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Os solos da reserva indígena de Caarapó-MS: subsídios para a sustentabilidade dos Kaiowá e Guarani The soils of the indigenous reservation of Carapó-MS: factors for the sustainability of the Kaiowá and Guarani Los suelos de la reserva indígena de Caarapó-MS: subsidios para la sustentabilidad de los Kaiowá y Guaraní Reginaldo Brito da Costa * Raul Alffonso Rodrigues Roa ** Wagner José Martins ** Celso Rubens Smaniotto *** Leandro Skowroski *** Luiz Augusto Cândido Benatti **** Recebido em 20/02/2005; revisado e aprovado em 26/07/2005; aceito em 18/08/2005. Resumo: Os Kaiowá e Guarani foram os mais atingidos pelas ações dos bandeirantes paulistas. A criação das oito reservas indígenas, a partir de ações da SPI e do governo do Estado entre 1915 e 1928, criava “espaços livres para a empresa privada”. A superpopulação no interior dessas áreas reduziu o espaço disponível e provocou o esgotamento de recursos naturais importantes para a sua qualidade de vida. Na perspectiva de uma produção agrícola sustentável, visando o desenvolvimento local, o solo ocupa uma posição peculiar ligada às várias esferas que afetam a vida humana, além de ser o substrato principal para produção de alimentos. O estudo teve como objetivo caracterizar as principais classes de solos de ocorrência na área de estudo, para planejamento do uso e manejo adequado do solo, pelos Kaiowá e Guarani, bem como, correlacionar com o etnoconhecimento dos solos da área. Palavras-Chave: Diagnóstico pedológico; reserva indígena; produção agrícola sustentável. Abstract: The Kaiowá and Guarani were those most affected by actions of the flag carriers (bandeirantes) from the state of são paulo. the formation of eight reservations for indigenous peoples, from the time of the spi (indian protection service) and of the state government from 1915 to 1928, formed “free spaces for private businesses”. the overpopulation in the interior of these areas reduced the space available and provoked the impoverishment of natural resources which are important for their quality of life. with the prospect of sustainable agricultural production, aiming at local development, the soil occupies a special place linked to the various spheres which affect human life, as well as being the main substratum for the production of food. the study aims at characterizing the mains classes of soils which occur in the area studied, for the planning of the use and adequate management of the soil, by the kaiowá and guarani, as well as interrelating with the ethnic knowledge of the soils in the area. Key works: Pedologic diagnosis, reservations for indigenous peoples, sustainable agricultural produce. Resumen: Los kaiowá y guaraní fueron los más perjudicados por las acciones de los bandeirantes paulistas. La creación de las ocho reservas indígenas, a partir de acciones de la spi y del gobierno del estado entre 1915 y 1928, creaba “espacios libres para la empresa privada”. La superpoblación en el interior de esas áreas redujo el espacio disponible y provocó el agotamiento de recursos naturales importantes para su calidad de vida. En la perspectiva de una producción agrícola sostenible, visando el desarrollo local, el suelo ocupa una posición peculiar relacionada a las varias esferas que afectan la vida humana, además de ser el sustrato principal para la producción de alimentos. El estudio tuvo como objetivo caracterizar las principales clases de suelos de ocurrencia en el área de estudio, para planificación de uso y manejo adecuado del suelo, por los kaiowá y guaraní, bien como, correlacionar con el etnoconocimiento de los suelos del área. Palabras clave: Diagnóstico pedológico; reserva indígena; producción agrícola sustentable. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 7, N. 11, p. 83-94, Set. 2005. * Prof. DSc. da Universidade Católica Dom Bosco, Programa Desenvolvimento Local e Programa Kaiowá/Guarani. Cx. Postal, 100. Campo Grande, MS. CEP 79117-900 ([email protected]). ** Bolsistas PIBIC/CNPq da Universidade Católica Dom Bosco, Curso de Biologia. Campo Grande, MS. *** Prof. MSc. da Universidade Católica Dom Bosco, Programa Kaiowá/Guarani. Campo Grande, MS. **** Eng. Florestal, MSc. em Desenvolvimento Local Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Campo Grande, MS. 1 Introdução Os Kaiowá e Guarani são conhecidos historicamente como povos da mata, uma vez que escolhiam para a construção de suas aldeias preferencialmente essas áreas. Des- cobertos pelos Colonizadores, por volta de 1750 (BRAND, 2003), esses povos foram os mais atingidos pelas ações dos bandeirantes paulistas. A partir de 1632, tal ação resul- tou “aldeamento” dos sobreviventes próxi- mo aos rios Apa e Paraguai, por um breve período (GADELHA, 1980). Segundo Brand (2003), o povoamento por não índios das terras que hoje constitu- em o estado de Mato Grosso do Sul, iniciou- se na década de 1830. Até 1850, poucos con- tatos foram mantidos com os Kaiowá e

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Os solos da reserva indígena de Caarapó-MS: subsídios para a sustentabilidadedos Kaiowá e Guarani

The soils of the indigenous reservation of Carapó-MS: factors for the sustainability ofthe Kaiowá and Guarani

Los suelos de la reserva indígena de Caarapó-MS: subsidios para la sustentabilidad de losKaiowá y Guaraní

Reginaldo Brito da Costa*

Raul Alffonso Rodrigues Roa**

Wagner José Martins**

Celso Rubens Smaniotto***

Leandro Skowroski***

Luiz Augusto Cândido Benatti****

Recebido em 20/02/2005; revisado e aprovado em 26/07/2005; aceito em 18/08/2005.

