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OS ESPAÇOSTEMPOS NO COTIDIANO DE CRECHE Bianca Recker Lauro Professora da Rede Municipal de Juiz de Fora [email protected] Minha pesquisa teve como objetivo o estudo sobre a diversidade no/do cotidiano da Creche Casablanca a partir dos elementos: identidades, conhecimentos e espaçostempos. Nesse artigo discutiremos somente a questão espaçostempos. Adotei como referencial metodológico a pesquisa no/do cotidiano, que se situa no paradigma da complexidade. Nosso contexto foi uma creche cooperativa da cidade de Juiz de Fora – Creche Casablanca. Juntamente com os profissionais da Creche Casablanca e bolsistas do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de Fora fiz a análise e refleti o cotidiano da creche a partir do registro das observações feitas na creche em forma de nota expandida, atas das reuniões de formação em contexto e fotografias do espaço escolar. Concluí que na Creche Casablanca os espaçostempos estão muito delimitados na tentativa de se manter a ordem. Esse trabalho é um recorte da minha dissertação de mestrado intitulada “A diversidade no/do cotidiano de creche: identidades, conhecimentos e espaçostempos”. Nesse artigo tratarei especificamente da questão do espaço em uma instituição de educação infantil: creche. Meu trabalho procura apresentar uma leitura da diversidade em uma creche. Um olhar que trago sobre o respeito ao “outro” e a possibilidade de se “ser diferente”. Uma interpretação que hoje faço, diferente de quem lê ou diferente de outras leituras. As redes se entrelaçam e num destes entrelaçamentos toda a certeza pode ser desfeita, todos os fios podem ser destecidos e novas redes se fazem e se desfazem nesse longo caminho que é a vida. Parto assim do presente conceito do que vem a ser diversidade: A diversidade implica, é claro, o reconhecimento e o respeito pelo que faz de uma pessoa um ser diferente de todos os demais [...] Todavia, pressupõe, também, a preservação do dado de que todas as pessoas são iguais no que se refere ao valor máximo da existência: a humanidade do homem. [...] Assim, o que se deve considerar é a diferença na totalidade e a totalidade na diferença, sem se prender à prejudicial polarização do normal (igual), de um lado, e do diferente (desigual), do outro. (MARQUES e MARQUES, 2003, p. 233-234) Optamos por ter como locus de pesquisa a creche, por acreditarmos que desde a educação infantil as crianças em mais tenra idade convivem com rotulações e estereótipos e

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OS ESPACcedilOSTEMPOS NO COTIDIANO DE CRECHE

Bianca Recker LauroProfessora da Rede Municipal de Juiz de Fora

biancalauroterracombr

Minha pesquisa teve como objetivo o estudo sobre a diversidade nodo cotidiano da CrecheCasablanca a partir dos elementos identidades conhecimentos e espaccedilostempos Nesseartigo discutiremos somente a questatildeo espaccedilostempos Adotei como referencialmetodoloacutegico a pesquisa nodo cotidiano que se situa no paradigma da complexidadeNosso contexto foi uma creche cooperativa da cidade de Juiz de Fora ndash Creche CasablancaJuntamente com os profissionais da Creche Casablanca e bolsistas do Curso de Pedagogiada Universidade Federal de Juiz de Fora fiz a anaacutelise e refleti o cotidiano da creche a partirdo registro das observaccedilotildees feitas na creche em forma de nota expandida atas das reuniotildeesde formaccedilatildeo em contexto e fotografias do espaccedilo escolar Concluiacute que na CrecheCasablanca os espaccedilostempos estatildeo muito delimitados na tentativa de se manter a ordem

Esse trabalho eacute um recorte da minha dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada ldquoA

diversidade nodo cotidiano de creche identidades conhecimentos e espaccedilostemposrdquo

Nesse artigo tratarei especificamente da questatildeo do espaccedilo em uma instituiccedilatildeo de educaccedilatildeo

infantil creche

Meu trabalho procura apresentar uma leitura da diversidade em uma creche Um

olhar que trago sobre o respeito ao ldquooutrordquo e a possibilidade de se ldquoser diferenterdquo Uma

interpretaccedilatildeo que hoje faccedilo diferente de quem lecirc ou diferente de outras leituras As redes se

entrelaccedilam e num destes entrelaccedilamentos toda a certeza pode ser desfeita todos os fios

podem ser destecidos e novas redes se fazem e se desfazem nesse longo caminho que eacute a

vida

Parto assim do presente conceito do que vem a ser diversidade

A diversidade implica eacute claro o reconhecimento e o respeito pelo que faz deuma pessoa um ser diferente de todos os demais [] Todavia pressupotildeetambeacutem a preservaccedilatildeo do dado de que todas as pessoas satildeo iguais no que serefere ao valor maacuteximo da existecircncia a humanidade do homem [] Assim oque se deve considerar eacute a diferenccedila na totalidade e a totalidade na diferenccedilasem se prender agrave prejudicial polarizaccedilatildeo do normal (igual) de um lado e dodiferente (desigual) do outro (MARQUES e MARQUES 2003 p 233-234)

Optamos por ter como locus de pesquisa a creche por acreditarmos que desde a

educaccedilatildeo infantil as crianccedilas em mais tenra idade convivem com rotulaccedilotildees e estereoacutetipos e

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por acreditar que se as diferenccedilas satildeo respeitadas desde a infacircncia poderemos estar assim

fazendo uma ruptura com as praacuteticas excludentes viventes ainda hoje em nossa sociedade

No momento em que vivemos a transiccedilatildeo da Modernidade para a Poacutes-

Modernidade (Boaventura Santos 2000) a diversidade humana toma grande relevacircncia

enquanto paradigma que pressupotildee o reconhecimento do outro entendendo-se aqui a

aceitaccedilatildeo do outro natildeo como toleracircncia que nos remete agrave ideacuteia de somente ldquosuportarrdquo as

diferenccedilas mas como respeito ao outro Ateacute mesmo porque as diferenccedilas natildeo devem ser

ldquosuportadasrdquo ou ldquotoleradasrdquo simplesmente elas existem quer queiramos ou natildeo elas estatildeo

postas

A toleracircncia natildeo inclui a aceitaccedilatildeo do valor do outro pelo contraacuterio eacute uma vezmais talvez de maneira mais sutil e subterracircnea a forma de reafirmar ainferioridade do outro e serve de ante-sala para a intenccedilatildeo de acabar com suaespecificidade ndash junto ao convite ao outro para cooperar na consumaccedilatildeo doinevitaacutevel A tatildeo aclamada humanidade dos sistemas poliacuteticos tolerantes natildeo vaialeacutem de consentir a demora do conflito final (SKLIAR 2003 p 133)

Daiacute a importacircncia das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil estarem em constante

formaccedilatildeo para esse novo modo de ver e compreender os seres humanos Quando falo dessa

formaccedilatildeo natildeo falo somente da formaccedilatildeo acadecircmica mas de uma formaccedilatildeo que se decirc

nocom o cotidiano dessas instituiccedilotildees que seja reflexiva e criacutetica possibilitando a cada

sujeito desse cotidiano um constante repensar sobre o fazer pedagoacutegico

A formaccedilatildeo em contexto era a forma que a creche pesquisada encontrou que

possibilitava essa reflexatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas

O pesquisar nodo cotidiano

A pesquisa foi realizada em uma creche cooperativa onde haacute alguns anos atraacutes eu

havia atuado como coordenadora na cidade de Juiz de ForaMG Posso dizer que

reencontrar esse ldquoespaccedilo escolarrdquo gerou em mim um afloramento de sentimentos jaacute haacute

algum tempo adormecido Senti-me como se algum ldquofiordquo tivesse ficado sem noacute e que era a

hora de ldquoretececirc-lordquo e refazer a rede que haacute algum tempo atraacutes havia comeccedilado a tecer

Voltei como pesquisadora buscando ldquomergulharrdquo naquele cotidiano e desvendar

as tramas que se entrelaccedilavam e davam vida aos sujeitos e relaccedilotildees que constituiacuteam e se

constituiacuteam na diversidade daquele espaccedilotempo Um cenaacuterio jaacute conhecido onde era

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preciso separar os papeacuteis e apenas ldquosentirrdquo o gosto e os sabores que esse novo encontro

tinha a me oferecer

Este envolvimento dialoacutegico nos leva a falar em mergulho e natildeo em observaccedilatildeoporque sabemos que a vida cotidiana desses e dessas praticantes natildeo se reduzagravequilo que eacute observaacutevel e organizaacutevel formalmente Os muacuteltiplos sentimentosvalores e processos vividos por cada um(a) na tessitura das redes de saberes quedaacute sentido agraves suas accedilotildees precisam ser compartilhados coletivamente e para fazecirc-lo precisamos estar imersos nos sentidos e sentimentos dessas tantas histoacuteriasouvidas e partilhadas (ALVES e OLIVEIRA 2001 p8)

O pensamento moderno nos ensinou a compreender o mundo a partir de um

modelo determinista ao pretender explicar a diversidade a partir da unidade Essa forma de

pensar natildeo tolera mudanccedilas a natildeo ser as que ela mesma eacute capaz de produzir Tudo o que

natildeo pode ser enquadrado nessa loacutegica eacute considerado anormal Tal paradigma quer fazer crer

que o todo eacute igual agrave soma das partes que o pensamento eacute linear contiacutenuo que tudo pode e

deve ser planejado que uns indiviacuteduos satildeo mais capazes que outros e que portanto eacute

legiacutetimo que tenham mais poder do que outros

Trabalhar com a pesquisa nodo cotidiano eacute dividir uma outra loacutegica de pesquisa

onde primeiro parte-se da praacutetica para posteriormente ir a teoria e retornar auml praacutetica

A praacutetica para noacutes eacute portanto o criteacuterio de verdade eacute ela que convalida a teoriaAssim partimos da praacutetica retornamos com a teoria a fim de a compreendermos eagrave praacutetica retornamos com a teoria ressignificada atualizada recriada dela nosvalendo para melhor interferirmos na praacutetica (GARCIA 2003a p12)

Mas a experiecircncia com o cotidiano mostra o oposto a isso

O pensamento moderno estaacute tatildeo contaminado pela ideacuteia de estabilidade que diante

da impossibilidade que a multiplicidade e a complexidade do real apresentam de continuar a

ser explicado por ele rompe-se entra em crise dando passagem agrave criaccedilatildeo de outras formas

de pensar surgem os novos paradigmas

Um paradigma eacute constituiacutedo por conceitos fundamentais e por categoriasdominantes da inteligibilidade ao mesmo tempo que por relaccedilotildees loacutegicas(conjunccedilatildeo disjunccedilatildeo implicaccedilatildeo ou outras) entre estes conceitos e categorias(MORIN 2003a p 189)

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Na perplexidade atual eacute preciso pensar o todo nas partes e as partes no todo numa

perspectiva holograacutefica como um caleidoscoacutepio O todo e as partes estatildeo ali mas de cada

vez que se olha eles se apresentam como um certo desenho sempre outro sempre novo O

todo eacute mais do que a soma das partes porque possui mais propriedades do que cada uma das

partes em separado

Na busca de construccedilatildeo de uma escola mais democraacutetica as questotildees de igualdade

e diferenccedila afloram poreacutem eacute preciso termos uma visatildeo dialeacutetica entre a relaccedilatildeo igualdade e

diferenccedila Hoje em dia natildeo se pode falar em igualdade sem incluir a questatildeo da diversidade

nem se pode abordar a questatildeo da diferenccedila dissociada da afirmaccedilatildeo da igualdade Como

nos diz Candau (2003 np) ldquoNatildeo se deve opor igualdade agrave diferenccedila De fato a igualdade

natildeo estaacute oposta agrave diferenccedila e sim agrave desigualdade Diferenccedila natildeo se opotildee agrave igualdade e sim a

padronizaccedilatildeordquo

O que se pretende na discussatildeo sobre a diversidade eacute buscar a possibilidade de

romper com os padrotildees estabelecidos e as desigualdades Lutar pela igualdade de direitos e

pelo reconhecimento das diferenccedilas no cotidiano de uma creche cooperativa da cidade de

Juiz de Fora MG ndash local escolhido por mim como interlocutora privilegiada

Por isso meu objetivo na dissertaccedilatildeo constituiu-se no estudo sobre a diversidade

nodo cotidiano da Creche Casablanca a partir dos elementos identidades conhecimentos e

espaccedilostempos elementos esses que emergiram do cotidiano durante a pesquisa

Contextualizando um pouco da histoacuteria da creche pesquisada esta eacute uma creche

cooperativa (instituiccedilatildeo que possui como um dos parceiros para seu funcionamento a

Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) Localiza-se em uma pequena

comunidade da periferia da cidade de Juiz de Fora no entorno do campus da Universidade

Federal de Juiz de Fora No ano de 1999 a comunidade se organizou e votou no orccedilamento

participativo a implantaccedilatildeo de uma creche no bairro visto ser esse projeto uma necessidade

sentida por todos os moradores pois a creche comunitaacuteria (instituiccedilatildeo de total

responsabilidade da Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) mais proacutexima

natildeo tinha capacidade de atender toda a demanda de crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 6 anos

Para a implantaccedilatildeo da creche foi organizada uma ldquocomissatildeo de matildeesrdquo que

decidiu junto com a Sociedade Proacute-Melhoramento do Bairro Jardim Casablanca organizar

um levantamento das crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 45 anos cujas matildees pais eou

