OS LIMITES DA POLÍTICA E DO ESTADO EM FACE DA DEMANDA … · “falha de assistência”; em...

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OS LIMITES DA POLÍTICA E DO ESTADO EM FACE DA DEMANDA POR PRESERVAÇÃO AMBIENTAL Luiz Felipe Barros Silva 1 [email protected] GT1:NATUREZA E SOCIEDADE. RESUMO Este texto se propõe a contribuir tanto para o movimento ecológico mais radical, que pretende acabar com a causa socioeconômica subjacente às destruições ambientais, como também para destacar uma importante demanda real da humanidade: a preservação das nossas condições de reprodução do metabolismo social no âmbito das discussões marxistas e marxianas. Até hoje, as legislações políticas e o Estado foram os meios de tentar eliminar as destruições da natureza, mas procuraremos demonstrar que a política não pode realizar esta tarefa e nem mesmo contribuir para ela devido suas (e do capital) características imanentes mais fundamentais. PALAVRAS-CHAVE: Política Ambiental. Ecologia. Ambientalismo. Capitalismo e Meio ambiente. . INTRODUÇÃO Este texto se propõe a contribuir tanto para o movimento ecológico mais radical, que pretende acabar com a causa socioeconômica subjacente às destruições ambientais, como também para destacar uma importante demanda real da humanidade, a preservação das nossas condições de reprodução sociometabólicas. Para isso, analisar a essência do capital, da política e do Estado nos parece imprescindível para se analisar as soluções propostas para os problemas diagnosticados. O capital é o responsável pelas destruições ambientais, pois está no controle do metabolismo humano atual. Os processos metabólicos sociais que levam à de destruição do meio ambiente 1 Graduado em geografia pela Universidade Federal de Alagoas, mestrando em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas, membro do grupo de pesquisa: Mészáros e Lukács: fundamentos ontológicos da sociabilidade burguesa.

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OS LIMITES DA POLÍTICA E DO ESTADO EM FACE DA DEMANDA POR

PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

Luiz Felipe Barros Silva1

[email protected]

GT1:NATUREZA E SOCIEDADE.

RESUMO Este texto se propõe a contribuir tanto para o movimento ecológico mais radical, que pretende acabar

com a causa socioeconômica subjacente às destruições ambientais, como também para destacar uma

importante demanda real da humanidade: a preservação das nossas condições de reprodução do

metabolismo social no âmbito das discussões marxistas e marxianas. Até hoje, as legislações políticas

e o Estado foram os meios de tentar eliminar as destruições da natureza, mas procuraremos demonstrar

que a política não pode realizar esta tarefa e nem mesmo contribuir para ela devido suas (e do capital)

características imanentes mais fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Política Ambiental. Ecologia. Ambientalismo. Capitalismo e Meio

ambiente.

.

INTRODUÇÃO

Este texto se propõe a contribuir tanto para o movimento ecológico mais radical, que

pretende acabar com a causa socioeconômica subjacente às destruições ambientais, como

também para destacar uma importante demanda real da humanidade, a preservação das nossas

condições de reprodução sociometabólicas.

Para isso, analisar a essência do capital, da política e do Estado nos parece

imprescindível para se analisar as soluções propostas para os problemas diagnosticados. O

capital é o responsável pelas destruições ambientais, pois está no controle do metabolismo

humano atual. Os processos metabólicos sociais que levam à de destruição do meio ambiente

1 Graduado em geografia pela Universidade Federal de Alagoas, mestrando em Serviço Social pela

Universidade Federal de Alagoas, membro do grupo de pesquisa: Mészáros e Lukács: fundamentos ontológicos

da sociabilidade burguesa.

estão sendo realizados para atender a finalidade autoexpansiva do capital e por isso, os

problemas parecem para nós cada vez mais incontroláveis.

Sendo assim, tentaremos demonstrar no texto que o Estado e a política não podem

oferecer as saídas no sentido da alternativa histórica ao capital, mas, apenas o trabalho,

portador da capacidade humana mais fundamental na relação com o ser natural. As

legislações ambientais que procuraram limitar as necessidades imperativas do capital e

proteger, através da política e do Estado, os parcos recursos naturais, falharam

descaradamente em colocar limites à sede autoexpansiva deste sistema metabólico social.

