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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 OS DESAFIOS DA INTERCOOPERAÇÃO: O CASO DA CENTRAL DE COOPERATIVAS – CCN [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL-ECONOMIA E GESTÃO NO AGRONEGÓCIO LESSANDRA MEDEIROS OLIVEIRA 1 ; LISIANE CELIA PALMA 2 . 1.UFRGS/CEPAN - UNISINOS, PORTO ALEGRE - RS - BRASIL; 2.PROFA. UNISC, SANTA CRUZ DO SUL - RS - BRASIL. OS DESAFIOS DA INTERCOOPERAÇÃO: O CASO DA CENTRAL DE COOPERATIVAS – CCN Grupo de Pesquisa: Economia e Gestão no Agronegócio Resumo Este artigo analisa a intercooperação como estratégia em uma organização do ramo cooperativista, a Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul, formada por quinze sociedades cooperativas do agronegócio, tendo em vista as características e os fatores de desempenho mais relevantes à organização estudada, assim como os resultados obtidos. Trata-se de um estudo exploratório, no qual a revisão de literatura aborda a temática do agronegócio, abrange a cooperação interorganizacional, o cooperativismo e a sociedade cooperativa, suas principais características e o princípio da intercooperação. Os resultados do estudo indicam que, por meio da intercooperação, as cooperativas envolvidas conseguem aumentar as economias de escala, de escopo, além de melhorar o processo de inovação e a ampliação de mercados, dentre outros resultados obtidos. As contribuições desse estudo têm relevância, em relação ao tema emergente sobre as possibilidades de parcerias e arranjos organizacionais entre organizações cooperativas, tanto para organizações que desejam se inserir nessas configurações, quanto para instituições e formuladores de política pública, além de proporcionar avanço do conhecimento científico. Palavras-chaves: Intercooperação, Agronegócios, Estratégia, Cooperativismo. Abstract This article analyzes the intercooperation as strategy in an organization by cooperativism, the Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul, formed by fifteen cooperatives of agribusiness, of agreement the characteristics and the more relevant acting factors to the studied organization, as well as the obtained results. It is an exploratory study, in which the literature revision approaches the agribusiness, it includes the cooperation inter-organizational, cooperativism and cooperative society, their main characteristics and the intercooperation. The results indicate that through the intercooperation, the involved cooperatives get to increase the scale savings, of mark, besides improving the innovation process and the enlargement of markets, among other obtained results. The contributions have relevance, in relation to the emerging theme on the possibilities of partnerships and organizational arrangements between cooperatives organizations, to organizations that want it inserts in configurations like that and for institutions and legislators of public politics, providing progress of the scientific knowledge. Key Words: Intercooperation, Agribusiness, Strategy, Cooperativism. 1. INTRODUÇÃO

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OS DESAFIOS DA INTERCOOPERAÇÃO: O CASO DA CENTRAL D E COOPERATIVAS – CCN

[email protected]

APRESENTAÇÃO ORAL-ECONOMIA E GESTÃO NO AGRONEGÓCIO LESSANDRA MEDEIROS OLIVEIRA 1; LISIANE CELIA PALMA 2.

1.UFRGS/CEPAN - UNISINOS, PORTO ALEGRE - RS - BRASIL; 2.PROFA. UNISC, SANTA CRUZ DO SUL - RS - BRASIL.

OS DESAFIOS DA INTERCOOPERAÇÃO: O CASO DA CENTRAL D E COOPERATIVAS – CCN

Grupo de Pesquisa: Economia e Gestão no Agronegócio

Resumo Este artigo analisa a intercooperação como estratégia em uma organização do ramo cooperativista, a Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul, formada por quinze sociedades cooperativas do agronegócio, tendo em vista as características e os fatores de desempenho mais relevantes à organização estudada, assim como os resultados obtidos. Trata-se de um estudo exploratório, no qual a revisão de literatura aborda a temática do agronegócio, abrange a cooperação interorganizacional, o cooperativismo e a sociedade cooperativa, suas principais características e o princípio da intercooperação. Os resultados do estudo indicam que, por meio da intercooperação, as cooperativas envolvidas conseguem aumentar as economias de escala, de escopo, além de melhorar o processo de inovação e a ampliação de mercados, dentre outros resultados obtidos. As contribuições desse estudo têm relevância, em relação ao tema emergente sobre as possibilidades de parcerias e arranjos organizacionais entre organizações cooperativas, tanto para organizações que desejam se inserir nessas configurações, quanto para instituições e formuladores de política pública, além de proporcionar avanço do conhecimento científico. Palavras-chaves: Intercooperação, Agronegócios, Estratégia, Cooperativismo. Abstract This article analyzes the intercooperation as strategy in an organization by cooperativism, the Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul, formed by fifteen cooperatives of agribusiness, of agreement the characteristics and the more relevant acting factors to the studied organization, as well as the obtained results. It is an exploratory study, in which the literature revision approaches the agribusiness, it includes the cooperation inter-organizational, cooperativism and cooperative society, their main characteristics and the intercooperation. The results indicate that through the intercooperation, the involved cooperatives get to increase the scale savings, of mark, besides improving the innovation process and the enlargement of markets, among other obtained results. The contributions have relevance, in relation to the emerging theme on the possibilities of partnerships and organizational arrangements between cooperatives organizations, to organizations that want it inserts in configurations like that and for institutions and legislators of public politics, providing progress of the scientific knowledge. Key Words: Intercooperation, Agribusiness, Strategy, Cooperativism. 1. INTRODUÇÃO

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O processo de abertura econômica no contexto internacional, a desregulamentação dos mercados, a formação de blocos econômicos, representam mudanças estruturais significativas que trouxeram a globalização e a necessidade de desenvolver a competitividade do agronegócio brasileiro. A agricultura não ficou imune a esse fenômeno irreversível, com o processo de transformações técnicas e econômicas, sobretudo com os avanços tecnológicos, direcionados ao desenvolvimento e utilização de insumos modernos como fertilizantes, insumos e máquinas agrícolas. A agricultura moderniza-se ao se adaptar às dinâmicas da economia de mercado. Empresas, setores econômicos e mesmo os indivíduos precisam se adaptar a esse ambiente de concorrência redefinindo suas estratégias, capacitando os agentes econômicos e identificando vantagens competitivas. As constantes mudanças as quais as organizações são submetidas determinam a necessidade de adaptação a novas formas de gestão que considerem também os novos hábitos de consumidores cada vez mais exigentes. Nesse panorama, as organizações procuram por novas maneiras, novas estratégias de conduzir seus negócios, para manter-se e conquistar espaço em mercados cada dia mais competitivos. Essa situação colocou as organizações frente a novas ameaças e oportunidades, com relação à ampliação dos mercados, assim como na busca de parcerias e na racionalização de custos.

