Os Puritanos e a Adoração

18
Os Puritanos Os Puritanos e a adoração Joel Beeke

description

Uma obra do Dr. Joel Beeke

Transcript of Os Puritanos e a Adoração

Os Puritanos

Os Puritanose a adoração

Joel Beeke

Os Puritanos e a Adoração Dr. Joel Beeke

Salmo 87 “O Senhor ama as portas de Sião mais do que todas as ha-

bitações de Jacó”. Houve um puritano de nome Stephen Charnock que fez

um sermão completo só neste versículo, onde argumenta que Deus se apraz em lidar com seu povo no culto público muito mais do que com o culto particular que realizamos em nossas casas e comparando-o com as portas de Sião. Char-nock faz sua analogia com as tendas de Jacó. Os puritanos também eram extremamente enfáticos em dizer que Deus se apraz com o culto privado; eles também enfatizavam a leitu-ra da Bíblia e a prática da meditação pessoal. Mas ainda as-sim, Charnock dizia que havia alguma coisa muito especial no culto público, corporativo, porque é lá que Deus se delei-ta em se encontrar com seu povo.

Se os puritanos tinham uma alta visão a respeito da Igre-ja amando-a como a noiva de Cristo; se de forma especial amavam a Igreja invisível como a Igreja de Deus, então au-tomaticamente enfatizavam a importância de se ter também a visão da Igreja visível de Deus. Os puritanos acreditavam que a Igreja visível deveria refletir o mais semelhantemente possível a Igreja invisível. Eles criam que nas Igrejas tudo deveria ser feito de acordo com a Escritura Sagrada. É exa-tamente sobre isso que desejamos falar aqui. Vamos medi-tar em como os puritanos adoravam a Deus. Veremos três pontos:

1) A autoridade na adoração 2) A mecânica da adoração 3) A pureza interna da adoração

2

1) Autoridade da Adoração Os puritanos acreditavam que podemos encontrar as di-

retrizes para nossa vida no Novo Testamento e isso natu-ralmente não é surpresa. Eles eram fortemente “biblicistas”, pois acreditavam em governar e dirigir toda nossa vida ex-clusivamente pelas Escrituras; até mesmo os pequenos de-talhes deveriam ser colocados aos pés dos princípios bíbli-cos. Então, uma coisa tão importante como o culto público, quando Deus vem para habitar e agir no meio de seu povo, ele deve ser ordenado pelas Escrituras. No Velho Testamen-to Deus dava a Moisés os detalhes específicos da adoração e como o Israel do Velho Testamento deveria louvá-lo. Certa-mente muitas dessas leis tratavam de coisas que já foram cumpridas em Cristo, assim como todas as cerimônias e todas as sombras e os tipos. Todas estas coisas tiveram seu cumprimento no Senhor Jesus Cristo. Os puritanos, portan-to, diziam: “Agora nossa bússola para a adoração está no Novo Testamento”. E concluíam que nós precisamos adorar a Deus de conformidade com os preceitos do Novo Testa-mento. Não podemos excluir da nossa adoração nada do que o Novo Testamento estabelece, mas certamente não pode-mos incluir no culto aquilo que o Novo Testamento não or-dena. Através do estabelecimento deste princípio os Purita-nos apenas desenvolveram o que Calvino já havia lançado como base.

Martinho Lutero e João Calvino tinham um pensamento

bastante divergente com relação à adoração. Lutero e os luteranos diziam que, desde que alguma coisa não esteja proibida no Novo Testamento, isso é aceitável no culto. Mas Calvino disse que nada é aceitável para ser praticado no culto senão aquilo que está expressamente ordenado e ex-posto nas Escrituras. Lutero disse que as coisas que não são proibidas nas Escrituras poderiam ser praticadas e as cha-mou de adiaphora. Ele costumava dizer que não importa se você faz ou não faz certas coisas no culto. Os Puritanos

3

achavam que algumas destas idéias luteranas encontraram guarida no Livro de Orações da Igreja Anglicana e por isso levantaram sérias objeções a este livro. Isso naturalmente lhes trouxe problemas com o governo da Inglaterra. Havia 12 partes no Livro de Oração em que eles faziam objeções. Não podemos expor todas estas partes, mas vamos citar apenas 3 ou 4 destas objeções dos puritanos.

