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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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DIÁLOGOS CURRICULARES COM O ENSINO DE HISTÓRIA NA EJA Ivonir Rodrigues Ayres1

Marlene Rosa Cainelli2 Resumo: Este artigo sistematiza as reflexões realizadas no decorrer da elaboração e da implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica desenvolvido no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR), nos anos de 2014 e 2015, vinculado ao Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), tendo como tema “Diálogos Curriculares com o Ensino de História na EJA”, inserido na Linha de Pesquisa “Fundamentos Teórico-Metodológicos para o Ensino de História”, sob orientação da professora doutora Marlene Rosa Cainelli. As reflexões apresentadas neste texto resultam dos diálogos travados com as Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de História e com as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação de Jovens e Adultos, além de um diálogo estabelecido com a teoria da Educação Histórica. Também são explanadas as ponderações que subsidiaram a elaboração da Produção Didático Pedagógica, constituída de um plano de curso com carga horária de 32 horas, bem como as considerações sobre sua execução no CEEBJA Herbert de Souza, de Londrina, no Paraná, utilizando, para tanto, a metodologia de ensino das Aulas-Oficinas (BARCA, 2004).

Palavras-chave: Currículo; Diretrizes Curriculares; Educação de Jovens e Adultos; Ensino de História; Educação Histórica. 1. Introdução

O presente artigo busca sistematizar as reflexões oriundas do processo de

produção do Projeto de Intervenção Pedagógica e de sua implementação por meio

da execução da sua Produção Didática Pedagógica. A escolha do tema “Diálogos

Curriculares com o Ensino de História na EJA”, inserido na Linha de Pesquisa

“Fundamentos Teórico-Metodológicos para o Ensino de História”, sob orientação da

professora doutora Marlene Rosa Cainelli, originou-se de nossas inquietações frente

ao desafio de organizar práticas pedagógicas para o ensino de História na Educação

de Jovens e Adultos (EJA) fundamentadas tanto nas Diretrizes Curriculares

Estaduais para a disciplina de História quanto nas Diretrizes Curriculares Estaduais

para a EJA, levando-se em conta os jovens, adultos e idosos permanecem menos

1 Professor PDE. Licenciado em História, Especialista em Avaliação e em Educação de Jovens e Adultos e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Atua no CEEBJA Herbert de Souza de Londrina, PR. 2 Professora Orientadora PDE. Doutora em História pela Universidade Federal do Paraná, Pós Doutora pela Universidade do Minho e Professora do Departamento de História e do Mestrado em Educação na Universidade Estadual de Londrina.

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tempo na escola, na medida a oferta de ensino nesta modalidade da educação

básica é feita por disciplinas com cargas horárias de curta duração, e que o currículo

prescrito em ambos os documentos é o mesmo.

Nesta perspectiva, algumas questões foram problematizadas no referido

Projeto de Intervenção Pedagógica como a que envolve a definição de critérios para

a seleção de conteúdos a serem tratados com os educandos da EJA, os quais, em

curto espaço de tempo, possam contribuir para o desenvolvimento de suas

consciências históricas. Outra questão diz respeito aos encaminhamentos

metodológicos que devem ser adotados para assegurar o aprendizado pleno destes

educando e, ainda, de que forma os saberes acumulados em suas trajetórias de vida

possam ser efetivamente considerados na elaboração e execução das práticas

pedagógicas cotidianas.

Para tratar destas questões, foi estabelecido um diálogo com as DCE para a

História e para a EJA que nos permitiram refletir a respeito das concepções de

currículo e de conceitos presentes em ambos os documentos, como cultura, trabalho

e tempo, caros para a Educação de Jovens e Adultos, e o de consciência histórica,

fundamental para a disciplina de História. Neste processo, dialogamos ainda com os

pressupostos teóricos do campo da pesquisa denominado Educação Histórica e da

metodologia de trabalho das chamadas Aulas-Oficinas, os quais foram decisivos

para a elaboração das atividades da Produção Didático Pedagógica, implantada no

CEEBJA Herbert de Souza, de Londrina, no segundo semestre de 2015.

2. Diálogos Curriculares

Embora os diálogos estabelecidos com as DCE para a História e as DCE para

a EJA constituam o tema central deste estudo, cabe salientar que não seria possível

construir a Projeto de Implementação Pedagógica nem tampouco a sua Produção

Didático Pedagógica sem dialogar com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

EJA (Parecer CEB/CNE 11/2000); com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

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Brasileira e Africana (2004) e a Lei 11.645 (2008)3 e, ainda, com as Diretrizes

Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos

(2006). Contudo, como já mencionado, atemo-nos, aqui, a apresentar as reflexões

oriundas dos diálogos com as DCE para a História e as DCE para a EJA. 2.1. Diálogos com as DCE para a História e as DCE para a EJA

As Diretrizes Curriculares Estaduais para o ensino de História na educação

básica do Paraná, elaboradas entre os anos de 2004 e 2008, abordam uma questão

muito presente no cotidiano das salas de aula na atualidade: a tensão entre o

currículo documento e o currículo como prática. Superar os conflitos decorrentes da

relação entre o currículo prescrito e aquele que é efetivamente possível de ser

concretizado diariamente nas nossas práticas pedagógicas é um desafio que temos

enfrentado ao longo de nossa trajetória de vida como professor da disciplina de

História na educação básica em Londrina.