Diante deste contexto, o empreendimento cooperativo – que se destaca no ramo agropecuário por possibilitar a diminuição de riscos e agregação de valor para os trabalhadores das áreas rurais – precisa ser eficiente economicamente para subsistir, se estabelecer e se desenvolver no mercado, trazendo benefícios aos seus associados. É evidente a relevância de diferentes estratégias entre as cooperativas ou entre cooperativas e firmas de capital, como uma maneira de melhorar a gestão e o relacionamento de negócios com os associados. Arranjos organizacionais entre cooperativas e empresas não-cooperativas são encontrados de diferentes maneiras, bem como as alianças estratégicas entre cooperativas co-irmãs, ou seja, alianças onde o empreendimento cooperativado pode incrementar os seus negócios através da colaboração direta com outras cooperativas. Em relação a um melhor desempenho competitivo, as cooperativas tiveram que se submeter ao processo de globalização e, nesse contexto, a busca por minimização de custos, escala, profissionalização, qualidade, tecnologia, produtividade, entre outros, são imperativos para o sucesso competitivo. O ambiente atual, formado por tantos elementos diversos relacionados entre si, passa a exigir diferentes maneiras de se pensar a competição. A lógica competitiva passa a não ser mais a única lógica possível, considerando que novas formas de agir e pensar corporativamente se colocam como possibilidades estratégicas para as organizações. A competição sob uma ótica que busca complemento em ações de cooperação. Dessa forma, considerando os diversos elementos que as cooperativas enfrentam no ambiente competitivo, algumas características próprias da estrutura cooperativista poderiam ser mais bem exploradas. A intercooperação, por exemplo, além de ser um princípio cooperativista, é uma estratégia competitiva atualmente empregada por organizações, assim como uma tendência que poderia ser mais utilizada pelas sociedades cooperativas na busca de sustentabilidade e competitividade no âmbito econômico. Nesse contexto, definiu-se a seguinte questão de pesquisa: como a intercooperação pode influenciar nas relações cooperativistas entre as associadas e suas relações com o mercado? Assim, o presente estudo tem como objetivo central analisar a intercooperação

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como estratégia em uma organização do ramo cooperativista, a Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul, formada, atualmente, por quinze cooperativas filiadas. A realização desse estudo justifica-se pela busca de um maior entendimento e evolução nas discussões teóricas sobre as cooperativas, com intuito de contribuir para um maior desempenho competitivo das mesmas, considerando a importância econômica e social dessas organizações pertencentes ao agronegócio brasileiro, que contribuem na manutenção e geração de emprego, renda, promovendo efeitos multiplicadores na economia.

O trabalho está dividido em cinco seções. Após estas considerações iniciais, a segunda seção traz o referencial teórico que aborda a cooperação interorganizacional, dando ênfase dos estudos do agronegócio, da cooperação interorganizacional e do cooperativismo. Após é apresentada a metodologia, os resultados obtidos nas entrevistas e, por fim, as considerações finais. 2. A COOPERAÇÃO INTERORGANIZACIONAL

A cooperação interorganizacional existe quando duas ou mais organizações atuam em conjunto para obter ganhos mútuos, através de ações coordenadas. As recentes iniciativas de cooperação interorganizacional, em geral, se referem à ampliação da eficiência ou a uma melhor adaptação às transformações sócio-econômicas. A cooperação, com a finalidade de geração de vantagens, é positiva para as organizações, pois as torna mais competitivas frente aos desafios do panorama econômico atual.

Lui e Ngo (2005) consideram os processos cooperativos como um ciclo contínuo de ações e reações entre sócios que cooperam entre si. Padrões compreensivos de ação, assim como os seus antecedentes, são cruciais para a realização de processos cooperativos. As trocas sociais e econômicas entre empresas e seus sócios estabelecem um equilíbrio cooperativo que pode ser rompido, mas pode ser restabelecido continuamente pelas interações dos sócios. Segundo os autores, as relações cooperativas interorganizacionais são mecanismos socialmente elaborados e voltados para a ação coletiva, que é moldada continuamente e reestruturada por ações e interpretações simbólicas do ambiente.

A cooperação pode ser uma estratégia importante visando a melhoria da eficiência e eficácia de organizações inseridas em arranjos interorganizacionais. Nesse sentido, Clegg e Hardy (1998) reforçam esse entendimento ressaltando a importância da colaboração entre organizações como uma forma de potencializar a solução de problemas das empresas inter-relacionadas. No caso das estratégias cooperativas, a busca pela eficiência pode ultrapassar os limites das organizações individuais.

Considerando que esse trabalho visa analisar a intercooperação como estratégia em uma organização do ramo cooperativista para melhor compreender e contribuir ao desempenho competitivo das sociedades cooperativas no cenário concorrencial do agronegócio brasileiro, abordam-se, a seguir, alguns aspectos acerca dos estudos do agronegócio, da cooperação interorganizacional e do cooperativismo. 2.1 O Estudo do Agronegócio

Os pesquisadores Davis & Goldberg (1957) enunciaram o conceito de agribusiness. Segundo estes autores, o agronegócio (agribusiness) é o conjunto de todas as operações que envolvem a produção e a distribuição de insumos para a produção rural, mais o armazenamento, o processamento e a distribuição de produtos e subprodutos agropecuários.

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Dessa forma, o conceito de agribusiness passou a ser visto como um sistema integrado, um conjunto de operações interdependentes cujo impacto na economia foi bastante relevante. Existem outros termos, na literatura brasileira, que estão relacionados com essa temática, como por exemplo: Sistema Agroindustrial e Sistema Agroalimentar. Esses conceitos convergem para a definição inicial de agribusiness.

O estudo dos temas relacionados ao agronegócio partiu de dois principais grupos de idéias que vieram gerar metodologias diferentes entre si. A primeira delas, originária nos Estados Unidos a partir dos trabalhos de Davis e Goldberg, formou-se a abordagem de Commodity System Approach (CSA). A segunda desenvolveu-se no âmbito da escola industrial francesa e constitui-se no conceito de Filières ou cadeias (BATALHA; SILVA, 2001). A diferença básica entre o conceito de cadeia e o conceito apresentado no CSA consiste na origem do processo de análise. Enquanto o CSA privilegia a matéria-prima, a filière privilegia o produto final. Desta forma, estas abordagens compartilham a noção de que a agricultura deve ser vista dentro de um sistema mais amplo.

As duas abordagens diferem entre si mais fortemente pelo ponto de partida do processo de análise, porém apresentam pontos de tangência, tais como: focalizam o processo produtivo como uma seqüência dependente de operações, têm caráter descritivo, partem da matriz insumo-produto, tratam de estratégia, compartilham de base analítica sistêmica e enfatizam a variável tecnológica. Além disso, enfatizam a relação entre a estratégia no plano da firma e no plano do sistema, assumindo, mesmo que implicitamente, a existência de algum mecanismo de coordenação interno, que não independe da estrutura de mercado (ZYLBERSZTAJN, 2000).

A mesoanálise foi proposta para preencher a lacuna existente entre os dois grandes corpos da teoria econômica: a microeconomia, que estuda as unidades econômicas individuais e a macroeconomia que estuda os grandes agregados econômicos. Um enfoque mesoanalítico permitiria responder as questões sobre o processo de concorrência e opções estratégicas das firmas, bem como sobre o processo distributivo entre os agentes econômicos. Este enfoque alia-se ao enfoque clássico da economia industrial que diz respeito não à firma nem à economia global, mas ao setor industrial (BATALHA; SILVA, 2001). A mesoanálise pode ser definida como sendo “a análise estrutural e funcional dos subsistemas e de sua interdependência dentro de um sistema integrado”.

Estes autores afirmam que uma cadeia de produção agroindustrial pode ser vista como um sistema aberto, o qual reconhece as relações existentes entre a organização e o seu meio ambiente. Dessa forma, as fronteiras do sistema são permeáveis, o que permite trocas com o meio ambiente. A abordagem sistêmica considera, ainda, que todo o sistema evolui no espaço e no tempo, em função de mudanças internas e externas ao sistema. Por isso, enquanto sistema, uma cadeia de produção agroindustrial também estará sujeita a mudanças.

