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ORGANIZAÇÃO DAS NOÇÕES UBÍQUAS: REGRESSÃO PROGRESSIVA & PROGRESSÃO REGRESSIVA A educação como motor e mediador de uma globalização participada Nelson V. Carneiro Dissertação apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação Sob orientação do Prof. Doutor José Alberto Correia VOLUME I outubro, 2013

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ORGANIZAÇÃO DAS NOÇÕES UBÍQUAS: REGRESSÃO PROGRESSIVA &

PROGRESSÃO REGRESSIVA

A educação como motor e mediador de uma globalização participada

Nelson V. Carneiro

Dissertação apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da

Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação

Sob orientação do Prof. Doutor José Alberto Correia

VOLUME I

outubro, 2013

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RESUMO

Este texto constitui uma análise social progressiva que procura relacionar contextos

evolutivos numa perspetiva ecológica, tentando problematizar e colocar em evidência

alguns factos, sem contudo deixar de exprimir alguma expectativa sobre aquelas que

poderão ser as opções disponíveis de sustentabilidade e articulação dos pretextos globais,

num contexto Humanista contemporâneo.

Tendo como referência o paradigma da modernidade, procura-se sintetizar nos seus

três princípios estado, mercado e comunidade*, a capacidade e potencial de reorientação

do curso das opções que, na transição conceptual geo-espacial (local/global), julgamos

pertinente refletir. A reconceptualização destas parcelas de sentido carece de uma

capacidade prévia de cada sujeito se rever e situar nesta problemática, por forma a

contribuir para a emergência de novas abordagens aos desafios colocados pela

mundialização, numa perspetiva de contexto social pantópico. Acabando este processo, por

constituir um desafio à capacidade de simultaneamente se olhar do interior e exterior de si.

Procura-se assim, dar conta do papel fundamental que a reorganização social, e em

particular o campo educativo, poderão assumir como uma resposta evolutiva. Um percurso

de leitura, interpretação e desocultação progressiva da condição humana universal, como

sinónimo de multi-individualismo comunicante. Para tal apresenta-se uma linearidade

temporal onde se cruzam olhares de uma fase de regressão progressiva e de uma fase de

progressão regressiva.

* Estas cores surgirão ao longo de todo o texto, representado os mesmos princípios embora em configurações distintas desde uma situação representada na pág. 52 à sugestão de uma reorganização sugerida na pág. 140, passando por esquema analíticos intermédios (pág. 119, 124 e 181). * These colors will appear throughout the text, illustrating the same principles albeit in different configurations from one situation shown on p. 52 to the reorganization suggested on p. 140, passing through intermediate analytical schema (p. 119, 124 and 181). *

Ces couleurs surgiront au long du texte, représentant les mêmes principes bien qu’avec des configurations differentes depuis une situation représentée en p.52 jusqu’à la suggestion d’une réorganization suggérée à la p.140 passant par des schémas analytiques intermédiaires (p. 119, 124 et 181).

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ABSTRACT

This text is a social progressive analysis that attempts to relate evolutionary

contexts in an ecological perspective, trying to highlight and discuss some facts, without

failing to express relevant expectations about available options of sustainability and

articulation of global pretexts in a contemporary humanistic context.

Using the paradigm of modernity as a reference, synthesized in its three principles

state, market and community*, we find it relevant to reflect upon the ability and the

potential to shift the course of options in the geo-spatial conceptual transition (local

/global). The reconceptualization of these threads lacks a previous capacity of each subject

to review and to locate himself within this problem so as to contribute to the emergence of

new approaches and to the challenges posed by globalization, in a perspective of a social

pantopic context. Ending this process, it poses a challenge to the ability of simultaneously

looking from the inner and at our outer selves.

It is aimed to provide an account of the key role that social reorganization, and in

particular the field of education, may take as an evolutionary response. It is a path of

reading, interpretation and progressive unblinding of the universal human condition, as

synonym of a communicating multi-individualism. In order to do this, it is presented a

temporal linearity in which views from a progressive regression phase and from a

regressive progression phase intersect.

* These colors will appear throughout the text, illustrating the same principles albeit in different configurations from one situation shown on p. 52 to the reorganization suggested on p. 140, passing through intermediate analytical schema (p. 119, 124 and 181).

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RÉSUMÉ

Ce texte constitue une analyse sociale progressive qui prétend mettre en rapport les

contextes évolutifs dans une perspective écologique, essayant de rendre problématique et

de mettre en évidence quelques faits, sans pour autant laisser d’exprimer une certaine

expectative sur celles qui pourront être les options disponibles de durabilité et l’articulation

des pretextes globaux, dans un contexte Humaniste contemporain.

Ayant comme référence le paradigme de la modernité, on essaye de synthétiser

dans ses trois principes - etat, marché et communauté* - la capacité et le potentiel de

réorientation du cours des options ce qui, dans la transition conceptuelle géo-spaciale

(locale/globale), nous semble une réflexion pertinente. La reconceptualization de ces

parcelles de sens manque d’une capacité préalable de chaque sujet de se revoir et de se

situer dans cette problématique, de façon à ce qu’il puisse contribuer pour une émergence

de nouveaux abordages aux défis posés par la mondialization, dans une perspective de

contexte social pantopique. Ainsi, ce processus se constitue comme un défi à la capacité de

simultanément regarder à l’intérieur et à l’extérieur de soi.

On tente, ainsi, de rendre compte du rôle fondamental que la réorganization sociale,

et en particulier au niveau de l’éducation, pourront assumer comme une réponse évolutive.

Un parcours de lecture, interprétation et désocultation progressive de la condition humaine

universelle, comme synonyme de multi-individualisme communicant. Pour cela, l’on

présente une linéarité temporelle oú se croisent les regards d’une phase de régression

progressive et d’une phase de progression régressive.

*Ces couleurs surgiront au long du texte, représentant les mêmes principes bien qu’avec des configurations

differentes depuis une situation représentée en p.52 jusqu’à la suggestion d’une réorganization suggérée à la p.140 passant par des schémas analytiques intermédiaires (p. 119, 124 et 181).

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor José Alberto Correia pela abertura e cumplicidade com que

orientou este trabalho. À Professora Doutora Amélia Lopes e à Doutora Helena Barbieri,

pelo apoio e disponibilidade nesta fase final. Aos docentes da Faculdade de Psicologia e

Ciências da Educação da Universidade do Porto que, durante a frequência da parte

curricular, ainda nas antigas instalações do Campo Alegre, nos transmitiram o seu saber,

mas também o seu inconformismo e estímulo.

Ao Eduardo Aires, pelo precioso apoio, nas batalhas contra os vírus, os ficheiros,

bloqueados, as formatações, os bugs... À Doutora. Paula Dias e à Doutora. Sandra Lage

pelo apoio nas traduções mais técnicas.

À Doutora Ana Pinto pela colaboração na revisão de alguns aspetos estruturais e

organizativos do texto.

Ao meu colega, Doutor José Preto pelas conversas inspiradoras em torno de arestas,

pontos e circunferências. Aos meus restantes colegas de trabalho, pela compreensão e

cooperação ao longo de todo este processo.

À biblioteca da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade

do Porto. À biblioteca da Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro e ao Grémio

Literário de Vila Real.

Por fim, um agradecimento à minha família, com particular relevo para o meu pai

Francisco e para o meu sobrinho Tomás.

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ABREVIATURAS

AEC Atividades de Enriquecimento Curricular

AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome

ASEAN Associação de Nações do Sudeste Asiático

APD Apoio ao Desenvolvimento

BCE Banco Central Europeu

BPM Benefício Privado Marginal

BSM Benefício Social Marginal

CDC Carta dos Direitos da Criança

CEE Comunidade Económica Europeia

CMa Custo Marginal de Despoluição

CO2 Dióxido de Carbono

E Energia

EUA Estados Unidos da América

FMI Fundo Monetário Internacional

G8 Grupo das 8 economias mais desenvolvidas

G20 Grupo das 20 economias mais desenvolvidas

GATT General Agreement on Tarifs and Trade

GDP Gross Domestic Product

GNI Gross National Income

GNP Gross National Product

GDI Gross Domestic Income

HIPC Heavily Indebted Poor Countries

HIV Human Immunodeficiency Vírus

I Situação de mercado desregulado

IAEA International Atomic Energy Agency

ICT Information and Communication Technology

IDG Índice de desigualdade de género

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDHAD Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade

IMF International Monetary Fund

IPG Índice de Progresso Genuíno

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IPM Índice de Pobreza Multidimensional

ISS International Space Station

LDCs Least Developed countries

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MDG Millennium Development Goals

NQF National Qualification Frameworks

NWS Nuclear Weapons States

ODA Official Development Assistance

ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milénio

OECD Organization for Economy Cooperation and Devlopment

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.