Eles não aceitavam a sugestão de que a congregação se ajoelhasse na hora da comunhão. Não aceitavam o fazer sinal da cruz na fronte daquele que estava sendo batizado; não aceitavam as estolas sacerdotais com suas estações co-mo é feito na Igreja Romana e Anglicana. Por que os Purita-nos se opunham a estas coisas? Porque elas não estavam ordenadas nos princípios bíblicos do Novo Testamento. Es-pecialmente por elas lembravam as superstições e práticas do Romanismo. Então desenvolveram uma prática extre-mamente diferente dos luteranos. Lutero disse que mante-ria o máximo que pudesse da adoração Romana e apenas mudaria as partes que diretamente contradiziam os padrões do Novo Testamento. Mas os Puritanos disseram começari-am do zero, que olhariam para aquilo que o Novo Testamen-to diz. Vamos fazer somente o que as Escrituras ordenam, afirmavam eles. Os puritanos olhavam para a Igreja da In-glaterra e diziam: Vocês são apenas meio reformados! Vocês ainda estão travestidos de tendências Romanas, pois ainda toleram as práticas antibíblicas; estão trazendo impurezas para o culto e Deus está muito preocupado com os detalhes do culto que vocês apresentam. Ele está muito ofendido com tantas superstições!

Os Puritanos desenvolveram o que nós conhecemos co-mo O Princípio Regulador do Culto. Nada nós podemos pra-ticar no culto que não esteja ordenado de forma expressa na Escritura, pois toda nossa adoração precisa estar alicerçada na Escritura. Precisamos orar a Palavra. Por isso, durante as orações os Puritanos citavam tanto as Escrituras. Preci-samos cantar a Palavra. Por isso eles falavam de forma genuína: “Vamos cantar os Salmos!”. Precisamos ler a Pala-

4

vra. Então, durante os cultos faziam leituras extensas das Escrituras. Precisamos pregar a Palavra. Os Puritanos eram contra qualquer uso de subterfúgios mundanos na pregação por parte dos pastores. Tudo que o ministro fala deve fluir do texto, especialmente sua aplicação prática. Até mesmo as experiências espirituais devem fluir das Escritu-ras. Assim sendo, tudo na adoração precisa ser delineado e centrado na Palavra de Deus.

Isso inclui os sacramentos. Os puritanos diziam que na administração dos elementos da Santa Ceia o povo vê a Pa-lavra. Eles não administravam a Ceia do Senhor nem o ba-tismo sem que antes houvesse a pregação da Palavra. Por serem eles tão centrados nas Escrituras alguns começaram a dizer pejorativamente que a adoração dos puritanos estava presa e enclausurada na Escritura e por isso não havia ne-nhuma espontaneidade no culto. Mas isso não é verdade. Os Puritanos disseram na Confissão de Fé de Westminster que existem algumas coisas permitidas na adoração e que não são explicitadas na Escritura. A isso eles chamaram de ele-mentos não essenciais do culto. Mas eles sempre promoviam a boa ordem na Igreja de Cristo. Chamaram estas coisas (elementos não essenciais) de circunstâncias do culto. Eles sempre desejavam que houvesse espontaneidade nestes elementos circunstanciais da adoração. Richard Baxter apresenta uma lista destes elementos circunstanciais. Ele inclui nesta lista coisas como:

O texto bíblico específico que o pastor esco-lhe para ministrar à sua igreja

O método da sua pregação: se exegético ou tópico

O horário do culto no dia do Senhor Os Salmos específicos que devem ser canta-

dos e que devem se harmonizar com o tema pre-gado

As passagens bíblicas que devem ser lidas na liturgia e direcionadas ao sermão

Se o pastor deve ou não usar anotações

5

Se o pregador dirige todas as orações no cul-to ou ele deve permitir outro presbítero orar