Para Araújo (2003), a compreensão do agronegócio como sistema apresenta vantagens como o melhor entendimento do funcionamento da atividade agropecuária, aplicação imediata para a formulação de estratégias corporativas, precisão com que as tendências são antecipadas e a visualização da importância significativa e crescente do agronegócio.

A noção de cadeia produtiva faz relação com a “linearidade” das cadeias agroindustriais, possibilitando, em muitos casos, definir uma matéria-prima principal para um conjunto de produtos. De acordo com Batalha (2001), apesar disso, a busca frenética pela agregação de valor aos produtos agroindustriais redundou em produtos finais cada vez mais complexos e que colocam em questão essa “linearidade” das cadeias agroindustriais. Segundo o autor, a confirmação dessa tendência tornaria a abordagem em termos de redes

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e configurações interorganizacionais mais apropriada para os estudos relacionados ao agronegócio.

2.2 Redes de Cooperação como Arranjos Interorganizacionais

A partir da consciência da necessidade de atuação conjunta e da cooperação entre

as empresas, com o objetivo de se tornarem eficientes e competitivas, surge a lógica das configurações interorganizacionais e atuação em rede.

O conceito de redes tem sido utilizado no campo dos estudos organizacionais sob diferentes aspectos, na busca por uma melhor compreensão sobre os fenômenos interorganizacionais. Nesse sentido, a palavra rede tem um grande número de definições em diversos campos de aplicação, segundo Batalha (2001, p.51), “desde a computação, passando pela teoria das organizações, pesquisa operacional e teoria da comunicação”. Para o autor, a utilização mais geral do termo redes de empresas refere-se a uma estrutura de ligações entre atores de um sistema social qualquer. Uma rede, tanto intra-empresa quanto interempresas, pode representar uma forma organizacional adaptada a um ambiente onde a concorrência está cada vez mais acirrada.

Para alguns teóricos, as redes podem ser analisadas como uma configuração intermediária entre mercado e hierarquia, situando-se como uma forma híbrida de organização (WILLIAMSON, 1985). Apesar disso, deve-se destacar que várias pesquisas abordam o conceito de redes como uma terceira forma de organização, a qual difere da lógica de mercado e hierarquia (POWELL, 1990). Conforme mencionam Balestrin e Verschoore (2008), a concepção de rede como uma nova organização é formada por um conjunto de empresas inter-relacionadas e agrupadas em uma única estrutura, a qual constitui essa nova organização.

Dessa forma, o entendimento de rede no campo organizacional é aplicado a uma vasta variedade de relações entre empresas, como alianças estratégicas, consórcios, joint ventures, redes de cooperação entre pequenas e médias empresas, entre outras relações (Grandori e Soda, 1995; Oliver, 1990). Esse ponto foi objeto de análise de Castells (1999), tendo como base o entendimento de que as redes interorganizacionais aparecem sob diversas formas e em contextos diversos.

Para Castells (1999), pequenas e médias empresas freqüentemente tomam a iniciativa de estabelecer relações em redes com empresas de grande porte ou com outras de menor porte, encontrando nichos de mercado e empreendimentos cooperativos. O autor define a empresa em rede como a forma específica de empresa cujo sistema de meios é constituído pelo cruzamento de segmentos de sistemas de objetivos autônomos. Dessa maneira, os componentes da rede tanto são autônomos quanto dependentes em relação à rede e podem também ser uma parte de outras redes. O desempenho de uma rede estará sujeito a dois atributos fundamentais: a sua conectividade, ou seja, a sua capacidade estrutural de facilitar a comunicação entre os seus componentes e a sua coerência, na medida em que existem interesses compartilhados entre os objetivos da rede e seus componentes.

A atuação em rede, segundo Castells (1999), é a forma organizacional da economia informacional/global. Esse formato está de acordo com as características da economia informacional, onde organizações bem-sucedidas são capazes de gerar conhecimentos e processar informações com eficiência, são capazes de adaptar-se às variáveis da economia global, ser flexíveis o suficiente para transformar seus meios na velocidade em que mudam os objetivos sob o impacto da transformação cultural, tecnológica e institucional, e estão abertas à inovação, já que inovar torna-se um dos principais instrumentos competitivos.

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Segundo Batalha (2001, p.52), “uma cadeia agroindustrial pode ser vista como uma rede de empresas” e “a discussão sobre redes de empresas como novo paradigma organizacional é extremamente útil e atual para compreender e prever novas formas de organização para as cadeias agroindustriais”. Nesse sentido, Balestrin e Verschoore (2008) abordam as redes de cooperação como organizações compostas por um grupo de empresas formalmente relacionadas, com objetivos comuns, estrutura formal própria e de coordenação específica, onde a cooperação entre as organizações emerge como conseqüência de agentes individuais na busca por atingir seus próprios interesses.

No trabalho de Batalha (2001) encontramos dois tipos de redes: rede intra-empresa, onde existem laços entre os gerentes e/ou altos executivos originários de diferentes áreas dentro da empresa e rede interfirmas, com coordenação entre unidades organizacionais especializadas de empresas diferentes representadas por seus proprietários ou executivos-chefe. Já os estudos de Castells (1999) apresentam cinco tipos de redes em que, para o autor, está organizada a maioria das atividades econômicas. Os cinco tipos de rede são:

- Redes de fornecedores que abrangem subcontratação, acordos de fabricação do equipamento original e do projeto original entre clientes e fornecedores de insumos intermediários à produção.

- Redes de produtores com todos os acordos de co-produção proporcionando alternativa aos produtores concorrentes de somar suas capacidades e recursos.

- Redes de clientes referentes aos encadeamentos entre as indústrias e distribuidores, canais de comercialização e usuários finais.

- Coalizões-padrão iniciadas a partir de definidores de padrões globais potenciais.

- Redes de cooperação tecnológica que proporcionam a aquisição de tecnologia, capacitação e desenvolvimento conjunto e compartilhamento de conhecimentos científicos, assim como de pesquisa e desenvolvimento.

Para analisar redes formadas por sociedades cooperativas que possuem não somente laços horizontais (interempresas) mas, simultaneamente, laços verticais integrando várias cadeias produtivas, embora nem sempre os laços verticais são somente internos às organizações (intra-empresa), por exemplo em fornecedores de insumos externos a cooperativa (em genética importada, entre outros), utiliza-se o conceito de netchain proposto por Lazzarini, Chaddad and Cook (2001), no qual as forças de valor (variáveis estratégicas) são relatadas por "social embeddedness" em redes baseadas em valores comuns e confiança relacional.

Para Lazzarini, Chaddad and Cook (2001), as redes são: quanto ao propósito, as netchains são geralmente criadas para fornecer atividades e relações entre seus membros os quais permanecem independentes mesmo trabalhando juntos para atingir mútuos objetivos, através de interações coordenadas de dez ou mais firmas individuais em rede; quanto à interdependência, essas redes promovem complexas e recíprocas interdependências (nas quais os membros fornecem imputs e recebem outputs uns dos outros), as quais são usualmente coordenadas pelas próprias firmas da rede e os mecanismos de coordenação são pouco formais e facilitados pela interação entre os membros da rede; quanto ao critério para participação na rede, a ênfase é pela proximidade geográfica para que as firmas-membros possam combinar competências centrais para alcançar objetivos organizacionais comuns que não alcançariam de forma individual. A análise de netchain considera os três tipos de interdependências relevantes em cooperação interorganizacional os quais, segundo Lazzarini, Chaddad and Cook (2001), são interdependência de grupo ("pooled"), seqüencial e recíproca que correspondem a distintos mecanismos de coordenação

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associados a cada interdependência, que são a padronização, o planejamento e o ajustamento mútuo, respectivamente, de acordo com a abordagem de netchain.

