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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
INTERVENÇÕES POÉTICAS: UMA PROPOSTA PARA O TRABALHO COM
A LITERATURA NA ESCOLA
SEMIANKO, Márcia König1 MOREIRA, Caio Ricardo Bona2
RESUMO: A ideia do presente trabalho nasce da observação do cotidiano escolar, e das dificuldades encontradas ao abordar a literatura em sala de aula no Ensino Médio. É no ensino escolar que temos a noção de quanto a literatura foi e tem sido descaracterizada, por meio de uma prática pouco relevante para a formação do leitor, a qual prioriza, muitas vezes, a crítica sobre as obras e não a leitura e a reflexão sobre a condição humana e os sentimentos envolvidos na recepção dessas obras. Pensar procedimentos metodológicos eficazes que de fato transformem as aulas de literatura numa possibilidade de formar leitores de literatura é o maior objetivo levantado nesse trabalho. Intentamos, por meio de uma metodologia coerente abordada nas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná, como o Letramento Literário, desenvolver estratégias para o trabalho com a poesia na escola visando aprimorar a leitura e a produção de textos poéticos por meio da construção de diferentes intervenções poéticas, inspiradas, por exemplo, na Catequese Poética, de Lindolf Bell.
PALAVRAS- CHAVE: Letramento Literário; intervenção poética; formação de leitores.
1 INTRODUÇÃO
O grande desafio da escola é o de incorporar todos os alunos à cultura da
leitura e da escrita e o de conseguir que todos sejam capazes de, por meio da
formação básica, intervir em situações apresentadas na sociedade. Assumir tal
desafio é desenvolver atividades que possibilitem aos estudantes uma inserção em
outras realidades, tal como a literatura nos oferece. É pensar caminhos que
abandonem as atividades desprovidas de sentido e desenvolver propostas em que
os alunos se apropriem do conteúdo literário de uma forma prazerosa.
Com esse intuito é que se pensou em desenvolver um projeto sobre
intervenções poéticas, o qual visa trabalhar na divulgação da poesia como arte, que
pode não só estar dentro da escola, mas no cotidiano em geral, sendo assim,
apreciada e refletida pelas pessoas. Os meios para a divulgação seriam os menos
tradicionais, inspirados no movimento da Catequese Poética, de Lindolf Bell, e que
1 Professora da rede pública Estadual participante do Programa de Desenvolvimento Educacional –
PDE/2013. 2 Professor Doutor da UNESPAR e orientador do PDE-2013.
tinham por objetivo desenvolver uma nova linguagem poética e ampliar as
intervenções de jovens escritores. Transformar os espaços urbanos em veículos da
poesia, como, por exemplo, as praças, para disseminar a arte de escrever. A
Catequese de Bell talvez tenha sido a primeira manifestação mais consistente das
intervenções poéticas no Brasil. A poesia trabalhada desse modo assume uma
importância significativa para a comunidade escolar, pois a leitura literária passa a
ter sentido e as produções realizadas poderão circular entre a comunidade gerando
discussões e avanço na aprendizagem.
Ao longo do trabalho em sala de aula e observando a realidade escolar, em
que os alunos já não possuem tanta atração pela leitura literária, faz-se necessário o
desenvolvimento de práticas que estimulem os estudantes para a leitura e os
sensibilizem para a riqueza existente na literatura. Não se pode esquecer que existe
um paradoxo em relação a essa temática: de um lado o compromisso que a escola
tem de trabalhar os conhecimentos historicamente construídos; e do outro, a forma
como são trabalhados tais conhecimentos sem que o processo seja engessado. A
partir dessa reflexão levantam-se as seguintes questões: qual poderia ser a
contribuição das intervenções poéticas para o trabalho com a literatura no processo
de letramento literário? Como fazer com que a poesia saia dos “armários” e
possibilite maior apreciação e reflexão? É possível trilhar caminhos na escola para
que a poesia seja trabalhada por meio de intervenções poéticas?
