: studies in the world of musical improvisation / edited by Bruno Nettl with Melinda Russell. Chicago: University of Chicago Press, 1998. p. 27-45.
outro artificial. Mas, por outro lado, também acreditamos que
improvisação é um tipo de composição que caracteriza aquelas
culturas que não têm notação, um tipo que resume o impulso musical
repentino através da produção direta do som. 123
Ou seja, em muitas culturas o improviso começa onde termina a notação e em outras a
prática do improviso pode ser a própria composição. O autor também cita algumas
técnicas ou artifícios de composição que facilitam o improviso, tais como as repetições,
as variações simples de pequenas frases, seqüências melódicas, a tendência de começar
duas seções com o mesmo motivo, entre outras. Para Nettl124, o improviso possui um
componente típico que é o risco, a necessidade de se tomar decisões imediatas, ou de
transitar por formas musicais fechadas que requerem um alto grau de conhecimento.
Esse risco pode variar de acordo com a prática de cada época ou de cada cultura.
Harnoncourt125, diz que “improvisação e ornamentação sempre foram consideradas
como uma arte que requer grande conhecimento, fantasia e gosto extremamente
apurado”. Segundo ele uma boa ornamentação seria aquela que exprimisse e reforçasse
o caráter, mesmo de melodias simples.
1.2.2 – O período clássico
Como já foi visto, o conceito de improvisação pode variar de acordo com a cultura ou a
época onde ela se dá. Sabe-se que na tradição musical ocidental, no que diz respeito à
chamada música erudita, o período mais fértil para improvisação é o barroco. No
período que engloba fins do Séc. XVIII e princípios do XIX, a improvisação se dá de
forma muito menos exuberante. Neumann126 e Brown127 citam essa mudança de rumos
no emprego da livre ornamentação e C. Ph. E. Bach chama atenção para o fato de
muitos autores contemporâneos seus se preocuparem em escrever os ornamentos.
123 NETTL, Bruno. Thoughts on Improvisation: a comparative approach. In: The Musical Quaterly. 2nd Edition. Vol. LX no 1, New York: G. Shirmer Inc, 1974. p. 1-19. 124 Improvisation. Concepts and practices. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 125 HARNONCOURT, Nikolaus. Op. cit. 1988, p. 74. 126 NEUMANN, Frederick. Interpretation Problems of Ornament Symbols and Two Recent Case Histories: Hans Klotz on Bach, Faye Ferguson on Mozart. In: New Essays on Performing Practice. University of Rochester Press, Rochester, 1992. p. 121. 127 Op. cit. 1999, p. 415.
Segundo ele, “sempre agiram com mais segurança os compositores que indicaram
claramente em suas peças os ornamentos que devem ocorrer, ao invés de deixarem suas
peças sujeitas ao discernimento de executantes desajeitados.”128
O autor também afirma que em seu tempo havia “uma falsa opinião arraigada sobre a
necessidade de se colorir exageradamente as notas ao se tocar teclado”, mas que podia-
se acrescentar alguns ornamentos mais elaborados, mas de forma apropriada,
comedidamente, sem alterar o afeto da peça.
As peças em que se indicam todos os ornamentos não causam
preocupação; entretanto, nas peças em que há poucos ornamentos
indicados ou mesmo não há nenhuma indicação o executante deverá
utilizar os ornamentos de acordo com a maneira convencional 129
Neumann130 escreve que, em Mozart, qualquer nota tocada ou cantada que não esteja na
partitura pode ser considerada improviso, tanto quando tocada espontaneamente, no
momento da performance, como quando previamente elaborada. O improviso pode ser
feito com o acréscimo de simples ornamentos, mais comumente apogiaturas, ou através
do floreamento de melodias ou o preenchimento de espaços. Deve-se também tomar
cuidado com a quantidade de inserções, pois muitas vezes não é claro quando se deve
fazê-lo, sendo importante saber identificar os “espaços vazios” deixados pelo
compositor e decidir quando se deve ornamentar uma peça. Tanto em Mozart quanto em
Haydn o campo para a ornamentação da música vocal é muito menos amplo do que
algumas interpretações podem fazer pensar e da música instrumental permite a
utilização de mais recursos do que os que se praticam usualmente.
Pode-se identificar uma característica comum entre os bons improvisadores: o fato de
muitos serem compositores, além de bons acompanhadores. Robert Levin131 cita Mozart
e Beethoven como exemplos de compositores conhecidos por suas habilidades em
128 BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996, p. 43. 129 Ibid., p. 44. 130 Op. cit. 1986, p. 179. 131 Improvisation. II – Western Art Music. 4. The Classical Period. (i) Instrumental Music. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 2nd Edition. Vol. 12. London: Macmillian Publishers Limited, 2001, p. 112-116.
improvisar. Em sua tese de doutorado, Marcelo Fagerlande132 relata a importância do
baixo contínuo para o estudo da composição, uma vez que permitia ao músico uma
melhor compreensão harmônica. “Esta parte de baixo tem como característica a redução
do conteúdo harmônico a um sistema, a um pentagrama.”133 A prática do baixo
contínuo facilita a criação do improviso pois, além de permitir ao músico uma completa
visão harmônica da peça a ser executada, possibilita a ele uma grande agilidade mental,
já que tudo deve ser decidido no momento da performance. Ao realizar um baixo
contínuo o músico é obrigado a tomar decisões imediatas que muitas vezes passam ao
âmbito da composição, podendo-se dizer que é como se estivesse “compondo de
improviso”.134
Segundo Levin135, podem ser encontradas três formas básicas de improvisação no
período clássico, perpetuadas do barroco: embelezamentos, cadências e fantasias livres.
1.2.2.1 – Embelezamentos
Os Embelezamentos136 são aqui identificados com a livre ornamentação, que é o
acréscimo de ornamentos por iniciativa do intérprete, algumas vezes improvisadamente
e outras, planejadas antecipadamente. Segundo Neumann137, essa forma de livre
ornamentação pode englobar desde simples apojaturas às passagens mais floridas. Ele
afirma ainda que, segundo os tratados, para se improvisar embelezamentos é preciso ter
conhecimento total de seus tipos básicos e execução. Embora as fontes tragam exemplos
desses embelezamentos, não deixam clara a proporção do que deve ser preparado e do
que deve ser improvisado, mas mostram que há discrepância entre o texto original e a
forma como se toca atualmente.
Muitos desses embelezamentos que foram escritos pelos autores eram dirigidos a
estudantes ou amadores dos quais, ao contrário dos compositores ou virtuoses, não se 132 Op. cit., 2002. 133 Ibid., p. 49. 134 “O tocar ou Acompanhar scientifico no sobredito instrumento [cravo], não he outra cousa mais do que hum Compôr de repente” SOLANO, F. I. op. cit. 1778, p. 78, provavelmente citando GASPARINI, F. 1708, p. 70 : “l’accompagnare è um comporre all’improviso”. 135 Op. cit. 2001, p. 112-116. 136 Ver nota 13, p. 9. 137 NEUMANN, Frederick. Op. cit. 1978.
esperava maestria na arte da improvisação. Na grande maioria das vezes essa livre
ornamentação se dava na repetição de temas, particularmente em movimentos lentos ou
rondós. Os compositores nem sempre escreviam essas repetições literalmente, mas as
notavam utilizando sinais de repetição. “As edições modernas, ao reproduzirem
literalmente essas repetições, criaram uma implicação, não encontrada nas fontes, de
que os compositores desejavam uma repetição nota-a-nota dessas passagens.”138
Uma das formas de embelezamento improvisado são as Diminuições139, variações
melódicas, onde valores longos são substituídos por curtos. Diferente dos trilos ou
apogiaturas que são aplicados em notas individuais, as diminuições servem para
decorar a transição de uma nota da melodia para a outra, dando espaço a exibições
virtuosísticas. Embora seja uma forma de embelezamento mais típica da Renascença ou
do Barroco, a Diminuição continuou sendo utilizada como ornamentação de peças em
estilo italiano, principalmente nos movimentos lentos de sonatas e concertos e na
repetição da seção A das arias Da Capo.140
Quantz141 dedica um capítulo de seu tratado à arte de improvisar variações. Para ele,
além dos ornamentos, há outras formas de embelezamentos que podem ser realizadas no
momento da performance. Segundo o autor, fora da França142, os músicos não se
contentam em executar apenas os ornamentos essenciais. A grande maioria se sente
inclinada a inventar variações ou embelezamentos de improviso143. Mas essa prática só
pode ser desenvolvida por músicos que têm conhecimento de composição ou pelo
menos de baixo contínuo. Quantz propõe então um estudo de como se pode fazer
variações em intervalos simples, respeitando a harmonia do baixo. Dentre os muitos
conselhos dados aos músicos pode-se destacar o de evitar que a nota principal em que se
faz a variação não seja obscurecida; que não se deve fazer variações alegres e arrojadas
em melodias melancólicas e simples; que só se deve variar uma melodia após sua forma
simples ter sido ouvida; que uma melodia bem escrita e que já é suficientemente
agradável não necessita de variações; por fim, que, antes de começar a fazer variações o 138 LEVIN, R. D. Op. cit. 2001. 139 Inglês: division; Italiano: passaggio; espanhol: glosa; francês: double. 140 GARDEN, Greer. Diminution In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, Disponível em <http://www.grovemusic.com> 141 Op. Cit. 1976, p. 136-161. 142 Tanto Quantz quanto C.P.E. Bach citam a música francesa como exemplo de ornamentação pré-determinada, sem espaço para o músico criar sua própria ornamentação. 143 “to invent variations or extempore embellishments”.
músico deve saber tocar uma ária sem variações com “nobreza, verdade e clareza”. Na
Fig. 27 encontra-se um dos muitos exemplos dados por Quantz de como devem ser
variados os intervalos.
No Tratado D’Harmonia de Coelho Machado144 também se pode encontrar um exemplo
de variação melódica145, Fig. 28. O autor também relaciona a prática das variações ao
conhecimento de harmonia. A existência do exemplo de variações em um tratado escrito
144 Op. cit. 1851, p. 61 145 Nesse caso Coelho Machado se refere à ornamentação de melodias com notas de passagem, assinaladas pelo símbolo �.
Figura 27. VARIAÇÕES. Quantz. Table IX Fig. 1
cem anos depois do de Quantz mostra que essa prática ainda era usual no Século
XIX 146.
146 Fagerlande, M. Op. cit. 2002 p. 87.
Figura 28. VARIAÇÕES. Coelho Machado. Pág. 61
�
6 4
1.2.2.2. – Cadências147
Cadência pode ser definida como
uma passagem virtuosística inserida próxima ao fim de um
movimento de concerto ou ária, usualmente indicada pelo
aparecimento de uma fermata sobre um acorde supensivo, como o de
tônica . Ela pode tanto ser improvisada pelo intérprete quanto ser
previamente escrita pelo compositor. Num sentido mais amplo o
termo ‘cadenza’ pode se referir a simples ornamentos sobre a
penúltima nota da cadência ou a um acúmulo de embelezamentos
inseridos próximos ao fim de uma seção ou de uma fermata. 148
No período Clássico era considerada uma forma de embelezamento e supunha-se que a
habilidade de inventá-la era parte indispensável das habilidades de um “virtuoso” que
esperava satisfazer as expectativas dos ouvintes, não sendo aceitável que um solista
deixasse de realizá-la quando aparecesse em uma situação usual, como uma fermata.
Para Carl Phillip149 a fermata é utilizada freqüentemente com bom efeito e desperta no
ouvinte uma atenção particular. Ela é indicada pelo sinal convencional e sustentada
de acordo com o caráter da peça. Deve ser empregada sobre a penúltima nota, sobre a
última nota do baixo, ou depois dela sobre uma pausa. Sobre pausas ocorre mais
freqüentemente em movimento Allegro e é executada “bem simples”. O autor fornece
exemplos, Fig. 29, de ornamentação de fermatas e afirma que as cadências
ornamentadas são também composições de improviso e são tocadas livremente, sem
levar em conta o compasso, de acordo com o caráter da peça.
147 Inglês: cadence; Italiano: cadenza, clausola; Francês: cadence, clausule; Alemão: kadenz, schluß, klausel, endung. 148 CADENZA. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 149 Op. cit. 1996, p. 99-101 e 113.
Para ele, quem não tem habilidade para fazê-lo deve optar por um trinado longo
ascendente, ou sobre uma apogiatura descendente antes da última nota do soprano, ou
na nota real com apogiatura ascendente, ou simplesmente na nota real.
Para Francisco Manoel da Silva, emprega-se a Suspensão (Fermata), Fig. 30,
para denotar que se deve suspender o movimento, fazendo a nota ou
pausa, sobre que ella estiver collocada, durar mais que o tempo do seu
valor. Quando a suspensão estiver sobre a nota, o tempo do repouso
póde ser preenchido com cadencias, ou ornatos ad libitum, segundo o
exigir o caracter da composição ou o gosto do executor.150
Silva deixa claro em seu exemplo que a ornamentação deve ser feita quando a fermata
está sobre uma nota. Carl Philipp parece ser da mesma opinião quando afirma que a
fermata sobre a pausa deve ser executada “bem simples”. Para ele, nos outros casos
deve-se ornamentar a fermata para que não se peque pela simplicidade.
Para Quantz151, o objetivo principal da cadência é surpreender o ouvinte, deixando ”uma
impressão especial em seu coração”. Para isso uma única cadência é suficiente numa
peça. Seu caráter deve estar de acordo com o da peça e ela deve incluir pequenas
repetições ou imitações das passagens mais agradáveis.
150 SILVA, F. M. Op. cit. [s.d.], p. 10 151 Op cit. 1976, p. 180.
Figura 30. SUSPENSÃO. Francisco Manoel da Silva pág. 10 Seção 19
Figura 29. FERMATA. Carl Ph. E. Bach, Figura 164. 1
Mozart, além da cadência usual, utilizava uma outra forma, nomeada por ele de
“Eingang”152. Essa cadência seria um breve embelezamento improvisado usualmente
sobre um acorde de dominante, utilizado para conectar duas seções. É indicada por uma
fermata153 sobre o acorde.
Para Mozart, a improvisação se faz desde o acréscimo de notas
simples, especialmente apojaturas ou a inserção de outros pequenos
ornamentos - portamentos, grupetos, trinados e entre outros - até
grandes adições, de dois tipos distintos: um, o floreamento de
melodias já escritas, o outro, o preenchimento de espaços vazios com
passagens transitivas. Esses preenchimentos ocorrem usualmente em
fermatas e tomam a forma tanto de breves embelezamentos quanto de
uma passagem preparatória (um Eingang, i. e., uma condução) ou uma
cadência de tamanho variado.154
1.2.2.3. – Fantasias livres
As Fantasias livres são formas típicas da música para teclado solo. C. Ph . E. Bach
ocupa a última parte de seu tratado com esse tema. Segundo o autor, “uma fantasia é
livre quando não tem divisões de compasso e abrange mais tonalidades do que costuma
ocorrer em outras peças”155. Ainda segundo Carl Philip, há um tipo de fantasia livre que
pode ser considerada um prelúdio, tocada em ocasiões em que um acompanhador
precisa, antes da execução de uma peça, tocar algo de memória para preparar os
ouvintes. Esse tipo de fantasia é mais restrito pois está ligado à peça que será executada,
enquanto que em outras ocasiões pode-se tocar uma fantasia apenas para exibir as
habilidades do tecladista.
Por sua forma livre, a Fantasia é, talvez, a forma de improvisação de maior dificuldade
do período. Seu objetivo principal é, de acordo com Carl Philipp, suscitar e acalmar
152 Segundo Eva Badura-Skoda eWilliam Drabkin (Cadenza. 3 – The Classical Period. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com>), “Eingang”, significando entrada ou condução, foi usado por Mozart numa carta de 15 de fevereiro de 1783 e passou a denominar esse tipo de passagem. 153 Pode-se identificar esse tipo de cadência com a ornamentação das fermatas segundo Carl Philipp E. Bach ou Francisco Manuel da Silva. 154 NEUMANN, F. Op. cit. 1986. p. 179. 155 BACH, Carl Ph. E. Op. cit. p. 343.
paixões. Para atingir esse objetivo é preciso que o tecladista tenha pleno domínio de
baixo contínuo e de progressões harmônicas e que saiba fazer variações para que a
fantasia não se restrinja a progressões de acorde sustentados ou arpejados.