A interdependência de grupo ("pooled") ocorre, por exemplo, quando membros individuais mantêm sua autonomia de tomar decisões, mas decidem em grupo os recursos financeiros e produtivos para criar uma estrutura de mais alto nível, a qual define regras comuns e padronizadas para comercializar produtos, negociar insumos, transferir informação e dividir os direitos entre os membros.

A interdependência seqüencial ocorre, por exemplo, em cooperativas de produtores rurais, quando os agricultores vendem sua produção à cooperativa e, em outras ocasiões, adquirem matérias-primas da cooperativa. Outro exemplo é quando os produtores possuem direitos de propriedade sabre a cooperativa podendo planejar ou controlar a alocação de recursos através de sucessivos estágios da cadeia de suprimento.

A interdependência recíproca ocorre quando transações são necessariamente concluídas em conjunto, por exemplo, quando a cooperativa oferece um pacote de serviços, como aquisição de produtos e apoio técnico, ou produtos, como insumos agropecuários.

Segundo Lazzarini, Chaddad and Cook (2001), laços sociais fortes e redes densas facilitam a cooperação reduzindo os custos de transação, mas a minimização de custos de transação não é o único motivo para esses relacionamentos, pois podem envolver criação de valor e outras conseqüências que transcendem a simples vontade de reduzir custos de transação.

Assim, uma rede interorganizacional pode proporcionar a existência de uma interação eficaz entre pessoas, grupos e organizações. Balestrin, Vargas e Fayard (2005) destacam que um processo de criação de conhecimento interorganizacional efetivo apresenta, necessariamente, um ambiente de sinergia e de estímulo em que as emoções, as experiências, os sentimentos sejam compartilhados além das fronteiras da organização. O conhecimento é criado apenas por indivíduos, ou seja, uma organização ou uma rede interorganizacional não pode criar conhecimento, mas pode proporcionar um espaço de relações positivas e construtivas entre os atores. As trocas de dados, de informações, de conhecimentos e de competências em um determinado projeto de cooperação interorganizacional poderá convergir a um contexto singular para a criação de conhecimentos estratégicos, influenciando a competitividade das organizações.

Considerando o exposto acima, o qual refere-se à conceituação e objetivos das redes interorganizacionais, é possível observar como as motivações estratégicas que levam a formação das configurações interorganizacionais podem ser amplas e variadas. Nesse sentido, existem algumas abordagens teóricas utilizadas para a compreesão do desempenho competitivo dessas relações.

Dessa forma, em uma perspectiva estratégica, pode-se considerar a configuração em rede como um meio para alcançar um fim. Ebers & Jarillo (1998) destacam que, através de redes interorganizacionais, uma empresa poderá alcançar e sustentar vantagem competitiva devido a uma maior coordenação de recursos entre os atores envolvidos. Esses aspectos envolvem, por exemplo, aprendizado mútuo, melhor fluxo de informação que pode facilitar a coordenação do fluxo de recursos entre as empresas e economias de escala, como resultado de iniciativas conjuntas.

Nesse sentido, é possível acrescentar o entendimento de Human e Provan (1997) de que as médias e pequenas empresas inseridas em rede apresentam maior probabilidade de atingir melhores resultados em função do maior acesso a recursos, no sentido de que a rede pode facilitar a seus membros o acesso a novos mercados, novas idéias de produtos, compras e vendas, produção e serviços em conjunto, em função também das relações e

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trocas de informações entre as empresas e até mesmo pelo aumento de credibilidade por estarem inseridas nessa relação.

Cabe salientar que Perrow (1992) contribui nesse sentido, argumentando que existem algumas características presentes no contexto das redes de pequenas e médias empresas, como por exemplo: as firmas compartilham e discutem informação sobre mercados, tecnologias e lucratividade; existe suficiente similaridade entre processo e técnicas das empresas, as relações são estabelecidas a longo prazo; alcance de vantagem econômica pela experiência coletiva das empresas, pelo aumento das vendas e pelos ganhos marginais.

Além disso, ao avaliar-se esse cenário de ampla variedade de relações entre empresas, o processo de inovação é um aspecto que deve ser considerado na discussão. De acordo com Possas (2002), o processo de inovação desempenha um papel importante na dinâmica de competição dos mercados.

Uma das principais referências sobre o tema da inovação é o Manual de Oslo (FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos, 2008), o qual argumenta que uma inovação, para ser considerada como tal, deve ter sido implementada. Dessa forma, um produto novo ou melhorado somente será caracterizado como inovação quando introduzido no mercado, apresentando resultados econômicos para a empresa. Novos processos, métodos de marketing e métodos organizacionais serão considerados inovação somente quando efetivamente utilizados nas operações das empresas.

Assim, o requisito mínimo para que produto, processo, método de marketing ou organizacional considerem-se inovação, é que sejam novos, ou significativamente melhorados, para a empresa. Essa determinação inclui produtos, processos e métodos pioneiros, que são novos para o mercado, assim como também aqueles que já foram adotados por outras empresas ou organizações, mas que são novos para a empresa.

Para Batalha (2001), as novas idéias são produzidas com base em uma combinação de idéias já existentes, de forma que ambientes abundantes em idéias produzem reações em cadeia que favorecem o processo de inovação tecnológica. Para o autor, as inovações tecnológicas podem assumir dois tipos de características: uma tecnológica (technology push), que está voltada para o desenvolvimento de novos processos de produção, a descoberta de novas matérias-primas, de novos produtos, etc; e de característica mercadológica (marketing pull), que está direcionada diretamente para a demanda, fruto da observação direta dos mercados, como novas formas de distribuição, novas embalagens, novo marketing de um produto, novas formas de pagamento e outras.

Segundo Rothwell (1995), as práticas inovadoras têm passado por algumas mudanças nos últimos quarenta anos, e atualmente, o processo inovador tende a ser um sistema integrado e em rede. Em sua pesquisa, o autor menciona ser possível demonstrar que a inovação evoluiu também em função das relações interorganizacionais, com o aumento do número de alianças estratégicas horizontais e colaborativas, consórcios de pesquisa e desenvolvimento, e com a tendência de atuação em redes de inovação.

Conforme pode ser observado a partir das evidências teóricas mencionadas, a configuração interorganizacional poderá facilitar o alcance de objetivos estratégicos que dificilmente seriam alcançados pelas empresas de forma individual. A seguir, serão abordados alguns aspectos sobre o cooperativismo e suas características.

2.3 O Cooperativismo e a Intercooperação

O cooperativismo de consumo foi concebido em Rochdale, na Inglaterra, em 1844, durante o período da chamada revolução industrial. Após uma frustrada greve por

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melhores salários, um grupo de tecelões considerou a possibilidade da transformação de seu estado de dependência e formou uma organização empresarial particular chamada de cooperativa. Isto ocorreu influenciado por um grupo específico de pensadores econômicos chamados de socialistas associacionistas (BIALOSKORSKI NETO, 2000). O empreendimento estava baseado nos princípios de solidariedade, igualdade, democracia e fraternidade; assim, esta organização foi constituída tendo-se uma assembléia-geral com órgão máximo de decisão e democrática, e espelhando a igualdade a cada homem caberia apenas um único voto, independente da sua participação na empresa. A cooperativa formada não visaria lucro em seus negócios, mas objetivaria o apoio e a prestação de serviços aos seus associados, como uma empresa social.