Que mobiliário deve ser usado no templo As roupas que os membros devem usar no

culto

É isso o que Baxter diz dos Puritanos quando eles cita-vam elementos circunstanciais. Então, precisa haver uma certa quantidade de liberdade; por isso os Puritanos eram extremamente opostos às ordenanças que estavam no Livro de Oração da Igreja Anglicana. Este livro imposto pela Rai-nha Elizabeth à igreja aprisionava as consciências de todos com suas ordenanças, mas os Puritanos queriam liberdade para saber sobre o que eles poderiam pregar; queriam ser guiados pelo Espírito Santo de Deus e não serem guiados por algum tipo de livro de oração. Assim os Puritanos de-senvolveram uma resistência terrível às orações prontas, pré-formadas, contidas nos Livro de Oração da Igreja Angli-cana. Eram contra os pastores escreverem e lerem suas ora-ções, mas também se opunham à leitura de uma determina-da oração em situações específicas, mesmo que esta oração fosse bíblica. Diziam que isso anulava a liberdade do Espíri-to; acreditavam que o ministro poderia servir melhor à igre-ja quando ele orava algo que vinha do coração porque assim teria liberdade para orar de forma extemporânea. Essas orações eram muito mais apaixonadas e mais zelosas que aquelas dos colegas anglicanos. As pessoas percebiam isso e os puritanos adquiriram a reputação de pastores que prega-vam e oravam com verdadeira paixão e de forma bíblica. Dessa forma as pessoas se sentiam movidas, alimentadas e iluminadas. O culto puritano tornou-se muito popular. Por isso os Puritanos começaram a ser proibidos de pregar, es-pecialmente em 1662. Então procuraram outras formas de pregar e de adorar – a estas formas eles chamaram de reu-nião para palestras. Ou seja, alguém ficava em sua própria Igreja e escutava o “boneco” anglicano pregar e fazia tudo mecanicamente como está no Livro de Oração. Mas na tarde

6

do domingo iria sorrateiramente para outro edifício ou no mesmo local que se reunira pela manhã e ali havia um “pa-lestrante” puritano que pregava e orava com paixão para que as pessoas tivessem o alimento espiritual.

Tudo isso engloba o princípio da autoridade na adoração puritana: tudo deve ser feito somente segundo a Escritura, mas com liberdade na dependência do Espírito. Percebamos que os Puritanos tinham o mesmo pensamento de Calvino quando diziam que havia dois ministros em cada culto: O ministro “externo” que ficava no púlpito trazendo a Palavra do Senhor e se aquilo que este pastor estava pregando fosse de fato bíblico, o ministro “interno”, o Santo Espírito de Deus, tomaria a Palavra “externa” que estava sendo pregada e a traria para o seu lugar, para sua casa, o coração dos cren-tes.

Essa é a beleza do culto público ainda hoje. É algo mara-vilhoso para o ministro subir no púlpito totalmente prepa-rado, mas ainda assim necessitar exclusivamente da ilumi-nação do Espírito Santo de Deus, sabendo que a Palavra não voltará vazia; sabendo que Deus utilizará aquela Palavra para edificar várias pessoas naquele momento específico.

Há um presbítero em minha igreja que completou 84 anos esta semana e que tem a prática de orar antes do culto público, dizendo: “Senhor, lembra-te hoje do nosso pastor ‘externo’, de tal forma que quando ele pregar, a palavra que sair de sua boca seja como flechas nas mãos do Santo Espíri-to e que voe pela força do arco da graça e encontre o cami-nho do coração de todos aqueles que Tu desejas”. É exata-mente essa a adoração puritana, essa combinação maravi-lhosa de Palavra e Espírito trabalhando juntos e trazendo autoridade.

2) A Mecânica da Adoração Creio que vocês já tenham ouvido estórias terríveis sobre

o tempo de duração do culto puritano. Quero destruir estas estórias agora.