E quem não sabe quantas exigências são impostas ao teclado?
Também não se contenta de se esperar de um tecladista apenas o que
se exige de todo instrumentista, isto é, a capacidade de executar uma
peça composta para seu instrumento, de acordo com as regras da boa
execução. Além disso, exige-se do tecladista que ele faça fantasias de
todo tipo; que desenvolva de improviso um tema dado, seguindo as
rígidas regras da harmonia e da melodia; que toque em todas as
tonalidades com a mesma facilidade; que transponha instantaneamente
e sem erros de uma tonalidade para outra; que toque tudo,
indistintamente, à primeira vista, sejam ou não peças escritas para seu
instrumento; que ele tenha completo domínio da ciência do baixo
contínuo, realizando-o de maneira variada...156
156 BACH, Carl Ph. E. Op. cit. p. 1, Prefácio.
II – ORNAMENTAÇÃO E IMPROVISAÇÃO NO MÉTODO
2.1 – José Maurício como Improvisador
O padre José Maurício Nunes Garcia chegou até os dias de hoje com o impressionante
título de “O primeiro improvisador do mundo”. Porto Alegre157 narra um encontro que
teve com Sigismund Neukomm158 em Paris, talvez o mais importante relato sobre o
talento de improvisador de José Maurício:
O célebre Neukomm, discípulo de Haydn, que veio para esta corte
como lente de musica quando veio a colonia artistica dirigida por
Lebreton para fundar a Academia das Bellas Artes, e que foi victima
da parcialidade que invectivava José Maurício, me disse, em Paris, a
proposito do mestre brazileiro, que elle era o primeiro improvisador
do mundo.159
Outros textos informam sobre a opinião dos contemporâneos de José Maurício a seu
respeito, como o do Visconde de Taunay:
... muito apreciado pela vastidão e profundeza dos seus conhecimentos
em varias sciencias e linguas e ainda mais pela maestria com que
tocava orgão, cravo e depois piano e nelles improvisava, tirando
desses instrumentos os mais estupendos effeitos. 160
Azevedo161 narra outra passagem em que são colocadas à prova as habilidades de José
Maurício como improvisador:
157 PORTO ALEGRE, Manuel de Araujo. Apontamentos sobre a vida e obras do Padre José Maurício Nunes Garcia. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, tomo XIX, 1856. p. 365 e 366. 158 Compositor e pianista austríaco, aluno de Michael e Joseph Haydn. Esteve no Rio de Janeiro de 1816 a 1821 como professor na Corte de D. João VI. Compôs em torno de 1300 obras. 159 PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit. 1856, p. 365. 160 TAUNAY, Visconde de. Esboceto Biográfico. In: Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro: Funarte, 1983 pág. 11-12. 161 AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Biographia dos brasileiros ilustres por armas, letras, virtudes, etc. – Padre José Maurício Nunes Garcia. In: Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográphico e Ethnográfioco do Brasil, Tomo XXXIV, Parte segunda. Rio de Janeiro: B. L. Garnier – Livreiro – Editor, 1871. p. 293-304.
[D. João] admirando o genio do afamado artista, encarregava-o
freqüentemente de novas composições para as festas reaes e
convidava-o para tocar piano no recinto do paço. E em um saráo, no
palacio real, depois de José Maurício ter manifestado no piano bellas
variações de improviso, tão enthusiasmado ficou o rei ao ouvir o
artista que despregando da farda do seu guarda roupa, o visconde de
Villa Nova da Rainha, o hábito de Christo collocou-o com suas
proprias mãos no peito do celebrisado musico.162
Segundo o relato de Azevedo, José Maurício realizava “bellas variações” em seus
improvisos. Porto Alegre163 também fala de “phantasias” e “belas variações”. Essas
formas, que foram tratadas no Capítulo I, são o padrão de “improviso” da música
erudita ocidental no período em que viveu José Maurício.
Jeff Pressing164 realiza um estudo em que são identificadas as características de um
improvisador. Muitas dessas características são apontadas pelos autores que escreveram
sobre as habilidades de José Maurício. Para Pressing, existem algumas ferramentas
essenciais aos improvisadores, tais como:
1) Referencial: um conjunto de estruturas conectivas, perceptivas ou emocionais
que guiam ou objetivam uma produção musical, ajudando a reforçar os efeitos
da performance de várias maneiras: provendo material para variações,
necessitando o músico de menos processos mentais para a criação;
possibilitando ao intérprete uma pré-análise do material, facilitando assim a
construção de um ou mais segmentos estruturais e a preparação de recursos para
variações, reduzindo a extensão das tomadas de decisão no momento da
execução; reduzindo o risco e provendo material para eventual necessidade de
invenção através de variações “pré-compostas”, que podem ser ensaiadas.
2) Base de Dados: inclui material e excertos musicais, conhecimento de repertório,
rotina de resolução de problemas, memória hierárquica de estruturas e esquemas,
162 AZEVEDO, M. D. M. Op cit. p. 297. 163 Op. cit. 1856, p. 365 e 366. 164 Psychological Constraints on Improvisational Expertise and Comunication. In: In the course of performance: studies in the world of musical improvisation / edited by Bruno Nettl with Melinda Russell. Chicago: University of Chicago Press, 1998. p. 47-67
entre outros. A organização desses dados é influenciada pelas experiências
culturais individuais do intérprete, pois quanto mais conexões ele pode realizar,
mais criativas serão suas performances.
3) Memória especializada: O improvisador deve possuir capacidade de
memorização de determinados eventos que facilitem sua performance. Quanto
maior essa capacidade, mais rápida será sua resposta no momento da execução.
4) Imposição cultural: compartilhada pelas tradições da música composta, inclui
coisas tais como estilo musical, repertório, efeitos da mídia, oportunidades de
emprego, tipos e disponibilidade de instrumentos, status social dos músicos,
grau de incorporação da música em rituais e eventos sociais e assim por diante,
podendo o intérprete ser julgado por sua competência como improvisador ou por
sua maior ou menor capacidade criativa.
5) Improvisação e emoção: Uma das características principais do improviso é a
criação de expectativa e surpresa no ouvinte. O intercâmbio entre intérprete e
ouvinte é essencial em muitas formas de improvisação. É importante para o
músico o reconhecimento da improvisação pelo ouvinte.
Embora o estudo de Pressing seja voltado principalmente aos jazzistas, as características
apontadas por ele se encaixam no perfil de José Maurício, traçado pelos autores citados
anteriormente. Como referencial e base de dados pode-se destacar o conhecimento
acumulado por José Maurício como compositor e regente da Real Capela, além do fato
de ter sido responsável pelo arquivo musical vindo de Portugal165. José Maurício
possuía também, segundo os relatos apresentados, grande capacidade de memorização,
destreza e ousadia, embora muitos insistissem na existência de um talento inato, um
dom especial que diferenciaria o autor dos demais músicos de seu meio. Essa visão,
romântica e condescendente como a de Azevedo, faz parte do estilo narrativo da época:
“Era ainda creança e desprezava José Maurício os folguedos infantis para ir tocar viola
ou cravo e não era raro vê-lo acompanhar os sons d’esses instrumentos com sua voz
doce e mimosa de menino. 166
165 Ver pág. 48 163 AZEVEDO, M. D. M. Op. cit. p. 294.
Apesar do romantismo dessas narrativas, todas apontam para os mesmos lugares
comuns a respeito de José Maurício. Esses estereótipos podem fornecer pistas a respeito
da sua formação musical, essencial para a compreensão das práticas, tanto na
composição quanto na execução de sua música. Segundo o autor, desde criança José
Maurício teve contato com a viola e o cravo. Sabe-se que seus primeiros contatos com a
prática musical se deram através das aulas com o músico mineiro Salvador José de
Almeida, como narra Porto Alegre:
Mandado para a escola de Salvador José, ahi se houve com tam rapida
intelligencia, que em poucos mezes excedeu a todos os seus collegas,
e foi considerado por aquelle musico o primeiro e o melhor de seus
discipulos, e o unico de por si só poder continuar os estudos de uma
arte, que requer, além dos dons naturaes, uma pratica não
interrompida.167
Mattos168 também cita Salvador José como o primeiro contato de José Maurício com o
estudo da música, informando ainda das influências recebidas do estilo setecentista
mineiro:
Salvador José não terá representado, para José Maurício, apenas o
professor de ‘primeiras notas’. Foi o músico familiarizado com as
tradições musicais no período áureo da criação setecentista em Minas
Gerais, cujas bases teóricas e práticas transferiu ao aluno bem dotado.
A resposta aos seus ensinamentos e a experiência do dia-a-dia de sua
vida profissional transparecem como origem da mineiridade – no
fundo, na forma, no contexto – projetada nas mais antigas obras do
jovem músico.169
Neves170 não tem dúvidas sobre o parentesco de José Maurício com a música mineira da
segunda metade do Séc. XVIII. Para ele, a formação musical e a escolha de ‘modelos’ é
167 PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit, p. 356. 168 MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia – Biografia. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1997. 169 Ibid. p. 31. 170 Op. cit. 1983. p. 55-63.
comum a José Maurício e aos autores mineiros. O aprendizado se dava muitas vezes
através da execução de obras escolhidas de acordo com o gosto do público ou de quem
encomendava a obra. Segundo Neves foram enviadas à Colônia, a pedido do frei João
da Cruz171, partituras de alguns autores europeus como Palestrina, Lassus, Scarlatti,
Lully, Rameau, Frescobaldi, Monteverdi e Pergolesi, na primeira metade do séc.
XVIII 172. A segunda metade é dominada por autores clássicos, como Haydn, Mozart,
Beethoven e os compositores de ópera italianos, com grande destaque para Rossini.
Além do aprendizado através da execução de obras de importantes compositores
mineiros e europeus, José Maurício teve acesso a outros meios para desenvolver sua
arte. Segundo Mattos173 ele logo extrapolou os ensinamentos recebidos, tanto técnica
quanto estruturalmente. Para a pesquisadora, José Maurício complementou sua
aprendizagem participando como cantor em um coro, provavelmente o da Catedral da
Sé, onde cantavam os alunos do Seminário São Joaquim que, além da “solfa” aprendiam
canto gregoriano e latim. Além do canto, o contato com os organistas da Sé pode ter lhe
fornecido o aprendizado no instrumento. De acordo com a narrativa de Azevedo, José
Maurício teve lições de órgão com o português Antônio José, já durante o período da
capela real:
Mandára El-rei vir de Lisboa o organeiro Antonio José, que amigo de
José Mauricio, iniciara-o no mecanismo do orgão da capella real,
instrumento composto de tres teclados, muitos registros e assaz
complicado, tendo na base uma carranca que nas notas graves
escancarava a boca e esbugalhava os olhos.
Servia-se José Mauricio d’esse orgão para deleitar o rei nas
solemnidades religiosas; improvisava melodias, brincava sobre o
teclado, fazia chover um conjunto de sons harmoniosos, e repetia
inesperadamente as notas graves que despertavam o monarcha...174
171 Quinto bispo do Rio de Janeiro. 172 NEVES, J. M. Op. cit., 1983, p. 56. 173 Op. cit. 1997. p. 27-37. 174 AZEVEDO, M. D. M. Op. cit. p. 297.
Barbosa175 cita em seu Necrológico que José Maurício desenvolveu-se na música “só a
impulsos do seu genio”, tendo estudado com afinco “Piano, Orgão e Rebeca”, sem
contudo informar quais teriam sido os meios que o levaram ao estudo desses
instrumentos.
O contato com obras de autores europeus, assim como, possivelmente, com tratados
teóricos, lhe possibilitou acesso ao que havia de mais “moderno” no campo da
composição musical. Não só as obras executadas na Capela Real ou no Paço, mas outras
que ele próprio mandava vir de Portugal. Taunay afirma erroneamente que José
Maurício adquiriu muitas partituras e constituiu um acervo próprio:
Empregando todas as suas economias em ajuntar a mais vasta colleção
de composições musicaes de todos os autores allemães, italianos e
francezes então existentes, sempre e sempre augmentada e que em
1816 produzio a maior sorpreza a Sigismund Neukomm, o discípulo
querido de Haydn, filiou-se instinctivamente á grandiosa e severa
escola de Haendel, Haydn, os Bach, Mozart e Beethoven, este já a
emergir nos largos horizontes da arte, como astro de inexcedível
brilho. 176
Na verdade esse acervo constitui-se no da Biblioteca Real, mais precisamente do recém-
chegado “Archivo de Musica de Queluz”, do qual José Maurício passa a ser
arquivista177. Seu contato com partituras de autores europeus contemporâneos parece ter
sido realmente uma grande fonte de conhecimento. Porto Alegre descreve suas
habilidades de análise e memória:
José Maurício viveu sempre na intimidade dos grandes mestres. Fazia
gosto ouvi-lo analyzar uma partitura como um rhetorico analysa uma
oração. Senhor de uma prodigiosa memoria, possuia a mais vasta
erudição musical que é possível; nada lhe escapava: imitação ou furto,
elle indicava, e logo a obra e o logar preciso.178
175 BARBOSA, Januário da Cunha. Necrológio. In: Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro, Funarte, 1983. p. 402-404. 176 TAUNAY, A. E. Op. cit. 1983. p. 12. 177 MATTOS, C. P. Op. cit. 1997. p. 85. 178 PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit. p. 365.
Todos esses relatos confirmam ser José Maurício exímio tecladista e improvisador.
Apontam também indícios sobre sua formação, sobre como ele, sem nunca ter saído do
Rio de Janeiro, teve acesso a obras que lhe permitiram escrever um Método em que os
temas de algumas lições estavam alinhados com que se fazia em música na primeira
metade do século XIX. Nele evidenciam-se, através de citações, as influências de
autores como Haydn e Rossini.
2.2 – O Método de Pianoforte
O Método de Pianoforte, incluído no volume intitulado Compendio de Musica e
Methodo de Pianoforte do Sn.r P.e M.e Joze Mauricio Nunes Garcia. Expressam.te
escripto Para o D.r Jozé Mauricio e seu Irmão Apollinario em 1821, foi escrito com o
propósito de auxiliar os estudos do Dr. Nunes Garcia, então com 13 anos e de seu irmão
Apollinário.179 A cópia existente, um manuscrito de copista desconhecido, com 112
páginas, encontra-se na Biblioteca da Escola de Música da UFRJ, oriunda do Imperial
Conservatório de Música, e data de 1864.
O Compêndio de Música traz rudimentos de Teoria Musical que, segundo Cleofe Person
de Mattos180, espelha o ensino da música no Brasil e, mais especificamente, o que se
ensinava no curso de música da Rua das Marrecas.181 Nota-se nessa obra o caráter
prático do ensino de música da época, onde se privilegiava o ensino do Solfejo e o
conhecimento do Teclado através de sua descrição física, peças chaves para o ingresso
na vida profissional, pois o restante era aprendido com a prática. O Compêndio contém
em suas páginas uma definição de música – “he huma Arte que ensina a cantar e tocar
segundo as regras d’armonia” –, nomes das notas, claves, valores de figuras e pausas,
compassos simples e compostos, síncope, quiálteras, alterações, ornamentos, ligadura,
fermata, ponto de aumento, sinais de repetição, intervalos, pauta, notas suplementares,
179 Aqui se trata de dois dos cinco filhos de José Maurício com Severiana Rosa de Castro. O Dr. Nunes Garcia refere-se ao irmão Apolinário como “hábil músico e organista”. NUNES GARCIA JR. José Maurício. Apontamentos Biográficos (com notas de Curt Lange). In: Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro: Funarte, 1983. p. 17. 180 Catálogo temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Conselho Federal de Cultura, 1970. Pág. 333 a 335. 181 O curso da Rua das Marrecas foi instalado em 1795. JM não dispunha de piano ou cravo para ministrar as aulas, apenas uma viola de arame que era utilizada por todos os alunos. Importantes músicos do período estudaram nesse curso, como Francisco Manuel da Silva.
tons maiores e menores, além dos Solfejos e das noções sobre teclado, com as escalas
maiores e menores e seus dedilhados e as “Regras para a formação dos tons”. Seu
conteúdo é muito similar ao da Arte da Muzica para uzo da mocidade brazileira por
hum seu patrício, de autor anônimo, impresso em 1823 e ao da Artinha182 de Francisco
Manuel da Silva183, impressa em 1838.