As DCE para a História, ao tratar da questão do currículo, fazem a

desconstrução da concepção que o define somente como um documento formal de

orientação pedagógica sobre o conhecimento a ser aplicado na escola ou como uma

lista de objetivos, métodos e conteúdos necessários para o desenvolvimento dos

saberes escolares. Esta concepção, segundo o texto das DCE, desconsidera o

currículo como uma construção social resultante de embates políticos que produzem

um projeto pedagógico vinculado a um projeto social que o currículo traduz e, ainda,

ignora a tensão constante entre seu caráter prescritivo e a prática docente. Na

análise das DCE, são apontadas três concepções de currículo: a vinculada ao

academicismo/cientificismo: que trata a disciplina escolar como ramificação do saber

especializado, tornando-a refém da fragmentação do conhecimento; a que centra o

currículo nas subjetividades e experiências vividas pelos alunos, fundamentando-se,

desse modo, nas necessidades de desenvolvimento pessoal do indivíduo, em

prejuízo da aprendizagem dos conhecimentos histórica e socialmente construídos

pela humanidade; e aquela defendida pelos autores das DCE para a História, que

3 Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

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entendem o currículo como configurador da prática, produto de ampla discussão

entre os sujeitos da educação, fundamentado nas teorias críticas e com organização

disciplinar.

Compreender este debate teórico é importante e necessário, porém, cabe

destacar que, não raras vezes, tais concepções misturam-se em nossas práticas

pedagógicas, pois são separadas no cotidiano escolar por linhas muito tênues.

Frente ao desafio de atender a um grande número de alunos matriculados em

diversas turmas com diferentes níveis de escolarização, nos vemos obrigados, em

certa medida, a padronizar as nossas aulas, tendo o livro didático como principal

material de apoio, pois, todos os educandos têm acesso a este recurso. É preciso

considerar, ainda, que a produção de qualquer outro material didático exige tempo

de sua preparação e investimentos para a sua reprodução. Desse modo, o uso do

livro didático se torna mais conveniente e, por vezes, o planejamento das aulas

acaba sendo determinado pela sequência dos conteúdos elencados no livro e pelas

atividades nele propostas. Esta prática pedagógica tende a aproximar o currículo

vivido em sala de aula da concepção de currículo vinculada ao

academicismo/cientificismo, pois os conteúdos dos livros didáticos são

correntemente interpretados como verdades decorrentes dos saberes científicos

produzidos nas academias e transpostas, por meio deste recurso, para as salas de

aula da educação básica com uma linguagem mais acessível.

Por outro lado, é possível também encontrar práticas pedagógicas centradas

apenas no interesse dos educandos, aproximando-as da segunda concepção de

currículo debatida no texto dos DCE para a História, a que reduz a escola ao papel

de instituição socializadora, ressaltando os processos psicológicos dos alunos e

secundarizando os interesses sociais e os conhecimentos específicos das

disciplinas. Não raro, observamos tais práticas em escolas que atendem jovens,

adultos e idosos, como é o caso do CEEBJA Herbert de Souza, onde lecionamos

História nos orientando pelo seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Este, por sua

vez, se fundamenta nas Diretrizes Curriculares Estaduais para EJA, as quais

valorizam, sobremaneira, a importância das experiências vividas pelos educandos

para a construção do processo de ensino e de aprendizagem.

Com relação à concepção de currículo presente nas DCE para a EJA, em

vigor desde 2006, enfatiza-se que a sua construção deve fundamentar-se no

reconhecimento dos educandos jovens, adultos e idosos como sujeitos de direito,

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sendo necessário considerar a história e condição socioeconômica de cada um

deles, a posição que ocupam nas relações de poder, bem a diversidade étnico-

racial, territorial, geracional e cultural, dentre outras, presentes nas escolas da EJA.

Considerando este perfil, as DCE apresentam como eixos articuladores a cultura, o

trabalho e o tempo.

O conceito de cultura apresentado é abrangente, compreendendo a forma de

produção da vida material e imaterial e “compõe um sistema de significações

envolvido em todas as formas de atividade social” (WILLIANS, 1992 apud PARANÁ,

2006, p. 32). A cultura, sendo um produto da atividade humana e com dimensão

histórica, se constitui em elemento de mediação entre o indivíduo e a sociedade, e,

neste aspecto, torna-se objeto da educação que se traduz, na escola, em atividade

curricular. Desse modo, pode-se compreender o currículo “como a porção da cultura

(...) que, por ser considerada relevante num dado momento histórico, é trazida para

a escola, isso é, é escolarizada” (idem, p. 32). Assim, o currículo relaciona-se com a

cultura na qual ele se organizou.

Por sua vez, o trabalho, também produto da atividade humana e, portanto,

elemento cultural, é conceituado neste documento como uma forma de produção da

vida material a partir da qual se produzem distintos sistemas de significação. É a

ação pela qual o homem transforma a natureza e transforma-se a si mesmo. Porém,

alertam os autores destas Diretrizes, a ênfase no trabalho como princípio educativo

não deve ser reduzida à preocupação em “preparar o trabalhador para atender às

demandas do industrialismo e do mercado de trabalho nem apenas destacar as

dimensões relativas à produção e às suas transformações técnicas” (ARROYO,

2001, apud PARANÁ, 2006, p. 33). É sabido que uma das principais razões pelas

quais os educandos da EJA retornam para a escola é o desejo de rápida elevação

do nível de escolaridade para atender às exigências do mercado do trabalho. Esta

expectativa de muitos educandos gera conflitos que se manifestam na dimensão do

tempo, outro eixo articulador das Diretrizes.

