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DEBATES GA CINT O informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional N o 40 / 2015 Os EUA e o Redesenho da Agenda Latino Americana Instituto de Relações Internacionais Ricardo Sennes, Ricardo Zuñiga e Geraldo Zahram E m 21 de outubro, o Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP (GACInt) se reuniu para debater os Estados Unidos (EUA) e o redesenho da agenda latino- americana. O convidado dessa reunião foi Ricardo Zuñiga, diplomata norte-americano de carreira, atualmente Cônsul- Geral dos EUA em São Paulo. Anteriormente, fora diretor sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca, função na qual foi um dos principais responsáveis pelos acordos de normalização das relações diplomáticas dos EUA com Cuba. Os comentários do encontro ficaram a cargo do Prof. Dr. Geraldo Zahran, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e coordenador de pesquisa do Observatório Político dos EUA (OPEU). A Coordenação foi do cientista político Ricardo Sennes. A IMPORTÂNCIA DO PRAGMATISMO EM UM MUNDO DINÂMICO Zuñiga apresentou, de maneira ampla, o contexto da política externa do presidente Barack Obama para as Américas, que se insere em um momento dinâmico das relações internacionais, em que, desde 2001, os EUA vêm desenvolvendo “modelos de arquitetura de segurança nacional”. Um fato marcante, ao tentar definir essa relação entre os EUA e as Américas, ressaltou, é a dificuldade de se perceberem interesses comuns compartilhados com todos os países da região. Variável sempre importante, o comércio, por exemplo, também é nesse caso relevante, mas boa parte dele se dirige ao México, enquanto a agenda deve ser entendida de maneira específica de acordo com cada relação. Para o Cônsul-Geral dos EUA, apesar do aparente contraste entre os EUA – defensores do Consenso de Washington – e a América Latina – com seus governos de esquerda, considerados populistas –, a realidade é mais complexa. Em essência, a América

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DEBATES GACINTO informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional

No 40 / 2015

Os EUA e o Redesenho da Agenda Latino Americana

Instituto de Relações Internacionais

Ricardo Sennes, Ricardo Zuñiga e Geraldo Zahram

Em 21 de outubro, o Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP

(GACInt) se reuniu para debater os Estados Unidos (EUA) e o redesenho da agenda latino-americana. O convidado dessa reunião foi Ricardo Zuñiga, diplomata norte-americano de carreira, atualmente Cônsul-Geral dos EUA em São Paulo. Anteriormente, fora diretor sênior para Assuntos do Hemisfério O c i d e n t a l no Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca, função na qual foi um dos principais responsáveis pelos acordos de normalização das relações diplomáticas dos EUA com Cuba. Os comentários do encontro ficaram a cargo do Prof. Dr. Geraldo Zahran, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e coordenador de pesquisa do Observatório Político dos EUA (OPEU). A Coordenação foi do cientista político Ricardo Sennes.

A IMPORTÂNCIA DO PRAGMATISMO EM UM MUNDO DINÂMICO

Zuñiga apresentou, de maneira ampla, o contexto da política externa do presidente Barack Obama

para as Américas, que se insere em um momento dinâmico das relações internacionais, em que, desde 2001, os EUA vêm desenvolvendo “modelos de arquitetura de segurança nacional”. Um fato marcante, ao tentar definir essa relação entre os EUA e as Américas, ressaltou, é a dificuldade de se perceberem interesses comuns compartilhados com todos os países da região. Variável sempre importante, o comércio, por exemplo, também é nesse caso relevante, mas boa parte dele se dirige ao México, enquanto a agenda deve ser entendida de maneira específica de acordo com cada relação.

Para o Cônsul-Geral dos EUA, apesar do aparente contraste entre os EUA – defensores do Consenso de Washington – e a América Latina – com seus governos de esquerda, considerados populistas –, a realidade é mais complexa. Em essência, a América

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Ricardo Zuñiga

Latina tem almejado o desenvolvimento social, que também é o objetivo dos EUA. Ainda durante os governos de George W. Bush, a relação dos EUA com a região buscou abandonar o viés marcadamente ideológico que a caracterizava em favor de contatos mais pragmáticos, que tivessem como foco, justamente, a questão do desenvolvimento. Merece destaque, nesse sentido, a parceria Brasil-EUA no combate à fome.

Um obstáculo a essa “virada pragmática”, contudo, foi a necessidade que os EUA sempre tiveram de manter o enfoque na democracia. Alguns países tinham, por sua vez, entendimentos distintos sobre a promoção da democracia – em ocasiões chegando a considerar como “apoio a golpes da direita” – o que criou situações difíceis, embora não intransponíveis. Soma-se, ainda, a dificuldade constantemente enfrentada pelos EUA ao atuar na região em decorrência do peso associado a alguns eventos do passado dessa relação.