7

Os puritanos esperavam ansiosamente pelo dia de ir à igreja porque este dia era o clímax da semana. Eles ensina-vam para seus familiares que “hoje Deus vai se encontrar conosco; o Deus vivo, criador do céu e da terra, vai falar com vocês hoje, meus filhos”. Que pensamento maravilhoso e excitante é esse! Certamente não seria esse o dia favorito da semana? Essa era exatamente a visão dos puritanos. Eles geralmente chamavam este dia de “o dia da feira da alma”. Da mesma forma como uma dona de casa vai para o super-mercado e adquire todas as coisas necessárias para passar a semana com sua família e para suas necessidades físicas, dessa mesma forma os Puritanos acreditavam que iam à Igreja aos domingos para ali aumentar o estoque de alimen-to espiritual e sobreviver ao longo de vários dias. O sábado cristão, o domingo, era um dom de Deus, um privilégio, onde podiam colocar suas tarefas particulares de lado por um dia e dedicar esse dia inteiro somente para a adoração ao Se-nhor.

Sempre tento ensinar esse princípio a meus filhos. Tenho três filhos. Geralmente eu os desperto dizendo: “Vamos lá, está na hora de acordar porque hoje é o dia em que vamos ouvir o que Deus tem a nos dizer”. Certo domingo, pela ma-nhã, minha filha de sete anos me disse: “Papai, este é o meu dia favorito”. Eu disse: “Por que?”. Ela respondeu: “O senhor já nos disse que Deus vai falar conosco hoje!”. Então, todos os domingos, quando acordo os três, lhes digo: “Vamos lá, hoje é o dia favorito de vocês, porque Deus vai lhes falar!”. Esta era a visão dos Puritanos com respeito ao culto.

Os Puritanos simplesmente não se contentavam com um sermão que durasse apenas 20 a 30 minutos. Eles sempre queriam uma seção de aconselhamento do próprio púlpito; queriam que o pregador tratasse de suas almas com infor-mações às suas mentes; desejavam que o pregador os ensi-nasse a viver aplicando o sermão às suas vidas. Para os Puri-tanos não bastava que o sermão fosse apenas exposto, mas que fosse aplicado. Existe uma história do antigo puritanis-mo escocês. Certo homem chamado Donald Macleod, voltou

8

certo dia da igreja mais cedo do que o usual e ouviu de sua esposa que havia ficado em casa, porque estava doente, es-tas palavras: “Donald, o sermão já acabou?”. Ele disse: “Não, ele já foi exposto, mas ainda precisa ser praticado”. Eles tinham a visão de ir à Igreja para ter a vida transformada e para verdadeiramente sentar, escutar e absorver os ensinos; depois voltavam para casa, comentavam o sermão com a família, discutiam com os amigos, examinavam-se a sós com Deus indagando como poderiam ter a vida modificada. De-pois suplicavam a Deus por graça e transformação. Isso es-tava no coração e na convicção dos Puritanos. Eles queriam ter sermões substanciais, sermões com conteúdo.

Os Puritanos se sentiam trapaceados com um sermão de 30 minutos. Em média um pastor Puritano pregava cerca de uma hora a uma hora e dez minutos. Todo o culto durava em média uma hora e trinta minutos. O culto geralmente come-çava com o cântico de um salmo, depois um momento de confissão de pecado e uma oração por perdão e iluminação; seguia-se uma leitura da Escritura e depois o sermão; se fosse o caso, o batismo ou a Ceia do Senhor; então faziam aquilo que chamavam de a longa oração. Essa oração podia durar cerca de 20 a 30 minutos. O pastor pregava orando pela aplicação dos pontos principais da mensagem na vida da congregação. Entre os Puritanos devotados este era um momento considerando como um privilégio; era uma oração íntima e pessoal onde o ministro visava unir Deus e seu po-vo; ele orava para que o sermão produzisse frutos vivos na vida de cada crente. Então, cantavam um salmo para encer-rar e a bênção em seguida.

Nem todos os puritanos procediam nesta mesma se-qüência. Alguns usavam uma forma dupla de abordagem. Sempre o sermão demorava 60 minutos. Antes de se focali-zar em um texto específico do capítulo eles davam uma vi-são geral de 15 minutos de todo o capítulo. Hoje nós ainda temos como princípio esta prática. Nos primeiros poucos minutos do sermão os puritanos faziam isso, mas de uma forma mais detalhada. Os comentários de Matheus Henry

9

são uma coletânea destes primeiros 15 a 20 minutos de ex-posição geral do capítulo.