Resumo: Os Kaiowá e Guarani foram os mais atingidos pelas ações dos bandeirantes paulistas. A criação das oitoreservas indígenas, a partir de ações da SPI e do governo do Estado entre 1915 e 1928, criava “espaços livres para aempresa privada”. A superpopulação no interior dessas áreas reduziu o espaço disponível e provocou o esgotamentode recursos naturais importantes para a sua qualidade de vida. Na perspectiva de uma produção agrícola sustentável,visando o desenvolvimento local, o solo ocupa uma posição peculiar ligada às várias esferas que afetam a vidahumana, além de ser o substrato principal para produção de alimentos. O estudo teve como objetivo caracterizar asprincipais classes de solos de ocorrência na área de estudo, para planejamento do uso e manejo adequado do solo,pelos Kaiowá e Guarani, bem como, correlacionar com o etnoconhecimento dos solos da área.Palavras-Chave: Diagnóstico pedológico; reserva indígena; produção agrícola sustentável.Abstract: The Kaiowá and Guarani were those most affected by actions of the flag carriers (bandeirantes) from thestate of são paulo. the formation of eight reservations for indigenous peoples, from the time of the spi (indianprotection service) and of the state government from 1915 to 1928, formed “free spaces for private businesses”. theoverpopulation in the interior of these areas reduced the space available and provoked the impoverishment of naturalresources which are important for their quality of life. with the prospect of sustainable agricultural production, aimingat local development, the soil occupies a special place linked to the various spheres which affect human life, as wellas being the main substratum for the production of food. the study aims at characterizing the mains classes of soilswhich occur in the area studied, for the planning of the use and adequate management of the soil, by the kaiowá andguarani, as well as interrelating with the ethnic knowledge of the soils in the area.Key works: Pedologic diagnosis, reservations for indigenous peoples, sustainable agricultural produce.Resumen: Los kaiowá y guaraní fueron los más perjudicados por las acciones de los bandeirantes paulistas. La creaciónde las ocho reservas indígenas, a partir de acciones de la spi y del gobierno del estado entre 1915 y 1928, creaba “espacioslibres para la empresa privada”. La superpoblación en el interior de esas áreas redujo el espacio disponible y provocó elagotamiento de recursos naturales importantes para su calidad de vida. En la perspectiva de una producción agrícolasostenible, visando el desarrollo local, el suelo ocupa una posición peculiar relacionada a las varias esferas que afectanla vida humana, además de ser el sustrato principal para la producción de alimentos. El estudio tuvo como objetivocaracterizar las principales clases de suelos de ocurrencia en el área de estudio, para planificación de uso y manejoadecuado del suelo, por los kaiowá y guaraní, bien como, correlacionar con el etnoconocimiento de los suelos del área.Palabras clave: Diagnóstico pedológico; reserva indígena; producción agrícola sustentable.

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 7, N. 11, p. 83-94, Set. 2005.

* Prof. DSc. da Universidade Católica Dom Bosco, Programa Desenvolvimento Local e Programa Kaiowá/Guarani.Cx. Postal, 100. Campo Grande, MS. CEP 79117-900 ([email protected]).** Bolsistas PIBIC/CNPq da Universidade Católica Dom Bosco, Curso de Biologia. Campo Grande, MS.*** Prof. MSc. da Universidade Católica Dom Bosco, Programa Kaiowá/Guarani. Campo Grande, MS.**** Eng. Florestal, MSc. em Desenvolvimento Local Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Campo Grande, MS.

1 Introdução

Os Kaiowá e Guarani são conhecidoshistoricamente como povos da mata, umavez que escolhiam para a construção de suasaldeias preferencialmente essas áreas. Des-cobertos pelos Colonizadores, por volta de1750 (BRAND, 2003), esses povos foram osmais atingidos pelas ações dos bandeirantes

paulistas. A partir de 1632, tal ação resul-tou “aldeamento” dos sobreviventes próxi-mo aos rios Apa e Paraguai, por um breveperíodo (GADELHA, 1980).

Segundo Brand (2003), o povoamentopor não índios das terras que hoje constitu-em o estado de Mato Grosso do Sul, iniciou-se na década de 1830. Até 1850, poucos con-tatos foram mantidos com os Kaiowá e

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Guarani, mas no final do século XIX, iniciou-se a ocupação de seu território através dasações da Cia Matte Laranjeira, da ColôniaAgrícola Nacional de Dourados (CAND) eda implantação das fazendas de gado.

As aldeias localizadas em áreas comervais nativos engajaram-se amplamente natarefa de coleta da erva-mate. A exploraçãodos ervais foi realizada principalmente porparaguaios que, falando também o guarani,mais facilmente puderam aliciar os índiospara o trabalho, ensinar-lhes as técnicas deextração e preparo da erva, e acostumá-losao uso de ferramentas, panos, aguardente,sal e outros artigos, cujo fornecimento pos-terior era condicionado à sua integração,como mão-de-obra, na economia ervateira(RIBEIRO, 1970). Já a implantação da Colô-nia Agrícola marcou o início de uma longa edifícil luta dos índios pela manutenção deseu território (BRAND, 1997).

Em 1915, a SPI (Serviço de Proteçãoao Índio), inicia suas atividades junto aosKaiowá e Guarani, na região da GrandeDourados, no Mato Grosso do Sul demar-cando a 1ª Reserva Indígena Kaiowá (PostoIndígena de Amambai), com 3.600 hectares,pelo Decreto Estadual n. 404, de 10/09/1915, Ofício n. 180. Brand (1997) relata acriação de mais sete Reservas Indígenas, in-cluindo a dos Kaiowá de Caarapó, todas comaproximadamente 3.600 hectares.