Para Candido (apud DCE, 2008), a literatura é vista como arte que
transforma/humaniza o homem e a sociedade e a ela o autor atribui três funções: a
psicológica, a formadora e a social. Sendo a primeira, a que permite ao ser humano
fugir da realidade e envolver-se no mundo da fantasia, possibilitando momentos para
a reflexão, a identificação e catarse. Na segunda, ele afirma que a literatura por si só
faz parte da formação do sujeito e atua como um instrumento de educação ao
mostrar realidades não reveladas pela ideologia dominante. A função social é a
forma como a literatura retrata a sociedade, o autor cita o regionalismo para
exemplificar essa função.
Se a literatura pode proporcionar esta ampla formação do sujeito torna-se
necessário dar encaminhamento a esse processo na escola, a qual é também
responsável pelo desenvolvimento do ser humano.
Cosson (2007) afirma que o letramento literário é uma responsabilidade da
escola, mas que esta deve fazer sem descaracterizar a literatura. Acredita-se que os
alunos - ao entrarem em contato com os textos literários por meio de atividades
prazerosas, em que há o envolvimento das diferentes manifestações artísticas,
como a pintura, o teatro, a dança, a música, o cinema -, podem aprender,
compreender e apreciar melhor as obras literárias. Então, o trabalho com
intervenções poéticas pode levar os alunos a perceber que a literatura não está
somente dentro da escola e também não só nos livros, nas obras canonizadas. As
intervenções poéticas podem ser um meio de sensibilizar os alunos para as belas
construções artísticas que temos tanto na literatura como nos diversos meios em
que a arte se apresenta.
2 SOBRE A LITERATURA NA ESCOLA
As discussões sobre o tema “leitura”, não são atuais. Há grande preocupação
por professores e autoridades em desenvolver métodos que garantam a formação
do leitor. Mas abordar tal tema, como diz Lois (2010, p.16), “extrapola o território
sígnico e abre espaços para todos os campos do conhecimento humano”. A leitura é
o primeiro degrau de praticamente todas as áreas do conhecimento representando
autonomia, liberdade e poder.
Na escola, o desenvolvimento do processo da leitura precisa acontecer em todas
as áreas, pois cada disciplina possui seu repertório a ser trabalhado, o qual depende
das informações contidas nos livros, revistas, periódicos, artigos e outros materiais
para leitura.
Desde muito cedo estamos em contato com a leitura, ainda que seja a
compreensão de imagens que nos cercam, de histórias contadas por nossa família
ou da leitura de uma simples expressão facial. Quando de fato vamos para a escola,
é lá que aprimoramos a leitura e começamos o processo de aprendizagem da
escrita. Cabe apresentar aqui rapidamente os conceitos de alfabetização e
letramento descritos por Magda Soares:
[...] um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado
é um indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais da leitura e da escrita (SOARES,1999, p. 40-45).
Ao pensar no processo da formação do leitor nos dias atuais, temos que
considerar que os estudantes têm de certa forma fácil acesso a livros de literatura,
tendo em vista os programas do governo de incentivo à leitura (PROLER, PNLL3,
Olimpíada de Língua Portuguesa dentre outros). No entanto, evidencia-se uma crise
na questão de leitura no Brasil. Pela avaliação do PISA 2009 (Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil está em quinquagésimo terceiro
lugar no desempenho da leitura, ficando atrás de muitos países em
desenvolvimento.
Como podemos observar a leitura ainda é um problema a ser resolvido no Brasil.
Não podemos esquecer de que esse problema tem raízes mais profundas, e diz
respeito ao encaminhamento dado para educação brasileira desde o processo de
colonização. Qualquer estudo sobre a educação no Brasil mostrará o descaso e a
falta de investimentos ao longo dos anos, principalmente quanto à formação de
professores.
Maia (2007, p.33) aborda algumas reflexões sobre a formação de leitores e
professores ressaltando os problemas na formação e que subjacentes a isso, estão
“implícitos problemas de outra ordem, como política salarial defasada; más
condições de trabalho, que afastam os professores de uma atualização
permanente”.
Apesar de visualizar todas as problemáticas que envolvem não somente a
questão da leitura, mas a educação básica em geral, é preciso enfatizar as ações
que ao longo dos anos têm dado certo na escola, e a vontade que os professores
possuem de transformar a realidade do Brasil em relação à educação.
