Os Esteróides Androgénicos Anabolizantes · de contornar melhor o controlo anti-dopagem, mas ......

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Licenciatura em Química 1ºCiclo 2º Semestre do Ano Lectivo 2007/08 Monografia de Química e Sociedade Os Esteróides Androgénicos Anabolizantes Perspectiva Química e Social Realizado por: Pedro Miguel F. Silva, nº49784 Lisboa, 30 de Junho de 2008

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Licenciatura em Química – 1ºCiclo

2º Semestre do Ano Lectivo 2007/08

Monografia de Química e Sociedade

Os Esteróides Androgénicos

Anabolizantes

Perspectiva Química e Social

Realizado por:

Pedro Miguel F. Silva, nº49784

Lisboa, 30 de Junho de 2008

Conteúdo

Introdução ..................................................................................................................................... 2

A. Esteróides Androgénicos Anabolizantes num Contexto Social ............................................. 3

B. Química dos Esteróides Androgénicos Anabolizantes .......................................................... 6

B.1 Definição e Nomenclatura .................................................................................................. 6

B.2 Biossíntese dos EAA’s de origem Endógena e Controlo Hormonal .................................. 25

B.3 Síntese de EAA’s ................................................................................................................ 35

B.4 Mecanismos de acção dos EAA’s ...................................................................................... 39

B.5 Detecção de EAA’s no controlo anti-doping ..................................................................... 41

Referências Bibliográficas ........................................................................................................... 46

2 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Introdução

Este trabalho tem por objectivo mostrar o impacto que a química dos esteróides

androgénicos anabolizantes tem na sociedade mundial. Estas substâncias, inicialmente

descobertas e sintetizadas para fins puramente terapêuticos, têm vindo a ser utilizadas em

doses supra-terapêuticas para promover uma melhor performance desportiva ou

simplesmente para fins estéticos. Apesar dos seus “benefícios” sobre o tecido muscular e

sobre o teor de gordura corporal, os EAA’s apresentam significativos riscos para a saúde dos

seus utilizadores, além de porem em causa o espírito competitivo equalitário e a auto-

superação dos atletas de alta competição. Os profissionais da química ocupam

simultaneamente os dois lados do combate ao doping no desporto. Isto porque por um lado

são solicitados por certas federações desportivas para produzirem novos compostos capazes

de contornar melhor o controlo anti-dopagem, mas que por outro se dedicam ao

desenvolvimento de técnicas mais sofisticadas para a detecção de novos xenobióticos

candidatos a melhoradores da performance atlética.

Na primeira parte deste trabalho procura-se explicar o contexto de utilização de EAA’s

para fins não terapêuticos. Numa segunda parte é apresentada a química subjacente a esta

classe de substâncias proibidas. Começa-se por abordar de uma forma sucinta a nomenclatura

de esteróides estritamente necessária para compreendermos a construção do nome

sistemático utilizado na lista de agentes anabolizantes interditos pela WADA para 2008. Segue-

se uma explicação pormenorizada do processo de biossíntese de hormonas androgénicas (e

não só), assim como o modo como este é regulado no organismo humano. A produção de

EAA’s sintéticos e de origem endógena também é abordada, sendo apresentada uma proposta

de síntese de pré-hormonais utilizando como material de partida um esteróide natural

proveniente das plantas. São explicados os mecanismos de acção dos EEA’s quando

administrados em doses terapêuticas e supra-terapêuticas, e para este último são também

identificadas as consequências fisiológicas. A detecção laboratorial por GC-MS e a utilização do

parâmetro T/E para a detecção de EAA’s é também explicada no final do trabalho.

3 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

A. Esteróides Androgénicos Anabolizantes num Contexto Social

A utilização de substâncias capazes de proporcionar uma melhoria do desempenho físico é

um facto que atravessa a história da humanidade desde a Antiguidade. Os gregos ingeriam

uma certa espécie de cogumelos, pois conhecendo as suas propriedades alucinogénicas,

acreditavam que poderiam melhorar qualidades atléticas como a coragem e a força. Os

gladiadores romanos utilizavam certos estimulantes para atenuar a fadiga. No Quénia e na

Tanzânia, os maasai continuam a ingerir uma misteriosa bebida, que segundo dizem, os ajuda

a correr mais rápido durante mais tempo, e que é preparada à base de sangue de vaca

(extraído através de uma flechada na jugular), leite de cabra das montanhas a ferver, cinzas e

uma mistura de ervas locais. A origem da palavra doping é desconhecida, contudo sabe-se ter

aparecido pela primeira vez num dicionário inglês no ano de 1889, significando uma mistura de

narcóticos utilizada em cavalos. O primeiro documento oficial a registar a palavra doping só foi

assinado em 1897, quando aconteceu a também primeira desclassificação por uso de drogas.

O caso aconteceu quando o dirigente inglês Choppy Warburton foi apanhado a oferecer a um

ciclista um xarope com propriedades excitantes. Warburton foi afastado das suas funções sob

a acusação de utilizar meios ilícitos para melhorar a performance do seu ciclista.

Actualmente conhecem-se uma grande variedade que substâncias capazes de melhorar a

performance desportiva dos atletas de alta competição. O facto da utilização de muitas delas

poder pôr em causa o espírito competitivo e/ou a saúde física dos atletas, levou a que o

Comité Olímpico Internacional (COI) em Fevereiro de 1999 organizasse em Lausanne uma

conferência mundial. Desta conferência resultou um documento que permitiu a criação de

uma entidade independente capaz de promover e coordenar a luta contra a dopagem no

desporto a nível internacional: a agência mundial anti-doping (WADA, World Anti-doping

Agency). Anualmente, e desde 2004, a WADA publica uma lista contendo todas as substâncias

e métodos proibidos divididas em classes. A tabela abaixo esquematiza quais as classes

proibidas ordenando-as de acordo com a frequência de ocorrências positivas detectadas em

testes de despistagem no ano de 2006.

Tabela A1 – Classes de substâncias e métodos proibidos e a sua frequência de ocorrências positivas em testes de despistagem

anti-doping no ano de 2006.

Classe de Substâncias/Métodos Frequência de

ocorrências positivas (%)

S1. Agentes Anabolizantes 45.4 S3. Beta – 2 Agonistas 14.6 S8. Canabinóides 12.8 S6. Estimulantes 11.3 S5. Diuréticos e Outros Agentes Mascarantes 6.7 S9. Glucocorticosteróides 6.5 S2. Hormonas e Substâncias Relacionadas 1.0 P2. Beta-Bloqueantes 0.6 S4. Agentes com Actividade Anti-Estrogénica 0.6 S7. Narcóticos 0.4 M2. Manipulação Química e Física 0.1

TOTAL 100

4 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Desde 2006 até ao presente ano, a lista publicada pela WADA sofreu pequenas alterações,

que consistiram na introdução de novas substâncias e métodos para os quais foi descoberto

um modo sistemático de detecção. A lista em vigor para o ano de 2008 [1] encontra-se

disponível na WEB na página da Agência Mundial em http://www.wada-

ama.org/en/index.ch2.

A classe de substâncias banidas no desporto designada “Agentes Anabolizantes” encontra-

se desde os anos 90, dividida em duas subclasses: a dos “Esteróides Androgénicos

Anabolizantes” (EAA’s), que inclui apenas substâncias de natureza esteroidal quer de origem

endógena quer de origem exógena (ou sintéticos); e uma segunda subclasse designada de

“Outros Agentes Anabolizantes” essencialmente constituída por substâncias de natureza não

esteroidal como o clenbuterol, moduladores selectivos do receptor de androgénio (SARM’s), o

zeranol e o zilpaterol. A tabela abaixo dá-nos uma ideia de quais os agentes anabolizantes mais

frequentemente detectados em testes de despistagem.

Tabela A2 – Frequência de ocorrências positivas de Agentes Anabolizantes em testes de despistagem anti-doping no ano de 2006.

S1.1.a. Agentes Anabolizantes – EAA’s Exógenos Frequência de ocorrências positivas (%)*

Nandrolona 12.1 Estanozolol 11.3

Metandienona 6.4 Boldenona 1.9

Metiltestosterona 1.7 Metenolona 1.5 Mesterolona 1.1 Drostanolona 0.9 Trenbolona 0.5

Oxandrolona 0.4 Oximetolona 0.3

Clostebol 0.2 Desidroclorometiltestosterona 0.1

Mestanolona 0.1 Desoximetiltestosterona 0.1

Danazol 0.1 1-Testosterona 0.1

1-Androstendiona 0.1 Oximesterona 0.1

Prostanozol 0.1

S1.1.b. Agentes Anabolizantes – EAA’s Endógenos Frequência de ocorrências positivas (%)*

Testosterona 57.2 Precursores de Testosterona 0.7

Prasterona (DHEA) 0.6 Etiocolanolona 0.2 Androsterona 0.1

S1.2. Outros Agentes Anabolizantes Frequência de ocorrências positivas (%)*

Clenbuterol 2.7 TOTAL 100

*Valores referentes ao ano de 2006, para modalidades olímpicas e não olímpicas

Todas estas subclasses de agentes anabolizantes têm em comum, promover o anabolismo.

Isto traduz-se essencialmente em aumentos mais rápidos e significativos de massa muscular

magra e de força explosiva, úteis em muitos desportos e actividades físicas.