As peças do Método, em número de 30, são intituladas Lições184 e Fantezias185 e
distribuídas em 3 partes, da seguinte forma: duas partes com doze Lições cada e uma
terceira, composta de seis Fantezias. As peças são escritas de maneira didática,
abordando progressivamente dificuldades técnicas e interpretativas. A Lição 1 da
primeira parte é bastante simples, sendo praticamente uma exposição da fórmula
cadencial I – IV – V – I como explicada nas “Regras para a formação dos tons”,
enquanto que a Fantezia 6, mais complexa, é um Rondó186 com cinco variações. As
formas encontradas nas Lições e Fantezias são binária, ternária, quaternária, rondós e
formas livres, sendo que a segunda parte do Método é toda escrita na forma ternária
(aria da capo). Muitas peças são compostas a partir de temas de outras obras de José
Maurício, como por exemplo a Lição 8 da Primeira Parte do Método, citação quase
integral de Ut tu Deus do 8º Responsório do Ofício de Defuntos 1816
187, com poucas
modificações como repetições e exclusão de alguns compassos. Em outras obras há
citação direta de compositores como J. Haydn188 e G. Rossini189, evidenciando não só o
182 Artinha era o nome usual dado aos cadernos manuscritos, utilizados para o ensino da música, feitos pelos professores e copiados e memorizados pelos alunos, contendo os elementos básicos da Teoria Musical. Seu uso estendeu-se até a primeira metade do Séc. XX, principalmente nas cidades do interior e nas Bandas de Música. 183 Artinha. Compêndio de Música que a S. M. I. o Snr D. Pedro II Imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil Oferece para uso dos alunos do Imperial Colégio D. Pedro II. Nova Edição. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, [s.d.] 184 FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Pe José Maurício Nunes Garcia, Rio de Janeiro: Relume Dumará/Rio Arte, 1996. Pág. 21. Segundo o autor, Lições são peças de movimento único com fins pedagógicos que surgiram na Inglaterra (Lessons) no Séc. XVI, significando não só exercício de teclado como música de teclado de uso doméstico. Seus correspondentes na França seriam Pièce e na Itália, Essercizi ou mesmo Sonata. 185 Ibid., Pág. 21. Termo adotado na Renascença por Luis de Milan para um tipo de composição instrumental cuja forma e invenção surge da fantasia e habilidade do autor. É encontrado em diversas línguas e a versão adotada por José Maurício provém do espanhol ou italiano Fantesia. Ver Capítulo I, pág. 40. 186 Forma musical em que a seção primeira, ou principal, retorna, normalmente na tonalidade original, entre seções subsidiárias (couplets, episódios) e conclui a composição. Dicionário GROVE de Música. Edição Concisa. Editado por Stanley Sadie. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. 187 GARCIA, José Maurício Nunes. Ofício dos Defuntos 1816 (Org. Cleofe Person de Mattos). Rio de Janeiro: FUNARTE, 1982. p. 162-168 188 Citação do tema do segundo movimento da Sinfonia 94, “Surpresa”, na Lição 7 da 2ª Parte do Método.
gosto pessoal de José Maurício, mas o que se ouvia no Rio de Janeiro à época em que
viveu o Padre Mestre. Há também a influência melódica das modinhas190, gênero muito
presente na vida de José Maurício, como afirma Cleofe Person de Mattos:
Que J. M. tivesse hábitos seresteiros, há referências em biógrafos
contemporâneos seus. (...) Sabe-se que J. M. ensinava música com o
auxílio de uma viola de arame. E que cantava, acompanhando-se nesse
instrumento, xácaras e modinhas. 191
2.3 – Os Ornamentos do Método
No que diz respeito à ornamentação, como já foi visto no Capítulo I, há sempre uma
dúvida de como determinado autor utilizava os ornamentos e de que forma seus sinais
devem ser interpretados. Alguns autores deixaram para a posteridade tabelas
explicativas com a execução dos ornamentos mais utilizados em suas obras, mas, como
afirma Donnington192, não há um conjunto de regras que unifique essa representação.193
José Maurício, no Compêndio de Música escreve o seguinte sobre ornamentos:
Apojo he huma pequena figura, que serve para adorno e graça da
Musica, esta he a sua fórma mas sem entrar na repartição do
Compasso. Portamento Acentos servem para o
mesmo efeito, porem são em maior numero.194
É possível que José Maurício estivesse se referindo, ao afirmar que Portamento e
Acentos “são em maior número”, à quantidade de notas presente nos ornamentos e não à
freqüência de seu emprego nas músicas. Neumann195 utiliza essa forma de classificação
189 Citação da Abertura da Ópera “O Barbeiro de Sevilha” na Lição 5 da 2ª Parte do Método. 190 Canção brasileira e portuguesa, de apelo sentimental, cultivada nos séculos XVIII e XIX. O acompanhamento era em geral realizado pelo cravo ou pela guitarra. Aos poucos vai se transformando, adquirindo quase o caráter de uma ária italiana de ópera, perdendo sua simplicidade original. (Marcelo Fagerlande). 191 MATTOS, Cleofe Person de. Catálogo temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Conselho Federal de Cultura, 1970. p. 323 192 Ornaments. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. vol. 13. London: Macmillan publishers limited, 1980. p. 827. 193 Ver Capítulo I, p. 9. 194 FAGERLANDE, M. Op. cit. 1996, p. 102. 195 Ornamentation in baroque and post-baroque music – with special emphasis on J. S. Bach. New Jersey: Princeton University Press, 1978. p. 7.
ao descrever os ornamentos “pequenos” e “grandes“.196 Ao comparar o texto do
Compêndio com as peças do Método pode-se notar que o texto musical deste último
nem sempre concorda com a proposta de ornamentos do primeiro. Os Acentos197 citados
no texto não aparecem em nenhuma das peças do Método, os Apojos aparecem em
quase todas as peças e os Portamentos aparecem com bastante freqüência. É
interessante também notar que ornamentos muito utilizados como os trinados, embora
apareçam em algumas peças não são citados pelo autor, enquanto que os mordentes,
além de não serem citados, não aparecem em nenhuma das peças. Apesar das Lições
serem escritas com dificuldade técnica progressiva, pode-se apontar a utilização de
apogiaturas já na Lição 1, reiterando a importância dada ao emprego desse ornamento
em especial.
2. 3. 1 – APOJO (Apogiatura)198
“Pequena figura que serve para adorno e graça da musica”.199 Ornamento bastante
utilizado pela facilidade de seu emprego e de sua execução, é o mais freqüente no
Método. É empregado como uma pequena figura que antecede a nota principal ou
inserido como parte da melodia. No primeiro caso, é tocado muito curto, no tempo forte
do compasso ou parte forte do tempo. No segundo caso, já vem escrito com seu valor
real. José Maurício parece seguir este padrão para evitar possíveis erros de interpretação
das apogiaturas, colocando, no Método, as apogiaturas curtas como pequenas notas –
sempre colcheias cortadas – e inserindo as longas por extenso no discurso musical.200 É
interessante notar no entanto que, no exemplo apresentado no Compêndio, a pequena
colcheia não aparece cortada, figurando como uma apogiatura longa. As apogiaturas
aparecem em diversas situações no decorrer do método, sendo as longas as mais
freqüentes.
Podem-se encontrar apogiaturas longas, simples201, superiores, no primeiro tempo do
compasso, como nos exemplos dos compassos 3 e 4 da Fig. 31.
196 Ver Cap. I, p. 11. 197 Os acentos são ornamentos típicos da livre ornamentação, muitas vezes não fazendo parte do texto escrito. Ver “Tirata” no Cap. I, p. 29. 198 Para uma uniformização com o emprego habitual do termo, será utilizado o nome “Apogiatura” . 199 FAGERLANDE, M. Op. cit. 1996, p. 102. 200 Ibid., p. 71. 201 Representadas por uma única nota.
As apogiaturas longas superiores também aparecem no 1º tempo do compasso, duplas,
em terças, como no exemplo da Fig. 32, em sextas, como no exemplo da Fig. 33 e em
oitavas, Fig. 34.
Figura 31. APOGIATURA longa, superior, simples, no 1º tempo. Lição 7ª - I Parte.
Figura 33. APOGIATURA longa, superior, dupla, em sextas.
Lição 3ª - II Parte. Andante Moderato.
Figura 32. APOGIATURA longa, superior, dupla, em terças .
Lição 1ª - II Parte. Moderato.
As apogiaturas longas, inferiores, no primeiro tempo do compasso, também
aparecem simples, como nos exemplos das Fig. 35 e 36 e duplas, em terças,
como na Fig. 37 e em oitavas, como na Fig. 38.
Figura 34. APOGIATURA longa, superior, dupla, em oitavas. Fantezia 3ª. Moderato.
Figura 35. APOGIATURA longa, inferior, simples, no 1º tempo.
Lição 8ª - I Parte. Andante.
Figura 36. APOGIATURA longa, inferior, simples, no 1º tempo.
Lição 11ª - I Parte. Allegretto.
Em tempo fraco do compasso são encontradas apogiaturas longas, tanto superiores, Fig.
39, quanto inferiores, Fig. 40.
Figura 37. APOGIATURA longa, inferior, dupla, no 1º tempo. Lição 5ª - I Parte. Moderato.
Figura 38. APOGIATURA longa, inferior, dupla, em oitavas, no 1º tempo.
Fantezia 2ª. Moderato
Figura 39. APOGIATURAS longas, superiores, tempo fraco . Lição 7ª - I Parte.
Quanto às apogiaturas curtas, superiores, podem aparecer no 1º tempo do compasso,
como no exemplo da Fig. 41, ou em parte fraca, Fig. 42
Encontram-se ainda apogiaturas combinadas com outros ornamentos, como no exemplo
da Fig. 43, em que a apogiatura longa, superior, aparece no terceiro tempo do
compasso, precedida por um grupeto.
Figura 40. APOGIATURAS longas, inferiores, tempo fraco. Lição 2ª - I Parte. Moderato.
Figura 41. APOGIATURAS curtas, superiores, 1º tempo.
Lição 4ª - II Parte. Andantino.
Figura 42. APOGIATURA curta, superior, tempo fraco.
Lição 2ª - II Parte. Allegretto
2.3.2 – PORTAMENTO (Grupeto)202
Podem-se identificar os Portamentos citados por José Maurício como Grupetos. Essa
mesma denominação é utilizada por Varella203 em seu Compêndio e encontrada na Arte
da Muzica para uzo da mocidade brazileira.204 Assim como esse exemplo, muitos
outros ornamentos encontram diferentes denominações entre os autores luso-brasileiros.
José Maurício utiliza os grupetos de acordo com a classificação posterior de
Neumann205: conectivos e intensificadores. Embora os grupetos estejam entre os
ornamentos mais utilizados por José Maurício e seu símbolo seja encontrado na obra de
importantes compositores do período, eles não foram encontrados representados por
símbolos no Método. Nos exemplos a seguir podem ser encontrados grupetos
conectivos, como na Fig. 44 e intensificadores, como na Fig. 45.
202 Para uma uniformização com o emprego habitual do termo, será utilizado o nome Grupeto. 203 Op. cit. 1806. p. 11. 204 Op. cit. 1823. p. 19-20. 205 Op. cit. 1978. p. 8.
Figura 43. APOGIATURA precedida por grupeto.
Lição 8ª - I Parte. Andante.
Figura 44. GRUPETO conectivo. Lição 8ª - I Parte. Andante.
Os grupetos intensificadores também são encontrados na Fantezia 6 como parte da
estrutura melódica, já vindo, portanto, escritos. Nos exemplos que se seguem são
encontrados grupetos que se iniciam com a nota superior, em intervalo de semitom,
sendo a nota inferior separada por tom; há os que se iniciam com a nota inferior em
intervalo de semitom e a nota superior separada por tom – ambos na Fig. 46 – e ainda os
que se iniciam com a nota superior separada por tom e a nota inferior separada por
semitom, como na Fig. 47.
Figura 45. GRUPETO intensificador. Lição 9ª - I Parte. Andantino.
Figura 46 GRUPETOS intensificadores, superiores e inferiores.
Fantezia 6ª. Moderato.
Figura 47 GRUPETOS intensificadores. Fantezia 6ª. Moderato. 1ª Variação.
2.3.3 – ACENTOS (Tiratas)206
Conhecidos como tiratas, os acentos, apesar de citados por José Maurício no
Compêndio, não são encontrados em nenhuma das peças do Método. Isso se deve
provavelmente ao fato desses ornamentos estarem mais ligados à prática da livre
ornamentação, sendo utilizados como elementos de ligação entre dois trechos ou como
preenchimento de melodias escritas em arpejos ou graus disjuntos. Embora não
apareçam escritas no Método, encontram-se tiratas em diversas obras de José Maurício
e serão apresentados exemplos no Capítulo III.207
2.3.4 – OUTROS ORNAMENTOS
Embora não sejam citados por José Maurício no Compêndio de Música, outros
ornamentos podem ser encontrados nas Lições e Fantezias do Método, tais como
trinados, escorregadelas208 e arpejos.
Os trinados aparecem sobre notas longas, como na Fig. 48, em que são colocados sobre
elas sem indicação de preparação, não havendo, portanto, como afirmar se devem ser
tocados iniciando-se na nota superior ou na nota principal. Muitos tratados do
período209, principalmente os de origem ibérica, como os de Solano210 e o de Varella211,
permitem a resolução dos trinados iniciando-se na nota real, sem preparação.
206 Para uma uniformização com o emprego habitual do termo, será utilizado o nome Tirata. 207 Ver Cap. III, pág. 95 208 Ver nota n. 105, pág. 28. 209 Ver Cap. I, 1.1.2 – Trinados, Pág. 19. 210 Op. Cit. 1779. O autor não deixa claro se os trinados devem ser tocados com a nota real ou preparados. Ver Cap. I, 1.1.2 – Trinados, p. 22. 211 Op. cit. 1806. Ver Cap. I, 1.1.2 – Trinados, p. 22.
Na Fig. 49 é encontrado um trinado que, apesar de não haver nenhuma indicação a
respeito, se sugere ser tocado com a nota principal, pois dessa maneira mantém-se o
movimento ascendente da melodia. Esse tipo de trinado é muito encontrado em autores
mais antigos como Santa Maria212, em que o trinado obedece à direção da melodia,
iniciando-se sempre com a nota real.
Na Fantezia 5 aparece um exemplo de trinado executado com a nota superior, com
terminação, Fig. 50. Esse tipo de trinado é o que Carl Philipp213 chama de trinado
simples, acrescido de uma terminação. Note-se que, nesse caso, José Maurício indica a
execução do trinado com a nota superior. As duas maneiras de representação do trinado
nas peças do Método – com e sem preparação – sugerem que José Maurício tinha
conhecimento das duas formas de execução. Enquanto alguns tratados portugueses
212 Líbro llamado Arte de tañer Fantasia, 1565. 213 Op. cit. 1996, p. 60.
Figura 48. TRINADOS. Lição 3ª - II Parte. Andante Moderato.
Figura 49. TRINADO. Lição 6ª - II Parte. Allegro Maestoso.
citam o emprego do trinado sem preparação, iniciando-se com a nota real, Francisco
Manuel da Silva cita em seu Compêndio214 e na Artinha215, trinados sempre iniciados
com a nota superior, com ou sem preparação, como visto no Capítulo I216.
A escorregadela também não é citada no Compêndio por José Maurício, mas aparece
na Lição 8 da primeira parte do Método, como no exemplo da Fig. 51. Apesar de ser
conhecida principalmente por preencher intervalos utilizando-se de terças ascendentes,
José Maurício emprega esse ornamento no movimento inverso. Sua execução se dá
junto com o baixo, no momento do ataque da nota principal, tirando dela seu valor. No
exemplo citado a escorregadela tem efeito intensificador, de acordo com a classificação
de Neumann217.
A escorregadela também pode aparecer em parte fraca, como na Fig. 52. Nesse
exemplo sua execução é mais rápida devido ao valor da nota principal e seu efeito é
214 SILVA, F. M. Compendio de Princípios Elementares de Musica. [s.d.], p. 10. 215 SILVA, F. M. Artinha. [s.d.], p. 9. 216 Ver Cap. I pág. 23 217 Ver pág. 12, Figura 1: Classificação dos Ornamentos segundo F. Neumann.
c. 37
Figura 51. ESCORREGADELA. Lição 8ª - I Parte. Andante.