O ensino de literatura nos mostra o quanto podemos transformar nossa prática
em momentos prazerosos e ao mesmo tempo em reflexão sobre a sociedade
brasileira. Pode-se causar estranhamento e ao mesmo tempo provocar sentimentos
de solidariedade, pode nos causar raiva e indignação, mas pode também nos
mostrar a beleza de certos sentimentos. E é isso que os estudantes precisam
vivenciar e experimentar com a literatura e envolver-se com as obras sendo
3 Plano Nacional do livro e leitura
provocados pela curiosidade de conhecer novas palavras, pensamentos de
diferentes épocas e podendo se identificar e ressignificar-se com as temáticas das
obras lidas.
Esse entusiasmo precisa partir do professor, pois é o mediador das ações na
escola e a representação daquele que possui o conhecimento elaborado. Lajolo
(1993, p.108) enfatiza que “um professor precisa gostar de ler, precisa ler muito,
precisa envolver-se com o que lê”, isto é, ter familiaridade com uma grande
variedade de textos literários e não literários, e também apropriar-se de diferentes
metodologias que possam desenvolver a leitura – mais especificamente a literária –
na escola.
3 LETRAMENTO LITERÁRIO
Nas DCE, documento que estabelece os conteúdos a serem trabalhados no
ensino do Estado do Paraná, a literatura é vista como produção humana e que está
intrinsecamente ligada à vida social. “O entendimento do que seja o produto literário
está sujeito a modificações históricas, portanto, não pode ser apreensível somente
em sua constituição, mas em suas relações dialógicas com outros textos e suas
articulações com outros campos” (DCE, 2008, p. 57).
O ensino de literatura no Brasil ainda é voltado para a História da Literatura e
para os textos ficcionais canonizados, não retirando sua importância para a
aprendizagem, mas o grande problema é que em muitos casos deixa-se de trabalhar
as manifestações artísticas presentes e tão ricas e vivas, no contexto atual, para
privilegiar obras que num primeiro momento não fazem sentido para os estudantes.
Estudiosos do mundo inteiro, ao longo dos anos vêm desenvolvendo métodos
para o trabalho com a literatura. Sabe-se que não basta apenas conhecer as obras
literárias, pois o mundo atual exige a cada dia pessoas leitoras, que consigam
estabelecer relações enfrentando as problemáticas da sociedade e lutando para
superá-las.
O letramento literário pode ser uma forma de trabalhar com as obras, levando
em consideração toda a bagagem cultural que se tem. E o que se entende por
Letramento Literário?
Cosson (2007, p.23) defende a ideia de que o letramento literário é diferente
da leitura por fruição, apesar de esta última depender daquele. Ressalta, ainda, que
a literatura deve ser ensinada na escola: “É fundamental que a leitura seja
organizada segundo os objetivos da formação do aluno, compreendendo que a
literatura tem um papel a cumprir no âmbito escolar”. O letramento literário, segundo
o autor seria a apropriação da leitura literária com vistas a proporcionar ao leitor uma
maior compreensão sobre os conhecimentos envolvidos, podendo incorporar à sua
vida as experiências adquiridas nas leituras. Em relação a esta abordagem defende
que:
Ser leitor de literatura na escola é mais do que fruir um livro de ficção ou se deliciar com as palavras exatas da poesia. É também posicionar-se diante da obra literária, identificando e questionando protocolos de leitura, afirmando ou retificando valores culturais, elaborando e expandindo sentidos. Esse aprendizado crítico da leitura literária, que não se faz sem o encontro pessoal com o texto enquanto princípio de toda experiência estética, é o que temos denominado aqui de letramento literário (COSSON, 2009, p. 120).
O autor chama de sequência básica o encaminhamento dado para o trabalho
com a literatura, ou seja: a motivação, onde o professor levanta questões
desafiadoras sobre o tema a ser trabalhado, sobre a realidade atual ou sobre
alguma lembrança, o que importa nesse momento é aguçar a curiosidade dos
alunos; a introdução: seria a apresentação da obra aos alunos, informando seu
contexto de produção e aspectos relevantes sobre seu conteúdo sugerindo a
socialização das impressões que tiveram ao receber a obra; a leitura: é o momento
de acompanhamento do professor para que os alunos percebam o ritmo, a
sonoridade, a linguagem metafórica, os elementos composicionais do texto; a
interpretação: esse último momento possui duas etapas – a primeira é o leitor
sozinho tentando estabelecer as relações conforme seu conhecimento para chegar à
construção de sentidos – a segunda etapa é o momento de construir os sentidos
coletivamente, tirar dúvidas, ampliar o conhecimento por meio das inferências dos
outros.