Cada educando que procura a EJA apresenta um tempo social e um tempo

escolar vivido, o que implica a necessidade de reorganização curricular, dos tempos

e dos espaços escolares, para a busca de sua emancipação. O tempo e o espaço

são aspectos da cultura escolar e fazem parte da ação pedagógica.

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A organização do tempo escolar compreende três dimensões: o tempo físico, o tempo vivido e o tempo pedagógico. O primeiro está relacionado ao calendário escolar organizado em dias letivos, horas/aula, bimestres que organizam e controlam o tempo da ação pedagógica. O segundo diz respeito ao tempo vivido pelo professor nas suas experiências pedagógicas, nos cursos de formação, na ação docente propriamente dita, bem como o tempo vivido pelos educandos nas experiências sociais e escolares. O último compreende o tempo que a organização escolar destina para a escolarização e socialização do conhecimento. Ainda, há o tempo que o aluno dispõe para se dedicar aos afazeres escolares internos e externos exigidos pelo processo educativo (PARANÁ, 2006, p. 33).

A organização do tempo escolar na EJA, portanto, deve levar em

consideração o tempo vivido dos educandos, assim como o tempo que têm de

disponibilidade para os estudos em razão, principalmente, de sua relação com o

mundo do trabalho e, ainda, respeitar os sistemas de significação construídos por

estes educandos ao longo de suas trajetórias de vida. Desse modo, cultura, trabalho

e tempo formam os principais eixos que devem se articular com os componentes

curriculares de todas as disciplinas. Para tanto, o tópico das orientações

metodológicas das DCE aponta que o currículo deve ser organizado de forma

abrangente, no qual os conteúdos escolares estejam articulados à realidade dos

educandos, buscando desenvolver um processo integrador dos diferentes saberes, a

partir da contribuição das diferentes áreas do conhecimento. O conhecimento a ser

socializado no espaço escolar, segundo estas DCE, deve oportunizar condições ao

educando de ser cidadão, valorizar sua cultura de referência, acrescentar-lhes novos

conhecimentos, de modo que se tornem “autônomos intelectual e moralmente,

capazes de interpretar as condições histórico-culturais da sociedade em que vivem

de forma crítica e reflexiva, impondo autonomia às suas próprias ações” (SILVA,

2003, apud PARANÁ, 2006, p.38).

Há o reconhecimento, no texto, de que a seleção dos conteúdos escolares e

das práticas pedagógicas para a socialização do conhecimento na EJA é um desafio

curricular e o questionamento sobre quais critérios devem ser adotados para

selecionar os saberes que permitirão aos educandos uma participação mais

consciente e crítica na sociedade passa a ser uma pergunta central ao currículo. O

primeiro critério apontado pelas DCE para resolver esta problemática é dar

relevância aos saberes escolares frente à experiência social construída

historicamente, considerando que os conhecimentos escolares necessários a uma

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educação de qualidade “devem possibilitar ao educando tanto bom desempenho no

mundo imediato como análise e a transcendência das tradições culturais do aluno”

(PARANÁ, 2006, p. 38). O segundo critério para a seleção dos saberes e das

práticas pedagógicas tem a ver com os processos de ensino e aprendizagem. Tais

processos devem enfatizar o pensar e promover a interação entre os saberes

docentes e discentes na busca de conteúdos significativos, pois a atividade escolar

possui maior valor pedagógico se estiver associada ao pensamento reflexivo. O

educador “deve perceber o que o educando sabe e o que precisa saber,

conhecendo-o no conjunto: profissão, religião, desejos, anseios, características e

ideologias, por meio do diálogo e da observação permanentes” (idem, p. 39). O

terceiro critério refere-se à organização do processo ensino-aprendizagem, dando

ênfase às atividades que permitem integrar os diferentes saberes. Estas “devem

estar fundamentadas em valores éticos, favorecer o acesso às diversas

manifestações culturais, articular as situações relacionadas na prática escolar com a

prática social” (idem, p. 39). O quarto critério refere-se às possibilidades de articular

singularidade e totalidade no processo de conhecimento vivenciado pelos

educandos. Os conteúdos selecionados “devem refletir os amplos aspectos da

cultura, tanto do passado quanto do presente, assim como as possibilidades futuras,

identificando mudanças e permanências inerentes ao processo de conhecimento na

sua relação como contexto social” (idem, p. 39). O texto considera também que as

metodologias são um meio e não um fim para se efetivar o processo educativo.

Dessa forma, torna-se necessário que práticas metodológicas sejam flexíveis, com

procedimentos que possam ser alterados, adaptados às especificidades da

comunidade escolar. Lembra, ainda, que a seleção de conteúdos e as respectivas

metodologias para o seu desenvolvimento representam um ato político, pedagógico

e social.

Em suma, ao relacionar as Diretrizes para a EJA com as específicas para a

História, constata-se que ao tratar dos conhecimentos amplos que aproximam e

organizam os conteúdos escolares mais específicos, a primeira os denomina de

Eixos Articuladores (cultura, trabalho e tempo) enquanto a segunda de Conteúdos

Estruturantes (relações culturais, relações de trabalho e relações de poder) e que

tais proposições não são excludentes, pois ambas buscam a articulação entre

conhecimentos em suas várias dimensões.

