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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
Ficha para identificação da Produção Didático-pedagógica – Turma 2013
Título: Literatura e identidade: uma abordagem baseada em Mia Couto
(Implementação da lei 10.639/03)
Autora: Lucineia Aparecida de Angelis
Disciplina/Área: Língua Portuguesa
Escola de Implementação do Projeto
e sua localização:
Colégio Estadual Professora Helena Kolody
Município da escola: Cambé
Núcleo Regional de Educação: Londrina
Professora Orientadora: Maria Carolina de Godoy
Instituição de Ensino Superior: Universidade Estadual de Londrina
Relação Interdisciplinar: História, Geografia e Literatura
Resumo:
O presente trabalho objetiva sensibilizar o
professor para a abordagem da lei 10.639/2003 de
forma que possa identificar-se com a temática e
reconhecê-la como uma ação legítima. O processo
de identificação será buscado através da literatura
africana de Mia Couto e do levantamento de
características de sua obra que evidenciem a busca
da identidade. O objetivo maior consiste em que o
professor reconheça que a literatura contribui na
formação da identidade tanto do homem africano
quanto do brasileiro e através de tal aproximação
seja sensibilizado a trabalhar com a temática de
forma que ultrapasse a superficialidade, de forma
que identifique em sua formação traços da cultura
negra. Metodologicamente, o trabalho contemplará
o desenvolvimento de oficinas temáticas baseadas
em teoria de apoio, análise de dados, análise de
contos, vídeos estratégicos e questões norteadoras.
Palavras-chave: Identidade; lei 10.639/2003, literatura africana;
Mia Couto
Formato do Material Didático: Caderno Pedagógico
Público: Professores e funcionários
Londrina - 2013
APRESENTAÇÃO
Caro professor e funcionário
Acredita-se que a construção de uma sociedade mais ética e humana inicia-se pela
capacidade que cada um tem de se ver representado na presença do outro, seja pelas
características que os aproximam, seja pelas características que os diferenciam, sendo assim, a
identidade e a alteridade são representações indissociáveis que definem cada pessoa.
Dessa forma, este Caderno Pedagógico busca promover uma discussão em que cada
participante das instituições de ensino se reconheça como corresponsável pela efetiva promoção
de uma sociedade em que as minorias tenham oportunidades iguais de acesso aos bens simbólicos
e de desenvolvimento humano, superando massacres ideológicos que ainda se encontram
arraigados no cotidiano.
A produção deste material é fruto da leitura, análise e discussão sobre como a lei
10.639/2003 e seus desdobramentos podem ser abordados na sala de aula, bem como, sua
importância para a construção de um país mais desenvolvido e com índices satisfatórios de
igualdade de direitos, uma vez que só assim será possível uma sociedade melhor para todos, com
menos violência, menos miséria e mais acesso à educação.
Portanto, o objetivo maior desse material é iniciar um deslocamento de formas de
abordagem da história e cultura africana e do afrodescendente efetuadas por nós educadores, que
ultrapasse o cumprimento da lei e que um processo de identificação com a sua temática comece a
se desenvolver. Para isso, além de discussões teóricas, a literatura de Mia Couto ocupará um
lugar de destaque, pois através dela pretende-se sensibilizar aqueles que conhecerem o material e,
principalmente, levá-los a identificar na literatura africana inquietações comuns aos brasileiros no
que se refere à identidade, fato que nos tornam semelhantes. Assim a alteridade oportunizando a
construção da identidade brasileira com a presença indiscutível do africano e do afrodescendente.
Espera-se que todos participem de forma efetiva do desenvolvimento do trabalho, acrescentando
a este as experiências riquíssimas que acumulam e que o tornará objeto de discussão para outros.
A autora
1 INTRODUÇÃO
A busca pelo reconhecimento da história e da cultura africana e dos afrodescendentes na
História do Brasil caracterizou uma luta constante e esta culminou na aprovação da Lei
10.639/2003 que garantiu a inclusão das mesmas na Educação Nacional.
Sem dúvida, esse foi um grande passo na tentativa de conquistar a igualdade de direitos
aos afrodescendentes e minimizar o preconceito. Porém, não garante que a realidade seja
modificada de forma imediata, o que será demonstrado na UNIDADE 1, em que dados
estatísticos mostram que, embora os negros representem 97 milhões dos brasileiros segundo
dados do Censo 2010, a supremacia do branco prevalece em níveis de escolaridade, cargos bem
remunerados, dentre outros.
É evidente que a Educação precisa de outros suportes para garantir a alteração desse perfil
de desigualdade, mas é inquestionável que tem um papel fundamental na discussão e na formação
de uma nova identidade brasileira, que faça com que os cidadãos do presente compreendam que
não há uma verdadeira História do Brasil se ela não for contada também pelos afrodescendentes.
Negar a influência destes é negar parte da cultura, consequentemente, fazer a manutenção da
desigualdade e do preconceito.
O que se propõe é que o trabalho com a cultura e a história do africano e do
afrodescendente percorra um caminho de identificação, formando estruturas de sentimento que
tendam a se institucionalizar a fim de garantir a estas o espaço que lhes cabe neste país.
A aprovação da Lei 10.639 /2003 por um lado garante a discussão sobre o tema, por outro
tem gerado uma certa inquietação nos docentes da Educação Básica. A insuficiência de aporte
teórico do professor, também a falta de identificação com o tema são os grandes vilões do
processo. A obrigatoriedade, embora seja um ponto relevante, na prática tem se mostrado
insuficiente, pois o que se tem presenciado é um tratamento pontual e superficial do tema, com
discussões que giram em torno de questões que veem o afrodescendente apenas como vítima,
como objeto, não como um produtor de ações e pensamentos que influenciaram e formaram
nossa cultura. Muitas vezes, abordagens embasadas no senso comum e repetitivas que pouco
acrescentam no esfacelamento do preconceito são levadas para a sala de aula. Infelizmente, a
história dos africanos e dos afrodescendentes é vista como a história do outro e não como a
História do Brasil. Como afirmou Cunha Jr. (apud CADERNOS TEMÁTICOS, 2006, p.85):
A falta de conhecimentos sobre a história e cultura africana formava uma
barreira intelectual e mental que impedia a compreensão completa da história e
da cultura brasileira a partir da visão dos afrodescendentes. A história do Brasil
sem o conhecimento da história africana era uma história unilateral, branca,
marcada por concepções eurocêntricas. Por vezes essas concepções
eurocêntricas eram marcadas pelos preconceitos e por concepções históricas
racistas. Para termos uma história brasileira ampla e justa se necessita da
imersão na história e na cultura africana.
A barreira citada continua impedindo que um trabalho eficaz seja realizado, uma vez que
o docente tem internalizadas as concepções eurocêntricas de que sempre foi vítima e o processo
de mudança é lento e só se dá a partir do aprofundamento do conhecimento. Isso justifica a
produção desse Caderno Pedagógico e das oficinas a serem ministradas aos educadores, que
consiste em garantir a promoção de leituras que provoquem um deslocamento de abordagem da
temática e conduzam o professor e os funcionários a reconhecerem na sua identidade traços de
alteridade, temática a ser discutida na UNIDADE 2. Dessa forma, acredita-se que as discussões
efetuadas os auxiliará a compartilhar com seus alunos experiências sociais que os façam
responsáveis pela mudança e pela superação das diferenças. Espera-se que os participantes do
curso percebam que o tema não pode ser um recorte dentro do conteúdo e sim como parte dele,
como a forma real de se contar a história que até então não fora contada por seus autores.
Não é mais aceitável que o tema seja um parêntese no currículo, é necessário que haja um
processo de identificação do professor, a compreensão de que falar de afrodescendência é falar
sobre si mesmo, sobre a cultura brasileira, sobre a identidade da nação e precisa fazer sentido
para o professor e para o aluno, como afirmou Moscovici (apud ARRUDA, 1998), “o
desenvolvimento do vínculo social e das capacidades intelectuais e afetivas começam quando o
indivíduo vem a perceber que o outro tem uma significação no seu próprio mundo interior.” Isso
só ocorrerá se houver mais oportunidades de formação aos educadores, um núcleo contínuo e
permanente de informações, pois quanto maior for o conhecimento adquirido maior será o
respeito.
É preciso que o professor e seus alunos superem os falsos discursos midiáticos que
procuram “impor a lógica que havendo mestiçagem não haveria preconceito” (CUNHA JR apud
CADERNOS TEMÁTICOS, 2006, p.87). Quotas nas universidades, nos concursos, nas novelas,
nas propagandas são medidas paliativas, mas a verdadeira consciência do Brasil como país
miscigenado e, portanto, espaço de todos é algo que devemos buscar através da socialização dos
bens de consumo e, principalmente, dos bens simbólicos. Para tanto, a educação representa o
espaço ideal, uma vez que tem a função de produzir e transmitir saberes sobre os quais deve
promover uma intensa reflexão.
Dentre os inúmeros caminhos a serem percorridos, a literatura foi escolhida pelo fato de
os processos identitários estarem diretamente relacionados com a linguagem. Primeiro por
despertar emoções, processos de identificação, sentimentos, por seu poder de sensibilizar o leitor,
ou seja, por seu caráter pessoal. Segundo, por apresentar uma visão estética e, ao mesmo tempo
crítica, das épocas históricas, revelar como o homem se relaciona com o mundo e com o outro,
capaz de fazer o leitor refletir sobre o que é dito e rever seus posicionamentos, ou seja, seu
caráter social. Sintetizando, a literatura por ser instrumento de afirmação política e cultural capaz
de auxiliar na construção da ideia de nação. Como afirma Cândido (1982, p.82), a Literatura
devido à sua “força humanizadora, não como sistema de obras. Como algo que exprime o homem
e depois atua na própria formação do homem”. Reflexão a ser efetuada também na UNIDADE 2.
Na UNIDADE 3, a discussão será realizada através da literatura africana, especificamente
moçambicana, a fim de revelar o quão, ainda hoje, Brasil e África estão ligados e sofreram
processos semelhantes de colonização que fragmentaram suas culturas de forma negativa.
Também será demonstrada de que forma a literatura brasileira influenciou a produção literária de
Moçambique no processo de construção de uma identidade nacional. Como disse Soares (2011,
p.104):
Refletir sobre a desigualdade, identidade e cultura no Brasil contemporâneo
requer, nessa nova perspectiva política, proceder um retorno à África, ou
melhor, promover um (re)encontro com o continente africano.
Isso tem colocado em evidência o desafio de tentar superar as versões
colonizadas da história e ir ao encontro de outras narrativas.
No que se refere à cultura africana, será abordada a literatura a partir do final do século
XX, pois é nesse período, principalmente, que autores moçambicanos consolidam a autonomia
como escritores de sua literatura, uma literatura africana de expressão portuguesa, com
características de seu povo e de suas raízes. Para isso, o autor selecionado será Mia Couto e os
livros Vozes anoitecidas (1997) e Cada homem é uma Raça (2013). Obras que evidenciam a
riqueza da construção linguística e cultural de Moçambique, garantindo um corpus de análise e
crítica literária que oportunizará possibilidades de trabalho para o professor, diferentes
abordagens da temática e diferentes metodologias, já que a ampliação do leque de trabalho do
educador representa o ponto nevrálgico. Convém ressaltar ainda as aproximações desse autor
com Guimarães Rosa e, portanto, com a literatura brasileira oferecendo um campo de discussão
sobre as aproximações culturais dos dois países como nações colonizadas e na busca de uma
literatura que represente seus verdadeiros sujeitos.
Convém destacar que o trabalho objetiva oferecer ao professor um corpus de trabalho e
pesquisa que facilite a sua atuação em sala de aula no cumprimento da lei 10.639/2003, mas
muito além disso, promova uma reflexão, uma identificação e um conhecimento do tema. Os
contos servirão de base para um estudo e reconhecimento da cultura e das lutas do povo africano
e afrodescendente, bem como, suas semelhanças e implicações na formação da cultura brasileira.
A composição deste corpus e sua análise dar-se-ão a partir da UNIDADE 4.
A busca de caminhos que superem o distanciamento do educador com o tema, gerando
novas relações sociais e afetivas é de extrema importância a fim de despertar primeiramente no
docente o sentimento de pertencimento. Acredita-se que com a sensibilização do professor será
possível transformar a abordagem das questões étnicas e raciais de modo a ultrapassar o discurso
político e se construir relações humanas mais éticas.
O educador pode e deseja desatar essas amarras, mas para isso, precisa estar munido de
saberes que o embasem. É necessário promover a horizontalização do trabalho, a fim de que
todos sintam-se corresponsáveis pelo processo de mudança, pela transformação social, que se
concretiza a partir do conhecimento e também pela forma de abordá-lo. A reconstrução da
identidade nacional multifacetada constitui uma questão premente, visto que sem a sua aceitação
o país pouco caminhará para o crescimento econômico, social e cultural.
A seguir será realizada a apresentação do desenvolvimento das unidades, representando
cada uma delas uma oficina com duração de 4 horas, completando a carga horária de 32 horas
presenciais. Serão acrescidas 8 horas dedicadas à leitura de textos e 12 horas a questões postadas
no moodle, para fins de avaliação. No total, o curso corresponde a 50 horas, ofertado sob a forma
de projeto de extensão via Universidade Estadual de Londrina, sob a responsabilidade da
orientadora Maria Carolina de Godoy.
2. ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
2.1. UNIDADE 1: A relevância da Lei 10.639/2003
PASSO A PASSO
1º.passo: leitura coletiva do texto Contextualização e discussão orientada pelas questões
2º.passo: Análise dos gráficos em anexo ( Slides)
3º.passo: Discussão da política das cotas
4º.passo: Apresentação do projeto
5º.passo: Vídeo
2.1.1 Contextualização
Caro professor e funcionário, é momento de iniciarmos nossa discussão sobre o tema,
proponho uma reflexão acerca da importância de sua abordagem, bem como, o conhecimento das
razões que me motivaram enquanto educadora a escolhê-lo para a elaboração deste curso.
Convido a todos a me acompanharem nesse processo, a princípio traçando um breve
percurso das estratégias afirmativas que envolvem a afrodescendência no Brasil e que mudanças
efetivas ocasionaram, transformando os índices de desigualdade de nosso país.
O primeiro passo de reconhecimento legal da causa é representado pela aprovação da lei
10.639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, garantindo a
obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos estabelecimentos
de ensino, bem como, instituiu o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência
Negra”, conquista alcançada pela legitimação do Movimento Negro. A partir dela, criou-se em
março de 2003 a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial)
com o objetivo de traçar metas e caminhos para promover a igualdade de direitos e condições
para a população negra.
Em 2004, a SEPPIR e o Ministério da Educação traz ao conhecimento de todos as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da
Você considera a lei 10.639/03 uma
ação legítima?
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que embasam e direcionam a abordagem do tema
nos estabelecimentos de ensino, sob responsabilidade do corpo docente.
Tais iniciativas caracterizam a legitimidade de uma luta secular, que até então fora restrita
a uma pequena parcela da sociedade. A partir da lei, a abordagem da temática tornou-se
obrigatória e a escola e seus atores coube a função de superar a negação do acesso ao
conhecimento da cultura e história africana. A superação de antigos paradigmas torna-se objeto
de discussão e reflexão, o tema obtém o caráter de legalidade, portanto ocupa o seu espaço no
ambiente educativo. E nós, educadores, ganhamos a missão de concretizar a lei e colaborar com a
mudança do perfil de desigualdade através do reconhecimento da contribuição do africano e do
afrodescendente na construção da identidade nacional.
A partir desse momento, entraremos em contato com dados que demonstram a situação
atual do negro no Brasil no que se refere à educação, violência, fatores sociais e econômicos.
Qual o papel ocupado pelo educador
na manutenção da lei?
Como cidadão, você considera que a
lei e as políticas de igualdade racial
promoveram mudança social?
Os gráficos com os referidos dados encontram-se em anexo. Além disso, é importante
destacar que, conforme denominações usadas pelo IBGE, as terminologias para cor ou raça são
preto, pardo, branco, amarelo e indígena. E a terminologia negro engloba os pretos e pardos.
Os primeiros dados a serem apresentados foram retirados da publicação Indicadores
Sociais Municipais-2010, resultados do Censo Demográfico 2010, realizado pelo IBGE (p.47), e
apresenta a seguinte distribuição: a população brasileira que se declara negra equivale a 50,7 %,
apresentando um aumento de 6% em relação ao ano 2000. A população branca apresentou um
índice de 47,7%. O que isso significa? Que hoje o Brasil se reconhece como um país
predominantemente negro.
Agora vejamos um dado alarmante sobre a taxa de analfabetismo das pessoas de 15
anos ou mais idade por cor ou raça (p.53), 27,4 % da população negra do Brasil é analfabeta,
contrapondo a 5,9% da população branca. Desmembrando os dados, a população de cor ou raça
preta analfabeta é de 14, 4% e parda é de 13,0%, demonstrando que nos dois casos é três vezes
maior que a branca. O nordeste apresenta a maior taxa de analfabetismo do negro do país,
alcançando 43%, ou seja, 28% a mais que a população branca analfabeta que é de 15%. É
importante lembrar que o Norte e o Nordeste concentram a maior parte da população negra do
país. (p.93-94).
No sul do Brasil, a taxa é de 19% para negra e 4% para branca. Em todas regiões do país,
a taxa de analfabetismo do negro ultrapassa a taxa nacional que é de 9,6%. (p.60/91).
Outro dado que merece nossa análise é a taxa de analfabetismo funcional das pessoas de
15 anos ou mais, por cor ou raça apresentada pelo IBGE 2009 (apud Fundacioncarolina, p.37),
enquanto 15% da população branca é considerada analfabeta funcional, encontramos o índice de
25,4 da preta e 25,7% da parda. Assim, dos negros alfabetizados, 10% a mais que os brancos
seriam analfabetos funcionais.