1. OS LIMITES DA POLÍTICA

Permanece inevitável para quem quer entender e resolver os problemas sociais

engendrados pela espécie humana compreender a base causal destes problemas. E, para isso, a

obra de Karl Marx não pode ser descartada, pois, foi partindo desta premissa que o filósofo

alemão decidiu buscar a raiz da sociedade em seus fundamentos econômicos materiais.

Só a partir de decisões como essa, ele pôde achar o capital, através do estudo da

economia política de seu tempo, e discernir sua estrutura ao longo dos anos de estudo. É

visível já em suas obras de juventude, a perspicácia que Marx acumulou ao longo de sua vida,

ao analisar as situações concretamente existentes no cenário político e econômico. O que nos

interessa neste texto é a concepção de política demonstrada por Marx. Essa concepção, apesar

de ter se desenvolvido e adquirido consistência, permaneceu com seu núcleo essencial durante

toda a vida de Marx. Parte deste núcleo essencial se refere ao aspecto predominantemente

negativo da política, como defende Mészáros: “apesar de todas as mudanças surgidas nos

escritos posteriores de Marx, a definição predominantemente negativa de política permaneceu

um tema central de sua obra até o fim de sua vida”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 563)

Este núcleo é, sobretudo, visível em seu texto Glosas críticas marginais ao artigo “o

rei da Prússia e a reforma social” de um prussiano. Nele, Marx não deixa dúvidas quanto às

limitações inerentes à política, como também destaca suas potencialidades.

O texto é uma crítica a Arnold Ruge e sua concepção de reforma social. Marx o fato

que Ruge ache um absurdo que o rei da Prússia considere a causa do pauperismo apenas uma

“falha de administração e assistência”. Todavia, na verdade, para Marx, não seria possível ser

de outro modo, pois as fundações materiais na base da sociedade implicavam em uma

desigualdade brutal. O que significa dizer que quanto mais o capital se desenvolvesse, sobre a

base da sociedade, maior seria o crescimento do pauperismo2, Marx analisa a Inglaterra, a

nação mais desenvolvida de seu tempo, e seus meios para tentar eliminar o pauperismo

através de decretos parlamentares.

A lei sobre a pobreza de seu tempo foi reformulada pelo parlamento inglês em 1834,

que atribuiu a uma “falha de administração” a causa do crescimento do pauperismo. Na

verdade, o parlamento inglês via que “a causa principal da grave situação do pauperismo

inglês estava na própria lei relativa aos pobres. A assistência, o meio legal contra o mal social,

acabava favorecendo-o”. Entendendo, desse modo, o pauperismo como uma “eterna lei da

natureza”. Era mais preferível do que “prevenir como uma desgraça, [...] reprimir e punir

como um delito”. Desse modo, vê-se que a Inglaterra, primeiro encontrou no pauperismo uma

“falha de assistência”; em seguida, ela viu no aumento do pauperismo “não a necessária

consequência da indústria moderna, mas antes o resultado do imposto inglês para os pobres”,

o que no começo era “falta de assistência, agora se faz derivar de um excesso de assistência”.

Portanto, a lição geral da política inglesa desse momento, ao invés de procurar eliminar os

fundamentos materiais do pauperismo, se limitou a “discipliná-lo e eternizá-lo”. (MARX,

2010, p. 51-5).

Marx está, desse modo, demonstrando como as medidas meramente administrativas e

reformulações da legislação assistencialista não puderam nem nunca poderão eliminar as

determinações que brotam das fundações materiais da sociedade. Outro exemplo importante

de Marx é proveniente não da nação economicamente mais desenvolvida, mas daquela que,

neste momento, havia dado os passos políticos mais decisivos, a França de Napoleão:

Napoleão queria acabar de uma só vez com a mendicância. Encarregou as

suas autoridades de preparar planos para a eliminação da mendicância em

toda a França. O projeto demorava: Napoleão perdeu a paciência, escreveu

ao seu ministro do interior, Crétet, e lhe ordenou que destruísse a

mendicância dentro de um mês (MARX, 2010, p. 55)

Depois de um mês, foi promulgada a “lei que reprime a mendicância”, determinando

seu fim com a construção de penitenciárias. A Convenção Nacional da França também propôs

uma determinação para eliminar o pauperismo. Marx pergunta qual foi a consequência dessa

determinação. E, responde: “Que houvesse uma determinação a mais no mundo e que um ano

depois mulheres esfomeadas cercassem a Convenção” (MARX, 2010, 57-8).