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2.2. Diálogos com a Educação Histórica

Por Educação Histórica entende-se o campo de pesquisa historiográfica que

vem ganhando projeção nos últimos anos, tendo como principais referências

teóricas os estudos do filósofo e historiador inglês Peter Lee e da historiadora

portuguesa Isabel Barca. As DCE para a História fundamentam-se nesta vertente e

também em outras como a Nova História, a Nova História Cultural e a Nova

Esquerda Inglesa, as quais, segundo o texto, “dialogam entre si e trazem grandes

contribuições para a formação de um pensamento histórico pautado em uma nova

racionalidade histórica” (PARANÁ, 2008, p. 48). Quanto aos critérios de validade do

conhecimento histórico na academia e nos currículos escolares, há o destaque para

a contribuição do historiador alemão Jörg Rüsen (2001), que propõe uma matriz

disciplinar da História para que se compreenda a organização do pensamento

histórico dos sujeitos. O professor, ao entender como se dá esta organização do

pensamento histórico, poderá encaminhar suas aulas de maneira que o aprendizado

seja significativo para os estudantes. Rüsen propõe alguns elementos

intercambiantes que devem ser observados na constituição do pensamento

histórico, quais sejam: A observação de que as necessidades dos sujeitos na sua vida cotidiana em sua prática social estão ligadas com a orientação no tempo. Essas necessidades fazem com que os sujeitos busquem no passado respostas para questões do presente. Portanto, fica claro que os sujeitos fazem relação passado/presente o tempo todo em sua vida cotidiana. / As teorias utilizadas pelo historiador instituem uma racionalidade para a relação passado/presente que os sujeitos já trazem na sua vida prática cotidiana. Essas teorias acabam estabelecendo critérios de sentido para essa prática social. Esses critérios de sentidos são chamados de ideias históricas. / Os métodos e técnicas de investigação do historiador produzem fundamentações específicas relativas às pesquisas ligadas ao modo como as ideias históricas são concebidas a partir de critérios de verificação, classificação e confrontação científica dos documentos. / As finalidades de orientação da prática social dos sujeitos retomam as interpretações das necessidades de orientação no tempo, a partir de teorias e métodos historiográficos apresentados. / Essas finalidades se expressam e realizam sob a forma de narrativas históricas (RÜSEN, 2001, p. 30-36 apud PARANÁ, 2008, p. 46).

Considerando a matriz disciplinar proposta por Rüsen (2001), o documento

das DCE aponta como objeto de estudo da História:

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Os processos históricos relativos às ações e às relações humanas praticadas no tempo, bem como a respectiva significação atribuída pelos sujeitos, tendo ou não consciência dessas ações. As relações humanas produzidas por essas ações podem ser definidas como estruturas sócio-históricas, ou seja, são as formas de agir, pensar, sentir, representar, imaginar, instituir e de se relacionar social, cultural e politicamente (PARANÁ, 2008, p. 46).

Em tópico específico, as DCE para a História aprofundam o conceito de

consciência histórica tendo como referência, mais uma vez, a perspectiva do

historiador Jörn Rüsen, que a define como o conjunto das “operações mentais com

as quais os homens interpretam sua experiência da mudança temporal de seu

mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua

vida prática no tempo” (RÜSEN, 2001, p. 58 apud PARANÁ, 2008, p. 57). É,

portanto, a constituição do sentido da experiência do tempo expressa pela narrativa

histórica.

[A consciência histórica] constitui-se mediante a operação, genérica e elementar da vida prática, do narrar, com o qual os homens orientam seu agir e sofrer no tempo. Mediante a narrativa histórica, são formuladas representações da continuidade da evolução temporal dos homens e de seu mundo, instituidoras de identidade, por meio da memória, e inseridas como determinação de sentido no quadro de orientação da vida prática humana. [...] A narrativa histórica torna presente o passado, sempre em uma consciência de tempo na qual o passado, presente e futuro formam uma unidade integrada, mediante a qual, justamente, constitui-se a consciência histórica (RÜSEN, 2001 apud PARANÁ, 2008, p. 58).

A respeito da aprendizagem histórica, o documento afirma que ela é uma das

dimensões e manifestações da consciência histórica. Está articulada ao modo como

a experiência do passado é vivenciada e interpretada de maneira a fornecer uma

compreensão do presente e a construir projetos de futuro. Para compreender o que

significa se orientar no tempo a partir das múltiplas experiências do passado e

expectativas de futuro e, ainda, como fazer com que os alunos aprendam a

interpretar a História, construindo suas narrativas históricas, além de identificar os

princípios epistemológicos que possibilitam a esses sujeitos narrarem a partir de

diversas temporalidades, as DCE apoiam-se nas concepções da historiadora

portuguesa Isabel Barca (2004), para quem a aprendizagem histórica se dá quando

os professores e alunos investigam as ideias históricas.