OMC Organização Mundial do Comércio

ONU Organização das Nações Unidas

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

RPL Recognition of Prior Learning

SEJD Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto

SIPRI Stockholm International Peace Research Institute

S&P Standard & Poor’s

SNUS South-North Development Monitor

TPI Tribunal Penal Internacional

TWN Third World Network

UA União Africana

UE União Europeia

UN United Nations

UNESCO United Nations Educacional Scientific and Cultural Organization

UNFPA United Nations Population Fund

UNGA United Nations General Assembly

UNICEF United Nations Children´s Fund

UNRIC United Nations Regional Informacion Center

UPE Universal Primary Education

USA United States of América

WTO World Trade Organization

WWF World Wide Fund (World’s Wild life Fund)

ZERI Zero Emissions Research & Initiatives

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Volume I _____________________________________________________________________________________________________________

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO_________________________________________________________________ 16

PROBLEMÁTICA _________________________________________________________________ 18 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E CONCEPTUAL ______________________________________________ 20 QUADRO METODOLÓGICO __________________________________________________________ 24 ESTRUTURA ____________________________________________________________________ 27

CAPÍTULO I ___________________________________________________________________ 32

MODELOS E PERSPETIVAS DE GESTÃO POLÍTICA E ECONÓMICA NA MODERNIDADE: A TRANSFORMAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO E AS EXTERNALIDADES RESULTANTES DESTA TRANSFORMAÇÃO_____________________________________________________________ 32

1.1. A DIVISÃO DO TRABALHO _______________________________________________________ 33 1.2. IDEOLOGIA: PULVERIZAÇÃO E NEBLINA OU O RETOMAR INCESSANTE DE UM CICLO?________________ 36 1.3. O FATOR ECONÓMICO NAS MICRO E MACRO TRIBOS _____________________________________ 42 1.4. O ESTADO DE PROVIDÊNCIA COMO PROTÓTIPO ENSAIADO DE UM QUERER UNIVERSAL VINDOURO (SOCIEDADE

DE PROVIDÊNCIA) ________________________________________________________________ 43 1.5. A RESIGNAÇÃO NÃO EXPLICA… NADA… _____________________________________________ 45 1.6. MODERNIDADE (A)PÓS MODERNIDADE _____________________________________________ 51 1.7. RIQUEZA & POBREZA __________________________________________________________ 56 1.8. (ECO)NOMIA & (ECO)LÓGIA _____________________________________________________ 59

CAPÍTULO II: A ERA GLOBALIZAÇÃO _______________________________________________ 68

REGRESSÃO PROGRESSIVA E PROGRESSÃO REGRESSIVA: AS MIGRAÇÕES PLANETÁRIAS. O INDIVÍDUO COMO MEDIADOR ENTRE CULTURA UNIVERSAL E SUB-CULTURAS – MULTI-INDIVIDUALISMO______________________________________________________________ 68

2.1. ANTES DE SER... _____________________________________________________________ 68 2.2. AS CIDADES GLOBAIS, MULTICULTURALISMO OU MULTI-INDIVIDUALISMO: ECUMENISMO HUMANITÁRIO -

SOBERANIAS NACIONAIS VS. SOBERANIA GLOBAL __________________________________________ 73 2.3. DEPOIS DA MODERNIDADE O PÓS; E DEPOIS DO PÓS?!...__________________________________ 77 2.4. CULTURALISMO, MULTICULTURALISMO OU MULTI-INDIVIDUALISMO? _________________________ 85 2.5. A TROVA DOS DEUSES (ECUMENISMO) ______________________________________________ 98 2.6. EQUILÍBRIO: REGRESSÃO PROGRESSIVA & PROGRESSÃO REGRESSIVA ________________________ 103 2.6.1. PROGRESSÃO REGRESSIVA (GLOBALIZAÇÃO CONSCIENTE) POSITIVISTA _______________________ 111

CAPÍTULO III_________________________________________________________________ 115

PULVERIZAÇÃO E MIMETISMO IDEOLÓGICO FUNCIONAL: A RELEVÂNCIA DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS/LOCAIS NA EMERGÊNCIA E MONITORIZAÇÃO DE SOLUÇÕES DE DEMOCRACIA PARTICIPADA AO NÍVEL DA SOCIEDADE E DA EDUCAÇÃO. – SOCIEDADE DE PROVIDÊNCIA. _ 115

3.1. SOB O ESPELHO…ESQUERDA OU DIREITA?!_______________________________________ 115

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3.2. MÉRITO __________________________________________________________________ 128 3.3. SERÁ POSSÍVEL CONCILIAR O SISTEMA DE “ESTADOS NAÇÃO” VIGENTE E ESTRATIFICADO (CENTRO-PERIFERIA

PÁG. 119) COM UM MODELO SUPRA ESTADO (PERIFERIA-CENTRO-PERIFERIA PÁG. 124)?_____________ 131 3.4. ESTADO, SOCIEDADE & PROVIDÊNCIA: DAS REDES SOLIDÁRIAS À SOLIDARIEDADE EM REDE. _________ 135 3.5. O CAPITALISMO AO SERVIÇO DO HOMEM ___________________________________________ 141 3.5.1. “CONTORNOS DE UMA ORDEM PÓS-MODERNA” _____________________________________ 143 3.5.2. “DIMENSÕES DE UM SISTEMA PÓS-ESCASSEZ”: CAPITALISMO DE SUBSISTÊNCIA _________________ 144 3.6. QUE ORIENTAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO NUM PARADIGMA DE SUSTENTABILIDADE GLOBAL/LOCAL DA

SOCIEDADE DE PROVIDÊNCIA? ______________________________________________________ 149 3.6.1. AS DIFERENTES DIMENSÕES DO CAMPO EDUCATIVO ___________________________________ 149 3.6.2. O MULTI-INDIVIDUALISMO SISTÉMICO E A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO-AUTOR __________________ 156 3.6.3. EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA: EDUCAÇÃO FORMAL, EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E EDUCAÇÃO INFORMAL 157 3.6.4. COMPETÊNCIAS CHAVE – 2012 (COMISSÃO EUROPEIA) ________________________________ 159 3.6.5. ARTICULAÇÃO, PARCERIAS E GESTÃO PARTILHADA DA CIDADE _____________________________ 160 3.6.6. AÇÃO CÍVICA _____________________________________________________________ 164

CAPÍTULO IV_________________________________________________________________ 167

O RETRATO DE UMA GLOBALIZAÇÃO PARCIAL: DADOS PARA REFLEXÃO E PERSPETIVAS DE ARTICULAÇÃO NO SENTIDO DO ESTABELECIMENTO DE UMA GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS E DOS DEVERES________________________________________________________________ 167

4.1. A FUGA DO HOMO __________________________________________________________ 167 4.2. DIPLOMACIA DE TOPO ________________________________________________________ 170 4.3. QUANTIFICANDO____________________________________________________________ 174 QUADRO 6. VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 1950-2100 _______________________________ 174 4.4. INVESTINDO _______________________________________________________________ 177 4.5. GERINDO _________________________________________________________________ 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS _______________________________________________________ 187

REFERÊNCIAS ________________________________________________________________ 203

OUTRA BIBLIOGRAFIA CONSULTADA _____________________________________________ 217

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ÍNDICE FIGURAS

FIGURA 1. LIBERALISMO/SOCIALISMO ____________________________________________________________ 37 FIGURA 2. PROJETO SOCIOCULTURAL DA MODERNIDADE. _______________________________________________ 52 FIGURA 3. MIKHAIL ZLATKOVSKY (S/TÍTULO). O CRESCIMENTO PELO CRESCIMENTO É A IDEOLOGIA DAS CÉLULAS CANCERÍGENAS.