AMÉRICA, AMÉRICAS: A HETEROGENEIDADE DA AMÉRICA LATINA E O POSICIONAMENTO DOS EUA

Zuñiga ressaltou que os EUA encaram a América do Norte, graças ao North American Free Trade

Agreement (NAFTA), de uma maneira particular em relação ao resto do continente. Especificamente em relação ao México, enquanto o foco do primeiro mandato Obama foi a cooperação visando o combate do crime organizado, no segundo foi possível prestar mais atenção ao elemento mais importante, que é o comércio. Destacou-se como o México tem impacto direto na economia dos EUA e, sobretudo, como o fato de ter se adaptado à competição econômica com a China é benéfico para seu vizinho ao norte.

Já em relação à América Central, notou-se que o período 2009-10 foi de desarticulação social, o que fez com que, durante a administração Obama, os EUA tivessem de mudar o padrão de seu relacionamento com a região.

A América do Sul, por sua vez, tem buscado desenvolver uma política sub-regional, sobretudo por meio da Unasul, o que gera um enfoque em questões sul-americanas e menos atenção a questões hemisféricas quanto à diversificação das relações diplomáticas dos países sul-americanos, cujo maior exemplo é a participação brasileira nos BRICS. Segundo Zuñiga, ademais, o Brasil é visto pelos EUA como verdadeiro ator global, o que se percebe pela presença cada vez mais marcante de diplomatas brasileiros em postos ao redor do mundo.

A REAPROXIMAÇÃO EUA-CUBA

O Cônsul-Geral também apresentou algumas considerações sobre a reaproximação EUA-Cuba, evento para o qual ele contribuiu decisivamente. De início, lembrou que ainda em 2009 o presidente Obama declarara o desejo de transformar a relação bilateral. Concomitantemente, a vitória do primeiro

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Geraldo Zahrama

mandato, em 2015, foi, justamente, a importância dada pelo Brasil à retomada das relações dos EUA com Cuba.

Em suma, o Cônsul-Geral reafirmou que os EUA buscam estabelecer uma conversa mais aprofundada com todos os países das Américas, mesmo com aqueles que os veem com desconfiança. Para ele, Cuba vai avançar nos próximos anos e, nesse processo, cabe aos EUA auxiliar no sentido de garantir que informações e recursos cheguem aos cidadãos cubanos para que eles possam participar plenamente de sua sociedade, tarefa para a qual pretende contribuir enormemente a recém-reinaugurada embaixada dos EUA em Havana.

COMENTÁRIOS

O professor Geraldo Zahran começou sua fala lembrando que, nas últimas décadas, a relação EUA-América Latina estava centrada em três temas: comércio, imigração e drogas. A questão cubana, complicada, não definia essa relação e comumente era posta à parte. Agora, porém, com a reaproximação diplomática, foi dado o primeiro passo para uma mudança nesse sentido.

Para ele, é importante analisar de maneira “fragmentada” a relação dos EUA com o resto do

presidente negro melhorou a imagem dos EUA em Cuba. Essas primeiras intenções, todavia, foram logo suspensas em decorrência da detenção de Alan Gross, funcionário da Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional (USAID), que trabalhava na ilha.

Mesmo com esse obstáculo inicial, entre 2010 e 2011 os EUA anunciaram importantes mudanças em sua política em relação a Cuba, como a liberalização das regras para viagens e para movimentação de recursos financeiros. Buscava-se, dessa forma, passar para Cuba a indicação de que os EUA continuavam intencionados a melhorar as relações. Obama via a política norte-americana para a ilha como antiquada e queria transmitir uma mensagem de pragmatismo, de superação dos obstáculos remanescentes da Guerra Fria em direção ao futuro, com a intenção de trabalhar pelo desenvolvimento social. A crença subjacente seria a de que melhorar a região é bom para os EUA, em todos os aspectos.

Em 2012, tendo como base essas experiências prévias, Obama estudava como mudar a relação com Cuba em condições adequadas. Essa era, essencialmente, uma tarefa difícil, pois seria necessário criar um ambiente favorável tanto em relação ao governo cubano quanto no próprio Congresso norte-americano. Apenas para encontrar esse equilíbrio necessário, foram quase dois anos de trabalho.