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Essas podem ser tanto ideias substantivas da História, tais como os

conteúdos históricos (Revolução Francesa, escravidão na América portuguesa,

democracia etc.), como as categorias estruturais ligadas à epistemologia da História

(temporalidade, explicação, evidência, inferência, empatia, significância, narrativas

históricas etc.). A narrativa histórica é o princípio organizador dessas ideias

(PARANÁ, 2008, p. 57). A partir delas, a aprendizagem histórica configura a

capacidade de crianças, jovens ou mesmo adultos se orientarem na vida e

constituírem uma identidade a partir da alteridade. A constituição desta identidade,

de acordo com texto, se dá na relação com os múltiplos sujeitos e suas respectivas

visões de mundo e temporalidades em diversos contextos espaço-temporais por

meio da narrativa histórica. Contudo, alerta que as orientações e os métodos da

pesquisa histórica são distintos das orientações e dos métodos de ensino de

História. No ensino, considera-se o aprendizado de conceitos históricos que

explicam os processos de mudança da consciência histórica nos alunos, a qual pode

ser expressa de formas diferentes. E, de acordo com Rüsen (1993a, p. 69-81 apud

PARANÁ, 2008, p. 58), existem quatro tipos de consciência histórica: tradicional,

exemplar, crítica e ontogenética4.

A consciência histórica tradicional ocorre quando o aluno compreende a

dimensão temporal como permanência das experiências relativas aos modelos de

vida e de cultura do passado e se expressa em uma narrativa tradicional que

procura dar sentido ao atual modo de vida por meio de afirmação de uma memória

das origens, de maneira que o tempo se apresenta como se fosse eterno. A

consciência histórica exemplar é aquela por meio da qual os sujeitos expressam

experiências do passado como casos que representam e personificam regras gerais

e atemporais da conduta humana e dos sistemas de valores. Entende-se por

narrativa exemplar a que se fundamenta em regularidades de casos demonstrando a

aplicação de regras de conduta gerais. A consciência histórica crítica é pautada na

aprendizagem histórica das experiências do passado. Nessa perspectiva, possibilita

a formação de pontos de vista históricos por negação aos tipos tradicional e

exemplar de consciência.

4Para Rüsen, o termo “ontogenética” se refere ao processo histórico de constituição dos sujeitos em desenvolvimento, em que estes se orientam no tempo, a partir da relação passado, presente, futuro. Em outras palavras, os sujeitos se constituem à medida que tomam consciência do sentido histórico de suas experiências temporais e passam a se orientar no tempo (PARANÁ, 2008, p. 58).

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Esse tipo de consciência se expressa em narrativas críticas, as quais

valorizam os deslocamentos e problematizações em relação às presentes condições

de vida a partir de “contranarrações”. Tais concepções de aprendizagem histórica,

aliadas ao tratamento dos conteúdos escolares, promovem a consciência histórica

ontogenética, na medida em que articula a compreensão, pelos sujeitos, do

processo histórico relativo às relações de temporalidades como as permanências,

mudanças, simultaneidades, transformações e rupturas de modelos culturais e da

vida social em sua complexidade, e se expressa em narrativas ontogenéticas, as

quais propõem a transformação de modos de vida dos próprios sujeitos a partir dos

modos de vida da alteridade. Ao final deste tópico que trata da consciência histórica

e da aprendizagem histórica, o texto das DCE enfatiza que se espera por meio

dessas orientações, que a prática do professor contribua para a formação da

consciência histórica ontogenética nos alunos a partir de uma racionalidade histórica

não-linear e multitemporal.

Para que esse objetivo ligado à aprendizagem histórica seja alcançado, sob a exploração de metodologias ligadas à epistemologia da História, é importante considerar, na abordagem dos conteúdos temáticos: múltiplos recortes temporais; diferentes conceitos de documento; múltiplos sujeitos e suas experiências, numa perspectiva de diversidade; formas de problematização em relação ao passado; condições de elaborar e compreender conceitos que permitam pensar historicamente; superação da ideia de História como verdade absoluta por meio da percepção dos tipos de consciência histórica expressas em narrativas históricas (PARANÁ, 2008, p. 60).

O tema da consciência histórica também é tratado nas DCE para a EJA. No

entanto, a referência para a discussão não é mais em Rüsen, mas sim em Paulo

Freire, para quem somente os homens são capazes de agir conscientemente sobre

a realidade objetivada. Contudo, segundo Freire (1980) num primeiro momento a

realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crí-

tica.

Noutros termos, na aproximação espontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura. Esta tomada de consciência não

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é ainda a conscientização, porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica (FREIRE, 1980, p. 26).

Quanto mais conscientização, “mais se ‘des-vela’ a realidade, mais se penetra

na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo”

(idem, p. 26). A conscientização não pode existir fora da práxis, sem o ato ação-

reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou

de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, afirma o

educador, a conscientização é um compromisso histórico. “É também consciência

histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de

sujeitos que fazem e refazem o mundo” (idem, p. 26).

Desse modo, verificamos que tanto as DCE para a História quanto as da EJA

afirmam a importância da formação da consciência histórica do educando como

essencial para o processo de sua aprendizagem, objetivo fundamental da educação.

2.3. Diálogos com a prática: a Produção Didático Pedagógica

No processo de elaboração da Produção Didático Pedagógica, derivada do

Projeto de Intervenção Pedagógica, incorporamos a concepção de consciência

histórica ‘crítico-genética’, explicitada pelas educadoras Cainelli e Schimdt (2012)

como aquela cuja relação presente-passado seja fundamentada em narrativas mais complexas, que se prestem a uma orientação temporal para a vida presente, baseadas em alguns princípios, como liberdade, democracia e direitos humanos, fundamentos de uma formação para a cidadania”. (CAINELLI; SCHMIDT, 2012, p. 69).