Figura 50. TRINADOS com preparação e terminação. Fantezia 5ª. Moderato.
conectivo218. Nesse caso, por causa do valor da nota principal, pode ser executando
antes do tempo. No exemplo apresentado, a escorregadela vem combinada a um
grupeto escrito por extenso.
Além dos ornamentos já citados é ainda encontrada uma indicação do uso do arpejo na
Lição 3 da Segunda parte do Método – Fig. 53. Embora não apareçam no texto musical
nem sejam citados por José Maurício no Compêndio, os arpejos são recursos muito
usados na execução de música para cravo e pianoforte219 e essa única indicação é
indício de seu uso pelo Padre Mestre, não sendo usual, entretanto, o uso de sinais para
indicá-los. Não há informações suficientes para se especular por que José Maurício
indica um arpejo em apenas uma das Lições.
Além dos ornamentos citados, encontram-se na Lição 6 da segunda parte do Método
oitavas “quebradas”,220 representadas por pequenas notas com execução semelhantes à
das apogiaturas curtas, separadas da nota principal pelo intervalo de oitava, Fig. 54 e
55. Esse recurso de “quebrar” as oitavas é muito comum no repertório do período.
218 Ver pág. 12, Figura 1: Classificação dos Ornamentos segundo F. Neumann 219 WILLIAMS, P. Op. cit. [s.d.] p. 36. 220 Ver Cap. I, pág, 30 nota 117.
Figura 52. ESCORREGADELA combinada com grupeto.
Fantezia 1ª. Moderato.
Figura 53. ARPEJO. Lição 3ª - II Parte. Andante Moderato.
2.4 – Escrita ornamentada
Além da inclusão de ornamentos podem-se fazer divisões, embelezamentos nas
melodias, acrescentando notas, passagens e variações221. José Maurício deixou amostras
de escrita ornamentada em algumas peças do Método. Na Lição 10 da Primeira Parte, de
forma A (a1, a2) – B – A, Fig. 56, encontra-se na seção A – a1 uma apresentação
temática bastante simples, apenas com a inclusão de grupetos. Em a2 (compasso 9)
encontra-se uma melodia ornamentada utilizando figuração muito semelhante ao
circulo222, ornamento descrito por Leopold Mozart no “Gründliche Violinschule”223.
221 Ver Capítulo I, pág. 34. 222 Ornamentação que consiste em preencher a melodia com notas ascendentes e descendentes, em torno da nota real, sempre em graus conjuntos, como que fazendo um “círculo”. É uma espécie de variação do grupeto. 223 DANNREUTER, E. Op. cit. [s.d.] . p. 67.
Figura 55. OITAVAS QUEBRADAS. Lição 6ª - II Parte. Allegro Maestoso.
Figura 54. OITAVAS QUEBRADAS. Lição 6ª - II Parte. Allegro Maestoso.
Note-se que na parte a2 a melodia poderia ser bastante semelhante à da parte a1,
formada apenas por notas repetidas.
Na Lição 12 da Primeira parte, Fig. 57, a forma pode ser descrita como binária,
apresentada em uma seção A dividida em: a1, a2 e b. Encontra-se em a2 (compasso 11) a
repetição harmônica integral de a1, com melodia ornamentada. O baixo mantém-se
conservado apesar de ser apresentado todo em acordes em a2.
Na Lição 3 da Segunda Parte, de forma ternária A (a1, a2) – B (b1, b2) – A, encontra-se
escrita ornamentada na repetição da melodia na seção B – b2 (compasso 25), como pode
ser visto na Fig. 58.
Figura 57. ESCRITA ORNAMENTADA em a2. Lição 12 – I Parte. Allegretto
Figura 56. ESCRITA ORNAMENTADA na seção A ( a’). Lição 10 – I Parte. Allegretto
2.5 – Indícios da prática de livre ornamentação
Podem-se apontar vários indícios da prática de livre ornamentação no Método de
Pianoforte, dentre eles a escolha da forma da aria da capo, as fermatas sobre pausas nos
finais de seções, as repetições integrais de compassos e os espaços vazios que podem
ser encontrados em algumas peças. Neumann224 identifica dois desses casos ao analisar
a livre ornamentação na obra instrumental de Mozart. Ele aponta o emprego de
pequenas cadências, chamadas por Mozart de eingang225, e a prática de deixar pequenos
espaços na melodia cuja identificação fica a cargo do intérprete226. A mesma prática em
relação às fermatas é citada por Francisco Manuel da Silva227 e Carl Ph. E. Bach228.
224 Op. cit. 1986. p. 179 e 264. 225 Ver Cap. I, p. 40 226 Neumann fala de “white spots”, trechos deixados inacabados para serem realizados pelo intérprete, “salpicados” por toda a música. 227 Ver Cap. I, p. 39 228 Ver Cap. I, p. 38-39.
Figura 58. ESCRITA ORNAMENTADA em b2. Lição 3 – II Parte. Andante Moderato
c. 25
2.5.1 – Forma de aria da capo
A forma de aria da capo é a mais abundante no Método. É encontrada nas Lições 7, 9 e
10 da Primeira Parte do Método, em todas as Lições da Segunda Parte e nas Fantezias 1
e 2.
José Maurício era grande improvisador ao teclado e ‘fantasiar’ (improvisar)
era o que se esperava na época de um habilidoso cravista ou pianista. A aria
da capo (A B A), com a repetição integral da primeira parte (A), era a forma
ideal para que o músico realizasse nessa reprise uma ornamentação.
Fantasiar, improvisar, nada mais é que ornamentar com criatividade e
conhecimentos harmônicos, uma estrutura musical. Assim, a segunda parte
do Método, toda escrita na forma da aria da capo, pode ser considerada uma
preparação para a ornamentação esperada nas Fantasias, e possivelmente
num estágio mais avançado, para a livre improvisação. 229
É interessante notar o uso de uma forma típica da música vocal numa obra voltada à
prática instrumental. José Maurício escreveu música eminentemente vocal e não se deve
estranhar o fato de, ao escolher as formas das peças do Método, ele privilegiar a da aria
da capo. Há relatos em que José Maurício aparece improvisando sobre música vocal
como o de Araújo Porto Alegre que narra o seguinte episódio, descrito a ele por
Neukomm230 e confirmado pelo cantor Fasciotti231:
‘Em uma d’aquellas reuniões que se faziam em casa do marquez de
Santo Amaro, fizemos prova de algumas musicas que me chegaram da
Europa. Todas as vezes que se tratava de cantar, cedia o piano ao
padre-mestre, porque melhor do que elle nunca vi acompanhar. Entre
varias phantasias, Fasciotti cantou uma barcarola que foi
freneticamente applaudida e repetida. José Maurício, que estava no
piano, como que para descansar, começou a variar sobre o motivo, e
com os nossos applausos a crescer e multiplicar em formosas
novidades.’ 232
229 FAGERLANDE, M. Op. cit. 1996. p. 88. 230 Ver pág. 43. 231 Gianfrancesco Fasciotti. Castrato napolitano que veio para o Brasil em 1817 a convite de D. João VI. 232 PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit., 1856. p. 365-366.
2.5.2 – Fermatas nas cadências
José Maurício utiliza o recurso da fermata nos finais das seções em grande parte das
peças do Método. Esse recurso permite ao intérprete a inclusão de uma pequena
passagem melódica entre as seções ou preparando o retorno à parte A Da Capo.
Na Lição 12 da II Parte encontramos o sinal da Fermata sobre o acorde da tônica do tom
relativo, sol m, no compasso 62, final da parte B, como mostra a Fig. 59, preparando o
retorno ao tom principal, sib M, em A.
Também se pode encontrar a fermata sobre uma pausa antes da repetição da parte A,
como é o caso da Lição 5 da I Parte, composta por uma única seção A, dividida em a1 e
a2, como na Fig. 60.
Figura 59. FERMATA NO FINAL DE SEÇÃO. Lição 12 – II Parte. Allegro Moderato
Figura 60. FERMATA SOBRE PAUSA. Lição 5 – I Parte. Moderato
2.5.3 – Repetições de compassos
José Maurício em algumas Lições repete compassos integralmente. Nesses casos
podem-se acrescentar embelezamentos na repetição. No exemplo da Fig. 61, a repetição
dos compassos é apresentada através da sinalização característica, compassos 32 e 33.
No exemplo a seguir, Fig. 62, a repetição vem escrita por extenso.
2.5.4 – Espaços vazios e estrutura simplificada
Em algumas peças podem ser identificados espaços vazios próprios para a prática da
livre ornamentação. José Maurício parece nesses casos ter deixado apenas a indicação
da harmonia a ser utilizada ou a amplitude melódica, simplificando a estrutura melódica
Figura 61. REPETIÇÃO DE COMPASSO. Lição 8 – I Parte.
Figura 62. REPETIÇÃO DE COMPASSO. Lição 10– I Parte.
e deixando a decisão final ao intérprete. É esse tipo de situação que Neumann descreve
em Mozart, como já foi visto neste capítulo233.
Na Fig. 63, encontra-se uma seção da Fantezia 4 em que apenas a harmonia é
apresentada, em estrutura bastante simplificada, sem desenvolvimento melódico. Após a
cadência harmônica no compasso 85, encontra-se um trecho com espaços vazios que
podem ser preenchidos pelo intérprete.
Na Lição 3 da II Parte, Fig. 64, encontramos no final da parte B, uma longa cadência
representada basicamente por acordes, onde há espaço para preenchimento melódico.
Ao final dessa seqüência ainda pode ser encontrada uma fermata sobre a pausa para
retorno à parte A.
233 Ver neste mesmo capítulo pág. 65, nota 226.
Figura 63. ESTRUTURA SIMPLIFICADA e ESPAÇOS VAZIOS. Fantezia 4. Moderato.
Na Lição 8 da II Parte encontramos um arpejo de Lá b Maior, dividido em três
compassos, na Cadência da seção B, onde apenas a amplitude melódica é indicada,
ficando clara a possibilidade de preenchimento melódico desses compassos, Figura 65.
Mais uma vez, ao final da cadência, é encontrada a fermata sobre pausa, o que
possibilitaria a inclusão de passagem melódica para o retorno a A.
A utilização de arpejos na melodia pode indicar a possibilidade de preenchimento
melódico ou inclusão de tiratas. Em todo o Método podem ser encontrados espaços para
a realização de ornamentação e improvisação, tanto pelas repetições de compassos ou
trechos melódicos quanto pelos espaços em branco deixados pelo autor, ficando a cargo
do intérprete a escolha de onde aplicá-las.
Figura 64. ESPAÇOS VAZIOS. Lição 3 – II Parte. Andante Moderato
Figura 65. ESPAÇOS VAZIOS. Lição 8 – II Parte. Allegro Moderato
III – ORNAMENTOS EXTRAÍDOS DA LITERATURA MAURICIANA
3. 1 – Critérios para a seleção dos ornamentos
Neste Capítulo será apresentada uma amostragem dos ornamentos utilizados por José
Maurício em sua obra. Para que essa amostragem seja o mais ampla possível foram
escolhidos dois critérios para a seleção dos exemplos: cronológico e de gênero, como
apresentado na Tabela 1. Dessa forma pretende-se que esta seleção possa refletir da
melhor maneira, nos exemplos escolhidos, a obra de José Maurício.
Tabela 1. Obras selecionadas de José Maurício.
1º período: Juventude (1783 a 1797) Data Título Catálogo Descrição 1783 Tota Pulchra es Maria Consertad.ª a
4 vos Com dois Violinos Viola e Basso Feita pelo Sr. Jozé Mauricio Nunis da gama (sic) No anno de 1783.
CPM 1 Antífona para coro a 4 vozes, solistas e orquestra de cordas. Há uma parte de flauta que possivelmente foi acrescentada mais tarde.
1789 Bradados de 6ª frª maior. “P.ª adoração da Cruz” Crux Fideles, Felle Potus; Popule meus; “P.ª quando se sepultar o Senhor” Sepulto domino
CPM 192234 Quarteto vocal a capella
1797 Vésperas de Nossa Senhora do Snr. P.e M.e J.e Mauricio Da Sé do Rio de Janeiro anno de 1797
CPM 178 e 16235
Para quarteto vocal, solistas, órgão (baixo cifrado), contrabaixo, trombão e fagote.
2º período: Mestre de Capela da Sé e Real (1798 a 1820) Data Título Catálogo Descrição 1799 Domine tu mihi antiphona para a
cerimônia do Lava pés a 4 vozes P.e M.e José M. Nunes Garcia.
CPM 198 Antífona para quarteto vocal a capela.
1803 Protophonia da opera Zemira composta em 1803 pelo Padre Jose Mauricio Nunes Garcia.
CPM 231 Abertura Zemira. Orquestra composta por 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas em sib, 2 fagotes, 2 trompas em miib, 2 trompetes em mib, Tímpanos em sib e mib, violinos I e II, violas, violoncelos e contrabaixos.
1808 Missa Para o dia 19 de outubro. Comp.ão do Padre José Mauricio No anno de 1808.
CPM 104 Missa de São Pedro de Alcântara. Coro a 4 vozes, solistas, órgão e contrabaixo.
1809 (?)
O Triunfo da América o Drama por D. Gastão; e a Muzica por J. M. N. G. em 180...
CPM 228 Coro a 4 vozes, soprano solo e orquestra composta por 2 flautas, 2 clarinetas, 2 trompas, 2 trompetes,violinos I e II, violas e baixos.
1811 Pastoril p.ª Noite de Natal Original do P.e Jose Mauricio em 1811.
CPM 108 Missa para coro a 4 vozes, solistas e orquestra composta por 2 clarinetas em sib, 2 fagotes, 2 trompas em fá, 2 trompetes em sib, tímpano, violas I e II, violoncelos I e II e órgão. A primeira versão é de 1808, para coro, solistas e acompanhamento de órgão.
234 Os Motetos que compõem os Bradados foram inicialmente catalogados separados com os registros CPM 205, CPM 222 e CPM 223, posteriormente unificados para CPM 192. 235 O Magnificat das Vésperas de Nossa Senhora vem catalogado separadamente, com o número 16.
3º período: Partida de D. João VI, últimas composições (1821 a 1826)
Data Título Catálogo Descrição 1821 Compendio de Musica e Methodo de
Pianoforte do Sn.r P.e M.e Joze Mauricio Nunes Garcia. Expressam.te escripto Para o D.r Jozé Mauricio e seu Irmão Apollinario em 1821
236
CPM 236 Ver nota 236
1826 Missa a grande orquestra Composta pelo P.e Jose Mauricio Nunes Garcia no ano de 1826.
CPM 113 Missa de Santa Cecília. Para coro a 4 vozes, solistas e orquestra composta por 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas em Sib, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes em Sib, 3 trombones, violinos I e II, violas I e II, violoncelos e contrabaixos.
Obras sem data Data Título Catálogo Descrição s. d. No momento da partida meu coração
te entreguei, modinha brazileira, com acompanhamento de piano, composta pelo insigne R. S. P. M. José Mauricio Nunes Garcia, preço 160.
CPM 238 Modinha impressa em 1837 por Pierre Laforge. Publicada em álbum com outros compositores. Solo com acompanhamento de piano.
s. d. Beijo a mão que me condena. Modinha. Composta por o R. S. P. M. José Mauricio Nunes Garcia.
CPM 226 Modinha impressa em 1840 por Pierre Laforge. Solo com acompanhamento de piano. O texto foi publicado como de autoria do Dr. Nunes Garcia em O Trovador, 1876.
No critério cronológico optou-se por obras que representassem suas primeiras
composições, obras de seu apogeu como compositor, incluindo as escritas para a Real
Capela e as obras do final de sua vida. Embora Béhague237 identifique dois períodos
distintos na vida de José Maurício – antes e depois da chegada da corte – , apontando
como linha divisória as modificações estilísticas em sua escrita após a chegada dos
músicos portugueses238, optou-se por uma divisão mais ampla, de acordo com fases de
sua vida e não de sua obra. No critério de gênero procurou-se abranger os estilos
musicais empregados em suas composições, tanto sacras – a capella, coral com
acompanhamento de baixo contínuo, coro com orquestra e solistas – quanto profanas –
coro com orquestra e solistas, música instrumental e modinhas.