A demarcação das oito reservas indí-genas, resultado das ações da SPI e do gover-no do Estado entre os anos de 1915 e 1928,segundo Lima (1992), sinaliza e oficializa oprocesso de confinamento compulsório. Aodemarcar essas pequenas porções de terra,o governo liberava as demais áreas para acolonização. Ou seja, criava “espaços livrespara a empresa privada”. No final da déca-da de 1970, do território original de aproxi-madamente 20 mil quilômetros quadrados,restaram legalmente aos Kaiowá e Guaraniapenas oito reservas com um total de 18.124hectares (BRAND, 1993).

Na região da Grande Dourados a im-plantação da Colônia Agrícola Nacional, em1943, atinge em cheio inúmeras aldeias(BRAND, 1993). Porém, em outras regiõesde mata, a chegada das fazendas agrope-cuárias se dá mais intensamente em 1960.Por isso, parte significativa das aldeias foi

destruída no período posterior à data citada(BRAND, 2003).

A superpopulação no interior dasáreas, hoje de posse dos índios, reduziu oespaço disponível, provocou o esgotamentode recursos naturais importantes para a suaqualidade de vida e dificultou o seu sistemaagrícola. O processo de confinamento pro-vocou a rápida passagem de alternativasvariadas de subsistência – agricultura, caça,pesca e coleta, para uma única alternativa,a agricultura e esta apoiada em poucas va-riedades de cultivares (BRAND, 1997).

Na perspectiva de uma produção agrí-cola sustentável, visando o desenvolvimen-to local, o solo por sua vez ocupa uma posi-ção peculiar ligada às várias esferas que afe-tam a vida humana, além de ser o substratoprincipal para produção de alimentos.

A disponibilidade de água, nutrientese ar (REZENDE, 1988) entre outros atributos,como cor, topografia, profundidade, texturae a sua utilização, condicionam, nos váriostipos de solos, um potencial de produtividadeagrícola diferenciado (HENIN et al., 1976).Segundo Oliveira et al. (1992), os solos sãodotados de atributos resultantes da diversi-dade de efeitos da ação integrada do clima edos organismos, agindo sobre o material deorigem, em determinadas condições de relevodurante certo período.

O solo como um fator da produçãoagrícola, possui duas características básicasque revelam seu valor agronômico: fertilida-de e produtividade. O termo fertilidade re-fere-se à capacidade de um solo para forne-cer nutrientes às plantas em quantidadesadequadas e proporções convenientes (CO-ELHO e VERLENGIA, 1973). Já a produti-vidade é relacionada com a capacidade deum solo em proporcionar rendimento às cul-turas, podendo ser melhorada pela interven-ção do homem (RAIJ, 1981).

Segundo Coelho e Verlengia (1973), háfatores que caracterizam um solo de altaprodutividade, como: riqueza de nutrientesessenciais às plantas; boas propriedades fí-sicas; água disponível suficiente para o cres-cimento dos vegetais; quantidade adequadade matéria orgânica decomposta; pH ade-quado; escassez de pragas e moléstias.Ambas as propriedades, fertilidade e produ-tividade, segundo os autores citados, estão

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relacionadas com as características físicas equímicas do solo.

Os solos possuem quatro componentesprincipais: matéria mineral, matéria orgâni-ca, água e ar. As partículas minerais do soloapresentam tamanhos variáveis e são frag-mentos de rochas ou minerais distintos, comoquartzo, mica, olivina, etc. (COELHO eVERLENGIA, 1973). De acordo com Baver(1973), a textura é a mais importantepropriedade física do solo, pois as demais serelacionam com ela. É uma propriedade quesofre pouca ou nenhuma mudança com otempo, ou seja, é uma característica quasepermanente do solo e, segundo Henin et al.,(1976), influi na capacidade do solo em reterágua, na infiltração, percolação e aeração e,ainda, pode afetar diretamente na capacida-de de retenção de nutrientes.

A parte orgânica do solo é constituídapelo húmus, cuja designação foi populariza-da como matéria orgânica, que funcionacomo agente granulador das partículas mi-nerais do solo, sendo o principal responsávelpelo aspecto fofo dos solos produtivos. Pos-sui, ainda, grande capacidade de reter nutri-entes e água (REZENDE, 1988), e proprie-dade de diminuir a fixação de fósforo e osefeitos nocivos de alumínio e manganês sobreas plantas, além de ser importante fornece-dor de nutrientes, como nitrogênio, fósforo eenxofre (COELHO e VERLENGIA, 1973). Oenriquecimento do solo com matéria orgâni-ca aumenta sua capacidade de estimular ocrescimento das plantas e da produtividade(HENIN et al., 1976).

A fase gasosa do solo fornece oxigênio,que é absorvido pelas raízes das plantas, erecebe o gás carbônico por elas eliminado.Há um equilíbrio entre o ar e a água do solo,podendo haver deficiência de aeraçãoquando o solo apresenta elevado conteúdoem água (COELHO e VERLENGIA, 1973).Raven et al. (1992) relatam que o ar do soloinflui na disponibilidade de nutrientes e nodesenvolvimento das plantas, muito emborajá se tenha mostrado a capacidade de adap-tação de algumas espécies a condições dedeficiência de aeração, através do desenvol-vimento de bolsas de ar dentro de seustecidos.