A exegese dos sermões puritanos era de uma qualidade altíssima e podemos ver isso nos comentários de Matheus Henry ou Matheus Poole. A pregação dos Puritanos era um pouco diferente das de hoje. No lugar de somente pregar o texto eles pegavam as doutrinas principais daquele texto e analisavam com detalhes estas doutrinas extraídas, para a congregação. Expunham as doutrinas alicerçando-as em toda a Escritura. É por isso que eles conseguiam fazer uma seqüência de sermões ao longo do ano focando somente versículos específicos, mas sem nenhum tipo de repetição. Um exemplo disso é o livro de William Gurnall, “A Armadura Completa do Crente” baseado em Efésios 6, quando Paulo focaliza a armadura cristã. Ali há cerca de 6 sermões mos-trando diversas formas de combater Satanás. Existem muito poucas repetições dentro destes 6 sermões. À medida que vai pregando a respeito de como devemos lutar contra Sata-nás Gurnall vai tirando munição não somente de Efésios, mas de toda a Escritura. O resultado é que o livro torna-se um guia de como lutar contra Satanás. Será que deveríamos pregar desta forma hoje? Particularmente eu penso que as pessoas não têm muita paciência para suportar este tempo. Vivemos em dias diferentes daqueles dos Puritanos, temos uma cultura diferente e não precisamos copiá-los em cada detalhe, mas devemos aprender deles de que a pregação doutrinária é extremamente importante e faz com que as pessoas fiquem mais bem treinadas de forma que saibam no que acreditam e o que fazer com aquilo que acreditam.

É preciso acrescentar algo aqui. Por vezes os Puritanos pregavam por um tempo muito extenso. Isso acontecia na-queles momentos que eles chamavam de “dias de jejum”, ou “dias de humilhação”. Assim faziam se houvesse uma grande necessidade no país, ou em dias onde o país estava em guer-ra ou sofria com uma grande estiagem, ou algum problema sério com a família Real, ou quando os Puritanos sentiam que havia uma grande necessidade de arrependimento de

10

toda a nação. Então, os Puritanos convidavam a congregação para este dia especial de pregação, oração e jejum. Naqueles dias apenas tomavam água e comiam pão. A isso eles consi-deravam como jejum, não necessariamente negando ao cor-po alimento e sofrendo, mas simplesmente minimizando o tempo utilizado para a preparação de comidas e dedicando-se mais à oração de tal forma que pudessem se dedicar in-teiramente ao Senhor. Naqueles dias eles chegavam a ficar na igreja por 4 a 5 horas. O pregador certamente estaria ali pregando durante 2 a 3 horas sobre os pecados daqueles momentos específicos e da necessidade de arrependimento e a necessidade de ver a Deus. Esses dias específicos eram exceções quando os sermões e as orações eram mais longos. Algumas vezes os pastores pregavam durante 45 minutos a 1 hora clamando pela misericórdia de Deus, orando por avivamento da nação e para que Deus rasgasse os céus e descesse à congregação; isso iria reavivar a igreja.

Estes dias específicos são a raiz das estórias horrorosas que se contam sobre os cultos dos Puritanos. Mas na verda-de os Puritanos ansiavam por este dia; eram dias de apro-ximação com Deus e de arrependimento.

Os Puritanos defendiam a participação congregacional ou o culto corporativo, não na forma dos cultos de hoje. Mas quando comparado à adoração Romana, vemos que o catoli-cismo Romano distanciou a adoração daqueles que partici-pam do culto. Citamos como exemplo a missa em latim, coi-sa que ninguém entendia; a música era somente instrumen-tal ou através de corais compostos por profissionais e a pre-gação da Palavra era em latim. O coral estava dentro do templo à vista de todos; o local da celebração da missa era extremamente distante de onde o povo se assentava. Todos estes elementos combinados provocavam um tipo de espe-táculo e as pessoas presentes se tornavam extremamente passivas a tudo que acontecia. Os Puritanos mudaram tudo isso ao reorganizar os móveis da igreja colocando o púlpito no centro e próximo às pessoas; a mesa da Ceia do Senhor era usualmente colocada à frente da congregação; todo can-

11

to era entoado corporativamente, sem nada de solos ou co-rais porque o Novo Testamento diz que nós precisamos can-tar juntos.