Foram selecionadas obras editadas cujos originais pudessem ser consultados por
estarem disponíveis na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da 236 O Método de Pianoforte é o objeto de pesquisa desta Dissertação e figura nesta tabela com o objetivo de situar cronologicamente o Método na obra de José Maurício. 237 BÉHAGUE, Gerard. José Maurício Nunes Garcia. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004) 238 A mesma linha divisória é traçada por Cleofe Person de Mattos na Biografia. A autora aponta a Antífona In honorem beatissimae Maria Virginis, de 1807, como marco da transição entre a produção setecentista de José Maurício e a nova fase a se manifestar com a chegada de D. João VI em 1808. MATTOS, C. P. Op. cit. 1997 p. 56 - 57.
UFRJ239, editadas em fac-símile240 ou disponíveis para consulta on-line241. Infelizmente
nem todos os originais disponíveis para consulta são autógrafos. Como a ornamentação
pode provocar muitas dúvidas, principalmente ao ser submetida a copistas e editores, a
consulta aos originais é de extrema importância. Prova disso é o que pode ser
encontrado na edição organizada por Ricardo Bernardes das Obras Profanas de José
Maurício, Neukomm e Marcos Portugal para a FUNARTE242, única das edições
selecionadas que não possui originais no Brasil. Apesar da importância dessa edição
pela divulgação de obras que se encontram em bibliotecas portuguesas243, encontram-se
problemas de editoração na representação dos ornamentos na partitura de O Triunfo da
América. Na Fig. 66, encontram-se grupetos que não se encaixam nos intervalos entre
as notas. Os grupetos em questão parecem ter sido escritos como uma segunda voz
opcional e não como parte da melodia principal.
O mesmo problema pode ser encontrado na representação dos grupetos na Fig. 67, em
que eles aparecem como uma segunda voz, simultâneos às semicolcheias, no 2º tempo
do compasso 46. É evidente que o grupeto em questão deve ser executado entre a nota
si – colcheia – e as semicolcheias dó-ré.
239 Foram consultados na BAN os originais da Antífona Tota pulchra es Maria, Missa de Santa Cecília, Abertura Zemira e dos Motetos Crux Fidelis, Felle Potus e Popule Meus. 240 FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Padre José Maurício Nunes Garcia. Relume Dumará/Rio Arte. Rio de Janeiro, 1997. Edição em fac-símile. 241 No site www.acmerj.com.br. Todo o acervo do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro disponibilizado em fac-símile. 242 BERNARDES, Ricardo (org.). Música no Brasil Séculos XVIII e XIX Vol. III. Corte de D. João VI. Obras profanas de José Maurício Nunes Garcia, Sigsmund Ritter Von Neukomm, Marcos Portugal. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2002. 400 p. 243 Os manuscritos em questão encontram-se no Palácio ducal de Vila Viçosa, Portugal, pertencente à Fundação Casa de Bragança, arquivados sob a cota A.M./G-15.
Figura 66. GRUPETOS. O Triunfo da América. Aria - América
c. 23 �� �
Como pode ser visto nos dois exemplos apresentados, os grupetos aparecem como uma
segunda voz, introduzidos por pausas que não deveriam existir por não fazerem parte da
contagem de tempo do compasso. Não se encontra esse tipo de escrita em nenhum dos
manuscritos consultados, nem autógrafos nem de outros copistas, o que leva a acreditar
em incorreção da editoração. A representação das apogiaturas também pode ser
bastante confusa na edição citada. No exemplo da Fig. 68 encontram-se apogiaturas
representadas por pequenas semicolcheias sem corte, escritas simultâneas à nota real.
Figura 68. APOGIATURAS. O Triunfo da América. Coro final do drama.
��
c.8
Figura 67. GRUPETO. O Triunfo da América. Aria - América
��c. 45
Quanto às obras selecionadas nesta amostragem, foram encontrados os ornamentos
utilizados no Método – apogiatura, grupeto, trinado e escorregadela – além de
mordentes e tiratas. Seu emprego difere muito pouco do que se pode observar no
Método, havendo discordância apenas no uso das apogiaturas.
No primeiro período abordado, José Maurício é bastante econômico no emprego dos
ornamentos. Nessas obras de juventude podem ser encontrados basicamente
apogiaturas e trinados. Os trinados aparecem quase sempre em cadências e finais de
frases, enquanto as apogiaturas aparecem no decorrer do trecho musical, muitas vezes
deixando dúvidas quanto à sua execução ao virem, tanto curtas quanto longas,
indistintamente representadas por pequenas notinhas.
O segundo período abordado diz respeito a seus anos como mestre de capela,
inicialmente da Sé e posteriormente mestre da Real Capela. São suas obras de maior
importância, principalmente as escritas após a chegada da corte. Esse fato lhe
possibilitou o contato com obras mais atuais, ricas em ornamentos e lhe permitiu
escrever para cantores e músicos portugueses, mais bem preparados que os da colônia.
Nessas obras encontram-se muitos exemplos dos ornamentos estudados confirmando-se
ainda a predileção de José Maurício pelo uso de apogiaturas e grupetos.
No terceiro período estão incluídos sua última obra, a Missa de Santa Cecília e o
Método de Pianoforte, objeto de estudo desta dissertação. Ainda foram selecionadas
duas modinhas, sem data, como exemplares de um gênero que, seguramente, fez parte
da vida de José Maurício, principalmente na juventude.244 Nessas obras podemos
encontrar uma espécie de síntese da obra do Padre Mestre, figurando nelas muitos dos
elementos musicais desenvolvidos durante toda sua vida.
3. 2 – Apogiaturas
As apogiaturas são os ornamentos mais encontrados em toda a obra de José Maurício,
tanto as longas quanto as curtas. No Método há uma clara separação entre os dois tipos,
244 MATTOS, C. P. Op. cit. 1970. p. 323
sendo as apogiaturas longas escritas como notas da melodia e as apogiaturas curtas
representadas por pequenas notinhas – sempre colcheias cortadas – colocadas ao lado
esquerdo da nota principal. Entretanto, nas obras selecionadas essa diferenciação não é
tão clara, podendo haver apogiaturas longas representadas por pequenas notinhas, assim
como apogiaturas curtas representadas por colcheias com ou sem corte. Cooper245
afirma que em fins do Século XVIII alguns autores utilizavam a colcheia cortada como
uma alternativa para a notação da semicolcheia, tanto nos ornamentos quanto em notas
da melodia246. Segundo o autor, encontram-se essas variáveis em Mozart e Haydn. No
Compêndio, ao representar os “apojos”, José Maurício escreve uma pequena colcheia –
sem corte – ao lado de uma semínima . Para autores como C. P. E. Bach,247 essa
seria a representação de uma apogiatura longa, com a notinha representada em seu
valor real. Apesar do exemplo do Compêndio, José Maurício nunca utiliza essa
representação no Método. Essa falta de critério na representação da apogiatura é, tanto
na literatura quanto em tratados, ainda comum aos autores da época, dificultando a
compreensão e a interpretação de trechos em que seu uso – longa ou curta – é ambíguo.
Brown248 cita essa confusão na representação das apogiaturas como um sério problema
para se interpretar músicas escritas até final do século XVIII, especialmente de autores
italianos.
Como já foi dito, nas obras de juventude de José Maurício, a apogiatura é o ornamento
predominante. No Salmo Dixit Dominus, das Vésperas de Nossa Senhora,249 Fig. 69,
pode ser encontrado um exemplo de apogiatura longa que vem escrita com seu valor
real, em parte fraca do compasso.
245 Beethoven’s appoggiaturas: long or short? In: Early Music. Maio de 2003. p. 165 -178. 246 Nos manuscritos da Missa de Santa Cecília arquivados na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ na pasta JMNG 113(a), são encontrados exemplos desse tipo de escrita. As semicolcheias e fusas são escritas como colcheias com um ou dois cortes: 247 Op. cit. 1996. 248 Ornaments. 9. Late 18th century and 19th. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com 249 Vésperas de Nossa Senhora do Snr. P.e M.e J.e Mauricio Da Sé do Rio de Janeiro anno de 1797 (CPM 178 e 16). Estudo e Transcrição de Cláudio A. Esteves In: Real Capela do Rio de Janeiro 1808-1821. Música no Brasil. Séculos XVIII e XIX. Vol. II. Obras sacras de José Maurício Nunes Garcia, Sigsmund Ritter Von Neukomm, Marcos Portugal. Organização e edição Ricardo Bernardes. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2002. p. 11-41.
É interessante observar que em todos os Salmos das Vésperas de Nossa Senhora só são
encontradas apogiaturas longas, sempre escritas como parte da melodia, da mesma
forma que as encontradas no Método.
Na modinha Beijo a mão que me condena250, Fig. 70, também podem ser encontrados
exemplos de apogiaturas longas escritas como parte do texto musical, nesse caso no
tempo forte do compasso.
Na Missa de Santa Cecília251 as apogiaturas longas podem aparecem como notas da
melodia, tanto superiores quanto inferiores, como no exemplo da Fig. 71.
250 Beijo a mão que me condena. Modinha. Composta por o R. S. P. M. José Mauricio Nunes Garcia. CPM 226. Impressa em 1840 por Pierre Laforge. 251 GARCIA, José Maurício Nunes. Missa de Santa Cecília. (Pesquisa e texto Cleofe Person de Mattos). Rio de Janeiro: FUNARTE, 1984.
Figura 70. APOGIATURAS longas. Beijo a mão que me condena. Modinha
Figura 69. APOGIATURA longa. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178). 1º Salmo. Dixit Dominus.
Há apogiaturas longas representadas por pequenas notinhas – colcheias sem cortes – na
parte de contralto do Moteto Domine tu mihi lavas pedes.252 Nesse caso, a execução fica
explicitada pela parte de soprano, escrita por extenso, Fig. 72.
Na Antífona Tota pulchra es Maria,253 considerada a primeira obra de José Maurício,
são encontradas apogiaturas longas, Fig. 73, representadas por pequenas colcheias.
Nesse caso sugere-se que na execução elas valham ¼ do tempo.
252 GARCIA, J. M. N. Moteto Domine tu mihi lavas pedes. In: Obras Corais. (org. Cleofe Person de Mattos). Rio de Janeiro: Associação de Canto Coral, 1976. 253 GARCIA, José Maurício Nunes. Tota Pulchra es Maria – 1783. (Pesquisa e texto Cleofe Person de Mattos). FUNARTE / Instituto Nacional de Música / Projeto Memória Musical Brasileira, Rio de Janeiro, 1983.
Figura 73. APOGIATURAS longas. Tota pulchra es Maria. Violino I
Figura 71. APOGIATURAS longas. Gloria. Missa de Santa Cecília
Figura 72. APOGIATURAS longas. Moteto Domine, tu mihi lavas pedes. Soprano
Essa variação no valor da apogiatura longa é prevista por Carl Phillip254. Em seu
tratado ela chama essas apogiaturas de variáveis mas, para evitar problemas em sua
interpretação, indica-as sempre por pequenas figuras em seu valor real. No caso de José
Maurício, outros fatores, como caráter e andamento, têm que ser analisados para a
escolha do valor a ser dado à apogiatura longa.
Encontram-se nas obras selecionadas apogiaturas curtas tanto representadas por
pequenas colcheias cortadas quanto por semicolcheias com ou sem corte. Apesar das
diferentes formas de representação essas apogiaturas têm a mesma forma de execução,
sendo tocadas bem rápidas, ligadas à nota principal, tirando delas o mínimo valor. Na
introdução do Gloria da Missa Pastoril255, Fig. 74, encontram-se apogiaturas superiores
representadas por pequenas colcheias cortadas colocadas ao lado esquerdo da nota
principal.
O mesmo desenho256 pode ser encontrado no Gloria da Missa de Santa Cecília257, Fig.
75, segundo os manuscritos que se encontram na Biblioteca Alberto Nepomuceno da
Escola de Música da UFRJ258. Na edição realizada por Cleofe Person de Mattos para a
FUNARTE, as apogiaturas curtas dessa mesma passagem são representadas como
semicolcheias cortadas. Nessa edição da Missa de Santa Cecília, podem ser encontradas
254 BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996. p. 49. 255 GARCIA, José Maurício Nunes. Missa Pastoril. (Pesquisa e texto Cleofe Person de Mattos). Rio de Janeiro: FUNARTE, 1982. 256 Esse tipo de figuração também pode ser encontrado na Fantezia 4 do Método de Pianoforte. 257 GARCIA, J. M. N. Op. cit. 1984. 258 Arquivados com o número: 006-05-000082-7
Figura 74. APOGIATURAS curtas superiores. Gloria. Missa Pastoril.
apogiaturas curtas representadas tanto por pequenas colcheias como por semicolcheias
cortadas. 259
Apesar da evidente preferência de José Maurício pelo uso das apogiaturas em toda sua
obra, em muitas peças há discordância quanto à sua resolução quando representadas por
pequenas notinhas. Na modinha No momento da partida meu coração t’entreguei260,
Fig. 76, há um caso em que apogiaturas, aparentemente com a mesma execução, são
representadas de formas diferentes: pequenas semicolcheias com (compasso 7) e sem
corte (compasso 4). Pode-se especular que, em muitos casos, um copista descuidado
seja o causador de representação tão confusa dessas apogiaturas. Poderia-se também
argumentar que, devido aos valores diferentes das notas principais, o copista tenha
optado por representar as apogiaturas das duas maneiras para diferenciar o tempo de
execução de cada uma delas, sendo a do compasso 7 mais rápida que a do compasso 4.
Assim, como sabemos que não havia este tipo de preciosismo na escrita dessa música, o
mais provável seria mesmo um descuido por parte do copista.
259 É importante ressaltar que a edição de Cleofe Person de Mattos foi feita a partir de originais arquivados no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, doados pelo Dr. Nunes Garcia, filho do compositor. Na Biblioteca Alberto Nepomuceno encontram-se diversas cópias das partes avulsas instrumentais. A única discordância encontrada nas partes consultadas em relação à edição se dá na representação das apogiaturas. 260 No momento da partida meu coração te entreguei, modinha brazileira, com acompanhamento de piano, composta pelo insigne R. S. P. M. José Mauricio Nunes Garcia, preço 160. CPM 238. Impressas em 1837 por Pierre Laforge.
Figura 75. APOGIATURAS curtas superiores. Gloria. Missa de Santa Cecília
Há um caso interessante, no qual observa-se inicialmente um cuidado extremo na
representação das apogiaturas, como na Fig. 77, Missa de São Pedro de Alcântara de
1808261, em que José Maurício, para diferenciar os dois tipos de apogiatura representa
as longas como notas da melodia (1) e as curtas como pequenas colcheias cortadas (2).
Há ainda uma apogiatura curta ornamentando uma apogiatura longa (3). Esse caso é
previsto por Carl Philipp em seu Ensaio262. Segundo ele, uma apogiatura descendente
escrita como nota da melodia pode vir precedida de outra apogiatura, curta ou longa.
261 Missa de São Pedro de Alcântara – 1808. In: Música no Brasil Séculos XVIII e XIX Vol. II. Real Capela do Rio de Janeiro 1808-1821. Obras sacras de José Maurício Nunes Garcia, Sigsmund Ritter Von Neukomm, Marcos Portugal. (Org. Ricardo Bernardes) Rio de Janeiro: FUNARTE, 2002. 262 BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996. p. 57, § 23.
Figura 76. APOGIATURAS curtas com e sem corte. No momento da partida. Modinha
Apesar de toda essa precisão encontra-se mais adiante, na mesma obra, um trecho com
exemplos de apogiaturas longas escritas como pequenas colcheias cortadas. Essa seria a
representação usual das apogiaturas curtas, mas no exemplo em questão, Fig. 78,
sugere-se sua execução como apogiaturas longas, devido ao andamento e ao caráter da
peça, constatando-se, mais uma vez a ausência de critério claros na representação das
apogiaturas.
Em Popule Meus263, José Maurício utiliza várias formas de representação das
apogiaturas. No compasso 4, soprano, Fig. 79, encontra-se uma apogiatura longa
representada por uma pequena colcheia cortada. Apesar dessa ser a representação usual
das apogiaturas curtas, devido ao caráter da peça, sugere-se sua execução como
263 GARCIA, José Maurício Nunes. Popule meus. In: Obras Corais. (Pesquisa e texto Cleofe Person de Mattos). Rio de Janeiro: Associação de Canto Coral, 1976.