EDWARD ABBEY (SAMUELSON & NORDHAUS, 1999: 322). ________________________________________ 67 FIGURA 4. GLOBALIÇÃO (IMAGEM ADAPTADA) (ESTRADA & SINÉ, 1975).____________________________________ 68 FIGURA 5. DIMENSÕES DA GLOBALIZAÇÃO SUGERIDAS POR ANTHONY GIDDENS (GIDDENS, 1996: 50). ________________ 69 FIGURA 6. SOCIEDADE/INDIVÍDUO – GLOBAL/LOCAL __________________________________________________ 83 FIGURA 7. MULTI-INDIVIDUALISMO. _____________________________________________________________ 97 FIGURA 8. EVOLUÇÃO ______________________________________________________________________ 103 FIGURA 9. THE BIG IDEA: THE HUMAN JOURNEY (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2009)_____________________________ 105 FIGURA 10. ESQUEMA POLÍTICO DA SOCIEDADE ATENIENSE (INFOPÉDIA 2005) _______________________________ 108 FIGURA 11. 2005-2015 UN DECADE OF EDUCATION FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT_________________________ 114 FIGURA 12. SISTEMA MUNDO ATUAL ____________________________________________________________ 120 FIGURA 13. SISTEMA MUNDO POSSÍVEL __________________________________________________________ 125 FIGURA 14. FERO “BUBINO” KUDLAC (S/TÍTULO). ___________________________________________________ 127 FIGURA 15. MÉRITO _______________________________________________________________________ 128 FIGURA 16. CAPITALISMO DE SUBSISTÊNCIA _______________________________________________________ 141 FIGURA 17. CONTORNOS DE UMA ORDEM “PÓS-MODERNA” (GIDDENS, 1996: 116) ___________________________ 143 FIGURA 18. DIMENSÕES DE UM SISTEMA PÓS-ESCASSEZ (GIDDENS, 1996: 117) ______________________________ 144 FIGURA 19. COMPETÊNCIAS CHAVE – 2012 (COMISSÃO EUROPEIA). (EUROPEAN COMMISSION, 2012: 6; ANEXO 50). ___ 159 FIGURA 20. EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA (PIBID/UFRRJ, S.D.; EDR, 2009). __________________________________ 169 FIGURA 21. PENSAR/EDUCAR/PARTILHAR ________________________________________________________ 179 FIGURA 22. REGRESSÃO PROGRESSIVA/PROGRESSÃO REGRESSIVA ________________________________________ 181 FIGURA 23. INDIVÍDUO LOCAL/GLOBAL___________________________________________________________ 182 FIGURA 24. “MAGNIFICENT DESOLATION” (PALAVRAS DE BUZZ ALDRIN QUANDO ALUNOU EM 1969 NA LUA TERRESTRE. –

MISSÃO APOLO 11) ___________________________________________________________________ 185 FIGURA 25. PATH OF LIFE, MC ESCHER __________________________________________________________ 199 FIGURA 26. O LIVRO ÁRVORE - SALVADOR DALI ____________________________________________________ 201 FIGURA 27. ORGANIZAÇÃO DAS NOÇÕES UBÍQUA ___________________________________________________ 202

ÍNDICE QUADROS

QUADRO 1. POPULAÇÃO ESTRANGEIRA NO MUNDO (NEVES, 2004: 115). ___________________________________ 71 QUADRO 2. EXPORTAÇÕES MUNDIAIS (NEVES, 2004: 112). _____________________________________________ 71 QUADRO 3. A SITUAÇÃO ECONÓMICA MUNDIAL EM 2001 (NEVES, 2004: 134). _______________________________ 72 QUADRO 4. AÇÃO CÍVICA (MECANIZAÇÃO DA ORGÂNICA SOCIAL) _________________________________________ 164 QUADRO 5. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNDO DA ONU/POPULAÇÃO _______________________________________ 172 QUADRO 6. VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 1950-2100 __________________________________________ 174 QUADRO 7. OLHARES (O MUNDO ATUAL)_________________________________________________________ 175

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ÍNDICE GRÁFICOS

GRÁFICO 1. TRIBUTAÇÃO PERVERSA EM OPERAÇÃO (PNUD, 2005: 127). ___________________________________ 46 GRÁFICO 2. NET OFFICIAL DEVELOPMENT ASSISTANCE FROM OECD-DAC COUNTRIES AS A PROPORTION OF DONORS’ GROSS

NATIONAL INCOME TO ALL DEVELOPING COUNTRIES AND TO THE LEAST DEVELOPED COUNTRIES (LDC’S) 1990-2010

(PERCENTAGE) (UN, 2011C: 59) __________________________________________________________ 48 GRÁFICO 3. PROGRESSOS PÓS-MONTERREY EM DIREÇÃO À META DA APD (APOIO AO DESENVOLVIMENTO). (PNUD, 2005:87).

(VER ANEXO 18)______________________________________________________________________ 58 GRÁFICO 4. ILUSTRAÇÃO DA POLÍTICA DE ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO QUE PRETENDE DEFINIR OS NÍVEIS EFICIENTES DE POLUIÇÃO,

OU SE QUISERMOS, ANÁLISE DA INEFICIÊNCIA DAS EXTERNALIDADES (SAMUELSON & NORDHAUS, 1999: 335). ______ 61 GRÁFICO 5. NÍVEL DE INTENCIONALIDADE DOS HOMINÍDEOS (DUNBAR, 2006: 180). ____________________________ 86 GRÁFICO 6. TEMPO PASSADO EM CATAMENTO (DUNBAR, 2006: 122). _____________________________________ 87 GRÁFICO 7. WHERE DO THE WORLD´S OUT-OF-SCHOOL CHILDREN LIVE? (UNESCO, 2011: 40)____________________ 113 ERROR! HYPERLINK REFERENCE NOT VALID. GRÁFICO 9. A DESPESA MILITAR EXCEDE A AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO NOS PAÍSES RICOS (PNUD, 2005: 94)_____ 1 ERROR! HYPERLINK REFERENCE NOT VALID. GRÁFICO 11. MAIS RICOS MAS MENOS GENEROSOS: A RIQUEZA CRESCE MAIS DEPRESSA DO QUE A AJUDA (PNUD, 2005: 88)122 GRÁFICO 12. WORLD POPULATION GROWTH (UNDESA, 2013)_________________________________________ 174 GRÁFICO 13. ESTIMATE AND PROJETED POPULATION BY MAJOR AREA (UNFPA, 2011: 5) _______________________ 175 ERROR! HYPERLINK REFERENCE NOT VALID. GRÁFICO 16. OFFICIAL DEVELEPMENT ASSISTACE 2012. PERCENT OF GNI (STATISTISK, 2013) ______________________ 1 ERROR! HYPERLINK REFERENCE NOT VALID.

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INTRODUÇÃO

Quem pretender fazer o bem a outrem terá de o fazer nas pequenas coisas. O Bem Geral é a pretensão do patife, do hipócrita e do adulador. A Arte e a Ciência existem apenas nos pequenos

pormenores. (William Blake, Jerusalém)

Duas extravagâncias: excluir a razão, admitir apenas a razão. (Blaise Pascal, Pensamentos)

Neste enunciado teórico procuramos situar-nos reflexivamente por entre algumas

perspetivas que sugerem diferentes perspetivas de leitura e interpretação sobre a

contemporaneidade. Desde logo, deparámo-nos com duas aceções que se entrecruzam, se

aproximam e se contestam (modernidade e pós-modernidade) procurando problematizar e

enunciar coordenadas tipológicas que de forma, mais ou menos, pretensiosa, nos procuram

fazer definir o nosso locus introspetivo. O local de onde, segundo a nossa perspetiva nos

colocamos, de onde partimos para emitir uma apreciação, um determinado comentário, ou

um raciocínio argumentativo sobre os fenómenos sociais que observamos, ou sobre os

quais pretendemos apelar à observação. “Como destacou William Blake, os textos

modernistas privilegiam as utopias racionais idealistas do bem geral. Em contrapartida os

textos pós-modernistas privilegiam as heterotopias da diferença localizada e do saber

local” (Paulston, 2001: 223).

À partida é um risco considerável, termos a pretensão de o fazer. Tal, suscitaria a

ideia de que conseguimos uma compreensão sólida sobre todas as aceções discursivas e

teóricas em causa, bem como dos textos e enunciados produzidos pelos seus autores, que

tendem a ser encaixados num local específico sob um título ou uma síntese icónica, e que

ao citar esta ou aquela posição, estaríamos habilitados a traduzir todo o edifício conceptual

inerente. Mas que ainda assim, nos estimula a querer perceber, as similitudes e distâncias

entre si, numa nebulosa de hipotético sentido. Fazê-lo sem assumirmos os riscos próprios,

seria em nosso entender, petrificar a discussão admitindo, por conseguinte, que sobre o

assunto tudo se houvera explorado e concluído em termos académicos.

Não o fazer seria, em última análise, subverter o prognóstico hermenêutico

subjacente à investigação.

