ORIGENS NACIONAIS DA DOUTRINA DA ESG

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ORIGENS NACIONAIS DA DOUTRINA DA ESG Ubiratan Borges de Macedo da Divisão de Pesquisa e Doutrina/ESG A ESG surgiu em 1949 sob o impacto da experiênci?- brasilei- ra com. a Segunda Guerra Mun- dial. Tornou..'.se evidente a neces- sidade de um curso de estado- rnaior combinado -e de um curso que hal;>ilitasse elites civis e mi- litares no estudo das realidades nacionais para o preparo do es- forço da guerra, iminente no jul- gamento da época. Porém se a Escola surgiu em· função de um evento externo, qual seja a ex- pectativa de um novo conflito, ao nascer tinha uma doutri- na pronta pelo menos com suas teses centrais. Tal esboço esta- va contido num documento in- titulado "Princípios Fundamen- tais" de autoria do grupo funda- dor e o qual iniciava dizendo que a criação da ESG "se alicer- ça em um.a série de princípios que são aceitos como verdades". Verdades de modo óbvio no con- senso comum ao grupo funda- dor e às autoridades às quais era dirigido o documento. Havia pois um consenso dou- trinário tomado como indiscuti- vel, sendo a novidade a idéia de uma escola ou um .centro de al- tos estudos para implementá- las. Nestes princípios consta• va a idéia de Segurança Nacio- nal como conceito mais amplo do que o de Defesa Nacional, es- te relacionado só à defesa con- tra uma guerra externa con- vencional. Ap::i.recia ali a firme crença de aue "O Brasil possui os re- quisitos básicos (área, popula- ção, recursos) indispensáveis pa- ra se tornar uma grande potên- cia". E num corolário afirma-se que "o Desenvolvimento do Bra- sil depende da remoção dos óbi- ces que o entravam de modo a se obter uma aceleração do rit- mo. o modo de acelerar esse de- senvolvimento será o trabalho em conjunto através de método de planejamento a nível nacio- nal, que é preconizado a.pesar de não "expressis verbis". (S.alien- ta-se o uso do conceito de De- senvolvimento ainda incomum à época). 86 Revista da Escola Superior de Guerra - N9 2 - Vol. II - Abrtl / 84

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ORIGENS NACIONAIS DA DOUTRINA DA ESG

Ubiratan Borges de Macedo Adjun~ da Divisão de Pesquisa e Doutrina/ESG

A ESG surgiu em 1949 sob o impacto da experiênci?- brasilei­ra com. a Segunda Guerra Mun­dial. Tornou..'.se evidente a neces­sidade de um curso de estado­rnaior combinado -e de um curso que hal;>ilitasse elites civis e mi­litares no estudo das realidades nacionais para o preparo do es­forço da guerra, iminente no jul­gamento da época. Porém se a Escola surgiu em· função de um evento externo, qual seja a ex­pectativa de um novo conflito, ao nascer já tinha uma doutri­na pronta pelo menos com suas teses centrais. Tal esboço esta­va contido num documento in­titulado "Princípios Fundamen­tais" de autoria do grupo funda­dor e o qual iniciava dizendo que a criação da ESG "se alicer­ça em um.a série de princípios que são aceitos como verdades". Verdades de modo óbvio no con­senso comum ao grupo funda­dor e às autoridades às quais era dirigido o documento.

Havia pois um consenso dou­trinário tomado como indiscuti-

vel, sendo a novidade a idéia de uma escola ou um .centro de al­tos estudos para implementá­las. Nestes princípios já consta• va a idéia de Segurança Nacio­nal como conceito mais amplo do que o de Defesa Nacional, es­te relacionado só à defesa con­tra uma guerra externa con­vencional.

Ap::i.recia ali a firme crença de aue "O Brasil possui os re­quisitos básicos (área, popula­ção, recursos) indispensáveis pa­ra se tornar uma grande potên­cia". E num corolário afirma-se que "o Desenvolvimento do Bra­sil depende da remoção dos óbi­ces que o entravam de modo a se obter uma aceleração do rit­mo.

o modo de acelerar esse de­senvolvimento será o trabalho em conjunto através de método de planejamento a nível nacio­nal, que é preconizado a.pesar de não "expressis verbis". (S.alien­ta-se o uso do conceito de De­senvolvimento ainda incomum à época).

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truturados os temas que iriam ser f ocalize,dos nestes últimos decênios pela ESG. - Poder-se-ia perguntar: de on­

de vieram estas idéias? Ao con­trário do enunciado pelo padre JOSÉ COMBLIN em "A Ideolo­gia de Segurança Nacional,. (1977) que atribuiu a uma cópia de doutrina americana o ensina­mento esguiano; apesar de 110 meSimo livro não conseguir iden~ tificar essas origens por citar quase sempre documentos brasi­leiros e não explicar as fundas divergências entre o National War College e a ESG e as con­cordâncias v:ersarem sobre temas óbvios de dominio comum. Além de ingenuidades como ligar a existência de um Conselho de Segurança Nacional à ideologia da E.SJ, aliás já previsto na Constituição de 46 anterior à ESG. - Julgamos serem outras suas origens.