De acordo com as educadoras, uma das dimensões e manifestações da

consciência histórica é aprendizagem histórica que pressupõe a construção de uma

relação diferenciada com o passado.

De modo geral, a forma escolar do conhecimento histórico tem mostrado o passado como algo dado e sem relação com o presente, ou seja, como um passado morto. Por outro lado, o conhecimento

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histórico apresentado principalmente pelos meios de comunicação, como a televisão, enfatiza visões particularistas sobre o passado, geralmente relacionadas com interesses, preconceitos e estereótipos, trazendo uma forma de passado prático. A aprendizagem histórica referenciada na formação da consciência histórica propõe o desenvolvimento da capacidade de se orientar no tempo (passado) e sobre o tempo (presente), construindo-o e analisando-o para torná-lo significativo para nós. Paralelamente, pressupõe que a aprendizagem histórica é um processo dinâmico no qual a pessoa que está aprendendo está mudando e isso significa que saber história é diferente de pensar historicamente correto. Saber história é entender o passado como um passado histórico, nem morto, nem prático (CAINELLI; SCHMIDT, 2012, p. 70).

Como explicam as educadoras, três são as dimensões da aprendizagem

histórica: experiência, interpretação e orientação. A primeira é importante porque

aprender história é crescer na experiência obtida no passado humano,

desenvolvendo também a capacidade de se abrir e de selecionar novas experiências

históricas. Já a interpretação contribui para o desenvolvimento da capacidade de dar

significados aos fatos históricos e integrar diferentes tipos de conhecimentos e

experiências do passado humano em totalidades compreensíveis. Por último, a

orientação põe em destaque o fato de que aprender história é sempre desenvolver a

capacidade para se situar no tempo, por meio de localizações e explicações acerca

do passado, e sobre o tempo, relacionando o passado com o presente e o futuro. De

acordo com Cainelli e Schmidt (2011, p.72), como já mencionado acima, as três

dimensões da aprendizagem histórica - experiência, interpretação e orientação -

estão sempre intimamente relacionadas, pois não existe experiência histórica sem

significado ou orientação histórica sem experiência.

Nesta perspectiva, e para além das orientações das DCE específicas da

História, nos apropriamos também da concepção de Aulas-Oficinas propostas por

Isabel Barca (2004, p. 133-134), que organiza o ensino de História numa progressão

gradual a ser desenvolvida em três etapas. A primeira refere-se à interpretação de

fontes, ou seja, os educandos deverão fazer a leitura de fontes históricas diversas,

com suportes diversos, com mensagens diversas e cruzar as fontes nas suas

mensagens, nas suas intenções, na sua validade, o que exige a selecionar as fontes

com critérios de objetividade metodológica, para confirmação ou refutação de

hipóteses descritivas e explicativas. A segunda etapa é denominada compreensão

contextualizada, ou seja, procurar entender situações humanas e sociais em

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diferentes tempos, em diferentes espaços; relacionar os sentidos do passado com

as suas próprias atitudes perante o presente e a projeção do futuro; levantar novas

questões, novas hipóteses a investigar, o que constitui, segundo Barca, a essência

da progressão do conhecimento. A terceira etapa é a comunicação que visa exprimir

a interpretação e a compreensão das experiências humanas ao longo do tempo com

inteligência.

Com base nestes pressupostos teóricos formatamos um plano de curso

objetivando assegurar aos educandos jovens, adultos e idosos, o direito que têm de

acesso ao conhecimento histórico com excelência de qualidade, de modo a

contribuir para o desenvolvimento de suas consciências históricas em curto espaço

de tempo. O plano de curso previu a elaboração e execução de quatro Unidades

Didáticas, com carga horária total de 32 horas, para serem aplicadas com

educandos do Ensino Médio do CEEBJA Herbert de Souza de Londrina. A sua

implementação teve início em julho de 2015 envolvendo educandos matriculados

nas organizações coletiva e individual do período noturno e outros matriculados na

organização individual do período vespertino. Vale salientar, que estes educandos

constituem um quadro muito diversificado de sujeitos, o que é típico na EJA, pois

apresentam diferentes trajetórias de vida, diferenciados conhecimentos escolares e

variadas formas de apropriação de saberes.

É preciso registrar que dois fatores interferiram no início da implementação do

projeto: a justa greve dos profissionais da rede estadual da educação básica no

primeiro semestre de 2015 e a mudança de local do CEEBJA Herbert de Souza.

Ambos os fatores provocaram mudanças no quadro de educandos matriculados na

escola, pois muitos não voltaram a frequentar as aulas após a greve e outros não

acompanharam a escola em sua mudança de endereço.

Contudo, podemos afirmar que os resultados esperados com a realização de

Aulas-Oficinas corresponderam de forma adequada aos nossos objetivos iniciais.