Recorremos a um texto de Rolland G. Paulston (2001) no sentido de nos pequenos

pormenores procurarmos, experimentar as extravagâncias de exclusão e admissão da razão

sugeridas por Blaise Pascal, no sentido de confrontarmos e ponderarmos, através deste

exercício, a exclusão e admissão da nossa hipotética e pretensiosa arte e ciência de ousar

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fazer o Bem Geral, caucionada pelas palavras de William Blake na citação inicial desse

texto.

Procurámos assim, ler e interpretar as diferentes posições e argumentações,

discernindo e extraindo desses contributos, ingredientes capazes de sustentar uma

argumentação própria, que ainda que não subscrevendo na totalidade nenhuma das

aceções, até porque não as conhecemos na íntegra (em toda a sua dimensão e

problematização emergente das várias leituras sobre si), procura dar conta do nosso

posicionamento face a temas que consideramos comuns e passíveis de ser adotados e

problematizados. Não apenas na perspetiva da erudição e do reconhecimento cartesiano

expresso, que tudo tende a arrumar em locais (categorias) específicos e especializados, mas

também na perspetiva da desocultação e da libertação dos espartilhos conceptuais

procurando uma argumentação genuína, que busca sustentação, também em aspetos

mundanos e plebeus do mundo e da realidade que percecionamos.

Nas próprias palavras de Paulston (2001: 204) procuramos “um espaço intertextual

que permite a negociação de sentidos e de valores”. Neste sentido, também a minha leitura

“só pode ser entendida à luz da possível heterogeneidade de cada texto. Outras leituras,

incluindo as dos próprios autores, produziriam provavelmente interpretações e

mapeamentos diferentes” (Paulston, 2001: 205).

Mais que uma tentativa de fuga aos referenciais homologados, procurando

dissimular alguma insegurança e domínio absoluto do código “sagrado”, pretende-se dar

conta que um dos ingredientes fundamentais da investigação na atualidade é, em nosso

entender, a necessidade de os grémios de saber se dotarem de alguma permeabilidade, no

sentido de permitirem um diálogo integrador com os códigos “profanos” emergentes, que

pelo seu contributo, participam também desta forma para uma relativização e

enriquecimento das perspetivas homologadas. Um investigador é assim em nosso entender,

não apenas aquele que domina na íntegra todas as posições e conclusões publicadas sobre

um tema, mas aquele que admite que conhecendo apenas parte desse espólio, poderá com o

seu modesto contributo, simplesmente participar de uma reflexão que por vezes lhe é

vedada devido ao hermetismo e compartimentação codificante com que se escreve e

descreve a realidade. É contudo fundamental que neste processo de aproximação e

tradução simultânea haja referenciais comuns suficientemente latos (facilmente

apropriáveis), que permitam estabelecer linhas de localização das diferentes posições num

percurso comum. Num percurso retrospetivo e prospetivo que não seja autocentrado no

indivíduo (investigador ou observador), e na sua realidade conventual e clubística

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(local/interna), mas que ao ocorrer em cada um deles, tenha simultaneamente a ousadia de

perspetivar a sua individualidade como a síntese dinâmica e continuamente actualizável de

uma expressão simultaneamente local e global. Ser-se investigador é portanto, assumir-se

que a especialização não é um privilégio adquirido, mas um percurso nunca terminado.

Algo efémero e transitório. É um processo do qual apenas experimentamos uma etapa

numa linha de tempo em que somos acompanhados pelos contributos dos que nos

precederam e dos que a nosso lado tornam possível, que após o perecimento físico de uma

geração, se transmita a especialidade; ou seja, os ingredientes. Para que, aqueles que nos

venham a proceder consigam perpetuar este ciclo de busca da condição de ser-se especial

(integrado, discursivo, reflexivo) – individualidade coletiva. Ser-se investigador é portanto,

caminhar-se no sentido de extração e reformulação de sentido(s) numa nebulosa multi-

discursiva, onde quem aspira a perseguir a condição de investigador deve simultaneamente

permitir-se à extravagância e à ousadia de induzir em si e nos seus semelhantes, a

permeabilidade necessária à interpretação da arte e ciência da “patifaria”, da “hipocrisia” e

da “adulação”; da arte e ciência de conjeturar o “Bem Geral”; da arte e ciência de

rentabilizar o potencial dos “Pormenores”.

Problemática

Nesta perspetiva, impôs-se-nos uma reflexão e revisão na forma como topografar a

realidade social atual, considerando que para tal, e atendendo à problematização e

construtos teóricos cumulativamente arguentes e contra arguentes de uma linguagem

progressivamente mais técnica e intrincada, existia a necessidade de uma reflexão

retrospetiva alargada no tempo e espaço, no sentido de encontrar denominadores comuns

de sentido, leitura, interpretação e escrita daquilo que possamos entender como percurso

humano comum.

O fenómeno globalização, obriga-nos a uma pergunta fundamental. O que de facto

nos une num mundo tão assimétrico?. A partir desta questão outras emergem: porque

aconteceu assim? Desejamos continuar esta realidade que temos vindo a desocultar? Que

perspetivas para o futuro? Como podemos contribuir?

Para nos localizarmos, perante estas questões, decidimos que para encontrar

respostas a um nível que, de certa forma, nos supera, teríamos que assumir o risco pela

ambição de criar um esboço, um croqui, que sem ambição de vê-lo ascender à categoria de

mapa, pudesse de alguma forma contribuir para uma discussão sobre a forma de, naquilo

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em que nos reconheçamos semelhantes, possamos intervir. Possamos partilhar sugestões

para que consigamos continuar semelhantes na forma como progressivamente nos

pensamos numa relação comum em que as dimensões de espaço e tempo são agora

simultaneamente, mais dinâmicas e nos convocam a um posicionamento diferente daquele

que experimentamos em fases antecedentes, onde a semelhança ou diferença assumiam a

expressão de uma visão de fação tendencialmente entrincheirada nos arquétipos

locais/regionais/parciais (então tidos como universais).

Tínhamos a convicção que, apesar de toda a evolução e progressismo que a

humanidade possa ter experimentado, esta não poderia, perante um percurso pró-ativo de

reconhecimento coletivo em que os diferentes universalismos se tendem a diluir,

considerar que a última estação seria o colapso, a aniquilação do sentido do pensar e agir

coletivo. Ou seja perante a emergência de um universalismo cumulativamente mais

consistente, se negasse a evidência que a perceção de maior diversidade é o resultado do

reconhecimento homogéneo da amplitude espacial e discursiva da base comum onde estas

diferenças coabitam e se rearranjam, em oposição a diversos pseudouniversalismos não

dialogantes que em fases precedentes permaneciam num espaço global não conectado.

Acreditamos que a aproximação espacial despoletou a aproximação discursiva e com ela a

contestação e a relativização ideológica.

A emergência, num passado recente, de algumas posições mais ou menos fatalistas

e alarmistas que decorreram deste processo de leitura e interpretação do espaço e tempo,

propiciaram títulos icónicos e conceitos que prognosticavam o fim da história ou hiper-

realidade.

Na era da pré-modernidade o conceito de escolástica representava o saber

transmitido, a conceção das esferas de sentido sob uma narrativa teocêntrica, onde a

religião sustentava e orientava o paradigma. Com a emergência da conceção

antropocêntrica, simultânea a um contexto emergente de contração do espaço e de uma

perceção crescente e consciente do conceito de universalidade geográfica, bem como com

a emancipação do Homem, da razão e do estado, propulsionou-se este movimento de

metanarrativa, de um devir universal centrado no Homem como medida de todas as coisas.

Recentemente, o prefixo pós e algumas leituras transversais de alguma literatura

encimada por esta aceção de ascese, rejeitando o universalismo e a(s) metanarrativa(s) da

modernidade, pareceram-nos suspeitas, insipientes e excessivas. Conduzem-nos à

conceção de que a amplitude do campo e das opções ao não se referenciarem numa

conceção do Homem universal, tendia à erradicação do Homem numa perspetiva

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evolutiva. Forçando uma adoção interpretativa revolucionária destituída de condutividade,

que no extremo se poderia conceber como a ideia do “pós-humano”. Algo que se nos

afigurava como irrealista e a carecer de referenciação numa equação espacio-temporal.

Onde há momentos o Homem substituíra a religião, e onde agora se sugere a substituição

pela incerteza acerca deste. Algo que, mais que constatado, se apresentava na forma de

desejado (por uma comunidade de saber embrenhada num ciclo vicioso de gestação de

originalidades metafóricas em que os textos superam a realidade e a poesia se afigura

como um bálsamo discursivo que acalenta e embala o espírito), mas onde as soluções a

problemas emergentes orbitam num registo mais discreto.