A solução do solo é representada pelaágua com nutrientes e gases nela dissolvidos.

É dela que as plantas retiram os nutrientesque necessitam para seu desenvolvimento eprodução (RAVEN et al., 1992). Sua compo-sição e concentração mudam constantemen-te, diluindo-se com a chuva e concentrando-se com a evaporação e transição das plantas(COELHO e VERLENGIA, 1973).

Os solos quando examinados a partirda superfície, consistem de seções aproxima-damente paralelas – denominadashorizontes ou camadas – que se distinguemdo material de origem, inicial, como resulta-do de adições, perdas, translocações e trans-formações de energia e matéria, e tem a ha-bilidade de suportar o desenvolvimento dosistema radicular de espécies vegetais, emum ambiente natural (EMBRAPA, 1999).Através de análises morfológicas e químicasdo perfil do solo procura-se buscar caracte-rísticas semelhantes entre os solos(REZENDE, 1988).

Neste contexto, o estudo objetivou ca-racterizar as principais classes de solos deocorrência na área de estudo, assim comoelaboração de mapas, agrupando classes desolos que apresentam semelhantes caracte-rísticas químicas e físicas, através de análisesmorfológicas e químicas do perfil correlacio-nando com o etnoconhecimento dos Kaiowáe Guarani.

2 Procedimentos Metodológicos

2.1 Caracterização física da área daReserva Indígena de Caarapó-MS

2.1.1 Localização

A Reserva Indígena de Caarapó pos-sui 3.594,4154 ha, situados entre os parale-los 22o34’S e 22o38’S e os meridianos 55o55’We 55o01’W (Figura 1), inseridos na porçãooeste do município de Caarapó, localizadoao sul do estado de Mato Grosso do Sul, e naregião central da superfície que consistia noterritório tradicional dos índios Kaiowá eGuarani.

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Posicionada no divisor de águas dasbacias dos rios Dourados e Amambaí, comaltitude média de 500 m, apresenta relevoplano e suave ondulado. As formações geoló-gicas da reserva indígena apresentam asmesmas características do seu entorno, en-globando as Formações Serra Geral e Caiuá.

Apresenta clima Subtropical com pre-cipitações entre 1400 e 1700 mm bem distri-buídos anualmente, temperatura médiaanual de 20 a 22°C, chegando a atingir 0°Cno inverno, com ocorrências de geadas, e38°C no verão, onde se concentra o períodode chuvas.

2.1.2 Caracterização dos aspectos geológicos

A área tem a ocorrência das Forma-ções Serra Geral e Caiuá. As medidas radio-métricas detectadas em passado recente in-dicaram que a idade principal do Vulcanis-mo Serra Geral estaria no Cretáceo Inferior(120 a 130 milhões de anos), porém, comderrames no Jurássico Superior. A Forma-ção Serra Geral em tratos cartográficos doestado de Mato Grosso do Sul, se faz repre-sentar por lavas basálticas de naturezatoleítica com aspecto maciço, uniforme,

amigdaloidal e vesicular, contendo fraturasirregulares e subconchoidais, formando es-pessuras variáveis de derrames com interca-lações lenticulares e diques de arenitos.

As rochas que constituem a FormaçãoCaiuá são vistas aflorando a partir do sul doEstado, terminando a norte nos contrafor-tes da serra das Araras, próximo a divisacom o estado de Mato Grosso. A uniformi-dade litológica é a mesma que se observatanto no oeste como no norte paranaense. Amaioria dos autores considera a FormaçãoCaiuá como de idade cretácea inferior, idéiaesta que se encontra fundamentada, princi-palmente, no seu posicionamento, já que amesma é desprovida de conteúdo fossilífero.

O arenito da presente unidade com-põe-se, principalmente, por grãos quartzosose, subordinadamente, por feldspato, calce-dônia, impregnações ferruginosas, muscovitae argila. Na fração pesada distinguem-sezircão, turmalina, magnetita, granada,estaurolita, cromita, augita e hornblenda,entre outros minerais. As rochas em ques-tão mostram-se muito porosas, facilmentedesagregáveis e, na maioria das vezes, seusgrãos encontram-se envoltos por uma pelí-cula de limonita.

Figura 1 – Localização da Reserva Indígena de Caarapó-MS.

Fonte: Programa Kaiowá/Guarani - UCDB, 2002).

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2.1.3 Características hidrológicas

A área interna da reserva indígena deCaarapó se divide em seis microbacias,nominadas pelos índios de “Pahi” (Ponte deMadeira), “Kanguery” (Rio dos Ossos), “PikySyry” (Córrego do Lambari), “Mbopiy”(Córrego do Morcego), “Sãja Pytã” (BuracoVermelho) e “Jaicha Syry” (Córrego da Paca).Todas essas microbacias têm suas nascentesdentro da área da reserva que se situa no limi-te do divisor de águas de duas grandes baciashidrográficas do Estado, a do rio Ivinhemaao norte e a do rio Amambaí, ao sul, ambosafluentes do rio Paraná.