5 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

A utilização dos EAA’s está predominantemente associada aos atletas de alta

competição desde as décadas de 50 e 60. Contudo, estudos recentes desenvolvidos por

Kanayama et al (2001) demonstraram que o leque de utilizadores tem vindo a estender-se

rapidamente à população em geral, nomeadamente a utentes de ginásios e a jovens, tanto

para fins desportivos como estéticos. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, segundo

dados do “Youth Risk and Behavior Surveillance System” de 1995, estima-se que

aproximadamente 375.000 adolescentes do sexo masculino e 175.000 do sexo feminino, de

escolas públicas e privadas, fizeram uso de EAA’s pelo menos uma vez na vida. O facto da

comercialização livre deste tipo de substâncias ser bastante restrita na maioria dos países mas

por outro lado a sua procura ser bastante grande, faz com que frequentemente estes sejam

produzidos por laboratórios em condições ilegais e com deficientes ou mesmo inexistentes

critérios de qualidade. A venda via internet veio também facilitar o contorno à lei que proíbe a

venda de determinadas drogas em certos países. O aparecimento de resultados positivos em

testes de controlo anti-doping relativos a atletas consumidores de suplementos dietéticos de

venda livre (em ervanárias, supermercados, etc.) como concentrados proteicos,

incrementadores de peso e outros cocktails nutricionais, levou a comunidade médica

internacional a alertar para o facto de aqueles suplementos poderem ter sido

deliberadamente contaminados com substâncias dopantes, nomeadamente agentes

anabolizantes, e como tal constituírem um risco para os seus consumidores. Apesar dos

aparentes benefícios ao nível atlético, como iremos ver mais à frente, os EAA’s apresentam

consideráveis riscos para a saúde, nomeadamente efeitos tóxicos sobre os sistemas

cardiovascular, endócrino, hepático, e nervoso central. Paralelamente aos efeitos anabólicos,

os esteróides androgénicos anabolizantes, como o próprio nome indica, apresentam em maior

ou menor grau, importantes efeitos androgénicos quando em circulação no organismo

humano. Estes consistem no aparecimento de características físicas e comportamentais

masculinas, nomeadamente o aumento do tom grave na voz; o crescimento de pilosidade na

face, nas axilas e na região púbica; e aumento da agressividade e virilidade. A necessidade de

aprimorar os efeitos anabólicos face aos androgénicos, inicialmente para fins terapêuticos,

levou ao aparecimento de derivados sintéticos da testosterona. Mais recentemente por meio

de fármacos denominados moduladores selectivos do receptor de androgénio (SARM’s) foi

possível potenciar unicamente os efeitos anabólicos. Estes fármacos ao actuarem

especificamente sobre determinados tecidos e órgãos podem ser utilizados tanto como

agonistas para a reposição de massa muscular magra e força em doentes crónicos portadores

de HIV, como antagonistas no tratamento do cancro da próstata nos homens ou do hirsutismo

nas mulheres. Por antecipação, a WADA, reconhecendo as potencialidades dos SARM’s como

melhoradores da performace atlética adicionou-os à classe dos agentes anabolizantes na lista

de 2008. O clenbuterol é o agente anabolizante não esteroidal mais frequentemente

detectado em testes de controlo antidopagem. Apesar de ser utilizada na terapêutica das

variantes de bronquite (asmática, crónica e enfizematosa), esta substância sintética apresenta

grande reputação entre os culturistas, devido ao efeito significativo sobre a síntese proteica

(de fibras musculares) e sobre o catabolismo lipídico.

6 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

B. Química dos Esteróides Androgénicos Anabolizantes

B.1 Definição e Nomenclatura

Analisando atentamente a lista de substâncias proibidas para o presente ano de 2008

[1], verifica-se que os Esteróides Androgénicos Anabolizantes (EAA’s) se encontram

identificados quer através do seu nome trivial, quer através do seu nome sistemático, ou

mesmo por ambos.

Exemplo: 1-androstendiol (nome trivial), 5α-androst-1-ene-3β,17β-diol (nome sistemático)

A definição de esteróides assim como a atribuição de um nome sistemático a uma

dada estrutura molecular com esta natureza, foram estipuladas em 1989 através de um acordo

entre a IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry) e a IUB (International Union

of Biochemistry)[2].

Segundo este acordo, os esteróides são definidos como compostos que apresentam na

sua estrutura o núcleo ciclopentano-fenantreno ou um núcleo dele derivado, sendo a

numeração dos átomos de carbono feita da seguinte forma:

Figura B1 – Numeração dos átomos de carbono na estrutura do núcleo ciclopenta[a]fenantreno segundo o acordo

IUPAC-IUP [1]

Considerando que o núcleo se encontra disposto no plano do papel, os átomos de

hidrogénio ou os grupos metilo ligados aos centros de quiralidade cujas posições são 8, 9, 10,

13 e 14 ficam normalmente orientados da seguinte forma:

Figura B2 – a) Orientação típica de hidrogénios e metilos: 8β, 9α, 10β, 13β, 14α. b) A mesma estrutura, omitidos os hidrogénios

estando os grupos metilos apenas representados pela ligação ao anel.

7 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Ou seja, os grupos metilo nas posições 10 e 13, assim como o hidrogénio e o grupo R

respectivamente nas posições 8 e 17, encontram-se orientados para cima do plano, razão pela

qual lhes é atribuída a designação β, sendo a ligação representada por uma cunha a cheio

virada para cima. O grupo R pode ser por exemplo um hidroxilo (-OH), um éter (-OR’), um éster

(-OCOR’) ou uma cadeia lateral alifática (R’) saturada ou não, como veremos mais à frente.

Pelo contrário, os hidrogénios das posições 9 e 14 encontram-se normalmente localizados

abaixo do plano do núcleo pelo que lhes é atribuída a designação α, e sendo a ligação destes

aos carbonos do núcleo representada por uma cunha ou uma linha a tracejado virada para

baixo. Quando a orientação não é conhecida, atribui-se ao átomo ou grupo de átomos ligados

a um dado centro quiral a designação ξ, sendo a ligação representada por uma linha ondulada,

como é o caso do hidrogénio ligado ao C-5 da representação ilustrada na figura B2. Caso não

haja ambiguidade, os grupos metilo podem ser representados apenas pela respectiva ligação e

os hidrogénios omitidos (figura B2b)). A introdução de substituintes no núcleo dá origem a

formação de mais centros de quiralidade. Os substituintes localizados no mesmo lado do plano

da molécula que os grupos metilo 18 e 19 dizem-se em posição cis, sendo designados

substituíntes β. Caso contrário dizem-se substituintes α, estando em posição trans em relação

aqueles grupos metilo. Portanto, aquando da formulação do nome sistemático de um

esteróide, a definição da estereoquímica de um determinado substituinte é feita adicionando

α, β ou ξ após o número do carbono do núcleo tetracíclico em que se encontra ligado.

Tal como mostra a figura B3, o núcleo tetracíclico de um esteróide também pode ser

desenhado em perspectiva.

Figura B3 – Representação em perspectiva de um esteróide: a) 5α, b) 5β

A estrutura do núcleo tetracíclico pode apresentar algumas variações e assim originar

núcleos hidrocarbonados derivados, nomeadamente:

Os gonanos, que não possuem os grupos metilo nos carbonos 10 e 13.

Figura B4 – Núcleo gonano: a) 5α-gonano b) 5β-gonano

8 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Os estranos ou também designados oestranos, que possuem um grupo metilo

no carbono 13 mas não no carbono 10. Esteróides com esta estrutura

apresentam no seu nome sistemático as sílabas “estran” (se forem totalmente

saturados), “estr” ou “estra” (consoante sejam mono ou poli-insaturados).

Figura B5 – Núcleo estrano: a) 5α-estrano b) 5β-estrano

Os androstanos, que possuem grupos metilos tanto no carbono 10 como no

carbono 13. Esteróides com esta estrutura apresentam no seu nome

sistemático as sílabas “androstan” (se forem totalmente saturados), “andost”

ou “androsta” (consoante sejam mono ou poli-insaturados).

Figura B6 – Núcleo androstano: a) 5α-andostano b) 5β-androstano

Os núcleos acima mencionados têm em comum não apresentar qualquer substituição

no C-17. Se os carbonos C-10 e C-13 do núcleo de ciclopentano-fenantreno se encontrarem

substituídos com um grupo metilo, e se ao C-17 estiver ligada um grupo etilo, então obtém-se

um novo núcleo hidrocarbonado denominado pregnano. Tal como nos núcleos anteriores, a

orientação do hidrogénio (caso exista) do C-5 dá origem a duas séries de pregnanos: 5α-

pregnano e 5β-pregnano, respectivamente. Esteróides com esta estrutura apresentam no seu

nome sistemático as sílabas “pregnan” (se forem totalmente saturados), “pregn” ou “pregna”

(consoante sejam mono ou poli-insaturados).

Figura B7 – Núcleo pregnano: a) 5α-pregnano b) 5β-pregnano. c) Numeração na cadeia lateral em C-17

9 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Quando além de o grupo etilo se encontra também ligado ao C-17 um grupo funcional

(p.e. hidroxilo), o grupo etilo em vez de estar representado no plano do papel passa a estar

orientado fora deste plano:

Exemplo: etilestrenol (19-nor-17α-pregn-4-en-17β-ol)

Neste exemplo considerou-se que a estrutura tetracíclica

típica mais próxima é a de um pregnano. Dado existir uma

única insaturação (ligação dupla) utilizou-se a sílaba

“pregn”. Dado que o grupo etilo se encontra orientado

para trás do plano, adiciona-se a indicação “17α-” antes da

sílaba.