2 Na sua obra Manuscritos econômico-filosóficos, Marx já tratava dessa polarização da seguinte maneira: “O

trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção cresce em poder e

volume. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a

valorização do mundo das coisas, cresce a desvalorização do mundo dos homens proporção direta” (MARX,

2015p. 304). Este texto foi escrito provavelmente, segundo Netto apresenta em seu prefácio, durante o ano de

1844, o mesmo ano em que Marx redige a crítica à Ruge.

Marx está querendo chamar atenção para o fato que o Estado, na verdade, não pode

se comportar de outro modo, na medida em que ele é parte do fundamento dos males sociais a

serem eliminados.

Quando o Estado admite a existência de problemas sociais, procura-os ou em

leis da natureza, que nenhuma força humana pode comandar, ou na vida

privada, que é independente dele, ou na ineficiência da administração, que

depende dele (MARX, 2010, p. 59-60).

Todavia, o Estado não pode encontrar em si mesmo a causa dos problemas sociais,

visto que ele

Não pode eliminar a contradição entre a função e a boa vontade da

administração, de um lado, e os seus meios e possibilidades, de outro, sem

eliminar a si mesmo, uma vez que repousa sobre essa contradição” (MARX,

2010, p. 59, p. 60).

Marx ainda critica o fato de Ruge atribuir como causa da situação a falta de

“intelecto político”. Marx comenta que “o intelecto político é político exatamente na medida

em que pensa dentro dos limites da política” (MARX, 2010, p. 62-3) e em seguida

complementa:

O princípio da política é a vontade. Quanto mais unilateral, isto é, quanto

mais perfeito é o intelecto político, tanto mais ele crê na onipotência da

vontade e tanto mais é cego frente aos limites naturais e espirituais da

vontade e, consequentemente, tanto mais é incapaz de descobrir a fonte dos

males sociais” (MARX, 2010, p. 62-3).

O que Marx está querendo dizer, afinal, é que o intelecto político é limitado

exatamente por ser político, para pensar fora destes limites é necessário ir além da política.

Para Mészáros,

Tudo o que a política pode é fornecer as „garantias políticas‟ para a

continuação da dominação já materialmente estabelecida e enraizada

estruturalmente [...] a dominação do capital não pode ser quebrada no nível

da política, mas apenas as garantias de sua organização formal

(MÉSZÁROS, 2011, p. 576).

Isso, devido ao fato que “a dominação do capital é de caráter fundamentalmente

econômico, não político”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 576)

Mészáros, resgatando o núcleo central da concepção de política marxiana resume seu

significado: “a política [...] usurpa o poder social de decisão que ela substitui” (MÉSZÁROS,

2011, p. 571). Isso significa que a política em si possui uma parcialidade que lhe é intrínseca.

Ela usurpa o poder de decisão dos produtores na medida em que é a responsável pela prática

legitimadora do capital que ocorre fundamentalmente no metabolismo social da humanidade.

E assim, como consequência necessária, a política precisa “assumir, ela própria, o social,

negando assim qualquer ação reparadora que não possa estar contida na sua própria estrutura

– auto-orientada e autoperpetuante”, ela é por si mesma, um “domínio em separado”

(MÉSZÁROS, 2011, p. 564-6)

Aqui é importante ressaltar a compreensão de Estado de Mészáros (2011), que segue

o pensamento de Marx. O Estado é “uma estrutura abrangente de comando político do

sistema” ou “estrutura totalizadora de comando político do capital” (MÉSZÁROS, 2011, p.

602 / 106). Desse modo,

O Estado moderno passa a existir, acima de tudo, para poder exercer o

controle abrangente sobre as forças centrífugas insubmissas que emanam das

unidades produtivas isoladas do capital, um sistema reprodutivo social

antagonicamente estruturado (MÉSZÁROS, 2011, p. 107).

A política (e consequentemente também Estado), portanto, só pode assumir os

requisitos sociais, ou “o social”, como diz Mészáros, considerando sua parcialidade intrínseca.

Pois,

Dada a forma como se constitui, [a política] não pode evitar a substituição da

autêntica universalidade da sociedade por sua própria parcialidade, impondo

assim seus próprios interesses sobre os indivíduos sociais, e apropriando-se,

para si própria, do poder de arbitrar os interesses parciais conflitantes em

nome de sua universalidade usurpada (MÉSZÁROS, 2011, p. 565).

Dessa maneira, podemos entender que essa constituição própria da política é sua

essência ineliminável e que não importa qual forma política seja, ela terá que lidar com esses

aspectos essenciais.