Figura 78. APOGIATURAS longas. Laudamus – Missa de São Pedro de Alcântara – 1808.
Andante sostenuto
Figura 77. APOGIATURAS longas e curtas. Gloria. Missa de São Pedro de Alcântara – 1808.
apogiatura longa, nesse caso com o valor real de uma semínima, retirando ¼ do valor
da nota real.
Em outro trecho da edição do mesmo Moteto, Fig. 80, encontram-se apogiaturas longas
representadas de duas formas: por pequenas colcheias sem corte (1) e escritas como
parte da melodia (2). Nesse caso, a execução dessas apogiaturas com o valor real de
uma semínima pode ser confirmada no compasso 16 (3)264, na repetição da mesma
sílaba. Na análise dos originais do Moteto265, foram encontradas diferenças nesse
trecho. No manuscrito, as apogiaturas dos compassos 11 e 14 (1) são colcheias
cortadas, o mesmo ocorrendo com a do compasso 12 (2). Além do mais, no manuscrito
não aparece apogiatura no compasso 13 e sim no compasso 19.
Além das diferenças citadas outras ainda podem ser encontradas em Popule Meus.
Independentemente das escolhas feitas por Mattos, a aplicação das apogiaturas no
manuscrito não segue um padrão, ocorrendo apogiaturas longas representadas tanto por
colcheias cortadas quanto por colcheias sem corte.
264 Nesse caso trata-se de nota da harmonia. 265 Os originais encontram-se na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, arquivadas com o código 006-05-000179-0. CPM 222
Figura 80. APOGIATURAS longas. Popule Meus. Soprano
Figura 79. APOGIATURA longa representada como curta. Popule Meus. Soprano
Em Crux Fidelis266 as apogiaturas são sempre representadas por pequenas colcheias
cortadas, Fig. 81. Apesar dessa ser a representação usual das apogiaturas curtas, o
caráter dramático da peça pode sugerir uma execução dessas apogiaturas como longas,
podendo ser executadas com o valor de semínimas, seguindo o padrão rítmico da
melodia dos compassos 2 e 6.
Nos compassos 27 e 28 da mesma obra, Fig. 82, aparecem as mesmas apogiaturas e
sugere-se que sejam executadas como nos compassos 31 e 32, seguindo-se o padrão
rítmico do texto.
Além das situações descritas anteriormente, foram encontrados ornamentos com o
mesmo tipo de representação das apogiaturas curtas, mas separados da nota principal
por intervalos maiores que a segunda. Enquanto Carl Phillip identifica esses ornamentos
como apogiaturas, outros autores podem chamá-los de portamentos267. Um desses
casos é encontrado no solo de tenor Benedictus, do Sanctus da Missa Pastoril, Fig. 83.
266 GARCIA, José Maurício Nunes. Crux Fidelis. In: Obras Corais. (Pesquisa e texto Cleofe Person de Mattos). Rio de Janeiro: Associação de Canto Coral, 1976. 267 José Maurício, no Compêndio, ao descrever os portamentos dá um exemplo de grupeto.
Figura 81. APOGIATURAS. Crux Fidelis. Soprano
Figura 82. APOGIATURAS. Crux Fidelis. Soprano
Um caso semelhante pode ser encontrado na Missa de Santa Cecília, Fig. 84.
A partir dos exemplos expostos, constata-se que, apesar das apogiaturas serem os
ornamentos mais utilizados por José Maurício em toda sua obra, e da forma coerente
com que é aplicada no Método, não existem critérios claros para sua utilização, ficando
sua interpretação dependendo muito mais do contexto que da notação.
3. 3 – Trinados.
Os trinados podem ocorrer de diversas formas na obra de José Maurício. Assim como
em outros autores luso-brasileiros seus trinados não vêm com indicação de execução.
Em alguns casos pode-se indicar seu emprego iniciando-se com a nota superior e em
Figura 83. APOGIATURAS inferiores por graus disjuntos. Benedictus. Sanctus – Missa Pastoril.
Figura 84. APOGIATURAS por graus disjuntos. Qui Tollis. GLORIA – Missa de Santa Cecília. Tenor Solo
outros com a nota real. Na obra coral de José Maurício os trinados aparecem, na
maioria das vezes, em finais de frases ou cadências, como no exemplo da Fig. 85.
Também podem aparecer no baixo, como no Laudate Pueri, das Vésperas de Nossa
Senhora, Fig. 86.
Figura 85. TRINADOS. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178). 1º Salmo. Dixit Dominus.
Figura 86. TRINADO. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178). IIº Salmo. Laudate Pueri.
Um exemplo bastante peculiar é encontrado na Missa de São Pedro de Alcântara de
1808. No duo soprano e tenor, Laudamus, a cadência final tem trinados nas duas vozes,
mas apenas o tenor vem com indicação de execução com a nota superior. Conclui-se
que o mesmo deve ser feito pela soprano, Fig. 87. Esse exemplo pode indicar, para esta
e para outras obras, a prática de se executar os trinados nas cadências iniciando-se com
a nota superior.
Como também pode ser observado no Método, não há como determinar se os trinados
de José Maurício iniciam-se com a nota real ou com a nota superior. Em alguns casos
pode-se sugerir a execução, como no exemplo da Fig. 88: uma seqüência de trinados
com terminação que, por ser cadencial, pode ser executada iniciando-se com a nota
superior.
Figura 87. TRINADO com preparação. Laudamus. Missa de São Pedro de Alcântara - 1808
Figura 88. TRINADOS com terminação. Qui tollis. GLORIA – Missa de Santa Cecília. Tenor solo.
No Quoniam da mesma Missa, solo de baixo, encontra-se uma seqüência de trinados
que se pode sugerir uma execução iniciando-se com a nota real para não interromper a
seqüência melódica. No exemplo da Fig. 89, compasso 51, iniciando-se com a nota real
mantém-se o desenho melódico, como no caso semelhante exposto no Capítulo II268.
Em O Triunfo da América encontra-se na parte das flautas do Coro que Se Ha de
Cantar Dentro um exemplo de trinado longo, Fig. 90, executado sobre uma nota pedal.
Apesar de não haver nenhuma indicação de sua execução, sugere-se começá-lo com a
nota real, evitando a dissonância, para que se possa manter a idéia do pedal.
Uma outra forma de representação do trinado é encontrada na Abertura Zemira,269 Fig.
91. Nesse caso o trinado vem escrito por extenso na partitura.
268 Página 60, Figura 49. 269 GARCIA, José Maurício Nunes. Zemira. In: Aberturas. (Pesquisa e texto: Cleofe Person de Mattos). Rio de Janeiro: Funarte / INN / Pro-Memus, 1982.
Figura 89. TRINADOS. Quoniam. GLORIA – Missa de Santa Cecília. Baixo solo
Figura 90. TRINADO longo. Flautas. O Triunfo da América – Coro que se ha de cantar dentro
Figura 91. TRINADO. Abertura Zemira
Também na Abertura Zemira é encontrado um trinado bastante curto, Fig. 92, que pode
ser interpretado como um mordente superior devido ao pouco valor da nota sobre o qual
está colocado. Esse caso pode explicar a ausência de mordentes, ornamentos tão
utilizados por outros autores, na obra de José Maurício270. Carl Phillip afirma em seu
Ensaio271 que apenas os tecladistas conhecem e empregam corretamente o sinal do
mordente, enquanto que outros músicos costumam indicá-los como trinados,
“arruinando” o trecho a ser tocado. Como José Maurício escreveu música
eminentemente vocal, pode-se argumentar que ele, de fato, não tinha familiaridade com
o sinal do mordente, ou que não tinha o hábito de empregá-lo em sua música vocal.
Na Missa de Santa Cecília, na parte de soprano do Gloria, há um outro exemplo de
trinado, Fig. 93, que pode ser identificado como mordente. Nesse caso a seqüência
melódica sugere uma rápida execução iniciando-se com a nota real.
Pode-se concluir que os trinados são utilizados na obra de José Maurício principalmente
em Cadências e que, em muitos casos, podem ser identificados como mordentes. Assim
como as apogiaturas, seu uso e interpretação vão depender muito mais do contexto em
que ocorrem do que de sua representação escrita.
270 Ver item 3.5 deste capítulo, página 93. 271 BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996. Pág. 45
Figura 92. TRINADO curto. Abertura Zemira
Figura 93. TRINADO. Gloria – Missa de Santa Cecília
3. 4 – Grupetos.
Os grupetos são, ao lado das apogiaturas, os ornamentos mais freqüentes na obra de
José Maurício. Seu emprego não difere muito do utilizado no Método, apenas havendo
mais variações. Nas obras selecionadas para amostragem também não foram
encontrados representados por símbolos, mas sempre como pequenas notinhas ou por
extenso, como na modinha Beijo a mão que me condena. Nos exemplos a seguir
encontram-se grupetos conectivos, superiores e inferiores, tanto escritos como pequenas
notinhas, Fig. 94, como escritos como parte do texto musical, Fig. 95.
Em O Triunfo da América também podem ser encontrados grupetos como parte da
melodia, Fig. 96, escritos com diferentes valores, ocupando tempo (compasso 15) ou
parte de tempo (compasso 14).
Figura 94. GRUPETO superior conectivo. Beijo a mão que me condena. Modinha
Figura 95. GRUPETO inferior conectivo. Beijo a mão que me condena. Modinha.
No Kyrie da Missa Pastoril, Fig. 97, são encontrados grupetos conectivos na parte coral
em uníssono do Christe eleison.
Os grupetos intensificadores podem ser encontrados em passagens como a apresentada
na Fig. 98, exemplo da parte de 1º violino do Domine Deus da Missa de Santa Cecília.
Alguns grupetos podem ocorrer com pequenas variações ou combinados com outros
ornamentos. Na Missa de Santa Cecília encontra-se um grupeto combinado com arpejo,
Figura 99.
Figura 97. GRUPETO superior conectivo. KYRIE. Missa Pastoril. Coro em uníssono.
Figura 96. GRUPETOS. O Triunfo da América – Ária.
Figura 98. GRUPETO superior intensificador. Domine Deus. GLORIA – Missa de Santa Cecília.
Também na Missa de Santa Cecília podem ser encontrados grupetos combinados com
escorregadelas, Fig. 100.
Há ainda na mesma obra um grupeto composto por cinco notas, Fig. 101. A Missa de
Santa Cecília é a única obra desta amostragem em que ocorre esse tipo de grupeto.
O grupeto é ornamento muito freqüente na obra de José Maurício e, ao contrário do que
ocorre com apogiaturas e trinados, não há dificuldade em sua execução, tanto dos
intensificadores quando dos conectivos.
3. 5 – Mordentes.
Como já foi visto, são poucos os exemplos de mordentes na obra de José Maurício e não
se pode encontrá-los em nenhuma das peças do Método. Em algumas obras os
mordentes podem aparecer como trinados curtos, como no exemplo da Abertura
Figura 100. GRUPETO combinado com escorregadela. Domine Deus. Missa de Santa Cecília.
Figura 99. GRUPETO combinado com arpejo. Laudamus – Missa de Santa Cecília.
Figura 101. GRUPETO. Gratias. Missa de Santa Cecília.
�
��
Zemira, Fig. 92272 ou no soprano do Gloria da Missa de Santa Cecília, Fig. 93273,
representados pelo símbolo tr 274. Na modinha No momento da partida meu coração
t’entreguei, Fig. 102, compasso 6, encontra-se o único exemplo de mordente desta
amostragem, um mordente superior, representado por pequenas notinhas e não por seu
símbolo usual .
A questão sobre o uso do mordente também pode ser ilustrada por duas cartas escritas
por Haydn275 a seu editor em Viena, em que reclama do mau hábito de se substituir o
símbolo do mordente pelo do trinado.
3. 6 – Escorregadelas.
As escorregadelas encontram-se, invariavelmente, em movimento descendente, tanto
no Método quanto nas obras de José Maurício selecionadas, como pode ser visto no
exemplo da Fig. 103, Laudamus, duo de soprano e tenor da Missa de São Pedro de
Alcântara de 1808.
272 Pág. 90 273 Pág. 90 274 Ver item 3.3. Trinado. p. 86 275 DANNREUTER, E. Op. cit. [s.d.] p. 91.
Figura 102. MORDENTE. No momento da partida. Modinha
Na Missa de Santa Cecília encontra-se um trecho em que as escorregadelas aparecem
por extenso, como parte da melodia, Fig. 104.
3. 7 – Tiratas.
As tiratas são citadas no Compêndio como acentos e não há nenhum exemplo delas no
Método, embora se possa indicar passagens em que é possível utilizá-las276. Há
exemplos de tiratas escritas como parte do texto musical em diversas obras de José
Maurício. Na parte do 1º violino do Kyrie da Missa de Santa Cecília encontramos uma
tirata descendente escrita como parte da melodia, no compasso 38, Fig. 105.
276 Ver Capítulo II, Item 2.3.3 – Acentos. Pág. 59.
Figura 103. ESCORREGADELA. Laudamus – Missa de São Pedro de Alcântara – 1808.
Figura 104. ESCORREGADELA. Missa de Santa Cecília.
Figura 105. TIRATA descendente. Kyrie. Missa de Santa Cecília.
Também na Missa de Santa Cecília pode ser encontrada uma tirata escrita como
pequenas notinhas que não fazem parte da divisão dos tempos do compasso, Fig. 106.
Nesse caso a tirata vem combinada com trinado, funcionando como terminação.
No Gloria da Missa Pastoril pode ser encontrado ainda um exemplo de tirata
ascendente na parte de clarineta I do Cum sancto spiritu, Fig. 107.
3. 8 – Arpejos.277
Os arpejos são largamente utilizados na obra de José Maurício como parte da melodia e
nos acompanhamentos instrumentais. No Método, além desta forma de utilização ainda
podemos encontrar os acordes arpejados. Na Missa de Santa Cecília encontra-se um
exemplo de arpejo intencionalmente utilizado como ornamento, na parte de oboé I do
Laudamus, compasso 51, Fig. 108. Nesse exemplo o arpejo é representado por
pequenas notinhas que não fazem parte do valor do compasso.
277 Optou-se em exemplificar nesse item apenas os arpejos utilizados como ornamento, representados por notas pequenas colocadas ao lado da principal, deixando de lado os utilizados como parte da melodia ou do acompanhamento instrumental.
Figura 106. TIRATA descendente. Gloria. Missa de Santa Cecília.
Figura 107. TIRATA ascendente. Gloria. Missa Pastoril. Cum sancto spiritu.
Um outro exemplo de arpejo utilizado como ornamento foi apresentado na Fig. 99278,
combinado com grupeto.
3. 9 – Indicações de livre ornamentação
Como já foi visto no Capítulo II, há, nas peças do Método diversas indicações de livre
ornamentação como a forma das peças ou a repetição integral de seções ou compassos.
A utilização das fermatas, principalmente nas cadências ou mudanças de seção são um
dos indícios mais freqüentes. As fermatas são encontradas no restante da obra de José
Maurício muitas vezes significando simples suspensão de um acorde ou grande pausa
entre duas sessões de uma peça. Em alguns casos pode-se encontrar a fermata como
indicação de cadência, em situações semelhantes às encontradas no Método, sugerindo o
acréscimo de pequena passagem ornamental, como no solo de Baixo do Quoniam da
Missa de Santa Cecília, Fig. 109, onde pode ser encontrada uma fermata, acompanhada
da palavra Cadenza, indicando livre ornamentação por parte do solista.
278 Pág. 93
Figura 109. CADENZA. Quonian – Missa de Santa Cecília.
Figura 108. ARPEJO descendente. Laudamus – Missa de Santa Cecília. Oboé solo.
Na Antífona Tota Pulchra es Maria pode-se encontrar, no final do solo de soprano, uma
fermata, Fig. 110, indicando possivelmente uma cadência. Apesar de não haver
nenhuma palavra indicando-a diretamente, os instrumentos acompanhadores apresentam
pausas com fermatas, claramente para possibilitar à solista a liberdade de acrescentar a
cadência.
3. 10 – Exemplos de ornamentação.