Ignorando a presença da insaturação, um olhar mais atento à estrutura tetracíclica do

etilestrenol leva-nos a concluir que esta não corresponde exactamente à estrutura típica de

um pregnano, isto porque está em falta o C-19. Para designar a remoção de metilenos de

cadeias laterais das estruturas tetracíclicas típicas (estranos, androstanos e pregnanos) utiliza-

se o prefixo “nor-“ precedido pelo número do carbono removido, e seguido pela sílaba

correspondente à estrutura tetracíclica. Quando se removem dois metilenos utiliza-se o

prefixo “dinor-“, como acontece na norboletona.

Exemplo: norboletone (13-ethyl-17-hydroxy-18,19-dinor-17-α-pregn-4-en-3-one)

Tal como no exemplo anterior, dado que a

estrutura do núcleo apresenta uma dupla e a

orientação espacial do grupo etilo no C-17 ser

a mesma, utiliza-se a mesma sílaba no nome

sistemático, i.e. “17-α-pregn”. Contudo,

agora considerou-se que os metilenos cujos

carbonos com numerações 18 e 19, foram

removidos e que ao C-13 foi adicionado um

grupo etilo. Por essa razão utiliza-se o prefixo “18,19-dinor-” antes mas o mais próximo

da sílaba e “13-ethyl” antes mas mais distante da sílaba.

Para designar a adição de um (ou mais) grupo metileno a uma ligação C-H de um

metilo ou ao lado de um grupo metileno de uma cadeia lateral, utiliza-se o prefixo “homo” (ou

“dihomo-“, etc…) precedido pelo número do último carbono ao qual se fez a adição, e seguido

pela sílaba correspondente à estrutura tetracíclica. Acoplado ao número do carbono à qual se

fez a adição é também introduzida uma letra l (a, b, c, d, etc.) que designa o “l-ésimo” metileno

adicionado. Isto é, se se introduziu um metileno na ligação C-H em que o último carbono é o C-

18, utiliza-se o prefixo “18a–homo-”; caso se tenha adicionado dois metilenos, utiliza-se o

prefixo “18a,18b-dihomo-“, e assim sucessivamente para mais metilenos adicionados. Veja-se

a gestrinona como exemplo:

CH3 OH

CH3

10 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Exemplo: gestrinone (17β-hydroxy-18a-homo-19-nor-

17α-pregna-4,9,11-trien-20-yn-3-one)

Neste exemplo também se considerou que a

estrutura tetracíclica típica mais próxima é o

pregneno. Dado existir mais de que uma

insaturação utilizou-se a sílaba “pregna”. Como

alterações à estrutura típica adicionou-se um

metileno à ligação C-H do metilo cujo carbono é o 18, e removeu-se o metileno cujo

carbono é o 19. Assim antes da sílaba é adicionado o conjunto “18a-homo-19-nor.”

Para designar a presença de insaturações nas moléculas de esteróides, são utilizados

os sufixos “ene” ou “en” para ligações duplas, e “yne” ou “yn” para ligações triplas. Caso haja

mais de que uma insaturação do mesmo tipo adiciona-se ao sufixo o termo “di”, “tri”, etc.

Estes sufixos devem ser sempre colocados imediatamente a seguir à sílaba que denota o tipo

de estrutura tetracíclica. Assim sendo, na gestrinona, a presença de três ligações duplas (em C-

4, C-9 e C-11) e uma ligação tripla (em C-20), leva à formulação do sufixo conjunto “-4,9,11-

trien-20-yn”.

Ligados aos carbonos das estruturas tetracíclicas hidrocarbonadas mencionadas

podem estar ligados diversos substituintes. No caso dos EAA´s proibidos em 2008, para além

de grupos alquilo e hidroxilo, encontramos também halogéneos, grupos alcóxido, cetonas e

aldeídos. Em termos de nomenclatura, a maior parte dos substituintes pode ser designada

tanto a partir de sufixos como de prefixos. Contudo, os halogéneos e os grupos alquilo e

alcóxido só podem ser designados como prefixos. Quanto aos restantes substituintes,

podemos ter duas situações:

1. Só há um tipo de substituinte. Então este substituinte deve ser designado como

sufixo.

2. Há mais de um tipo de substituinte. Então, escolhe-se para sufixo aquele que

estiver mais próximo do topo da hierarquia de preferências, e para prefixo o(s)

outro(s) abaixo dele.

Hierarquia de Preferências:

Os grupos hidroxilo podem ser designados quer pelo prefixo “hydroxy-” quer pelo

sufixo “-ol”.

1º ác. carboxílico

2º lactona

3º éster

4º aldeído

5º cetona

6º álcool

7º amina

11 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Exemplos:

1) 1-androstendiol (5α-androst-1-ene-3β,17β-diol)

A estrutura tetracíclica típica mais próxima é o 5α-

androstano. Dado que o C-1 está envolvido na

formação de uma ligação dupla, é utilizada a sílaba

“5α-androst-1-ene”. Como neste caso há dois

substituintes do mesmo tipo, ou seja dois grupos

hidroxilos que estão orientados para cima do plano do

papel, utiliza-se o sufixo conjunto “-3β,17β-diol”.

2) Methandriol (17α-methylandrost-5-ene-3, 17β-diol)

Tal como no exemplo 1, a estrutura típica mais próxima é

o androstano. Contudo, neste caso a insaturação localiza-

se no C-5 além de que no C-17 está presente um grupo

metilo. Dado que os grupos metilo só podem ser definidos

como prefixos, não resta alternativa aos hidroxilos senão

ficarem definidos como sufixo.

3) Boldenone (17β-hydroxyandrosta-1,4-diene-3-one)

De acordo com a hierarquia de preferências, é o grupo

cetona que é definido como último sufixo (“-3-one”)

após o sufixo que identificativo da presença de

insaturações (-1,4-diene). O hidroxilo é definido com o

prefixo “17β-hydroxy”.

Os grupos aldeídos podem adoptar diferentes prefixos ou sufixos consoante a

situação:

Designação Situação

sufixo “-al” ou prefixo “oxo-“

Presença do grupo –CHO onde estaria antes um grupo –CH3

sufixo “-aldehyde” Presença do grupo –CHO onde estaria antes um grupo –COOH

prefixo “formyl-“ ou sufixo “-

carbaldehyde”

Presença do grupo – C-CHO onde estaria antes um –CH, -CH2 ou –CH3

Os grupos cetona podem ser designados quer pelo prefixo “oxo-” quer pelo sufixo “-

one”.

CH3

CH3OH

HOH

12 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Exemplos:

1) Formebolone (11α,17β-dihydroxy-17α-methyl-3-

oxoandrost-1,4-diene-2-carbaldehyde)

À estrutura hidrocarbonada designada pela sílaba

“androst-1,4-diene” encontram-se ligados um grupo

alquilo (metilo), dois hidroxilos, uma cetona e um

aldeído. De acordo com a hierarquia de preferências,

escolhemos o aldeído para sufixo com a designação de “2-carbaldehyde” uma vez que no seu

lugar estaria um –CH. Dado que a ligação dupla do ciclo A se encontra conjugada com a ligação

dupla do carbonilo, este substituinte fica orientado no plano do papel. Os restantes grupos são

designados no nome sistemático como prefixos, isto é, os hidroxilos como “11α,17β-

dihydroxy-”, o grupo metilo como “17α-methyl-“ e o grupo cetona como “3-oxo”, estando este

imediatamente antes da sílaba “androst-1,4-diene” pelo facto do seu carbono pertencer à

estrutura tetracíclica hidrocarbonada.

2) Fluoxymesterone (9α-fluoro-11β,17β-dihydroxy-17α-

methylandrost-4-ene-3-one)

Neste caso, é a cetona que é designada com o sufixo, dado ter

prioridade sobre o grupo hidroxilo. O flúor é obrigatoriamente

designado como prefixo.

Pode dar-se o caso de um dos carbonos do esqueleto tetracíclico ser substituído por

um heteroátomo.

Exemplo: oxandrolone (17β-hydroxy-17α-methyl-2-oxa-5α-

androstan-3-one)

Nos casos em que o heteroátomo se trata de um

oxigénio, utiliza-se o prefixo “oxa-“ imediatamente antes à

sílaba correspondente ao tipo de estrutura tetracíclica,

precedido pelo número indicativo da sua posição.

Quatro dos EAA listados, nomeadamente o danazol, o furazabol, o prostanozol e o

stanozolol apresentam anéis heterocíclicos fundidos à estrutura hidrocarbonada tetraciclica

através dos carbonos das posições 2 e 3 do anel A. Os anéis heterocíclicos assim como a

numeração estipulada para cada um dos seus centros são os seguintes:

Figura B8 – Numeração em anéis

heterocíclicos.

CH3 OHCH3

H

O

O

CH3

OH

5

4

O1

N2

3

N5

4

O1

N2

3

5

4

NH1

N2

3

isoxazole furazan pyrazole

13 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Para se designar o tipo de anel que se encontra fundido, utiliza-se um prefixo (ou

sufixo) constituído por parênteses rectos, dentro dos quais constam os números das posições

do núcleo carbonado do esteróide envolvidos na fusão e uma letra. Esta letra traduz quais os

centros do anel heterocíclico envolvidos na fusão:

Anexado aos parênteses adiciona-se o nome do heterociclo.