É relevante demonstrar também a porcentagem da distribuição das pessoas de 18 a 24
anos de idade que frequentam a escola, por cor ou raça, segundo o nível de ensino apresentado
pelo SIS-2012 (p.116). Os índices apontam que os jovens da população branca encontram-se
4,5% no Ensino Fundamental, 24,1% no Ensino Médio, 5,6% em curso supletivo, pré-vestibular
ou Educação de jovens e adultos, e 65,7% no Ensino Superior. Os jovens da população preta ou
parda encontram-se 11,8% no ensino Fundamental, 45,2% no Ensino Médio, 7,2% em curso
supletivo, pré-vestibular ou Educação de jovens e adulto e apenas 35,8% no Ensino Superior. É
possível destacar que enquanto a grande maioria do jovens brancos está cursando o Ensino
Superior, a grande maioria dos negros está ainda cursando o ensino regular. Há uma defasagem
do jovem negro em relação a idade/série. Embora a taxa de negros no Ensino Superior tenha
aumentado de 10,2 em 2001 para 35,8 em 2011, a desvantagem em relação ao branco continua
muito grande. Há ainda um outro dado que merece nossa atenção, enquanto apenas 28,6% dos
jovens brancos cursam o ensino regular, 57% dos negros estão no mesmo nível, quando deveriam
estar cursando o Ensino Superior.
Ainda destacando dados sobre a Educação, segundo o SIS-2012 (p.128), a média dos anos
de estudo das pessoas de 25 anos ou mais idade da população branca em 2011 era de 8,2 anos,
comparativamente a média da população preta ou parda era 6,4 anos. Analisando os dados
anteriores e estes podemos afirmar que a população negra ainda se encontra em situação de
inferioridade escolar em relação aos brancos. Vejamos outro dado do SIS 2012 (p.133) que
mostra a porcentagem de pessoas de 15 anos ou mais que frequentam cursos de educação de
jovens e adultos ou supletivo, 61,8% é preta ou parda e 37,2 branca em cada 1000 pessoas. Isso
evidencia a dificuldade de tal população em concluir estudos regulares, havendo a necessidade de
buscar meios alternativos.
Cabe ressaltar dados que evidenciam a diferença entre o rendimento médio de pessoas de
cor branca e negra de acordo com os anos de estudo e a idade de 16 anos ou mais. Os dados totais
demonstram que os negros ganham em média 60% do que ganham os brancos, taxa que subiu
9,5% em 10 anos. Apresentando dados mais específicos, pessoas negras com 8 anos de estudo
ganham 74,5% do que ganham os brancos, entre 9 e 11 anos ganham 76,7% e 12 anos ou mais
67,2%. Sintetizando, neste caso podemos afirmar que um negro, exclusivamente por sua raça,
ganha menos que a pessoa branca com igual formação. (SIS-2012, p.141).
Tais fatores culminam na seguinte realidade, 82,3% da população negra encontra-se entre
os 10% mais pobres do país, contrapondo a 24,4% da população branca. Entre 1% mais ricos,
encontra-se 74,5% da branca e 16,3% da negra. Dessa forma, o índice de desigualdade é evidente
e assustador, principalmente quando relacionarmos este ao fato de mais da metade da população
do Brasil ser negra. (SIS-2012, p.167)
Embora tenha havido mudança nos dados dos últimos 10 anos, evidencia-se que o grau de
desigualdade social apresenta níveis insustentáveis para um país em processo de
desenvolvimento.
O documento “Manifesto à nação brasileira”, resultado da Convenção Nacional do Negro
Brasileiro, realizada no Rio de Janeiro em 1945-1946 representou a primeira manifestação formal
pela igualdade racial. As reivindicações apresentadas foram publicadas no jornal Quilombo,
dirigido por Abdias Nascimento e Guerreiro Ramos Propunham a valorização do negro nos
setores sociais, culturais, educacionais, políticos, econômicos e artísticos. Já reivindicavam nesse
documento, a garantia de oportunidade de acesso à educação em todos os níveis. Apenas 50 anos
depois, em 1995, após a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida,
um documento entregue ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, novamente reivindica a
ações concretas de acesso dos negros à escolarização. A partir de então os ideais negros passam a
se constituir em política afirmativa de valorização e reconhecimento da população africana e
afrodescendente do Brasil. Dentre as políticas podemos citar o sistema de cotas, iniciado em 2002
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e o Prouni.
A partir dos dados, como você analisa
a situação do negro no Brasil hoje?
Você concorda que a Educação pode
colaborar na mudança do perfil apresentado?
Neste momento, convém se estabelecer um parâmetro de análise sobre os resultados das
iniciativas de acesso do negro ao ensino superior. Para isso será apresentada uma das poucas
estatísticas universitárias sobre esse assunto antes das políticas afirmativas, a fim de que
possamos avaliar se são válidas ou não. Vamos observar os dados abaixo:
DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO A COR
UFRJ, UFPR, UFMA, UNB, UFBA E USP - 2001
UFRJ UFPR UFMA UFBA UnB USP
Branca 76,8 86,5 47 50,8 63,7 78,2
Negra 20,3 8,6 42,8 42,6 32,3 8,3
Amarela 1,6 4,1 5,9 3 2,9 13,0
Indígena 1,3 0,8 4,3 3,6 1,1 0,5
Total 100 100 100 100 100,0 100
%de negros
de Estado
44,63 20,27 73,36 74,95 47,98 27,4
Déficit 24,33 11,67 30,56 33,55 15,68 18,94
Fonte: Pesquisa Direta. Programa A cor da Bahia/UFBA, I Censo Étnico-Racial da USP e IBGE
Tabulações avançadas, Censo de 2000.
Vamos comparar os dados do acesso e percurso do negro no ensino superior da
Universidade Estadual de Londrina após a implantação do sistema de cotas em 2004 (garantia de
40% das vagas de cada curso de graduação destinadas a alunos oriundos do ensino público e
destes até metade serem reservadas a alunos que se autodeclaram negros). As informações foram
fornecidas pela Pró-Reitoria de Graduação – Diretoria de Apoio à Ação Pedagógica – Divisão de
Políticas de Graduação/Setor de Ações Afirmativas no dia 27/08/2013:
UNIVERSAL
Ano INGRESSANTE FORMADO ATIVO EVADIDO
2005 2017 1479 30 508
2006 2010 1459 60 491
O que se pode concluir dos dados
demonstrados?
2007 2005 1323 134 548
2008 1992 1060 389 543
2009 1962 570 933 459
2010 1658 5 1277 376
2011 1656 2 1356 298
2012 1599 1 1426 172 Fonte: UEL/Prograd
ESCOLA PÚBLICA
Ano INGRESSANTE FORMADO ATIVO EVADIDO
2005 733 574 8 151
2006 832 581 49 202
2007 821 536 65 220
2008 815 430 172 217
2009 838 254 400 184
2010 1003 1 761 241
2011 1100 1 907 192
2012 797 0 741 56
Fonte: UEL/Prograd
PRETO OU PARDO ORIUNDO DE ES.PÚBLICA
Ano INGRESSANTE FORMADO ATIVO EVADIDO
2005 280 196 9 75
2006 209 133 14 62
2007 226 129 31 66
2008 210 92 50 68
2009 165 40 76 49
2010 183 0 138 45
2011 240 0 188 52
2012 180 0 163 17
Fonte: UEL/Prograd
Diante de todos os dados elencados até aqui e do reconhecimento da importância e poder
da educação no processo de mudança social, surgiu o projeto apresentado a seguir. Uma vez que
somos responsáveis pela aplicação da lei 10.639/2003, com a qual pouco tivemos contato, com
escassez de material de apoio e sem identificação com o tema, é que se fazem necessárias
alternativas de trabalho e de reflexão sobre o mesmo. O projeto parte do princípio de que os
educadores precisam reconhecer a necessidade de mudança de paradigmas na abordagem do
tema, que o processo esteja ligado à questão identitária e que obtenha verdadeiramente
significado para todos os envolvidos.
A seguir será apresentado o projeto que subsidiará todo o trabalho e discussão que serão
desenvolvidas ao longo das oficinas.
Comparativamente, pode se afirmar
que houve mudança significativa nos números?
Proporcionalmente, a trajetória dos
alunos cotistas e dos universais apresentam
diferenças significativas no percurso?
Quais dificuldades encontrou na
implementação da lei?
Quais ações você executou para o
cumprimento da lei?
2.1.2 Apresentação do Projeto de Intervenção
Slide 1
Uma abordagem baseada em Mia Couto
Professora PDE: Lucinéia de Angelis
Orientadora: Maria Carolina de Godoy
Slide2
A obrigatoriedade da lei 10.639/2003 que versasobre a inclusão da História e Cultura Africana eAfrodescendente na Educação Nacional.
A inquietação dos educadores na aplicação da lei.
A insuficiência de aporte teórico.
A superficialidade dos documentos oficiais.
A dificuldade de realização de um trabalhocontínuo e permanente com o tema.
Conscientização da relevância da lei para avalorização da identidade nacional híbrida.
Slide 3
DEMONSTRAR QUE A OBRA FICCIONAL PROPORCIONA UMA ABORDAGEM
CULTURAL E INFLUENCIA NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL,
SENSIBILIZANDO E AMPLIANDO AS POSSIBILIDADES DE TRABALHO DO EDUCADOR COM A LEI 10.639/2003.
Slide 4
Promover uma reflexão sobre a inserção daHistória e Cultura africana e afrodescendentena educação através de dados estatísticos euniverso literário.
Discutir sobre conceitos de identidade a partir da produção literária de Mia Couto, bem como as aproximações com autores brasileiros.
Detectar nas obras estudadas traços culturais, sociais e políticos de reafirmação da identidade nacional superando a perspectiva de país colonizado.
Slide 5
Proporcionar ao educador diferentes formas de abordagem da questão étnica na escola a partir do reconhecimento e valorização da identidade cultural, bem como suas intersecções com a cultura brasileira.
Slide 6
Oficinas temáticas com contos dos livros:
VOZES ANOITECIDAS (1986)
CADA HOMEM É UMA RAÇA ( 1990)
Slide 7
Questão identitária:
Stuart Hall
Eduardo de Assis Novaes
Teorias da narrativa:
Antônio Candido et al
Lígia Chiappini Moraes Leite
Nádia Battella Gotlib
ídeos estratégicos
Vídeo: Boneca branca, boneca preta disponível na internet.
V
De acordo com o vídeo, qual a
problemática que envolve a questão identitária
do negro desde a infância?
2.2 UNIDADE 2: Uma questão de identidade
PASSO A PASSO
1º.passo:Leitura silenciosa da poesia Identidade de Mia Couto.
2º.passo: Reflexão sobre a identidade a partir das questões.
3º.passo: Slides- A identidade na pós-modernidade.
4º.passo: Reflexão em grupo.
5º.passo: Vídeo e discussão.
Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
(...)
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
A partir do vídeo e da reflexão
proposta na Unidade 1, vamos tecer
comentários e impressões sobre o conceito
de identidade e das mudanças sofridas com
o advento da modernidade que podemos
ver refletidas na escola.
Realize uma autorreflexão e descreva como
você se autodenomina.
2.2.1 A identidade na pós-modernidade
Ao propor o trabalho com a lei 10.639/03, uma certeza é indiscutível, iniciar pela
sensibilização daquele que tem a função de abordá-la em sala de aula, pois somente através de
um processo de identificação que o trabalho ganha sentido. Assim, através da discussão sobre os
processos de construção da identidade acredita-se que será possível a nós educadores
compreendermos, aceitarmos e valorizarmos a presença do outro como parte do eu identitário.
Para estudo dessa questão, será adotado o aporte teórico de Hall (2011) que auxiliará no
debate da questão, abordando aspectos que caracterizam o que chama de modernidade tardia e
suas implicações no sujeito.
Os caminhos trilhados pela sociedade atual têm despertado inúmeras discussões acerca do
conceito de identidade. A relativa estabilidade e unificação do homem vêm perdendo espaço à
medida que suas bases estão sendo alteradas, a religião, as classes sociais, o espaços geográficos
e culturais perderam sua linha divisória, o que desestabiliza a noção de sujeito.
Segundo Hall, a mudança estrutural iniciada no final do século XX “está fragmentando as
paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade.” Isso tem
modificado as identidades sociais e a ideia que cada um tem de si. Hall chama esse processo de
descentralização ou deslocamento do sujeito, que não mais tem uma ideia única e definida de sua
identidade, podendo afirmar que se vive uma crise de identidade. (HALL, 2011, p.9).
A fim de entender o processo, Hall (2011, p.10-14) aponta três concepções para o
processo da identidade:
a) O sujeito do iluminismo: sujeito unificado, centrado no eu, num núcleo
interior presente desde o nascimento e por toda a vida, baseado na razão, no
individualismo;
b) O sujeito sociológico: visão de que esse núcleo interior, não é autônomo,
mas se constitui nas relações sociais, na interação com o espaço social e cultural
ocupado, assim o sujeito representa um elemento na sociedade, não mais seu
centro;
c) O sujeito pós-moderno: cuja identidade é um processo histórico, portanto,
sofre alterações constantes à medida que o sujeito é interpelado por diferentes
sistemas culturais, ou seja, está em permanente construção.
Dessa forma, a visão do sujeito do iluminismo é superada, uma vez que os processos de
identificação do sujeito têm assistido a um intenso processo de mudança cultural, social e
espacial. A matéria que garantia sua estabilidade se modifica, portanto sua identidade também,
caracterizando o sujeito pós-moderno com um contínuo deslocamento de traços de seu eu
identitário.
A globalização, ainda segundo Hall (2011), tem influenciado diretamente nesse
deslocamento, pois a mudança rápida e constante da sociedade moderna (diferente da tradicional)
tem atingido a muitos, encurtando espaço e tempo, ocasionando alterações de crenças,
comportamentos, relações, entre outros. Tais mudanças evidenciam que não há mais uma única
identidade, mas sim várias identidades articuladas e em constante processo de alteração.
Tal desarticulação por um lado perturba o sujeito, por outro oportuniza que novos sujeitos
e novas identidades sejam criadas, superando os sujeitos estáticos do passado.
Para Hall (2011), a fragmentação e descentralização do sujeito influenciam e são
influenciadas diretamente pelas identidades culturais nacionais, que também passam por uma
busca de caminhos seguros. O próprio conceito de nação como forma de representação e união de
um grupo que caracterize a cultura nacional, passa por grandes conflitos, uma vez que suas
fronteiras foram superadas pelo advento da pós-modernidade, portanto a ideia de nação e seu
caráter simbólico unificado já não são mais compartilhados pelos sujeitos.
Esse caráter simbólico da cultura nacional caracteriza a visão que o sujeito tem de si
mesmo, caracteriza sua identidade. Como afirma Hall (2011, p.51) “Esses sentidos estão contidos
nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu
passado e imagens que dela são construídas”. Porém, a unificação da cultura nacional caracteriza-
se como uma utopia, uma vez que o passado de lutas violentas, diferenças sociais e processos
dolorosos de colonização impedem que a homogeneidade seja estabelecida e superada pela ideia
da diferença como unidade, ou seja, representá-la através da etnia (língua, costumes, tradições) de
cada povo não representa uma solução fácil.
Além disso, vive-se uma época de sociedades híbridas, o que também dificulta a ideia da
unificação. Essa multiplicidade de identidades coabita o mesmo espaço e vivencia o mesmo
tempo no mundo virtual, perturbando a antiga teoria do sujeito unívoco.
Há que acrescentar ainda as formações identitárias que se referem àqueles que romperam
as fronteiras naturais, que estão ligados a sua origem, porém sofrem a ação das novas culturas
com que têm contato, assim devem negociar a assimilação do novo com a manutenção da cultura
de origem. Porém, como afirma Hall:
Essas pessoas retêm fortes vínculos com as tradições, mas sem a ilusão de um
retorno ao passado. [...] Elas carregam traços das culturas, das tradições, das
linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é
que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são,
irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas [...].
(HALL, 2011, p.89).
Pelo exposto fica claro que a identidade na pós-modernidade não poderá retornar à
unicidade de seu caráter da sociedade tradicional, porém, também opondo-se ao que se imaginava
com o processo de globalização, não estará fadada à desvalorização total das culturas de raiz.
Pelo contrário, o que se tem percebido é uma busca constante pelo fortalecimento da tradição e o
ressurgimento do nacionalismo como formas de negação das identidades universalistas. A
reafirmação e retomada do conceito de etnia têm caracterizado as identidades de forma a manter
sua união como forma de sobrevivência histórica e política, contrapondo-se à homogeneização
global. Hall afirma ainda que:
Os deslocamentos ou os desvios da globalização, mostram-se mais variados e
contraditórios do que sugerem seus protagonistas ou seus oponentes. Entretanto,
isso também sugere que, embora alimentada, sob muitos aspectos, pelo
Ocidente, a globalização pode acabar sendo parte daquele lento e desigual, mas
continuado, descentramento do Ocidente. (HALL, 2011, p.97).
A desestabilização das identidades oportunizou a superação de verdades impostas, de
modelos estabelecidos, a identidade do outro passa a ganhar espaço, uma vez que o “eu” se
constrói e se modifica na interação. No Brasil, a descentralização identitária promove um retorno
e valorização do africano e do indígena em sua cultura. De fato, a crise de identidade abre
possibilidades de readequação cultural, em que as minorias estigmatizadas ganham espaço para
reafirmação de seus valores na construção da ideia de nação brasileira. O fortalecimento da etnia
brasileira representa uma forma de conhecer seu povo, de subsistir no mundo globalizado, de não
ser sufocado pelas ideias universalistas.
Dessa forma, a literatura africana e afro-brasileira (e seu caráter discursivo e
ideologicamente marcado) passa a ocupar gradativamente seu espaço social e interferir no modo
como o brasileiro reconhece sua identidade que, para ser positiva e harmoniosa, necessita da
aceitação da mestiçagem.