Como exemplo, podemos citar as primeiras atividades da Unidade Didática 1, as

quais objetivavam levar os educandos a refletir a respeito do embate entre o

criacionismo e o evolucionismo, perpassando pela discussão das explicações tanto

mitológicas quanto científicas para origem do planeta terra e da humanidade. Para

tanto, num primeiro momento, os educandos fizeram a leitura, em grupo, do texto

bíblico “Gênesis” e produziram um glossário, anotando as palavras que não

conheciam e pesquisando seus significados em dicionários disponibilizados na sala

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de aula. Interessante observar que vários educandos cristãos (católicos ou

evangélicos de diferentes denominações) e declaradamente defensores da tese do

criacionismo nunca tinham lido o texto integralmente e, evidentemente, não sabiam

o significado de muitas das palavras ali presentes. Vale salientar que a produção do

glossário foi de grande eficácia para diagnosticar concretamente o nível de

conhecimento vocabular dos educandos, além de contribuir para uma melhor leitura

e compreensão do referido texto bíblico.

Em outro momento, todos assistiram os primeiros 45 minutos do

documentário “A História do Mundo em 2 Horas”5, que apresenta a teoria do “Big

Bang” e aspectos do evolucionismo preconizado por Charles Darwin. Um caloroso

debate seguiu a exibição do vídeo e, na sequência, os educandos produziram textos

contrapondo as teorias da criação e da evolução que foram, posteriormente,

narrados aos colegas da sala. Ao final desta Aula-Oficina, percebemos que os

educandos compreenderam que não existe uma única explicação para os eventos

históricos e que é necessário conhecer e respeitar outras versões sem que, para

tanto, seja preciso abrir mão de suas crenças e convicções. Além disso, a

participação dos educandos foi notável, o que se justifica pelo fato da temática

tratada ser significativa para eles e, também, porque as atividades estimularam a

livre manifestação de seus pensamentos.

Outra prática pedagógica que nos chamou a atenção no decorrer da

implantação da Produção Didático Pedagógica, se constituiu na leitura e

interpretação de imagens como a da emblemática pintura denominada

“Independência ou Morte” ou “Proclamação da Independência”6 (1888), de Pedro

Américo. A imagem foi reproduzida no formato A4, com impressão colorida e de boa

qualidade, e distribuída para os educandos que participaram desta Aula-Oficina.

Todos foram incentivados a analisar a imagem e a responder a um questionário

previamente elaborado, além de produzir uma síntese das observações. No

momento das narrativas, causou-nos surpresa constatar que alguns dos educandos

declararam nunca ter visto a imagem enquanto outros afirmaram que já a

5 History of the World in 2 Hours. Ano de produção: 2011 / Duração: 128 min. Produção: The History Channel / País: EUA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KHLrxTvJBXM. Acesso em: 19 ago. 2014. 6 “Independência ou Morte” ou “Proclamação da Independência”. Quadro de Pedro Américo (1843-1905). Óleo sobre tela, 415x760. São Paulo: Museu Paulista/USP. Disponível em http://www.museudacidade.sp.gov.br/grito-quadro.php. Acesso em set. 2015

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conheciam, mas não sabiam do que se tratava. Apenas alguns educandos mais

jovens a relacionaram à representação do dia 7 de Setembro.

A surpresa prende-se ao fato de que, enquanto professor de História,

considerávamos que a obra de Pedro Américo fosse mais conhecida, já que consta

em inúmeros livros didáticos e é sempre muito veiculada pelos meios de

comunicação por ocasião das celebrações do dia da Independência do Brasil.

Interessante também foi observar que, em alguns relatos, a cena foi descrita como

um conflito entre dois exércitos prontos para guerrearem entre si. Esta atividade nos

revelou que aquilo que para nós pode ser banal, como a imagem em questão, já

canônica para os professores de História, não o é, necessariamente, para os nossos

educandos, mesmo aqueles que já são adultos e que supostamente teriam algum

conhecimento adquirido a seu respeito em qualquer processo de escolarização.

Diante desta constatação, é possível inferir, tendo como referência a nossa prática,

que as imagens nos livros didáticos geralmente são apenas ‘vistas’ e não ‘lidas’, na

medida em que os textos escritos acabam sendo priorizados em detrimento das

imagens. Desse modo, a partir da atividade desenvolvida, é possível afirmar que

estudar imagens de forma organizada e sistemática como fonte de informação e não

apenas como ilustração, proporciona um melhor aprendizado aos educandos.

A análise de poemas musicados ou não também fizeram parte do elenco de

atividades realizadas nas Aulas-Oficinas. Podemos citar, como exemplo, o estudo

feito sobre o poema “Vozes-Mulheres”7 (2008), de Conceição Evaristo, por meio do

qual os educados, tanto do Ensino Médio quanto do Ensino Fundamental, puderam

compreender um pouco mais a respeito da história de luta pelo direito à liberdade e

à vida com dignidade dos africanos e afro-brasileiros desde os tempos da

escravidão aos dias atuais, sob o ponto de vista as mulheres. Para além das

atividades previamente elaboradas como leitura do poema, produção de glossário,

interpretação contextualizada e narração, especificamente as educandas gravaram

vídeos8 declamando trechos da poesia e os apresentaram na Semana da

Consciência Negra realizada de 17 a 19 de novembro aos seus colegas da escola.

7 Poema “Vozes-Mulheres”, Conceição Evaristo. In Cadernos Negros, vol. 13, São Paulo, 1990. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/prosaepoesia/0151.html. Acesso em: 29 set. 2015. 8 Vídeo-Poema Vozes Mulheres. Educandas da sede do CEEBJA Herbert de Souza. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=98Xm7XGtEjo. Educandas da APED do Parque Universidade. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0gprcgRE4jY. Acesso em: 19 nov. 2015.