Fundamentação teórica e conceptual

Em nosso entender, aquilo que é reclamado pelos textos e autores pós-modernos,

não oferece uma grafia realmente nova e original. Mais do que acentuar a polaridade (algo

avesso aos pós-modernos) entre denominações, com uma pretensa decolagem imaginada

do “armagedão racionalista”, utilizando-se os excessos e falências da modernidade como

plataforma de lançamento a sugestões reflexivas avulsas de contemplação também elas

excessivas (porque agora não referenciadas ao espaço, ao sentido universalista e às

instituições que ainda que decadentes na ótica pós-moderna prevalecem e sustentam a

coabitação dos discursos dissidentes encarando-os como parte do processo de

recuperação), deveria considerar-se as possibilidades de refletir as opções do presente

ancoradas a uma perspetiva evolutiva.

Pensar-se a educação na atualidade, implica refletir-se sobre a sociedade

contemporânea não apenas a partir das pequenas emancipações locais subjetivas, mas

também conceber estas numa perspetiva de pertença e devir universal ancorada numa

abordagem de evolução inscrita num espaço global. A abordagem a problemáticas num

tempo de transnacionalização das relações políticas económicas e das externalidades daí

emergentes não pode decorrer apenas de discorrências e atitudes efetivadas a nível local.

Estas são pertinentes e mesmo desejáveis, mas terão que ponderar um pressuposto básico e

sensocomunizado, de que a liberdade de uns é limitada pela colisão que determina a

limitação da liberdade de outrem. Desta forma, a tarefa de mapeamento e cartografia social

como expressão das heterotopias faz todo o sentido, sendo mesmo desejável, se concebido

numa perspetiva de utopismo universal que se redefine através de uma aculturação

heterotópica constante e se desenvolve entre as dimensões espaciais do local e do global.

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Nunca se é totalmente local, nem nunca se é totalmente global. Local e global não são

unidades estanque e opostas, são dimensões dialogantes por via do indivíduo. Não se pode

reclamar a evidência da desocultação (sócio-espacial) do conceito de globalização e logo

em seguida, às primeiras pingas, quando a cartilha que detínhamos não fornece as

coordenadas necessárias à persecução, tratarmos de explicar que afinal o reconhecimento

do potencial universalista humano latente e disperso que agora tende à agregação concetual

democrática e que durante milénios se foi emancipando, é uma falácia, e que os próximos

passos não carecem de chão. Pois fazendo-se crer que ao invés de caminharmos levitamos,

cria-se a sensação que estamos assim mais perto do céu e por conseguinte, tendo-se

decretado a falência do potencial humano universal, alguma divindade, num ato de magia,

fará recair sobre cada um a medida certa da razão e da verdade singular. Será esta a

plataforma ideal de emergência de soluções a externalidades que atualmente se nos

afiguram? Para pugnarmos pela liberdade de pensamento não podemos apenas dizer que

agora passámos a pensar para dentro. Se também pensamos para fora, se partilhamos saber

e informação com um semelhante que seja, já não existe verdade singular. Estamos unidos

pela permeabilidade discursiva e comunicacional, e ela por si só, quando admitida num

contexto espacial de globalização, legitima uma projeção antropocêntrica no sentido lato.

A menos que queiramos colocar a discussão numa ótica de resolução pela força somática,

verificamos que num cálculo simples como o que se apresenta, e apesar das dúvidas e das

confrontações, emerge entre homens, sobretudo verdade coletiva. A subjetividade não

pode ser enclausurada, como se pretendêssemos aprisionar as borboletas, de volta aos

casulos.

A título ilustrativo tomemos o conceito de ser-se local, ser-se português.

Esta é em si a demonstração de que nos nossos genes biológicos e “culturais” existe

um percurso evolutivo onde, no indivíduo português atual, lemos simultaneamente a

heterotopia (de uma miscigenação com Iberos, Celtas, Gregos, Cartagineses Romanos,

Bárbaros, Muçulmanos, africanos, índios e atualmente com os povos dos países de

(i)emigração) e o utopismo que perseguimos por via da educação formal e informal, da

participação protocolar de instituições internacionais e de modelos transnacionais, de um

país aberto, consumidor e produtor de informação numa sociedade dinâmica e global onde

as trocas de saber permitem a emancipação (redefinição constante) de um pulsar universal

e essencialista. Seria possível conceber-se um ser-se português pós-moderno? Certamente

teria que abdicar da sua dimensão universalista. Certamente (atendendo à evolução

multiétnica do conceito) teria também que ser algo diferente do ser-se português. Algo

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completamente novo e original que rompesse com o caminho percorrido... desde África.

Imagine-se o mesmo com um ser-se egípcio, um ser-se grego, um ser-se tibetano...

Ao pretender-se alertar para a necessidade de ampliar o campo das opções em

análise, não se pode simplesmente sugerir-se um homem novo, desvinculado do seu

passado, das suas raízes/interconexões e sugerir-se-lhe uma alienação, uma radicalização

reinventiva onde a democratização do anarquismo e a inversão surge como vanguarda

edificante transcendente. O conceito de heterotopia mesmo num extremo, se considerado

ao nível do sujeito, é ele mesmo em si, uma utopia porque um indivíduo (mesmo o suposto

pós-moderno) é tendencialmente, muito mais que um simples indivíduo. Ele é

essencialmente sociedade. Utopismo como síntese heterotópica plural permeável.

Ser-se português, é portanto também ser-se adepto, simpatizante ou indiferente ao

Sporting Clube de Portugal, ao Chelsea, ao Al Ahly, ao Botafogo, ao Nagoya Grampus; ao

sol da praia, às cores garridas, ao sapateado, ao fado, a bavaroise, ao strogonoff, ou à

sardinha assada pingada na broa... Dependendo do local, ou das afiliações distintas e

particulares de simpatia que nos seduzem, ou nos repelem, ou nos são por algum motivo

mais próximas, ou distantes, existem escolhas e afinidades que são mais fáceis de exprimir,

experimentar, adotar, venerar, ou simplesmente prescindir. Existem porém limitações em

que o dualismo corpo-mente não são uma opção.

Não necessitamos colocar-nos para lá da exosfera para reconhecermos cá na Terra

a existência de seres intelectualmente e socialmente semelhantes, onde apenas um não

seria, pela sua verdade e ação isolada, capaz de condicionar ou resgatar a sobrevivência da

ecosfera. Qualquer um deles pode confecionar ou vestir roupa, usar óculos, conduzir uma

bicicleta, comunicar utilizando formas, códigos e canais diversos. Contudo, estes

fenómenos, entre tantos outros, não são uma excentricidade individual e particular, mas

uma sofisticação social dos humanos. O nível de intelectualidade que carateriza o grupo

humano é portanto a essência universal básica. O mínimo denominador comum onde todas

as dúvidas existenciais e devaneios esotéricos devem aconselhar-se.

Senão, quem salvaria as borboletas?!

Desta forma ainda que não consideremos pós-modernidade uma designação

confortável revemo-nos um pouco na passagem de Usher R. e Edwards R. (Paulston, 2001:

214) ao referirem que “A nossa atitude perante o pós-moderno é ambivalente.

Concordamos que para ser consistentemente pós-moderno nunca nos devemos apelidar de

pós-modernos (...)”.

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A nossa missão é portanto, pontuar a nossa dissertação sob a égide de um princípio

de educação, que não rejeita a escola de massas, e uma perspetiva de acesso e sucesso

universal à educação, procurando evidenciar o potencial do aluno-autor como antecâmara

do cidadão-autor numa interconexão das dimensões geo-espaciais local e global.

Procurando sobretudo desconstruir os discursos que afirmam a inevitabilidade de se

declarar inviável esta linha de pensamento moderna. Em síntese, um princípio onde têm

lugar todos os contributos que visem combater a ideia de que o mundo desigual é um facto

consumado e inerente ao Homem, que abdica da razão e que por essa via se posiciona

próximo de uma doutrina de argumentação somática global, procurando inculcar a ideia de

que a educação tem que adequar-se nesse pressuposto. A educação considerada neste

contexto surge como agência formal do estado em contestação a si mesmo. Um estado só

faz sentido se considerado na perspetiva social organizada sob pressupostos comuns.

Contestando-se este modelo, contesta-se a existência do estado. Contesta-se portanto a

existência dos sistemas educativos organizados, de sentido amplo e universal. Alude-se a

um modelo de estado mínimo, situado ao nível dos estratos dirigentes. Um estado que não

chega para todos. E que por essa razão tem que ser dissolvido para que os saberes se

recombinem. Aspira-se a núcleos tendencialmente mais pequenos, privados e autónomos;

quase cavernícolas. Núcleos que contestando o monolitismo da escola de massas, legitima

o monolitismo da competição.