Como podemos ver, de acordo com Marx e Mészáros, a vontade que as coisas se

resolvam não podem suplantar a análise da realidade objetiva, tal como ela é. E quanto maior

o grau de voluntarismo, sem reconhecer as causas subjacentes, mais profundo é o mergulho

nos caminhos do círculo vicioso da política, e assim, tanto mais é incapaz de compreender os

males sociais. Sendo assim, a política, em suma, realiza um “substitucionismo” que a obriga a

fabricar “remédio políticos baseados no desejo” (MÉSZÁROS, 2011, p. 564).

2. O SISTEMA DO CAPITAL E SUA RELAÇÃO COM O ESTADO E A POLÍTICA

Ao analisar o capital, Marx enfatiza a premissa do trabalho de diversas formas. Por

exemplo, ele menciona que “o processo de trabalho deve ser considerado de início

independentemente de qualquer forma social determinada", pois é um processo que se dá

“entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media,

regula e controla seu metabolismo com a Natureza” (MARX, 1996a, p. 297). Por isso, o

capital precisa se apropriar do trabalho e só assim pode existir como modo de controle

sociometabólico, usurpando o elo mais elementar do ser humano com a natureza e fazendo-o

produzir segundo seus ditames materiais.

Dessa maneira, Mészáros comenta que o Estado não é um mero serviçal do capital,

mas “se ergue sobre a base deste metabolismo socioeconômico que a tudo engole e o

complementa de forma indispensável (e não apenas servindo-o) em alguns aspectos

essenciais” (MÉSZÁROS, 2011, p. 98). Esse metabolismo socioeconômico precisou se

desenvolver suplantando outras formas de realizar o metabolismo social anteriores,

autossuficientes. E, só assim “o capital se transforma no mais dinâmico e mais competente

extrator do trabalho excedente em toda a história”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 102-3)

Nesse ínterim, o Estado se desenvolve como parte dos requisitos necessários para o

desenvolvimento do sociometabolismo do capital, modificando sua forma feudal anterior.

O Estado, portanto, é muito mais do que algo neutro, ou dispensável para o sistema

do capital, na verdade ele:

Pertence à materialidade do sistema do capital, e corporifica a necessária

dimensão coesiva de seu imperativo estrutural orientado para a expansão e

para a extração do trabalho excedente. É isto que caracteriza todas as formas

conhecidas do Estado que se articulam na estrutura da ordem sociometabólia

do capital. Precisamente porque as unidades econômicas reprodutivas do

sistema têm um caráter incorrigivelmente centrífugo [...] a dimensão coesiva

de todo o sociometabolismo deve ser constituída como uma estrutura

separada de comando político totalizador (MÉSZÁROS, 2011, p. 121)

Em consonância com esta exposição, seria impossível, portanto, que o Estado

solucionasse os problemas que emanam da própria natureza do capital, como o problema da

destruição ambiental, por exemplo. Esse problema brota exatamente da impossibilidade de o

capital deixar de reproduzir expansivamente o valor de troca em detrimento do valor de uso,

solapando os recursos naturais para satisfazer a necessidade cada vez maior pela sua

autovalorização, atingindo, inclusive, novas abrangências espaciais de impactos ambientais

com os desdobramentos do século XX.

É da natureza do capital não reconhecer qualquer medida de restrição, não

importando o peso das implicações materiais dos obstáculos a enfrentar, nem

a urgência relativa (chegando a emergência extrema) em relação a sua escala

temporal. A própria ideia de restrição é sinônimo de crise, no quadro

conceitual do sistema do capital. A degradação da natureza ou a dor da

devastação social não têm qualquer significado para seu sistema de controle

sociometabólico, em relação ao imperativo absoluto de autorreprodução

numa escala cada vez maior (MÉSZÁROS, 2011, p. 253)

Mészáros comenta ainda que, com a crise estrutural do capital3, ocorre a ativação dos

limites absolutos do capital. Esta ativação se apresenta como uma situação em que as

principais opções de fuga das contradições do capital se encontram bloqueadas, ou em níveis

“proibitivos” (MÉSZÁROS, 2011, p. 267), ao ponto de o capital possuir quase nula margem

de deslocamento das contradições, que funcionaram por longo tempo como “válvulas de

escape para a estabilização” (MÉSZÁROS, 2011, p. 586-7).

