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    O smbolo e a cultura: Lacan

    LIVRO: A Psicanlise depois de Freud

    AUTORES: Bleichmar & Bleichmar

    Para Lacan (1966), o externo ao indivduo a estrutura da linguagem e a estrutura

    social, considerada antropolgicamente como o conjunto de leis de intercmbio entre os

    sujeitos. A linguagem desempenha um papel decisivo. De fato, ela que distingue a

    sociedade humana das naturais. A dotao biolgica do recm-nascido se situa, em seu

    modelo, na ordem do real.

    Lacan prope que a criana se identifica com o desejo da me. O resultado que osujeito fica alienado no desejo do outro. Ela no seno o que a me deseja que ela seja:

    o falo. Por meio do dipo, produz-se outra identificao, o sujeito se identifica com a lei e

    adquire a noo de que no o falo, embora possa possui-lo. Nesta identificao, tem um

    papel capital, como significante, o nome-do-pai, que permite o ingresso do indivduo na

    ordem simblica.

    Lacan definitivo, quanto ao papel da linguagem no processo de identificao. O

    sujeito , desde o nascimento, presa da linguagem; portanto, definido em funo da

    estrutura.

    A origem fundamental da agressividade no , neste autor, como em outros, a

    frustrao. Tampouco as pulses constitucionais desempenham um papel importante. O

    ponto medular da agressividade estaria focalizado na ruptura da identificao imaginria.

    Tudo o que a questiona, engendra agressividade. A prpria identificao narcisista faz

    parte da agressividade: a alienao do sujeito no desejo do outro. No plano filosfico, a

    dialtica do Senhor e do Escravo, extrada da teoria hegeliana, sintetiza o fato de que a

    satisfao do desejo humano s possvel por meio do desejo e do trabalho do outro. O

    que est em jogo o reconhecimento do homem pelo homem. Esta agressividade parece

    ser inerente ordem humana e deixaria sua marca, no s no mal-estar da sociedade,

    mas tambm na neurose. A cultura imprime sua profunda marca no sujeito. Na proposta

    lacaniana, o inconsciente efeito e reflexo da estrutura significante. A dissoluo do

    conflito edpico ocorre graas representao do falo, como significante principal. Todos

    os demais significantes surgem de seu deslocamento metonmico e metafrico, tomando

    forma no inconsciente e guardando entre si as relaes que apresentam na linguagem,

    respeitando suas regras e permitindo as operaes que nela podem ser feitas

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    (condensao e deslocamento). Diferentemente de outros autores, o inconsciente no ,

    para Lacan, a sede das pulses. Ele est estruturado como linguagem.

    Na conceptualizao do conflito edpico, novamente ressalta o grande peso da

    estrutura e da cultura (entendida como linguagem e lei). No incidem s em sua

    resoluo, mas tambm em seu desencadeamento.O que o externo ao indivduo, na teoria lacaniana? De maneira diferente das

    outras teorias, nas quais o externo representado pela me, em Lacan o que est fora do

    sujeito o desejo (do outro), a linguagem e a Lei.

    Em sntese, destaquemos o grande valor que Lacan atribui cultura, na

    constituio do sujeito e, tambm, em sua psicopatologia. Os elementos inatos realmente

    tm pouca importncia, enquanto que o modelamento imposto pelo mundo externo de

    grande envergadura. Por ltimo importante destacar que, na teoria lacaniana, a cultura um conceito de alto nvel de abstrao, suprapessoal, diferente dos modelos

    anteriormente expostos, nos quais entendida em um sentido mais natural e quotidiano.

    8. Concluses

    Preocupam-nos as modificaes das teorias psicanalticas, em direo a um

    critrio que pode chegar a ser excessivamente ambientalista. Na tcnica, suas

    conseqncias levam modificao da concepo do processo analtico da compreenso

    dos conflitos inconscientes e de sua resoluo na transferncia, at uma experincia

    emocional corretiva, cuja metodologia e resultados so incertos (2). Freud props a teoria

    pulsional e as sries complementares para explicar o conflito psquico. A teoria kleiniana

    continuou enfatizando a luta pulsional, agora sob a tica das relaes de objeto. Os

    autores ps-kleinianos, em especial Bion, com sua idia de continente-contedo e da

    funo de rverie da me, completam, no esquema kleiniano, a incidncia das

    caractersticas reais da me, na produo de patologia. Em Hartmann, mantm-se o

    enfoque pulsional, porm o centro de ateno desliza para o ambiente, ao hierarquizar o

    ego e sua adaptao realidade. As idias de Mahler, Winnicott e Kohut marcam uma

    orientao ambientalista, para a compreenso do desenvolvimento e da doena mental. A

    teoria lacaniana tambm se situa no setor ambiente do espectro, porm agora definido a

    partir da cultura estruturante do sujeito.

    Uma das causas que influram nesta modificao terica e tcnica a necessidade

    de compreender a inegvel influncia que a patologia dos pais possui no desenvolvimento

    dos filhos na medida que a psicanlise se foi estendendo em sua aplicao, a patologiasmais graves, fez-se necessrio algum tipo de conceptualizao que explicasse este fato

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    clnico. Porm, oportuno voltar a destacar, aqui, a diferena de nvel existente, quando

    se estuda a influncia dos fatores inatos e ambientais na gnese do psiquismo humano, e

    quando consideramos estes mesmos fatores no paciente, com sua realidade psquica j

    constituda. Nesta ltima situao, atribuir os fatores patgenos exclusivamente m

    participao dos pais reduz a compreenso do conflito a um determinismo causal, nolevando em conta as mltiplas motivaes existentes na mente do paciente.