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Também as músicas “Olhos Coloridos”, de Sandra de Sá, e “Mama África”, de Chico

Cesar, passaram pelos mesmos procedimentos pedagógicos do poema e foram

cantadas por um grupo de educandos do Ensino Fundamental ainda na Semana da

Consciência Negra.

Neste artigo, apresentamos apenas algumas experiências concretizadas a

partir do uso de fontes diversificadas, tanto escritas quanto imagéticas e também

sonoras. Variadas outras atividades foram realizadas ao longo das 32 horas

previstas para a implantação da Produção Didático Pedagógica no CEEBJA Herbert

de Souza por meio das Aulas-Oficinas. Muitas delas mereceriam artigos específicos

visando socializar o quanto aprendemos com os resultados obtidos.

3. Considerações finais

Uma das questões que nos motivou a desenvolver e a implementar o Projeto

de Intervenção Pedagógica e a sua Produção Didático Pedagógica no CEEBJA

Herbert de Souza, de Londrina, tratados neste artigo, emergiu de nossas

preocupações quanto ao fato de que o tempo de escolarização na modalidade da

Educação de Jovens e Adultos é menor do que aquele estabelecido para o ensino

que atende crianças e adolescentes e que os componentes curriculares são os

mesmos para ambas as modalidades. Ou seja, os conteúdos elencados nas DCE

para a disciplina de História previstos para serem trabalhados durante 4 anos no

Ensino Fundamental e 3 anos no Ensino Médio são os mesmos que devem ser

tratados em 256 horas e em 128 horas, respectivamente, nos Ensinos Fundamental

II e Médio na EJA, tarefa esta impossível de ser concretizada, dada a grande

quantidade de conteúdos estipulados e o curto espaço de tempo para desenvolvê-

los na EJA. Desse modo, a nossa preocupação era saber que critérios deveríamos

adotar para selecionar conteúdos que seriam imprescindíveis para garantir aos

educandos jovens, adultos e idosos matriculados na escola o acesso aos

conhecimentos históricos universais em curto espaço de tempo e com excelência de

qualidade. Outra questão, dizia respeito à definição de quais encaminhamentos

metodológicos poderiam efetivamente relacionar os saberes históricos

cientificamente produzidos e adequadamente selecionados para serem tratados no

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contexto escolar da EJA aos saberes que os educandos acumularam ao longo de

suas trajetórias de vida e que trazem consigo para os bancos escolares.

Na medida em que os diálogos curriculares com as DCE para a História e

com as DCE para a EJA se desenvolveram, as nossas dúvidas foram sendo

elucidadas. Quanto aos critérios para a seleção de conteúdos, as DCE para a EJA

afirmam que é preciso promover a interação entre os saberes docentes e discentes

na busca de conteúdos significativos e que, para tanto, precisamos perceber o que o

educando sabe e o que precisa saber, “conhecendo-o no conjunto: profissão,

religião, desejos, anseios, características e ideologias, por meio do diálogo e da

observação permanentes” (PARANÁ, 2006, p. 39). Consideramos este critério

apontado nas DCE para a EJA, entre outros, de fundamental importância para a

nossa atuação no CEEBJA Herbert de Souza, onde a diversidade de perfil dos

sujeitos presentes na escola é muito grande, pois convivem nas salas de aulas

jovens e adultos trabalhadores ao lado de idosos aposentados ou pensionistas que

ficaram muito tempo fora de qualquer processo de escolarização e, ainda, de

adolescentes com defasagem idade/ano escolar e que foram expulsos das escolas

ditas “regulares”, originalmente criadas para atendê-los. Além disso, vários destes

adolescentes, jovens, adultos e idosos têm algum tipo de necessidade de

atendimento educacional especial.

Desse modo, atender a esta diversidade de sujeitos é um imenso desafio,

mas possível de ser superado na medida em que passamos a entender, com este

estudo, que o mais importante não é elencar a maior quantidade conteúdos

possíveis e correr para dar conta deles, de “vencer os conteúdos”, como é comum

de se ouvir nas escolas de crianças e adolescentes, mas sim selecionar os saberes

escolares que sejam mais significativos para os educandos atendidos. No caso da

EJA, como as aulas são ministradas para grupos diferentes de educandos, os

conteúdos selecionados não necessariamente deverão ser os mesmos para todos,

pois devem ser definidos de acordo com a realidade encontrada em cada sala de

aula.

Isso não significa trabalhar apenas com os interesses específicos de cada

grupo, pois conhecimentos históricos precisam ser assegurados para todos. Neste

sentido, os diálogos mantidos com a Educação Histórica nos esclarecem que mais

importante ainda que selecionar conteúdos que tenham significado para os

educandos e compreender a “proposição da consciência histórica como princípio e

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fim do ensino e aprendizagem da História” (SCHMIDT, 2011, p. 88). Em suma, em

outras palavras, desenvolvendo a consciência história de nossos educandos, eles

serão capazes de compreender que o passado tem uma existência própria e que

conhecer este passado em seu contexto é necessário para entender a vida presente

e criar perspectivas para o futuro. Assim, priorizar a formação da consciência

histórica dos educandos, selecionar conteúdos a partir do conhecimento do perfil de

cada grupo de educandos atendidos e adotar a metodologia das Aulas-Oficinas

passaram a constituir as nossas novas referências de trabalho.

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