Desta forma é possível pensar num trabalho que contribua com a literatura e
com a visão evolutiva que se tem hoje sobre o assunto. Preparar os alunos para ler
as obras literárias é também colaborar para que possam atuar frente às inúmeras
práticas sociais que envolvem a linguagem.
4 LITERATURA E ARTE: AS RELAÇÕES NO ESPAÇO ESCOLAR.
“A arte existe para que o homem possa enxergar o mundo, e
tudo que há nele, em sua plenitude, não apenas a partir de categorias frias
e predeterminadas por modos de vida estabelecidos”.
Eduardo Galeano
A literatura é a “arte de compor trabalhos artísticos em prosa e verso”, ou “o
conjunto de trabalhos literários de um país ou duma época”. É no bom e velho
Aurélio que estão essas definições, talvez reduzidas ao pensar o que é realmente
literatura, mas para começar é interessante não haver equívocos. E arte? Tentar
definir o que é arte hoje é quase impossível e pode haver muitas interpretações. Só
para se ter uma ideia o dicionário Aurélio nos diz que arte é “a capacidade humana
de criação e sua utilização com vistas a certos resultados, obtidos por diferentes
meios”, esta definição já abre um leque enorme de possibilidades de pensar o que é
arte.
É difícil estabelecer conceitos exatos do que são essas duas palavras, por
haver certa subjetividade, e devido à amplitude da carga de sentido que elas
carregam. Mas uma coisa é certa, as duas estão intrinsecamente ligadas.
Para essa pesquisa nos interessa mais perceber as relações entre uma e
outra e por que são importantes para nossa vivência:
A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem , que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade (CANDIDO, 1972, p.53).
Na escola, a literatura não é vista como arte (arte feita de palavras). Lois
(2010, p. 32), afirma que “mesmo reconhecidamente no lugar de arte, seus textos se
misturam ao ensino da Língua Portuguesa, gerando confusões na forma como é
vista ou abordada na sala de aula”. Há que pensar o texto literário como obra de arte
assim como uma pintura, uma coreografia, uma escultura, pois, como estas, o texto
literário possui subjetividades que estão concretizadas em palavras e que refletem a
condição do sujeito, no seu momento histórico, social ou afetivo. É na exploração
dos recursos que as obras literárias nos mostram que é possível ter este contato, o
qual, nos proporciona maior compreensão sobre a literatura como arte que revela a
natureza e o ser humano com suas limitações, suas fraquezas e sensibilidade,
assim como suas aspirações e seu poder.
Todorov (2009) ao escrever sobre a literatura faz uma comparação com a
vida cotidiana e quando se pergunta por que ama a literatura espontaneamente lhe
vem à cabeça: porque ela o ajuda a viver:
Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. (TODOROV, 2009, p.23-24).
Pensar um ensino de literatura como arte é pensar nas possibilidades de
formar estudantes com uma visão ampla da sociedade, mas acima de tudo é
viabilizar caminhos para o contato com o trabalho artístico, seja nas leituras que
terão acesso como nas produções que irão realizar. É necessário explicar que,
desenvolver um plano de literatura, levando em consideração essa ligação com a
arte, não é abandonar os estudos sobre a língua, mas permitir o encontro dos
estudantes com a arte antes de pensar o texto como objeto de análise. É mostrar o
papel humanizador que a literatura possui e que a escola também precisa ter.
4.1 A POESIA NA ESCOLA
Por ser representada como arte “a poesia se caracteriza essencialmente pelo
uso criativo e inovador que se faz das palavras, expressando a subjetividade”
(PAIXÃO, 1992, p.25). Trabalhar com esse teor de subjetividade na escola é talvez o
que seja a maior preocupação dos professores, por não haver a condição de “medir”
tal conhecimento adquirido.