Ainda que envolta em algumas dúvidas quanto ao contexto de origem, atribui-se a

Winston Churchill a expressão, “Então pelo que é que lutamos?!...”. Esta frase foi

supostamente proferida quando o seu ministro das finanças o instigava a proceder a cortes

nas artes e na cultura para fazer face ao esforço de guerra em que a Inglaterra estava

envolvida. Independentemente da fonte, acreditamos que a expressão é válida e atual

também no contexto educativo, perante a ameaça do fim da universalidade no acesso à

educação e à emergência de políticas educativas que afastam a educação da esfera social

para a alocarem a uma perspetiva mercantil arbitrária.

“Então pelo que é que lutamos?!...”

Nós sociedade, ou nós indivíduos?

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Quadro metodológico

Embora por vezes as categorizações e designações tendam a cristalizar e

entrincheirar os campos semânticos e a textualidade é necessário a elas recorrer e

confrontá-las em campo neutro, para daí extrairmos sentido. Concluímos que a

metodologia sugerida por Paulston, a cartografia/mapeamento social, ainda que designada

de pós-moderna, possui virtudes que nos permitiriam caminhar no sentido de uma

abordagem subtil do modelo sócio-cultural da modernidade, procurando manter a sua

estrutura (Santos, 1994) introduzindo-lhe mecanismos interpretativos de relativização e

diálogo que permitissem (re)colocar o binómio indivíduo-sociedade como entidade dotada

de proatividade, que mais que venerar um universalismo estático imaginado e passivo,

contribuiria para a redefinição da universalidade experimentada e partilhada, que enforma

e promove a discussão multilingue na concertação linguística comum.

Paulston (2001: 225) refere mapeamento como “uma metáfora do debate, como

uma abordagem heurística” (...) “uma nova ferramenta espacial criada especificamente

para tornar visível a crescente complexidade do saber”(...) “uma cartografia social capaz de

visualizar e padronizar a multiplicidade, em termos de perspetivas múltiplas, géneros

argumentos ou sonhos” (...) “um processo relativamente simples, ainda que exigente, de ler

agrupar as perspetivas dos textos”.

O autor refere como etapas principais:

• A escolha do assunto ou debate a mapear;

• Seleção de textos que alimentam esse debate;

• Identificação do leque de posições na miscelânea intertextual;

• Identificação das comunidades textuais que partilham o mesmo modo de ver

e de comunicar a realidade;

• Testar o mapa no terreno com os indivíduos ou as comunidades de saber

envolvidos. Partilhar interpretações e elaborar um novo mapa.

Aproveitando as suas palavras, que referem que “o processo de mapeamento e

tradução procura desvendar sentidos, revelar limites nos campos culturais e expor as

tentativas reacionárias de fechar as fronteiras e proibir as traduções” Paulston (2001: 225),

decidimos assumir o risco de procurar através da bibliografia apresentada no final deste

texto, delinear (com base em alguns destes pressupostos) uma argumentação capaz de

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expor a nossa perceção da realidade, através do contributo de diferentes textos, autores e

campos semânticos.

Sempre que possível procuramos citar a perspetiva de autores (através de excertos

de texto) como forma de suportar os nossos esquemas e argumentação que apresentamos.

Por vezes é também comum partirmos de um excerto de texto, de um ou vários autores

para, a partir daí, aclarar uma problemática sobre a qual nos pronunciamos em seguida.

Certos de que existem posicionamentos e opiniões das quais nos sentimos mais próximos,

não queremos no entanto deixar de expressar o apreço que temos por todos os autores

citados.

Segundo Paulston (2001: 225-226)

o mapeamento social também pode ser visto como uma metodologia decorrente do modo

hermenêutico de pesquisa que reconhece que os mundos são construídos e interpretados

quer objetiva, quer subjetivamente, ou seja, que dentro dos campos de estudo ou dos locais

de conhecimento existe um permanente diálogo que envolve sistemas semânticos

enganadores. Estes sistemas semânticos são construídos pelos seus teorizadores e o diálogo

vem criar um campo aberto e intertextual. Por este motivo, tanto o investigador de

educação comparada como o leitor atuam como tradutores desta pesquisa interpretativa.

Ao contrário dos textos pós-modernos e anti-iluministas que se opõem à validade

universal das grandes narrativas, as práticas de cartografia social e educativa

aparentemente procuram dar espaço e representatividade a todas as sensibilidades

procurando delas, retirar as “pequenas” nuances que nos permitam esboçar um caminho,

ou um sentido, sem termos que optar por um dos lados em concreto, e em absoluto.

Podendo emancipar as nossas dúvidas e propor novas leituras. Se eventualmente muitos

diriam que esta visão é em si pós-moderna, diríamos simplesmente e utilizando um título

de Paulston (2001) que, pelo atrás exposto, esta visão surge essencialmente “depois da

efémera e frágil pós-modernidade”, sendo que o termo “depois” não significa

sequencialidade cronológica, mas sobretudo suspeita conceptual; qualquer coisa que se

demarca do pós e se inscreve na perspetiva evolutiva de transformação contínua.

Ainda que a verdade seja, na perspetiva de alguns autores, cada vez mais particular

e não geral, “ao mesmo tempo que passamos da sua formulação alternativa para um espaço

mais heterotópico de compreensão reflexiva crítica” (Paulston, 2001: 239), devemos ainda

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assim, sempre perguntar-nos de onde gizamos esta premissa. E se esta deixa efetivamente

espaço à conceção da floresta ou apenas à existência de árvores.

A nossa participação na parte curricular do mestrado em Ciências da Educação

Políticas Educativas e Ensino Superior e também Educação Desenvolvimento Local e

Mudança Social permitiu-nos contactar e apreender novas perspetivas de leitura, reflexão e

escrita da realidade educativa e social. As quais a par do nosso contacto quotidiano com a

realidade educativa experimentada, como docente do ensino básico (1º Ciclo) e da pesquisa

informal que fomos desenvolvendo, gerou em nós uma série de questões, confrontos e

dilemas que orientaram a nossa curiosidade e ambição de percorrer este caminho -

aprendiz de topógrafo.

Se o mapa “moderno” que detínhamos não nos oferecia os caminhos e as respostas

suficientes, restava-nos apenas o retrocesso como forma de repensar as opções. Um

retrocesso, que nos levasse a questionar a natureza dos intervenientes e o caminho

percorrido, atendendo às condicionantes do meio e à relação do(s) intervenientes com este

e entre si.

É óbvio que tal tarefa é à partida um exercício de presunção desmedida, que gera

suspeita quanto à capacidade de dominar toda a dimensão implícita. Contudo,

consideramos que para tal seria necessário moderar a postura de investigador especialista e

reivindicar a atitude legítima de observador. Ao tentarmos não significava que iríamos

conseguir. Mas não tentarmos significava que não conseguiríamos de todo.

Começámos então por consultar bibliografia que nos pudesse auxiliar no

esclarecimento e consolidação de alguns conhecimentos genéricos, que ao longo do nosso

percurso académico fomos angariando e assimilando, acerca da evolução do Homem tendo

em conta a sua dimensão dual, social e biológica. Neste contexto, e ao considerarmos a

dimensão biológica, não podemos deixar de o relacionar no conjunto das outras espécies

do mundo vivo.

Assim, procuramos sublinhar o aspeto da sobrevivência e da luta pela escassez de

recursos, a competição pelas condições mais favoráveis, como uma referência e uma ponte

entre as dimensões biológicas (físicas) e a dimensão social (psíquica e afetiva) dos seres

vivos na relação com o meio. O conceito de economia parecia-nos portanto fazer a síntese

destes aspetos. Procuramos então buscar fundamentação teórica que expressasse a relação

evolutiva do Homem e da sociedade na gestão da sobrevivência e afirmação da

coletividade em paralelo a uma emancipação progressiva da dimensão organizativa e social

que o foi afastando da condição paritária com o restante mundo animal (a que chamámos

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fase de regressão progressiva). Esta excentricidade, senão mesmo excesso, de aflorar o

subentendido, afigurou-se-nos como um ingrediente necessário à sensibilização de que,

desde uma fase de regressão progressiva até uma fase de progressão regressiva, não

devemos descurar o facto de na biologia o conceito de evolução ser mais consensual que o

conceito de revolução. Procuramos assim, sublinhar que os desafios que se nos apresentam

hoje como tarefas de leitura e intervenção educativa, cada vez mais têm que atender às

ambivalências, sincronias e assincronias sociais de um campo sucessivamente mais vasto,

interligado e dinâmico. Um campo onde as heterotopias se redefinem e com isso, mais que

decretar o fim da utopia, do essencialismo e do universalismo, acabam por permitir

rearranjos destes conceitos numa dimensão progressivamente mais consciente e localizada

(ao nível local do sujeito e ao nível global da humanidade). Além da discussão

paradigmática de organização social moderna ou pós-moderna, da utopia (não lugar) ou da

heterotopia (vários lugares justapostos num único lugar), possa vislumbrar-se também a

pantopia dinâmica (todos os lugares heterotópicos permeáveis e discursivos numa

reformulação utópica constante e diacrónica). – Unimultiplicidade.