A literatura, portanto, adquire um caráter especialmente importante nas questões
identitárias, uma vez que Brasil e África entrecruzam-se através de processos históricos e
literários semelhantes. Escritores africanos afirmam descobrir em autores brasileiros formas de
reencontro com sua cultura e seu povo, por identificar o Brasil como uma África distante,
portanto capaz de auxiliá-los na promoção do sentimento de nação. Como afirma Couto:
Havia pois uma outra nação que era longínqua mas não nos era exterior. E nós
precisávamos desse Brasil como quem carece de um sonho que antes nunca
soubéramos ter. [...] Descobríamos essa nação num momento histórico em que
nos faltava ser nação. (2011, p.65-71):
Para Couto, os escritores brasileiros modernistas não escreviam livros, escreviam um país,
ideal do qual compartilhavam os escritores africanos.
No Brasil, a ideia de mestiçagem harmoniosa presente nas obras do modernismo
brasileiro, com a qual se identifica Couto, vai se fortalecer com reconhecimento da existência de
uma literatura negra e de sua ligação ao movimento negro objetivando redefinir a ideia de cultura
brasileira e, consequentemente, de sua identidade. Como destaca Ianni:
A literatura negra está profundamente marcada pelo movimento negro. Um
movimento múltiplo, diversificado, atravessando cidades, regiões, histórias e
nações. Isto é, o tema do negro brasileiro implica desvendar, desmistificar,
resgatar e emancipar o negro do fantástico véu ideológico que o recobre, mescla,
submerge, esconde, ignora. (apud DUARTE e FONSECA, 2011, p.195).
Ao assumir o processo da enunciação e demonstrar sua resistência à marginalização
social, novos processos identitários fazem-se necessários. Pois vozes que não foram ouvidas
fazem-se presentes e tornam vital a reelaboração da identidade, que para ser coesa e unificada em
suas diferenças, que para ocupar seu espaço social no mundo globalizado, necessita de igualdade
de oportunidades e de valorização de seus diversos e diferentes aspectos culturais.
Em grupo, discutam as questões abaixo e, posteriormente, dividam coletivamente suas
impressões.
Após dialogarem sobre o tema dessa unidade, veremos um vídeo para posterior discussão.
Atualmente, tendo em vista as
políticas afirmativas, vocês acreditam que a
aceitação da identidade afrodescendente pelo
indivíduo constitui um processo fácil?
Até que ponto o resgate desse eu identitário
realmente é válido?
O que você considera necessário
para que o professor realize um trabalho
consistente com a temática da
afrodescendência?
2.2.2 História única e Identidade
ídeos estratégicos
Vídeo: Chimamanda Adichie: “O perigo da história única”, discurso apresentado
por Chimamanda (escritora nigeriana premiada) na Conferência do TED (Tecnology,
Enternainment and Design) em 2009, disponível na internet.
V
Você acredita que o discurso
histórico apresenta marcas de subjetividade?
Podemos afirmar que a História
transcrita e transmitida através da linguagem
constitui um discurso ideológico, capaz de
criar esteriótipos de pessoas e lugares e
distorcer identidades?
Você concorda com Chiappini (2002)
que “ criticar essa História” representa uma
forma de “reescrevê-la do ponto de vista dos
vencidos e dominados; datar mesmo os
momentos em que a virada histórica poderia
ter sido outra, talvez aquela que permitisse
um mundo mais justo”?
2.3 UNIDADE 3: A literatura e os processos identitários
PASSO A PASSO
1º.passo: Leitura individual do texto A Literatura Africana.
2º.passo: slides sobre Mia Couto.
3º.passo:Vídeo Repensar o pensamento e comentários orais.
4º.passo: Vídeo Mia Couto – discurso de recepção do
Prêmio Camões.
2.3.1 A literatura africana
O surgimento da literatura africana traz consigo as
marcas da dominação efetuada pelo europeu a partir do
século XV, especificamente quando se dá o início da
expansão dos portugueses para a África.
Esta literatura, restrita à escrita por portugueses,
tem, portanto, marcas da superioridade branca e pouco se
vincula ao homem africano. A narrativa centra-se no
europeu, no seu poder de conquista e dominação, enquanto
o africano foi apresentado num processo de coisificação e
animalização. Assim, uma literatura, que semelhante a do
Brasil do século XVI, vem marcada pela visão e pelos
interesses do colonizador, funcionando muito mais como
registro de suas conquistas do que propriamente marcas
literárias de uma época e de um povo. Como destaca
Ferreira (1977, p.10):
No contexto da literatura colonial por
décadas exaltada, o homem negro
aparece como que por acidente, por
vezes visto paternalisticamente e,
quando tal acontece, é já um avanço,
porque a norma é a sua animalização
ou coisificação. O branco é elevado à
Trecho da obra da
literatura colonial Os sertões
d’África (1880, p.87 apud
Ferreira, 1977, p.10) de
Alfredo de Sarmento: “É um
homem na forma, mas os
instintos são de fera”,
Trecho da obra da
literatura colonial O vélo
d’oiro (1936, p.122 apud
Ferreira, 1977, p.11) de
Henrique Galvão: “A sua face
negra, de beiçola carnuda,
tinha reflexos demoníacos.”
A literatura africana de
língua portuguesa genuína
inicia nos anos 40 e 50 do séc
XIX, em que escritores já não
aceitam a exaltação do
homem branco, vincula-se ao
ativo e polêmico jornalismo.
Até a Independência, os
escritores ficavam entre duas
realidades: a sociedade
colonial e a sociedade
africana.
Na literatura africana
atual, há uma preocupação
com o futuro e com sua
inserção no corpus literário
universal. No Brasil, segundo
Maria Carolina de Godoy, há
o destaque para a questão
autoral, ou seja, o atributo
“ser negro” estar marcado no
discurso literário além de sua
materialidade.
(Aula ministrada em
13/05/2013- PDE- UEL)
categoria de herói mítico, desbravador de terras inóspitas, o portador de uma
cultura superior.
Segundo Ferreira (1977), somente a partir do século XX, com a separação dos africanos
em selvagens e civilizados, estes conhecedores da leitura e da escrita da língua portuguesa, inicia-
se um processo de libertação. O conhecimento da língua, que a princípio deveria extinguir a
cultura local, unificou os elos de comunicação entre os africanos e oportunizou uma forma de
expressão cultural mais autônoma.
Porém, tal autonomia vai se consolidar gradativamente, passando por um processo inicial
de alienação em que as produções seguem os padrões portugueses, depois um processo de
compreensão do sentimento nacional, em que o discurso passa a revelar a percepção de sua
cultura e de seu espaço. Inicia-se, portanto, um processo de desalienação, em que a consciência
de ser negro e colonizado revela-se num discurso de revolta, passando a se transformar num
discurso de resgate da individualidade com a independência nacional.
Dessa forma, a literatura caracteriza-se como um instrumento de busca do que seria
genuinamente africano com o intuito de reencontrar o passado, antes da influência ocidental. A
literatura como uma forma de resgate da cultura e da história de tal povo. Como bem destaca
Chaves (2004, p.148):
Compreender a relevância da proposta de recuperação do passado, mesmo que
tal processo se faça através da reinvenção, pressupõe desvendar a natureza do
colonialismo, atentando-se para dados que, ao ultrapassar a esfera da exploração
econômica a que foram submetidos os povos oprimidos, exprime a política de
despersonalização cultural própria da empresa.
[...] o processo de submissão demanda ações que conduzam a uma total
desvalorização do patrimônio cultural do dominado. No limite, ele deve ser
desligado de seu passado, o que significa dizer, exilado de sua própria cultura.
Da necessidade de recuperação de um passado pré-colonial ressurge na literatura a
procura pelos homens, pela terra, pelos valores, pelas crenças daqueles que até então foram
esfacelados pela cultura do outro. Esse resgate busca nas raízes africanas os temas de seus
escritos e na tradição oral as marcas de sua origem a fim de revelar e reconstruir a identidade
nacional, ainda que seja este um processo de renovação.
É importante destacar que tradição oral, nesse contexto, é compreendida como uma
grande escola para as culturas africanas, como um reencontro com as vozes ancestrais, no intuito
de transmitir a sabedoria acumulada às novas gerações. Tal sabedoria se dá pelas vivências, pelo
contato com a água, a terra, as plantas, os astros, ou seja, forma-se no cotidiano, contando e
ouvindo histórias. Nessa perspectiva, o contador de histórias inicia a criança e o jovem no mundo
adulto, fornece-lhe encaminhamentos para oportunidades de convivência.
Outro ponto importante é a relação da oralidade com a História. Como afirma Machado
(In: SOUZA e LIMA, 2006, p.80):
No universo africano tudo fala, e pela palavra tudo ganha força, forma e sentido, e
orientação para a vida. Nas culturas africanas, principalmente hoje, compreende-
se a história a partir da compreensão da oralidade. É através da oralidade, da voz
do/s narrador/narradores que os mitos e os modos de organização dos rituais são
transmitidos. Os mitos são constituídos de palavras organizadoras dos caminhos e
vivências de cada um, em particular, e da comunidade.
Dessa forma, a tradição oral está intimamente ligada à manutenção da memória, como
princípio conservador dos conhecimentos, valores e sabedoria dos ancestrais, que ao serem
relembradas e recontadas são revividas e caracterizam um “jeito de ser”, “pertencer” e
“participar”. (MACHADO In: SOUZA e LIMA, 2006, p.80).
Assim, a palavra representa a possibilidade de ensinar e transmitir o que é sabido, pois
caracteriza um elo de resgate cultural, já que a situação social e econômica restringiu o acesso ao
mundo da escrita. Não há como entender a cultura africana, sem reconhecer suas bases orais
como tentativa de compreender a natureza humana e também como forma de resistência cultural.
É importante destacar ainda que a literatura originada na tradição oral fora por muito
tempo tratada como paraliteratura, colocada numa situação de inferioridade em relação à
literatura escrita. Segundo Fernandes (2012), com o surgimento de teorias culturalistas, que
estreitam a relação entre literatura e cultura, as fronteiras estabelecidas pelos estudos literários
foram rompidas, não sendo possível retornar ao estudo exclusivo da literatura escrita. Como
afirma o próprio autor: “O culturalismo, ao tratar o fenômeno literário como um fenômeno
cultural, pavimentou o caminho para as tensões entre a cultura oral e a escrita...” (2012, p.148).
Assim, a cultura nacional não pode ter a exclusividade da literatura escrita, mas também das
poéticas orais, que são responsáveis por grande parte do legado histórico e cultural dos países,
especialmente, aqueles que passaram pelo processo de colonização. Fernandes (2012) afirma
ainda que o texto poético oral deve ser concebido numa perspectiva sincrônica, “na medida em
que a performance corresponde a uma atualização do texto poético.” (p.150) O olhar para o texto
poético oral implica perceber o entrelaçamento do passado no presente, perceber as relações de
poder que se estabelece e como são construídas no texto.
Sintetizando, neste trabalho, as vozes ancestrais da cultura africana se fará presente nos
textos modernos de Mia Couto, promovendo um rearranjo entre elementos de tradições
essencialmente orais e a escrita literária. A legítima voz africana, contemporaneizada no conto.
2.3.2 Mia Couto
“O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem si
mesma.
Confrontados com a ausência de tudo,
os homens abstêm-se do sonho,
desarmando-se do desejo de serem outros.
Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz
parar a vida e anoitecer as vozes.”
(Mia Couto, 2013)
Mia Couto nasceu em 1955, em Moçambique, filho
de portugueses. É também professor e biólogo. Seu pai fora
escritor e jornalista, o que teria influenciado o autor.
Publica inicialmente em jornais, como era comum em
África. Aos 20 anos, na década de 80, estreou com o livro
de poemas Raiz de Orvalho (1983), posteriormente os
livros de contos Vozes anoitecidas (1986) e Cada homem é
uma Raça (1990). Obras com as quais serão desenvolvidas
as atividades do projeto. Neste período, a literatura
moçambicana passa ao status de sistema literário
institucionalizado e reconhecido, embora ainda o país esteja
sob o processo de consolidação de sua independência que
se deu no ano de 1975. Dessa forma, como destaca
Laranjeira (1997, p.195), pode-se falar em:
Nome: António
Emílio Leite Couto.
Iniciou os estudos de
Medicina, mas
abandonou para
seguir a carreira
jornalística.
Continuou os
estudos
universitários na
área de Biologia.
Dentre os inúmeros
prêmios, venceu o
Prêmio Camões
2013, um dos
principais prêmios
da literatura em
língua portuguesa.
Aos dois anos pede
para ser chamado de
Mia, pelo som se
parecer com miado
de seus gatos.
[...] estado adulto da literatura moçambicana, no sentido de que, não sendo o
Estado-nação ainda uma formação político-social adulta (conceptualmente
adquirida, generalizada e estabilizada), aquela o é enquanto formação cultural e
ideológica na qual se resolvem provisoriamente as contradições entre o
analfabetismo, a confrontação militar da pós-independência [...] e a vontade de
estabilização político-cultural. (grifo do autor).
Tal autor é um representante dessa literatura adulta, pois criou um estilo narrativo que
pôde registrar e marcar traços da verdadeira literatura moçambicana com características próprias
de seus representantes.
É importante destacar que a literatura moçambicana nasce juntamente com sua História e
com a necessidade de consolidar-se como nação independente, portanto essa literatura vem
notadamente marcada pela busca de uma identidade. Nessa busca, Mia Couto traz um resgate da
ancestralidade de seu povo e as marcas da oralidade, tão relevantes para o povo africano que tem
na tradição oral suas bases e suas origens. Como afirma Laranjeira (2001, p.202):
A (re)criação verbal, com neologismos e inovações sintáticas (que se
encontrariam também no português do Brasil), advém do gozo da língua e de
aproveitar o contacto entre várias delas, mas também da necessidade de criar e
relatar novas realidades, rurais e urbanas, numa língua literária que, sendo
urbana e cosmopolita, retoma práticas orais com origem no enraizamento da
ruralidade.
Dessa forma, Mia Couto faz da linguagem em sua literatura uma arma de protesto e de
resgate da cultura de seu povo, pois ela apresenta traços inventivos como a poeticidade,
neologismos, termos nativos, dentre outros. É por meio de sua escrita que se percebe a tensão
entre a cultura local e a cultura europeizante, ou seja, o ressurgimento daquela em detrimento
desta. Laranjeira (2001, p.203) destaca:
O discurso de Mia Couto entrelaça culturas e registros, num equilíbrio que
permite falar do racismo, da guerra, da vida e da morte, do amor e do ódio, da
política e do comércio das almas, sempre com o gosto de contar desempenhando
o papel de farol do leitor, redefinindo seus gostos e suas visões de mundo, como
se a ficção pudesse devolver à realidade a fantasia da verdade.
Já em sua primeira obra narrativa, Vozes anoitecidas (COUTO, 1997b), são doze contos
que mostram as características inovadoras e fundadoras de sua produção, com temáticas distintas
de vida e morte, amor e ódio, natural e sobrenatural, loucura, obsessão, política, humor e
prevalência de narradores envolvidos com as histórias narradas, ou seja, um ponto de vista
testemunhal, dados que não foram traduzidos aleatoriamente, mas têm sua fundamentação na
relevância que tal literatura assume no contexto de país ex-colonizado e na construção da
identidade de uma nação. A narração ficcional, a fantasia, portanto como afirma Silva (2010,
p.72) “completa e beneficia a realidade (e a não realidade) desejada”.
A outra obra a ser tratada, Cada homem é uma Raça (COUTO, 2013), seguindo o mesmo
processo de criação literária, traz a supremacia da personagem feminina, destacando temas como
loucura, amor, ódio, política, abordados sempre de uma forma simbólica, exigindo do leitor uma
busca constante pelo significado. Além disso, são histórias que se apresentam ora no passado
colonial, ora no contexto atual, “mas o tempo dominante é o da narrativa pura, ou seja, a
intemporalidade mítica do era uma vez.” (ANGIUS e ANGIUS, 1998, p.34 apud MARTINS,
2006, p.77).
Há ainda que se destacar a presença de elementos fantásticos em vários contos dos livros
escolhidos, forma buscada pelo autor no imaginário coletivo africano para subverter a realidade
caótica enfrentada, ou seja, como forma de garantir a superação das mazelas e tristezas vividas
pelo ser humano e como forma de realização de seus desejos. Há a recriação da realidade como
forma de combate do que se tem pragmaticamente, como forma de contestação da ordem
estabelecida pelo colonizador.
A seleção de Mia Couto não foi algo ocasional e aleatório, mas sim pela sua intrínseca
ligação com o movimento modernista brasileiro, seja pelas influências reveladas ou não. Dessa
forma, o passado histórico de país colonizado semelhante pelo qual passaram Moçambique e
Brasil os aproxima e Mia Couto traduz isso em seus discursos. Revela que o Brasil representa
uma forma exemplar de como a literatura pode estar a serviço da identidade, faz parte dela, uma
vez que espelha o próprio homem.
ÍDEO ESTRATÉGICO
Vídeo: Mia Couto: Repensar o pensamento (18:46’), conferência realizada pelo autor
no projeto cultural Fronteiras do Pensamento, realizada em Porto Alegre no ano de
2012. (disponível na internet).
Como vimos, o Brasil, seja pela sua história, seja pela sua literatura, faz com que
Moçambique siga seus passos para consolidar a literatura, mas não apenas isso, ambos ainda
procuram legitimar sua cultura e, principalmente, sua identidade e a produção literária tem sido o
suporte para isso. Pois como afirma Candido (1995, p.175-176):
Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de
acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas
normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles.
Ela (a literatura) não corrompe, nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente
em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido
profundo, porque faz viver. (grifo do autor).