Exemplo: Danazol (17α-ethynyl-17β-hydroxyandrost-4-

ene[2,3-d]isoxazole ou 17β-hydroxy-pregna-4-ene-20-

yn-[2,3-d]isoxazole )

Dentro dos parênteses, a numeração “2,3” corresponde

às posições dos carbonos do anel A do esteróide que

estão envolvidos na fusão, e a letra “d” indica que os

elementos do anel isoxazole envolvidos na fusão são os

que estão na posição 4 e 5.

A tabela da página seguinte reúne todos os EAA proibidos em 2008. A partir do nome

sistemático deduzi a estrutura molecular com base na referência [2]. Para os esteróides que

não apresentam nome sistemático consultei a sua estrutura nas fontes mencionadas (na

tabela) e a partir delas deduzi o seu nome sistemático.

Letra Posições dos centros do anel heterocíclico envolvidos na fusão

a 1,2

b 2,3

c 3,4

d 4,5

CH3

CH3OH

O

CH

N

14 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Tabela B1 – Nomenclatura e Estrutura Molecular dos EAA proibidos pela WADA para o ano de 2008

Nome Trivial Nome sistemático Estrutura

EAA Exógenos

1-androstendiol 5α-androst-1-ene-3β,17β-diol

CH3

CH3OH

HOH

1-androstendione 5α-androst-1-ene-3,17-dione

CH3

CH3O

HO

Bolandiol ou 19-norandrostenediol

Estr-4-ene-3β,17β-diol ou 19-nor-androst-4-ene-3β,17β-diol

Fonte: www.isomerdesign.com

Bolasterone

17β-hydroxy-7α,17β-dimethylandrost-4-ene-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

Boldenone 17β-hydroxyandrosta-1,4-diene-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Boldenone

15 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Boldione androsta-1,4-diene-3,17-dione CH3

CH3O

O

Calusterone 17β-hydroxy-7β,17α-dimethylandrost-4-ene-

3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

Clostebol 4-chloro-17β-hydroxyandrost-4-ene-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

Danazol 17α-ethynyl-17β-hydroxyandrost-4-ene[2,3-

d]isoxazole

CH3

CH3OH

O

CH

N

dehydrochlormethyltestosterone 4-chloro-17β-hydroxy-17α-methylandrosta-

1,4-dien-3-one

CH3

CH3OH

O

Cl

CH3

16 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

desoxymethyltestosterone 17α-methyl-5α-androst-2-en-17β-ol

CH3

CH3 OH

H

CH3

Drostanolone

17β-hydroxy-2α-methylandrostan-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

Ethylestrenol 19-nor-17α-pregn-4-en-17β-ol

CH3 OH

CH3

fluoxymesterone 9α-fluoro-11β,17β-dihydroxy-17α-

methylandrost-4-ene-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

formebolone 11α,17β-dihydroxy-17α-methyl-3-

oxoandrost-1,4-diene-2-carbaldehyde

CH3 OHCH3

H

O

O

CH3

OH

furazabol 17β-hydroxy-17α-methyl-5α-androstano[2,3-

c]-furazan

CH3

CH3OH

N

CH3

O

N

H

17 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

gestrinone

17β-hydroxy-18a-homo-19-nor-17α-pregna-4,9,11-trien-20-yn-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Gestrinone

4-hydroxytestosterone 4,17β-dihydroxyandrost-4-en-3-one

CH3OH

O

CH3

OH

mestanolone 17β-hydroxy-17α-methyl-5α-androstan-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Mestanolone

mesterolone 1α-methyl-17β-hydroxy-5α-androstan-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Mesterolone

metenolone 17β-hydroxy-1-methyl-5α-androst-1-ene-3-

one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Methenolone

methandienone 17β-hydroxy-17α-methylandrosta-1,4-dien-3-

one

CH3 OH

O

CH3

CH3

18 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

methandriol 17α-methylandrost-5-ene-3, 17β-diol

Fonte: www.isomerdesign.com

methasterone 2α, 17α-dimethyl-5α-androstane-3-one-17β-

ol

CH3 OH

O

CH3

CH3

CH3

H

methyldienolone 17β-hydroxy-17α-methylestra-4,9-dien-3-one

CH3 OH

O

CH3

Methyl-1-testosterone 17β-hydroxy-17α-methyl-5α-androst-1-en-3-

one

CH3

CH3 OH

H

CH3

O

methylnortestosterone 17β-hydroxy-17α-methylestr-4-en-3-one

CH3 OHCH3

O

methyltrienolone 17β-hydroxy-17α-methylestra-4,9,11-trien-3-

one

CH3 OHCH3

O

19 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

methyltestosterone 17β-hydroxy-17α-methylandrost-4-ene-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

mibolerone 17β-hydroxy-7α,17α-dimethyl-19-nor-

androst-4-ene-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Mibolerone

nandrolone 17β-hydroxy-estr-4-ene-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Nandrolone

19-norandrostenedione estr-4-ene-3,17-dione

CH3 O

O

norboletone 13-ethyl-17-hydroxy-18,19-dinor-17-α-pregn-

4-en-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

norclostebol 4-chloro-17β-hydroxyestr-4-ene-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

20 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

norethandrolone 17β-hydroxy-19-nor-pregn-4-ene-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Norethandrolone

oxabolone 4,17β-dihydroxy-estr-4-ene-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

oxandrolone 17β-hydroxy-17α-methyl-2-oxa-5α-

androstan-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Oxandrolone

oxymesterone 7,17β-dihydroxy-17α-methylandrost-4-ene-3-

one

Fonte: www.isomerdesign.com

oxymetholone 17β-hydroxy-2-(hydroxymethylene)-17α-

methyl-5α-androstan-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Oxymetholone

prostanozol [3,2-c]pyrazole-5α-etioallocholane-17β-

tetrahydropyranol CH3

CH3O

NH

N

H

O

21 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

quinbolone 17β-(cyclopent-1-enyloxy)- androsta-1,4-

diene-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Quinbolone

stanozolol 17β-hydroxy-17α-methyl-5α-androstano[3,2-

c]pyrazole

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Stanozolol

stenbolone 17β-hydroxy-2-methylandrost-1-ene-3-one

Fonte: www.isomerdesign.com

1-testosterone 17β-hydroxy-5α-androst-1-en-3-one

CH3

CH3OH

HO

tetrahydrogestrinone 18a-homo-pregna-4,9,11-trien-17β-ol-3-one

OH

CH3CH3

O

trenbolone 17β-hydroxyestra-4,9,11-triene-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Trenbolone

22 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

EAA Endógenos

androstenediol androst-5-ene-3β,17β-diol CH3

CH3OH

OH

androstenedione androst-4-ene-3,17-dione CH3

CH3O

O

dihydrotestosterone 17β-hydroxy-5α-androstan-3-one CH3

CH3OH

OH

prasterone ou dehydroepiandrosterone (DHEA)

3β-hydroxyandrost-5-ene-17-one

Fonte:

http://en.wikipedia.org/wiki/Dehydroepiandrosterone

testosterone 17β-hydroxyandrost-4-ene-3-one

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Testosterone

5-adrostanediol (e isómeros)

5α-androstane-3α,17α-diol

CH3

CH3OH

OHH

3

17

CH3 CH3

CH3 CH3

5α-androstane-3α,17β-diol

5α-androstane-3β,17α-diol

5α-androstane-3β,17β-diol (5-androstanediol)

23 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

4-androstenediol (e isómeros)

androst-4-ene-3β,17β-diol (4-androstenediol)

CH3

CH3OH

OH 3

17

CH3 CH3

CH3 CH3

androst-4-ene-3α,17α-diol

androst-4-ene-3α,17β-diol

androst-4-ene-3β,17α-diol

5-androstenediol (isomeros)

androst-5-ene-3α,17α-diol

CH3

CH3OH

OH 3

17

CH3 CH3

CH3 CH3

androst-5-ene-3α,17β-diol

androst-5-ene-3β,17α-diol

5-androstenedione androst-5-ene-3,17-dione CH3

CH3O

O

epi-dihydrotestosterone 17α-hydroxy-androstan-3-one CH3

CH3OH

O

24 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

3α-hydroxy-5α-androstan-17-one

CH3O

OH

CH3

H

3β-hydroxy-5α-androstan-17-one

CH3O

OH

CH3

H

19-norandrosterone

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/19-Norandrosterone

19-noretiocholanolone 3α-hydroxy-5α-estran-17-one

Fonte: http://www.ebi.ac.uk/chebi/

25 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

B.2 Biossíntese dos EAA’s de origem Endógena e Controlo Hormonal

Os esteróides, são do ponto de vista biossintético, derivados dos triterpenos,

nomeadamente do lanosterol. Nos animais, este álcool triterpenoide é convertido no

colesterol num processo que envolve a perda de três grupos metilo, e a redução/formação de

ligações duplas, como veremos mais adiante. O colesterol é um esteróide que, nos mamíferos

além de modular a fluidez das membranas é também o percursor de uma larga gama de

produtos naturais, como os ácidos biliares, os corticosteróides, a vitamina D3 e as hormonas

sexuais, nomeadamente as hormonas androgénicas nas quais se incluem todas as que estão

contidas na tabela B1 com a designação de EAA endógenos.

Figura B9 – Estruturas moleculares: a) lanosterol (triterpenóide) b) colesterol (esteróide).