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responsaacuteveis desejassem se candidatar a uma vaga na creche As crianccedilas de 5 e 6 anos

ficariam sem atendimento na creche em funccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico da mesma que soacute tinha 1

berccedilaacuterio e 3 salas Decidiu-se ainda atender prioritariamente agraves crianccedilas que se

encontrassem em estado de vulnerabilidade e miserabilidade cuja situaccedilatildeo era de risco

pessoal

A Universidade Federal de Juiz de Fora foi convidada a ser um dos parceiros da

creche Foi realizado na creche Casablanca o Programa de Apoio agrave Educaccedilatildeo Infantil

(PAEDI) financiado pela Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais

(FAPEMIG) que jaacute havia sido realizado em outras creches de Juiz de Fora mas a situaccedilatildeo

e o contexto desta creche era um diferencial em relaccedilatildeo agraves outras A creche estava iniciando

seu trabalho e com isso houve uma preocupaccedilatildeo da diretoria da creche em realizar um

trabalho pedagoacutegico condizente com a realidade na qual estavam inseridos

Outro mundo novas esperanccedilas algo inacreditaacutevel As coisas iam acontecendo e

dando certo O Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da creche foi construiacutedo juntamente com os

profissionais da creche com as famiacutelias e a comunidade Algo discutido democraticamente

o que dava a sensaccedilatildeo de ecircxtase em ver que algo era possiacutevel de ser feito coletivamente

Conversar com os outros e natildeo apenas falar sobre eles ou para eles ndash eacute a condiccedilatildeopara desenvolvermos a compreensatildeo dos significados e das estruturassignificantes de nossas proacuteprias accedilotildees A compreensatildeo do sentido da accedilatildeo dooutro eacute uma condiccedilatildeo importante para a compreensatildeo do sentido de nossa proacutepriaaccedilatildeo (FLEURI 2002 p 10)

Para que sua histoacuteria pudesse ser hoje narrada procurei por uma metodologia que

respeitasse o singular e o uno e que fosse a mais coerente com o trabalho a ser proposto

Encontrei na pesquisa nodo cotidiano justamente essa possibilidade Uma metodologia que

possui como base epistemoloacutegica a complexidade o que me proporcionou um pesquisar do

muacuteltiplo uma porta aberta agrave diversidade de saberes e conhecimentos que se vatildeo traccedilando

no decorrer da minha imersatildeo no cotidiano da creche investigada

A pesquisa nodo cotidiano eacute baseada no Paradigma da Complexidade Uma

ruptura que fazemos com o saber cientiacutefico como saber absoluto e soberano buscando uma

valorizaccedilatildeo das situaccedilotildees cotidianas como uma outra forma de saber

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A complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildeesdeterminaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico Acomplexidade apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade dadesordem da ambiguumlidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que eacute seencontra do emaranhado inextricaacutevel(MORIN 2003b p44)

Aprendi a lidar com as incertezas e os imprevistos que essa forma de pesquisar me

mostrou

O rigor flexiacutevel (se nos for permitido o oxiacutemoro) do paradigma indiciaacuteriomostra-se ineliminaacutevel Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas ndash nosentido de que como jaacute dissemos suas regras natildeo se prestam a ser formalizadasnem ditas Ningueacutem aprende o ofiacutecio de conhecedor ou de diagnosticadorlimitando-se a pocircr em praacuteticas regras preexistentes Nesse tipo de conhecimentoentram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderaacuteveis faro golpe devista intuiccedilatildeo (GUINZBURG 1989 p 179)

Quando deparamos com o desequiliacutebrio causado pela perda das certezas

procuramos algo que nos leve ao reequiacutelibrio Desiste-se do rigor absoluto antes procurado

aceitando o limite a possibilidade de um rigor flexiacutevel Um rigor flexiacutevel que nos permita

ldquogarimparrdquo as pistas que emergem do cotidiano (GINZBURG 1989)

Ao analisarmos o cotidiano vivido vivenciamos momentos maacutegicos e

conflituosos Muitas vezes as leituras que eu enquanto pesquisadora havia feito eram

confrontadas com a leitura daqueles que viveram a situaccedilatildeo

A reinvenccedilatildeo do senso comum eacute incontrolaacutevel dado o potencial desta forma de

conhecimento para enriquecer nossa relaccedilatildeo com o mundo Apesar de o conhecimento do

senso comum ser geralmente um conhecimento mistificado e mistificador e apesar de

conservador possui uma dimensatildeo utoacutepica e libertadora que pode valorizar-se atraveacutes do

diaacutelogo com o conhecimento poacutes-moderno

Com a pesquisa nodo cotidiano lidamos exatamente com esse conhecimento de

senso comum reaproximando praacutetica e teoria ateacute que se confundam e voltem a ser o que

um dia foram apenas praticateoriapraacutetica sem divisotildees ou hierarquias (GARCIA

2003b)

Eacute preciso mergulhar na praacutetica com as praacuteticas descobrir a riqueza da teoria em

movimento que se atualiza no cotidiano enriquecido pelo que cada dia se revela como

novo

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Na anaacutelise da vida quotidiana as interpretaccedilotildees possiacuteveis ndash haacute que admiti-lo ndashformigam atraveacutes de perspectivas e percursos que seguem rotas bem distintasHaacute ldquoformigasrdquo agrave procura do retoacuterico do pormenor da revelaccedilatildeo do deslocadocomo quem peneira pacientemente o quotidiano na expectativa de nele poderencontrar o exoacutetico o acontecimento o inesperado o excepcional a aventura aagulha no palheiro da vida quotidiana outras que procuram o amontoado otrivial o banal o repetitivo Maneiras diferentes de encarar a realidade da vidaquotidiana (PAIS 2003 p 88)

Compartilhamos juntos pontos de vista diferenciados e deslizaacutevamos da praacutetica agrave

teoria da teoria agrave praacutetica indo e vindo inuacutemeras vezes escrevendo e reescrevendo vaacuterios

paraacutegrafos ateacute chegar a uma conclusatildeo mesmo que momentacircnea mesmo que por um dia

Ao vivermos o cotidiano de creche observamos que a diversidade permeia as

relaccedilotildees e inter-relaccedilotildees existentes no dia-a-dia A proacutepria histoacuteria de como uma instituiccedilatildeo

foi criada e construiacuteda carrega as questotildees de desigualdades econocircmicas sociais culturais

A luta por igualdade de condiccedilotildees baacutesicas para se deixar o filho num local seguro e

adequado enquanto trabalha A tentativa de ter a igualdade de direitos que as outras

instituiccedilotildees tecircm sendo uacutenica e singular

Inicialmente diante de tantas informaccedilotildees ao ldquomergulharrdquo no cotidiano a

metaacutefora mais adequada seria a de um grande ldquoafogamentordquo mas no decorrer das

observaccedilotildees os entrelaccedilamentos foram ocorrendo e pequenos fatos cotidianos muitas vezes

irrelevantes se tornaram de fundamental importacircncia mais agrave frente

Pesquisar o cotidiano foi ir a campo sem receitas dos passos a serem dados

Simplesmente chegaacutevamos abertos para acompanhar o que apontava ou sugeria a realidade

a ser investigada e os sujeitos envolvidos Somente depois da leitura feita do cotidiano da

creche no ano de 2005 eacute que vimos emergir os trecircs elementos que foram trabalhados no

decorrer da dissertaccedilatildeo identidades conhecimentos e espaccedilostempos

O meacutetodo foi sendo construiacutedo na trajetoacuteria o caminho foi sendo construiacutedo e

reconstruiacutedo durante o caminhar Como nos diria Morin (2003a p 187) ldquoFoi o caminho

natildeo que eu tracei para mim mas que a caminhada traccedilou Caminante no hay camino

camino se hace al andarrdquo

Muitas foram as sensaccedilotildees de anguacutestia quando tudo parecia natildeo fazer sentido e

logo apoacutes as situaccedilotildees se entrelaccedilavam e surgiam sentidos muacuteltiplos no caminho

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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20

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FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

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MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

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SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

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por acreditar que se as diferenccedilas satildeo respeitadas desde a infacircncia poderemos estar assim

fazendo uma ruptura com as praacuteticas excludentes viventes ainda hoje em nossa sociedade

No momento em que vivemos a transiccedilatildeo da Modernidade para a Poacutes-

Modernidade (Boaventura Santos 2000) a diversidade humana toma grande relevacircncia

enquanto paradigma que pressupotildee o reconhecimento do outro entendendo-se aqui a

aceitaccedilatildeo do outro natildeo como toleracircncia que nos remete agrave ideacuteia de somente ldquosuportarrdquo as

diferenccedilas mas como respeito ao outro Ateacute mesmo porque as diferenccedilas natildeo devem ser

ldquosuportadasrdquo ou ldquotoleradasrdquo simplesmente elas existem quer queiramos ou natildeo elas estatildeo

postas

A toleracircncia natildeo inclui a aceitaccedilatildeo do valor do outro pelo contraacuterio eacute uma vezmais talvez de maneira mais sutil e subterracircnea a forma de reafirmar ainferioridade do outro e serve de ante-sala para a intenccedilatildeo de acabar com suaespecificidade ndash junto ao convite ao outro para cooperar na consumaccedilatildeo doinevitaacutevel A tatildeo aclamada humanidade dos sistemas poliacuteticos tolerantes natildeo vaialeacutem de consentir a demora do conflito final (SKLIAR 2003 p 133)

Daiacute a importacircncia das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil estarem em constante

formaccedilatildeo para esse novo modo de ver e compreender os seres humanos Quando falo dessa

formaccedilatildeo natildeo falo somente da formaccedilatildeo acadecircmica mas de uma formaccedilatildeo que se decirc

nocom o cotidiano dessas instituiccedilotildees que seja reflexiva e criacutetica possibilitando a cada

sujeito desse cotidiano um constante repensar sobre o fazer pedagoacutegico

A formaccedilatildeo em contexto era a forma que a creche pesquisada encontrou que

possibilitava essa reflexatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas

O pesquisar nodo cotidiano

A pesquisa foi realizada em uma creche cooperativa onde haacute alguns anos atraacutes eu

havia atuado como coordenadora na cidade de Juiz de ForaMG Posso dizer que

reencontrar esse ldquoespaccedilo escolarrdquo gerou em mim um afloramento de sentimentos jaacute haacute

algum tempo adormecido Senti-me como se algum ldquofiordquo tivesse ficado sem noacute e que era a

hora de ldquoretececirc-lordquo e refazer a rede que haacute algum tempo atraacutes havia comeccedilado a tecer

Voltei como pesquisadora buscando ldquomergulharrdquo naquele cotidiano e desvendar

as tramas que se entrelaccedilavam e davam vida aos sujeitos e relaccedilotildees que constituiacuteam e se

constituiacuteam na diversidade daquele espaccedilotempo Um cenaacuterio jaacute conhecido onde era

3

preciso separar os papeacuteis e apenas ldquosentirrdquo o gosto e os sabores que esse novo encontro

tinha a me oferecer

Este envolvimento dialoacutegico nos leva a falar em mergulho e natildeo em observaccedilatildeoporque sabemos que a vida cotidiana desses e dessas praticantes natildeo se reduzagravequilo que eacute observaacutevel e organizaacutevel formalmente Os muacuteltiplos sentimentosvalores e processos vividos por cada um(a) na tessitura das redes de saberes quedaacute sentido agraves suas accedilotildees precisam ser compartilhados coletivamente e para fazecirc-lo precisamos estar imersos nos sentidos e sentimentos dessas tantas histoacuteriasouvidas e partilhadas (ALVES e OLIVEIRA 2001 p8)

O pensamento moderno nos ensinou a compreender o mundo a partir de um

modelo determinista ao pretender explicar a diversidade a partir da unidade Essa forma de

pensar natildeo tolera mudanccedilas a natildeo ser as que ela mesma eacute capaz de produzir Tudo o que

natildeo pode ser enquadrado nessa loacutegica eacute considerado anormal Tal paradigma quer fazer crer

que o todo eacute igual agrave soma das partes que o pensamento eacute linear contiacutenuo que tudo pode e

deve ser planejado que uns indiviacuteduos satildeo mais capazes que outros e que portanto eacute

legiacutetimo que tenham mais poder do que outros

Trabalhar com a pesquisa nodo cotidiano eacute dividir uma outra loacutegica de pesquisa

onde primeiro parte-se da praacutetica para posteriormente ir a teoria e retornar auml praacutetica

A praacutetica para noacutes eacute portanto o criteacuterio de verdade eacute ela que convalida a teoriaAssim partimos da praacutetica retornamos com a teoria a fim de a compreendermos eagrave praacutetica retornamos com a teoria ressignificada atualizada recriada dela nosvalendo para melhor interferirmos na praacutetica (GARCIA 2003a p12)

Mas a experiecircncia com o cotidiano mostra o oposto a isso

O pensamento moderno estaacute tatildeo contaminado pela ideacuteia de estabilidade que diante

da impossibilidade que a multiplicidade e a complexidade do real apresentam de continuar a

ser explicado por ele rompe-se entra em crise dando passagem agrave criaccedilatildeo de outras formas

de pensar surgem os novos paradigmas

Um paradigma eacute constituiacutedo por conceitos fundamentais e por categoriasdominantes da inteligibilidade ao mesmo tempo que por relaccedilotildees loacutegicas(conjunccedilatildeo disjunccedilatildeo implicaccedilatildeo ou outras) entre estes conceitos e categorias(MORIN 2003a p 189)