Mas seria mais razoável per­guntar aos estudiosos brasileiros pelas origens da doutrina da E8G.

E com certa surpresa alguns leitores descobrirão por exemplo que Wilson Martins no sexto vo­lume de sua magnífica "Histó­ria da Inteligência Brasileira,., p. 563 atribui a origem da dou­trina da ESG à:s concepões ex­postas no livro do General Góis Monteiro "A Revolução de 30 e a Finalidade Política do E~érci­to" (1934). E dois anos antes em l.976: Edmundo Campos Coelho, pesquisador do IUPERJ, afirma­va em sua tese "Em Busca de Identidade: O Exército e a Polí­tica na Sociedade Brasileira,,:

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das as diferenças de circunstân~ oias, a doutrina militar de Góis Monteiro é, no essencial idêntica à doutrina de Segurança Nacicr nal elaborada pela inteligência da Escola Superior de Guerra. Ela antecipa de ma.is de vinte anos a doutrina militar do regi­me instaurado com a revolução de 1964. A nossa tese, é na ver­dade, a de que o pensamento de Góis Monteiro foi simplesmente retomado e reela.borado em fun­ção de uma nova conjuntura" (105). .

Esta tentativa de encontrar fontes brasileiras para a ESG já. data de 1973 do livro de Micllel Schooyan - "Destin du Brésil", o qual apontava o positivismo do início da República com seu "Or­dem e Progresso» como anteces­sor da Segurança e Desenvolvi­mento, e, o integralismo para as­pectos secundários da doutrina.

A nossa tese sobre as origens da doutrina é um pouco diver­sa. A form.ulação doutrinária na ESG é fruto de uma elaboração coletiva sucessiva. Durante esites trinta anos, geraçõés de mem­bros do seu corpo pennanente e seu corpo de estagiários buri­laram algumas idéias básicas, sendo hoje impossível identificar autores da forma atual. Mas é possível identificar a origem das idéias básicas.

A atual doutrina da Escola Superior·de Guerra representa a evolução do nacionalismo de Al­berto Torres e do pensamento de Oliveira Vianna.

Alberto Torres nos seus dois livros de 1914 "O Problema Na­cional Brasileiro" e a "Organi-

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preocupações animadoras da no­vel instituição. Alberto Torres reclamava uma "soberania real" mais forte do que as formas ju­rídicas e políticas de soberania.

Em época já tão afastada re­clamava um suporte econômico e militar para a soberania ser real e se propunha com serieda­de o problema da organização e futuro do estado brasileiro amea­çado pelos particularismos fe­deralistas e pressões externas. Deixava bem clara a necessida­de de objetivos nacionais galva­nizarem as vontades individuais numa obra que transcendesse os indivíduos e garantisse por esta dedicação o futuro e o presente. Oliveira Vianna propõe-se com vagar e técnica os problemas or­ganizacionais de um estado mo­derno nas condições brasileiras. Criou e propagou com insistên­cia o conceito de Política Nacio­nal, a grande política que visa objetivos maiores e mais durá­veis que os de um partido, região ou tempo, mas refere-se ao con­junto da Nação e seus objetivo&. Todas suas idéias sintetizou-as com brilhantismo no seu último livro, "Instituições Políticas Bra­sileiras", e que se publicou jun­to com a criação da ESG e nela exerceu com seus trabalhos an­teriores duradoura influência ..

A função das elites, na Dou­trina da ESG, de levar ao povo os objetivos nacionais e ao mes­mo passo criá-los em intima con­sonância com seus anseios e as­pirações vem de Oliveira Vianna. E esta função atribuída às elites mostra o caráter não mobilizató­rio do modelo polít.ico esguiano

em conuasr.e com o moae10 mo­bilizador do integralismo desau­torizando a tese de Schooyans.

A influência do positivismo· foi irrelevante na ESG, cingiu-se ao poder evocativo do lema na­cional. A teoria militar do posi­tivismo exposta por Benjamin Gonstant é o oposto da que veio prevalecer por mediação de Góis Monteiro, cuja influência mais do que pessoal na doutrina re­presentou antes o compendia­mento por um ilustre e autoriza­do chefe, de idéias que a Missão Militar Francesa difundira e a que se somou a tradicional fun­ção de poder moderador das For­ças Armadas constante na tra­dição politica brasileira.

O grupo de militares que a constituiu: Cordeiro, Juarez, e ·mais tarde Golbery do Couto e Silva, trouxeram todos, sobretu­do os dois últimos, relevantes contribuições. Do general Golbe­cy muito mais relevante a in­fluência de seu livro sobre "Pla­nejamento Estratégico" do que seus estudos geopolíticos, estes considerados com curiosidade e simpatia mas sem serem incor­porados ao ideário oficial da es-­cola, ao contrário do sucedido com o outro livro.