2.2 Coleta dos dados

2.2.1 Avaliação e classificação técnica dos solos

A avaliação do solo obedeceu ao Siste-ma Brasileiro de Classificação de Solo e o tra-

balho foi dividido em cinco etapas da seguin-te forma:a) Análise das fotografias aéreas (Figura 2)

e imagem de satélite (Figura 3) visandouma análise prévia dos ambientes predo-minantes ao longo do traçado;

b) Após, visita a campo para coleta de amos-tras de solo e verificação no local, da ocor-rência dos tipos de solo;

c) Acompanhamento dos procedimentosanalíticos das amostras de solos coletadasao longo do perfil;

d) Interpretação dos resultados analíticos edefinição dos tipos de solos e sua classi-ficação;

e) Delimitação das classes de solo para elabo-ração de mapa da ocorrência de solo e a ap-tidão agrícola das terras da área em estudo;

Figura 2. Foto aérea da Reserva Indígena de Caarapó – MS.

Fonte: Programa Kaiowá/Guarani-UCDB, 2002.

Figura 3. Imagem de satélite com os locais dos perfis descritos e coletados amostras de solo.

Fonte: Programa Kaiowá/Guarani-UCDB, 2002.

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A metodologia utilizada no levanta-mento pedológico consistiu, em última aná-lise, na subdivisão de áreas heterogêneas, emparcelas homogêneas, que apresentam amenor variabilidade possível, em função dosparâmetros de classificação e das caracterís-ticas utilizadas para distinção dos solos.

Para tanto, foram descritos 9 (nove)perfis de solo na área, onde se coletaramamostras de solos para análise química e físi-ca das mesmas. Para coleta das amostrasutilizou-se a abertura de trincheira no soloaté 2 m e amostragem por tradagem em duasprofundidades de 0-20 e 40 a 60 cm. Foramrealizadas análises para determinação dafertilidade do solo e a granulometria. As aná-lises realizadas nas amostras de solo foramas de rotina para determinação da fertilida-de do solo e a granulometria.

Os parâmetros analisados foram:a) pH do solo – este item indica a acidez ou

alcalinidade do solo;b) Matéria orgânica – este parâmetro indica

uma maior ou menor atividade biológicado solo, além de ser responsável pela agre-gação de suas partículas e estar direta-mente ligada à reciclagem de elementosquímicos no solo, como nitrogênio, enxo-fre, fósforo, potássio, etc.

c) Fósforo disponível – é elemento químicoessencial às plantas e indica uma capaci-dade de suprir este nutriente às plantas –Está relacionado à fertilidade do solo;

d) Potássio, cálcio e magnésio trocável – Sãoelementos químicos essenciais às plantase indicam um estado nutricional do solo;

e) Hidrogênio e alumínio – Não são elementosquímicos essenciais, mas fazem parte dacapacidade de troca de cátions e são uti-lizados na avaliação de solos.

f) Granulometria - indica a proporção de par-tículas abaixo de 2 mm (dois milímetros)existente no solo. A granulometria indicaa textura do solo.

2.2.2 Avaliação e classificação étnica dos solos

Também se realizaram oficinas com apopulação indígena, a fim de se obter subsí-dios para a classificação dos tipos de solo eaptidão agrícola utilizada por eles, associandoao levantamento pedológico da reserva, paracorrelacionar com o levantamento técnico

realizado dentro da área de Reserva Indígenade Caarapó-MS, e obter informações para arecuperação e conservação dos solos.

Para avaliação dos fatores limitantes àaptidão agrícola das terras consideraram-setrês níveis de manejo: nível de manejo A (pri-mitivo), baseado em práticas agrícolas querefletem um baixo nível técnico-cultural, de-pendendo fundamentalmente do trabalhobraçal, podendo ser utilizada alguma traçãoanimal com implementos agrícolas simples;nível de manejo B (pouco desenvolvido), ca-racterizado pela modesta aplicação de capi-tal, e as práticas agrícolas incluem a utiliza-ção de tração animal ou trator, apenas paraabertura de áreas e preparo inicial do solo; enível de manejo C (desenvolvido), que se cons-titui da aplicação intensiva de capital e deresultados de pesquisas para manejo, melho-ramento e conservação das condições das ter-ras e das lavouras, a mecanização está pre-sente nas diversas fases da operação agrícola.Os níveis de manejo B e C envolvem melho-ramentos tecnológicos em diferentes modali-dades, contudo, não leva em conta a irrigaçãona avaliação da aptidão agrícola das terras.

Os fatores limitantes consideradospara avaliar as condições agrícolas das ter-ras foram:a) Deficiência de Fertilidade: está na depen-

dência, principalmente da disponibilidadede macro e micronutrientes, incluindotambém a presença ou ausência de certassubstâncias tóxicas solúveis, como o alumí-nio e o manganês que diminuem a dispo-sição de alguns minerais importantes paraas plantas. O Índice de fertilidade foi ava-liado através da saturação por bases (V%),saturação com alumínio, soma de basestrocáveis (S), capacidade de troca decátions (T), matéria orgânica, fósforo dis-ponível no solo e pH.

b) Deficiência de água: é definida pela capaci-dade de armazenamento de água disponí-vel decorrente de características inerentes aosolo como textura, tipo de argila, teor de ma-téria orgânica e profundidade efetiva.

c) Excesso de água ou deficiência de oxigênio:normalmente está relacionado com a clas-se de drenagem natural do solo, que porsua vez é resultante da interação de fatorescomo precipitação, evapotranspiração,relevo e propriedades do solo.

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d) Suscetibilidade à erosão: está na dependên-cia das condições climáticas, do relevo, dosolo e da cobertura vegetal, além do usointensivo e inadequado das terras pelaspráticas agrícolas adotadas.

e) Impedimentos à mecanização: refere-se às con-dições apresentadas pelas terras para o usode máquinas e implementos agrícolas. Essefator é relevante no nível de manejo C.