Após a chegada da Família Real, a obra de José Maurício passa por uma grande
mudança, influenciada pela chegada de músicos portugueses que possibilitaram peças
mais elaboradas tecnicamente e também pelo gosto da corte por obras em estilo
italiano.279 Algumas de suas peças apresentam, então, bastante ornamentação, com a
combinação de vários ornamentos diferentes, como o exemplo da Fig. 111, parte de
clarineta do Kyrie da Missa Pastoril. No trecho apresentado podemos identificar
apogiaturas longas superiores (1), tanto em tempo forte quanto em tempo fraco do
compasso, apogiaturas longas inferiores (2) em parte fraca do tempo, tiratas
ascendentes (3), tiratas descendentes (4), grupetos superiores conectivos (5), além de
279 Suas obras deixam de lado o caráter mais sóbrio e passam a ser influenciadas pelos autores de Ópera italiana, principalmente Rossini.
Figura 110. FERMATA. Tota Pulchra es Maria – soprano.
um breve variação melódica (6), que faz uma compressão dos compassos 3 e 4 na
repetição do tema (compasso 17)
Ainda na Missa Pastoril pode ser encontrado um outro exemplo de ornamentação no
solo de soprano Laudamus do Gloria. Nesse exemplo, Fig. 112, podemos identificar
grupetos conectivos (1), apogiaturas longas superiores (2), apogiaturas curtas
superiores (3), apogiaturas curtas inferiores (4), escorregadela descendente (5), tiratas
(6) e trinado (7).
Figura 111. ORNAMENTAÇÃO. Kyrie. Missa Pastoril. Clarineta em Sib 1
No compasso assinalado com o (*), há, no terceiro tempo, pausa e fermata em todos os
instrumentos da orquestra, o que sugere a possibilidade de livre ornamentação por parte
da solista, como destacado na Fig. 113.
Figura 112. ORNAMENTAÇÃO. Laudamus. Missa Pastoril. Soprano solo
Na Missa de Santa Cecília podem ser encontrados muitos exemplos de ornamentação da
parte vocal, como na Figura 114, Qui Tollis, solo de tenor. No exemplo encontramos
grupetos conectivos (1), arpejo (2), apogiaturas longas superiores (3), apogiatura curta
superior (4) e escorregadela (5).
Figura 113. ORNAMENTAÇÃO – FERMATA. Laudamus. Missa Pastoril. Soprano solo
Como pode ser visto neste Capítulo, os ornamentos aqui estudados acompanham a
trajetória de José Maurício. Se for traçado um paralelo com as fases de sua vida
selecionadas para esta amostragem, será visto que, em suas primeiras obras há
predominância de apogiaturas e trinados, enquanto que, a partir de sua nomeação a
mestre de capela da Sé, a utilização dos outros ornamentos se torna mais freqüente.
Após a chegada da corte portuguesa e o contato com obras de autores mais atuais e a
possibilidade de escrever para músicos e cantores mais bem preparados, o uso de
ornamentos em sua obra cresce expressivamente. Contribui para isso o gosto da nobreza
portuguesa pelo estilo operístico italiano. Sua obra então passa a apresentar melodias
ricamente ornamentadas280, como os exemplos apresentados no item 3.10.
280 Para muitos, como Mattos, “excessivamente ornamentadas”
Figura 114. ORNAMENTAÇÃO. Qui Tollis. GLORIA – Missa de Santa Cecília. Tenor Solo
IV – PROPOSTAS DE ORNAMENTAÇÃO
4.1 – Critérios para a escolha das peças.
Neste Capítulo serão apresentadas algumas propostas para a utilização de livre
ornamentação em peças do Método de Pianoforte. Para isso foram selecionadas duas
peças que, assim com várias outras do Método, pela forma ou por características de sua
construção melódica possibilitam o acréscimo de elementos melódicos e ornamentais.
Procurou-se, ao propor a ornamentação, utilizar os ornamentos encontrados na obra de
José Maurício e realizar as variações melódicas de acordo com as propostas dos tratados
estudados. É importante ressaltar que as soluções aqui apresentadas são uma espécie de
“congelamento” de uma prática viva, de soluções que deveriam ser apresentadas no
momento da execução. Também é importante chamar atenção para o fato de que, por
serem peças muito simples, tanto na forma quanto na escolha harmônica e construção
melódica, as Lições e Fantasias comportam várias formas de ornamentação, ficando
aqui registradas apenas algumas sugestões.
A forma escolhida para a apresentação desse capítulo foi a de mostrar passo a passo o
processo de ornamentação. Primeiramente, a peça escolhida e seu esquema formal. Em
seguida, cada uma das partes, com análise harmônica281 e as sugestões de
ornamentação. Por fim, a peça ornamentada por extenso.
4.2 – Lição 10 – I Parte.
A primeira peça escolhida foi a Lição 10 da I Parte do Método de Pianoforte, Fig. 115.
Sua forma ternária (aria da capo) em conjunto com as repetições de seções, repetições
de melodias e espaços em branco tornam-na ideal para a prática da livre ornamentação.
281 Segue-se aqui o modelo de representação utilizado por Shoenberg. SHOENBERG, Arnold. Harmonia. Prefácio, tradução e notas de Marden Maluf. São Paulo: Editora UNESP, 2001. 579 p.
Figura 115. Lição 10 – I Parte. Allegretto – Método de Pianoforte
Na Fig. 116 é apresentado seu esquema formal, segundo análise realizada por
Fagerlande282:
A seção A – a1, Fig. 117, apresenta melodia bastante simples, caracterizada
principalmente pelas notas repetidas. Os únicos ornamentos encontrados são os
grupetos conectivos nos compassos 2 e 6. A harmonia também é simples, utilizando
acordes de 3 sons na tonalidade de Dó Maior, com duas dominantes secundárias, de Lá
menor e Sol Maior, terminando com uma cadência sobre o V grau.
Na Fig. 118 é apresentada uma proposta de ornamentação para a seção A – a1. A
melodia é variada utilizando-se nas notas repetidas os circulos (1) citados por Leopold
Mozart283 ou como aparecem na própria Lição na seção A – a2 . Também se pode
282 Op cit., 1996 p. 40 283 “Gründliche Violinschule”, 1756 (1770 – 2ª edição). Ver Capítulo II, p. 63.
Figura 117. Lição 10 – I Parte. Seção A – a1.
Figura 116. Lição 10 – I Parte. Allegretto. Esquema formal.
acrescentar uma tirata (2) no compasso 7 e uma apogiatura longa superior (3) na
cadência do compasso 8.
Uma outra possibilidade de ornamentação é apresentada na Fig. 119, onde são
acrescentados grupetos intensificadores (1) e escorregadelas (2) nas notas repetidas,
uma tirata (3) no compasso 7 e uma apogiatura curta superior (4) na cadência do
compasso 8.
Figura 118. Lição 10 – I Parte. Seção A – a1. Variação I
Figura 119. Lição 10 – I Parte. Seção A – a1. Variação II
A seção A – a2 tem uma melodia em que já são utilizados os círculos ao invés de notas
repetidas, como pode ser visto na Fig. 120. Seu esquema harmônico é ainda mais
simples que o da seção A – a1, oscilando basicamente entre I e V graus.
Pode-se variar o trecho acima acrescentando círculos (1)284, preenchendo os intervalos
de terça (2) e inserindo uma tirata (3), Figura 121.
284 Optou-se por denominá-los círculos e não grupetos, por terem sido colocados como preenchimento de espaço entre notas e não como ornamentos aplicados à uma única nota.
Figura 121. Lição 10 – I Parte. Seção A – a2. Variação I
Figura 120. Lição 10 – I Parte. Seção A – a2.
Uma outra possibilidade de ornamentação para esse trecho, Fig. 122, é uma pequena
modificação na melodia preenchendo os intervalos de terças (1) e repetindo algumas
notas (2), modificando o ritmo em tercinas. Também se pode incluir o circulo (3).
Esse tipo de escrita em tercinas é encontrada na Lição 11 – II parte do Método, como no
exemplo da Fig. 123.
A seção B da Lição 10 – I Parte, Fig. 124, encontra-se em lá menor e apresenta muitas
possibilidades de livre ornamentação. A harmonia consiste basicamente em trocas entre
o I e o V graus e José Maurício deixa vários espaços em branco285 para serem
preenchidos pelo intérprete, além de repetir compassos, o que permite que se varie a
melodia. A partir do compasso 29 há uma transição preparando o retorno à seção A.
285 Ver “espaços em branco” no Capítulo II, item 2.5.4, p. 68-70.
Figura 123. Lição 11 – II Parte. Figuração em tercinas.
Figura 122. Lição 10 – I Parte. Seção A – a2. Variação II
Uma fermata no último compasso permite o acréscimo de uma pequena ligação
melódica286 entre as seções.
Pode-se variar o trecho como apresentado na Fig. 125, acrescentando tiratas (1), tanto
ascendentes quanto descendentes; trinados, iniciando-se com a nota superior (2), com a
execução indicada pela apogiatura curta superior colocada à esquerda da nota e
iniciando-se com a nota real (3); preenchendo os intervalos de terça (4); indicando
286 Eingang. Ver Cap. I, p. 40.
Figura 124. Lição 10 – I Parte. Seção B
arpejos no acompanhamento (5) e acrescentando um longo arpejo sobre o V grau antes
da fermata; por fim, fazendo uma pequena ligação melódica (7)287 para retornar a A.
A seguir, Fig. 126, é apresentada a Lição 10 – I Parte, com a completa ornamentação
proposta.
287 Eingang. Ver Cap. I, p. 40.
Figura 125. Lição 10 – I Parte. Seção B. Variação
Figura 126. Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 1
Figura 126. Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 2
Figura 126. Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 3
4.3 – Lição 7 – I Parte
Figura 127. Lição 7 – I Parte – Método de Pianoforte
A Lição 7 da I parte do Método, Fig. 127, tem forma de aria da capo, como demonstra
seu esquema formal288, Fig. 128. A parte A é irregular, composta por duas frases, a1 e
a2, a primeira de quatro compassos e a segunda de 5; A parte B é também irregular,
composta por duas frases, b1 e b2, sendo a primeira de 4 compassos e a segunda de 7.
Optou-se para esta Lição pela fantasia, ou variação livre, obedecendo-se estritamente
seu esquema harmônico e variando a melodia e o acompanhamento. Carl Philipp289 fala
desse tipo de fantasia em seu Ensaio. Segundo ele, “exige-se do tecladista que ele faça
fantasias de todo tipo; que desenvolva de improviso um tema dado, seguindo as rígidas
regras da harmonia e da melodia”.290 Como já foi visto no Capítulo II, encontram-se
relatos em que José Maurício desempenha exatamente essa função, como o de Porto
Alegre:
“Entre varias phantasias, Fasciotti cantou uma barcarola que foi
freneticamente applaudida e repetida. José Maurício, que estava no
piano, como que para descansar, começou a variar sobre o motivo
(...)”.291
Nesse caso, a fantasia seria uma recapitulação do esquema tonal da peça executada,
assim como traria elementos melódicos e respeitaria o caráter da peça a que serve de
variação. Embora não se saiba ao certo se José Maurício teve contato com o Ensaio de
Carl Philipp, sabe-se que ele realizava “bellas variações de improviso”.292 Como não há
exemplos em sua obra dessa forma de escrita para teclado, foram encontrados trechos na
288 FAGERLANDE, M. Op. cit., 1996, p. 40 289 Op. cit. 1996. 290 Ibid. p. 1 291 PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit., 1856. p. 365-366. 292 Ver Cap. II, p. 44.
Figura 128. Lição 07 – I Parte. Esquema formal.
literatura musical portuguesa que serviram como modelo para a realização dessa
variação.
Da obra de Domenico Scarlatti293 foram selecionados dois exemplos, Fig. 129294 e
130,295 com emprego de arpejos.
Da obra de Carlos Seixas,296 Fig. 131 a 133, foram retirados exemplos de figuração em
arpejos ou seqüências em semicolcheias como as utilizadas nas variações propostas para
a Lição 7 – I Parte.
293 Apesar de sua origem italiana, Scarlatti viveu em Lisboa onde trabalhou na Capela Real, ao lado de Carlos Seixas, por 8 anos, tendo influenciado bastante sua obra. HEIMS, Klaus F. Seixas, (José Antônio) Carlos de. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 27 de fevereiro de 2006) 294 ALVAREZ MARTINEZ, Maria del Rosario; suppress (qqq). Una nueva sonata atribuida a Domenico Scarlatti. Revista de musicologia, vol. 11, nº 3 sep-dec 88. p. 883-893. ISSN: 0210-1459 295 DODERER, Gerhard. Alguns aspectos nuevos de la musica para clavecin en la corte Lisboeta de Juan V. Separata Musica Antiqua, nº8, 1987. 296 José Antônio Carlos de Seixas (Coimbra, 11 de junho de 1704; Lisboa, 25 de agosto de 1742). Organista, cravista e compositor português.
Figura 130. D. Scarlatti. Sonata em Lá Maior. Allegro.
Figura 129. D. Scarlatti. Sonata em Ré Maior.
A Seção A (a1 – a2) da Lição 7 – I Parte, Fig. 134, tem 9 compassos distribuídos em
duas frases irregulares. A melodia caracteriza-se por célula rítmica anacrústica, com
apoio harmônico no segundo tempo do compasso. O acompanhamento restringe-se a
acordes simples e a harmonia baseia-se na fórmula cadencial I – V – I – II – V – I ,
terminando a primeira frase sobre a dominante, e a segunda frase com pequena
ampliação para terminar sobre a tônica.
Figura 133. Carlos Seixas. Sonata em Mib Maior nº 33. Moderato.
Figura 131. Carlos Seixas. Sonata em Ré menor nº 27. Allegro.
Figura 132. Carlos Seixas. Sonata em Mib Maior nº 32. Moderato.
Para a variação do trecho acima, Fig. 135, optou-se por transformar os acordes do
acompanhamento em longos arpejos divididos pelas duas mãos. Manteve-se a anacruse
na parte melódica, mas devido ao arpejo, deslocou-se o apoio do segundo tempo para o
terceiro, modificando a síncope original. As colcheias dos compassos 7 e 8 foram
transformadas em semicolcheias, como no exemplo da Fig 133. As apogiaturas longas
(1) foram mantidas e acrescentou-se um grupeto superior (2) no quarto tempo do
compasso 5.
Figura 134. Lição 07 – I Parte. Seção A
Na repetição da seção A, Fig. 136, optou-se por abrir mão da linha melódica e valorizar
a condução harmônica, transformando todo o trecho em uma sucessão de arpejos, tiratas
e figuras melódicas.
Figura 135. Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação I.
A seção B (b1 – b2) da Lição 7 – I Parte, Fig. 137) tem 11 compassos também
distribuídos em duas frases irregulares. A estrutura melódica e a fórmula de
acompanhamento são semelhantes à da parte A, assim como a base harmônica, toda na
tonalidade de si menor. A segunda frase (b2), tem pequena ampliação utilizando um
encadeamento VII – I para evitar a conclusão (compassos 17-18), que se dará nos
compassos seguintes (19 e 20).
Figura 136. Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação II.
A variação da seção B, Fig. 138, seguiu o mesmo esquema proposto para a seção A,
utilizando-se das figurações apresentadas nos exemplos 131 a 135. Acrescentou-se
também um grupeto intensificador (1) e uma tirata ascendente (2).
Figura 137. Lição 07 – I Parte. Seção B.
A seguir, Fig. 139, é apresentada a Lição 7 – I Parte, por extenso, com a ornamentação
proposta.
Figura 138. Lição 07 – I Parte. Seção B. Variação.
Figura 139. Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 1
Figura 139. Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 2
CONCLUSÃO
Após o estudo realizado pode-se afirmar, confirmando o que já se supunha possível,
que é totalmente pertinente o acréscimo de ornamentos e variações melódicas nas peças
do Método de Pianoforte, como parte da prática musical da época. Sua simplicidade
harmônica e melódica permite grande variedade de livre ornamentação, que pode ir de
simples preenchimento de intervalos nas repetições de seções ou acréscimo de pequena
ligação melódica no retorno à seção A, a variações mais livres, em forma de fantasia. Os
exemplos apresentados no Capítulo IV representam algumas das muitas possibilidades
do que pode ser feito com livre ornamentação nas peças do Método.
Algumas questões foram levantadas durante o estudo dos ornamentos do Método.