4

Na perplexidade atual eacute preciso pensar o todo nas partes e as partes no todo numa

perspectiva holograacutefica como um caleidoscoacutepio O todo e as partes estatildeo ali mas de cada

vez que se olha eles se apresentam como um certo desenho sempre outro sempre novo O

todo eacute mais do que a soma das partes porque possui mais propriedades do que cada uma das

partes em separado

Na busca de construccedilatildeo de uma escola mais democraacutetica as questotildees de igualdade

e diferenccedila afloram poreacutem eacute preciso termos uma visatildeo dialeacutetica entre a relaccedilatildeo igualdade e

diferenccedila Hoje em dia natildeo se pode falar em igualdade sem incluir a questatildeo da diversidade

nem se pode abordar a questatildeo da diferenccedila dissociada da afirmaccedilatildeo da igualdade Como

nos diz Candau (2003 np) ldquoNatildeo se deve opor igualdade agrave diferenccedila De fato a igualdade

natildeo estaacute oposta agrave diferenccedila e sim agrave desigualdade Diferenccedila natildeo se opotildee agrave igualdade e sim a

padronizaccedilatildeordquo

O que se pretende na discussatildeo sobre a diversidade eacute buscar a possibilidade de

romper com os padrotildees estabelecidos e as desigualdades Lutar pela igualdade de direitos e

pelo reconhecimento das diferenccedilas no cotidiano de uma creche cooperativa da cidade de

Juiz de Fora MG ndash local escolhido por mim como interlocutora privilegiada

Por isso meu objetivo na dissertaccedilatildeo constituiu-se no estudo sobre a diversidade

nodo cotidiano da Creche Casablanca a partir dos elementos identidades conhecimentos e

espaccedilostempos elementos esses que emergiram do cotidiano durante a pesquisa

Contextualizando um pouco da histoacuteria da creche pesquisada esta eacute uma creche

cooperativa (instituiccedilatildeo que possui como um dos parceiros para seu funcionamento a

Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) Localiza-se em uma pequena

comunidade da periferia da cidade de Juiz de Fora no entorno do campus da Universidade

Federal de Juiz de Fora No ano de 1999 a comunidade se organizou e votou no orccedilamento

participativo a implantaccedilatildeo de uma creche no bairro visto ser esse projeto uma necessidade

sentida por todos os moradores pois a creche comunitaacuteria (instituiccedilatildeo de total

responsabilidade da Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) mais proacutexima

natildeo tinha capacidade de atender toda a demanda de crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 6 anos

Para a implantaccedilatildeo da creche foi organizada uma ldquocomissatildeo de matildeesrdquo que

decidiu junto com a Sociedade Proacute-Melhoramento do Bairro Jardim Casablanca organizar

um levantamento das crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 45 anos cujas matildees pais eou

5

responsaacuteveis desejassem se candidatar a uma vaga na creche As crianccedilas de 5 e 6 anos

ficariam sem atendimento na creche em funccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico da mesma que soacute tinha 1

berccedilaacuterio e 3 salas Decidiu-se ainda atender prioritariamente agraves crianccedilas que se

encontrassem em estado de vulnerabilidade e miserabilidade cuja situaccedilatildeo era de risco

pessoal

A Universidade Federal de Juiz de Fora foi convidada a ser um dos parceiros da

creche Foi realizado na creche Casablanca o Programa de Apoio agrave Educaccedilatildeo Infantil

(PAEDI) financiado pela Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais

(FAPEMIG) que jaacute havia sido realizado em outras creches de Juiz de Fora mas a situaccedilatildeo

e o contexto desta creche era um diferencial em relaccedilatildeo agraves outras A creche estava iniciando

seu trabalho e com isso houve uma preocupaccedilatildeo da diretoria da creche em realizar um

trabalho pedagoacutegico condizente com a realidade na qual estavam inseridos

Outro mundo novas esperanccedilas algo inacreditaacutevel As coisas iam acontecendo e

dando certo O Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da creche foi construiacutedo juntamente com os

profissionais da creche com as famiacutelias e a comunidade Algo discutido democraticamente

o que dava a sensaccedilatildeo de ecircxtase em ver que algo era possiacutevel de ser feito coletivamente

Conversar com os outros e natildeo apenas falar sobre eles ou para eles ndash eacute a condiccedilatildeopara desenvolvermos a compreensatildeo dos significados e das estruturassignificantes de nossas proacuteprias accedilotildees A compreensatildeo do sentido da accedilatildeo dooutro eacute uma condiccedilatildeo importante para a compreensatildeo do sentido de nossa proacutepriaaccedilatildeo (FLEURI 2002 p 10)

Para que sua histoacuteria pudesse ser hoje narrada procurei por uma metodologia que

respeitasse o singular e o uno e que fosse a mais coerente com o trabalho a ser proposto

Encontrei na pesquisa nodo cotidiano justamente essa possibilidade Uma metodologia que

possui como base epistemoloacutegica a complexidade o que me proporcionou um pesquisar do

muacuteltiplo uma porta aberta agrave diversidade de saberes e conhecimentos que se vatildeo traccedilando

no decorrer da minha imersatildeo no cotidiano da creche investigada

A pesquisa nodo cotidiano eacute baseada no Paradigma da Complexidade Uma

ruptura que fazemos com o saber cientiacutefico como saber absoluto e soberano buscando uma

valorizaccedilatildeo das situaccedilotildees cotidianas como uma outra forma de saber

6

A complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildeesdeterminaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico Acomplexidade apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade dadesordem da ambiguumlidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que eacute seencontra do emaranhado inextricaacutevel(MORIN 2003b p44)

Aprendi a lidar com as incertezas e os imprevistos que essa forma de pesquisar me

mostrou

O rigor flexiacutevel (se nos for permitido o oxiacutemoro) do paradigma indiciaacuteriomostra-se ineliminaacutevel Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas ndash nosentido de que como jaacute dissemos suas regras natildeo se prestam a ser formalizadasnem ditas Ningueacutem aprende o ofiacutecio de conhecedor ou de diagnosticadorlimitando-se a pocircr em praacuteticas regras preexistentes Nesse tipo de conhecimentoentram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderaacuteveis faro golpe devista intuiccedilatildeo (GUINZBURG 1989 p 179)

Quando deparamos com o desequiliacutebrio causado pela perda das certezas

procuramos algo que nos leve ao reequiacutelibrio Desiste-se do rigor absoluto antes procurado

aceitando o limite a possibilidade de um rigor flexiacutevel Um rigor flexiacutevel que nos permita

ldquogarimparrdquo as pistas que emergem do cotidiano (GINZBURG 1989)

Ao analisarmos o cotidiano vivido vivenciamos momentos maacutegicos e

conflituosos Muitas vezes as leituras que eu enquanto pesquisadora havia feito eram

confrontadas com a leitura daqueles que viveram a situaccedilatildeo

A reinvenccedilatildeo do senso comum eacute incontrolaacutevel dado o potencial desta forma de

conhecimento para enriquecer nossa relaccedilatildeo com o mundo Apesar de o conhecimento do

senso comum ser geralmente um conhecimento mistificado e mistificador e apesar de

conservador possui uma dimensatildeo utoacutepica e libertadora que pode valorizar-se atraveacutes do

diaacutelogo com o conhecimento poacutes-moderno

Com a pesquisa nodo cotidiano lidamos exatamente com esse conhecimento de

senso comum reaproximando praacutetica e teoria ateacute que se confundam e voltem a ser o que

um dia foram apenas praticateoriapraacutetica sem divisotildees ou hierarquias (GARCIA

2003b)

Eacute preciso mergulhar na praacutetica com as praacuteticas descobrir a riqueza da teoria em

movimento que se atualiza no cotidiano enriquecido pelo que cada dia se revela como

novo

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Na anaacutelise da vida quotidiana as interpretaccedilotildees possiacuteveis ndash haacute que admiti-lo ndashformigam atraveacutes de perspectivas e percursos que seguem rotas bem distintasHaacute ldquoformigasrdquo agrave procura do retoacuterico do pormenor da revelaccedilatildeo do deslocadocomo quem peneira pacientemente o quotidiano na expectativa de nele poderencontrar o exoacutetico o acontecimento o inesperado o excepcional a aventura aagulha no palheiro da vida quotidiana outras que procuram o amontoado otrivial o banal o repetitivo Maneiras diferentes de encarar a realidade da vidaquotidiana (PAIS 2003 p 88)

Compartilhamos juntos pontos de vista diferenciados e deslizaacutevamos da praacutetica agrave

teoria da teoria agrave praacutetica indo e vindo inuacutemeras vezes escrevendo e reescrevendo vaacuterios

paraacutegrafos ateacute chegar a uma conclusatildeo mesmo que momentacircnea mesmo que por um dia

Ao vivermos o cotidiano de creche observamos que a diversidade permeia as

relaccedilotildees e inter-relaccedilotildees existentes no dia-a-dia A proacutepria histoacuteria de como uma instituiccedilatildeo

foi criada e construiacuteda carrega as questotildees de desigualdades econocircmicas sociais culturais

A luta por igualdade de condiccedilotildees baacutesicas para se deixar o filho num local seguro e

adequado enquanto trabalha A tentativa de ter a igualdade de direitos que as outras

instituiccedilotildees tecircm sendo uacutenica e singular

Inicialmente diante de tantas informaccedilotildees ao ldquomergulharrdquo no cotidiano a

metaacutefora mais adequada seria a de um grande ldquoafogamentordquo mas no decorrer das

observaccedilotildees os entrelaccedilamentos foram ocorrendo e pequenos fatos cotidianos muitas vezes

irrelevantes se tornaram de fundamental importacircncia mais agrave frente

Pesquisar o cotidiano foi ir a campo sem receitas dos passos a serem dados

Simplesmente chegaacutevamos abertos para acompanhar o que apontava ou sugeria a realidade

a ser investigada e os sujeitos envolvidos Somente depois da leitura feita do cotidiano da

creche no ano de 2005 eacute que vimos emergir os trecircs elementos que foram trabalhados no

decorrer da dissertaccedilatildeo identidades conhecimentos e espaccedilostempos

O meacutetodo foi sendo construiacutedo na trajetoacuteria o caminho foi sendo construiacutedo e

reconstruiacutedo durante o caminhar Como nos diria Morin (2003a p 187) ldquoFoi o caminho

natildeo que eu tracei para mim mas que a caminhada traccedilou Caminante no hay camino

camino se hace al andarrdquo

Muitas foram as sensaccedilotildees de anguacutestia quando tudo parecia natildeo fazer sentido e

logo apoacutes as situaccedilotildees se entrelaccedilavam e surgiam sentidos muacuteltiplos no caminho

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

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FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

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GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

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MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

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PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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preciso separar os papeacuteis e apenas ldquosentirrdquo o gosto e os sabores que esse novo encontro

tinha a me oferecer

Este envolvimento dialoacutegico nos leva a falar em mergulho e natildeo em observaccedilatildeoporque sabemos que a vida cotidiana desses e dessas praticantes natildeo se reduzagravequilo que eacute observaacutevel e organizaacutevel formalmente Os muacuteltiplos sentimentosvalores e processos vividos por cada um(a) na tessitura das redes de saberes quedaacute sentido agraves suas accedilotildees precisam ser compartilhados coletivamente e para fazecirc-lo precisamos estar imersos nos sentidos e sentimentos dessas tantas histoacuteriasouvidas e partilhadas (ALVES e OLIVEIRA 2001 p8)

O pensamento moderno nos ensinou a compreender o mundo a partir de um

modelo determinista ao pretender explicar a diversidade a partir da unidade Essa forma de

pensar natildeo tolera mudanccedilas a natildeo ser as que ela mesma eacute capaz de produzir Tudo o que

natildeo pode ser enquadrado nessa loacutegica eacute considerado anormal Tal paradigma quer fazer crer

que o todo eacute igual agrave soma das partes que o pensamento eacute linear contiacutenuo que tudo pode e

deve ser planejado que uns indiviacuteduos satildeo mais capazes que outros e que portanto eacute

legiacutetimo que tenham mais poder do que outros

Trabalhar com a pesquisa nodo cotidiano eacute dividir uma outra loacutegica de pesquisa

onde primeiro parte-se da praacutetica para posteriormente ir a teoria e retornar auml praacutetica

A praacutetica para noacutes eacute portanto o criteacuterio de verdade eacute ela que convalida a teoriaAssim partimos da praacutetica retornamos com a teoria a fim de a compreendermos eagrave praacutetica retornamos com a teoria ressignificada atualizada recriada dela nosvalendo para melhor interferirmos na praacutetica (GARCIA 2003a p12)

Mas a experiecircncia com o cotidiano mostra o oposto a isso

O pensamento moderno estaacute tatildeo contaminado pela ideacuteia de estabilidade que diante

da impossibilidade que a multiplicidade e a complexidade do real apresentam de continuar a

ser explicado por ele rompe-se entra em crise dando passagem agrave criaccedilatildeo de outras formas

de pensar surgem os novos paradigmas

Um paradigma eacute constituiacutedo por conceitos fundamentais e por categoriasdominantes da inteligibilidade ao mesmo tempo que por relaccedilotildees loacutegicas(conjunccedilatildeo disjunccedilatildeo implicaccedilatildeo ou outras) entre estes conceitos e categorias(MORIN 2003a p 189)