Ao transformar ideias e sentimentos em palavras nem sempre é um processo
tranquilo, é uma “luta” como dizia o poeta Drummond. Porém quando se escreve e
principalmente quando se escreve poesia, segundo Paixão (1991, p. 09), “a
sensação provocada pelo contato com a natureza, uma situação cotidiana ou o
convívio de alguém, têm sabor diferente para cada um de nós”. O autor comenta que
por mais construções poéticas que existam sobre determinado tema, sempre haverá
algo em particular, pois cada ser humano é um ser único. E essa característica
pessoal também é revelada na poesia.
E por que a poesia na escola?
Pode-se pensar que existam muitos caminhos a seguir quando se trata de
formar leitores. Porém quando o trabalho com a poesia é priorizado na escola, não
estamos formando apenas leitores, mas também humanizando, sensibilizando por
meio das palavras, pois o ensino para ter significado precisa ser pensado em torno
das relações sociais. Há, então, um vasto campo de trabalho e possibilidades
infinitas que com certeza podem transformar nossos estudantes em leitores e
conhecedores de seus sentimentos, bem como do conhecimento do outro.
Como são as ações de desenvolvimento da poesia na escola hoje? Podemos
certamente dizer que, de alguma forma é desenvolvido um trabalho, quer seja ideal
ou não, pois muitos professores possuem formação para isso. A escola pode ser um
lugar onde a poesia tenha maior valor, por ser uma das referências da formação do
ser humano. No entanto, não se tem garantia nenhuma de que esse processo seja
desenvolvido com essa intenção na escola.
É necessário haver um posicionamento do próprio educador, no sentido de
priorizar algumas práticas voltadas à formação humana dos alunos.
[...] a consciência de que a poesia é sempre “comunicação de alguma nova experiência” tem sabor especial. A experiência que o poeta nos comunica, dependendo do modo como é transmitida ou estudada, pode possibilitar (ou não) uma assimilação significativa pelo leitor. O modo como o poeta diz – e o que diz ou comunica – sua experiência, permite um encontro íntimo entre leitor-obra que aguçará as emoções e a sensibilidade do leitor (PINHEIRO, 2007, p.22-23).
A escola tem sido a responsável por transmitir o saber cultural aos alunos e
vem reproduzindo um ensino dos autores já consagrados na sociedade. O
compartilhamento dos trabalhos com o texto poético é feito, em geral, por meio de
livros didáticos, os quais, muitas vezes, somente acrescentam mais leituras para os
estudantes de Ensino Médio, sem que haja por parte de alunos e professores um
aprofundamento dos sentidos da obra literária. É um ensino muito mais voltado para
as questões da teoria literária ou da historicidade dos autores e obras do que para a
construção do gosto pela leitura literária.
Todorov (1939, p.41), afirma que “O ensino médio, que não se dirige aos
especialistas em literatura, mas a todos, não pode ter o mesmo alvo (que a
universidade); o que se destina a todos é a literatura, não os estudos literários”, e
isso deveria ser nossa condição básica para o ensino de literatura.
5 INTERVENÇÃO POÉTICA NA ESCOLA: LINDOLF BELL PODE SER A
INSPIRAÇÃO.
“ir às praças e às ruas para que o canto da poesia sobreviva, é preciso rejeitar a rendição, lutar por novos amanhãs, onde a ternura e o amor não se submeteram [...]. O único compromisso do poeta é sua geração e o canto não conformista da vida”.
Lindolf Bell
Intervenção poética – o termo pode soar novo, mas na arte contemporânea
não é tão novo assim. O movimento de catequese poética4, de Lindolf Bell, poderia
exprimir esse tipo de manifestação artística, pois talvez seu trabalho, apesar de não
ter o mesmo nome, teria sido o início do que são hoje as intervenções poéticas. A
poesia que sai das “gavetas”, como Lindolf Bell dizia. A intenção era a de fazer com
que a poesia circulasse pelas mãos, olhos e ouvidos das pessoas mostrando a vida
e o significado que existe nas palavras, muitas vezes questionando os problemas da
sociedade. Seus poemas eram repletos de significados e memória e interpretavam o
momento que se vivia. Bell levou a arte ao povo, pois antes estava restrita às
camadas mais abastadas. Segundo Piccininn (2009, p.66), “Bell defendia, por meio
de seus poemas, a garantia da prática e da reflexão sobre a arte e a cultura como
expressão do direito fundamental do homem em busca da própria felicidade”.