3 Resultados e discussão

3.1 Classes de solos da Área

Tecnicamente, na área de estudo foramdiagnosticadas quatro classes de solo: i)Latossolo Vermelho Ácrico; ii) LatossolosVermelho Aluminoférrico e Distroférrico; iii)

Argissolo Vermelho; e iv) Gleissolos. A, ondea classe de solo predominante constatada éo Latossolo Vermelho Ácrico de textura are-nosa (Mapa 1). A ocorrência de diferentestipos de solos, na Área da Reserva Indígenade Caarapó é de muita importância para asua população. As formações geológicas doentorno definem os tipos de solos da região,que têm grande influência sobre essa cultu-ra, ressaltando que esses povos possuem umamplo conhecimento de sua área, e esta no-ção, estão subsidiando as práticas agrícolasali adotadas. Em função do confinamentoimposto aos Kaiowá e Guarani, ao longo dotempo, esses povos passaram a ter uma per-cepção maior e melhor da escolha de espaçospara fins agrícolas, o que coincide com osdados atuais apresentados neste trabalho.

Mapa 1. Classes de solos de ocorrência na Reserva Indígena de Caarapó-MS

Fonte: Programa Kaiowá/Guarani-UCDB, 2002.

3.1.1 Latossolos

São solos bem evoluídos, em avançadoestado de intemperização e com baixa ca-pacidade de trocas de cátions. Podem ser deboa à imperfeita drenagem. São normalmen-te ácidos e muito profundos; típicos de regi-ões equatoriais e tropicais (RESENDE, 2002),

e se originam a partir das mais diversas espé-cies de rochas, sob condições de clima e tiposde vegetação os mais diversos. Apresentamhorizonte A chernozêmico seguido de hori-zonte: B incipiente; ou B textural; ou B nítico,todos com argila de atividade alta e saturaçãopor bases alta; ou B incipiente < 10 cm de es-pessura; ou C, ambos cálcicos ou carbonáticos;

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ou cálcico; ou caráter carbonático no horizon-te A, seguido de um contato lítico (EMBRAPA,1999).

3.1.1.1 Latossolo VermelhoAluminoférrico e Distroférrico

Solos com caráter alumínico e teoresde Fe2O3 (pelo H2SO4) de 18% a < 36% namaior parte dos primeiros 100 cm do hori-zonte B (EMBRAPA, 1999). Estas classes sãoformadas de solos de grande significado agrí-cola, situados em relevo normalmente suaveondulado, com declividade que raramenteultrapassa 7%, são fundos porosos, bem per-meáveis mesmo quando muito argilososfriáveis de fácil preparo (RESENDE, 2002).

A grande quantidade de óxidos de fer-ro, ou de ferro e alumínio e a textura argilosafavorecem a adsorção de fósforo, requeren-do doses relativamente maiores desse elemen-to do que outros solos com mineralogia e tex-tura diferentes. Isso é mais significativo paraos solos que nunca receberam tal elemento,pois, à medida que novas aplicações de fosfatosão feitas, o solo atinge um ponto a partir doqual não mais responde àquelas aplicações,passando a liberá-lo paulatinamente.

Apresentam boa resistência à erosão,requerem, contudo, tratos conservacionistasadequados conforme o declive do terreno eo uso (PRADO, 1996).

3.1.1.2 Latossolo Vermelho Ácrico

Solos com caráter ácrico dentro de 150cm da superfície do solo. Essa classe compre-ende solos minerais não hidromórficos comteores de Fe2O3 provenientes do ataque sulfú-rico na TFSA inferiores 18% quando argilo-sos ou muito argilosos e, usualmente inferio-res a 8% quando de textura média, com atra-ção magnética fraca ou inexistente(EMBRAPA, 1999). Apresentam como carac-terísticas habituais, a grande espessura, ofavorecimento ao lavradio e à boa drenageminterna. São, no entanto, muito heterogêneosno que concerne à textura e à fertilidade.

Geralmente, os solos de textura menosargilosa apresentam somas de bases inferio-res aos de textura mais argilosa; nesses, po-rém, os teores de alumínio trocável, usual-mente são superiores, embora raramenteatinjam valores absolutos elevados. Agrande variação textual, com teores de argi-

la de 16 a 85% no horizonte B, confere a estessolos apreciável disparidade quanto à infil-tração e capacidade de retenção de água ede nutrientes. É de esperar menor capacida-de de retenção de água nos solos com grandecontribuição de areia, especialmente quandopredominante grossa. Esses solos pouco argi-losos apresentam, também, em igualdade decondições, menor resistência à erosão do queos mais argilosos.

No geral, o Latossolo Vermelho Ácricoresponde bem à aplicação de fertilizantes ecorretivos.

3.1.2 Argissolos

São solos constituídos por material mi-neral, apresentando horizonte B texturalcom argila de baixa atividade, imediatamenteabaixo do horizonte A. Profundidade geral-mente variável, e vão desde forte a imperfei-tamente drenados e, apresentam acidez tam-bém variante.

3.1.2.1 Argissolo Vermelho

Apresentam grande diversidade quan-to à fertilidade, quando se formarem em ma-teriais de origem relativamente ricos, apre-sentando boa disponibilidade em bases epodem ter caráter eutrófico, o que se verifi-ca comumente. De acordo com a Embrapa(1999), são mais suscetíveis à erosão, queLatossolo Vermelho Aluminoférrico. Em ge-ral, predominam nas encostas côncavas e nasplano-inclinadas das superfícies onduladase forte onduladas e é bastante expressiva.Ocupam cerca de 6,2 % da superfície do es-tado de Mato Grosso do Sul e podem apre-sentar textura arenosa a média, apresentaum baixo grau de resistência à erosão. Afitofisionomia da vegetação natural é bas-tante diversificada e pode ser composta decerrados e até mesmo de caatinga.