Partindo da afirmação acima e da crença de que esta seja uma verdade, a literatura será o
suporte de trabalho para nosso caderno, pois através da ficção de Mia Couto, poderemos nos
deparar com a realidade de Moçambique, do africano, do afrodescendente e também do
brasileiro. Os textos literários e seu aspeto simbólico nos conduzirão a conhecer a cultura e os
anseios de um povo, fazendo-nos solidarizarmos com sua luta e nos identificarmos com a
legitimidade de suas contribuições na formação de várias sociedades, dados que foram apagados
pela História única que nos foi contada.
Em cada conto, descobriremos mais da cultura africana e, gradativamente, vamos nos
redescobrindo enquanto brasileiros, portadores de uma cultura híbrida, legítima e valorosa que
nós educadores podemos reescrever e desvendar em cada um de nós um pouco daquele que há
tempos fora tratado como outro: o negro.
V
ÍDEO ESTRATÉGICO
Para finalizar, assistiremos ao vídeo a fim de socializar impressões: Mia
Couto: discurso de recepção do Prêmio Camões (5’52”), recebido em
10/06/2013. (Disponível na internet).
V
FORTUNA CRÍTICA DE MIA COUTO
RIBEIRO, Ludmila Costa. A cosmovisão africana da morte: um estudo a partir do
saber sagrado em Mia Couto. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários –FALE) –
Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <
bibliotecadigital.ufmg.br>. Acesso em: 25/09/2013.
MARTINS, Antônio José Marques. O universo do fantástico na produção
contista de Mia Couto: potencialidade de leitura em alunos do ensino básico.
Dissertação (Mestrado em Ensino da Língua e da Literatura Portuguesas) – Universidade
de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, 2006. Disponível em:
<repositório.utad.pt/bitstream/10348/36/1/msc_ajmmartins_vol1.pdf>. Acesso em:
16/05/2013.
LARANJEIRA, José Pires. Mia Couto e as literaturas africanas de língua portuguesa.
Revista de Filologia Românica. 2001. (Universidade de Coimbra). Disponível em:
<revistas.ucm.es/índex.php/RFRM0101220185A/10937>. Acesso em: 15/05/2013.
2.4 UNIDADE 4: A LITERATURA E A RECRIAÇÃO DA REALIDADE
PASSO A PASSO
1º. passo: apresentação das teorias da narrativa através de slides.
2º.passo: Contação do livro: A ressurreição do papagaio de Eduardo Galeano com uso das
imagens do livro em data show. (Síntese sobre o poder da arte).
2.4.1 Teorias da narrativa
O estudo da narrativa, especialmente do conto, faz-se necessário, pois através dele
pretende-se demonstrar as aproximações entre Brasil e África, bem como, reconhecer nas
histórias moçambicanas formas de reconstrução da identidade negada e resgate de tradições que
por muito tempo foram esquecidas. Além disso, a seleção e análise de seus elementos e de como
esses se comportam no texto como um caminho para busca da compreensão e do reconhecimento
dos desejos e inquietações dos africanos que permeiam também a identidade brasileira.
2.4.1.1 O Conto
A arte de contar histórias acompanha o ser humano desde os tempos mais remotos. Seja
através da oralidade, seja através da escrita, a narrativa continua mantendo seu vigor e sua
importância para o homem na atualidade. Dentre as narrativas possíveis, o conto ocupa neste
trabalho um espaço especial, pois a partir das tentativas de entender o gênero serão realizadas
compreensões mais satisfatórias do corpus.
Do ponto de vista estrutural, Gancho (2002) afirma ser possível perceber que toda
narrativa estrutura-se sob cinco aspectos: enredo, personagens, tempo, espaço e narrador. Porém,
cada um desses elementos apresenta sua relevância dentro do texto. Nessa perspectiva, a
valorização de um em função do outro, já caracterizaria um possível direcionamento na leitura e
interpretação da história narrada.
Dentre as narrativas, o conto será o objeto de análise, portanto é preciso discutir sobre a
problemática que envolve a definição do gênero. Um ponto comum entre os teóricos está no fato
de o conto diferir do romance e da novela pela sua extensão, ou seja, a história a ser narrada parte
de um acontecimento único. Como destaca Moisés (1968, p.100):
Trata-se, pois, de uma narrativa unívoca, univalente. Constitui uma unidade
dramática, uma célula dramática. Portanto, contém um só conflito, um só
drama, uma só ação: uma unidade de ação. Para entender nitidamente essa
unidade dramática, temos de considerar ainda um outro aspecto da questão:
todos os ingredientes do conto levam ao mesmo objetivo, convergem para o
mesmo ponto. Assim, a existência dum único conflito, duma única história, está
intimamente relacionada com essa contração de efeitos [...] exige que todos os
seus componentes estejam galvanizados numa única direção e ao redor dum só
drama. (grifo do autor).
Edgar Allan Poe acrescenta à ideia de extensão, o efeito que o conto deve causar no leitor,
fazendo com que este fique preso ao texto durante a leitura e mantenha seu estado de excitação
em direção de um efeito único. Poe (apud GOTLIB, 1990, p.34) postula que:
[...] no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja
ela qual for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle
do escritor. Não há nenhuma influência externa ou extrínseca que resulte
cansaço e interrupção.
Porém o modelo veiculado por Poe vai ser questionado e sofrer acréscimos de Tchekov,
contista russo, que destaca que o conto deve ser claro, objetivo e simples, para que o leitor o
compreenda de imediato, deve ser compacto, ter a presença do novo e força. Sendo assim, o
conto precisa ser forte o bastante para deixar marcas no leitor e prender sua atenção, não ter
excesso de detalhes, apresentar os elementos condensados, a fim de manter a objetividade.
Outro ponto que merece destaque em Tchekcov é o compromisso do conto com a
realidade, de forma que o leitor possa recriar o narrado à medida que vai tomando contato com o
texto, como afirma Gotlib (1990, p.45):
A intenção de Tchekcov-escritor realista é repetidamente anunciada por ele
mesmo: representar a verdade, que é a “absoluta liberdade do homem, liberdade
da opressão, dos preconceitos, ignorância, paixões, etc”. E denunciar uma
situação condenável. (grifo da autora).
Dessa forma, a história narrada abre possibilidades de, a partir de um acontecimento
ficcional, descortinar uma segunda narrativa que encontra suas bases na reflexão sobre a
realidade.
Neste momento, cabe então destacar as características do conto moderno que vai através
do que está dito encaminhar o leitor para algo a ser descoberto. Há um quebra na ordem natural
do narrar e na forma do fazê-lo, cabendo ao leitor a busca pela significação.
A partir da ideia supracitada, destaca-se o conto africano, surgido da necessidade de um
país em construção. Espaço em que os autores buscam nas tradições orais, nos ritos e mitos, as
bases de seu enredo, porém não se atém a eles, uma vez que os subvertem a fim de mostrar a
crueldade e os conflitos sociais que permeiam tal etnia. O passado se atualiza com o intuito de
atender as necessidades da complexidade do mundo atual. Convém citar Afonso (1992, p.12 apud
MARTINS, 2006, p.37), que bem explicita a importância do conto:
[...] o conto oferece, em África, um verdadeiro espaço de criatividade,
explorando os níveis e limites do ser, ultrapassando quaisquer obstáculos
ideológicos, captando todas as realidades que dizem respeito ao homem, fixando
a imagem do caos do mundo moderno, a fragilidade da felicidade e a
precariedade dos destinos humanos.
Diante de tal viés, a explanação sobre o conto fantástico ganha relevante importância, seja
pelo autor escolhido, seja pelas características de sua produção. No conto fantástico, o escritor
recria um mundo extremamente parecido com o real, com o qual há o processo de identificação
do leitor, uma identificação com o mundo empírico, pessoas e fatos naturais, o surgimento de
qualquer elemento metaempírico ou sobrenatural desequilibra essa possibilidade de relação com
o real, o que causa no leitor uma inquietação e, principalmente, a dúvida sobre a veracidade do
que é narrado, nessa hesitação é que se sustenta o fantástico. Como afirma Todorov (apud
MARTINS, 2006, p.40):
[...] o fantástico implica uma integração do leitor no mundo dos personagens,
define-se pela percepção ambígua que tem o próprio leitor dos acontecimentos
narrados [...]. A hesitação do leitor é pois a primeira condição do fantástico.
Sendo a hesitação, a pedra basilar do conto fantástico, segundo Martins (2006, p.40-46)
baseado na teoria de Filipe Furtado, ela se sustenta pela ambiguidade e pela verossimilhança. A
ambiguidade vinculada ao metaempírico, ou seja, por permitir a oscilação do leitor entre o mundo
real e o sobrenatural; a verossimilhança vinculada à possibilidade de identificação dos
personagens e do fato narrado com um mundo admissível, assim um mundo criado de tal modo
que o leitor acredite na possibilidade de a narrativa empiricamente acontecer.
Por outro lado, não se pode ignorar o fato de Mia Couto propor em sua literatura um
resgate cultural. Assim, não se pode restringir os traços sobrenaturais em sua obra ao fantástico
ou ao maravilhoso, uma vez que estes povoam as crenças de tal povo por apresentarem em sua
ancestralidade uma visão animista da realidade, segundo a qual todos os elementos da natureza,
fenômenos naturais, elementos do cosmos possuem “ânima”, portanto são passíveis de
sentimentos e vontades. O que para muitos são acontecimentos mágicos, para os costumes
africanos, são acontecimentos aceitáveis e possíveis na realidade. A coparticipação de elementos
reais e insólitos é perfeitamente verídica, não apenas verossímil.
Dessa forma, convém destacar uma terminologia que se adeque à característica da obra
literária a ser analisada que é o realismo animista, termo proposto por Pepetela (1997) e Garuba
(2003). Segundo tal concepção, há uma convivência harmoniosa entre o mundo dos mortos e o
mundo dos vivos, entre o presente, passado e futuro. “No imaginário africano os elementos
míticos e históricos convivem em harmonia, paradoxalmente, o mítico na África é também “real”
e “histórico”. (WITTMANN, 2012, p.33). Na cultura africana, os elementos sobrenaturais estão
intimamente ligados às crenças religiosas e costumes, por isso tratá-los como elementos mágicos
ou maravilhosos seria adotar uma postura ocidental de análise, que pouco acrescentaria na
identificação da verdadeira identidade africana, presente na sua literatura. É preciso compreender
que na África, os acontecimentos estão ligados a uma crença religiosa animista, por isso a sua
interpretação adequada liga-se à capacidade do leitor em relacionar algo simbolizado na obra com
sua significação.
Ao utilizar o realismo animista na literatura, Mia Couto busca a recuperação da
ancestralidade dos moçambicanos, mostrar quem foi e quem é o africano e qual a sua cultura,
bem como, demonstrar o encontro desse passado com a modernidade. Enfim, compreender a obra
desse autor pressupõe a compreensão das representações animistas nela presentes. Que elementos
representam a força da cultura moçambicana, a força do homem africano, suas crenças, como
essas ideias aparecem materializadas no texto literário.
2.4.1.2 A personagem de ficção
A personagem nos contos de Mia Couto adquire fundamental importância ao passo que
revela a voz de uma coletividade e a retomada de valores culturais que permaneceram esquecidos
durante séculos. Assim, torna-se necessária a construção de um aporte teórico sobre ela, passando
pela definição dos traços que compõem a obra ficcional e qual o valor e importância da
personagem e de seu processo de criação na narrativa. Para isso, far-se-á um breve percurso por
esse caminho.
A obra ficcional, segundo Rosenfeld (CANDIDO et al, 1998), caracteriza-se pela
criatividade do autor em criar esquemas que coloquem em ação a imaginação do leitor. Ele cria
um mundo fictício que representa a realidade, mas não se atém a ela. Dessa forma, os momentos
e as revelações feitas pelo escritor em sua obra, conduzem o apreciador a aprofundar-se no que
lê, a criar expectativas que ultrapassam os limites da realidade, ele penetra num mundo recriado
que emana da obra. Rosenfeld (CANDIDO et al, 1998, p.12) destaca que:
Este mundo fictício ou mimético que frequentemente reflete momentos
selecionados e transfigurados da realidade empírica exterior à obra, torna-se
portanto, representativo para algo além dele, principalmente além da realidade
empírica, mas imanente à obra.
Dessa forma, ainda segundo Rosenfeld (CANDIDO et al, 1998), a obra literária é
caracterizada sob três aspectos: o problema ontológico, o problema lógico e o problema
epistemológico. O problema ontológico está relacionado com o fato de a criação do autor ser um
ato intencional, que necessariamente não tenha correspondência com a existência real do que é
projetado. O problema lógico relaciona-se à verossimilhança, ou seja, a coerência interna da obra,
não se aplicando a esta a noção de verdade, pois sua intenção é diversa, não há a pretensão de o
leitor encontrar correspondência entre o mundo real e o mundo ficcional, embora se organize de
forma quase real. O terceiro, o problema epistemológico, relaciona-se à personagem, ponto
relevante do presente trabalho, pois é esta que garante a ficção por excelência, que garante que a
imaginação se concretize através de suas ações e pensamentos, é “a personagem que com mais
nitidez torna patente a ficção, e através dela a camada imaginária se adensa e se cristaliza”,
afirma Rosenfeld (CANDIDO et al, 1998, p.17). O leitor, através do discurso e do enunciador
fictício criado pelo escritor, é levado a vivenciar as experiências vividas pela personagem e
penetrar, dessa forma, na narrativa.
A função das personagens na obra de ficção é de extrema importância, uma vez que elas
fazem com que o processo narrativo se desenvolva e o tempo transcorra através de suas ações que
garantem o enredo, sem o qual a narrativa inexiste. Outro ponto relevante reside na diferenciação
entre a personagem e a pessoa, uma vez que aquela é determinada e definida pelas orações
presentes na obra, em que as lacunas deixadas, passam quase imperceptíveis aos olhos do leitor.
Assim, a personagem é conhecida através do que é evidenciado pelas orações, neste espaço
ficcional conhece-se verdadeiramente os seres humanos, pois estão projetados na escrita e
conduzem o leitor a reconstrui-lo a partir dos dados fornecidos gerando a sensação de
reconhecimento total da personagem.
Vale ressaltar que ela encontra-se emaranhada em questões humanas, possibilitando ao
leitor a reflexão sobre a própria condição e uma visão mais nítida dos conflitos por não estarem
ligados diretamente a ele. Dessa forma, destaca Rosenfeld (CANDIDO et al, 1998, p.40 ) “o
leitor contempla e ao mesmo tempo vive as possibilidades humanas que a sua vida pessoal
dificilmente lhe permite viver e contemplar, pela crescente redução de possibilidades”.
Nessa perspectiva, é por meio da personagem que o leitor adere ao discurso narrativo,
identificando-se com ela, conhecendo seu mundo, aceitando sua verdade, para isso, o escritor a
delineia de forma que possa dar a impressão de vida ao leitor, de profundidade, de complexidade,
embora limitada pelos recursos linguístico-enunciativos.
E como se cria uma personagem? A personagem é um ser inventado, ainda que mantenha
vínculos com a realidade, sua criação está ligada a uma reinvenção do mundo vivido, seja pela
memória seja pela imaginação do autor. Porém, uma forma ou outra não se dá exclusivamente,
mas atuam juntas no processo de criação. Dessa forma, Candido (CANDIDO et al, 1998) destaca
que a criação da personagem varia entre dois polos: a cópia fiel de modelos reais ou a invenção
do imaginário.
Tais polos abrem um leque de possibilidades de criação da personagem, embora todos
estejam vinculados à recriação imaginária do escritor. Para Candido (1998), são elas:
Personagem transposta da experiência direta do escritor, sua vivência;
Personagem transposta de modelo anterior, em que o escritor reconstitui
indiretamente, usando a imaginação aliada a testemunho;
Personagem reconstruída a partir de um modelo real;
Personagem construída a partir de um modelo conhecido direta ou indiretamente,
mas que se afasta dele, servindo apenas como ponto de partida para o trabalho
com a fantasia;
Personagem construída em torno de um modelo real dominante, ao qual se
acrescentarão elementos secundários;
Personagens construídas a partir de vários modelos vivos, resultando numa nova
personalidade;
Por fim, há a personagem construída de forma que não é possível sustentá-la a
partir de um modelo real, mas a partir de uma visão simbólica do homem.
Sintetizando, é importante reafirmar a notória manutenção da memória, da observação e
da imaginação no trabalho do escritor ao criar suas personagens. A relevância de um fator em
função do outro está atrelada ao tipo de narrativa que pretende desenvolver e à intenção do autor.
Por outro lado, o trabalho do escritor só estará concluído ao passo que conseguir inserir
essa personagem dentro de um conjunto de fatores que corroborem para sua atuação e garantam a
verossimilhança do texto, independentemente de sua ligação com a realidade. Como bem destaca
Candido:
Cada traço adquire sentido em função do outro, de tal modo que a
verossimilhança, o sentimento de realidade, depende, sob este aspecto, da
unificação do fragmentário pela organização do contexto. Esta organização é o
elemento decisivo da verdade dos seres fictícios, o princípio que lhes infunde a
vida, calor e os faz parecer mais coesos, mais apreensíveis e atuantes que os
próprios seres vivos. (CANDIDO et al, 1998, p.65).
No que se refere a Mia Couto, nessa perspectiva é que consiste o trabalho, destacar como
as suas personagens interagem dentro do texto a fim de promover o resgate da cultura e da
identidade nacional.
2.4.1.3 O foco narrativo
A relação que se estabelece entre o narrador e a narrativa na produção de Mia Couto
apresenta uma especial forma de organização destacando-se já no primeiro contato com os
contos, portanto torna-se de extrema relevância o estudo do papel que o narrador assume e como
se organiza nestas obras. Para isso, realizar-se-á uma breve análise, a fim de reconhecer a
importância dessa seleção para a compreensão do corpus.