Portanto, realizar um trabalho semelhante ao de Lindolf Bell é transformar o
lugar mais simples em veículo de circulação da poesia para todas as pessoas
independente da classe social. O poeta catarinense afirmava que:
O lugar do poema é todos os meios de comunicação. O lugar do poeta é todos os lugares. O poema não é um fruto petrificado, impossível de trincar. E compete ao poeta, mais do que nunca, mostrar sua possibilidade de consumo (apud TONKZAK, 1978, p. 23)
4 A Catequese Poética é um manifesto artístico iniciado nos anos de 1960, para promover o acesso à
cultura e aos bens artísticos, a todas as pessoas, independente de sua classe social, em espaços públicos. Teve como mentor Lindolf Bell, poeta de Timbó (SC).
Lindolf Bell é um dos nomes que pode mais representar a poesia levada às
pessoas com intenção de inquietá-las. Era essa a intenção do poeta, a de mexer
com as pessoas em lugares diferentes, onde cada tempo pudesse ser refletido.
Hoje, temos as intervenções poéticas urbanas, que mais se aproximam do conceito
da Catequese Poética de Bell.
As intervenções poéticas são manifestações artísticas realizadas quase
sempre nos espaços públicos e que podem envolver performances teatrais nos mais
variados lugares, grafites poéticos, declamações de poesias (nas praças, metrôs,
shoppings) pinturas de poemas em camisetas, letreiros em prédios dentre outras
ações que visam colocar em evidência o objeto artístico.
Intervir desta maneira é dar vida à poesia e também é uma forma inovadora
para o trabalho com a poesia na escola, onde os alunos poderão não só ampliar seu
conhecimento lendo e se interando das obras dos poetas já existentes, assim como
poderão revelar-se como escritores de poemas.
Um aspecto importante que deve ser lembrado é como pode ser disseminada
a poesia. Michèle Petit (2009) em seu livro, “A arte de ler”, expõe um pouco do
trabalho que realizou com mediadores culturais, os quais levavam a Literatura até os
lugares mais remotos e que não poupavam esforços em disseminar a leitura, mesmo
em momentos de grande tristeza, guerra, recessões, violência. Ela comenta também
que os mediadores criam uma “abertura psíquica”, revelando ao leitor o universo dos
livros e da literatura:
Um desejo que pôde ser revelado porque alguém soube tocar essa sensibilidade primitiva, suscitar, pela voz, idas e vindas entre corpo e pensamento, e possibilitar a recuperação, sob o texto,de um mundo interior de sensações, um movimento, um ritmo. Permitir que se entre na dança. Porque os textos agem em vários níveis – sejam eles lidos em voz alta ou ouvido no segredo da solidão: através de seus conteúdos, das associações que suscitam, das discussões que promovem; mas também de suas melodias, seus ritmos, seu tempo (PETTIT, 2009, p.61).
Unir a poesia às demais artes com objetivo de colocar a literatura em evidência
por meio de iniciativas lúdicas e performances artísticas que visam despertar nos
alunos, bem como nas pessoas que de certa forma farão parte da proposta, o gosto
pela leitura, a criatividade, a curiosidade e a aprendizagem pode ser considerado um
mecanismo para o letramento literário. A intenção também é de estimular a
comunidade escolar a conhecer as obras literárias, participar de experiências
estéticas que ajudem a compreender melhor a linguagem poética e a sensibilizar
outras pessoas.
Acredita-se que este envolvimento com a literatura pode, além de melhorar a
capacidade inventiva e criativa das pessoas, desenvolver caminhos para reflexão
sobre os problemas que a sociedade apresenta.
É pela intervenção poética que se vislumbra uma forma de trabalhar com as
leituras das obras de poetas consagrados, assim como as de poetas da região e
também com as criações dos alunos e alunas envolvidos no projeto.