Os triterpenos não são mais do que estruturas hidrocarbonadas contendo 30 átomos

de carbono, resultantes da junção cauda-cauda de duas moléculas de farnesil pirofosfato

(FPP). Esta molécula, por sua vez é biossintetizada através de duas unidades isoprénicas (C5)

biologicamente activas designadas dimetilalil difosfato (DMAPP) e isopentil difosfato (IPP).

Figura B10 – Biossíntese de FPP a partir das unidades C5 DMAPP e IPP

Nos animais, estas unidades isoprénicas são sintetizadas pela via do ácido mevalónico.

Nesta via, duas moléculas de acetil-coenzima A combinam-se através de uma condensação de

Claisen para gerarem o acetoacetil-CoA. Este, ao reagir por uma adição aldol estereoespecífica

com uma terceira molécula de acetil-CoA, dá origem ao éster β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA

(HMG-CoA). Note-se que como o acetoacetil-CoA é um substrato mais ácido que o acetil-CoA,

seria de esperar que fosse ele que actuasse como nucleófilo na reacção, e não o contrário. Tal

não acontece uma vez que, na verdade ao grupo acetil encontra-se ligada (através de um

grupo tiol) uma enzima que torna a reacção favorável. Seguidamente, o grupo tioéster de

HMG-CoA é reduzido por acção da HMG-CoA redutase e do NADPH a aldeído (por via do

respectivo hemitioacetal), e este reduzido a álcool primário, sendo a molécula resultante o

ácido mevalónico. Este grupo álcool é depois difosforilado, seguindo-se uma reacção de

26 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

descarboxilação-eliminação. Esta reacção é favorecida através da trifosforilação do grupo

álcool terciário dado que o torna um melhor grupo abandonande. Uma vez formado, o IPP é

isomerizado a DMAPP por uma enzima que remove o protão orientado para trás do plano da

molécula (HR) localizado no C-2 e incorpora em C-4 um protão proveniente do meio

reaccional.

Figura B11 – Biossíntese das unidades C5 DMAPP e IPP pela via do ácido mevalónico

Note-se que o DMAPP, devido ao facto de possuir um bom grupo abandonante (o

grupo difosfato), pode gerar um carbocatião estabilizado por ressonância, tendo portanto

carácter electrófilo. Por outro lado o IPP, que possui uma ligação dupla terminal, tem um

carácter mais nucleófilo. Nos organismos, a reacção entre o DMAPP e o IPP é mediada pela

enzima prenil-transferase produzindo-se uma cadeia de dez carbonos denominada geranil

difosfato (GPP) como é mostrado na figura B12. Tal como na isomerização conducente às duas

unidades isoprénicas, o protão que é perdido nesta reacção está orientado para trás do plano

da molécula, pelo que a ligação dupla formada é trans (E).

Figura B12 – Biossíntese de GPP a partir das unidades C5 DMAPP e IPP

27 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Por acção da mesma enzima, à cadeia de GPP formada pode adicionar-se uma outra

unidade C5 IPP e assim obter uma cadeia de quinze carbonos denominada farnesil difosfato

(FPP), em que a última ligação dupla deverá ter uma estereoquímica trans (E):

Figura B13 – Biossíntese de FPP

Como já foi referido, a junção de duas moléculas de FPP dá origem a uma cadeia

constituída por trinta átomos de carbono designada esqualeno. A figura abaixo propõe o

mecanismo que se revelou ser o correcto na formação do esqualeno após uma experiência de

marcação isotópica dos carbonos C1 e C1’ de cada uma das moléculas de FPP.

Figura B14 – Mecanismo proposto para a biossíntese do esqualeno a partir utilizando marcação isotópica no C-1 de cada uma das

moléculas de FPP

Tal como nas duas reacções de extensão de cadeia mencionadas, a saída do grupo

difosfato do C1 de uma molécula de FPP leva à formação de um carbocatião estabilizado que é

28 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

logo de seguida atacado pela ligação dupla Δ2’,3’ de uma segunda molécula de FPP. Daqui

resulta a formação de uma ligação C1-C2’ e de um carbocatião terciário centrado em C3’ que é

neutralizado pela perda de um protão de C1 e simultânea formação de um anel ciclopropano,

sendo o intermediário isolável denominado presqualeno difosfato. A perda do segundo

difosfato gera agora um carbocatião primário pouco estabilizado que por via de um rearranjo

de Wagner-Meerwein pode ser transformado num carbacatião terciário. A quebra da ligação

C1-C2’ formada transforma o carbocatião terciário num catião alílico, que ao captar um

hidreto do NADPH dá origem ao esqualeno.

Na presença de uma enzima que utilize O2 e como cofactor NADPH, o esqualeno sofre

primeiro uma oxidação numa das duas ligações duplas mais exteriores, formando-se um

epóxido. Ao ser protonado, o epóxido abre gerando um carbocatião terciário que é atacado

pela ligação dupla mais próxima da cadeia. Daqui resulta a formação de um anel de seis

membros e um novo carbocatião. Este processo repete-se mais duas vezes gerando sempre

um carbocatião terciário após a formacção de cada anel, até que o anel formado seja de cinco

membros. Nessa altura, este anel sofre expansão através de um rearranjo de Wagner-

Meerwein gerando um anel de seis membros e um carbocatião secundário. Note-se que

apesar de se formar um carbocatião menos estável, esta transformação é favorável pois

conduz a uma redução na tenção de anel. O ataque da ligação dupla mais próxima ao

carbocatião secundário dá origem novamente a um carbocatião terciário e a um anel de cinco

membros. Segue-se uma sequência de migrações concertadas de hidretos e metilos que

transportam a carga (da cadeia lateral ligada ao anel de cinco membros recém formado) para o

carbono que iniciou esta sequência. A perda de um protão leva à neutralização da carga

positiva dando origem ao lanosterol.

Figura B15 – Ciclização do esqualeno a lanosterol

29 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Como foi referido no início desta secção, o colesterol é nos animais, o percursor das

hormonas estroídicas como as hormonas androgénicas (testosterona e outras designadas EAA

Endógenos na tabela B1), além de que é formado directamente a partir do lanosterol, um

álcool triterpenoide. O processo de transformação do lanosterol em colesterol envolve num só

passo a perda dos metilos ligados às posições 4 e 14, a geração de uma ligação dupla entre os

carbonos 5 e 6 e a saturação das ligações duplas entre os carbonos 8 e 9, e 24 e 25.

Figura B16 – Transformação do lanosterol em colesterol e numeração no lanosterol

A reacção de desmetilação no C-14 é mediada por uma oxigenase do citocromo P-450,

que através de duas reacções de oxidação permite obter um intermediário com uma função

aldeído ligada aquele carbono. De seguida dá-se o ataque nucleófilo de uma enzima-peróxido

à função aldeído formando-se um aducto de peróxido. A ligação peróxido deste aducto após

cindir homoliticamente permite por um processo radicalar quebrar a ligação do C14-C30,

sendo o carbono do grupo metilo eliminado como ácido fórmico e gerando-se ao mesmo

tempo um radical centrado no C-14. Este radical é aniquilado pela abstracção radicalar de um

hidrogénio de C-15, formando-se uma ligação dupla entre os carbonos 14 e 15, que é logo de

seguida reduzida por acção do NADPH e na presença de água.

Figura B17 – Desmetilação em C-14

A desmetilação de ambos os grupos metilo ligados ao C-4 ocorre sequencialmente e da

mesma forma, por via de um mecanismo de descarboxilação. Inicialmente um dos grupos

metilo é oxidado sucessivamente a ácido carboxílico, e o grupo álcool ligado ao C-3 é oxidado a

cetona formando-se um β-ceto-ácido. Segue-se a descarboxilação da qual resulta um enolato,

em que a forma tautómerica predominante é a cetona, uma vez que nesta forma o metilo que

30 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

resta ligado ao C-4 fica em posição equatorial, mais favorável. Esta cetona é depois reduzida e

o processo de desmetilação repetido da mesma forma para o outro metilo.

Figura B18 – Desmetilação em C-4

A redução que ocorre na cadeia lateral ligada ao anel de cinco membros é mediada por

uma redutase dependente de NADPH. Nesta reacção um hidreto proveniente daquela co-

enzima é adicionado ao C-25, sendo que o protão captado pelo C-24 é proveniente da água.

Figura B19 – Redução da ligação dupla na cadeia lateral do lanosterol

A saturação da ligação dupla entre C-8 e C-9 e a formação da dupla entre C-5 e C-6 é

feita por uma sequência reaccional que envolve uma isomerização alílica, uma desidrogenação

e uma redução. Nesta sequência, os protões captados são provenientes da água.

Figura B20 – Saturação da ligação dupla entre C-8 e C-9 e formação da dupla entre C-6 e C-5

Para que se formem as hormonas androgénicas (C19), é necessário que haja a

converção do colesterol (C27) em pregnenolona (C21). Nesta converção, a redução do número

de carbonos é feita através da clivagem oxidativa da cadeia lateral. Esta clivagem ocorre entre

os carbonos C-22 e C-20 que são previamente hidroxilados.

31 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Figura B21 – Conversão do colesterol em pregnenolona

Seguidamente, a pregnenolona é hidroxilada no C-17 e depois é feita a remoção do

resto da cadeia lateral recorrendo a um processo radicalar em tudo semelhante à remoção do

metilo ligado ao C-4 do lanosterol.