Friedman (apud CHIAPPINI, 2002, p.25-66) destaca oito tipos de narrador predominantes
na obra de ficção, os quais serão elencados e explicados abaixo:
narrador onisciente intruso: tem a liberdade de demonstrar pensamentos,
costumes, preferências dos personagens, pode se posicionar na periferia ou no
centro dos acontecimentos, suas palavras e pensamentos são predominantes na
narração, tece comentários;
narrador onisciente neutro: narra em 3ª.pessoa, encontra-se entre a história
e o leitor, porém não tece comentários sobre o que narra nem sobre as
personagens;
eu como testemunha: narra em 1ª. pessoa, está interno na narrativa, portanto
seu ângulo de visão é limitado, pois narra a periferia dos acontecimentos;
narrador protagonista: narra de um centro fixo, limitado as suas
percepções, não tem acesso aos pensamentos dos demais personagens;
onisciência seletiva múltipla: o narrador praticamente desaparece, a história
vem narrada diretamente da mente das personagens que são apresentadas pelo
autor através de seus sentimentos, emoções, reações;
onisciência seletiva: semelhante a anterior, a onisciência parte de apenas
uma personagem;
modo dramático: não há presença do narrador nem do autor, a história é
apresentada através da fala e das ações das personagens, aproximando o leitor
do texto;
câmera: há exclusão do autor, a narrativa é contada através de flashes da
realidade como se fossem captados por uma câmera, porém não se pode pensar
em neutralidade, uma que vez que alguém adota a perspectiva captada por esse
mecanismo.
Segundo Chiappini (2002), a visão multifacetada do narrador ao longo da história,
sintetizada acima, sofreu inúmeros debates e oposições teóricas, porém relevante para este
trabalho é a substituição da perspectiva do narrador que não intervém no que narra, que se
posiciona como um elemento pontual, pelo narrador com a voz diretamente envolvida na
narrativa, finalmente o narrador que deixa de fingir ser neutro.
Baseados nessa visão, inúmeros são os fatores que modificam a produção literária e
quebram sua relativa estabilidade. As noções de tempo e espaço perdem seu valor fixo, passando
a uma fusão de presente, passado e futuro que desestabiliza a história narrada. Muitas vezes o
próprio narrar traz formas diferenciadas de apresentar-se linguisticamente, a fim de garantir a
atmosfera de incerteza no leitor. Incertezas que caracterizam a época histórica vivida.
O uso do monólogo interior no fluxo da consciência torna-se recorrente. Entende-se por
monólogo interior um aprofundamento maior nos processos mentais que são evidenciados na
forma de apresentação ininterrupta de pensamentos dos personagens ou do narrador. Este
monólogo interior adquire a forma de fluxo da consciência à medida que esses pensamentos são
lançados na narrativa de forma contínua, desconexa, inconsciente. É por meio do narrador que o
leitor pode penetrar nesse mundo interior das personagens, ora com certo distanciamento, ora
como se participasse do mundo narrado.
O narrador, outrora distanciado, agora se envolve diretamente com o que narra,
sensibiliza-se com as dores, sofrimentos e alegrias das personagens, deixa fluir suas emoções,
alterando a postura do leitor que deixa de ser apenas contemplativo e imparcial e passando a se
posicionar diante da matéria lida. Como destaca Chiappini (2002, p.72):
Substitui-se o NARRADOR por uma voz diretamente envolvida no que narra,
narrando por apresentação direta e atual, presente, sensível pela própria
desarticulação da linguagem, o movimento miúdo das suas emoções e o fluxo
dos seus pensamentos. E, com isso, anula-se a distância entre o NARRADO e a
NARRAÇÃO, alterando-se também outro princípio básico da narrativa clássica:
causalidade.
O aprofundamento no processo psíquico do PERSONAGEM-NARRADOR
acaba por desmanchar a noção tradicional de personagem, fragmentada agora
nessa voz sem rosto que, no limite, é expressão do inconsciente, para além do
caráter retratado pelo romance psicológico. (grifos da autora).
Tal envolvimento do narrador com mundo narrado está ligado diretamente ao mundo
caótico e fragmentado vivido pelo homem, um mundo que não cabe mais na forma tradicional do
narrar. O narrador expõe esse mundo ao passo que passa a se identificar com ele, transmitindo ao
leitor a essência do que narra e levando-o às mesmas sensações, a ultrapassar o plano da leitura
superficial e encontrar o que lhe é subjacente.
A subjetividade do narrar representa a forma de romper com a homogeneização
pretendida pela sociedade atual, marcada pela extrema valorização dos bens de consumo, pelos
meios de comunicação de massa, que insiste em tratar a todos como iguais, com padronização.
A ficção, nesse contexto, tende a superar tal realidade, demonstrando que a substituição
do uso da palavra como mimeses pode representar a verdadeira forma de conhecer o mundo, ou
seja, basear-se na construção subjetiva da realidade. Dessa forma, Anatol (apud Chiappini, 2002,
p.71) afirma que a ficção contemporânea está ligada ao fantástico, ao alegórico. Já em Mia Couto
há uma ligação ao realismo animista que busca na crenças da ancestralidade a subversão da
modernidade. Assim como a História tenta vincular-se a uma realidade que, mesmo dizendo o
contrário, vem marcada pela voz e pelas escolhas do historiador, portanto tem também sua
parcela de subjetividade. A ficção pode, pois, muitas vezes, apresentar uma verdade que fora
camuflada pela História, fazendo eclodir povos, culturas e vencedores negligenciados pela dita
verdade histórica.
Finalizando, o foco narrativo deixa de ser um mero aspecto do narrar para assumir a
importância da voz que conduz o leitor pelas linhas e entrelinhas a reconstruir a verdade da
narrativa.
CONTAÇÃO DE HISTÓRIA:
GALEANO, Eduardo. História da ressurreição do papagaio. São Paulo: Cosacnaify,
2ª. ed. 2012.
(Uso de imagens do livro no data show).
2.5 UNIDADE 5: A MORTE COMO TEMA
PASSO A PASSO
1º.passo: A compreensão da morte pelos africanos.
2º.passo: “Desvendando o texto”.
3º.passo: vídeo - A canção dos homens baseado na poesia de Tolb Phanem.
4º.passo: síntese.
2.5.1 A compreensão da morte pelos africanos
A morte tem, para os africanos, um significado específico. Ela não é vista como resultado
de castigos (trabalho, doença, velhice). Morrer na velhice é visto como uma bênção divina, as
doenças são reconhecidas através de causas sobrenaturais, ou seja, originam-se em alguém ou
alguma coisa que quer prejudicar o ser humano.
Segundo Ribeiro (2010), a morte é, portanto, o fim de um ciclo e consiste na separação do
corpo e da alma. Esta, por sua vez, é conduzida aos espíritos ancestrais através de ritos de
passagem até atingir a plenitude da morte.
Há também que se destacar que ela não representa o fim da vida, mas um outro modo de
existência, um segundo nascimento, um nascimento espiritual, por isso os rituais são importantes,
pois criam condições para a vida espiritual. Dessa forma, aquele que não é enterrado segundo os
rituais, não é considerado morto, o que gera graves problemas a sua alma e aos viventes.
Algumas curiosidades sobre os rituais de passagem da vida para morte das sociedades
arcaicas ajudarão na compreensão do conto que analisaremos a seguir:
é recorrente nas tradições os mortos serem enterrados na posição embrionária;
o morto deve levar para a sepultura seus bens materiais para que permaneça no estado
de riqueza;
deve-se morrer e ser sepultado na terra natal, junto à família;
o comando da cerimônia fúnebre cabe ao filho mais velho e o cuidado com o corpo à
esposa;
abstinência sexual;
indivíduo QUENTE é aquele considerado mau, porque almejou ou praticou coisas além
da normalidade que atrapalhou as relações sociais, atrapalhou o fluxo da vida (por exemplo
cometeu adultério, querer sucesso excessivo), assim ele encontra-se em estado maligno devido a
algumas manobras de feitiçaria ou pessoas dominadas por espíritos possessivos;
o destelhamento da casa (esta uma metáfora do corpo como morada) caracteriza uma
ligação direta com o céu, facilitando o desligamento da alma e sua passagem para o outro modo
de ser;
a morte está presente em rituais de iniciação, ou seja, ela não representa apenas a
separação do corpo e da alma, mas também representa uma fase anterior de acesso a uma vida
nova.
Roteiro de trabalho:
1. Leitura atenta do conto A fogueira do livro Vozes anoitecidas de Mia Couto (p.21-29)
com a supressão do parágrafo final.
2. Conversa informal sobre qual final os leitores imaginam para o texto e justificativas baseadas em
marcas textuais.
3. Quais elementos do texto evidenciam que a cova era para o velho?
4. No decorrer da narrativa, o leitor acompanha uma degradação do velho. Identifique no texto trechos em
que isso se concretiza.
5. Com relação à linguagem, há algumas rupturas da norma padrão. Observe para verificar que força
expressiva que elas adquirem no contexto.
6. Segundo o texto, “a morte é um simples deslizar, um recolher das asas.” O que isso quer dizer?
7. Que marcas identitárias e culturais podem ser percebidas no texto?
8. Sugestão de vídeos baseados no conto, disponíveis na internet:
Fogata de João Ribeiro (cineasta moçambicano)
Borralha de Arturo Saboia (cineasta maranhense)
2.5.2 Uma leitura do conto: A fogueira e a representação da morte
O conto em questão pertence ao livro Vozes anoitecidas (1997), título que sugere o
surgimento de um novo modo de narrar, um modo capaz de revelar vozes que até então não
foram ouvidas ou não tiveram a possibilidade de se expressarem, a tradição oral que fora
sufocada pela cultura europeia e pela cultura da escrita. Embora em princípio, segundo Laranjeira
(2001, p.197), este livro tenha sido considerado “perturbador da norma literária e visto como
infeliz modo de captar a fala popular”, posteriormente passou a representar um modelo de
superação daqueles que querem policiar a criatividade, imaginação e liberdade da escrita, uma
ruptura com normas pré-estabelecidas. Mia Couto destaca a delicada tarefa de se expressar, de
libertar a imaginação num espaço politicamente sensível e controlador. O autor, ao longo dos
contos do livro, revela vozes do povo, casos e histórias ouvidas no cotidiano que ele recria
através de uma linguagem inventiva e busca um encontro com a cultura moçambicana.
Inicialmente, é importante destacar as rupturas linguísticas efetuadas pelo autor.
Basicamente são pertencentes ao nível da enunciação, ou seja, na linguagem utilizada para
registrar o enredo. Vejamos alguns exemplos:
Nível morfológico:
Uso de palavras substantivadas ou mudança de classe gramatical:
- “o nada” (p.23)
-“só temos nadas” (p.24)
- “Estavam ali os todos” (p.28)
- “esquerdear, direitar”(p.27)
- “Não barulha, mulher” (p.26)
Uso do grau superlativo absoluto sintético do adjetivo com a palavra intensificadora
- “muito caríssima” (p.24)
Neologismo:
- “serviço de covar” (p.24)
Sintaxe:
Ocorre a repetição do sujeito eu e a mistura da 2ª. pessoa gramatical apanhaste com a 3ª.
representada pelo pronome você, devendo fazer a concordância na 3ª. pessoa.
- “como é que eu, sozinho, doente e sem forças, como é que eu vou-lhe enterrar?” (p.24)
- “Você está cheio com a febre. Foi a chuva que apanhaste.” (p.25)
Tais marcas, dentre outras, demonstram a proximidade da linguagem escrita e da
oralidade. Além de subverter a língua do colonizador, marca na escrita as características da
tradição oral africana, aproximando a leitura da contação oral.
Isso também pode ser observado no discurso do narrador, que apresenta uma construção
poética na forma de dizer, usando, de forma destacada, a personificação de diversos elementos
inanimados e da natureza, aproximando a narração da cultura revelada:
- “O velho amaldiçoou as nuvens e os céus que as trouxeram.” (p.25)
- “No dia seguinte, o velho foi acordado pelos seus próprios ossos que o puxaram para dentro do
corpo dorido.” (p.26)
-“a febre castigava-lhe a teimosia” (p.27)
-“a lua começou a acender as árvores do mato” (p.28)
- “Estava ali a vida a continuar-se, grávida de promessas.” (p.28)
-“Os ruídos da manhã foram-na chamando para fora de si” (p.28)
Com relação à temática, apresenta-se a morte, numa perspectiva de aceitabilidade serena,
ou seja, a morte esperada como algo natural, não doloroso.
As personagens caracterizam-se como velho e velha, sem nome, ou seja, transmitem ao
leitor a ideia de que a realidade vivida por eles é também a realidade de muitos, num período de
guerra. Além disso, tal caracterização tem para a cultura africana um especial significado, pois os
velhos são considerados os guardiões da sabedoria e da cultura de um povo, são responsáveis
pela memória coletiva, pela transmissão dos saberes às próximas gerações. Porém, a apresentação
inicial da narrativa nos mostra a quebra desse paradigma, uma vez que os velhos encontram-se
solitários, em situação de miséria e abandono.
Já nos primeiros parágrafos tem-se a construção do tempo e do espaço narrativo, o campo
e um tempo histórico, a velha esperando o marido sair do mato sentada na esteira, intensificando
a atmosfera de solidão, pobreza e desalento. A solidão marcada pelo trecho “Em volta era o nada,
mesmo o vento estava sozinho.” e “(o velho) Pastoreava suas tristezas desde que os filhos mais
novos foram na estrada sem regresso.” A pobreza destacada pela enumeração dos pertences da
família “A fortuna dela espalhada pelo chão: tigelas, cestas, pilão.” O desalento é demonstrado
pela caracterização da velha, ao dizer que “As pernas sofriam de cansaço de duas vezes: dos
caminhos idosos e dos tempos caminhados.” Evidencia-se, portanto, que a situação vivida pelo
casal revela a realidade de muitos. (p.23) Oriundos de uma tradição marcada pela coletividade,
encontram-se em isolamento.
Um diálogo é principiado pelo velho ao propor à mulher que este deveria começar a
preparar a sua cova, pois caso ela morresse teria dificuldades de fazê-lo sozinho já que se
encontrava sem forças.
A mulher resignada agradece ao marido pela sua preocupação e concorda com a
justificativa dada por ele: “Somos pobres, só temos nadas. Nem ninguém não temos.” , ou seja,
diante do nada, eles só têm um ao outro, compartilham da ausência de tudo, até mesmo de suas
próprias vontades e crenças. (p.24)
Porém, embora a cova seja para a mulher, no decorrer da narrativa, o leitor vai se
surpreendendo e acompanhando um processo de enfraquecimento do velho, há um definhar
gradativo da personagem revelado pelos trechos abaixo:
“Meu marido está a diminuir” “É uma sombra.” diz a mulher, algo que é confirmado pelo
narrador onisciente “Sombra, sim. Mas só da alma, porque o corpo quase não tinha.” (p.23)
“No dia seguinte, o velho foi acordado pelos próprios ossos que o puxavam para o corpo dorido”
(p. 26)
“A vida dele estava toda ali, repartida nas costelas que subiam e desciam.” (p.27)
A mulher, embora aceite a decisão do marido, mostra um traço de dignidade, pois naquela
noite deitaram-se separados e ainda questiona como iria morrer se não estava doente, mas acaba
concordando e pedindo que sua cova seja pouco funda para poder “tocar a vida um bocadinho”
(p.25) o que deixa claro a morte como uma renascimento para outra vida. Dessa forma, o presente
de guerra e solidão impede a manutenção da vida, das vontades. Há uma reafirmação da
subordinação às decisões de outrem, semelhante ao processo de colonização a que foram
submetidos. Ou ainda, o questionamento da mulher mostra que ela sabe que a cova era para o
marido, já que percebe que ele se encontra doente e sem forças, porém finge não saber a fim de
não contrariá-lo.
A partir disso, inicia-se o trabalho “de covar” que fora acometido pelas chuvas. As chuvas
que, na sociedade africana, liga-se à ideia de fertilidade, vida, contrapondo-se à ideia de morte
gerada pela cova, numa tentativa de resgate do valor daquela em detrimento desta. Porém, a terra
também está ligada às raízes, à tradição, gerando novamente um paradoxo entre a vida e a morte,
ou seja, quando o texto diz “O velho atravessou o seu chão” (p.26) gera a ideia de que a morte
seria o resgatar da ancestralidade perdida pela guerra e pela colonização, como afirma Eliade
(apud RIBEIRO, 2010, p46): “o rito de deposição na Terra implica a ideia de uma identidade
entre Raça e Solo”. Além disso, o morrer significa um reencontro com a Terra Mãe, mantendo-se
um sentimento de ligação profunda com a terra natal. O velho amaldiçoa a chuva como se fosse
um castigo do céu, e continua a cavar, busca um retorno às origens. A mulher então percebe que
ele está com febre, enquanto ele afirma ter dormido perto de uma fogueira. Neste ponto, podemos
ver a tentativa de resgate da cultura e da identidade africana, a fogueira, símbolo do narrar, ao
redor da qual se reuniam familiares para contar e ouvir histórias, transmitir tradições, conselhos.
Fogueira que só existia no interior daquele.
Há uma tensão entre o passado e o presente, a cultura tradicional e o legado da cultura do
colonizador, o real e o sonho, o natural e o sobrenatural, que fez com que o povo se abstivesse de
suas crenças e tradições, visto que o resgate só acontece em sonho.
Tal fato é novamente retomado ao final da narrativa, quando a mulher adormece e em
sonho percebe a presença dos filhos, os vivos e os mortos, a machamba (terra para cultura
doméstica) cheia de produtos, o velho no centro contando histórias para filhos e netos, “os
todos”. Ou seja, um retorno ao passado, em sonho, como uma busca do que na realidade é
inatingível. A expressão “os todos”, ou seja, uma substantivação do pronome indefinido, que
dever-se-ia referir a terceira pessoa de forma vaga e imprecisa, mas que neste caso, com o artigo
definido e a substantivação, adquire o sentido determinado de família, família novamente
reunida, assim a realização em sonho de uma tradição que não é mais possível na realidade. Tais
colocações são evidenciadas pelos trechos “Estava ali a vida a continuar-se, grávida de
promessas. Naquela roda feliz, todos acreditavam na verdade dos velhos, todos tinham sempre
razão, nenhuma mãe abria sua carne para a morte.” (p. 28)
E o final, surpreendente, no dia marcado para a morte da esposa, o leitor se depara com a
morte do velho, expressada no texto através de um corpo frio, pois adormecera longe dessa
fogueira (tradição) que ninguém nunca acendera. Dessa forma, tem-se um casal que apenas na
morte mantém um resquício de tradição, entendida como um momento tranquilo de passagem:
“Neste deserto solitário, a morte é um simples deslizar, um recolher de asas. Não é um rasgão
violento como nos lugares onde a vida brilha”.