As limitações mais sérias são o decli-ve, nos terrenos mais acidentados. No en-tanto, respondem bem à aplicação de fertili-zantes e corretivos (RESENDE, 2002).

3.1.3 Gleissolos

São solos constituídos por materialmineral com horizonte glei imediatamenteabaixo de horizonte A, ou de horizonte

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hístico com menos de 40 cm de espessura,ou horizonte glei começando dentro de 50cm da superfície do solo. Não apresentamhorizonte plíntico ou vértico, acima do hori-zonte glei, ou coincidente com este, nemhorizonte B textural com mudança texturalabrupta coincidente com horizonte glei, nemqualquer tipo de horizonte B diagnósticoacima do horizonte glei.

Estes solos são permanentes ou perio-dicamente saturados por água. Contém defi-ciência ou mesmo, ausência de oxigênio, edevido à saturação por água, apresentandode mal a péssima drenagem em condiçõesnaturais. São eventualmente formados emáreas inclinadas sob influência do aflora-mento de água subterrânea. São solos queocorrem sob vegetação hidrófila ou higrófilaherbácea, arbustiva ou arbórea.

4 Classificação dos solos pelos Kaiowá eGuarani

Para a classificação dos solos, pelosKaiowá e Guarani, foram realizadas diver-sas oficinas com a população indígena, ondese utilizou preceitos de abordagem êmica(enfoque na visão nativa). Os participantesdescreveram a forma de classificação dosdiferentes tipos de solo atribuída por eles(Mapa 2), onde o reconhecimento ocorre daseguinte forma: “yvy pytâ” (terra vermelha)– Latossolo Vermelho Ácrico; “yvy h~u” (terrapreta) – Latossolo Vermelho Aluminoférricoe Latossolo Vermelho Distroférrico; “yvysayju” (terra amarela) – Argissolo Vermelho;“yvy moroti” (terra branca) – Gleissolos.

Mapa 2. Classificação dos solos da Reserva Indígena segundo os Kaiowá e Guarani.

Fonte: Programa Kaiowá/Guarani-UCDB, 2002.

4.1 Classificação étnica dos solos

A classificação do solo é de suma im-portância para a prática agrícola pelosKaiowá e Guarani. Em “yvy pytâ” ou, terravermelha, normalmente é praticado o plan-tio de arroz. A terra preta, ou “yvy h~u”, éutilizada para o cultivo do milho – que porsua vez, apresenta variedades diferentes, sen-

do uma cultura bem presente entre os Kaiowáe Guarani, dentre outros tipos de plantaçõesque ocorrem neste tipo de solo, que tem gran-de importância agrícola, devido a alta fertili-dade. Outra cultura presente no cotidiano daReserva é a mandioca, que é cultivada nosolo, nomeado como”yvy sayju” (terra ama-rela), pelos indígenas. Há um tipo de solo, quesegundo os indígenas, não é cultivada cultura

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nenhuma. Este tipo de solo é conhecido poreles, como “yvy moroti”, ou terra branca. Estaclasse representa os gleissolos, ou seja, os so-los que são saturados por água, não sendoutilizados nas práticas agrícolas. Neste senti-do, há uma clara diferenciação realizada pe-los índios, categorizando os solos próprios eimpróprios para atividades agrícolas.

4.2 Aptidão Agrícola das Terras daReserva Indígena

O Mapa 3 apresenta a aptidão agríco-la da Reserva Indígena de Caarapó. A le-genda desta sintetiza os resultados da cor-relação entre os fatores limitantes e os níveisde manejo.

Mapa 3. Aptidão agrícola da Reserva Indígena de Caarapó, MS.

Dentre as classes de solos de ocorrên-cia na área em estudo, constatou-se a predo-minância do Latossolo Vermelho Ácrico, queapresentam como características habituais,a grande espessura, favorecimento aolavradio, boa drenagem interna, eheterogeneidade no que concerne à texturae à fertilidade, seguido da predominânciados Latossolos Aluminoférrico eDistroférrico, os quais são formados por so-los de expressiva aptidão agrícola, permitin-do dessa forma, delinear as condições agrí-colas das terras, como sendo de boa acepçãoà lavragem, contribuindo para a utilizaçãopor diversas culturas.

Verificou-se o maior uso agrícola nasterras onde a aptidão é evidente, coincidin-do com os solos classificados por critérios téc-nicos como os mais aptos para o cultivo.

O uso intenso dos recursos naturaisdentro da reserva e a característica do rele-vo, predominantemente plano, provocarama redução do volume de água disponível na

área, o que se torna um grande problema,devido ao uso dessa água não só para o plan-tio, mas, principalmente para consumo hu-mano.

Os relatos de membros da Comunida-de Indígena sobre o cotidiano de seus avós,mostraram o conhecimento de ocorrênciasgeológicas associadas a cada formação e seuuso na vida da reserva. Um exemplo é o usoda pedra para afiar ferramentas, as quaiseram apanhadas na região denominada poreles de “Itakuruvi”, situada na porção sudoes-te da reserva, área da Formação Serra Geral.Outro exemplo era o uso da areia que brota-va nas minas de água da região do “Mbokaja”ou “Yuy Ku’i VeVe”, localizada em área daFormação Caiuá, que era usada junto com omilho para fazer pipoca e também usada naconfecção de jarros para água.