Atualmente, o movimento cooperativista tem organização mundial e o órgão representativo máximo é a Aliança Cooperativista Internacional (ACI), com sede em Genebra. A cooperativa é uma organização de caráter permanente, criada por um agrupamento de indivíduos com interesse comum, visando à realização de atividades econômicas relacionadas com o progresso econômico e bem-estar dos associados, onde os associados são titulares (proprietários) e usuários da organização (MASY, 1979).

Os princípios cooperativistas são as linhas orientadoras através das quais as cooperativas levam os seus valores à prática. São eles: adesão voluntária e livre, onde as cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades como membros, sem discriminações de qualquer tipo; gestão democrática e livre, onde as cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões; participação econômica dos membros, os quais contribuem eqüitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente; autonomia e independência, como organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros; educação, formação e informação, promovendo a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas; a intercooperação servindo de forma mais eficaz os seus membros, fortalecendo o movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais; interesse pela comunidade, trabalhando para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas aprovadas pelos membros (OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras, 2009).

Conforme Pinho (2004, p.121), nas sociedades cooperativas existe “igualdade de direitos e obrigações dos cooperados baseada, sobretudo, na norma estabelecida nas assembléias-gerais de que cada associado tem direito a um voto (...) independente de sua participação no capital social”.

Segundo Perius (1983), o ingresso do associado nas organizações cooperativas é livre, bastando que tome a decisão de querer cooperar, desde que isso traga benefícios, que se resumem na maximização de remuneração das atividades profissionais. A relação jurídica cooperativa é de natureza institucional, porquanto se fundamenta na submissão a normas estatutárias, previamente estabelecidas. Entretanto, nos últimos anos, observa-se que grande parte das cooperativas tem estabelecido requisitos para o ingresso de associados, tais como especificação do produto a ser recebido, quantidade, qualidade.

As cooperativas podem ser estruturadas de diferentes maneiras: a estruturação funcional, a estruturação representada pelas unidades estratégicas de negócios e a estruturação por processos. A estruturação funcional é a mais comum, composta por: uma assembléia-geral como órgão máximo de decisões; um conselho fiscal para cuidar da execução orçamentária da cooperativa; um conselho de administração com atribuições de

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proceder à gestão do empreendimento cooperativista; uma diretoria geral; e, gerência financeira, de produção, marketing e recursos humanos (OLIVEIRA, 2001).

Segundo Bialoskorski Neto (2000), as sociedades cooperativas são caracterizadas como sociedades de pessoas onde há a agregação inicial do fator de produção trabalho. O cooperado assume, ao mesmo tempo, funções de usuário ou cliente da empresa e de seu proprietário ou ainda gestor, transferindo funções da sua economia individual para a empresa cooperativada. O cooperativismo é uma forma importante de organização dos produtores rurais, devido às estruturas de mercado encontradas no setor primário da economia, possibilitando a agregação de valor ao seu sistema de produção e o equilíbrio de poder de mercado. Nascimento (2000) também destaca a contribuição do cooperativismo no desenvolvimento do setor agroindustrial – ao qual se deve fundamentalmente o crescimento do cooperativismo no Brasil – e complementa que, para os países em desenvolvimento, a formação de cooperativas gera dinamismo no ponto de vista econômico e social. Dados da OCB (2009) – figura 1 – reforçam tal idéia, demonstrando que o ramo agropecuário representa 20% das cooperativas existente no Brasil.

2%12% 3%

5%

1%

2%

20%

15%4%

24%

12%Infra-estrutura

Transporte

Produção

Habitacional

Mineral

Consumo

Agropecuário

Crédito

Educacional

Trabalho

Saúde

Figura 1: Distribuição de cooperativas por ramo no Brasil em 2008 Fonte: OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras. Dispõe sobre as cooperativas brasileiras. Disponível em: http://www.ocb.org.br/site/ramos/estatisticas.asp. Acessado em: 05 abr. 2009.

Conforme afirma Pinho (2004, p.118), historicamente, a cooperativa agrícola “é o mais bem estruturado ramo cooperativo brasileiro”.

Em função da globalização, do aumento crescente da competição internacional e do protecionismo agrícola de países desenvolvidos, as cooperativas agrícolas têm sido obrigadas a buscar soluções que garantam a competitividade e a sustentabilidade da agricultura, da própria cooperativa como empresa e do corpo cooperado (PINHO, 2004, p.118).

A cooperativa, enquanto uma empresa social, só terá êxito ao cumprir com a sua responsabilidade junto ao quadro associado, se esta for um empreendimento econômico de

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sucesso de forma a permitir o crescimento conjunto e igualitário de seus cooperados. Para isto, destaca Bialoskorski Neto (2000), a empresa cooperativa deve necessariamente se estabelecer e se desenvolver nos mercados, atenta ao mercado e aos desejos dos consumidores, bem como a todas as movimentações de seus concorrentes, de forma que a economia isolada de seu associado esteja sempre protegida por atitudes de negócios que façam por prevalecer o empreendimento cooperativado. Para o autor, esta é a verdadeira questão do cooperativismo, possibilitar de modo contínuo a inserção de cada uma das empresas associadas à realidade de mercado, que é mutante e flexível de acordo com os ajustes no comportamento do consumidor.

A cooperação pode ser uma importante estratégia visando a melhoria da eficiência e eficácia de organizações inseridas em arranjos interorganizacionais. A cooperação faz parte de um dos princípios cooperativistas (intercooperação) visando a promover o desenvolvimento num mundo globalizado, sendo uma estratégia competitiva utilizada pelas empresas, na busca de vantagens competitivas e uma tendência que favorece os agentes na busca de sustentabilidade e competitividade no ambiente econômico (JERÔNIMO, 2005). A intercooperação, além de ser um princípio cooperativista é uma estratégia competitiva atualmente utilizada pelas empresas, assim como uma tendência, que poderia ser mais utilizada pelas sociedades cooperativas na busca de sustentabilidade e competitividade no ambiente econômico.

Pelo princípio da intercooperação, os comportamentos básicos preconizados pela doutrina, como a união, a cooperação e a solidariedade são estendidas para o campo institucional, entre as próprias cooperativas, como alavancagem do seu desenvolvimento e sustentação. Dessa forma, a intercooperação consiste no processo de integração entre cooperativas, através de ações conjuntas, da troca de experiências, estudos e planejamentos integrados, que aproximam as cooperativas, destacando o que é comum para todas na busca de iniciativas ao desenvolvimento comum.

Nesse sentido, Bialoskorski Neto (2000) argumenta que as cooperativas devem estar atentas para as vantagens de se estabelecerem em alianças e relacionamentos interorganizacionais, fazendo uso das facilidades existentes por se tratar de uma mesma cultura empresarial. Entretanto, esse fator não impede a cooperativa de se associar com empresas de outra natureza.

Ao apresentar a fundamentação teórica, buscou-se melhor compreender as sociedades cooperativas, o princípio da intercooperação e a cooperação interorganizacional, refletida no arranjo interorganizacional presente no caso estudado, por meio da integração das cooperativas. Na seqüência do artigo serão apresentados os aspectos metodológicos e os resultados do estudo de caso, buscando evidências empíricas à tese central do debate.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho objetivou analisar a intercooperação como estratégia em uma

organização do ramo cooperativista, a Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul Ltda (CCN).

Para atender ao objetivo proposto no presente trabalho, utilizou-se o processo de pesquisa caracterizada como qualitativa, por meio de estudo de caso exploratório. O estudo de caso, para Yin (2005), representa uma estratégia de pesquisa que busca examinar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto, com uma abordagem qualitativa, visando o avanço na compreensão do fenômeno em estudo.