Neste momento podemos compreender paradoxalmente que a vida real caracteriza uma
espécie de morte, enquanto a morte caracteriza-se como outra vida, o renascimento, o encontro
com as origens. Dessa forma, como afirmou Mia Couto (1990) nas palavras iniciais do livro,
diante da ausência de tudo, o homem deixa de sonhar, perde a esperança.
ÍDEO ESTRATÉGICO E POESIA
1. Assistir ao vídeo A canção dos homens baseado na poesia de Tolb Phanem, disponível
na Internet que mostra a importância da reafirmação da identidade para a cultura africana.
2. Leia os poemas de Oswald de Andrade, pertencente ao movimento artístico chamado
de Modernismo (1922-1930):
V
O capoeira
Qué apanhá sordado?
_O quê?
( ... )
(ANDRADE, 1990)
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
(...)
(ANDRADE, 1995)
A necessidade de resgate da identidade nacional
também esteve presente no Brasil devido ao seu caráter
de país colonizado. Observando os dois poemas, que
elementos indicam a busca pela cultura genuinamente
brasileira? Quem são os brasileiros representados nestes
poemas?
O poema, o conto e o vídeo relacionam-se de que
forma?
Na literatura, o
Modernismo brasileiro
caracterizou-se por um
conjunto de experiências de
linguagem, mas também
representou uma crítica a
velhas estruturas, uma
busca pela representação
da realidade brasileira. É
importante destacar as
inovações no campo da
linguagem em que novas
estruturas lexicais, fônicas,
sintáticas são construídas.
A pontuação e a disposição
gráfica do texto sofrem
alterações. (BOSI, 1999)
A poesia modernista, de
forma geral, caracteriza-se
pelo verso livre e branco
(liberdade no número de
silabas poéticas e sem
esquema de rimas
definidos), há o registro
escrito da linguagem oral
como valorização da
cultura popular. Os temas
são retirados do cotidiano e
objetivam a valorização de
elementos da cultura
brasileira, sem a
intervenção do branco
europeu. No que se refere a
Oswald de Andrade, há
ainda uma valorização de
nossas raízes buscadas no
elemento indígena.
Síntese: Pensando em tudo o que foi discutido, sintetize as ideias na atividade abaixo:
IDENTIDADE
Que traços identificadores das
raízes culturais estão presentes no
conto?
Associando o Brasil e Moçambique, como se pode aproximá-los no que se refere à questão
identitária?
Como se constrói o sentimento
de pertencimento ao território nacional
africano no texto de Mia Couto?
2.6 UNIDADE 6: A linguagem simbólica na literatura
PASSO A PASSO
1º. passo: “Preparando-se para a leitura”.
2º. passo: leitura dos contos: A terceira margem ( in ROSA, 1964) e Os pássaros de Deus de Mia
Couto (1997) sem a indicação da autoria.
3º. passo: análise das aproximações entre os dois textos e indicação dos autores.
4º. passo : interpretação oral do conto Os pássaros de Deus, segundo os apontamentos abaixo.
5º. passo: atividade em grupo.
6º. passo: “Desconstruindo preconceitos”.
2.6.1 Mito e literatura
1. Compreendendo o MITO:
Primeiramente, faz-se necessária uma apresentação simplificada do MITO, conceito
relevante para a compreensão de diversos textos da literatura africana. Segundo Eliade (1972), o
mito, tal qual na sociedade arcaica, é compreendido como uma história verdadeira e
“extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo.” Superando o antigo
conceito que o tratava como ficção, invenção. Para compreender o aprimoramento do
pensamento humano é preciso compreender a estrutura e a função do mito nas sociedades
tradicionais. É necessário compreender o mito em seu caráter histórico-religioso, por isso como
uma manifestação cultural.
Como uma definição sintética de mito, o autor afirma: “o mito conta uma história sagrada;
ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio”. Ele
explica que Entes Sobrenaturais fizeram com que uma realidade passasse a existir, uma realidade
total (o cosmo) ou fragmentos (um vegetal, um comportamento humano). Tem a característica de
demonstrar como o sagrado se manifesta no mundo.
Eliade (1972) frisa que “o mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma
“história verdadeira”, porque sempre se refere a realidades.” Ou seja, ele explica dizendo, por
exemplo, que o mito da origem da morte é verdadeiro através da mortalidade humana.
Finalizando, o autor afirma que o mito ensina aos homens as histórias primordiais que o
construíram existencialmente, influenciando tudo que está ligado diretamente a sua existência.
Assim, afirma Eliade (1972, p. 18) que viver o mito representa uma experiência religiosa, um
retorno às obras criadoras dos Entes Sobrenaturais. “Deixa-se de existir no mundo de todos os dias
e penetra-se num mundo transfigurado, auroral, impregnado da presença de Entes Sobrenaturais.”
Ao retornar aos mitos, o homem torna-se contemporâneo deles, deixa de viver no tempo
cronológico e passa a viver o tempo primordial, ocorre uma reiteração e não uma simples
comemoração desses eventos.
2. Mito da criação:
Vídeo: Criação do mundo na mitologia Yorubá. disponível em
http//batuquedosorixas.blogspot.com.br
3. Atividade de inferência sobre os elementos simbólicos no
conto sob a perspectiva mítica:
O conto que será lido e analisado em seguida apresenta vários elementos que metaforizam
reflexões e discussões de aspectos da vida humana, inquietações que perturbam não só o homem
africano, mas que faz parte da busca da identidade e da superação nas dificuldades encontradas.
Para dar início ao trabalho, proponho uma atividade em que se relacione os símbolos
encontrados no conto com sua significação a partir das experiências de cada um. Posteriormente
será observado como eles são coordenados na narrativa a fim de contribuir para a construção do
sentido global do texto. As acepções apresentadas baseiam-se nos livros Diccionario de Los
Símbolos (CHEVALIER, 1986) e O sagrado e o profano (ELIADE, 1992).
2.1 Relacione os símbolos aos seus respectivos significados, baseando-se apenas nas suas
impressões. Posteriormente, leia o conto, discuta com um colega, reveja a atividade e faça as
alterações que julgar necessárias.
1. chuva
2. água
3. árvore
4. fogo
5. pássaro
6. céu
7. rio
( ) Corrente da vida e da morte. Representa a fertilidade, renovação, a existência humana e seu
fluxo representa a sucessão de desejos, intenções e sentimentos.
( ) Relaciona-se a três temas dominantes: fluência da vida, meio de purificação e centro de
regeneração. Relaciona-se com as origens. É considerada como matéria primeira. Pode
simbolizar a desintegração, ou seja, o regresso à pré-existência, a um estado pré-formal, ou
também a reintegração, um retorno à existência. Também pode relacionar-se ao estado de sem
passado.
( ) Este elemento apresenta vasta significação. Dentre elas, está ligado à ideia de purificação,
regeneração, porém também pode relacionar-se à destruição. Outro aspecto relevante é que
estabelece uma ligação com o mundo celestial através dos raios e do sol. Simboliza as paixões
(amor, ódio), mas também as almas errantes. Importante também relacioná-lo aos ritos iniciáticos
de morte e ressurreição, aspectos que o associam a sua maior antagonista, a água e também a ritos
de passagem, podendo ainda se relacionar a castigo.
( ) Bênção celeste, há crença de que tem poder sobre os viventes, ou seja, possui uma acepção
sagrada, símbolo de fertilidade.
( ) Expressa a crença num ser divino, criador do universo. Residência das divindades. Dotado de
presença e sabedoria infinitas. Símbolo de transcendência, de poder, da perenidade que nenhum
ser vivo pode alcançar. Hierofania inesgotável representada pelas tempestades, raios, meteoros.
Zela pelo cumprimento das leis estabelecidades pelas divindades que passaram pela terra e pune
os desobedientes.
( ) Símbolo da vida. Representa o caráter cíclico, a evolução cósmica: morte e regeneração.
Estabelece ligação entre os três níveis do cosmo: o subterrâneo, a superfície da terra e o céu.
Reúne o quatro elementos fundamentais: a água, a terra, o ar e o fogo. Representa também
juventude, imortalidade e sabedoria. São pontos axiais (eixo principal) das sociedades
tradicionais.
( ) Simboliza a relação entre o céu e a terra. É sinônimo de presságio e mensagem do céu. Serve
para demarcar um lugar sagrado ou para demonstrar acontecimentos trágicos. Pode também ser
sinônimo de destino e também da alma-ancestral.
Após a apresentação dos resultados da atividade, será realizada a interpretação oral e coletiva
do conto.
2.6.2 Guimarães Rosa e Mia Couto: a constante busca do homem
Apresentação dos contos: A terceira margem do rio de Guimarães Rosa e Os pássaros de
Deus de Mia Couto sem a indicação dos autores. Após a leitura, os cursitas deverão elencar
semelhanças no plano da expressão e no plano do conteúdo. Posteriormente, serão indicados os
autores da cada conto a fim de, após a interpretação do conto africano, identificar aproximações
entre os autores no que se refere à busca da identidade.
2.6.3 Obsessão, loucura: o sobrenatural subverte a realidade
O conto a ser analisado nesta unidade chama-se Os pássaros de Deus, também
pertencente ao livro Vozes anoitecidas (1990). Seguindo uma trajetória semelhante à elencada na
unidade anterior, o período de pós-independência e guerra marcam o contexto revelado por Couto
em suas narrativas, demonstram também a perda de perspectivas daqueles que foram
subordinados à colonização e também ao abuso de poder de representantes locais. Numa situação
de total falta de expectativas, as personagens têm suas vidas entrelaçadas por elementos
sobrenaturais, que de alguma forma conduzem-na a uma tentativa de resgate da esperança
perdida. Há uma reafirmação do já mencionado realismo animista, em que a natureza é dotada de
ânima e pode interferir na vida real, não como representação do fantástico, mas como criadora de
um mundo possível e passível de mudança. Há a interferência de elementos sobrenaturais no
mundo real, como talvez a única possibilidade de reação de um povo massacrado pela miséria,
exploração, subordinação e pela distorção de sua identidade.
Neste conto, tem-se inicialmente, o narrador que se mostra e desmascara, promove uma
ligação direta com o leitor, ou melhor neste caso, com o ouvinte. A forma como principia o texto
aproxima-se de uma história oral, o que pode ser evidenciado pelo ritmo gerado pela pontuação
utilizada e pelo uso do verbo no presente do indicativo: “Desculpa: mais peregrino que o rio não
conheço. As ondas vão, vão nessa ida sem fim.” E questiona “Há quanto tempo a água tem esse
serviço?” como se pudesse ouvir e replicar qualquer comentário do leitor/ouvinte. (p.57)
Além disso, simbolicamente, pode-se relacionar a água com a vida, como afirma
Chevalier & Gheerbant (2009 apud SILVA, 2010, p.162) “O curso das águas é a corrente da vida
e da morte.” Um anúncio de que a vida da personagem será revelada na narrativa,
metaforicamente relacionada ao rio.
Posteriormente, os acontecimentos começam a ser narrados pela indicação da personagem
Ernesto Timba, pescador em sua velha canoa a relembrar a vida desde a infância, ou seja, o
tempo da narrativa é durativo, dando a noção de que este é o fio condutor do texto, demarcado
pelo uso do pretérito imperfeito do indicativo: “media”.
Em seguida, há uma quebra na sequência narrativa através da exposição de fatos da
infância da personagem que “Aos 12 anos de idade começara a escola de tirar peixe da água”
(p.57), marcada pelo uso do pretérito mais-que-perfeito do indicativo. Atividade desempenhada
durante 30 anos que o fizera conhecer “a lei do homem sobre o rio.” (p.57). Neste momento há
uma interrupção do narrar por um questionamento do narrador: “E tudo era para quê?” (p.57) que
se mostra envolvido com o narrar, demonstra suas emoções e o fluxo dos seus pensamentos,
conduzindo o leitor/ouvinte a adquirir uma postura de conivência com a história da personagem.
Além disso, é um narrador/enunciador que conhece profundamente o interior de suas
personagens, como se com elas estabelecesse uma relação afetiva, caracteriza-se, portanto, como
autor onisciente intruso, terminologia indicada por Friedman (apud CHIAPPINI, 2002). Alguns
exemplos:
“um inquietação estranha nasceu dentro de si” (p.59)
“multiplicava-lhe a angústia” (p.58)
“Mas o pensamento insistia:” (p.58)
“Aquela era a lição do há-de vir da vida e ele, agora, lembrava as sábias palavras.” (p.58)
Há a caracterização de um homem numa situação de seca, fome, miséria, desumanizado,
em que o rio representa a oportunidade de sobrevivência e, ao mesmo tempo, de desapontamento.
Tais aspectos são representados nos trechos:
“A seca esgotara a terra, as sementeiras não cumpriam promessa.”
“Pareciam olhos de cachorro, custavam a admitir, mas a verdade é que a fome iguala os homens
aos animais.”
“Quando regressava da pescaria, não tinha defesa para os olhos da mulher e dos filhos que se
espetavam nele.”
Pensativo, Ernesto volta sua canoa para o rio, embriagado por seus pensamentos e pela
constatação de que toda sua vida estava resumida a nada. A água, que na cultura africana,
caracteriza uma forma de purificação e regeneração, para a personagem nada mais é que um
multiplicar de suas angústias e tristezas, ideia revelada pelo trecho: “Vivi o quê? Água, água, só
mais nada.” (p.58). Simbolicamente a água para ele é a representação do que ele quer negar, é a
reafirmação de uma situação mísera que fora incorporada ao seu ser, promove portanto um
afastamento de sua cultura.
Cabe destacar também a presença da mafurreira, uma árvore sagrada, que, como afirma
Ribeiro (2010, p.45), baseada em Eliade, “As árvores sagradas são pontos axiais comuns às
sociedades tradicionais (...)”, ou seja, funciona como centro, eixo, em torno do qual está o espaço
sagrado. Além disso, Ribeiro acrescenta que tem a capacidade de ligar o céu à terra, rompendo a
separação dos mundos, assim estabelece um contato entre o mundo divino (céu), mundo de baixo
(terra) e regiões inferiores(mundo dos mortos). No texto, isso pode ser evidenciado pelas
locuções adverbiais “por baixo” (p.57) e “por cima” (p.58), enfatizando a ideia da comunicação
entre os mundos. Porém Ernesto não ouve o que diz a mafurreira sobre a continuação da seca,
encontrava-se envolto em suas dores. Tem-se, portanto, uma tensão entre o real e o irreal. Neste
momento, é possível destacar que há o início da interrelação entre os dois mundos.
Em seguida, a manhã é animada e o chama mais alto que a árvore a fim de que sentisse o
“cheiro do azul intenso”. (p.58) Inicia-se um processo de identificação da personagem com os
elementos celestes, que fora se esboçando com a presença da árvore como elo. Isso se concretiza
com o desejo dele em ser do céu e não da água, já encaminhando a narrativa para o surgimento
do elemento sagrado, que não pertence ao seu mundo. No ensinamento do pai (como
representante dos ancestrais), “o pescador credita uma coisa que não vê” (p.58), ou seja, acredita
no “há-de vir da vida”, na ideia de que há um constante movimento do mundo, caracterizando a
possibilidade de mudança de uma realidade pré-estabelecida.
É interessante destacar que há um constante jogo entre a realidade vivida (pescaria) e os
pensamentos que atordoam a personagem (o céu) fazendo-no fugir do mundo vivido, provocando
no leitor/ouvinte a expectativa de que essa tensão provoque uma alteração no percurso narrativo.
Tal alteração se consolida a partir do aparecimento de um pássaro que desperta em Timba
algo inusitado: “O bicho, no alto, segurou-lhe os olhos e uma inquietação estranha nasceu dentro
de si.” o desejo de vê-lo como um rei satisfeito, em seu barco. O que de fato acontece, “o pássaro
sacudiu suas enormes asas e, bruscamente, desvoou, desvoou em direcção `a canoa.” (p.59) Num
primeiro momento ele pensa em comer a ave, mas logo desiste e, então, suspeita de que “aquilo
não era um pássaro, era um sinal de Deus”.
A partir dessa constatação de Ernesto, dá-se o processo de epifania, que em termos
literários “significa o relato de uma experiência aparentemente simples e rotineira, mas que acaba
por mostrar toda a força de um inusitada revelação.” Assim, há a percepção da personagem que a
partir de uma iluminação de sua consciência percebe uma situação nova.(CAMPOS e KUHN,
2000)
Essa quebra da lógica realista, caracteriza a visão mítica do mundo, traço
reconhecidamente marcante da cultura africana. Por mito, entende-se a definição formulada por
Eliade (1972, p.9)” uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo
primordial”, “uma ‘história verdadeira’, porque sempre se refere a realidades.” No caso da
personagem do conto, há uma fuga da realidade vivida para uma realidade imaginada, como
afirma Eliade (1972, p.18) “deixa-se de existir no mundo de todos os dias e penetra-se num
mundo transfigurado, auroral, impregnado da presença dos Entes Sobrenaturais.”, no caso,
representado pelos pássaros. Assim, o mito é utilizado como uma busca da realidade primeira que
supera a vida imediata, pois é considerada algo perfeito e exemplar.