A oração, considerada como uma atitude pessoal, era fei-ta pelo ministro que orava por indivíduos específicos em uma linguagem que todos entendessem; nestas orações as pessoas eram encorajadas a orar com o pastor e a ouvir o sermão feito pelo ministro. Os Puritanos são conhecidos como aqueles que ensinavam ao povo a escutar a mensa-gem. Vamos encontrá-los dizendo: “Vocês devem ser tão ativos em escutar como eu sou ativo em falar”. Muitos puri-tanos dentre o povo tomavam notas dos sermões e os pais freqüentemente, de posse das anotações, usavam-nas nas atividades de adoração junto aos familiares. Se tinham cri-anças de mais ou menos 10 anos repassavam o sermão no nível de entendimento desta idade. Nos domingos à tarde eles tinham aquele culto familiar específico. Esta era um costume maravilhoso para ser colocado em praticada ainda hoje. Recomendo aos pais que repassem o sermão dominical com seus filhos na tarde do domingo e se certifiquem de que os filhos entenderam e aproveitaram do sermão.

3) A pureza interna da adoração Isso era o que os Puritanos almejavam acima de tudo. Um

sermão que apenas alcançasse o intelecto, mas não trouxes-se impacto à profundeza da alma ou não mudasse a realida-de da vida das pessoas, não era considerado pelos Puritanos como um bom sermão. Um bom sermão informa à mente, ao intelecto, mas move o coração e leva nossas mãos a agir de forma diferente. Os Puritanos almejavam um sermão que alcançasse à totalidade do homem. Eles tinham uma regra para o sermão atingir o intelecto, o coração e as mãos; eles buscavam algo real e seus frutos, buscavam especial pureza na adoração.

Por causa disso os Puritanos começavam a guarda do Dia do Senhor já no sábado à tarde com suas famílias. A maioria

12

das famílias puritanas ficava em casa a partir da noite do sábado. O pai, o cabeça do lar, lia um bom livro e educava suas crianças com respeito ao domingo que estava chegan-do. Se a prática do pastor da igreja era pregar de forma se-qüenciada, na noite do sábado o pai estudaria previamente com sua família os versículos onde o ministro estava base-ando seu sermão expositivo. Depois desta análise o pai en-traria em um momento de longa oração com seus familiares, intercedendo pelo pastor, pelo sermão, pela congregação e pelo dia. No domingo pela manhã levantavam-se mais cedo do que o usual e naquele momento da manhã a família se reunia e investia tempo em oração todos juntos. Após aque-le momento o pai instruía os filhos sobre a oração particular com Deus e eles iam a seus quartos quando sozinhos roga-vam as bênçãos de Deus. Tudo isso antes de ir à igreja. Ora-vam também para que Deus abençoasse seus corações, mas de tal forma que estas bênçãos glorificassem o nome de Deus. Para os Puritanos o grande alvo do culto não é aquilo que está em mim, mas aquilo que vem de Deus; devemos desejar a glória de Deus no culto; não devemos fazer aquilo que nós gostamos de fazer, mas devemos querer aquilo que Deus nos ordena fazer. Essa é sempre a marca da graça sal-vífica, quando a alma da adoração vem do Senhor. Uma das perguntas desta marca salvífica é: “Senhor, que queres que eu faça?”.

Vamos fazer uma comparação entre este modelo purita-no de adoração e o modelo moderno. Hoje as pessoas che-gam atrasadas para o culto público, pois estão cansados no domingo pela manhã. Muitos nem conseguem orar por dois minutos antes do culto rogando que sejam abençoados du-rante a adoração; nem mesmo conseguem chegar na hora em que o sermão está começando e outros até chegam de-pois do sermão ter começado; suas mentes e seus corações não estão preparados. Muitos ficam pensando: “Por que não recebi nada neste culto?”. Existia um costume puritano de cozer o pão na tarde do sábado e após ser cozido ele ainda era mantido no forno para que na manhã do domingo ainda

13

estivesse quentinho. Certo puritano disse que esta era a forma de se prepararem para o culto, de tal maneira que no momento em que se reunissem na casa do Senhor suas men-tes e corações estivessem quentinhos, preparados para a pregação. Assim ficavam ansiosos para ouvir tudo o que Deus tinha a lhes falar.