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As pesquisas exploratórias, conforme Gil (1999), tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias com o intuito de formular problemas mais precisos para estudos posteriores. São desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral acerca de determinado fato.

Segundo Roesch (2005), argumenta-se que pesquisa qualitativa e seus métodos de coleta e análise de dados são apropriados para uma fase exploratória da pesquisa, representando uma alternativa metodológica que pode ser apropriada para a estratégia de estudo de caso. O enfoque da pesquisa qualitativa apresenta importância crescente, principalmente na pesquisa em organizações.

O caso utilizado para a pesquisa foi a Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul Ltda (CCN), uma organização do ramo cooperativista constituída em 2003, formada atualmente por quinze cooperativas filiadas e localizada em Lagoa Vermelha, estado do Rio Grande do Sul.

A escolha do caso como objeto de estudo deveu-se ao arranjo interorganizacional presente na organização cooperativa analisada, a qual promove a intercooperação e a potencialização dos negócios conjuntos das suas filiadas, tendo como missão o desenvolvimento da intercooperação e do agronegócio cooperativo.

A pesquisa foi operacionalizada considerando os elementos conceituais e as variáveis correspondentes, estruturando a pesquisa buscando uma melhor adequação entre os mesmos, conforme consta no Quadro 1. Os dados primários foram coletados nos meses de fevereiro e março de 2009, por meio de um roteiro de entrevista semi-estruturado, elaborado a partir da realização de entrevista exploratória inicial e com base nos elementos constantes no Quadro 1, Dessa forma, o roteiro de entrevistas apresentou perguntas sobre as características da organização, da configuração interorganizacional existente e sobre o desempenho competitivo decorrente desse arranjo interorganizacional. Os dados secundários foram obtidos através de revisão da literatura especializada e material de divulgação institucional disponibilizado pela CCN.

Dessa maneira, foram realizadas três entrevistas, sendo uma entrevista exploratória com engenheiro agrônomo da Federação das Cooperativas Agropecuárias – FecoAgro, e duas entrevistas realizadas com os dirigentes da organização: uma entrevista realizada junto ao presidente da CCN e outra entrevista realizada junto ao gerente da organização. As entrevistas foram realizadas pelas pesquisadoras e cada uma teve duração média de 40 minutos.

Para a interpretação dos resultados, as entrevistas foram gravadas, posteriormente transcritas, e para a análise dos relatórios com os dados obtidos, empregou-se a técnica de análise de conteúdo. Dessa forma, o processo de análise utilizou-se de abordagem qualitativa, considerando-se as evidências empíricas obtidas nas entrevistas, confrontadas com os elementos conceituais para a identificação dos resultados da pesquisa. Quadro 1. Operacionalização da pesquisa.

Fatores de Desempenho Dimensões de Análise Principais Autores Pesquisados

Economias de escala Por meio de ação coletiva das cooperativas filiadas.

Perrow (1992), Ebers e Jarillo (1998).

Poder de barganha Capacidade de realizar ações de barganha em compras conjuntas.

Human e Provan (1997), Ebers e Jarillo (1998).

Ampliação de mercado Ampliação de mercado e acesso a novos mercados no país e no exterior.

Human e Provan (1997), Perrow (1992).

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Economias de escopo e de especialização

Aumento do portfólio de produtos obtidos. Ganhos em economias de especialização.

Perrow (1992), Human e Provan (1997).

Processo de inovação Inovação em novos produtos e processos; em novas matérias-primas, novas idéias, novos métodos de produção.

Human e Provan (1997), Batalha (2001).

Fonte: Baseado em Balestrin e Vargas (2003) e Jerônimo et al. (2005). 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 O Caso da Central de Cooperativas CCN

A organização estudada é a Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul Ltda (CCN), empresa do ramo cooperativista. Constituída em abril de 2003, inicialmente por dez cooperativas de produção, que hoje conta com quinze cooperativas filiadas. Atua em cinqüenta e cinco municípios e sua sede está localizada em Lagoa Vermelha, no estado do Rio Grande do Sul.

A constituição da CCN foi determinada por vários fatores, destacando-se os aspectos da intercooperação, a autodefesa, o profissionalismo, a qualidade, o desenvolvimento sustentado e o respeito pela natureza no desenvolvimento de suas ações e atividades.

A intercooperação, questão analisada no presente estudo, ocorre entre as cooperativas filiadas e consiste em potencializar negócios em conjunto, com ganhos de competitividade no mercado e nas negociações. Já a autodefesa do sistema cooperativista regional se encontra no sentido de evitar a invasão da área de atuação das cooperativas filiadas.

O profissionalismo é trabalhado no sentido de buscar a qualificação dos profissionais que atuam nas cooperativas filiadas, para que todos estejam devidamente preparados e treinados para que os trabalhos realizados dentro das organizações atinjam um melhor desempenho, bem como um melhor atendimento aos cooperados, a busca pelo melhor produto e melhor assistência técnica, para que os cooperados de cada filiada possam usufruir mais da sua cooperativa. Além da capacitação e qualificação continuada, existe a preocupação pela troca de experiências por meio da central cooperativa.

Em relação a busca ininterrupta pela qualidade dos produtos comercializados, essa ocorre em função do correto recebimento, beneficiamento, armazenagem e expedição de grãos. A qualidade deve ocorrer também no atendimento aos cooperados, tanto nas sedes da cooperativa como no campo, assim como em todos os segmentos envolvidos no setor cooperativista.

Já o desenvolvimento sustentado e o respeito à natureza acontecem através da busca de alternativas, na busca por melhores condições de plantio, conservação de solo, entre outras, observando sempre as melhores recomendações quanto à preservação do meio ambiente. Além desses fatores apontados como motivadores para a constituição da CCN, mencionou-se, como razão primordial para a constituição da central, o fortalecimento da estrutura cooperativa regional.

A missão da CCN é promover a intercooperação e a potencialização dos negócios conjuntos das filiadas, através da ética, do profissionalismo e do respeito à natureza. A visão de futuro é tornar-se referência nacional em intercooperação e no agronegócio cooperativo. Dessa maneira, o negócio da organização é a intercooperação e o agronegócio cooperativo.

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Nessa estrutura integrada ao agronegócio cooperativo, o quadro social apresenta mais de 10.000 famílias associadas, produzindo o faturamento bruto anual de aproximadamente R$ 700 milhões. Essa configuração interorganizacional comercializa anualmente 800.000 toneladas de cereais, 100.000.000 de litros de leite em natura, 50.000 toneladas de ração, 20.000 toneladas de carnes e subprodutos de suínos. Além disso, no que se refere a estrutura fundiária, por volta de 70% dos cooperados são mini ou pequenos produtores, o que demonstra o papel social das cooperativas em viabilizar a atividade de grande parte dos seus associados. Os principais produtos comercializados são a soja, o milho e o trigo, sendo que foi colocada no mercado uma marca própria de leite que está sendo comercializada no mercado interno desde o segundo semestre de 2008.

A CCN utiliza a estratégia associativa-empresarial para alcançar os objetivos definidos pela organização, por meio de seminários de planejamento estratégico, resoluções de direcionamento estratégico e definições de ações prioritárias de curto prazo. No desenvolvimento de suas atividades correm ações conjuntas, como armazenagem, transporte, comercialização, exportação e importação. É realizado o planejamento estratégico das filiadas através da unificação de estratégias, ações e procedimentos. Além disso, a central trabalha a tecnologia como prioridade, no incentivo e na difusão aos seus cooperados. São utilizados controles contábeis e procedimentos padronizados de forma integrada, assim como projetos de capacitação realizados tanto pelas filiadas como pela central.