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Na perplexidade atual eacute preciso pensar o todo nas partes e as partes no todo numa

perspectiva holograacutefica como um caleidoscoacutepio O todo e as partes estatildeo ali mas de cada

vez que se olha eles se apresentam como um certo desenho sempre outro sempre novo O

todo eacute mais do que a soma das partes porque possui mais propriedades do que cada uma das

partes em separado

Na busca de construccedilatildeo de uma escola mais democraacutetica as questotildees de igualdade

e diferenccedila afloram poreacutem eacute preciso termos uma visatildeo dialeacutetica entre a relaccedilatildeo igualdade e

diferenccedila Hoje em dia natildeo se pode falar em igualdade sem incluir a questatildeo da diversidade

nem se pode abordar a questatildeo da diferenccedila dissociada da afirmaccedilatildeo da igualdade Como

nos diz Candau (2003 np) ldquoNatildeo se deve opor igualdade agrave diferenccedila De fato a igualdade

natildeo estaacute oposta agrave diferenccedila e sim agrave desigualdade Diferenccedila natildeo se opotildee agrave igualdade e sim a

padronizaccedilatildeordquo

O que se pretende na discussatildeo sobre a diversidade eacute buscar a possibilidade de

romper com os padrotildees estabelecidos e as desigualdades Lutar pela igualdade de direitos e

pelo reconhecimento das diferenccedilas no cotidiano de uma creche cooperativa da cidade de

Juiz de Fora MG ndash local escolhido por mim como interlocutora privilegiada

Por isso meu objetivo na dissertaccedilatildeo constituiu-se no estudo sobre a diversidade

nodo cotidiano da Creche Casablanca a partir dos elementos identidades conhecimentos e

espaccedilostempos elementos esses que emergiram do cotidiano durante a pesquisa

Contextualizando um pouco da histoacuteria da creche pesquisada esta eacute uma creche

cooperativa (instituiccedilatildeo que possui como um dos parceiros para seu funcionamento a

Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) Localiza-se em uma pequena

comunidade da periferia da cidade de Juiz de Fora no entorno do campus da Universidade

Federal de Juiz de Fora No ano de 1999 a comunidade se organizou e votou no orccedilamento

participativo a implantaccedilatildeo de uma creche no bairro visto ser esse projeto uma necessidade

sentida por todos os moradores pois a creche comunitaacuteria (instituiccedilatildeo de total

responsabilidade da Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) mais proacutexima

natildeo tinha capacidade de atender toda a demanda de crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 6 anos

Para a implantaccedilatildeo da creche foi organizada uma ldquocomissatildeo de matildeesrdquo que

decidiu junto com a Sociedade Proacute-Melhoramento do Bairro Jardim Casablanca organizar

um levantamento das crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 45 anos cujas matildees pais eou

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responsaacuteveis desejassem se candidatar a uma vaga na creche As crianccedilas de 5 e 6 anos

ficariam sem atendimento na creche em funccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico da mesma que soacute tinha 1

berccedilaacuterio e 3 salas Decidiu-se ainda atender prioritariamente agraves crianccedilas que se

encontrassem em estado de vulnerabilidade e miserabilidade cuja situaccedilatildeo era de risco

pessoal

A Universidade Federal de Juiz de Fora foi convidada a ser um dos parceiros da

creche Foi realizado na creche Casablanca o Programa de Apoio agrave Educaccedilatildeo Infantil

(PAEDI) financiado pela Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais

(FAPEMIG) que jaacute havia sido realizado em outras creches de Juiz de Fora mas a situaccedilatildeo

e o contexto desta creche era um diferencial em relaccedilatildeo agraves outras A creche estava iniciando

seu trabalho e com isso houve uma preocupaccedilatildeo da diretoria da creche em realizar um

trabalho pedagoacutegico condizente com a realidade na qual estavam inseridos

Outro mundo novas esperanccedilas algo inacreditaacutevel As coisas iam acontecendo e

dando certo O Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da creche foi construiacutedo juntamente com os

profissionais da creche com as famiacutelias e a comunidade Algo discutido democraticamente

o que dava a sensaccedilatildeo de ecircxtase em ver que algo era possiacutevel de ser feito coletivamente

Conversar com os outros e natildeo apenas falar sobre eles ou para eles ndash eacute a condiccedilatildeopara desenvolvermos a compreensatildeo dos significados e das estruturassignificantes de nossas proacuteprias accedilotildees A compreensatildeo do sentido da accedilatildeo dooutro eacute uma condiccedilatildeo importante para a compreensatildeo do sentido de nossa proacutepriaaccedilatildeo (FLEURI 2002 p 10)

Para que sua histoacuteria pudesse ser hoje narrada procurei por uma metodologia que

respeitasse o singular e o uno e que fosse a mais coerente com o trabalho a ser proposto

Encontrei na pesquisa nodo cotidiano justamente essa possibilidade Uma metodologia que

possui como base epistemoloacutegica a complexidade o que me proporcionou um pesquisar do

muacuteltiplo uma porta aberta agrave diversidade de saberes e conhecimentos que se vatildeo traccedilando

no decorrer da minha imersatildeo no cotidiano da creche investigada

A pesquisa nodo cotidiano eacute baseada no Paradigma da Complexidade Uma

ruptura que fazemos com o saber cientiacutefico como saber absoluto e soberano buscando uma

valorizaccedilatildeo das situaccedilotildees cotidianas como uma outra forma de saber

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A complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildeesdeterminaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico Acomplexidade apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade dadesordem da ambiguumlidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que eacute seencontra do emaranhado inextricaacutevel(MORIN 2003b p44)

Aprendi a lidar com as incertezas e os imprevistos que essa forma de pesquisar me

mostrou

O rigor flexiacutevel (se nos for permitido o oxiacutemoro) do paradigma indiciaacuteriomostra-se ineliminaacutevel Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas ndash nosentido de que como jaacute dissemos suas regras natildeo se prestam a ser formalizadasnem ditas Ningueacutem aprende o ofiacutecio de conhecedor ou de diagnosticadorlimitando-se a pocircr em praacuteticas regras preexistentes Nesse tipo de conhecimentoentram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderaacuteveis faro golpe devista intuiccedilatildeo (GUINZBURG 1989 p 179)

Quando deparamos com o desequiliacutebrio causado pela perda das certezas

procuramos algo que nos leve ao reequiacutelibrio Desiste-se do rigor absoluto antes procurado

aceitando o limite a possibilidade de um rigor flexiacutevel Um rigor flexiacutevel que nos permita

ldquogarimparrdquo as pistas que emergem do cotidiano (GINZBURG 1989)

Ao analisarmos o cotidiano vivido vivenciamos momentos maacutegicos e

conflituosos Muitas vezes as leituras que eu enquanto pesquisadora havia feito eram

confrontadas com a leitura daqueles que viveram a situaccedilatildeo

A reinvenccedilatildeo do senso comum eacute incontrolaacutevel dado o potencial desta forma de

conhecimento para enriquecer nossa relaccedilatildeo com o mundo Apesar de o conhecimento do

senso comum ser geralmente um conhecimento mistificado e mistificador e apesar de

conservador possui uma dimensatildeo utoacutepica e libertadora que pode valorizar-se atraveacutes do

diaacutelogo com o conhecimento poacutes-moderno

Com a pesquisa nodo cotidiano lidamos exatamente com esse conhecimento de

senso comum reaproximando praacutetica e teoria ateacute que se confundam e voltem a ser o que

um dia foram apenas praticateoriapraacutetica sem divisotildees ou hierarquias (GARCIA

2003b)

Eacute preciso mergulhar na praacutetica com as praacuteticas descobrir a riqueza da teoria em

movimento que se atualiza no cotidiano enriquecido pelo que cada dia se revela como

novo

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Na anaacutelise da vida quotidiana as interpretaccedilotildees possiacuteveis ndash haacute que admiti-lo ndashformigam atraveacutes de perspectivas e percursos que seguem rotas bem distintasHaacute ldquoformigasrdquo agrave procura do retoacuterico do pormenor da revelaccedilatildeo do deslocadocomo quem peneira pacientemente o quotidiano na expectativa de nele poderencontrar o exoacutetico o acontecimento o inesperado o excepcional a aventura aagulha no palheiro da vida quotidiana outras que procuram o amontoado otrivial o banal o repetitivo Maneiras diferentes de encarar a realidade da vidaquotidiana (PAIS 2003 p 88)

Compartilhamos juntos pontos de vista diferenciados e deslizaacutevamos da praacutetica agrave

teoria da teoria agrave praacutetica indo e vindo inuacutemeras vezes escrevendo e reescrevendo vaacuterios

paraacutegrafos ateacute chegar a uma conclusatildeo mesmo que momentacircnea mesmo que por um dia

Ao vivermos o cotidiano de creche observamos que a diversidade permeia as

relaccedilotildees e inter-relaccedilotildees existentes no dia-a-dia A proacutepria histoacuteria de como uma instituiccedilatildeo

foi criada e construiacuteda carrega as questotildees de desigualdades econocircmicas sociais culturais

A luta por igualdade de condiccedilotildees baacutesicas para se deixar o filho num local seguro e

adequado enquanto trabalha A tentativa de ter a igualdade de direitos que as outras

instituiccedilotildees tecircm sendo uacutenica e singular

Inicialmente diante de tantas informaccedilotildees ao ldquomergulharrdquo no cotidiano a

metaacutefora mais adequada seria a de um grande ldquoafogamentordquo mas no decorrer das

observaccedilotildees os entrelaccedilamentos foram ocorrendo e pequenos fatos cotidianos muitas vezes

irrelevantes se tornaram de fundamental importacircncia mais agrave frente

Pesquisar o cotidiano foi ir a campo sem receitas dos passos a serem dados

Simplesmente chegaacutevamos abertos para acompanhar o que apontava ou sugeria a realidade

a ser investigada e os sujeitos envolvidos Somente depois da leitura feita do cotidiano da

creche no ano de 2005 eacute que vimos emergir os trecircs elementos que foram trabalhados no

decorrer da dissertaccedilatildeo identidades conhecimentos e espaccedilostempos

O meacutetodo foi sendo construiacutedo na trajetoacuteria o caminho foi sendo construiacutedo e

reconstruiacutedo durante o caminhar Como nos diria Morin (2003a p 187) ldquoFoi o caminho

natildeo que eu tracei para mim mas que a caminhada traccedilou Caminante no hay camino

camino se hace al andarrdquo

Muitas foram as sensaccedilotildees de anguacutestia quando tudo parecia natildeo fazer sentido e

logo apoacutes as situaccedilotildees se entrelaccedilavam e surgiam sentidos muacuteltiplos no caminho

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

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FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

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GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

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MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

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PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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Na perplexidade atual eacute preciso pensar o todo nas partes e as partes no todo numa

perspectiva holograacutefica como um caleidoscoacutepio O todo e as partes estatildeo ali mas de cada

vez que se olha eles se apresentam como um certo desenho sempre outro sempre novo O

todo eacute mais do que a soma das partes porque possui mais propriedades do que cada uma das

partes em separado

Na busca de construccedilatildeo de uma escola mais democraacutetica as questotildees de igualdade

e diferenccedila afloram poreacutem eacute preciso termos uma visatildeo dialeacutetica entre a relaccedilatildeo igualdade e

diferenccedila Hoje em dia natildeo se pode falar em igualdade sem incluir a questatildeo da diversidade

nem se pode abordar a questatildeo da diferenccedila dissociada da afirmaccedilatildeo da igualdade Como

nos diz Candau (2003 np) ldquoNatildeo se deve opor igualdade agrave diferenccedila De fato a igualdade

natildeo estaacute oposta agrave diferenccedila e sim agrave desigualdade Diferenccedila natildeo se opotildee agrave igualdade e sim a

padronizaccedilatildeordquo

O que se pretende na discussatildeo sobre a diversidade eacute buscar a possibilidade de

romper com os padrotildees estabelecidos e as desigualdades Lutar pela igualdade de direitos e

pelo reconhecimento das diferenccedilas no cotidiano de uma creche cooperativa da cidade de

Juiz de Fora MG ndash local escolhido por mim como interlocutora privilegiada

Por isso meu objetivo na dissertaccedilatildeo constituiu-se no estudo sobre a diversidade

nodo cotidiano da Creche Casablanca a partir dos elementos identidades conhecimentos e

espaccedilostempos elementos esses que emergiram do cotidiano durante a pesquisa

Contextualizando um pouco da histoacuteria da creche pesquisada esta eacute uma creche

cooperativa (instituiccedilatildeo que possui como um dos parceiros para seu funcionamento a

Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) Localiza-se em uma pequena

comunidade da periferia da cidade de Juiz de Fora no entorno do campus da Universidade

Federal de Juiz de Fora No ano de 1999 a comunidade se organizou e votou no orccedilamento

participativo a implantaccedilatildeo de uma creche no bairro visto ser esse projeto uma necessidade

sentida por todos os moradores pois a creche comunitaacuteria (instituiccedilatildeo de total

responsabilidade da Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio ndash AMAC) mais proacutexima

natildeo tinha capacidade de atender toda a demanda de crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 6 anos

Para a implantaccedilatildeo da creche foi organizada uma ldquocomissatildeo de matildeesrdquo que

decidiu junto com a Sociedade Proacute-Melhoramento do Bairro Jardim Casablanca organizar

um levantamento das crianccedilas na faixa etaacuteria de 0 a 45 anos cujas matildees pais eou

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responsaacuteveis desejassem se candidatar a uma vaga na creche As crianccedilas de 5 e 6 anos

ficariam sem atendimento na creche em funccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico da mesma que soacute tinha 1

berccedilaacuterio e 3 salas Decidiu-se ainda atender prioritariamente agraves crianccedilas que se

encontrassem em estado de vulnerabilidade e miserabilidade cuja situaccedilatildeo era de risco

pessoal

A Universidade Federal de Juiz de Fora foi convidada a ser um dos parceiros da

creche Foi realizado na creche Casablanca o Programa de Apoio agrave Educaccedilatildeo Infantil