Primeiramente observou-se que a terminologia utilizada por José Maurício é muito mais
próxima daquela empregada pelos autores luso-brasileiros como Solano, Varella,
Moraes Pedroso e Francisco Manuel da Silva, do que a utilizada pelos autores alemães
como Carl Philipp ou Quantz. José Maurício emprega os termos apojo, portamento e
acento para designar, respectivamente, apogiaturas, grupetos e tiratas. Os autores de
língua portuguesa pesquisados empregam os mesmos termos, com algumas variantes.
Apojo pode ser também apoio, apoiatura, appoggio, ou mesmo appoggiatura.
Portamento também é empregado para designar grupeto por autores como Varella.
Esse fato pode reforçar a hipótese da existência de diversos tratados em língua
portuguesa no Rio de Janeiro à época de José Maurício que, possivelmente, foram
consultados pelo Padre Mestre. A terminologia empregada nos tratados luso-brasileiros
entretanto, é imprecisa. Nos estudos minuciosos de Carl Philipp e Quantz há uma
preocupação em nomear corretamente os ornamentos, enquanto os tratados luso-
brasileiros utilizam um mesmo nome para diferentes tipos de ornamentos ou dão
diferentes nomes a um mesmo ornamento297.
Observou-se também que o Método de Pianoforte, no que diz respeito à ornamentação,
é uma espécie de microcosmo da obra mauriciana. Podem ser encontrados nas Lições e
Fantasias os mesmos tipos de ornamentos encontrados no restante de sua obra, com
clara predileção pelo uso de apogiaturas e grupetos. A predominância desses
ornamentos, aliás, pode ser encontrada em diversos autores da época, como Haydn,
Mozart ou Clementi. A representação gráfica dos ornamentos acontece de forma
297 Ver tabela de ornamentos luso-brasileiros nos Anexos, p. 145-146
semelhante no Método e no restante da obra de José Maurício, com exceção das
apogiaturas. Enquanto no Método José Maurício é absolutamente sistemático na
diferenciação entre apogiaturas longas e curtas, representando as primeiras como notas
da melodia e as segundas como pequenas colcheias cortadas colocadas à esquerda da
nota principal, no restante de sua obra não se pode observar essa organização. Nas peças
escolhidas para a amostragem do capítulo III foram poucas as que traziam uma clara
separação entre os dois tipos de apogiaturas. Num estudo utilizando como amostragem
uma porcentagem pequena, embora representativa, da obra de José Maurício, é
impossível chegar-se a uma conclusão precisa a respeito da execução das apogiaturas.
Os trinados, tanto no Método quanto nas outras obras selecionadas, ocorrem da mesma
forma. A grande dificuldade em relação a esses ornamentos é determinar quando devem
ser iniciados com a nota real ou com a nota superior. Quanto aos outros ornamentos, seu
emprego no Método, embora numa escala menor, não difere do que é encontrado no
restante da obra pesquisada, tanto daqueles que vêm grafados pelo compositor quanto
daqueles que podem ser acrescentados como livre ornamentação.
A questão envolvendo a representação das apogiaturas leva a um outro problema
encontrado na análise dos ornamentos. As edições modernas das obras escolhidas não
são totalmente confiáveis no que diz respeito à reprodução dos ornamentos encontrados
nos manuscritos, principalmente das apogiaturas. Algumas optam por padronizá-las,
outras simplesmente escrevem uma pequena notinha ao lado da principal sem se
preocupar com o fato dela ser uma colcheia cortada, uma semicolcheia ou uma colcheia
sem corte. Além do mais as edições modernas, embora tragam em sua maioria estudos e
análises das obras, praticamente ignoram a questão da ornamentação, não explicando o
porquê da escolha daquela forma de representação do ornamento nem sugerindo aos
músicos uma maneira de execução.
Ao se recorrer aos manuscritos outro problema pode ser encontrado: muitos deles são
obras de copistas, não sendo, portanto, possível chegar a uma conclusão a respeito do
correto emprego das apogiaturas nas peças de José Maurício. O próprio Método de
Pianoforte, apesar de trazer os ornamentos organizados claramente, é obra de copista.
Talvez o esmero encontrado na representação dos ornamentos no Método se deva ao
fato dele ter sido criado como uma obra didática. Embora só se possa especular a esse
respeito, o Método é uma obra do final da vida de José Maurício, de uma época em que
ele não exercia mais as funções de Mestre de Capela. Isso pode ter possibilitado um
maior cuidado na elaboração das apogiaturas, além do fato óbvio de ter permitido a
elaboração de um Método voltado para o ensino de seus filhos, o que seria impossível
durante o período da Capela Real. Deve-se lembrar que, de qualquer forma, essa
discrepância no uso das apogiaturas não é exclusividade da obra de José Maurício,
podendo ser apontada em diversos outros autores como Mozart e Beethoven.
Um fato interessante que pode ser apontado em relação à utilização dos ornamentos por
José Maurício é o de ele, aparentemente, ignorar os sinais usualmente utilizados para
mordente e grupeto. Não foram encontrados esses sinais em nenhuma das obras
analisadas no Capítulo III. O mordente, em muitos casos, se confunde com o trinado,
sendo ambos representados por tr e havendo uma única indicação desse ornamento por
extenso, na modinha “No momento da partida meu coração t’entreguei“. Entre os
autores de língua portuguesa esses ornamentos podem ou não vir representados por
símbolos, variando caso a caso.
Quanto à escolha das formas das peças do Método, em sua maioria de aria da capo,
José Maurício pode ter optado por utilizar modelos com os quais estava mais
familiarizado, já que ao longo de sua vida escreveu música eminentemente vocal.
Apesar de sua fama de grande improvisador, suas obrigações como compositor se
referiam à música para o serviço religioso. A composição musical estava totalmente
ligada às obrigações religiosas, não havendo espaço para a criação de outros tipos de
música. Além do Método não há notícias de peças para piano escritas por José
Maurício298. O fato de formas típicas do período como a sonata não figurarem entre as
peças do Método não significa necessariamente desconhecimento delas por parte de
José Maurício, apenas poderia demonstrar que o Padre Mestre tinha mais familiaridade
com formas de música vocal. Essas formas, por sua vez, são muito mais próprias para a
prática do improviso que a sonata ou outras formas da música instrumental. Além do
mais, pode-se especular que, devido à prática do improviso, José Maurício não tinha o
hábito de anotar suas peças para teclado299, ficando assim, perdidas. Vale ressaltar, mais
uma vez, que suas obrigações como Mestre de Capela não lhe permitiam tempo para
298 Há uma pequena peça para piano, sem título, atribuída a José Maurício, sem autoria confirmada. É identificada no Catálogo Temático como CPM 235. 299 Órgão, cravo ou pianoforte.
escrever algo além do que se exigia para o serviço religioso. Prova disso é o fato do
Método ter sido escrito após sua aposentadoria das funções da Capela Real.
A proposta de emprego de livre ornamentação apresentada neste trabalho poderá servir
como estímulo não só aos tecladistas, mas a todos os músicos que queiram estudar o
repertório do período abrangido. Pretende-se possibilitar a esses músicos uma referência
para a ornamentação de obras de José Maurício e também de outros autores brasileiros
da época, não só de música instrumental como também de música vocal. Seria
pretensioso dizer que neste trabalho há uma reconstituição de como José Maurício
improvisava, mas tenta-se, com elementos razoáveis, apontar um caminho para essa
prática.
Finalmente, recomenda-se a utilização didática do Método de Pianoforte, não só por ser
de autoria do principal compositor do Brasil Colônia e um dos poucos métodos de piano
brasileiros desse período, mas também por ser um excelente meio para possibilitar aos
músicos a prática da livre ornamentação.
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constitucional e defensor perpétuo do Brasil Oferece para uso dos alunos do Imperial
Colégio D. Pedro II. Nova Edição. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, [s.d.]
SOLANO, Francisco Ignacio. Novo Tratado de Musica, Metrica e Rythmica, o qual
ensina a acompanhar no Cravo, Orgão ou qualquer outro instrumento em que se
possão regular todas as especies, de que se compõe a harmonia da mesma musica.
Demonstra-se este assumpto prática e theoricamente, retratão-se também algumas
cousas parciais do Contraponto e da Composição. Lisboa: Regia Officina Typografia,
1779. 301 p.
TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle, [Visconde de]. Esboceto Biográfico. In: Estudos
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Visconde de. Introdução. In: GARCIA, José Maurício Nunes. Missa de réquiem 1816.
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______. Dois Artistas Máximos. José Maurício e Carlos Gomes. Pará de Minas: Virtual
Books Online M&M Editores Ltda, 2000/2002. (Acessado em 14 de abril de 2003).
Compilação feita a partir de edição não informada – Março de 1930 – Cia.
Melhoramentos de S. Paulo – S. Paulo – Caieiras – Rio de Janeiro. Disponível on-line
em <http:// www.virtualbooks.com.br>
THE HARVARD CONCISE DICTIONARY OF MUSIC AND MUSICIANS.
“Cadenza”. “Improvisation, extemporization”. Don Michael Randel, ed. The Belknap
Cambridge, Massachusetts and London, England: Press of Harvard University Press,
1999.
VARELLA, Domingos de S. José. Compendio de Musica, theorica e prática, que
contém breve instrucção para tirar musicas. Liçoens de acompanhamento em orgão,
cravo, guitarra ou qualquer outro instrumento em que se póde regular a harmonia.
Porto: Typ. de Antonio Alvarez Ribeiro, 1806. 104 p. Disponível on-line na Biblioteca
Nacional Digital: <http://bnd.bn.pt/memorias/musica/musica-lista-obras.html>
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WEGMAN, Rob C. Improvisation. II – Western Art Music 1. Introduction. In: Grove
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de 2004)
WILLIAMS, Peter. Figured Bass Accompaniment. Vol. I. Edinburg: University Press,
[s.d.]
ANEXOS
ANEXO I
TABELA DE ORNAMENTOS VARELLA, Domingos de S. José. Compendio de Musica, theorica e prática, que contém breve instrucção para tirar musicas. Liçoens de acompanhamento em orgão, cravo, guitarra ou qualquer outro instrumento em que se póde regular a harmonia. Porto: Typ. de Antonio Alvarez Ribeiro, 1806.
ANEXO II
TABELA DE ORNAMENTOS LUSO-BRASILEIROS
AUTOR / OBRA
APOGIATURA
GRUPETO
MORAES PEDROSO,
Manuel de ( - )
Compendio Musico ou arte abreviada (1751)
Apojo
_
SOLANO, Francisco Inácio (1720-1800)
Novo Tratado de Musica, Metrica e Rythmica (1779)
Apojo Pojatura
Accentos
(apogiatura curta)
_
VARELLA, Domingos de
São José (? - 1825?)
Compendio de Musica,
theorica e prática (1806)
Apoio, Apoiatura, Appoggiatura
“Mordente” (as apogiaturas inferiores e as separadas por graus disjuntos)
“Portamento”
NUNES GARCIA, José M.
(1767 – 1830)
Compêndio de Música e Methodo de Pianoforte
(1821)
Apojo
“Portamento”
Autor Anônimo
Arte da Muzica para uzo
da mocidade brazileira por hum seu patricio. (1823)
Apojo
“Portamento”
COELHO MACHADO, Raphael (1814-1887)
1. ABC Musical (s/d)
2. Breve Tratado
d’harmonia (1851)
Appoggio1
Nota de Gosto ou Appoggiatura2
Gruppetto1
SILVA, Francisco Manuel
(1795 – 1865)
1. Compendio de Princípios Elementares de
Musica. Para uso do Conservatório do Rio de
Janeiro.
2. Artinha.
Apojo1
Appoggio2
Grupetto1
Gruppetto2
AUTOR / OBRA
TRINADO
MORDENTE
TIRATA
MORAES PEDROSO,
Manuel de ( - )
Compendio Musico ou arte abreviada (1751)
Trinado
Mordente
“Mordente”
SOLANO, Francisco Inácio (1720-1800)
Novo Tratado de Musica, Metrica e Rythmica (1779)
Trillo,
Trinado
Mordente
_
VARELLA, Domingos de
São José (? - 1825?)
Compendio de Musica,
theorica e prática (1806)
Trinado
Mordente
_
NUNES GARCIA, José M.
(1767 – 1830)
Compêndio de Música e Methodo de Pianoforte
(1821)
_
_
“Acento”
Autor Anônimo
Arte da Muzica para uzo
da mocidade brazileira por hum seu patricio. (1823)
Trino
Mordente
_
COELHO MACHADO, Raphael (1814-1887)
1. ABC Musical (s/d)
2. Breve Tratado
d’harmonia (1851)
Trillo Trinado1
Mordente1
_
SILVA, Francisco Manuel
(1795 – 1865)
1. Compendio de Princípios Elementares de
Musica. Para uso do Conservatório do Rio de
Janeiro.
2. Artinha.
Trinado
Mordente
_
ANEXO III
TABELA COM DENOMINAÇÃO DE ORNAMENTOS EM VÁRIOS IDIOMAS.
Fontes:
DONNINGTON, R. The Interpretation of Early Music.
New York: Faber and Faber, 1963.
MARQUES, Henrique de Oliveira. Dicionário de Termos Musicais.
Lisboa: Editorial Estampa, 1986.
ENCICLOPÉDIA LABOR. Vol. VII. La Literatura. La Musica.
Barcelona: Editorial Labor S. A., 1957.
PORTUGUÊS
LATIN
ESPANHOL
ITALIANO
FRANCÊS
INGLÊS
ALEMÃO
Apogiatura; Apojo; Apoio;
Pojatura
Accentus Apojo; Apoyatura
Appoggiatura; Accento;
Exclamatio; Portamento
Appogiature; Port de voix;
Accent; Appuy;
Cheute ou Chute; Coulé
Appoggiatura; Grace note;
Beat; Forefall,
Backfall, Half-fall;
Lead; Prepare
Vorschlag; Accent;
Accentuation
Apogiatura dupla Appoggiatura doppia
Appogiature double;
Port-de-voix double
Double appoggiatura
Anschlag; Doppelvorschlag
Grupeto Grupeto Gruppetto; Groppo;
Circolo mezzo
Groupe; Doublé. Double
cadence; Brisée;
Tour de gosier
Turn; Single relish
Doppelshlag (von oben); Halbzirket
Grupeto invertido Gruppetto rovesciato
Inverted turn; Back turn
Doppelshlag (von unten)
Mordente Tremulus Mordente Mordente Mordant; Pince;
Battement; Pincement;
Marteflement; Tiret
Mordent; Beat;
Open shake; Sweetening
Praller; Schneller; Mordant, Mordent; Beisser
Escorregadela Tipo de Portamento
Superejectio Tipo di Portamento
Coulé; Coulé sur une
tierce; Flatté
Slide; Elevation;
Doublé backfall;
Slur; Whole-fall
Schleifer; Schleiffung; Überschlag
Trilo; Trinado
Crispatio; Trepidatio
Trino Trillo; Groppo;
Tremoletto
Trille; Tremblement;
Cadence; Pince renversé
Trill; Shake
Triller
Tirata Tirata; Cascata
Tirade Coulade
Run Pfeil
Arpejo Arpegio Arpeggio; Battimento; Harpeggiato
Arpégé, harpégé;
Arpègement, harpègement;
Batterie
Arpeggio; Battery
Harpeggio; Brechung
ANEXO IV
FAC-SIMILE
Clarinetas. Kyrie. 1ª página
Pastoril p.ª Noite de Natal Original do P.e Jose Mauricio em 1811. CMRJ-CRI-SM18-C05-05-cl1e2-001r
Disponível no site http://www.acmerj.com.br/
ANEXO V
FAC-SIMILE
Laudamus Te Solo de soprano
Pastoril p.ª Noite de Natal Original do P.e Jose Mauricio em 1811.
CMRJ-CRI-SM18-C01-00-ptra-013r CMRJ-CRI-SM18-C01-00-ptra-013v CMRJ-CRI-SM18-C01-00-ptra-014r CMRJ-CRI-SM18-C01-00-ptra-014v
Disponível no site http://www.acmerj.com.br/
ANEXO VI
FAC-SIMILE
Laudamus Te Duo Soprano e Tenor
Missa de São Pedro de Alcântara de 1808.
CMRJ-CRI-SM19-C01-00-ptra-010r CMRJ-CRI-SM19-C01-00-ptra-010v CMRJ-CRI-SM19-C01-00-ptra-011r CMRJ-CRI-SM19-C01-00-ptra-011v
Disponível no site http://www.acmerj.com.br/