Oportunizar tais situações de aprendizagens com o objetivo de provocar
experiências com a Arte implica problematizar momentos ao invés de simplesmente
transmitir informação. Bondía (2002: p.21) diz que “experiência é aquilo que nos
passa, ou que nos toca ou que nos acontece, e, ao passar-nos, nos forma e
transforma”, e todo ser humano precisa passar por experiências que o levem a
reflexão de seu tempo, de sua presença no mundo. O autor ressalta a força que as
palavras exercem sobre o ser humano:
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. E isto, o sentido ou o sem-sentido, é algo que tem a ver com as palavras. E, portanto, também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo em que vivemos (BONDÍA, 2002, p.21).
A SUGESTÃO DE TRABALHO NA ESCOLA
São inúmeras as metodologias utilizadas para trabalhar a poesia na escola. Para
o desenvolvimento da proposta o processo de aplicação foi por meio de Oficinas de
poesia, atividade que caracteriza essa pesquisa como teórica-prática. Optar por um
trabalho por meio de “oficinas” é uma forma de diferenciar um pouco da aula que
simplesmente trata os poemas como textos corriqueiros sem dar o devido valor para
o que poderíamos tratar como arte. Quando nos propusemos a realizar oficinas
poéticas sugerimos um trabalho diferenciado, no qual os alunos possam ser
introduzidos à leitura e à produção de textos poéticos por meio de sensibilizações
estéticas. O incentivo à prática da leitura foi amplamente abordado, mas não
qualquer leitura. Almejamos, desde o início, um adentrar no mundo mágico das
palavras e suas possibilidades de expressões e sentidos.
O desenvolvimento da proposta aconteceu no Colégio Estadual Adiles Bordin,
pertencente ao Núcleo Regional de Educação de União da Vitória com uma turma
de segundo ano do Ensino Médio. A comunidade escolar é caracterizada como
carente e de pouco acesso e estímulo à leitura literária. É desenvolvido no mesmo
colégio um projeto do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência ), de Língua Portuguesa, desenvolvido pela UNESPAR, o qual visa
desenvolver atividades que ampliem o conhecimento dos alunos e garanta o acesso
à leitura literária. A implementação ocorreu por meio de oficinas de literatura e todas
tinham como objetivo disseminar a poesia através das expressões artísticas: música,
desenho, performance teatral, declamação, fotografia, produções escritas das mais
variadas formas.
A proposta foi apresentada no início deste ano ao corpo docente do colégio,
bem como a equipe pedagógica para apreciação e discussão dos encaminhamentos
a serem dados através da unidade didática. Nesse momento também se realizou
uma das oficinas com o grupo de professores e professoras: a poesia e seus
sentidos, segunda oficina, na qual a musicalidade dos poemas era o foco tendo os
textos poéticos de Solano Trindade para subsidiar os trabalhos.
O objetivo principal do trabalho era que o grupo de alunos entrasse em
contato com a poesia e percebesse que existe algo de maior nas obras literárias.
Que a literatura pode ser uma forma deles refletirem e repensarem sobre suas vidas,
suas atitudes e sobre a sociedade como um todo. Outro grande objetivo era o
desenvolvimento de novos procedimentos para o processo de ensino de literatura na
escola.
O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES COM A TURMA
De início, a proposta foi apresentada à turma e depois foi feito um diagnóstico
por meio de perguntas do tipo: quando e como foram as primeiras experiências com
a literatura? Gosta de ler textos literários? Quais textos chamam mais sua atenção?
Os depoimentos respondendo a essas questões foram bem variados. Um pouco
mais que metade da turma respondeu que teve contato com a literatura, na
educação infantil, o restante nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Quanto ao
gosto pela leitura, grande parte relatou que gosta de ler, porém gostava mais na
infância e que com o passar dos anos as leituras foram ficando desinteressantes.
Após socializar esses relatos com os alunos as oficinas foram acontecendo
de modo que sempre se iniciava com uma declamação, uma intervenção, uma e
uma performance teatral. Cada oficina com seu brilho literário, como planejado na
unidade didática. Foram desenvolvidas seis oficinas sendo a primeira: Sensibilizar é
preciso; a segunda: A poesia e seus sentidos; a terceira: o Contestado poetizado; a
quarta: Clic poemas; a quinta: Produzindo intervenções poéticas e a sexta: Sarau.