Figura B22 – Conversão da pregnenolona no androgénio DHEA

Na desidroepiandrosterona (DHEA) o grupo hidroxilo pode ser oxidado a cetona que

se converte num enol conjugado, e este novamente numa cetona, sendo o produto resultante

a androstenediona. Esta por sua vez pode sofrer uma redução no grupo hidroxilo ligado ao C-

17 e assim gerar a testosterona.

Figura B23 – Conversão do DHEA em androstenediona e depois em testosterona

Como se pode observar pela figura B24, a biossíntese destas e de outras hormonas

androgénicas é feita a partir de vias e intermediários comuns à biossíntese dos

corticosteróides, da progesterona e dos estrogénios.

32 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Figura B24 – Biossíntese de hormonas esteroídicas no Ser Humano

As hormonas corticosteróides são segregadas pelas cápsulas suprarrenais, e

estruturalmente são caracterizadas por possuírem um esqueleto C21 de pregnano, uma cadeia

lateral 17β-COCH2OH, um grupo cetona na posição 4, e uma ligação dupla entre o C-4 e o C-5.

Nesta classe de hormonas incluem-se as glucocorticosteróides (como o cortisol) e as

mineralocorticosteróides (como a aldosterona e a corticosterona, entre outras). As primeiras

desempenham um papel importante na estimulação do metabolismo proteico e na

neoglucogénese ao nível do fígado, diferenciando-se estruturalmente das segundas por

possuírem os grupos hidroxilo 11β e 17α. Os mineralocorticosteróides assumem um papel

activo na reabsorção de sódio e cloro ao nível dos rins.

As hormonas androgénicas, das quais a mais abundante é a testosterona, são

responsáveis pelo desenvolvimento de caracteres sexuais primários (no feto) e dos caracteres

sexuais secundários (durante a puberdade). Estes últimos são o resultado de dois efeitos

fisiológicos incutidos por aquela hormona: o efeito androgénico e o efeito anabólico. Os

efeitos androgénicos manifestam-se pelo alargamento da laringe, o que causa o aumento do

tom grave na voz; pelo crescimento de pilosidade na face, nas axilas e na região púbica; pelo

aumento da actividade das glândulas sebáceas, conducente ao aparecimento de acne; e por

efeitos ao nível do SNC (libido e aumento da agressividade). Os efeitos anabólicos

correspondem ao aumento do tecido muscular e ósseo registado nessa etapa da vida. No

indivíduo adulto, os androgénios são essenciais para a manutenção da função reprodutiva e

das estruturas óssea e muscular, desempenhando também um papel importante ao nível da

função cognitiva e na sensação de bem-estar.

33 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Nos indivíduos do sexo masculino a testosterona é produzida 95% nos testículos e 5%

nas supra-renais a partir o colesterol, sendo que por cada 30 moléculas desta hormona

biossintetizadas forma-se uma molécula do seu isómero, a epitestosterona. Na urina de um

adulto do sexo masculino, a concentração destas duas hormonas é praticamente igual, pelo

que se pode inferir que a razão testosterona/epitestosterona (T/E) seja aproximadamente 1.

Estruturalmente, os androgénios são constituídos por um esqueleto C19 de androstano, e tal

como as hormonas corticosteróides podem apresentar um grupo cetona α,β-insaturada,

derivado do intermediário biossintético comum, a progesterona. Alguns androgénios em vez

do grupo cetona na posição 3 e da ligação dupla no anel A apresentam um 3β-hidroxilo e uma

dupla no anel B. Estes androgénios derivam do intermediário mais próximo do colesterol, a

pregnenolona que é o percursor de todas as hormonas esteroídicas.

Nos indivíduos do sexo feminino, as hormonas estrogénicas (como o estradiol e a

estrona) são segregadas ao nível dos ovários e das glândulas adrenais, a partir de androgénios

“fracos” (como a androstenediona) por acção da aromatase. Esta enzima ao remover o grupo

metilo 19, transforma o anel A do esqueleto androstano num anel aromático.

O controle da segregação destas e de outras hormonas no organismo humano é

assegurado pelo sistema nervoso central, através do sistema hipotálamo-hipófise. Quando a

concentração no sangue de uma dada hormona dependente deste sistema (p.e. a

testosterona, ver figura B26) é insuficiente para desempenhar as funções a que está destinada,

o hipotálamo é estimulado a produzir proteínas denominadas factores de libertação (por

retroalimentação positiva). Estas proteínas induzem na hipófise (ou glândula pituitária) a

libertação de estimulinas

na corrente sanguínea que

ao atingirem determinadas

glândulas, promovem a

biossíntese da hormona

em défice. Por outro lado,

quando a concentração no

sangue da hormona

controlada é adequada, o

hipotálamo e a hipófise

deixam de produzir

hormonas já que

detectaram que não é

necessária mais

estimulação das glândulas-

alvo (retroalimentação

negativa). A figura B25

esquematiza quais as

hormonas que estão sob o

controlo do sistema

hipotálamo-hipofise.

Figura B25 – Controlo do sistema

hipotálamo-hipófise na secreção de hormonas pelo organismo Humano

34 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

A hormona adrenocorticotrópica (ACTH) é uma das hormonas produzidas pela hipófise

como resultado da estimulação desta pelo factor de libertação da corticotropina (CRF). A sua

função é estimular a produção dos corticosteróides pelas glândulas supra-renais. As hormonas

luteinizante (LH) e foliculoestimulante (FSH) são produzidas por indivíduos de ambos os sexos

como resultado da estimulação pelo factor de libertação da gonadotropina (GnRH). Nas

mulheres, estimulam a produção de estrogénios e de progesterona e a libertação mensal de

um óvulo a partir dos ovários (ovulação). Nos homens, a LH estimula a produção de

testosterona, e a FSH a produção de esperma, ambas nos testículos.

Figura B26 – Controlo do sistema hipotálamo-hipófise da secreção de LH, FSH e testosterona

35 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

B.3 Síntese de EAA’s

Como foi referido na secção anterior, a testosterona é a principal hormona

androgénica segregada no organismo humano, conferindo simultaneamente efeitos

androgénicos e anabólicos. Alterações efectuadas (figura B27) na estrutura molecular desta

hormona endógena deram origem a uma grande variedade de compostos análogos com uma

actividade anabólica melhorada face à co-existente androgénica (tabela B3). Alguns destes

compostos, apesar de não se encontrarem legalizados em Portugal, são muitas vezes

adquiridos pela internet. Outros, que derivam da biossíntese da testosterona, e por isso serem

considerados de origem endógena, são comercializados com a designação de suplementos

nutricionais, como é o caso do desidroepiandrosterona (DHEA), do androstenediol, da

androstenediona, 19-norandrostenediona, 1-testosterona, boldenona, e prostanozolol (tabela

B2).

Tabela B2 – Nomes comerciais de alguns EAA proibidos pela WADA para o ano de 2008

*Esteróides comercializados legalmente em Portugal (o nome pelo qual são comercializados encontra-se a verde) **Esteróides comercializados sob a designação de produtos naturais

Nome do EAA (trivial) Nome comercial (exemplos)

Bolasterona Myagen; Methosarb

Boldenona Boldane;Equipoise

Calusterona Methosarb; Riedemil

Clorodeshidrometiltestosterona Oral-Turanibol

Clostebol Steranabol; Test-Anabol

Danazol* Danastrol

Desoximetiltestosterona Madol

Fluoximesterona Ultandren; Halotestin

Furazabol Frazalon; Miotolon

Mestanolona Andoron; Notandron

Mesterolona* Proviron; Mestoranum

Metandienona Dianabol; Danabol

Metandriol Diandren; Crestabolic

Metenolona Primobolan; Nibal

Metiltestosterona Android; Metandren

Nandrolona* Deca-Durabolin; Anabolicus

Norboletona Genabol

Noretandrolona Nilevar

Oxandrolona Anavar; Lonavar

Oximesterona Oranabol; Theranabol

Oximetolona Anapolon; Adroyd

Estanozolol Stromba; Winstrol

Estembolona Anatrofin; Stenobolone

Testosterona Primoteston; Testogel

Tetrahidrogestrinona 7 “The Clear”

Trenbolona Finajet; Parabolan

Gestrinona Dimetriose

Desidroepiandrosterona** DHEA

Androstenediol** Andro Fuel (Twinlab)

36 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Tabela B3 – Razão anabólica:androgénica dos EAA mais frequentemente utilizados no desporto

Figura B27 – Modificações estruturais nos anéis A e B da testosterona capazes de aumentar a sua actividade anabólica

A substituição com grupos alquilo (metilo ou etilo) no C-17 permite aumentar a

actividade do esteróide sobretudo quando este é administrado via oral devido ao

impedimento estereoquímico exercido sobre o grupo hidroxilo. Este efeito protege o grupo

hidroxilo de sofrer mais rapidamente reacções de conjugação com ácido glucurónico ou de

formação de sulfato. Estas reacções metabólicas, têm por objectivo inactivar

farmacologicamente substâncias estranhas ao organismo (xenobióticos), sendo que a

introdução de grupos hidrofílicos favorece a sua excretabilidade através da urina. São

exemplos de análogos 17α-alquilados a metiltestosterona, a noretandrolona, a

fluoximesterona, o danasol, a oxandrolona e o estanozolol. A adição de um grupo metilo no C-

1 também permite obter melhoras na actividade oral dos esteróides, como a metenolona e a

mesterolona.