    Uma conseqncia importante da proposta ambientalista que se favorece a

    dissociao da transferncia negativa, ao situar o mal, que acontece com o paciente, no

    passado. Assim, a relao analtica objeto de uma idealizao, que seria fomentada

    pelo referencial terico do terapeuta, pois este se atribui a possibilidade de ser melhor do

    que os pais, para este novo acontecer das experincias passadas. Outras das causas da

    inclinao para estes procedimentos o quo doloroso se torna, na situao analtica,suportar os sentimentos agressivos, que so de muita intensidade, nos pacientes graves.

    Isto assim, tanto para o paciente como para o terapeuta.

    Pode-se pensar como uma causa terica do problema que nos ocupa, que, como

    afirma Gedo (1979, p. 367), as propostas ambientalistas se produzem em um momento

    da histria da psicanlise em que se discute a metapsicologia freudiana quanto validade

    de seus conceitos bsicos. Quando se questionam as noes de libido, energia psquica,

    pulses de vida e de morte etc., parece que as teorias das motivaes, relacionadas com

    elas, tambm ficariam sem efeito. Assim, surgiria a necessidade de fundamentar de outro

    modo o conflito psquico, sendo ento que aparecem, como explicao, as teorias

    ambientalistas.

    Como uma causa extrapsicanaltica, pode-se pensar na presso que exercem

    outras tcnicas de psicoterapia, sejam individuais, de grupo ou familiar, que buscam

    resultados mais rpidos e contundentes, diante das quais o psicanalista apenas conta

    com seu mtodo, que lento, trabalhoso e, muitas vezes incerto, requerendo uma grande

    pacincia e tolerncia dor mental.

    O campo da psicanlise continua a ser o da compreenso e elaborao da

    realidade psquica do paciente. A idia da motivao inconsciente, sempre existente em

    seus conflitos e sentimentos, d-nos a possibilidade de compreender os fatores internos e

    externos que, permanentemente, interagem nesta motivao. Esta postura, durante a

    sesso, restringe o mbito de nossa compreenso, quanto ao que podemos observar, na

    atual situao da realidade psquica. Ali o passado s existe como um estado emocional

    do paciente, vinculado a determinadas fantasias. O acesso que temos a seu passado atravs de sua significao no presente. Desta perspectiva, torna-se impossvel pensar

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    em um descongelamento do passado, ou em reproduzir, no presente, de maneira

    concreta, uma experincia anterior, variando as condies externas de sua realizao.

    Outro dos temas em discusso o do livre arbtrio. Em boa parte, temos uma

    responsabilidade pessoal pelos acontecimentos de nossa realidade psquica e suas

    motivaes. Assim o sentimos, quando sofremos nossos sintomas estados emocionais outraos de carter, embora no saibamos por que. As teorias ambientalistas, ao situar nos

    pais a responsabilidade pelo dano psquico, transformam o indivduo em uma espcie de

    vtima inocente do que os outros lhe fizeram sofrer. A idia de realidade psquica implica

    um repertrio pessoal de motivaes e de possibilidades de reao frente s

    circunstncias externas. Neste sentido, a teoria da posio depressiva de Klein implica

    assumir a responsabilidade e a dor pelos nossos atos psquicos, mas tambm oferece

    uma soluo ao problema do livre arbtrio, que amplia a noo de determinismo psquico.A idia das sries complementares de Freud mantm sua vigncia, para a

    compreenso do conflito mental. Prope uma multiplicidade de fenmenos que interagem,

    para definir um acontecimento e, embora isto torne mais complexo o campo de

    observao dos fatos clnicos, parece poder nos proteger de simplificaes, que levam a

    uma compreenso restrita e, s vezes, esquemtica, do que acontece na vida mental.

    Desta perspectiva, a opo natureza-cultura torna-se falsa ao procurar estabelecer uma

    determinao causal que redutora e impossvel de comprovar. No tratamento

    psicanaltico, temos a possibilidade de explorar e atuar sobre o presente, o atual, que a

    realidade psquica do paciente, onde participamos diretamente, em um constante interagir

    entre o interno e o externo.

    NOTAS

    * Neste captulo transcrevemos, com ligeiras modificaes, dois artigos apresentados na Associao Psicanaltica de

    Buenos Aires. "Las teoras de la relacin emocional entre la madre su beb" foi lido por um de ns (N. M. B.) no

    Simposiumsobre Desenvolvimento psquico precoce, de 1981, e "EI problema naturaleza-cultura en psicoanlisis", poroutro (C. L. de B.), por ocasio da solicitao de sua aceitao como membro titular. J nos preocupavam, naqueles

    anos, vrios dos temas que se apresentam neste livro. Estes trabalhos podem ser de utilidade ao leitor, servindo, ao

    mesmo tempo, como reviso de alguns temas que aparecem em captulos anteriores.

    (1) CE. Kant, E. (1781): Crtica de la razn pura. Mxico: Ed. Nacional.

    (2) Nem toda concepo ambientalista teria de desembocar, necessariamente, nesta situao e, de fato, no acontece

    assim, na prtica.

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