E tl'.ouxeram os seus funda· dores um dado novo Côm rela­ção às fontes históricas na.cio· nais: a firme adesão ao regime democrático e ao seu regime eco­nômico, convicção haurida na Segunda Guerra ao lado da de-· mocracia a,mericana vencedora dos regimes totalitários.

Eis em perspectiva as odgens dos temas políticos e militares

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constantes da doutrina básica da ESG.

Quanto ao tema da Seguran­ça Nacional com o conceito abrangente de garantia a ser proporcionada em especial pelo Estado ao cidadão e ao conjun­to da nação por ações econômi­cas, psicossociais, militares e po­líticas, encontra suas raízes em Góis Monteiro. E a doutrina da guerra revolucionária e da con­seqüente preservação e repressão ao terrodsmo como meio de ação política incompativel, teve é cer­to sua origem no clima da Guer­ra Fria, mas rapidamente perdeu esse fundamento para adquirir o de respeito ético à pessoa huma­na e ao jogo da democracia. Es-. critor recente, Antonio Pairo, com rara felicidade sintetizou a con­tribuição da doutrina da ESG ao pais.

"A Escola superior de Guerra desenvolveu com êxito uma significativa elaboração teórica, notadamente no que respeita à delimitação daque­la esfera de atuação do po­der que não pode ser objeto de barganha, ou melhor, que configura as bases do pacto politico. Essa esif era, denomi­nou-se de objetivos nacionais permanerntes, isto é, o conjun­to de pressupostos que devem constituir o patamar supe­rior da política, no ponto mesmo de sua confluência com a moral. Tais objetivos consistem na preservaqão da integridade do território; na integração nacional, expressa no crescente espirito de soli­dariedade entre seus mem-

t>ros e no com oa te aos pre­conceitos; no aperfeiçoamen­to político com base nos prin­cípios democráticos; na con­quista de níveis de vida com­patíveis com os· melhores: pa­drões do mundo; na obten­ção da paz social; e na in­tangibilidade da soberania nacional, consubstanciada na autodeterminação e na con­vivência em pé de igualdade com as outras nações.

O desenvolvimento nacio­nal é entendido, portanto, co-­mo um conjunto integrado de elementos, sem embargo da prevalência atribuída à superação da pobreza. A ins­tituição atuou igualmente no sentido de eliminar as cono­tações ideológicas. de que che­garam a revestir-se, na reali­dade brasileira, a idéia de pla­nejamento.

A ESG permitiu, final­mente, que o tema da segu­rança nacional viesse a ser abordado em nível acadêmi­co. A discussã.o nesse nível acabaria contribuindo para o abandono da visão mani­queísta que centrava a fonte da insegurança na ação in&­pirada pelos comunistas. A Escola difundiu o entendi­mento de que as formas de agressão insufladas do exte­rior somente encontram cam­po propicio para vicejar em face de condições materiais adversas e do atraso cultural. Afora isto, o ciclo de evolu­ção do Ocidente, em que vi­vemos, em resultado da evo­lução tecnológica, também se constitui em fonte de per-

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plexidades. Em vista do reco­nhecimento dessa amplitude dos foc.Os de insegurança, a se­gurança nacional é afirmada como condição para o desen­volvimento mas igualmente dependente dos êxitos deste último. Além disto, não é função do Estado isoladamen­te mas responsabilidade cole­tiva. (A Querela do Estatis­mo, p. 118).

BIBLIOGRAFJ:A

- IQalvo, Roberto - La Doctrlna MlUtar de la Segurldad Nacional. Univ. Católica - Andrés Bello -­Caracas, 1979 (com ampla biblio­grafia).

- Comblin, José - "A Ideologia da "Segurança Nacional" - Clvlliza­ção Brasllelra, Rio, 1947.

- Coelho, Edmundo Campos - "Em Busca da Identidade". O Exército e a Politica na Sociedade Brasi­leira - Campus - Rio, 1976.

- Schooyans, Michel - "Destin du Brésil" - Duculot, Gembloux -1973.

- Schooyans, Micher - "Demain le Brésll" - Cerf - Paris, 1977.

- Paim, Antonio - "A Querela. do Estatismo" - Tempo Brasileiro -Rio 1979.

- Oliveira Vianna - "Instituições Políticas Brasileiras" José Olimplo, Rio, 1949, 2.v,

- Martins, Wilson - "História da Inteligência Brasllaira" - Cul­trix, S. Paulo, ~947.

- Couto e Silva, Golbery - "Plane-· jamento Estratégico" - B. Exér­cito - Rio, 1955.

- Stepan, Alfred - "The Military tn Polltics: Cha.ngLng Patterns in Brazil", New Jersey - Prlnceton Universlty Press, 19'71.

"O destino de uma nação pressupõe a decisão de todo um povo e sua participação consciente no projeto nacional."

Manual Básico da ESG - 1983

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