A sequência narrativa evidencia um outro traço da cultura africana, a crença na punição
dos deuses, caso fossem desobedecidos. Isso é revelado pela postura dele ao ser interpelado pela
mulher sobre a morte do pássaro para servir de alimentação, ele, categoricamente, afirma que
quem tocasse na ave seria descontado da vida.
Seguia seus dias aguardando novos desígnios divinos, porém não era mais ele quem
sentava à frente do rio, mas sim o rio que sentava a sua frente, momento em que se pode observar
o processo de descaracterização do elemento humano. Traço que é enfatizado pela crença de que
o pássaro se sentia só e triste, características de Ernesto que são projetadas no bicho.
Num momento de lucidez, Timba se questiona sobre o motivo de ter sido escolhido para
proteger os enviados de Deus e chega à conclusão de que se o homem demonstrasse ser portador
de bondade numa situação de miséria, o tempo de chuva voltaria e, com ele, a fartura. Ou seja, a
seca como castigo dos deuses aos homens.
A mulher inúmeras vezes tenta trazê-lo à realidade, mas ele insiste em tratar os pássaros
como sagrados, o que fez a aldeia considerá-lo louco. Há um esboço do choque cultural: para os
racionalistas ocidentais, loucura, para os africanos, um retorno a ancestralidade. Além disso,
perdeu a família, não notou, preocupava-se com a segurança do galinheiro, vivia no mundo
imaginado.
Numa tarde, depois da pesca, fora assolado por uma tragédia, o fogo queimara o
galinheiro e os pássaros de Deus. Em contraponto ao elemento celeste, há o aparecimento do
fogo, elemento subterrâneo que destrói a possibilidade de regeneração, marcadamente um
momento de passagem, em que Timba, ao voltar a realidade e chamar pela família descobre-se
sozinho e acaba sendo encontrado abraçado ao rio, “O corpo estava colado à superfície do rio.”
(p.63). Tal descrição conduz o leitor a compreender que após a purificação, Timba retorna às suas
origens, à água, com a qual ocorre um processo de metamorfose, ele transforma-se em água e
mistura-se ao rio, um retorno às origens do mundo.
Em seguida há o anúncio da chuva, marcada no texto como uma tempestade “o céu tossia,
severo e doente.” Não houve comemoração dos moradores da aldeia, pois sabiam que a chuva
representava um castigo dos deuses para o homens.
Ernesto Timba sendo levado pelo rio placidamente por caminhos que ele nunca
conhecera, caminhos que na realidade não seriam possíveis de serem percorridos pela situação de
miséria, abandono e dominação pela qual passava, é agora levado na morte, num renascer para
outra realidade.
De forma geral, a atmosfera do conto transita pela realidade e pelo sonho, pela falta de
expectativas do homem africano diante da realidade imposta. Dessa forma, a personagem busca
no mito, um retorno ao tempo das origens, como forma de resgate da identidade dissipada. Com o
evento mítico-religioso é dado à personagem uma nova possibilidade de existência, num tempo
em que os ensinamentos eram dados pelos entes sagrados, em que havia liberdade de ser africano,
de manter suas raízes culturais vivas, pois acredita-se que na reiteração do mito é possível criar
uma realidade nova. O sentimento de pertencimento `a terra e às raízes acontece pelo evento
mítico.
Em grupo:
1. Discuta qual é a importância do acontecimento mítico para a personagem Ernesto Timba?
2. Numa perspectiva social, qual é a tensão ocorrida entre a tradição local e a situação vivida?
3. Na sociedade atual, o pensamento lógico tem suprimido o pensamento mítico. Segundo o conto
de Mia Couto, qual é o caminho para que isso não se concretize e a identidade das sociedades
tradicionais sejam revividas? Por quê?
4. Pode-se afirmar que os temas abordados pelos mitos relacionam-se também com a realidade do
Brasil e de outros países que foram explorados pela colonização?
DESCONSTRUINDO PRECONCEITOS
Os mitos africanos foram conservados na arte e na religião, assim como no Brasil, trazidos pelos
negros escravizados. Atualmente, o mito é estudado também desvinculado da religião devido ao
preconceito arraigado em nossa cultura, assim sob a ótica cultural, pode-se compreender o
pensamento tradicional africano sem necessariamente abordá-lo somente sob a ótica religiosa. A
riqueza dos mitos traz para a literatura uma possibilidade de entendimento da identidade africana e
afro-brasileira, que não pode ser ignorada e inferiorizada devido a preconceitos. É preciso
conceber o pensamento do homem africano como válido e legítimo, ainda que seja diferente do
pensamento europeizante a que fomos atrelados. Aceitar o imaginário africano significa romper
antigos paradigmas e alargar a visão de mundo e do Brasil.
O negro brasileiro sofre preconceitos de toda ordem: por ter sido escravo, por sua condição social,
por seu gênero e também pela origem de sua crença, mas nada é mais relevante do que o
conhecimento para superar antigas verdades.
Um dado importante a ser mencionado é que nem todo negro crê no animismo, além das crenças
tradicionais, há na África adeptos do cristianismo, islamismo, sendo inclusive estas últimas
predominantes em alguns países. No que se refere a Moçambique, os dados segundo o site
suapesquisa.com acessado em 03/11/2013, 50% são pertencentes a crenças tradicionais, 39% ao
cristianismo, 10,2 % ao islamismo, 0,2 % a outras religiões e 0.6% sem religião e ateísmo. No
Brasil, segundo dados do IBGE (Senso demográfico 2010) apenas 0,3% da população era
umbandista e candomblecista em 2010, o que corresponde a uma pequena parcela da população
negra visto que representam mais de metade da população brasileira. É preciso compreender que
o culto aos orixás, tem para seus representantes o mesmo valor e significado que os demais entes
sagrados têm para suas religiões, além disso, conforme os dados apresentados, fazer generalizações
sobre as crenças significa incorrer em intolerância.
Assim, rompendo também a barreira religiosa, será possível conhecer a riqueza da cultura do
africano e suas influências na cultura brasileira.
2.7 UNIDADE 7: A presença feminina da literatura
PASSO A PASSO
1º. Passo: Vídeo: Vida Maria.
2º. Passo: leitura da poesia Vozes- Mulheres de Conceição Evaristo (1990).
3º. Passo: Contação do conto: Rosalinda, a nenhuma de Mia Couto (2013).
4º. Passo: Os textos e suas aproximações- discussão sobre a presença e condição da mulher
revelada nas produções e análise do conto, segundo os apontamentos abaixo.
2.7.1 A mulher em outras linguagens
ÍDEO ESTRATÉGICO
Retomando a discussão proposta por esse trabalho, os entrelaçamentos entre a
cultura africana e a cultura brasileira, iniciaremos nossa discussão com o seguinte
vídeo: Vida Maria, realizado pelo Secretaria da Cultura do Governo do Estado do
Ceará disponível em http://youtu.be/zHQqpI_522M e a leitura da poesia Vozes-mulheres de
Conceição Evaristo.
V
OESIA
Vozes- Mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
(...)
(Evaristo, Conceição In Cadernos Negros. n. 13,
1990).
P
Conceição Evaristo nasceu
em Belo Horizonte, em 29 de
novembro de 1946. Sua mãe era
lavadeira e sobre seu pai biológico
pouco sabia. Aos oito anos inicia
seu trabalho como doméstica,
também fora lavadeira como a mãe
e tia, com quem vivera a partir dos
7 anos. Ao terminar o primário
ganhou seu primeiro prêmio de
literatura. Foi professora. É mestra
em Literatura Brasileira e Doutora
em Literatura Comparada. A
temática de sua obra está ligada à
situação da mulher negra e também
à vida na favela e suas implicações.
Em suas produções, ainda
que a mulher negra assuma papéis
estereotipados, mostra que elas
podem transcender tais funções e
adquirir uma dimensão humana
mais abrangente. Revela os
problemas do povo negro, mas
também sua vibração e alegria.
(LIMA, Omar)
DISCUSSÃO ORAL:
1. Qual é a semelhança entre os papéis da mulher nos três textos analisados?
2. Qual é a principal diferença da posição feminina no vídeo e na poesia?
3. Como se dá a perda da identidade de Rosalinda no decorrer da narrativa?
4. O livro do qual foi extraído o conto revela uma período de esperança na reconstrução do
ideário de Moçambique, considerando a tolerância e o hibridismo como aspecto inerente da
África. Como isso se consolida no conto?
5. Observe a linguagem narrativa do texto, que aspectos podem ser citados que evidenciam o uso
da linguagem coloquial, próxima da oralidade?
6. Estabeleça uma relação entre a submissão feminina e a loucura de Rosalinda.
7. Observe os títulos dos três textos apresentados, qual a semelhança entre eles e que significação
pode ser identificada?
8. Segundo Hall (2011), a globalização provocou um deslocamento das identidades, permitindo
que antigos modelos fossem atualizados e substituídos. A leitura do conto de Mia Couto
promoveu uma reflexão sobre a submissão feminina além das divisas africanas? Comente.
2.7.2 Uma leitura de Rosalinda, a nenhuma
O conto Rosalinda, a nenhuma pertence ao livro Cada homem é uma raça (2013), como
já foi citado destaca-se a presença predominante de personagens femininas. Há uma busca pela
problematização entre nacionalidade, etnia e raça. Especialmente no que se refere à construção da
ideia de africanidade aliada à ótica da modernidade. Para isso, aspectos históricos, mitológicos,
religiosos são apresentados nos contos, além da apresentação do hibridismo como foco de
reflexão sobre a legitimidade de se promover ideias de etnia e raça de forma absoluta e pura.
Segundo Couto, não é possível ao africano negar sua identidade híbrida.
Os intelectuais africanos não têm que se envergonhar de sua apetência
para a mestiçagem. [...] Não carecem de artifícios nem de fetiches para
serem africanos. Eles são africanos, assim como são, urbanos de alma
mista e mesclada, porque África tem direito pleno à modernidade, tem
direito a assumir as mestiçagens que ela própria iniciou e que tornam
mais diversa e, por isso, mais rica. (COUTO, 2005, p.61 apud
FORNOS, 2011):
Nessa perspectiva, vários contos do livro demonstram mulheres de diferentes origens,
convivendo harmoniosamente com os representantes africanos, bem como, são demonstradas as
inquietações pertinentes a qualquer mulher, independente de sua origem: amores, desejos,
saudade, sentimento comuns de que partilham qualquer ser humano, como por exemplo A
princesa russa. Além disso, nos contos é possível observarmos a convivência harmoniosa da
visão mítica com a histórica como no contos As baleias de Quissico, O apocalipse do tio Geguê,
Os mastros do paralém. As religiões também se entrecruzam em alguns contos da obra, como por
exemplo no conto O ex-futuro padre e sua pré-viúva.
O livro em questão, revela uma esperança no devir, na possibilidade de reconstrução de
Moçambique, superando o momento de desalento e dor revelado por Couto em Vozes
Anoitecidas. O título Cada homem é uma raça sugere que o homem deve admitir sua condição
singular, independente de fatores históricos e culturais, que a riqueza interior humana e sua
capacidade de evolução estão acima de tudo, dessa forma a identidade deve ser uma procura
constante.
Reafirmando Hall (2011), constantemente novos traços identitários devem ser
incorporados ao indivíduo, demonstrando que ele está em constante processo de evolução, assim
a valorização da cultura tradicional africana deve ser enriquecida com elementos novos, advindos
da modernidade e de outras culturas, como elementos que coexistem e ocupam a mesma posição
social e cultural, sem a sobreposição numa escala de valores. Como afirma Hall (2011, p.97) “(...)
a globalização não está produzindo nem o triunfo do global, nem a persistência em sua velha
forma, do local.” Ou seja, é preciso uma recriação da visão cultural.
No conto Rosalinda, a nenhuma, já no título tem-se a apresentação da personagem central
da trama, em que também aparecem seu marido Jacinto, a professora Laurinda e Dorinha.
Personagens nomeadas e caracterizadas pelo narrador onisciente.
A descrição do Rosalinda já está presente no primeiro parágrafo, uma descrição
hiperbólica que inicia com a indicação de que era uma “mulher retaguardada/ de muita
polpa/sofria de tanto volume” e termina com a palavra “superlativa” (p.51), ou seja, um exagero
na forma de apresentar suas características. Neste caso, inicia-se texto com a apresentação da
personagem para, posteriormente, caracterizar a cena. A fim de intensificar ainda mais sua
abundância é comparada a um boi que, juntamente com a expressão “esquecida de ser” (p.51) o
leitor vai se deparando com a perda da identidade feminina, a passividade diante do
acontecimentos.
A partir da apresentação de Rosalinda, o leitor depara-se com um paradoxo, pois
desmembrado-se o nome em Rosa e Linda deveria se construir o significado de beleza e perfeição
já que, segundo Chevalier (1986), rosa é símbolo de perfeição, da alma, do coração e do amor, e
linda que seria a reafirmação desse caráter de beleza. Porém a expectativa é quebrada no primeiro
parágrafo, pois a personagem não é rosa nem linda, o que é consolidado pelas injúrias proferidas
pelo marido quando vivo: “Teu nome, Rosalinda, são duas mentiras. Afinal, nem rosa, nem
linda.” (p.54) Além disso, a expressão “a nenhuma” já antecipa a contradição que será
consumada no decorrer da narrativa.
A descrição de Jacinto como marido infiel e violento é principiada pelo discurso direto de
Rosalinda, quando afirma que era “uma grande sacana” e “me forneceste de porrada”(p.53).
Percebe-se que o casal pertence a uma classe social desfavorecida, pois a campa do
marido ocupava o fundo do cemitério “Condizia com o lugar que ele sempre tivera, nas traseiras
da vida.” (p.52)
A rotina de Rosalinda, após a morte do marido, limitava-se a visitar o cemitério, por
vários anos. Assistiu à partida de seus parentes, mas ela continuava presa à vida.
Ao visitar a campa, a personagem vive envolta em suas reminiscências, saudades da vida
com o marido, saudade do sofrimento, pois sua identificação como mulher estava condicionada
ao marido. Dessa forma, deparamo-nos com a total submissão, oriunda de uma tradição patriarcal
em que a figura feminina não tem representatividade alguma, a não ser quando projetada no
homem.
Neste momento de lembranças, o narrador desnuda ao leitor a situação vivida por
Rosalinda quando o marido era vivo. O homem só tinha amor pelas garrafas e um tom de humor
é revelado quando diz que “sua alma devia ter viajado em forma de garrafa.” Também era infiel,
multiplicando-se nos amores.
O narrador continua a descrição dizendo que se matriculou na escola noturna para mudar
de vida, mas através do discurso indireto livre, Jacinto revela que “a vida não vale as penas. Não
sou homem de escola, as letras me cansam de mais. Eu sou um fruto, Laurinda. (...) Alguém
ensina o caju a ficar maduro? (...). Ele só recebe lições da terra” (p.52). Tem-se, portanto, o
discurso dirigido a Laurinda (professora) inserida no meio da fala do narrador, essa interrupção
não ocorre aleatoriamente, mas cria uma reflexão sobre a tensão entre a cultura oral e a escrita,
das quais ele julga que o homem deve beneficiar-se de sua ligação com a terra, com as origens,
com seu chão. O que é reafirmado pela frase “Não é como esses que deixam a terra, vão para o
estrangeiro, acabam por nem sentir o chão que pisam. Esses são lenha seca: um pedacito de fogo
e ardem logo.” (p.53)
Retornando ao percurso narrativo, o narrador destaca que depois das palavras viria a
“pontapesaria”, a qual Rosalinda já esperava. Jacinto só para quando cansado de ser marido, ou
seja, ser marido significa agredir e maltratar Rosalinda, e de ser gente, ou seja, só sentia vivo,
quando podia manifestar seu poder de homem, quando estava no centro da ação.
Jacinto até em sua morte espreitava a vida e aguardava a chegada de Laurinda que viera
ajeitar-lhe as aparências, como fizera em vida. Ou seja, Rosalinda envergonha-se nesse momento
de sua condição, porém já na primeira reza, perdoa todos os deslizes do marido.
Rosalinda descobre-se apaixonada, pois a morte de Jacinto significa que finalmente terá
um marido, um marido só seu, “meu Jacinto” (p.54)
Finalmente Rosalinda torna-se a esposa póstuma e acrescenta que com o homem vivo
havia apenas noivado.
Mas a satisfação de Rosalinda é interrompida com a visita de Dorinha, a última amante de
Jacinto, “mulher muito concreta, suprametida. Via-se que nunca usara capulana, sempre
dispensara mulalas.” (p.55), tal personagem traz as marcas da modernidade, contrapondo a
Rosalinda com hábitos tradicionais. Porém, mais que depressa a esposa dá um jeito, transferindo
as inscrições dos vizinhos túmulos, a fim de garantir a exclusividade de Jacinto.
Um ponto que deve ser destacado no conto é uso do discurso direto e indireto livre de
Rosalinda. No primeiro caso, relativo a um solilóquio e no segundo, desabafos e conversas
desafiadoras com Jacinto em que ela assume o controle da ação. Assim, a personagem acredita
poder controlar Jacinto e sua morte, sente-se viva, porém sem perceber que se trata de um estado
de demência.
É importante destacar ainda que o espaço narrativo resume-se ao cemitério, a atmosfera
fúnebre é criada pela utilização de palavras de mesmo campo semântico, por exemplo: serviço
funerário, caixão, aqui jaz, subterrâneo namoro, túmulos, mortais poeiras, morte anexa, dentre
outros.
Assistimos gradativamente à perda da identidade de Rosalinda. Ela é destituída de seu
corpo, de seu nome, de sua condição de esposa, marcadamente a submissão a transforma em
nada, o que vai ser concretizado ao final da narrativa quando a loucura a conduz a um lugar
sombrio, convertendo-a em ausência, promovendo-a a nenhuma. O “cumpridores de seriedade
temeram suas desordens” (p.57) afinal, a submissão foi substituída pela loucura.