(PAEDI) financiado pela Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais

(FAPEMIG) que jaacute havia sido realizado em outras creches de Juiz de Fora mas a situaccedilatildeo

e o contexto desta creche era um diferencial em relaccedilatildeo agraves outras A creche estava iniciando

seu trabalho e com isso houve uma preocupaccedilatildeo da diretoria da creche em realizar um

trabalho pedagoacutegico condizente com a realidade na qual estavam inseridos

Outro mundo novas esperanccedilas algo inacreditaacutevel As coisas iam acontecendo e

dando certo O Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da creche foi construiacutedo juntamente com os

profissionais da creche com as famiacutelias e a comunidade Algo discutido democraticamente

o que dava a sensaccedilatildeo de ecircxtase em ver que algo era possiacutevel de ser feito coletivamente

Conversar com os outros e natildeo apenas falar sobre eles ou para eles ndash eacute a condiccedilatildeopara desenvolvermos a compreensatildeo dos significados e das estruturassignificantes de nossas proacuteprias accedilotildees A compreensatildeo do sentido da accedilatildeo dooutro eacute uma condiccedilatildeo importante para a compreensatildeo do sentido de nossa proacutepriaaccedilatildeo (FLEURI 2002 p 10)

Para que sua histoacuteria pudesse ser hoje narrada procurei por uma metodologia que

respeitasse o singular e o uno e que fosse a mais coerente com o trabalho a ser proposto

Encontrei na pesquisa nodo cotidiano justamente essa possibilidade Uma metodologia que

possui como base epistemoloacutegica a complexidade o que me proporcionou um pesquisar do

muacuteltiplo uma porta aberta agrave diversidade de saberes e conhecimentos que se vatildeo traccedilando

no decorrer da minha imersatildeo no cotidiano da creche investigada

A pesquisa nodo cotidiano eacute baseada no Paradigma da Complexidade Uma

ruptura que fazemos com o saber cientiacutefico como saber absoluto e soberano buscando uma

valorizaccedilatildeo das situaccedilotildees cotidianas como uma outra forma de saber

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A complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildeesdeterminaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico Acomplexidade apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade dadesordem da ambiguumlidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que eacute seencontra do emaranhado inextricaacutevel(MORIN 2003b p44)

Aprendi a lidar com as incertezas e os imprevistos que essa forma de pesquisar me

mostrou

O rigor flexiacutevel (se nos for permitido o oxiacutemoro) do paradigma indiciaacuteriomostra-se ineliminaacutevel Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas ndash nosentido de que como jaacute dissemos suas regras natildeo se prestam a ser formalizadasnem ditas Ningueacutem aprende o ofiacutecio de conhecedor ou de diagnosticadorlimitando-se a pocircr em praacuteticas regras preexistentes Nesse tipo de conhecimentoentram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderaacuteveis faro golpe devista intuiccedilatildeo (GUINZBURG 1989 p 179)

Quando deparamos com o desequiliacutebrio causado pela perda das certezas

procuramos algo que nos leve ao reequiacutelibrio Desiste-se do rigor absoluto antes procurado

aceitando o limite a possibilidade de um rigor flexiacutevel Um rigor flexiacutevel que nos permita

ldquogarimparrdquo as pistas que emergem do cotidiano (GINZBURG 1989)

Ao analisarmos o cotidiano vivido vivenciamos momentos maacutegicos e

conflituosos Muitas vezes as leituras que eu enquanto pesquisadora havia feito eram

confrontadas com a leitura daqueles que viveram a situaccedilatildeo

A reinvenccedilatildeo do senso comum eacute incontrolaacutevel dado o potencial desta forma de

conhecimento para enriquecer nossa relaccedilatildeo com o mundo Apesar de o conhecimento do

senso comum ser geralmente um conhecimento mistificado e mistificador e apesar de

conservador possui uma dimensatildeo utoacutepica e libertadora que pode valorizar-se atraveacutes do

diaacutelogo com o conhecimento poacutes-moderno

Com a pesquisa nodo cotidiano lidamos exatamente com esse conhecimento de

senso comum reaproximando praacutetica e teoria ateacute que se confundam e voltem a ser o que

um dia foram apenas praticateoriapraacutetica sem divisotildees ou hierarquias (GARCIA

2003b)

Eacute preciso mergulhar na praacutetica com as praacuteticas descobrir a riqueza da teoria em

movimento que se atualiza no cotidiano enriquecido pelo que cada dia se revela como

novo

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Na anaacutelise da vida quotidiana as interpretaccedilotildees possiacuteveis ndash haacute que admiti-lo ndashformigam atraveacutes de perspectivas e percursos que seguem rotas bem distintasHaacute ldquoformigasrdquo agrave procura do retoacuterico do pormenor da revelaccedilatildeo do deslocadocomo quem peneira pacientemente o quotidiano na expectativa de nele poderencontrar o exoacutetico o acontecimento o inesperado o excepcional a aventura aagulha no palheiro da vida quotidiana outras que procuram o amontoado otrivial o banal o repetitivo Maneiras diferentes de encarar a realidade da vidaquotidiana (PAIS 2003 p 88)

Compartilhamos juntos pontos de vista diferenciados e deslizaacutevamos da praacutetica agrave

teoria da teoria agrave praacutetica indo e vindo inuacutemeras vezes escrevendo e reescrevendo vaacuterios

paraacutegrafos ateacute chegar a uma conclusatildeo mesmo que momentacircnea mesmo que por um dia

Ao vivermos o cotidiano de creche observamos que a diversidade permeia as

relaccedilotildees e inter-relaccedilotildees existentes no dia-a-dia A proacutepria histoacuteria de como uma instituiccedilatildeo

foi criada e construiacuteda carrega as questotildees de desigualdades econocircmicas sociais culturais

A luta por igualdade de condiccedilotildees baacutesicas para se deixar o filho num local seguro e

adequado enquanto trabalha A tentativa de ter a igualdade de direitos que as outras

instituiccedilotildees tecircm sendo uacutenica e singular

Inicialmente diante de tantas informaccedilotildees ao ldquomergulharrdquo no cotidiano a

metaacutefora mais adequada seria a de um grande ldquoafogamentordquo mas no decorrer das

observaccedilotildees os entrelaccedilamentos foram ocorrendo e pequenos fatos cotidianos muitas vezes

irrelevantes se tornaram de fundamental importacircncia mais agrave frente

Pesquisar o cotidiano foi ir a campo sem receitas dos passos a serem dados

Simplesmente chegaacutevamos abertos para acompanhar o que apontava ou sugeria a realidade

a ser investigada e os sujeitos envolvidos Somente depois da leitura feita do cotidiano da

creche no ano de 2005 eacute que vimos emergir os trecircs elementos que foram trabalhados no

decorrer da dissertaccedilatildeo identidades conhecimentos e espaccedilostempos

O meacutetodo foi sendo construiacutedo na trajetoacuteria o caminho foi sendo construiacutedo e

reconstruiacutedo durante o caminhar Como nos diria Morin (2003a p 187) ldquoFoi o caminho

natildeo que eu tracei para mim mas que a caminhada traccedilou Caminante no hay camino

camino se hace al andarrdquo

Muitas foram as sensaccedilotildees de anguacutestia quando tudo parecia natildeo fazer sentido e

logo apoacutes as situaccedilotildees se entrelaccedilavam e surgiam sentidos muacuteltiplos no caminho

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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20

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GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

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GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

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MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

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PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

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responsaacuteveis desejassem se candidatar a uma vaga na creche As crianccedilas de 5 e 6 anos

ficariam sem atendimento na creche em funccedilatildeo do espaccedilo fiacutesico da mesma que soacute tinha 1

berccedilaacuterio e 3 salas Decidiu-se ainda atender prioritariamente agraves crianccedilas que se

encontrassem em estado de vulnerabilidade e miserabilidade cuja situaccedilatildeo era de risco

pessoal

A Universidade Federal de Juiz de Fora foi convidada a ser um dos parceiros da

creche Foi realizado na creche Casablanca o Programa de Apoio agrave Educaccedilatildeo Infantil

(PAEDI) financiado pela Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais

(FAPEMIG) que jaacute havia sido realizado em outras creches de Juiz de Fora mas a situaccedilatildeo

e o contexto desta creche era um diferencial em relaccedilatildeo agraves outras A creche estava iniciando

seu trabalho e com isso houve uma preocupaccedilatildeo da diretoria da creche em realizar um

trabalho pedagoacutegico condizente com a realidade na qual estavam inseridos

Outro mundo novas esperanccedilas algo inacreditaacutevel As coisas iam acontecendo e

dando certo O Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da creche foi construiacutedo juntamente com os

profissionais da creche com as famiacutelias e a comunidade Algo discutido democraticamente

o que dava a sensaccedilatildeo de ecircxtase em ver que algo era possiacutevel de ser feito coletivamente

Conversar com os outros e natildeo apenas falar sobre eles ou para eles ndash eacute a condiccedilatildeopara desenvolvermos a compreensatildeo dos significados e das estruturassignificantes de nossas proacuteprias accedilotildees A compreensatildeo do sentido da accedilatildeo dooutro eacute uma condiccedilatildeo importante para a compreensatildeo do sentido de nossa proacutepriaaccedilatildeo (FLEURI 2002 p 10)

Para que sua histoacuteria pudesse ser hoje narrada procurei por uma metodologia que

respeitasse o singular e o uno e que fosse a mais coerente com o trabalho a ser proposto

Encontrei na pesquisa nodo cotidiano justamente essa possibilidade Uma metodologia que

possui como base epistemoloacutegica a complexidade o que me proporcionou um pesquisar do

muacuteltiplo uma porta aberta agrave diversidade de saberes e conhecimentos que se vatildeo traccedilando

no decorrer da minha imersatildeo no cotidiano da creche investigada

A pesquisa nodo cotidiano eacute baseada no Paradigma da Complexidade Uma

ruptura que fazemos com o saber cientiacutefico como saber absoluto e soberano buscando uma

valorizaccedilatildeo das situaccedilotildees cotidianas como uma outra forma de saber

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A complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildeesdeterminaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico Acomplexidade apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade dadesordem da ambiguumlidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que eacute seencontra do emaranhado inextricaacutevel(MORIN 2003b p44)

Aprendi a lidar com as incertezas e os imprevistos que essa forma de pesquisar me

mostrou

O rigor flexiacutevel (se nos for permitido o oxiacutemoro) do paradigma indiciaacuteriomostra-se ineliminaacutevel Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas ndash nosentido de que como jaacute dissemos suas regras natildeo se prestam a ser formalizadasnem ditas Ningueacutem aprende o ofiacutecio de conhecedor ou de diagnosticadorlimitando-se a pocircr em praacuteticas regras preexistentes Nesse tipo de conhecimentoentram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderaacuteveis faro golpe devista intuiccedilatildeo (GUINZBURG 1989 p 179)

Quando deparamos com o desequiliacutebrio causado pela perda das certezas

procuramos algo que nos leve ao reequiacutelibrio Desiste-se do rigor absoluto antes procurado

aceitando o limite a possibilidade de um rigor flexiacutevel Um rigor flexiacutevel que nos permita

ldquogarimparrdquo as pistas que emergem do cotidiano (GINZBURG 1989)

Ao analisarmos o cotidiano vivido vivenciamos momentos maacutegicos e

conflituosos Muitas vezes as leituras que eu enquanto pesquisadora havia feito eram

confrontadas com a leitura daqueles que viveram a situaccedilatildeo

A reinvenccedilatildeo do senso comum eacute incontrolaacutevel dado o potencial desta forma de

conhecimento para enriquecer nossa relaccedilatildeo com o mundo Apesar de o conhecimento do

senso comum ser geralmente um conhecimento mistificado e mistificador e apesar de

conservador possui uma dimensatildeo utoacutepica e libertadora que pode valorizar-se atraveacutes do

diaacutelogo com o conhecimento poacutes-moderno

Com a pesquisa nodo cotidiano lidamos exatamente com esse conhecimento de

senso comum reaproximando praacutetica e teoria ateacute que se confundam e voltem a ser o que

um dia foram apenas praticateoriapraacutetica sem divisotildees ou hierarquias (GARCIA

2003b)

Eacute preciso mergulhar na praacutetica com as praacuteticas descobrir a riqueza da teoria em

movimento que se atualiza no cotidiano enriquecido pelo que cada dia se revela como

novo

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Na anaacutelise da vida quotidiana as interpretaccedilotildees possiacuteveis ndash haacute que admiti-lo ndashformigam atraveacutes de perspectivas e percursos que seguem rotas bem distintasHaacute ldquoformigasrdquo agrave procura do retoacuterico do pormenor da revelaccedilatildeo do deslocadocomo quem peneira pacientemente o quotidiano na expectativa de nele poderencontrar o exoacutetico o acontecimento o inesperado o excepcional a aventura aagulha no palheiro da vida quotidiana outras que procuram o amontoado otrivial o banal o repetitivo Maneiras diferentes de encarar a realidade da vidaquotidiana (PAIS 2003 p 88)

Compartilhamos juntos pontos de vista diferenciados e deslizaacutevamos da praacutetica agrave

teoria da teoria agrave praacutetica indo e vindo inuacutemeras vezes escrevendo e reescrevendo vaacuterios

paraacutegrafos ateacute chegar a uma conclusatildeo mesmo que momentacircnea mesmo que por um dia