Por outro lado a dimensão biológica do homem é aqui destacada numa perspetiva

ecosférica e ecológica (eco-oikos-casa + logos-estudo) no sentido de vincular a dialética

social a uma essência material e a um campo de confrontação de pulsões ambientais.

Pretendemos com isto associar a necessidade de reflexão do campo educativo e do campo

social ao pressuposto inalienável de sabermos se o(s) futuro(s) que ambicionamos e

conjeturamos com os níveis e ritmo de progresso que temos vindo a experimentar nesta

fase de certezas dinâmicas é compatível com um paradigma de sustentabilidade do

ecossistema natural e com uma perspetiva de acesso equitativo a padrões mínimos de

qualidade de vida. As verdades não podem de todo, ser apenas subjetividades

entrincheiradas.

Podemos até olhar acima das nuvens, olhá-las a partir do chão.

Estrutura

Num primeiro capítulo do texto, recuperamos algumas posições que procuram dar

conta da conceção económica antes, mas sobretudo no dealbar do estado moderno.

Procurámos também ilustrar as diferentes conceções políticas e sociais decorrentes da

época das luzes e a definição de alguns conceitos como “socialismo” e “liberalismo” bem

como a tendência evolutiva destes. Aí introduz-se também a conceção darwinista e do

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sócio-darwinismo presente numa época colonial eurocêntrica. Introduz-se a expansão das

relações internacionais e as fases de evolução e transformação do conceito de capitalismo e

das externalidades emergentes de um modelo de produção industrial, nomeadamente ao

nível da ecologia. Destaca-se desta amálgama de considerações, a preponderância que o

fator economia/mercado assume na grafia e gestão, por parte de um sistema de estados-

nação vestefalianos modernos onde um modelo de liberalismo económico transnacional

(neoliberalismo) preside à erosão e dissipação das fronteiras e soberania dos estados na

gestão da realidade interna.

No segundo capítulo, começamos por problematizar o conceito de globalização

dando conta de alguns consensos e de alguma controvérsia que orbitam em seu torno.

Procura-se sobretudo evidenciar o papel do(s) indivíduo(s) como elemento central de um

processo interpretativo e criativo no conceito de globalização. Ponderam-se os receios e as

certezas que aludem a uma transição paradigmática questionando o determinismo do termo

pós-modernidade e da sua ambiguidade enquanto modelo alternativo ao modelo

sociocultural da modernidade. Considera-se que a relação ambivalente (local/global) e

simultânea do sujeito autor (eu autotélico) em detrimento do sujeito ator é um ingrediente

elementar à interpretação do conceito de cultura, o qual subdividimos em duas dimensões:

Cultura universal (cultura coletiva da humanidade) e subculturas que, no extremo

representam cada um dos indivíduos. Falamos portanto, nesta perspetiva de

multiculturalismo enquanto metáfora de multi-individualismo que, através de uma ação

intensa de aculturação opera uma reflexibilidade e redefinição emancipatória da conceção

de Cultura e simultaneamente dos conceitos de modernidade e globalização. Procura

argumentar-se essa reflexibilidade como indutora de uma evolução paradigmática, com

potencial de reformulação e resolução dos défices e excessos da modernidade. Introduz-se

a possibilidade de uma relação dual entre estado e comunidade, operar uma monitorização

da dimensão económica com base no pressuposto de operacionalização funcional do IDH

(Índice de Desenvolvimento Humano) e do IPG (Índice de Progresso Genuíno) globais,

numa plataforma dialogante entre conceções de globalização hegemónica e anti-

hegemónica. Por fim faz-se um resumo e ponto de situação sobre a diáspora de expansão

territorial do povoamento e da organização quantitativa e qualitativa dos grupos e

estruturas sociais humanas num período de globalização inconsciente (regressão

progressiva) e num período de globalização consciente (progressão regressiva) onde as

questões ambientais/ecológicas são assumidas como um fator estrutural a considerar na

urgência reconcetualizante. Sendo que neste último estádio o indivíduo e a sociedade se

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voltam a confrontar (ainda que agora a uma dimensão planetária consciente) com aspetos

primordiais com os quais se havia confrontado durante o primeiro estádio, tais como

condições diferenciadas de acesso a bens elementares, como alimentação e segurança.

Num terceiro capítulo começamos por apresentar o dualismo discursivo e teórico

esquerda–direita, a par de outros elementos, como parte de um espólio argumentativo que

na atualidade dissimula e limita uma apropriação pratica e efetiva da ideia de democracia.

Procuramos demonstrar que estes pretextos procuram sobretudo sustentar uma ideia de

alteridade dicotómica num processo em que ambas as opções assumem na atualidade

grafias miméticas. Este expediente, procura sobretudo legitimar uma relação de poder de

sentido centro-periferia, em que força tende a absorver a razão. Procurando sustentar esta

linha argumentativa, apresentamos um esquema circular interpretativo desta realidade que

ilustra uma situação de capitalismo desorganizado, alguns dados estatísticos e uma reflexão

em torno do conceito de mérito. Caminhamos assim no sentido da proposta de uma réplica

reajustada em que se apresenta uma interpretação da realidade social (economia, política e

cultura) numa ótica de capitalismo de subsistência (realidade globutópica).

Aqui procura-se também desconstruir a sigla ONU, não apenas na aceção e

definição tradicional (Organização das Nações Unidas), mas também evidenciando uma

crítica a alguma inoperância e gestão quase privada de um núcleo (condomínio) de países

sobre as tomadas de decisão a implementar. Utilizando a mesma sigla mas com diferente

definição (Organização das Noções Ubíqua), procuramos chamar à atenção para o facto de

esta instituição necessitar de maior legitimidade representativa e participativa, procurando

estendê-la a todo o planeta como sinónimo de universalidade; de perseguição de uma

efetiva democracia e equidade. Assim cada sujeito (incluído) é, ou deveria ser, uma noção

ubíqua, num contexto de organização dialogante de sentido periferia-centro-periferia, que

ao conceber o todo na especificidade de cada uma das suas partes, encontra a validação de

um processo que legitima a globalidade como expressão de todos os reconhecimentos

heteroindividuais, como globalidade interpretativa ativa e dinâmica.

Procuramos focalizar a necessidade de uma evolução das estruturas (instituições)

formais globais como um requisito de reconhecimento consciente e responsável de um ser-

se global, como uma demonstração de que após desembrulharmos o globo envolto numa

esoteria democrática, descobrimos o Homem como produto desse construto. Nesta linha de

pensamento, apresentam-se aquelas que em nosso entender poderiam ser as premissas de

uma relação de parceria entre as dimensões do estado e da comunidade na monitorização e

educação da dimensão económica. Apresenta-se como tronco principal a conceção do

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sujeito enquanto cidadão que ao invés de se posicionar num dos extremos concetuais

dicotómicos, pode assumir-se e participar de um modelo em que simultaneamente

desempenha um papel de agente político e comunitário (tempo cívico) e também como

agente de um sistema económico delimitado (tempo laboral). Esta conceção tende a

influenciar uma perspetiva redistributiva e equitativa no acesso ao trabalho e no

desempenho e participação na construção ativa da cidade. No respeitante ao tempo cívico,

procuramos, com base nos conceitos de solidariedade mecânica e de solidariedade

orgânica, enquadrar os conceitos de serviço cívico como pressuposto inerente à cidadania

e o voluntariado como expressão individual filantrópica. Duas realidades sobre as quais

alertamos para a necessidade de se estabelecerem limites que permitam distinguir

altruísmo e elevação da alma a um nível privado, de uma responsabilidade de participação

cívica numa esfera pública.