Por fim, em dezembro de 2014, os dois países anunciaram a reaproximação. Zuñiga ressaltou que, antes do anúncio público, o vice-presidente norte-americano, Joseph Biden, avisou somente dois presidentes, sendo Dilma Rousseff um deles. O primeiro tópico abordado por Dilma ao recepcionar Biden na cerimônia de posse de seu segundo

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Membros do Gacint ADHEMAR DA COSTA MACHADO FILHOADRIANA SCHOR ADRIANO HENRIQUE REBELO BIAVA AFFONSO CELSO DE OURO PRETO AFFONSO DE ALENCASTRO MASSOTALBERTO PFEIFER ALEXANDRE BARBOSAALEXANDRE RATSUO UEHARA AMÂNCIO JORGE S. NUNES DE OLIVEIRAANGELO DE OLIVEIRA SEGRILLO ANTONIO CARLOS PEREIRA ANTONIO CORRÊA DE LACERDA ANTONIO RUY DE ALMEIDA SILVABORIS FAUSTO CARLOS EDUARDO E CARVALHOCARLOS EDUARDO LINS DA SILVACELSO GRISICELSO LAFER CELSO NUNES AMORIMCHRISTIAN LOHBAUER CLAUDIO GONÇALVES COUTO CORONEL UBIRAJARA NEVESDANIELA CARLA DECARO SCHETTINIDÉCIO ODDONE DEISY VENTURA DEMÉTRIO MAGNOLI FELIPE LOUREIROGELSON FONSECA JUNIOR GERALDO DE FIGUEIREDO FORBES

GERALDO ZAHRANGILMAR MASIERO GIORGIO ROMANO SCHUTTE GONZALO BERRONGUNTHER RUDZITHELGA HOFFMANN HENRI PHILIPPE REICHSTUL JACQUES MARCOVITCH JAIME SPITZCOVSKYJANINA ONUKI JOÃO GRANDINO RODAS JOÃO PAULO CANDIA VEIGA JOSÉ LUIZ PIMENTA JÚNIORJOSÉ LUIZ CONRADO VIEIRAKAI ENNO LEHMANNKJELD AAGAARD JAKSOBSEN LEANDRO PIQUET CARNEIRO LENINA POMERANZ LOURDES SOLALUCIA NADERLUCIANA NICOLALUIZ AFONSO SIMOENS DA SILVA LUKAS LINGENTHALMARCO AURÉLIO GARCIAMARIA ANTONIETA DEL TEDESCO LINS MARIA HELENA TACHINARDI MARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA MARIANA LUZOLIVER STUENKEL

OTAVIANO CANUTO PATRÍCIA CAMPOS MELLOPAULO ROBERTO FELDMANPAULO SOTERO PEDRO BOHOMOLETZ DE ABREU DALLARI PEDRO MENDONÇAPETER ROBERT DEMANT PETERSON FERREIRA E SILVAPHILIPPE LAVANCHYRAFAEL DUARTE VILLA RAFAEL SOUZA FONSECARICARDO UBIRACI SENNES ROBERTO ABDENUR ROBERTO RODRIGUES ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA RODRIGO TAVARESRONALDO SARDEMBERGROSSANA ROCHA REIS RUBENS ANTÔNIO BARBOSARUY MARTINS ALTENFELDER SILVASAMUEL FELDBERGSÉRGIO ERNESTO ALVES CONFORTOSÉRGIO FAUSTO SÉRGIO SILVA DO AMARALTULLO VIGEVANI VAHAN AGOPYAN VERA THORSTENSEN YI SHIN TANG

Gacint Coordenador Geral Ricardo SennesVice-CoordenadorAlberto Pfifer

DiretorPedro Dallari

Debates Gacint Coordenador ExecutivoAndré Luiz Siciliano

IRI Contato: [email protected]ção Victor Tibau

ColaboradoresAndré Michelin Daniele Gave

Coordenadora de ProduçãoPatrícia Tambourgi

FotografiaGabriel Alves B. de Lima

desacompanhadas – e do narcotráfico – sempre importante, mas que vem recebendo uma nova abordagem com a mudança no tratamento da questão das drogas.

Por fim, lembrou a intensificação recente dos vínculos comerciais entre os EUA e as Américas, que incluem acordos preferenciais de comércio, como a Parceria Transpacífico (TPP), e os acordos bilaterais com Panamá e Colômbia. Esse movimento envolve tanto o aprofundamento de relações existentes quanto a criação de novos vínculos, que acabam excluindo alguns países, com destaque para o Brasil. No caso brasileiro, é grande a oportunidade perdida ao se ausentar das negociações normativas, pois a cada expansão do regime, aumentam os custos de entrada.

continente americano, devido às peculiaridades de cada país e sub-região, bem como as distintas prioridades dadas pelo governo norte-americano às relações com cada área.

Zahran ressaltou, também, a importância do impacto exercido pela política doméstica sobre a política externa. Como exemplos, lembrou que a decisão do governo cubano de prender Gross acabou alterando a política de aproximação, bem como as boas relações entre Brasil e EUA foram abaladas pela revelação dos grampos feitos pela Agência de Segurança Nacional sobre, entre outros, a presidente Dilma Rousseff.

Segundo o professor, a América Latina é prioritária para os EUA por ser geograficamente próxima, mas, de modo geral, ela não ocupa o topo da agenda internacional norte-americana. Alguns temas são exceções e costumam receber atenção, como a questão da imigração – que recentemente veio à tona com o aumento da migração de crianças