A manipulação dessas válvulas de escape neste momento do capital requer, para sua

manutenção, as políticas mais destrutivas para a humanidade e a natureza, e soluções,

perpetradas pelos que não veem uma alternativa além do capital, das mais ambíguas.

Dessa maneira, o capital reproduz a si próprio nas condições de hoje,

Definindo, a priori, os próprios termos e a moldura da „reforma‟ que promete

„superar‟ (através de alguma „mediação‟ fictícia) suas profundas deficiências

estruturais, sem o menor questionamento do fatal poder imobilizador do

próprio círculo político. Isso explica por que a tarefa da emancipação tinha

que ser radicalmente redefinida em termos de ruptura com o círculo vicioso

da política como tal (MÉSZÁROS, 2011, p. 584).

O limite absoluto do capital ligado à natureza é caracterizado pela nova possibilidade

histórica de “eliminação das condições de reprodução sociometabólica”, que, tal como os

outros limites absolutos do capital, “já não representam apenas uma ausência [...], mas um

impedimento atuante para a acumulação tranquila do capital e o funcionamento futuro do

sistema global do capital” (MÉSZÁROS, 2011, p. 227).

Esse limite, ligado às inter-relações que estabelecemos enquanto espécie com o resto

do planeta, fornece um contorno especial à capacidade destrutiva imposta pelo modo de

produção do capital, chegando ao ponto de ignorar a chegada de uma escala proibitiva do

problema e até mesmo as minúsculas e limitadas soluções dadas pelos cientistas. Segundo

Mészáros, “mesmo as formas existentes de conhecimento científico, que até poderiam

combater a degradação do ambiente natural, não podem se realizar porque interfeririam com o

imperativo da expansão inconsciente do capital” (MÉSZÁROS, 2011, p. 254), fato que torna

a situação ainda mais profundamente paralisante, no nível do contraproducente. É

precisamente isto “que se deve entender por ativação do limite absoluto do capital com

relação à maneira como são tratadas as condições elementares de reprodução

sociometabólica” (MÉSZÁROS, 2011, p. 257).

3 Não é possível desenvolver neste texto os argumentos do autor quanto ao fato de a crise estrutural ser, para ele,

algo que o próprio Marx vislumbrou como necessária para que uma transição socialista seja possível. Aqui

apenas sumariaremos as questões relativas a um dos limites absolutos do capital, ativados com a emergência da

crise estrutural na década de 1970, as que dizem respeito à possibilidade de eliminação das condições de

reprodução sociometabólica.

Nenhuma ilusão de conseguir algum avanço no sentido de uma relação menos

destruidora para com a natureza pode ser perseguida dentro da estrutura a priori determinada

do capital e do seu Estado, como os ganhos legislativos que outrora o capital pôde fornecer na

forma de garantias formais, descumpridas a torto e a direito devido a seus ditames materiais.

Tem-se que,

No passado, até algumas décadas atrás, foi possível extrair do capital

concessões aparentemente significativas [...] medidas legislativas [...]

melhorias do padrão de vida, que mais tarde se demonstraram reversíveis

[...] o capital teve condições de conceder esses ganhos, que puderam ser

assimilados pelo conjunto do sistema, e integrados a ele, e resultaram em

vantagem produtiva para o capital durante o seu processo de autoexpansão.

Hoje, ao contrário, enfrentar até mesmo questões parciais, com alguma

esperança de êxito implica a necessidade de desafiar o sistema do capital

como tal [...] quando a autoexpansão produtiva já não é mais o meio

prontamente disponível de fugir das dificuldades e contradições que se

acumulam [...] o sistema do capital global é obrigado a frustrar todas as

tentativas de interferência, até mesmo as mais reduzidas, em seus parâmetros

estruturais (MÉSZÁROS, 2011, p. 95).

Isso serve para quem pretende enfrentar quaisquer das legítimas reivindicações

parciais que brotam da dura realidade material cotidiana sob o capital, incluindo aquelas

oriundas das determinações que o impelem a destruir a natureza crescentemente, mesmo

quando os movimentos ecológicos gritam seus diagnósticos proibitivos.

3. O PROBLEMA DA DESTRUIÇÃO DA NATUREZA OPERADA PELO CAPITAL

E AS POLÍTICAS AMBIENTAIS

É quase consenso no meio ambientalista que a questão ambiental é colocada em

pauta mundialmente desde o fim da década de 1960 e início da década de 1970. Por alguns é

aceita a denominação de que há uma crise ambiental (FOLADORI, 2001, p. 15).