Com toda esta ênfase na realidade interna da adoração podemos perceber que os Puritanos procuravam se afastar de tudo aquilo que era um modelo externo de culto e de todas aquelas superstições que cheiravam à Roma. “Que seja nosso culto simples, pouco ornamentado a semelhança culto neotestamentário; quanto mais simples for, melhor será, e que nada nos distraia da centralidade da Palavra viva de Deus”, diziam eles. Os Puritanos diziam que o pregador de-veria ser cuidadoso na hora da pregação e não ficar gesticu-lando demasiadamente ou manifestar algum mal hábito que chame a atenção para ele mesmo de tal forma que as pesso-as ao saírem da igreja fiquem comentando sobre o pastor ou mesmo acerca de seus dons. O objetivo é que as pessoas que entram na igreja digam: “Que Salvador extraordinário nós temos! Que Deus digno nós temos! Que realidade extraordi-nária é termos uma experiência viva e verdadeira no cristi-anismo!”.

Doutrina Os Puritanos criam que esta pureza interior estava to-

talmente ligada com a pureza em geral. A verdadeira adora-ção é sempre uma adoração pura. Os puritanos criam na pureza da doutrina e documentaram isso nos padrões de Westminster, mesmo que houvesse algumas diferenças no governo eclesiástico para guiar a igreja. Alguns criam no sistema independente de governo eclesiástico (os Congre-gacionais) e adequaram a Confissão de Fé de Westminster como foi o caso da Declaração de Savoy. Outros Puritanos foram batistas e, por isso, adequaram a Confissão de Fé de Westminster compilando a Confissão de Londres em 1689. Mas todas estas três Confissões, com poucas exceções, são

14

essencialmente uma só em doutrina. Eles criam na pureza da doutrina.

Disciplina Eclesiástica Mas criam também na pureza da disciplina. Se quisermos

ter sermões puros e administração pura dos sacramentos, devemos ter uma disciplina eclesiástica pura. A verdade precisa ser inculcada com amor. Desejo narrar algo que aconteceu vinte anos atrás em minha igreja. Certo homem veio chorando ao meu encontro. Ele era traficante de drogas e já estava conosco na igreja há muitos anos antes que isso viesse a acontecer. Seu pai lhe disse quando adolescente: “Filho, eu amo tanto você que lhe dou liberdade total; pode fazer o que desejar; pode voltar para casa a qualquer hora da noite, mas lembre-se, eu amo você”. Antes de ser preso esse homem veio me ver e disse-me: “Eu estou aqui por uma razão. Você deve dizer aos jovens da sua igreja que quando os pais amam seus filhos eles disciplinam seus filhos, os pais devem ter regras para seus filhos”. Assim também é na igre-ja. O pastor e os presbíteros de uma igreja que não discipli-nam seus membros destroem a igreja. Calvino disse que “se você deixar com que a chave da disciplina enferruje, a pure-za da pregação e a pureza na administração dos sacramen-tos desaparecerão”.

Dia do Senhor Finalmente, no contexto da pureza da adoração puritana,

eles incluíam também a guarda da pureza do shabatt, do dia do Senhor. Muitos puritanos escreveram manuais de como guardar puro o Dia do Senhor, o sábado cristão. Neste senti-do eles eram “sabatistas”. Eles criam que os princípios do shabatt estavam expostos claramente na Palavra do Senhor. O sábado é uma ordem da criação; não mais uma lei cerimo-nial que se encerrou em Cristo. É verdade que na ressurrei-ção do Senhor Jesus o shabatt foi mudado para o primeiro dia da semana, mas os Puritanos criam que ainda todo o primeiro dia da semana deveria ser devotado a Deus. Ativi-