Rosalinda vive um não-tempo, uma vez que seu presente é a concretização de uma
passado que não existiu. Ela não se sentia esposa antes de se tornar viúva. Porém, essa identidade
única só é possível por via da loucura, ou seja, a insanidade é o caminho encontrado para
subverter uma situação real. O humor e a ironia são fontes de reflexão sobre a mulher, não apenas
africana, enfatizando a identidade feminina como semelhante em qualquer raça. O sofrimento e a
dor de Rosalinda não tem cor nem raça.
Rosalinda é uma personagem marginalizada pelo narrador, por Jacinto, pelos outros e pela
vida. A personagem na extrema solidão encontra refúgio no marido defunto e a loucura é o
destino certo. A loucura aparece na narrativa sob a perspectiva poética de denunciar valores
convencionais vigentes que contrapõem o que se considera normal e anormal, em que tudo que
não corresponde aos ideais vigentes deve ser afastado, que é exatamente o que ocorre com
Rosalinda. A submissão é considerada normal em uma sociedade patriarcal, mas a loucura não,
romper com os padrões significa ser excluído. De Rosalinda a personagem protagonista passa a
esposa, a gorda mulher, à viúva, louca e, finalmente a nenhuma, é a degradação total, a mulher se
perdeu de si mesma. A partir dessa visão é possível verificarmos a visão universalizante do autor,
ao denunciar temáticas sociais que são comuns a qualquer espaço e tempo.
2.8 UNIDADE 8: Literatura e hibridismo
PASSO A PASSO
1º. passo: vídeo: Proposição: “Corpo Coletivo”: Lygia Clark: uma retrospectiva disponível.
2º. passo: leitura e discussão teórica sobre o hibridismo e o vídeo.
3º. passo: leitura do conto pela professora ministrante do curso.
4º. passo: interpretação coletiva com os apontamentos sugeridos na análise abaixo.
5º. passo: atividade coletiva.
2.8.1 Hibridismo
ÍDEO ESTRATÉGICO
O início da abordagem do tema será efetuado com a visualização do vídeo:
Proposição “Corpo Coletivo”: Lygia Clark: uma retrospectiva disponível em
www.youtube.com/watch?v=GIZbO_TYwW0.
Retomando a questão identitária cultural na pós modernidade, voltamos a discutir que
caminho será seguido a fim de que a exclusão deixe de fazer parte dessa evolução. Hall (2011)
aponta três consequências do processo da globalização sobre as identidades culturais. Numa
delas, as identidades culturais se desintegrariam e haveria o crescimento da homogeneização, na
segunda, haveria o resgate das identidades locais, como forma de resistência à identidade
globalizada e, por último, o surgimento de uma nova identidade, híbrida, com o entrelaçamento
de diferentes culturas.
A globalização coloca o homem em contato com as mais diferentes identidades e acaba
gerando uma tentativa de homogeneização cultural, ocasionada pelo consumismo global. Dessa
forma, opõe-se ao local, que está ligado a lugares, crenças, histórias que geram a sensação de
pertencimento.
V
Segundo Hall (2011), a dissolução das fronteiras espaciais tem ocasionado um processo
intenso de migração, fazendo com que colonizados e colonizadores passem a ocupar o mesmo
espaço. Dessa forma, a tentativa de manter uma cultura nacional pura acaba por fracassar, uma
vez que “a identidade e a diferença estão inextrincavelmente articuladas ou entrelaçadas em
identidades diferentes, uma nunca anulando completamente a outra.”(p.87)
Dessa forma, Hall (2011) afirma que há uma tensão entre as identidades fixas e as
identidades suspensas que estão surgindo, mas que acreditar na supremacia de uma delas
representa um erro. Ele apresenta uma outra possibilidade, a de que o contato de culturas de
origem e novas culturas sejam obrigadas a negociar, “sem simplesmente serem assimiladas por
elas e sem perder completamente suas identidades.”(p.89)
Nesse contexto, têm-se as culturas híbridas, cujas pessoas “são obrigadas a renunciar ao
sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural “perdida”. (p.89) e aceitarem
que fazem parte de novas identidades, híbridas, produzidas na modernidade tardia.
A discussão até aqui apresentada vem ao encontro do objetivo maior do trabalho em
questão: a aproximação entre Brasil e África. A pluralidade cultural a que o país foi submetido
desde o início de sua formação com a chegada dos portugueses, os índios nativos e os escravos
africanos aproximam-no da África, especificamente no que se refere ao processo de colonização
portuguesa. O contato de culturas e identidades diferentes, que inicialmente eram subjugadas pela
cultura do europeu, foi gradativamente sendo miscigenada, e mesmo as tentativas de resgate de
uma manifestação cultural original, não se liberta totalmente das heranças deixadas por outros
povos. No Brasil, mesmo as tentativas de branqueamento da população não puderam superar a
intensa presença negra no país, só fizeram aumentar o contato entre culturas, passando a construir
novas identidades, em que há a conjugação de diferentes origens, ou seja, a hibridação torna-se
um fato consumado, a cultura brasileira está indiscutivelmente marcada pelo africano e por
outros.
De modo mais abrangente, a hibridação é inevitável, por mais que a cultura ocidental
ainda mantenha sua supremacia na produção de bens de consumo, ela também não pode mais
estar restrita a uma identidade fixa.
A literatura, em tal contexto, torna-se o espaço simbólico de encontro dessas identidades,
seja no Brasil, seja em Moçambique. Através da simbologia e abstração da linguagem que se
constata a constante transformação da identidade. A literatura tem a capacidade de aproximar
realidades distantes fisicamente, de resgatar culturas desaparecidas que vivem na memória
coletiva, oportunizando que estas façam parte da nova identificação cultural, a fim de que não
deixem de existir.
A focalização do conto a ser analisado reside justamente na identificação desse processo
de hibridação, na forma como é construído e também repudiado pelo branco português.
Demonstrando também como o africano se comporta diante da invasão de uma nova cultura em
sua terra natal.
Estabeleça relação entre a obra de Lygia Clark, a globalização e o hibridismo.
2.8.2 Uma leitura do conto: O embondeiro que sonhava pássaros
O conto apresenta seu eixo narrativo em torno das personagens velho negro, (homem dos
passarinheiros), menino Tiago e os moradores da vila. O espaço narrativo é organizado em
bairros, identificados como bairros dos brancos. As ações ocorrem por dias sucessivos, mas não é
possível precisar com exatidão.
Na apresentação do passarinheiro, personagem principal da trama, já é possível ao leitor
posicionar-se diante da obscuridade das informações sobre sua vida. “Nenhuma memória será
bastante para lhe salvar do escuros.” “(...) não tinha sequer o abrigo de um nome”. Há a criação
de um mistério sobre a personagem e suas origens.
Vendia pássaros que carregava em gaiolas leves, “aladas”, paradoxalmente chamada a
princípio de jaulas.
Sabe-se apenas que era negro, tinha os pés descalços e andava no bairro dos brancos.
Nesse princípio de narração, pode-se observar a tensão criada pelo africano colonizado e
pelo branco colonizador. Ao passo que as crianças sentiam-se felizes com sua presença, os pais
“ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos – aquele preto quem era? Alguém conhecia as
recomendações dele? Quem autorizava aqueles pés descalços a sujarem o bairro?” Perguntas com
repostas já aprendidas há tempo, e finalmente, a afirmação direta “o negro que voltasse a seu
devido lugar.” que provoca no leitor indignação, ou seja, afinal de quem era aquela terra? Há uma
diminuição da condição humana do africano.
Dentre as crianças encantadas com o velho, Tiago destaca-se por ser diferente dos demais,
tem a característica de ser “sonhadeiro” e perseguir fantasias. Traços que já encaminham a leitura
para a identificação do menino e do velho, o colonizador e o colonizado, a cultura africana e a
cultura ocidental. Tal processo gradativamente vai se construindo por uma série de inserções de
hábitos e saberes do velho no menino. O primeiro deles reside no fato de andarem descalços,
gerando a ideia do contato direto com o elemento terra.
Tiago acompanhava o passarinheiro até sua casa, um buraco em um embondeiro, ou seja,
um baobá. Convém neste momento fazer uma breve exposição sobre tal árvore. Já dissemos em
outro capítulo que a árvore é um elemento sagrado para o africano, tem o poder de ligar a terra ao
céu, o mundo natural e o mundo sobrenatural, é símbolo de vida, demarca um espaço sagrado.
Neste caso, especificamente é o símbolo da cultura africana, um marco identitário. Constrói-se,
portanto duas visões antagônicas do mundo através dos espaços demarcados até aqui, de um lado
o bairro dos brancos, de cimento, simbolizando o controle da natureza pelo homem, e o
embondeiro, simbolizando o valor do elemento natural para o africano.
Mais um traço da assimilação da cultura africana é incorporado pelo menino, que passa a
ver o embondeiro também como uma árvore sagrada que fora plantada de cabeça para baixo
devido a seus galhos parecerem raízes. Além disso, a afirmação de que os “mais velhos dizem
que o embondeiro, em desespero, se suicida por via de chamas.”(p.65)
É interessante destacar que até mesmo os colonos hesitam na decisão de lhe impedir de
ocupar o bairro, afirmando “aquele negro trazia aves de belezas jamais vistas. (...) Nem aquilo
parecia ser coisa deste verídico mundo.” Ou seja, também percebem o caráter sobrenatural que se
instaura em torno do passarinheiro e ainda questionam o porquê daquele negro poder ingressar
num mundo em que eles não podiam entrar, porém logo arranjam uma maneira de colocá-lo
numa situação de inferioridade.
A presença dos pássaros nas casas do bairro vai transformando o espaço, mostrando
àquela gente que ali não era seu lugar, estrangeirando-lhes. Dessa forma, percebemos que a
cultura do branco vai sendo invadida pela cultura africana, que pouco a pouco vai reassumindo
seus valores. Isso é reafirmado pelos colonos ao sentirem saudades do tempo em que se
arrumavam as criaturas pela aparência, ou seja, sentem saudades da época em que os negros eram
colonizados, subordinados.
Também é relevante destacar a expressão “sobremisso” em oposição a submisso, mais
uma vez a certeza de que as crenças e os valores africanos neste momento impõem-se aos
ocidentais.
Os colonos fecham suas casas, ou melhor, as casas fecham suas pálpebras, a tentando
manter o velho distante, mas a invasão acontece dentro de suas casas.
Os pássaros desvendam as artimanhas e secretos assuntos, provavelmente fatos que
desmereceriam o caráter dos brancos, há a ridicularização do elemento político. Estes por sua vez
decidem acabar com o passarinheiro, apresentando uma visão autoritária de quem pode decidir o
destino do outro, contrapondo-se a insubmissão e resistência do negro.
O menino avisou o velho que ficou a esperar os colonos, gravatado e mesungueiro, ou
seja, vestido de homem branco. Porém, coloca-se na posição de anfitrião, de rebento daquela
terra. Mais uma vez, o velho, na posição de guardião da cultura dos ancestrais, ensina a Tiago que
a flor do embondeiro era moradia dos espíritos e quem fizesse mal àquela árvore seria perseguido
até o fim da vida. Passa ao menino Tiago os ensinamentos de seu povo, como é comum em sua
cultura.
O velho apanha, mas parece não sentir dor, tem-se então sua identificação com a natureza,
“vegetável”, o que é refletido também nas flores brancas que se avermelhavam no chão.
Ao levarem o passarinheiro preso, há uma reflexão que abarca toda a discussão efetuada
pelo texto: o guarda “nem ele sabia que segredos devia arrancar do velho. Que raivas se
comprovavam contra o vendedor ambulante?” Nesta passagem do conto, é possível
identificarmos claramente que o único problema do velho era ser uma representação da
alteridade, do outro, da reatualização de uma cultura que fora massacrada pela colonização. O
velho representa a resistência e, embora no texto não haja marcas políticas evidentes, fica claro
que resgatar a cultura, significa a busca por dias melhores e pela superação da condição de
inferioridade, de cultura periférica. Há um confronto entre as diferentes visões de mundo e de
pensamento, que geram ao mesmo tempo atração e repulsa.
O vendedor, uma figura mágica, desaparece e Tiago, um representante legítimo do
hibridismo, ocupa seu lugar no ventre do embondeiro, gerando a ideia de renascimento. Numa
atmosfera sobrenatural, Tiago toca a gaita e não percebe a chegada dos colonos que ateiam fogo
na árvore. O menino, em sonho, vai se transformando em árvore e a dor das chamas que o
queimavam, oriundas do branco, é substituída pela seiva, e o menino migrou para as suas
recentes raízes, ou seja, as raízes africanas.
Dessa forma, a personagem Tiago completa seu ciclo, numa visão objetiva e racionalista,
a morte, numa visão animista, a metamorfose que o transforma em uma força vital.
LEITURA FINAL: Conto O dia em que explodiu Mabata-bata de Vozes anoitecidas, para
fechamento das discussões e convergência da aprendizagem.
A atividade a ser realizada baseia-se no artigo Arte, diversidade e hibridismo estético-cultural
escrito por Nardo Germano e Agnus Valente. Este artigo analisa a obra Corpo Coletivo (2006) de
Nardo Germano, que servirá de base para esta atividade com algumas modificações. (disponível
emcult.ufba.br).
Dispondo a sala em círculo, proporei que cada participante expresse através de textos, desenhos,
símbolos, seu pensamento sobre a identidade brasileira e sua ligação com a África e registre em
uma única camiseta branca que servirá de base para todos.
A camiseta contendo diferentes visões sobre o país e a questão racial servirá de base para a
discussão sobre as identidades híbridas e sua importância para a aceitação e respeito pelo
afrodescendente.
Posteriormente, a camiseta fará parte de um mural que terá como pano de fundo imagens do
Brasil, da África e dos participantes do curso, como forma de consolidação de um trabalho que
reconhece na diversidade a riqueza de seu país e nas oportunidades o caminho para diminuição
das diferenças sociais.
2.9 UNIDADE 9: Ampliação do corpus
O levantamento das características culturais e literárias presentes na literatura de Mia
Couto efetuado até o presente, oportuniza ao educador a ampliação do corpus. Os temas
destacados permeiam toda a obra do autor, principalmente oportunizando a análise dos demais
contos dos livros selecionados.
Dessa forma, o educador pode, de forma autônoma, promover a análise de outros contos
que despertem seu interesse, pois muitas das indicações efetuadas se repetem nas demais
narrativas.
Como sugestão, indicarei nesta unidade outros contos com teor semelhante aos estudados,
a fim de que possam alargar as possibilidades de trabalho com a cultura africana e afro-brasileira.
O enfoque temático sugerido é apenas um dos caminhos de leitura, outros podem ser buscados
utilizando o que foi discutido e elencado até aqui, uma vez que as informações estão
intrinsecamente ligadas. Usarei o número 1 para contos do livro Vozes Anoitecidas (1997) e
número 2, para Cada homem é uma raça (2013).
1. Amores marginais e hibridismo:
A Rosa Caramela - 2
A princesa russa - 2
Patanhoca, o cobreiro apaixonado - 1
Afinal, Carlota Gentina não chegou a voar? - 1
O ex-futuro padre e sua pré-viúva - 2
Saíde, o Lata de Água - 1
2. História
A história dos aparecidos – 1
O apocalipse privado do tio Geguê -2
Sidney Poitier na barbearia de Firipe Beruberu -2
Os mastros do paralém - 2
3. Pensamento mítico
Os dois pássaros de Deus – 1
O pescador cego – 2
O último aviso do corvo falador – 1
De como o velho Jossias foi salvo das águas – 1
Mulher de mim – 2
A lenda na noiva e do forasteiro - 2
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ANEXOS
Gráfico 1 - Distribuição percentual da população residente, segundo cor ou raça.
Brasil – 2000/2010 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000/2010.
53,7
6,2
38,5
0,5 0,4 0,7
47,7
7,6
43,1
1,1 0,4 0 0
10
20
30
40
50
60
Branca Preta Parda Amarela Indígena Sem declaração
2000 2010
Gráfico 2 – Taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais idade, por cor ou raça,
segundo as classes de tamanho da população dos municípios - Brasil - 2010 %
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.
9,6
11,2
19,1
5,5 5,1
7,2 5,9
0,9
15
3,8 4 5,2
14,4
16,8
22,6
8,9 9,6
11,9 13
11,3
20,4
7,3
9,4 8,1
0
5
10
15
20
25
Total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Total Branca Preta Parda
Gráfico 3 - Distribuição dos estudantes de 18 anos a 24 anos de idade, por nível de ensino
frequentado, segundo a cor ou raça – Brasil – 2001/2011
%
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2011
11,9
4,5
32,2
11,8
34,3
24,1
43,9 45,2
14,1
5,6
13,7
7,2
39,6
65,7
10,2
35,8
0
10
20
30
40
50
60
70
2001 2011 2001 2011
Tít
ulo
do
Eix
o
Branca Preta ou parda
Fundamental regular
Médio regular
Outros
Superior
Gráfico 4 - Percentual do rendimento médio de pessoas de cor ou raça preta ou parda de 16 anos
ou mais de idade ocupadas, em relação ao rendimento médio das pessoas de cor ou raça branca,
segundo os grupos de anos de estudo – Brasil – 2001/2011
%
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2011.
50,5
65,6 70,6
66,7
53,3
67,7 70,8
68,6
60
74,5 76,7
67,2
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Total Até 8 anos 9 a 11 anos 12 anos ou mais
2001 2006 2011
Gráfico 5: Distribuição do rendimento familiar per capita das pessoas de 10 anos ou mais de
idade, com rendimento, entre os 10% mais pobres e 1% mais ricos, em relação ao total de
pessoas, por cor ou raça – Brasil – 2001/2011
%
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001/2011.
27,6
72,1
24,4
74,5
87,2 9,3
82,3
16,3
0
20
40
60
80
100
120
140
10% mais pobres
2001
1% mais rico 2001 10% mais pobres
2011
1% mais rico 2011
Preta ou Parda
Branca