Nesse sentido de integração, outro papel desempenhado pela organização é a intermediação de conflitos internos, na busca por preservar a intercooperação. A gestão é participativa e profissionalizada, com o compartilhamento dos resultados e o gerenciamento ocorre de forma aberta e intercooperativa, realizado por técnicos preparados e profissionais em gestão. Assim, a central mantém parcerias com instituições financeiras de crédito e proporciona, também, apoio financeiro entre as filiadas.

Apesar de o caso representar uma iniciativa relativamente nova, o principal fator positivo ressaltado pela central foi a retomada da credibilidade do sistema cooperativo para os cooperados. As atividades desse arranjo interorganizacional, desempenhadas em face da cooperação, estão voltadas a diversos projetos em andamento. Esses projetos apresentam como coordenadores os membros do conselho de administração, que é composto pelos presidentes das filiadas. Esses projetos estão direcionados à intercooperação, como negócios em conjunto, buscando uma melhor rentabilidade das filiadas, bem como o repasse destes ganhos a todos os cooperados, assim como a procedimentos de gestão de pessoal, procedimentos de assistência técnica agronômica e veterinária, entre outros.

Normalmente, a cooperativa efetua a comercialização agregando produtos de vários produtores. No caso estudado, procura-se realizar esse processo de comercialização agregando produtos de várias cooperativas filiadas, formando lotes maiores e buscando o melhor preço. No processo de compra deve ocorrer o inverso, pois se apresenta como projeto futuro a realização de compras com volumes maiores de produtos, buscando a redução dos preços de aquisição.

A partir da realização desses projetos direcionados à intercooperação, o objetivo comercial da organização é ampliar sua atuação no mercado internacional, principalmente com a comercialização da soja, que representa o carro chefe da produção agrícola proveniente da integração das cooperativas.

No que se refere as dificuldades enfrentadas por essa configuração interorganizacional, no sentido de dar continuidade as suas atividades, considerando o fato de ser ainda uma organização em formação, as principais dificuldades apontadas foram a escassez de recursos e alguns pontos sobre o desenvolvimento da intercooperação no

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arranjo existente entre as cooperativas. Nesse sentido, existem dificuldades para que todas atuem por meio da intercooperação, compreendendo os benefícios que essa configuração pode trazer às cooperativas relacionadas.

Dessa forma, as diferenças culturais existentes em cada cooperativa foram mencionadas como dificultadores para o trabalho integrado nesse arranjo onde a intercooperação é o princípio que motiva essa organização. O fato das cooperativas agropecuárias terem sido constituídas com a sua individualidade e já estarem habituadas a operarem de forma individual pode representar um fator de resistência para a atuação em novos relacionamentos entre as cooperativas.

Outro ponto conflituoso abordado refere-se aos projetos em andamento que envolvem diversos setores dentro das cooperativas filiadas, provocando mudanças em sistemáticas que precisarão ser readaptadas para a nova visão do cooperativismo.

Assim, as expectativas da organização estão direcionadas a tornar-se uma referência nacional na intercooperação e nos negócios agropecuários. Os desafios mencionados estão relacionados com o comprometimento de todos os agentes envolvidos na realização e ampliação de negócios conjuntos, assim como com a organização da nova cadeia produtiva iniciada com a industrialização do leite, cuja agregação de valor pode contribuir para a melhoria da renda do produtor e suas condições de vida. Nesse sentido, a agroindustrialização representa um desafio, a partir da necessidade de preservação e do desenvolvimento da proposta.

Por fim, os desafios foram apontados no sentido de evoluir nas questões que tratam sobre as resistências culturais em termos de atuação em conjunto, de forma que todos os envolvidos nesse relacionamento interorganizacional possam refletir sobre os resultados que se buscam a partir dessa configuração. Na medida em que o trabalho integrado possa trazer progressos na atividade econômica, atingindo um resultado com ganhos superiores aos que se podem obter atuando de forma individual, assim como trazer progressos no âmbito social que circunda a essas organizações do ramo cooperativista. 4.2 O Desempenho Competitivo no Caso CCN

Para se compreender e verificar o desempenho e os resultados obtidos por meio desse arranjo interorganizacional que busca potencializar os negócios conjuntos entre as cooperativas que fazem parte da CCN, efetuou-se análise das variáveis correspondentes aos elementos conceituais abordados no estudo, os quais se referem às economias de escala, poder de barganha, economias de escopo e especialização, ampliação de mercado e inovação.

As economias de escala estão presentes em termos do aumento de realização de negócios conjuntos e nos ganhos financeiros obtidos por esses negócios. A parte de comercialização de grãos ocorre de forma mais agressiva, onde as cooperativas percebem que o trabalho em conjunto está sendo a melhor forma de atuação.

Dessa forma, são realizadas vendas em escala dos grãos, sendo eles a soja, o milho e também são feitas vendas de trigo numa escala maior, embora ocorram com menor freqüência em relação ao trigo.

Ao considerar-se que as cooperativas operam com a produção de, na maioria, pequenos produtores rurais, é possível que elas se deparem com problemas gerados por um baixo volume de produção, que pode ocorrer até mesmo por questões de sazonalidade ou por problemas de quebras de safra. Nesse caso, embora a CCN tenha a maioria da estrutura de cooperados formada por mini ou pequenos produtores, considerando seus três principais produtos comercializados, esse aspecto não foi apontado como um problema para a

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geração de economias de escala, não havendo problemas maiores em termos de volume de produção.

Com relação ao leite, considerando que está no início do processo de comercialização, ainda não há condições de ser realizada uma análise mais precisa sobre a economia de escala nesse produto. A capacidade de realizar ações de barganha existe, mas não está sendo aplicada atualmente nos negócios em conjunto das cooperativas. A aquisição de insumos como adubos e herbicidas, por exemplo, poderia ser realizada de forma conjunta, mas esse processo integrado entre as cooperativas está parado.

O número reduzido de fornecedores e o compromisso moral das cooperativas junto a eles foram apontados como as principais razões para esse fato. Mencionou-se que o fato de existirem poucos fornecedores de insumos dificulta a possibilidade de se efetuar uma negociação mais extensa nesse sentido, além de que existe também uma forma de compromisso moral individual das cooperativas junto a esses fornecedores, o que faz com que elas negociem suas aquisições individualmente e diretamente com eles. Dessa maneira, não existe ainda um consenso construído na direção de se unirem e iniciarem aquisições de forma conjunta para redução de preços e realizarem ações de barganha.

Já a ampliação de mercado é um resultado atingido pelas ações dessa configuração interorganizacional, relacionado tanto ao mercado interno como ao mercado externo. Esse crescimento foi obtido por meio de atuação em novos mercados externos, assim como pelo aumento do volume de vendas realizadas no mercado interno, em âmbito estadual.

O acesso ao mercado externo é um acontecimento recente, uma vez que se deu início ao processo em 2007. A exportação ocorre basicamente em relação a soja, ainda que eventualmente se realize alguma exportação de milho e trigo. Os principais países para os quais se exporta a soja são a China e a França.