Houve total envolvimento da turma principalmente quando viram que o
trabalho era diferenciado. Cada oficina proporcionou uma forma de conhecimento. A
primeira foi a de sensibilizar para a poesia sendo feitas intervenções poéticas por
toda a escola, com vários poemas, de vários autores. Nessa atividade não só a
turma escolhida para o trabalho, mas toda a comunidade escolar, se envolveu nas
leituras. Conheceram poemas de autores consagrados como também os da nossa
região. Conheceram o trabalho de Lindolf Bell, sua vida e o empenho na Catequese
Poética.
A turma foi ganhando ânimo para pesquisar, conhecer e principalmente ler os
textos que eram apresentados e seus encaminhamentos. Na segunda oficina, na
qual a musicalidade dos poemas era o tema, a situação permitiu que a turma
recebesse a visita de um percussionista, Marcos Saldanha, que explicou e mostrou
os sons de diversos instrumentos de percussão. Isso permitiu a turma observar a
relação música/poesia nos poemas de Solano Trindade, entre outros.
A oficina mais trabalhosa foi com certeza a do Contestado Poetizado, porém a
que teve maior resultado nas produções escritas. Após o encerramento dessa
oficina a turma foi visitar o parque do Contestado em Porto União e lá foram
realizadas diversas declamações dos poemas da cartonera que haviam produzido
em sala. Depois ainda fizeram uma parada na Praça do Contestado disseminando
suas poesias.
Quanto à oficina de Clic poemas, esta também teve ótima aceitação. Os
alunos conheceram um pouco sobre Sebastião Salgado e suas obras mais
importantes: Êxodo e Gênesis e fizeram várias atividades de análise de imagem,
construção de poemas a partir das imagens selecionadas, o que culminou em um
foto-livro das produções da turma.
Como teve uma situação agravante em nossa cidade, que foi a enchente e o
Colégio diretamente afetado, as oficinas de Produção das Intervenções poéticas e a
do Sarau foram realizadas um pouco diferente do planejado. Organizou-se uma
gincana literária intitulada Paulo Leminski, aproveitando o evento da Caravana da
Poesia e o trabalho que fora pensado apenas com o segundo ano acabou-se por ser
realizado com o colégio inteiro. E os resultados foram melhores do que o esperado,
pois toda a comunidade escolar percebeu o quão importante é trabalhar a literatura
de forma diferenciada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática docente subsidiada por uma proposta de intervenção pedagógica
planejada e coerente pode elevar a qualidade da educação. A instituição escolar só
tem a ganhar quando realiza um trabalho em conjunto com a universidade, pois a
ação docente passa a ser refletida e analisada diante das dificuldades encontradas
no dia a dia escolar, e depois repensada, com intuito de buscar possibilidades para
um melhor desenvolvimento dos conteúdos escolares.
A partir dos estudos e da implementação da proposta intentou-se propiciar
práticas que pudessem contribuir para a formação de leitores de literatura, bem
como para a reflexão sobre os procedimentos metodológicos desenvolvidos na
escola em relação à literatura. Desde as apresentações artísticas até os estudos
aprofundados sobre a poesia buscou-se manter sempre o respeito à carga de
conhecimento trazida pelos estudantes e, por conseguinte, a reflexão sobre como a
leitura literária poderia contribuir em nossas vidas.
Procurar caminhos melhores para transformar o ensino e a aprendizagem é a
tarefa de todos os educadores. A literatura tem esse poder de transformar uma
sociedade, se houver o desenvolvimento de procedimentos que a organizem no ato
de refletir, humanizar e sensibilizar tanto para a visão que se tem dela, hoje, como
para uma reflexão histórica.
Essa experiência deve ser vista como uma possibilidade dentre tantas para
motivar o trabalho de desenvolvimento de estratégias para a formação de leitores. É
pela leitura, principalmente a literária, que teremos pessoas mais conscientes e
sensíveis aos enfrentamentos do cotidiano. Desta forma, as ações precisam ser
realizadas como estão acontecendo no Programa do PDE, que tem como um dos
objetivos a troca de experiências entre os professores das universidades,
professores da rede pública e comunidade escolar.
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