Ao vivermos o cotidiano de creche observamos que a diversidade permeia as

relaccedilotildees e inter-relaccedilotildees existentes no dia-a-dia A proacutepria histoacuteria de como uma instituiccedilatildeo

foi criada e construiacuteda carrega as questotildees de desigualdades econocircmicas sociais culturais

A luta por igualdade de condiccedilotildees baacutesicas para se deixar o filho num local seguro e

adequado enquanto trabalha A tentativa de ter a igualdade de direitos que as outras

instituiccedilotildees tecircm sendo uacutenica e singular

Inicialmente diante de tantas informaccedilotildees ao ldquomergulharrdquo no cotidiano a

metaacutefora mais adequada seria a de um grande ldquoafogamentordquo mas no decorrer das

observaccedilotildees os entrelaccedilamentos foram ocorrendo e pequenos fatos cotidianos muitas vezes

irrelevantes se tornaram de fundamental importacircncia mais agrave frente

Pesquisar o cotidiano foi ir a campo sem receitas dos passos a serem dados

Simplesmente chegaacutevamos abertos para acompanhar o que apontava ou sugeria a realidade

a ser investigada e os sujeitos envolvidos Somente depois da leitura feita do cotidiano da

creche no ano de 2005 eacute que vimos emergir os trecircs elementos que foram trabalhados no

decorrer da dissertaccedilatildeo identidades conhecimentos e espaccedilostempos

O meacutetodo foi sendo construiacutedo na trajetoacuteria o caminho foi sendo construiacutedo e

reconstruiacutedo durante o caminhar Como nos diria Morin (2003a p 187) ldquoFoi o caminho

natildeo que eu tracei para mim mas que a caminhada traccedilou Caminante no hay camino

camino se hace al andarrdquo

Muitas foram as sensaccedilotildees de anguacutestia quando tudo parecia natildeo fazer sentido e

logo apoacutes as situaccedilotildees se entrelaccedilavam e surgiam sentidos muacuteltiplos no caminho

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

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MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

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6

A complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildeesdeterminaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico Acomplexidade apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade dadesordem da ambiguumlidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que eacute seencontra do emaranhado inextricaacutevel(MORIN 2003b p44)

Aprendi a lidar com as incertezas e os imprevistos que essa forma de pesquisar me

mostrou

O rigor flexiacutevel (se nos for permitido o oxiacutemoro) do paradigma indiciaacuteriomostra-se ineliminaacutevel Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas ndash nosentido de que como jaacute dissemos suas regras natildeo se prestam a ser formalizadasnem ditas Ningueacutem aprende o ofiacutecio de conhecedor ou de diagnosticadorlimitando-se a pocircr em praacuteticas regras preexistentes Nesse tipo de conhecimentoentram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderaacuteveis faro golpe devista intuiccedilatildeo (GUINZBURG 1989 p 179)

Quando deparamos com o desequiliacutebrio causado pela perda das certezas

procuramos algo que nos leve ao reequiacutelibrio Desiste-se do rigor absoluto antes procurado

aceitando o limite a possibilidade de um rigor flexiacutevel Um rigor flexiacutevel que nos permita

ldquogarimparrdquo as pistas que emergem do cotidiano (GINZBURG 1989)

Ao analisarmos o cotidiano vivido vivenciamos momentos maacutegicos e

conflituosos Muitas vezes as leituras que eu enquanto pesquisadora havia feito eram

confrontadas com a leitura daqueles que viveram a situaccedilatildeo

A reinvenccedilatildeo do senso comum eacute incontrolaacutevel dado o potencial desta forma de

conhecimento para enriquecer nossa relaccedilatildeo com o mundo Apesar de o conhecimento do

senso comum ser geralmente um conhecimento mistificado e mistificador e apesar de

conservador possui uma dimensatildeo utoacutepica e libertadora que pode valorizar-se atraveacutes do

diaacutelogo com o conhecimento poacutes-moderno

Com a pesquisa nodo cotidiano lidamos exatamente com esse conhecimento de

senso comum reaproximando praacutetica e teoria ateacute que se confundam e voltem a ser o que

um dia foram apenas praticateoriapraacutetica sem divisotildees ou hierarquias (GARCIA

2003b)

Eacute preciso mergulhar na praacutetica com as praacuteticas descobrir a riqueza da teoria em

movimento que se atualiza no cotidiano enriquecido pelo que cada dia se revela como

novo

7

Na anaacutelise da vida quotidiana as interpretaccedilotildees possiacuteveis ndash haacute que admiti-lo ndashformigam atraveacutes de perspectivas e percursos que seguem rotas bem distintasHaacute ldquoformigasrdquo agrave procura do retoacuterico do pormenor da revelaccedilatildeo do deslocadocomo quem peneira pacientemente o quotidiano na expectativa de nele poderencontrar o exoacutetico o acontecimento o inesperado o excepcional a aventura aagulha no palheiro da vida quotidiana outras que procuram o amontoado otrivial o banal o repetitivo Maneiras diferentes de encarar a realidade da vidaquotidiana (PAIS 2003 p 88)

Compartilhamos juntos pontos de vista diferenciados e deslizaacutevamos da praacutetica agrave

teoria da teoria agrave praacutetica indo e vindo inuacutemeras vezes escrevendo e reescrevendo vaacuterios

paraacutegrafos ateacute chegar a uma conclusatildeo mesmo que momentacircnea mesmo que por um dia

Ao vivermos o cotidiano de creche observamos que a diversidade permeia as

relaccedilotildees e inter-relaccedilotildees existentes no dia-a-dia A proacutepria histoacuteria de como uma instituiccedilatildeo

foi criada e construiacuteda carrega as questotildees de desigualdades econocircmicas sociais culturais

A luta por igualdade de condiccedilotildees baacutesicas para se deixar o filho num local seguro e

adequado enquanto trabalha A tentativa de ter a igualdade de direitos que as outras

instituiccedilotildees tecircm sendo uacutenica e singular

Inicialmente diante de tantas informaccedilotildees ao ldquomergulharrdquo no cotidiano a

metaacutefora mais adequada seria a de um grande ldquoafogamentordquo mas no decorrer das

observaccedilotildees os entrelaccedilamentos foram ocorrendo e pequenos fatos cotidianos muitas vezes

irrelevantes se tornaram de fundamental importacircncia mais agrave frente

Pesquisar o cotidiano foi ir a campo sem receitas dos passos a serem dados

Simplesmente chegaacutevamos abertos para acompanhar o que apontava ou sugeria a realidade

a ser investigada e os sujeitos envolvidos Somente depois da leitura feita do cotidiano da

creche no ano de 2005 eacute que vimos emergir os trecircs elementos que foram trabalhados no

decorrer da dissertaccedilatildeo identidades conhecimentos e espaccedilostempos

O meacutetodo foi sendo construiacutedo na trajetoacuteria o caminho foi sendo construiacutedo e

reconstruiacutedo durante o caminhar Como nos diria Morin (2003a p 187) ldquoFoi o caminho

natildeo que eu tracei para mim mas que a caminhada traccedilou Caminante no hay camino

camino se hace al andarrdquo

Muitas foram as sensaccedilotildees de anguacutestia quando tudo parecia natildeo fazer sentido e

logo apoacutes as situaccedilotildees se entrelaccedilavam e surgiam sentidos muacuteltiplos no caminho

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

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SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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Na anaacutelise da vida quotidiana as interpretaccedilotildees possiacuteveis ndash haacute que admiti-lo ndashformigam atraveacutes de perspectivas e percursos que seguem rotas bem distintasHaacute ldquoformigasrdquo agrave procura do retoacuterico do pormenor da revelaccedilatildeo do deslocadocomo quem peneira pacientemente o quotidiano na expectativa de nele poderencontrar o exoacutetico o acontecimento o inesperado o excepcional a aventura aagulha no palheiro da vida quotidiana outras que procuram o amontoado otrivial o banal o repetitivo Maneiras diferentes de encarar a realidade da vidaquotidiana (PAIS 2003 p 88)

Compartilhamos juntos pontos de vista diferenciados e deslizaacutevamos da praacutetica agrave

teoria da teoria agrave praacutetica indo e vindo inuacutemeras vezes escrevendo e reescrevendo vaacuterios

paraacutegrafos ateacute chegar a uma conclusatildeo mesmo que momentacircnea mesmo que por um dia

Ao vivermos o cotidiano de creche observamos que a diversidade permeia as

relaccedilotildees e inter-relaccedilotildees existentes no dia-a-dia A proacutepria histoacuteria de como uma instituiccedilatildeo

foi criada e construiacuteda carrega as questotildees de desigualdades econocircmicas sociais culturais

A luta por igualdade de condiccedilotildees baacutesicas para se deixar o filho num local seguro e

adequado enquanto trabalha A tentativa de ter a igualdade de direitos que as outras

instituiccedilotildees tecircm sendo uacutenica e singular

Inicialmente diante de tantas informaccedilotildees ao ldquomergulharrdquo no cotidiano a

metaacutefora mais adequada seria a de um grande ldquoafogamentordquo mas no decorrer das

observaccedilotildees os entrelaccedilamentos foram ocorrendo e pequenos fatos cotidianos muitas vezes

irrelevantes se tornaram de fundamental importacircncia mais agrave frente

Pesquisar o cotidiano foi ir a campo sem receitas dos passos a serem dados

Simplesmente chegaacutevamos abertos para acompanhar o que apontava ou sugeria a realidade

a ser investigada e os sujeitos envolvidos Somente depois da leitura feita do cotidiano da

creche no ano de 2005 eacute que vimos emergir os trecircs elementos que foram trabalhados no

decorrer da dissertaccedilatildeo identidades conhecimentos e espaccedilostempos

O meacutetodo foi sendo construiacutedo na trajetoacuteria o caminho foi sendo construiacutedo e

reconstruiacutedo durante o caminhar Como nos diria Morin (2003a p 187) ldquoFoi o caminho

natildeo que eu tracei para mim mas que a caminhada traccedilou Caminante no hay camino

camino se hace al andarrdquo

Muitas foram as sensaccedilotildees de anguacutestia quando tudo parecia natildeo fazer sentido e

logo apoacutes as situaccedilotildees se entrelaccedilavam e surgiam sentidos muacuteltiplos no caminho

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Daiacute a necessidade de se realizar uma pesquisa onde o pesquisador natildeo estava

somente observando o cotidiano escrevendo sobre os acontecimentos observados mas

vivia esse cotidiano influenciava e era influenciado por ele fazendo junto com os sujeitos

da pesquisa (co- participantes) as anaacutelises do que foi observado para que de alguma forma

aquela realidade se reconstruiacutesse e se ressignificasse

A pesquisa natildeo privilegiou nem dia nem horaacuterio Em 2005 fiz registro das

observaccedilotildees feitas nas salas de aula nos corredores no refeitoacuterio na secretaria em forma

de nota expandida Das reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto que eram realizadas na creche

semanalmente e de que participei foram feitas atas Foram realizadas entrevistas abertas

com a presidente da COOPVIVA com um morador do bairro e com uma matildee fundadora

que foram gravadas e depois transcritas Utilizei ainda o Projeto Poliacutetico-Pedagoacutegico da

creche as avaliaccedilotildees das crianccedilas que foram realizadas pelas professoras e fotografias do

espaccedilo escolar Por ser este texto um recorte da dissertaccedilatildeo natildeo utilizarei todos estes aqui

no trabalho

Nas reuniotildees de formaccedilatildeo em contexto do primeiro semestre de 2006 retornei

com todo esse material no intuito de juntas fazermos as anaacutelises e refletirmos sobre o que

emergiu no cotidiano o que agrupei em trecircs grandes questotildees identidades conhecimentos

e espaccedilostempos

Numa primeira reuniatildeo explicamos novamente o objetivo da pesquisa o que jaacute

haviacuteamos feito no iniacutecio de 2005 e conversamos sobre a histoacuteria da creche Depois cada

questatildeo ocupou quatro reuniotildees Numa uacuteltima reuniatildeo fizemos uma discussatildeo sobre constar

na dissertaccedilatildeo seus proacuteprios nomes o nome da creche e ainda refletimos sobre o que foi a

pesquisa

Em relaccedilatildeo aos nomes dos sujeitos e co-participantes da pesquisa ao ser levantada

a questatildeo de seus nomes serem ou natildeo trocados por nomes fictiacutecios recebi essa como uma

das respostas

Verocircnica _ Ah a minha opiniatildeo eu acho que deveria colocar o nome original detodo mundo e o nome original da creche porque se colocar o nome fictiacutecioningueacutem nunca vai saber entendeu Eu acho a minha opiniatildeo eacute a mesma desde odia em que vocecirc falou a primeira vez a minha opiniatildeo eacute essa Porque aiacute eu achoque a coisa vai ficar bonita laacute pra histoacuteria daqui quantos anos algueacutem pegar vaisaber eacute a creche do Jardim Casablanca As pessoas que trabalharam ali

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

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entendeu A minha opiniatildeo eacute colocar o nome verdadeiro da creche e de todomundo [](Reuniatildeo do dia 352006)