Nas administrações por via parentérica, isto é por via que não inclua o tracto

gastrointestinal (p.e. injecções intramusculares) é essencial que a absorção (e assim a acção)

do xenobiótico seja mais prolongada, não se limitando apenas aos locais vizinhos da

administração. Como tal, efectua-se a esterificação do grupo 17β-hidroxilo utilizando um

ácido, obtendo-se assim um composto análogo com maior lipofilicidade. Na formulação do

Nome do EAA (trivial) Razão anabólica:androgénica

Nandrolona 30:1

Estanozolol 10:1

Oxandrolona 10:1

Metandienona 3:1

Fluoximesterona 2:1

Testosterona; metiltestosterona 1:1

37 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

análogo esterificado utiliza-se um óleo que permita a sua solubilização. A velocidade de

absorção está então dependente quer do tamanho da cadeia lateral do ácido utilizado quer do

coeficiente de partição entre o óleo e o plasma. A hidrólise do grupo éster para regenerar o

composto activo hidroxilado é feita na corrente sanguínea através da acção de enzimas

esterases. Exemplos de análogos normalmente administrados como ésteres são a nandrolona

(na forma de decanoato) a testosterona (na forma de propionato ou enantato) e a metenolona

(na forma de enantato).

Os três EAA de origem endógena (DHEA, androstenediona e testosterona) cuja

biossíntese foi mencionada na secção anterior, assim como outros de origem exógena (p.e. o

metandriol, a metiltestosterona, e a metanedienona) podem ser obtidos de uma forma semi-

sintética a partir da dioscina, uma saponina esteroidal proveniente de uma família de plantas

denominada Dioscoreaceae. A dioscina, por hidrólise ácida origina a diosgenina, que como se

pode ver pela figura apresenta um espirocetal no C-22.

Figura B28 – Formação da diosgenina por hidrólise ácida da dioscina

A remoção da porção espirocetal é feita por um processo denominado degradação de

Marker. Este processo envolve um tratamento inicial da diosgenina com anidrido acético que

leva à formação de um diacetato (por acetilação dos hidroxilos ligados ao C-26 e C-3) à

abertura do espirocetal, e à formação de uma ligação dupla no anel E (entre os carbonos C-20

e C-22. Seguidamente, esta ligação é selectivamente oxidada gerando-se um produto

intermediário com uma cadeia lateral ligada ao C-16 do anel E através de um grupo éster. Este

grupo é facilmente hidrolisado a álcool, e o álcool desidratado, dando origem a um produto

com uma cetona α,β-insaturada, que por ataque nucleófilo com hidroxilamina é transformada

numa oxima. Na presença de um cloreto de sulfonilo em piridina, a oxima sofre um rearranjo

de Beckmann dando origem a uma amida. A hidrólise da amida dá origem a uma enamina, que

por tautomerização gera uma imina, a qual por sua vez é hidrolizada a cetona. Finalmente, por

hidrólise do éster ligado ao C-3, é possível obter a desidroepiandrosterona (DHEA). Como se

pode observar pela figura, a androstenediona e a testosterona podem ser obtidas com um

bom rendimento, a partir do DHEA, utilizando levedura. A introdução do grupo metilo no C-17

para produzir metandriol, metiltestosterona e metanedienona é feita por ataque nucleófilo ao

carbonilo do DHEA com reagente de Grignard.

38 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Figura B29 – Processo de síntese conducente a alguns EAA de origem endógena (DHEA, androstenediona e testosterona) e de

origem exógena (metandriol, metiltestosterona e metandienona)

39 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

B.4 Mecanismos de acção dos EAA’s

Em doses terapêuticas, tanto a testosterona como outros EAA´s sintéticos dela

derivados actuam sobre o organismo humano, ligando-se a receptores de androgénios

presentes no citoplasma das células. O complexo receptor-esteróide formado é então

translocado para o núcleo onde se liga ao DNA, permitindo a transcrição do RNA mensageiro.

Este por sua vez determina a síntese das proteínas necessárias para a manifestação dos efeitos

androgénicos e anabólicos dos esteróides. Seguem-se alguns exemplos da utilização

terapêutica de EAA’s no tratamento de doenças crónicas.

Hipogonadismo – Preparações farmacêuticas contendo ésteres de

testosterona (propionato, cipionato e enantato), metiltestosterona e

fluoximesterona são utilizados para aumentar a secreção endógena de

androgénios em homens hipogonadais.

Distúrbios ginecológicos – Alguns EAA’s, como o danazol, são utilizados no

tratamento da endometriose. Por vezes os EAA’s podem ser administrados em

combinação com estrogénios em terapias de reposição hormonal.

Infertilidade – A administração de testosterona pode ser utilizada para

bloquear a actividade gonadal em homens durante terapias antineoplásicas.

Puberdade tardia – O enantato de testosterona é utilizado, por via

intramuscular, em jovens em puberdade tardia e de baixa estatura.

Osteoporose – São utilizados EAA’s isoladamente ou em combinação com

estrogénios.

Artrite reumatóide – Utilizam-se ésteres de testosterona como o undecilato de

testosterona com o objectivo de reduzir o nível sérico do factor reumatóide

(IgM).

Para administrações de EAA’s em doses supra-terapêuticas são propostos diversos

modelos de actuação. Um desses modelos, proposto por Mottram e George (em 2000) e Karila

(em 2003), sugere que, em concentrações elevadas, os EAA’s competem com os

glucocorticosteróides pelos receptores de glucocorticosteróides, comportando-se como

antagonistas competitivos. Daqui resulta uma supressão da resposta desencadeada por

aqueles receptores ou seja a supressão do catabolismo proteico. Esta redução no catabolismo

proteico provoca um efeito miotrofico sobre a musculatura estriada esquelética, sendo a razão

pela qual são utilizadas doses supra-fisiológicas de esteróides derivados da testosterona.

Contudo, a estas doses estão também associados efeitos tóxicos.

Efeitos tóxicos sobre o sistema cardiovascular:

- Enfarte do miocárdio, derivado da elevada expressão de Tromoxano A2 (e

consequente aumento de agregação plaquetária);

- Hipertensão arterial, provavelmente devido ao aumento da retenção de

líquidos ou do volume plasmático;

- Hiperlipidemia, derivado da redução dos níveis de HDL e aumento dos níveis

de LDL, o que provoca um aumento da razão LDL/HDL que é tida como um

40 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

parâmetro que determina o risco de aparecimento de doenças vasculares,

como a arteriosclerose.

Efeitos tóxicos sobre o sistema endócrino:

- Diabetes;

- Hipogonadismo masculino. A utilização prolongada e em doses supra-

fisiológicas de EAA provoca por retro alimentação negativa uma redução

significativa na actividade do sistema hipotálamo-hipófise na produção de LH e

FSH. Esta redução mantém-se até quatro meses após a descontinuação da

administração. Como resultado, neste período observa-se uma diminuição do

volume de esperma, no número e motilidade de espermatozóides, e da libido.

- Ginecomastia (desenvolvimento do tecido mamário). Durante a

administração há uma sobre expressão da enzima aromatase, responsável pela

transformação dos androgénios em estrogénios (figura B24). Essa expressão

mantém-se mesmo após a descontinuação da administração de EAA’s,

transformando a pouca testosterona agora produzida naturalmente (devido ao

hipogonadismo) em estradiol, que por sua vez proporciona o desenvolvimento

do tecido mamário.

- Redução dos níveis séricos de tiroxina.

Efeitos tóxicos sobre o sistema hepático:

- Elevação dos níveis séricos das aminotransferases ALT e AST;

- Tumores hepáticos.

Efeitos sobre o comportamento:

- Sintomas maníaco-depressivos;

- Agressividade, criminalidade violenta e suicídio;

- Dependência.

41 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

B.5 Detecção de EAA’s no controlo anti-doping

Actualmente, a técnica por excelência que é utilizada na detecção e quantificação de

EAA’s em amostras biológicas é a cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa

(GC-MS). Enquanto através da cromatografia se efectua a separação dos vários componentes

presentes na matriz biológica, pela espectrometria de massa é possível obter informações

sobre as características estruturais de cada componente, por meio da abundância de cada ião

(m/z) seu gerado.

Figura B30 – Processos de separação cromatográfica e detecção por espectrometria de massa

A urina é na grande maioria dos casos, a matriz utilizada para a verificação de EAA’s,

visto que é obtida por um método de colheita não invasivo quando comparada com o sangue,

além de permitir a obtenção de um grande volume de amostra. Contudo há que ter em conta

que a maioria dos esteróides é extensamente metabolizada, sofrendo conjugação com os

ácidos glucurónico e sulfúrico. Assim, o desenvolvimento de protocolos de análise deve ser

precedido de estudos de metabolização, para caracterizar quais os metabolitos unirários

passíveis de serem reveladores de abuso de EAA’s. A tabela da página seguinte mostra alguns

dos esteróides mais utilizados e os seus metabolitos excretados na urina.

42 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

Tabela B4 – EAA de utilização mais frequente e os seus metabolitos excretados na urina.

Esteróides Principais substâncias excretadas na urina (esteróide inalterado

e/ou metabolito(s)

Nantrolona 19-androsterona;

19-noretiocolanolona; 19-norepiandrosterona.

Estanozolol

3’-hidroxiestanozolol; 3’-hidroxi-17-epiestanozolol;

4β-hidroxiestanozolol; 16β-hidroziestanozolol; 16α-hidroxiestanozolol.