Um grande marco que catalisou as persecuções por uma explicação do fenômeno das

crescentes destruições ambientais foi o relatório do Clube de Roma publicado em 1972 e

escrito pela equipe da cientista ambiental Donella H. Meadows: O The Limits to Growth, que

coloca em questão a possibilidade de limitar o crescimento da população e do capital sem

alterar a essência capitalista. O foco era a busca por uma espécie de equilíbrio entre capital-

população, no âmbito nacional, no lugar do desenvolvimento industrial, evitando a busca pela

“dimensão social das questões identificadas” (MÉSZÁROS, 2011, p. 221). Entretanto, realça-

se o aspecto geograficamente amplo da gravidade da situação “forçando o leitor a encarar a

dimensão da problemática mundial” (MÉSZÁROS, 2011, p. 221, nota 6). Ou seja, o relatório

Meadows, como é conhecido o relatório referido, realça um diagnóstico que vinha sendo

amadurecido, da mais ou menos nova amplitude dos problemas ambientais.

A globalidade dos problemas reflete precisamente a globalidade do capital que veio

estendendo sua reprodução ao longo dos séculos precedentes, por formas ainda pré-

capitalistas, até atingir sua maturidade. Sabemos que não é apenas nas décadas de 1960 e

1970 que começam a se expressar as características destrutivas dos processos naturais do

capitalismo. Muito antes do século XX, é possível enxergar a tendência destruidora desta

forma de controle do sociometabolismo. Na realidade, a constatação desses problemas em um

âmbito global são nada menos que a identificação tardia de processos que já estavam em

andamento desde a emergência do capital.

O capital demonstrou, ainda em seu berço, sua força destruidora do meio ambiente e

da própria humanidade. A acumulação primitiva mostrou não só a força do capital em criar as

condições necessárias para seu desenvolvimento, como também a sua força em passar por

cima dos processos naturais e até mesmo recriar formas de exploração humana com vistas a

potencializar os lucros privados. Como diz Foladori:

O impacto mais importante da Idade Moderna foi a conquista do mundo pelo

capital mercantil. A pilhagem dos recursos mais valiosos, como o ouro e a

prata, e dos vegetais e animais foi realizada passando-se por sobre as

sociedades pré-capitalistas. (FOLADORI, 2001, p. 109),

Esses sinais dos tempos sublinharam o nascimento do capital e, ao mesmo tempo, de

sua face destruidora, segundo Marx, a acumulação primitiva/originária “não é resultado do

modo de produção capitalista, mas sim seu ponto de partida” (MARX, 1996b, p. 339). Ainda

segundo o filósofo alemão, esse processo, que contou com a pilhagem das terras, ouro e prata

da América, “o extermínio, a escravização e o enfurnamento da população nativa nas minas”,

a conquista e pilhagem das Índias Orientais, e a “caça comercial às peles negras” marca a

aurora da era de produção capitalista (MARX, 1996b, p. 370). Ou seja, seu desabrochar.

Entretanto, seu pleno desenvolvimento só pode ocorrer com o desenvolvimento da

indústria. Para Foladori, a Revolução Industrial provocou “um ponto de inflexão na relação do

ser humano com a natureza”, a pilhagem foi espetacular para abastecer as indústrias e o

comércio cada vez mais explosivo4. Centenas de milhares de animais foram caçados para se

obter deles as peles, a carne, o marfim, as plumas de diversas aves, os chifres, o azeite animal,

4 A passagem para a utilização de recursos “não renováveis” é exatamente este ponto de inflexão na relação entre

o ser humano e a natureza de que fala Foladori. O que antes existia apenas residualmente, passa a ser regra para a

produção. Foster mostra que a demanda por carvão mineral em Londres cresceu de 200 mil toneladas no século

XVI para 3 milhões de toneladas no fim do século XVII, chegando a 132 milhões em 1860. Já o consumo de

petróleo cresceu de 10 milhões de toneladas em 1890 para 2,5 bilhões em 1970. (FOSTER, 1999, p. 18).

etc.; “outros desapareceram porque seus hábitats foram transformados, ou foram caçados

sistematicamente porque eram praga para os cultivos”, além das “madeiras preciosas,

demandadas pela rápida urbanização e pela indústria naval” que “foram saqueadas das selvas

mais acessíveis às metrópoles industriais, e os minerais sofreram um novo embate da

civilização” (FOLADORI, 2001, p. 110).