Para os recortes que foram colocados no texto utilizei o termo ldquonota expandidardquo

para as observaccedilotildees na creche ldquoatardquo ao me referir a algum trecho que usei das atas das

reuniotildees de 2005 o nome do entrevistado ou a nomenclatura ldquomatildee fundadorardquo quando usei

as entrevistas ldquoProjeto Poliacutetico-Pedagoacutegicordquo quando me referi a alguma parte deste

documento da creche ldquoavaliaccedilatildeordquo quando utilizei a avaliaccedilatildeo de alguma crianccedila no

decorrer da dissertaccedilatildeo e o termo ldquoreuniotildeesrdquo quando o trecho se referia a uma das reuniotildees

realizadas em 2006

O espaccedilo no cotidiano de creche

Vemos nos dias de hoje que nossa noccedilatildeo de espaccedilo jaacute natildeo eacute a mesma Nos

deparamos com um espaccedilo sem fronteiras sem limites Estamos em vaacuterios lugares ao

mesmo tempo Devemos isso muitas vezes agrave tecnologia que nos faz de maneira assustadora

estar em vaacuterios espaccedilostempos em questatildeo de segundos

Agraves vezes sentimos nosso corpo (bioloacutegico) cansado diante da quantidade de

papeacuteis que assumimos e o ritmo acelerado em que vivemos Com isso somos obrigados a

construir novas identidades ajustadas ao ritmo da Poacutes-Modernidade

O espaccedilo eacute sem duacutevida um produto de relaccedilotildees (primeira proposiccedilatildeo) e por serassim deve ser tambeacutem multiplicidade (segunda proposiccedilatildeo) Entretanto estasnatildeo satildeo absolutamente relaccedilotildees de um sistema coerente fechado dentro do qualcomo se diz ldquotudo estaacute (jaacute) relacionado com tudordquo Neste modo de imaginaacute-lo oespaccedilo pode natildeo ser nunca aquela simultaneidade completa na qual todas asinterconexotildees foram estabelecidas e na qual tudo jaacute estaacute interligado com tudo(MASSEY e KEYNES 2004 p 9)

Na segunda metade do seacuteculo XX ocorreram grandes mudanccedilas O tempo e o

espaccedilo perderam sua rigidez as fronteiras se abriram As mudanccedilas instauraram uma nova

ordem Vivemos uma transiccedilatildeo que gera inseguranccedila diante do desconhecido do inusitado

Para alguns a perda das certezas para outros a possibilidade de muacuteltiplas

verdades que depende dos muacuteltiplos olhares

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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20

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______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

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MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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Essa nova ordenaccedilatildeo caracteriacutestica da Poacutes-Modernidade nos apresenta como uma

crise de paradigmas As concepccedilotildees satildeo colocadas em xeque e passamos a encarar o mundo

de outra forma

A literatura o cinema e o teatro anunciaram o que a ciecircncia veio a descobrir A

arte jaacute haacute muito anunciava a abordagem multidisciplinar rompendo a rigidez da concepccedilatildeo

newtoniana de espaccedilo e tempo

O espaccedilo hoje eacute um espaccedilo em expansatildeo O computador projetou o homem para

um espaccedilo virtual sem limites e no qual todos os usuaacuterios estatildeo em peacute de igualdade de

condiccedilotildees de acesso e de diaacutelogo Para Marques (2001 p 42) ldquoO espaccedilo passa a ser entatildeo

o espaccedilo expandido interativo ilimitado flexiacutevel o bastante para que os pontos de parada

sejam estabelecidos em conformidade com os interesses do usuaacuteriordquo

A tecnologia tem dado um grande incentivo quanto agrave isso ndash a Internet - espaccedilo

expandido que propicia estar em vaacuterios espaccedilos num tempo que deixa de ser linear e se faz

simultacircneo Presente passado e futuro acabam por dividir o mesmo espaccedilotempo

Esse tempo denominado Modernidade eacute um tempo de ordem de coerecircncia do

aprisionamento de tudo o que eacute vago o futuro certo e seguro de si mesmo o passado do

que acreditamos ser e natildeo fomos ou natildeo pudemos ser (SKLIAR 2003)

Veiga-Neto (2002) nos diz que o que se iniciava na ruptura do medieval para o

moderno era uma nova geometria e uma nova temporalidade no mundo europeu A

separaccedilatildeo medieval entre espaccedilo interno (riacutegido sensorial percorriacutevel domeacutestico) e espaccedilo

externo (fluido desconhecido misterioso maacutegico) foi substituiacuteda pela separaccedilatildeo entre

espaccedilo e lugar O lugar passou entatildeo a ser entendido e vivido como projeccedilatildeo neste

chamado mundo sensiacutevel de um espaccedilo ideal

A continuidade como duraccedilatildeo como tempo infinito como um passo sem saltoscomo princiacutepio e final de cada uma e de todas as coisas eacute uma construccedilatildeo dotempo que serve para proibir seu contraacuterio isto eacute proibir a descontinuidade osalto a irrupccedilatildeo a ruptura em siacutentese um tempo que serve para proibir adiferenccedila (SKLIAR 2003 p 43)

Para Veiga-Neto (2002) o curriacuteculo foi a peccedila principal da maquinaria que foi a

escola na fabricaccedilatildeo da Modernidade Ele propiciou agrave escola assumir uma posiccedilatildeo

fundamental na instauraccedilatildeo de novas praacuteticas cotidianas de novas distribuiccedilotildees espaciais e

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

14

Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

16

Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

18

A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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temporais Para o autor (2002 np) ldquoO curriacuteculo imprimiu uma ordem geomeacutetrica reticular

e disciplinar tanto aos saberes quanto agrave distribuiccedilatildeo desses saberes ao longo de um tempordquo

E o mais importante foi pelo curriacuteculo que a escola contribuiu decisivamente para a

abstraccedilatildeo do tempo e do espaccedilo e para o estabelecimento de novas articulaccedilotildees entre

ambos

Em termos temporais o curriacuteculo engendrouengendra rotinas e ritmos para a

vida cotidiana de todos que tecircm algo a ver com a escola Foram vaacuterios dispositivos criados

para controlar o uso do tempo de alunos e professores

Em termos espaciais o curriacuteculo funcionoufunciona como o grande dispositivo

pedagoacutegico que recolocou em termos modernos a invenccedilatildeo grega da fronteira como o

limite a partir do qual comeccedilam os outros o limite a partir do qual os outros passam a

existir para noacutes o limite a partir do qual a diferenccedila comeccedila a se fazer problema para noacutes

O curriacuteculo ainda contribui para fazer do outro um diferente e por isso um problema para

todos noacutes

Na Creche Casablanca puderam ser observadas e depois analisadas no coletivo

questotildees relacionadas aos espaccedilostempos

Ceciacutelia_ As crianccedilas do berccedilaacuterio um ano almoccedilam aqui outro ano almoccedilam laacutedar comida na boca buscar cadeirinha o espaccedilo eacute pequenoVerocircnica_ Vocecirc lembra Ceciacutelia quando trazia duas salas pra almoccedilar e depoismais duas era muito mais confuso do que a ideacuteia agora do berccedilaacuterio almoccedilar noberccedilaacuterio e jantar no berccedilaacuterio do que quando eram os menores e a sala de doisanos A turma de trecircs e quatro anos jaacute sentia o cheiro da comida e ficava comfome Entatildeo gente vocecircs lembram disso que penuacuteria que eraCristiana_ Sem contar depois porque a primeira turma que almoccedilava tavaescovando os dentes e indo dormir a uacuteltima turma ainda tava almoccedilando eatrapalhando o sono do outroVerocircnica_ Essa mudanccedila aiacute foi oacutetima gente porque soacute quem lembra que teveaquiCristiana_ Eu nem lembro como foiAna Paula_ Foi naturalCeciacutelia_ Teve um ano que as dez crianccedilas tinham que dar comida na bocaVerocircnica_ Trazia as crianccedilas pra caacute levava as crianccedilas pra laacute jaacute tava na horadas crianccedilas dormirem a outra turma tava indo almoccedilar era uma confusatildeo degenteLena_ A creche ficava suja mais tempo tava ficando muito suja natildeo dava tempopra limpar Agora acabou logo limpa logo e acabou

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Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

18

A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

19

A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

12

Ceciacutelia_ Porque as crianccedilas do berccedilaacuterio demoram mais a almoccedilar entatildeoalmoccedilando laacute ocupa menos tempo e espaccedilo neacute Vai tentando neacute Um dia resolvetudoVerocircnica_ A gente vai adequando pra melhorar neacute A situaccedilatildeo (Reuniatildeo do dia15032006)

A Creche Casablanca foi no seu cotidiano buscando a melhor forma de fazer as

refeiccedilotildees das crianccedilas atraveacutes de erros e acertos chegando a uma adequaccedilatildeo

espaccedilotemporal que melhor se adaptava agraves crianccedilas e profissionais da creche

Natildeo acreditamos que haja ldquotemposrdquo ou ldquoespaccedilosrdquo ideais ou modelos a seremindistintamente seguidos O que deve haver sim satildeo formas estruturadas deorganizaccedilatildeo e aproveitamento do espaccedilo e do tempo disponiacuteveis tendo em vistaos objetivos propostos (KRAMER 1997 p 73)

Vemos a importacircncia do espaccedilo coletivo jaacute que a rotina de uma sala influencia a

rotina das outras salas Buscou-se uma forma de fazer com que as rotinas de cada sala

pudessem ocorrer de forma harmocircnica privilegiando sempre o coletivo

O que podemos observar eacute que se manteve a loacutegica espaccedilotempo da

Modernidade onde cada grupo teve de ocupar um espaccedilo num determinado tempo para que

a ordem fosse mantida

Em relaccedilatildeo ao espaccedilo Foucault (1985) nos fala sobre o fenocircnemo do

quadriculamento Para ele cada pessoa tem definido seu espaccedilo de realizaccedilatildeo o que acaba

por ser um espaccedilo de vigilacircncia sobre cada indiviacuteduo

Regina_ As crianccedilas brigam com Junior e dizem que lugar de crianccedila que fazpirraccedila eacute laacute na turma de 2 anos (Ata do dia 28092006)

As crianccedilas e noacutes mesmos delimitamos muitas vezes o espaccedilo que o outro ocupa

e o lugar que ldquoachamosrdquo que deve ser ocupado pelo outro

Ao analisarmos algumas fotos na creche discutimos sobre o estabelecimento de

fronteiras que demarcam os espaccedilostempos interiores e exteriores

13

Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

14

Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

15

Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

16

Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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Lena_ Taacute horriacutevel essa imagem natildeo gostei dessa imagem Cristiana_ CadeiatildeoLena_ Eacute isso taacute igual a cadeia Eu acho assim uma coisa degradante Natildeoparece uma cadeiaCristiana_ Me daacute mal-estarLena_ Eacute mal-estarCristiana_ Assim a gente taacute construindo uma coisa sempre neacute Essa questatildeo daliberdade da autonomia e tudo e as grades Tanto que na hora em que eu vitambeacutem eu falei_ Nossa taacute igual o Ceresp (Centro de remanejamento de presos)Te daacute um Uma ideacuteia de delimitaccedilatildeo mesmo o espaccedilo taacute marcado aqui Aquidentro eacute a creche aiacute fora natildeo eacute mais Entatildeo essa foto me marcou bastante porqueeacute como se tivesse delimitado o espaccedilo da comunidade e o espaccedilo da creche natildeofosse um uacutenico espaccedilo (Reuniatildeo do dia 15032006)

Talvez a imagem tenha incomodado tanto porque assusta ou pelo fato de essas

profissionais fazerem um trabalho que buscava trazer as famiacutelias a todo momento para

dentro da Instituiccedilatildeo ao depararem com essas grades na foto sentiram que apesar dessa

tentativa era delimitado o espaccedilo ateacute onde as famiacutelias podiam ir

Atraveacutes de outra fotografia pudemos observar o muro que divide o bairro Jardim

Casablanca do Condomiacutenio Granville

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Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

15

Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

16

Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

17

arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

18

A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

19

A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

14

Tatiana_ Eu vi assim o espaccedilo social neacute Uma paisagem bonita soacute que tem ummuro separando o lado de laacute do lado de caacuteVerocircnica_ Eacute o ceacuteu e o infernoTatiana_ O lado de laacute com casas bonitas e boas e no de caacute nem tanto Ateacute ocapim eacute diferente do lado de laacute eacute graminha e o daqui eacute mato alto capim(Reuniatildeo do dia 15032006)

A diferenccedila de classe social eacute visiacutevel esse muro mais do que algo concreto e de

blocos de cimento ele eacute algo que divide realmente o lugar que os moradores do bairro

Jardim Casablanca ocupam delimita literalmente ateacute onde eles podem ir ateacute onde podem

chegar fixando o espaccedilo social dessas pessoas linearmente e com rigidez

A mesmidade ocupa o centro corre suas fronteiras cada vez mais para fora e

concentra tudo e todos na periferia nas bordas exclui E a periferia as bordas o excluiacutedo

passa a esforccedilar-se para entrar para se incluir para ocupar o centro Vigiamos

controlamos castigamos o outro e o conduzimos para a periferia insistindo ao mesmo

tempo no espaccedilo de nossa bondade e na perfeiccedilatildeo de nossa centralidade (SKLIAR 2003)

Assim eacute o espaccedilo na Modernidade concebido de forma riacutegida fisicamente

definido tendendo agrave centralizaccedilatildeo ou seja para a convergecircncia do olhar e da accedilatildeo humana

para pontos especiacuteficos do espaccedilo vivido

A forma como isso se daacute se reflete nos corpos A reduccedilatildeo espacial dos pontos

determinados implica na produccedilatildeo dos corpos retraiacutedos e aprisionados

15

Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

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Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

17

arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

18

A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

19

A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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Ceciacutelia_ Aqui as crianccedilas estatildeo presas mesmo coitadas Presas mesmo natildeopodem sair daqui (Reuniatildeo do dia 15032006)