Metiltestosterona

17α-metil-5α-androstano-3α,17β-diol; 17β-metil-5α-androstano-3α,17α-diol; 17α-metil-5β-androstano-3α,17β-diol; 17β-metil-5β-androstano-3α,17α-diol.

Metenolona Metenolona;

3α-hidroxi-1-metileno-5α-androstano-17-ona.

Oxandrolona Oxandrolona;

17-epioxandrolona.

Noretandrolona 17α-etil-5β-estrano-3α,17β-diol

Fluoximesterolona 9α-fluoro-17α-metil-androst-4-eno-3α,6β,11β-triol;

6β-hidroxifluoximesterona; 9α-fluoro-17α-metil-5β-androstano-3α,6β,11β-triol.

Antes de analisada, a amostra urinária tem de ser devidamente preparada por forma a que

seja garantida a maior exactidão da determinação. Habitualmente é empregue o seguinte

procedimento:

1- Extracção em fase sólida – para remover compostos inorgânicos que possam inibir a

actuação de enzimas utilizadas adiante. Esta extracção é feita através de resina XAD-2

ou de colunas C18.

2- Extracção líquido-líquido – para remover esteróides não conjugados, utilizando como

solvente orgânico, o dietil éter ou o t-butil metil éter.

3- Hidrólise enzimática de esteróides (ou seus metabolitos) conjugados ao ácido

glucurónico, utilizando a enzima β-glucuronidase de Escherichia coli.

4- Extracção líquido-líquido- para extrair os esteróides para uma fase orgânica seca,

sendo o solvente orgânico igual ao que foi utilizado na última extracção.

5- Derivação, que tem como objectivo aumentar a estabilidade térmica e a volatilidade

dos esteróides que serão analisados no passo seguinte pela técnica de GC-MS, fazendo

reagir os grupos hidroxilos com um agente de derivação. O agente mais utilizado é o n-

metil-n-trimetilsililtrifluoroacetamida (MSTFA), que tem a vantagem de poder ser

utilizado como solvente e assim ser introduzido directamente no aparelho de GC-MS.

Contudo, o uso somente de MSTFA não é efectivo na silinização de esteróides que

apresentem grupos hidroxilo ligados ao C-17, pelo que se torna necessário adicionar à

43 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

solução iodeto de amónio e um estabilizador (como o etanotiol). O estabilizador não é

mais do que um agente redutor que evita a formação de iodeto por acção da luz.

6- Injecção da amostra no aparelho de GC-MS. Cada metabolito ou esteróide inalterado

presente na urina (após ser derivado) apresenta um ou mais iões característicos m/z.

Assim a sua presença pode ser monitorizada isoladamente operando o espectrómetro

de massa no modo SIM (single ion monitoring).

A razão testosterona/epitestosterona (T/E) é um parâmetro que desde 1983 é utilizado

para detectar a utilização de testosterona, e mais recentemente alguns dos seus percursores e

derivados sintéticos, na urina de atletas. O valor de T/E é medido com base na concentração

dos metabolitos de fase II da testosterona e da epitestosterona excretados, que são

respectivamente, o glucuronato de testosterona e o glucuronato de epitestosterona. Apesar

da sua ampla utilização, este parâmetro revelou ser afectado por diversos factores dando

origem ao aparecimento de falsos positivos e falsos negativos. Antes de mais convém recordar

que o valor de T/E esperado obter da urina de um indivíduo adulto é 1. A WADA declara que

valores acima de 4 podem ser indicativos de utilização daqueles esteroides, contudo deverão

ser realizados novos testes de despistagem para se terem certezas. Os factores que poderão

contribuir para variações do valor de T/E são os seguintes:

Factores de Origem Endógena:

- Idade;

- Doenças endocrinológicas;

- Origem étnica;

- Ciclo menstrual;

- Gravidez;

- Ciclo circadiano;

- Exercício físico.

Factores de Origem Exógena:

- Utilização de contraceptivos orais;

- Utilização de Cetoconazole (agente anti-fúngico);

- Consumo de etanol;

- Utilização de esteroides androgénicos anabolizantes;

Dado o âmbito do presente trabalho, irei referir-me apenas à utilização de EAA’s como a

única causa de alterações nos valores de T/E detectados em numa análise de urina por GC-MS.

Como foi referido anteriormente, o DHEA, a androstenediona e o androstenediol são

precursores naturais da testosterona e apesar de constarem da lista de substâncias banidas,

encontram-se comercializados sob a designação de suplementos nutricionais. Estes pró-

hormonais de administração oral são bastante solicitados por atletas que desejam aumentar

força e tamanho muscular. Contudo, estudos científicos levados a cabo por Brown et al (2006)

demonstram que a sua eficácia é limitada devido essencialmente ao extenso metabolismo de

44 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

primeira passagem, exercido sobretudo pelas enzimas hepáticas. O facto destes esteróides

serem rapidamente excretados através dos rins obriga a que a sua detecção seja efectuada

poucas horas depois da administração. A detecção consta na maioria das vezes num aumento

da razão T/E devido ao um ligeiro aumento da testosterona total, mantendo-se a

epitestosterona inalterada. Como nos indivíduos do sexo feminino a testosterona endógena

plasmática corresponde a aproximadamente 1/10 da que é encontrada nos indivíduos do sexo

masculino, um aumento ainda que ligeiro daquela hormona (proveniente da conversão de um

pró-hormonal) causa um aumento significativo da testosterona total, e por extensão do valor

da razão T/E.

Após a descontinuação da administração de EAA’s em doses supra-terapêuticas regista-se,

como vimos, um estado temporário de hipogonadismo em indivíduos do sexo masculino e

feminino, resultado da supressão da produção de testosterona ao nível dos testículos e

ovários, respectivamente. Este estado de hipogonadismo é identificado por uma diminuição de

excreção de testosterona e por alterações na excreção de epiestosterona. A produção e

excreção de epitestosterona é extensivamente suprimida quando o EAA utilizado apresenta

fraca capacidade de ligação a receptores de androgénio (ou seja razão anabólica/androgénica

superior a 2). Neste caso assiste-se a uma diminuição da razão T/E. Caso o EAA apresente boa

afinidade pelos receptores de androgénios, a produção e excreção daquele esteróide

permanece constante, da qual resulta um aumento do parâmetro T/E.

Apesar da epitestosterona não apresentar qualquer actividade anabolizante, quando

administrada juntamente com a testosterona permite manipular a razão T/E, levando ao

aparecimento de falsos negativos. Devido ao facto de após a glucuronização (metabolismo de

fase II) 1% da testosterona e 30% da epitestosterona serem excetados, a administração de

testosterona e epitestosterona numa proporção de 30:1 não provoca qualquer alteração no

valor do parâmetro T/E. Por esta razão a epitestosterona é considerada um agente mascarante

esteroidal, fazendo parte da lista de substâncias proibidas pela WADA. A norte americana

BALCO (Bay Area Laboratory Co-operative), esteve recentemente envolvida em escândalos

relacionados com o fornecimento de preparados farmacêuticos à base de esteróides a atletas

olímpicos. Um desses preparados, o “The Cream”, contém precisamente epitestosterona e

testosterona sendo administrado transdermicamente.

Exemplo: Detecção do Estanozolol (17β-hydroxy-17α-methyl-5α-androstano[3,2-c]pyrazole)

Como se pode ver pela tabela B4, o estanozolol é um dos

EAA’s de origem exógena mais utilizados e que sofre uma

extensa metabolização. Os seus metabolitos mais importantes

(16α- e 16β-hidroxiestanozolol ou 16-OHStan, 3’-

hidroxiestanozolol ou 3’-OHStan, e 4β-hidroxiestanozolol ou 4β-

OHStan) encontrados na fracção conjugada da urina, são

durante a preparação da amostra hidrolisados através de uma

preparação de enzimas β-glucuronidase e sulfatase.

Na figura seguinte, mostra-se na parte superior (A) o traçado de um cromatograma de

corrente iónica total relativo a uma amostra de urina complexa de um atleta, contendo

metabolitos do estanozolol. Na parte inferior encontra-se representado os traçados SIM

45 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

(single ion monitoring) correspondentes a dois iões característicos (pré-seleccionados) dos

metabolitos 3’-OHStan e 4β-OHStan. Estes foram previamente derivados pela acção de

iodotrimetilsilano e N-metil-N-trimetilsilil-trifluoroacetamida, para produzir os

correspondentes derivados trimetilsililados. Para o 3’-OHStan encontramos os iões

característicos de m/z 559,30 e 544,30, enquanto para o 4β-OHStan temos os iões de m/z

560,70 e 545,70.

Apesar de a urina ser a matriz normalmente usada para a detecção de doping por

estanozolol, o facto de o atleta poder receber a droga várias semanas antes da competição,

pode ter como consequência que a sua detecção nesse meio possa já ser muito difícil, ou

mesmo impossível, na altura em que é testado. Em contrapartida, os pêlos e o cabelo

pigmentado revelam-se uma matriz mais permanente para a detecção deste esteróide. Isto

porque o anel pirazole do estanozolol estabelece com o pigmento polimérico e polianiónico do

cabelo, a melanina, uma associação estabilizadora com carácter iónico.

Figura B31 – Detecção de metabolitos do estanozolol: (A) cromatograma de corrente iónica total de uma amostra de urina. (B)

traçados SIM para o 3’-OHStan e 4β-OHStan.

46 Esteróides Androgénicos Anabolizantes – Perspectiva Química e Social

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