O impacto do confinamento dosKaiowá e Guarani dentro de pequenas reser-vas limitou as práticas agrícolas itinerantes,antes empregadas, aliadas à superpopula-

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INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 7, N. 11, Set. 2005.

ção, comprometeu os recursos naturais e ouso atual das terras, agravado pela retiradada vegetação próxima das referidas nascen-tes. Estas ações têm provocado o secamentodos brejos com conseqüente redução do volu-me de água disponível durante o ano, fazen-do com que estes rios fiquem, nos seus tre-chos iniciais, sem água durante muitos me-ses ao longo do ano, o que antes não aconte-cia. Hoje, a recuperação dessas áreas, estádiretamente associada à prática agrícola.

Nas diversas oficinas realizadas nacomunidade indígena, os participantes fo-ram enfáticos ao lembrar da redução do volu-me de água disponível na área e citarammuitos lugares antes úmidos ou mesmo comlagoas permanentes e que atualmente estãosecos. Em relatos dos índios mais velhos, écomum citarem, quando se referem a umlugar específico: “aqui antes existia tal culturaagrícola ou planta nativa”.

A área indígena de Caarapó é de ocu-pação tradicional Kaiowá, sendo hoje habi-tada por uma população ainda majoritaria-mente desse sub-grupo Guarani1. A popula-ção indígena total da área é de 3060 habitan-tes, com 600 casas e 660 famílias nucleares(PROGRAMA KAIOWÁ/GUARANI, 2002).

Como conseqüência da superpopula-ção, o ecossistema no interior das ReservasIndígenas está, hoje, completamente altera-do. A mata vem desaparecendo e a água estáem grande parte comprometida. A caça ter-minou e a coleta de alimentos, medicamen-tos e outros tipos de matéria-prima, é prati-camente inexistente. O solo está empobreci-do, a coivara é impraticável e, pela poucaoferta, a pesca torna-se uma atividade espo-rádica ou impossível de ser realizada. Noperíodo da seca, o fogo, facilmente se alas-tra pelo “colonião”, atingindo as reservas demata e contribuindo, a cada ano, para a suaredução, comprometendo ainda mais o ecos-sistema. Na maior parte das aldeias, a reno-vação dos recursos naturais é impossível semque haja uma ação técnica planejada eabrangente.

Parte significativa dos jovens e adul-tos busca o sustento para si e suas famílias,como mão-de-obra, nas usinas de álcool emcondições de extrema precariedade, ou en-tão como bóia-frias nas fazendas. A desnu-trição é marcante. A ausência prolongada

dos pais, por dois ou mais meses, é fator im-portante de desintegração das famílias queconstituem a unidade básica da sociedade,sobre a qual repousam e se articulam impor-tantes atribuições no campo da economia,da política e da religião.

5 Considerações Finais

A importância do etnoconhecimentopara a recuperação tanto da área da Reser-va, quanto para as práticas agrícolas, queoutrora estavam presentes na cultura dessespovos, subsidiarão as ações de conservaçãoe recuperação dos solos mais utilizados paracultivo agrícola pelos Kaiowá e Guarani.

A reposição desses recursos está dire-tamente ligada à contribuição que deve serrealizada para o bem-estar e autonomia dosKaiowá e Guarani. Tendo o conhecimentodos tipos de solos da região, através do levan-tamento e correlacionado-o com o etnoco-nhecimento, tem-se uma articulação maisconcreta, no que diz respeito à recuperaçãoda área, proporcionando as condições neces-sárias para a viabilização da organização econvívio social.

Há dessa forma, uma perspectiva maispalpável e animadora para a recuperação econservação dos solos, assegurando a essaetnia, a sobrevivência de sua cultura, queestá muito ligada ao plantio – conservando-se as raízes de suas práticas e crenças, e tam-bém, promovendo o desenvolvimento local,com base na sustentabilidade interna, possi-bilitando um aumento na produtividade queabrange todo esse espaço territorial.

Com vistas na produção agrícola sus-tentável, os sistemas agroflorestais (SAFS)podem representar alternativas interessan-tes, tendo em vista as formas de uso e manejoda terra, nas quais árvores ou arbustos sãoutilizados em associação com cultivos agrí-colas e/ou com animais, em uma seqüênciatemporal.

A conservação dos solos passa neces-sariamente pela demarcação das terras in-dígenas, com a melhor distribuição espacialdas famílias ao longo das novas áreas.

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Agradecimentos

Os autores agradecem ao Fundo Nacionaldo Meio Ambiente (FNMA) pelo apoio financeiro,às ações desenvolvidas na Reserva Indígena e aoCNPq pelas bolsas concedidas a acadêmicos eaos membros da comunidade Kaiowá e Guaranique contribuíram, na sua óptica, correlacionandoo solo às condições de subsistência da TerraIndígena de Caarapó.

Notas1Os Guarani no Mato Grosso do Sul, estão representados

pelas parcialidades Kaiowá e Ñandeva, sendo queesta se auto-reconhece e é reconhecida pela denomi-nação Guarani. Embora em menor número e histo-ricamente localizados ao sul da bacia do Rio Iguatemi,os Guarani estão presentes hoje em várias áreas deocupação histórica kaiowá, a exemplo do que acon-tece em Caarapó.

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