A foto narrada por Ceciacutelia nos incomodou nos mostrou metaforicamente as

crianccedilas dentro de um espaccedilo delimitado marcado como a Modernidade fez

Para Frago e Escolano (2001) as categorias espaccedilo e tempo natildeo satildeo simples

esquemas estruturas neutras nas quais desaacutegua a accedilatildeo escolar

O espaccedilo-escola natildeo eacute apenas um ldquocontinenterdquo em que se acha a educaccedilatildeo

institucional isto eacute um cenaacuterio no qual se situam os atores que intervecircm no processo de

ensino-aprendizagem para executar um repertoacuterio de accedilotildees

A arquitetura escolar eacute uma espeacutecie de discurso que institui seus sistemas de

valores como os de ordem disciplina e vigilacircncia marcos para a aprendizagem sensorial e

motora e toda uma semiologia que cobre diferentes siacutembolos esteacuteticos culturais e

ideoloacutegicos

Na Creche Casablanca eacute explicito em suas paredes e portas corredores salas e

refeitoacuterio a cultura da crianccedila seus cartazes adereccedilos e esteacutetica Tudo foi confeccionado

pelas crianccedilas a ordem que ali se segue eacute sempre valorizar o que vem deles e incentivar sua

criatividade e suas expressotildees artiacutesticas Mais do que simples paredes coloridas e

enfeitadas o espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca expressa suas concepccedilotildees

16

Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

17

arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

18

A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

19

A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

16

Ana Paula_ Essa foto me lembra a questatildeo da autonomia da crianccedila Porque agente colocou o material pra crianccedila taacute usando no baixo na altura da crianccedilapra ela taacute tendo a liberdade de fazer o que ela quiser Porque essa atividade naminha sala natildeo surgiu assim eu dei tinta pra eles aiacute eles foram laacute e marcaram amatildeozinha sabe Foi uma autonomiaBianca_ E olha a posiccedilatildeo do quadro que jaacute tava quando a creche foi construiacutedaolha a posiccedilatildeo que ele ocupa na paredeAna Paula_ EacuteBianca_ Agora uma coisa que a gente natildeo comentou e que eacute muito importantesatildeo as paredes olha os recursos que vocecirc tem Por exemplo vocecirc utilizou na suasala o cartaz na altura das crianccedilas (Reuniatildeo do dia 15032006)

Aleacutem de fazer uma atividade que surgiu das crianccedilas Ana Paula colou o cartaz na

altura das mesmas preocupando-se com o tamanho dos alunos algo que natildeo aconteceu com

as pessoas que construiacuteram a creche que colocaram o quadro numa altura inacessiacutevel agraves

crianccedilas

O espaccedilo estaria para o lugar como a palavra quando falada isto eacute quando eacutepercebida na ambiguidade de uma efetuaccedilatildeo mudada em um termo que dependede muacuteltiplas convenccedilotildees colocada como o ato de um presente (ou de umtempo) modificado pelas transformaccedilotildees devidas a proximidades sucessivasDiversamente do lugar natildeo tem portanto nem a univocidade nem a estabilidadede um certo ldquoproacutepriordquo (CERTEAU 1998 p 202)

Para Frago e Escolano (2003) enquanto lugar situado num espaccedilo a escola possui

uma determinada dimensatildeo espacial O espaccedilo escolar educa Todo educador sempre eacute um

17

arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

18

A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

19

A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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arquiteto quando decide modificar o espaccedilo escolar O espaccedilo natildeo eacute neutro o espaccedilo

sempre educa

Assim a arquitetura escolar para os autores (2003) pode ser vista como um

programa educador como um elemento do curriacuteculo silencioso ainda que ela seja bem

expliacutecita A localizaccedilatildeo da escola e suas relaccedilotildees com a ordem urbana das populaccedilotildees o

traccedilado arquitetocircnico do edifiacutecio seus elementos simboacutelicos proacuteprios ou incorporados e a

decoraccedilatildeo exterior e interior respondem a padrotildees culturais e pedagoacutegicos que a crianccedila

internaliza e aprende

O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei Constroacutei-se a partir da

vida a partir do espaccedilo como suporte o espaccedilo estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo

A escola enquanto instituiccedilatildeo ocupa um espaccedilo e um lugar Um espaccedilo projetado

ou natildeo para tal uso mas um lugar por ser um espaccedilo ocupado e utilizado por isso sua

anaacutelise e compreensatildeo a partir dessa perspectiva requerem algumas consideraccedilotildees preacutevias

sobre as relaccedilotildees entre o espaccedilo e a atividade humana a escola como lugar e a dimensatildeo

espacial dos estabelecimentos educacionais (FRAGO e ESCOLANO 2003)

Ao se delimitar fisicamente o espaccedilo do corpo determina-se tambeacutem seu espaccedilo

social A escola por vezes delimita esse espaccedilo ldquoesse era menino de ruardquo ldquoaquele eacute menino

que vem de crecherdquo E assim os corpos vatildeo sendo ldquocolocadosrdquo arbitrariamente em algum

lugar determinado

Expressotildees desse tipo delimitam espacialmente o que os adultos definem por

territoacuterios destinados ou vedados para as crianccedilas Essa definiccedilatildeo tem correspondecircncia com

um lugar social prescrito agrave infacircncia e agraves instituiccedilotildees capazes de concretizar ocupaccedilatildeo desse

lugar social

Muito do que se propagou [] sobre territoacuterio inclusive a niacutevel acadecircmicogeralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos umpredominante dizendo respeito agrave terra e portanto ao territoacuterio comomaterialidade outro minoritaacuterio referindo aos sentimentos que o territoacuterioinspira por exemplo de medo para quem dele eacute excluiacutedo de satisfaccedilatildeo paraaqueles que dele usufruem ou com o qual identificam (HAESBAERT 2004p 43-44)

18

A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

19

A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

20

FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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A ideacuteia de um locallugar para as crianccedilas corresponde em certa medida a uma

visatildeoabordagem adultocecircntrica ndash por mais que se ancore em uma escuta da demanda das

crianccedilas porque eacute o resultado da visatildeo do adulto que traccedila territoacuterios para as crianccedilas

Assim surge a geografia da infacircncia (Lopes e Vasconcellos 2005) que faz a

indagaccedilatildeo que lugar (espaccedilo) eacute esse que colocamos nossas crianccedilas

Quando a crianccedila se apropria dos espaccedilos e lugares ela os reconfigura os

reconstroacutei e apropria-se de outros criando suas territorialidades seus territoacuterios usados A

isso Lopes e Vasconcellos (2005) denominam de territorialidades de crianccedilas das

geografias construiacutedas pelas crianccedilas

A infacircncia portanto se daacute num amplo espaccedilo de negociaccedilatildeo que implica a

produccedilatildeo de culturas de crianccedila de lugares destinados agraves crianccedilas pelo mundo adulto e suas

instituiccedilotildees e das territorialidades de crianccedila resultando desse embate uma configuraccedilatildeo

por estes autores chamada de territorialidades infantis

A geografia da infacircncia natildeo se reduz a cartografar o modo de vida das crianccedilas

nos diferentes espaccedilos mas trazer agrave tona agrave impossibilidade de falar de infacircncia sem

articulaacute-la com a questatildeo do espaccedilo dos lugares e territoacuterios

De Marinis citado por Skliar (2003) cita que realiza uma cartografia de alguns

procedimentos pelos quais satildeo administradas as supostas exclusotildees e inclusotildees nas

sociedades

O mapa do presente supotildee para este autor o traccedilado de muacuteltiplos mapas

justapostos que devem mostrar todos os lugares vistos de algum acircngulo possiacutevel Assim

passam a existir duas modalidades diferentes a sociedade disciplinar e a sociedade

controle (Skliar 2003)

A sociedade disciplinar assume a forma de um mapa que representa uma

demarcaccedilatildeo de territoacuterios que permite observar e vigiar os sujeitos Essa sociedade eacute o

resultado de um poder maciccedilo cotidiano sistemaacutetico que fecha seus olhos para as

exclusotildees e tudo que possa acontecer ldquodo lado de forardquo

Diferente dessa cartografia a da sociedade de controle estaacute representada por meio

do desenrolar de uma espiral de modulaccedilatildeo e de uma rede com furos O sujeito deixa de ser

governado a partir de dentro e se desloca continuamente ao longo da espiral

19

A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

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FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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A sociedade de controle estabelece uma espacialidade central de movimento

raacutepido e vertiginoso ndash o global o flexiacutevel o veloz ndash e uma espacialidade perifeacuterica ndash onde

fixar deixa riacutegido e imobiliza

Eu e Cristiana estaacutevamos conversando quando entraram 3 crianccedilas nasecretaria Uma delas Aline eacute novata na crecheAline_ Cris vocecirc empresta seu telefone para ligar pra minha matildeeCristiana_ A sua matildee vai chegar quando o ponteirinho pequeno do reloacutegioestiver no 4 igual eu falei ele ainda estaacute no 3 (mostra o reloacutegio)Aline_ Mas eu queria falar com elaCristiana_ Mas meu celular natildeo tem cartatildeo vai laacute e fala com a Ana PaulaAs meninas voltamAline fica atraacutes da porta e manda as outras falaremMeninas_ A Ana Paula natildeo tem R$1500 pra comprar cartatildeoCristiana_ Eu tambeacutem natildeo vai ter que esperar a matildee dela chegarAs meninas saem e voltamAline_ Pode deixar Cris a Recirc vai ligar pra mim ela tem cartatildeoAs meninas foram agrave sala da outra professora quando viram que seu problema natildeoestava sendo resolvidoAs crianccedilas transitam pela creche livremente entram na secretaria perguntam oque querem saem entram nas outras salas (Nota expandida n 2 do dia18022005)

O espaccedilo fiacutesico da Creche Casablanca natildeo apresenta uma vigilacircncia ou uma

rigidez de espaccedilo que deve ser ocupado pelos adultos ou espaccedilo ocupados pelas crianccedilas

As crianccedilas caminham pelas salas transitam pelos diferentes espaccedilos sentindo-se parte

desse espaccedilo que faz lugar um lugar que se faz e refaz cotidianamente nas relaccedilotildees vividas

Quanto aos espaccedilostempos estes durante a Modernidade foram fragmentados e

segmentados A busca na Poacutes-Modernidade eacute pela junccedilatildeo do espaccedilo e tempo de forma a

romper com sua dicotomizaccedilatildeo Respeitam-se os espaccedilostempos de cada crianccedila e as

infacircncias vividas nesses espaccedilostempos escolares permitindo que cada sujeito se expresse

em diferentes ritmos de acordo com suas possibilidades e em espaccedilos sem fronteiras

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALVES Nilda OLIVEIRA Inecircs de Pesquisa no do cotidiano das escolas ndash sobre redesde saberes Rio de Janeiro DPampA 2001

CERTEAU Michel de A invenccedilatildeo do cotidiano 2 morar cozinhar Traduccedilatildeo Ephraim FAlves e Luacutecia Endlich Orth 5 ed Petroacutepolis Rio de Janeiro Vozes 2003

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FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006

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FLEURI Reinaldo Matias Intercultura Estudos Emergentes Itujuiacute SC UNIJUI 2002

FOUCAULT Michel Microfiacutesica do poder 5 ed Rio de Janeiro Graal 1985

FRAGO Antocircnio Vintildeao ESCOLANO Agustiacuten Curriacuteculo espaccedilo e subjetividadeTraduccedilatildeo Alfredo Veiga-Neto 2 ed Rio de Janeiro DPampA 2003

GARCIA Regina Leite (org) Meacutetodo pesquisa com o cotidiano Rio de Janeiro DPampA2003a

______ Meacutetodo meacutetodos e contrameacutedotos Satildeo Paulo Cortez 2003b

GINZBURG Carlo Mitos emblemas sinais morfologia e histoacuteria Traduccedilatildeo FedericoCarotti Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989HAESBAERT Rogeacuterio O mito da desterritorializaccedilatildeo do fim dos territoacuterios agravemultiterritorialidade Rio de Janeiro Bertand Brasil 2004

KRAMER Socircnia Com a preacute-escola nas matildeos ndash uma alternativa curricular para educaccedilatildeoinfantil 10 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1997

LOPES Jader Janer Moreira VASCONCELLOS Tacircnia de Geografia da infacircnciareflexotildees sobre uma aacuterea de pesquisa Juiz de Fora FEME 2005

MARQUES Carlos Alberto MARQUES Luciana Pacheco Do universal ao muacuteltiplo oscaminhos da inclusatildeo In LISITA Verbena Moreira et al Poliacuteticas educacionaispraacuteticas escolares e alternativas de inclusatildeo escolar Rio de Janeiro DPampA 2003 p223-239

MASSEY Doreen KEYNES Milton Filosofia e poliacutetica da espacialidade algumasconsideraccedilotildees In Geographia Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro ano VIn12 dez 2004

MORIN Edgar Meus democircnios 4 ed Rio de Janeiro Bertrand 2003a

______ O Educar na era planetaacuteria Satildeo Paulo Cortez 2003b

PAIS Joseacute Machado Vida cotidiana ndash enigmas e revelaccedilotildees Satildeo Paulo Cortez 2003

SKLIAR Carlos Pedagogia (improvaacutevel) da diferenccedila e se o outro natildeo estivesse aiacuteTraduccedilatildeo Giani Lessa Rio de Janeiro DPampA 2003

VEIGA-NETO Alfredo De geometrias curriacuteculo e diferenccedilas Educaccedilatildeo e SociedadeCampinas v 23 n 79 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielocombrgt Acesso em 18mar 2006