Embora tenha sido iniciado o processo de exportação, a maior proporção dos produtos é comercializada no mercado interno, tendo ocorrido também o aumento do volume de vendas nesse mercado. Atualmente, é pequeno o volume do que está sendo comercializado para fora do estado, fato que ocorre principalmente por problemas de cunho fiscal. Essa ocorrência tem inviabilizado economicamente a comercialização para outros estados do país, principalmente a venda de produtos como o milho e o trigo. Assim, em conseqüência dos efeitos que os impostos geram sobre o preço final dos produtos, o trigo está mais restrito ao mercado regional estadual, assim como o milho, mas isso em função da aquisição do milho pelas empresas que trabalham com a produção de frangos dentro do estado.

Em relação à obtenção de economias de escopo, foram observados aumentos no portfólio de produtos. A CCN possui uma marca de leite, que está sendo comercializada no mercado interno desde o segundo semestre de 2008. A produção do leite comercializado com marca própria está ocorrendo de maneira peculiar ao caso, uma vez que a CCN ainda não comporta uma estrutura para industrialização. Dessa forma, decidiu-se por contratar uma cooperativa, que não faz parte dessa configuração interorganizacional, para receber o leite entregue pelos associados das cooperativas filiadas à CCN, e assim, realizar todo o processo de industrialização. Após essa etapa, é feita a aquisição do produto pronto, que o torna mais caro para as cooperativas. Esse é um modelo experimental, mas que acarreta num custo mais elevado ao final de todas essas etapas de transação. Além da marca própria de leite, a CCN está atuando também na produção de sementes. Não foram observadas, na análise dos fatores de desempenho, variáveis sobre economias de especialização.

Quanto ao processo de inovação, essa ocorreu em relação à produção de sementes, a qual foi introduzida no ano de 2008. Essa inovação, por sua vez, gerou como

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conseqüência o desenvolvimento de novos processos de produção no cultivo de grãos. O processo de beneficiamento e produção de sementes refere-se à padronização da semente. Nesse sentido, são realizados procedimentos para a classificação dos grãos com potencial para semente. Dessa forma, são cultivadas lavouras específicas para o fornecimento de grãos com qualidade para sementes, as quais são monitoradas desde o seu plantio até a colheita por uma equipe de agrônomos das cooperativas filiadas, implementando e assegurando os novos processos de produção necessários para a obtenção da semente como produto final. A inovação observada na análise dos resultados apresenta características tecnológicas de processo.

Além das variáveis analisadas, as quais se referem aos fatores de desempenho, outros resultados que implicam no desempenho competitivo desse arranjo interorganizacional também foram observados. A abrangência e ampliação desse negócio cooperativo refletem na consolidação de seus principais números, como por exemplo, o valor de faturamento bruto anual, que apresenta crescimento do ano de 2004, com o faturamento de R$ 560 milhões, para o ano de 2008, com faturamento de aproximadamente R$ 700 milhões, o que representa um aumento de 25%.

A CCN também realiza um trabalho de caráter social. São desenvolvidas iniciativas e trabalhos de formação profissional, tanto para os associados como para os funcionários, gerências e diretorias. Até o ano de 2008, foram mais de quatro mil pessoas treinadas, com recursos disponibilizados pela organização. Os treinamentos são os mais variados, pois vão desde cursos de secagem e armazenagem de grãos até sobre educação cooperativa, assim como cursos técnicos para área leiteira, área de grãos, cursos para agrônomos, veterinários, cursos específicos para a contabilidade, para a área financeira, entre outros. Procura-se abranger todas as áreas e setores com cursos específicos para todas as necessidades percebidas. Alguns desses treinamentos também são iniciativas que visam o aprimoramento e a padronização dos instrumentos de gestão, no sentido de aproximar e desenvolver a integração entre as cooperativas.

Além desses aspectos, outro foi apontado como uma evolução significativa a todas cooperativas filiadas, e se refere ao aumento da capacidade de armazenagem oferecida. Foi adquirida no ano de 2008 mais uma unidade de armazenagem, com capacidade de 27.000 toneladas de estocagem estática, totalizando uma estrutura de armazenagem estática de 345.000 toneladas de grãos.

Na seqüência do artigo serão apresentadas as considerações finais do estudo, destacando-se as principais contribuições, as limitações e as sugestões de futuras pesquisas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito desse estudo foi analisar a intercooperação como estratégia em uma

organização do ramo cooperativista, a Central de Cooperativas Agropecuárias do Nordeste do Rio Grande do Sul, (CCN), investigando de que forma a estratégia da intercooperação pode influenciar nas relações cooperativistas entre as associadas e suas relações com o mercado, considerando a importância econômica e social dessas organizações pertencentes ao agronegócio.

Para tanto, utilizou-se a abordagem da cooperação interorganizacional, que pode ser uma estratégia adequada para essas organizações, uma vez que a cooperação faz parte de um dos princípios cooperativistas, visando à promoção do desenvolvimento num mundo globalizado, como uma estratégia competitiva utilizada pelas empresas, na busca de

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vantagens competitivas e uma tendência que favorece os agentes na busca de sustentabilidade e competitividade no ambiente econômico.

No contexto analisado, observou-se a melhora do desempenho competitivo dos cooperados correspondentes aos fatores economias de escala, ampliação de mercado, obtenção de economias de escopo e inovação de caráter tecnológico. Com referência as dimensões de análise sobre poder de barganha e economias de especialização, não foram observados fatores de desempenho relevantes em relação a essas variáveis.

Dessa forma, a partir do desempenho competitivo observado, pode-se constatar que, por meio da intercooperação, ocorreu um desenvolvimento em determinados aspectos do relacionamento cooperativo presente nesse arranjo interorganizacional, com o envolvimento das cooperativas filiadas, trabalhando integradas na realização e ampliação de negócios conjuntos. Outro fator positivo apontado foi o fortalecimento da estrutura cooperativa da região.

Apesar disso, as dificuldades enfrentadas por essa configuração interorganizacional apontadas foram a escassez de recursos e questões sobre o desenvolvimento da intercooperação no arranjo existente entre as cooperativas. Dessa forma, as diferenças culturais existentes em cada cooperativa foram mencionadas como dificultadores para o trabalho integrado nesse arranjo onde a intercooperação é o princípio que motiva todo o trabalho.

Ainda assim, considerando as dificuldades e os desafios presentes nesse arranjo interorganizacional, os resultados apresentados por esta iniciativa representam uma tendência ao progresso e desenvolvimento dessa estratégia de integração. Nesse sentido, as estruturas da intercooperação apresentam a possibilidade de um novo caminho para as cooperativas, considerando que juntas, adquirem maior força e equilíbrio para se manter no mercado, ainda que mantendo o respeito à individualidade de cada cooperativa filiada.

O presente estudo permitiu observar que a intercooperação, além de ser um princípio cooperativista, pode ser utilizada como uma estratégia competitiva pelas sociedades cooperativas, na busca do seu desenvolvimento e sustentação. As evidências do estudo apontam que a estratégia de cooperação interorganizacional através da intercooperação é uma possibilidade que pode elevar a competitividade e o desempenho das cooperativas participantes.

A natureza da pesquisa apresenta limitação em termos de generalização de resultados, sugerindo-se que novos estudos sejam realizados para investigação dessa configuração interorganizacional, com o objetivo de examinar e complementar os resultados apresentados nesse trabalho. Assim, faz-se necessária à continuidade de estudos para aprofundar e ampliar o entendimento sobre o papel e a visão do cooperativismo no contexto atual de mercados cada dia mais competitivos, assim como estudar as possibilidades de parcerias e arranjos organizacionais com outras organizações cooperativas e não cooperativas para potencializar oportunidades e alcançar vantagens competitivas.

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