Dito isto acerca da história do próprio capital e de como a destruição do meio

ambiente marca tanto a sua aurora como pontua cada fase do seu desenvolvimento (inclusive

o que se pode chamar de desenvolvimento pleno, com a indústria), podemos entender que se o

capital realizou algo para com o meio ambiente em sua história, certamente não foi sua

preservação, e nem será após atingir seus limites absolutos proibitivos que irá fazê-lo.

Inicou cedo a tentativa de colocar limites sobre as necessárias destruições ambientais

que vinham ocorrendo com o desenvolvimento e espraiamento da indústria, muitas décadas

antes do Relatório Meadows.

O primeiro parque nacional de conservação regional foi o de Yellowstone,

estabelecido em 1872 (FOSTER, 1999, p. 73) e o segundo foi o de Yosemite em 1886, ambos

nos Estados Unidos. País, no qual um movimento conservacionista começou a tomar corpo no

fim do século XIX, com uma crítica a partir da ótica da natureza e contra a sociedade

industrial e seus impactos (FOLADORI, 2001, p. 113). O presidente Roosevelt, na sequência,

adicionou muitos hectares às Florestas Nacionais, durante sua presidência nos primeiros anos

do século XX. (FOSTER, 1999, p. 76). Outros países também criaram parques no intuito da

conservação nesse período, como por exemplo, Canadá (1894), Chile (1905), Porto Rico

(1909) e Uruguai (1916) (FOLADORI, 2001, p. 113-4).

Portanto, não se trata de nada novo tentar colocar limites políticos à necessária fome

do capital por mais destruição. Em seguida ao relatório Meadows, os burburinhos pelo mundo

do capital são enormes. Na década de 1980, há o conhecido Relatório Brundtland, que após o

relatório Meadows, é o segundo a tentar provocar viragens na produção destrutiva do capital

sem acabar com ele. Ele é o responsável por cunhar o termo “desenvolvimento sustentável”5.

Mészáros comenta a Conferência Rio-92 sobre o meio ambiente do planeta, que vem

após cinco anos do relatório Brundtland, da seguinte maneira: as políticas resolutivas destes

“grandes encontros festivos”, “só são usadas como álibi para que tudo continue como antes,

5 O relatório Brundtland – conhecido como „Nosso Futuro Comum‟ – é produto de uma comissão de cientistas

montada com a direção representativa da primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Este relatório

dá grande ênfase a questão da pobreza, considera uma das causas do problema ambiental e propõe uma série de

medidas limitantes das degradações, também sem atacar as causas socioeconômicas subjacentes (FOLADORI,

2001a, p. 117).

sem que nada se faça para enfrentar o desafio, enquanto se finge „cumprir as obrigações

assumidas‟” (MÉSZÁROS, 2011, p. 223, nota 8).

Dessa maneira, o que podemos ter certeza com os desdobramentos do capital é que

O incontestável imperativo da proteção ambiental se revelou inadministrável

[...] O sistema do capital se mostrou impermeável à reforma, até mesmo de

seu aspecto obviamente mais destrutivo. (MÉSZÁROS, 2011, p. 94-5)

A luta pela preservação e conservação do meio ambiente, sem acabar com o capital

que põe as destruições que as motivam, se revela uma completa perda de tempo.

Dessa forma, resume Mészáros

As pessoas preocupadas com o ambiente perderão a batalha pela

racionalidade abrangente e restrição legítima da economia antes mesmo de

ela começar, se sua meta não envolver a mudança radical dos parâmetros

estruturais do próprio sistema do capital (MÉSZÁROS, 2011, p. 263)

4. CONCLUSÃO: A POLÍTICA SOCIALISTA

A imprescindibilidade da política também foi devidamente destacada por Marx, mas

sem recorrer a nenhum elemento de voluntarismo ou ilusões de que por meio da política se

chegaria ao socialismo sem a eliminação dela mesma no percurso. Desse modo,

A revolução em geral – a derrocada do poder existente e a dissolução das

velhas relações – é um ato político. Por isso, o socialismo não pode efetivar-

se sem revolução. Ele tem necessidade desse ato político na medida em que

tem necessidade da destruição e da dissolução. No entanto, logo que tenha

início a sua atividade organizativa, logo que apareça o seu próprio objetivo,

a sua alma, então o socialismo se desembaraça do seu revestimento político

(MARX, 2010, p. 78).