15

dades de necessidade e de misericórdia poderiam ser prati-cadas, mas qualquer outro trabalho deveria cessar neste dia. A base principal do shabatt deveria ser o louvar a Deus e nesse processo os trabalhadores deveriam descansar neste dia. Mas não passavam o dia dormindo, eles santificavam o domingo ao Senhor e por isso rejeitavam qualquer tipo de atividade mundana. Havia muita coisa a ser feita no dia do Senhor para que eles se preocupassem com coisas munda-nas. Eles eram muito ativos. O shabatt era uma dádiva, um dom e uma alegria.

Para os Puritanos toda esta pureza de doutrina, pureza

da adoração, da disciplina e da guarda do Dia do Senhor era a chave para a visão completa da vida. Eles criam na pureza da vida; todas as áreas da vida têm de ser dedicadas ao Se-nhor; todas as áreas da vida têm de ser trazidas cativas ao domínio de Cristo. O Puritano sempre perguntava como ser um fazendeiro cristão, como ser uma esposa cristã, como ser um estudante cristão. Todas as atividades deveriam ser fei-tas para Cristo e tudo com base nas Escrituras.

Deixe-me fazer uma pergunta. Você é um puritano na sua adoração? Você prega a Palavra? Você canta a Palavra? Você lê a Palavra? Você ama pregação da Palavra? Você vê a Pala-vra nos Sacramentos? Você tem dedicado toda sua vida para a glória de Deus? Este é o propósito pelo qual estamos aqui.

Meu pai era um carpinteiro e, quando jovem, eu traba-lhava com ele fazendo serão. Nos primeiros dias que me levou ao trabalho ele me deu uma lição muito simples: “Fi-lho, perceba como você pode bater estes pregos com um martelo e serrar estas tábuas com um serrote; mas você sabe muito bem que não pode usar este serrote para bater o prego e também nunca poderá usar um martelo para serrar uma tábua porque não vai funcionar. O martelo é usado para aquele propósito para o qual ele foi designado e o mesmo se aplica ao serrote; e você meu filho, precisa viver de acordo com o propósito para o qual foi criado; precisa viver para a glória de Deus; não viva para você mesmo, não defenda

16

apenas seus direitos e interesses pessoais, pois se viver apenas para aquilo que deseja fazer e não para a glória de Deus, será infeliz durante toda sua vida. Você será uma pes-soa frustrada, pois estará sempre tentando pregar um prego com um serrote. Isso não vai funcionar. Rogue a Deus, meu filho, que toda sua vida seja um ato ininterrupto de adora-ção a Deus de tal forma que sua vida seja um preparativo para encontrar-se com Jesus no Dia do Senhor, na Sua justi-ça e paz. Viva para SOLI DEO GLORIA”.

É proibida a reprodução de parte ou do todo desta

publicação sem a permissão do editor.

Editor: Manoel Canuto

Edição gráfica e capa: Heraldo Almeida

Os Puritanose a adoração

Edição Digital – ospuritanos.orgFacebook/ospuritanos.org

Se os puritanos tinham uma alta visão a respeito da Igreja amando-a como a noiva de Cristo; se de forma especial amavam a Igreja invisível como a Igreja de Deus, então automaticamente enfatizavam a importância de se ter também a visão da Igreja visível de Deus. Os puritanos acreditavam que a Igreja visível deveria refletir o mais semelhantemente possível a Igreja invisível. Eles criam que nas Igrejas tudo deveria ser feito de acordo com a Escritura Sagrada. É exatamente sobre isso que desejamos falar aqui. Vamos meditar em como os puritanos adoravam a Deus. Veremos três pontos:

1) A autoridade na adoração2) A mecânica da adoração3) A pureza interna da adoração

Palestra proferida Dr. Joel R. Beeke no XVI Simpósio Os Puritanos em Maragogi, Al – julho/2007. Dr. Joel R. Beeke é presidente e professor de Teologia Sistemática e Homilética no Puritan Reformed Theological Seminary, e pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation de Grand Rapids, Michigan.