A política socialista precisa ser uma articulação do ato político e do processo

político, com a implementação de uma parcialidade que teria como objetivo a eliminação de

todas parcialidades possíveis, através da classe universal do trabalho. Ao aparecer a alma da

revolução socialista, o trabalho livre e associado, seria como uma “parcialidade que

necessariamente se autoextingue”, eliminando a política na medida em que generaliza essa

alma social. Essa particularidade objetiva essencial que outras demandas, que não a do

trabalho, não têm. A potencialidade que possui a classe proletária tem uma “função

universalizante objetivamente fundada. Ao mesmo tempo, sua parcialidade é também única,

já que não pode ser convertida em uma condição de domínio exclusivo da sociedade”. Para

tanto, no bojo de uma transição o proletariado deve apenas “generalizar sua própria condição

de existência”, pois, isso significa generalizar a própria incapacidade de dominar “às expensas

de outros grupos sociais e classes”. Dessa maneira, o trabalho é a única parcialidade que sua

generalização significa a emancipação. (MÉSZÁROS, 2011, p. 568)

É no segundo momento, o do processo político, que está localizada a maior das

problemáticas. Aqui, entendemos o sentido do título do capítulo 13 do Para além do capital do

Mészáros (Como poderia o Estado fenecer?), quando ele utiliza a palavra fenecimento para

designar este processo em que o Estado e a política propriamente dita precisam caminhar para

a extinção, em um processo político de definhamento, após o ato político, até que o complexo

da política não mais exista6.

Marx, segundo Mészáros, definiu a política socialista como “a total restituição dos

poderes de decisão usurpados à comunidade de produtores associados” (MÉSZÁROS, 2011,

p. 585). O que significar passar o controle real da produção, distribuição e o processo de

transição para a classe produtora, “o trabalho, que não deve estar apenas nominalmente [...],

mas genuína e efetivamente encarregado do processo sociometabólico” (MÉSZÁROS, 2011,

p. 599). Isso se refere principalmente ao processo de libertação, que mesmo em seu caráter de

política socialista, ainda possuiria um “papel extremamente limitado e estritamente

transitório” (MÉSZÁROS, 2011, p. 593)

Mészáros possui um texto que utiliza o termo desenvolvimento sustentável

colocando um significado completamente diferente daquele empregado pelo relatório

Brundtland e seus seguidores. Segundo o autor, um genuíno desenvolvimento sustentável

seria

Estar no controle dos processos culturais, econômicos e sociais vitais através

dos quais os seres humanos não só sobrevivem, mas também podem

encontrar satisfação, de acordo com os objetivos que colocam a si mesmos,

em vez de estarem à mercê de imprevisíveis forças naturais e quase-naturais

determinações socioeconômicas (MÉSZÁROS, 2001).

Nesse sentido, a busca do desenvolvimento sustentável é inseparável da “progressiva

realização da igualdade substantiva” (MÉSZÁROS, 2001) e a realização desta última

perpassa precisamente pelo caráter organizativo posto pelo movimento socialista, que

significa a própria alma de uma revolução socialista. Ou seja, a restituição do controle aos

produtores é garantir as bases de uma sustentabilidade possível, já que a sustentabilidade que

6 “O „fenecimento do Estado‟ não se refere a algo misterioso ou remoto, mas a um processo perfeitamente

tangível que precisa ser iniciado ainda no presente. E na transição para a genuína sociedade socialista é

necessária a progressiva reaquisição dos poderes alienados de decisão política pelos indivíduos” (MÉSZÁROS,

2011, p. 849)

o capital tem a nos oferecer é apenas essa da ambígua preservação que destrói falando que

protege.

REFERÊNCIAS

FOLADORI, G. Limites do desenvolvimento sustentável. Campinas: Editora da

Unicamp, 2001.

FOSTER, J. B. The vulnerable planet: a short economic history of the environment.

New York: Monthly Review Press, 1999.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Expressão Popular,

2015.

______. O capital: crítica da economia política. L. 1. t. 1 São Paulo: Nova Cultural,

1996a.

______. O capital: crítica da economia política. L. 1. t. 2 São Paulo: Nova Cultural,

1996b.

______. Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social.

Por um prussiano”. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo:

Boitempo, 2011.

________. O desafio do desenvolvimento sustentável e cultura da igualdade

substantiva, 2001. Disponível em: resistir.info Acesso em 18/03/2017.