Apresentamos também uma grelha onde se procura dar conta do papel fulcral e

preparatório que o campo educativo desempenharia na orientação de rotinas e atitudes com

vista à emergência de uma conceção real de democracia participativa inclusiva em

oposição a uma perspetiva competitiva de exclusão. Neste particular alude-se a um

conceito estendido de educação na ação, Educação ao longo da vida, com base numa

reciprocidade entre as dimensões de Educação Formal, Educação Não-formal e Educação

Informal orientadas numa perspetiva social.

Em suma, face ao “estado-da-Arte” apresentam-se hipóteses teóricas de

perseguição de um conceito de globalização autorregulada construída em oposição a um

conceito de globalização top-down, imposta.

Posteriormente, apresentam-se alguns temas que nos conduzem às alegações finais.

São afloradas, por vezes num tom de síntese, questões relativas a paradoxos sociais da

atualidade e algumas realidades sobre as quais é necessária uma reflexão no sentido de

perspetivar o papel do planeamento e ação educativa numa perspetiva centrada numa

sociedade educacional; uma sociedade de providência.

Ainda que obedecendo a uma linearidade de sentido, desde a definição do Homem

como ser dotado de especificidade biológica e social até uma situação final onde se

procuram dar conta de algumas linhas de ação passíveis de refletir e empreender num

contexto de evolução paradigmática e de uma conceção espacio-temporal holística, é

frequente ao longo do texto o retorno e a recuperação de alguns aspetos no intuito de

reforçar o sentido e a consistência argumentativa.

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CAPÍTULO I

MODELOS E PERSPETIVAS DE GESTÃO POLÍTICA E ECONÓMICA NA

MODERNIDADE: A TRANSFORMAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO E AS

EXTERNALIDADES RESULTANTES DESTA TRANSFORMAÇÃO

O pior de entre toda a multidão Alguma coisa fazia pelo bem comum.

Esta era habilidade do Estado, que mantinha o todo, do qual todas as partes se queixavam:

O que, tal como na harmonia musical, Fazia com que as dissonâncias em geral se concertassem;

Com que partidos absolutamente opostos Se ajudassem mutuamente, aparentando despeito;

E com que a temperança mais a sobriedade Servissem a embriaguez e a gula.

A raiz de todos os males, a avareza, esse vício maldito, ignóbil, funesto,

Era escrava da prodigalidade, Essa nobre culpa; enquanto o luxo Empregava um milhão de pobres,

E o detestável orgulho outro milhão: A própria inveja e a vaidade Eram agentes da indústria;

O seu desvario preferido, a volubilidade Na dieta, na mobília e no vestuário,

Esse vício estranho e ridículo, tornou-se Na própria roda que fazia o comércio girar. As suas leis e os seus fatos eram igualmente

Objecto de mutabilidade; Porque o que numa ocasião era bem feito,

Dentro de seis meses tornava-se num crime; No entanto, ao alterarem assim as suas leis,

Sempre achando e corrigindo erros, Emendavam pela inconstância

Faltas que nenhuma circunstância seria capaz de prever. Assim o vício criava o engenho,

Que, junto ao tempo e à indústria, Tinha elevado as comodidades da vida,

Os seus reais prazeres, confortos, alívios, A tal altura que mesmo os pobres Viviam melhor que antes os ricos;

E nada mais se podia acrescentar. (...) (Mandeville, 1729)

As leituras de Mandeville (entre outras: Hutcheson, Hume...) terão influenciado

Adam Smith no sentido de considerar que os interesses individuais (egoísmos e vícios para

Mandeville e amor próprio para Smith) constituem um beneficio público na medida em

que promoveriam através da interdependência, a liberdade económica e a divisão

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(especialização) do trabalho; ingredientes necessários ao aumento da capacidade produtiva

e à Riqueza das Nações.

(Anexo 1)

Smith, influenciado supostamente pela bondade de seu mestre Francis Hutcheson,

de quem herdara o apreço pela liberdade em geral, pronunciou-se nestes termos:

O esforço natural de cada indivíduo para melhorar a sua condição constitui, quando lhe é

permitido exercer-se com liberdade e segurança, um princípio tão poderoso que, sozinho e

sem ajuda, é não só capaz de levar a sociedade à riqueza e à prosperidade, mas também

capaz de ultrapassar centenas de obstáculos inoportunos que a insensatez das leis humanas

demasiadas vezes opõe à sua actividade. (Smith, 1981: 63)

1.1. A divisão do trabalho1

A divisão do trabalho, de que derivam tantas vantagens, não procede originalmente da

sabedoria humana, na sua tentativa de prever e procurar atingir a opulência geral que ela

ocasiona. É antes consequência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa

propensão para cambiar, permutar ou trocar uma coisa por outra. (…) É comum a todos os

homens e não se encontra em quaisquer outros animais, que parecem desconhecer esta e

todas as outras espécies de contratos. (Smith, 1981: 93)

(Anexo 2)

1 “[Esta expressão não era corrente, se é que alguma vez tenha sido usada antes. A sua utilização aqui é provavelmente devida a um trecho da Fábula das Abelhas, de Mandeville, parte II, diálogo VI, p. 335: “CLEO… Uma vez que os homens passam a ser governados por leis escritas, todo o resto evolui rapidamente… Uma vez que desfrutem de paz e não se vejam na necessidade de temer o próximo, os homens não tardarão a aprender a dividir e subdividir o seu trabalho. HOR. Não te compreendo. CLEO. O homem, como já antes dei a entender, gosta de naturalmente imitar o que vê os outros fazer: é por isso que entre os selvagens todos fazem a mesma coisa, o que os impede de melhorar a sua condição, embora o desejem constantemente. Mas se um deles se aplicar inteiramente à manufatura de arcos e flechas, enquanto um outro se ocupa da alimentação, um terceiro constrói palhoças, um quarto trata do vestuário e quinto das ferramentas, eles não só se tornarão úteis uns aos outros, como os seus ofícios e ocupações, no mesmo número de anos, serão beneficiados, por aperfeiçoamentos muito superiores do que se cada um deles tivesse seguido indiscriminadamente pelos outros cinco. HOR. Creio que nisso tens toda a razão. E a verdade do que dizes salta especialmente no fabrico de relógios que atingiu já um grau de perfeição superior ao que lhe teria sido possível alcançar se toda a atividade tivesse continuado entregue a uma só pessoa; e estou convencido de que a profusão de relógios de todos os tipos de que dispomos, bem como a sua precisão e beleza, se devem principalmente à divisão dessa arte em grande número de tarefas”. No índice remissivo aparece: “Trabalho, Da vantagem de o dividir e subdividir”…] (Smith, 1981: 81-82).

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…O homem necessita quase constantemente do auxílio dos seus congéneres e seria vão

esperar obtê-lo somente da sua bondade. Terá maior probabilidade de alcançar o que deseja

se conseguir interessar o egoísmo deles a seu favor e convencê-los de que terão vantagem

em fazer aquilo que ele deles pretende.(…) Não é da bondade do homem do talho, do

cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que

eles têm o seu próprio interesse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o seu

egoísmo, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das vantagens deles. (Smith,

1981: 94-95)

(Anexo 3)

“…todo o saber começa por ser uma metáfora de outro saber” (Louçã, cit. in

Murteira, 2003: 11)

Desde George Buffon (1707-1788) e Thomas Malthus (1766-1834) que se passou a

admitir, com algum vigor, a hipótese de que

o efectivo de uma população cresce mais depressa que os seus recursos. Assim, sob o efeito

da pressão demográfica, todos os grupos humanos tendem espontaneamente para um estado

de falta, que provoca uma competição severa em cada geração. Essa luta acaba por fazer

descer o número de indivíduos para limites aceitáveis (ou seja, compatíveis com os

recursos naturais), graças ao triunfo dos mais bem armados e ao desaparecimento dos

outros. (Malthus, cit. in Ruffié, 1982: 9)

Esta perspetiva associada a uma vaga2 de novos saberes então adquiridos lançou um

inevitável olhar sobre a noção de evolução.

As analogias com o domínio humano, não tardaram em chegar e conduziram

distintos cientistas (de época) (Anexo 4) a teorizar sobre a sociobiologia e o darwinismo

social durante o Séc. XIX. Em alguns casos, firmando o seu papel na história como pais do

“racismo pseudocientífico”.

2 Jean-Baptiste Lamarck, Adam Smith (economia liberal), Kant e Laplace (astronomia), Hutton e Lyell (geologia), Herbert Spencer, Huxley (zoologia), Hooker (botânica) entre tantos outros; homens de ciência que precederam Charles Darwin, e que de alguma forma questionaram a condição humana para além da perspetiva criacionista e fixista vigente até então; e abriram caminho à afirmação do racionalismo moderno na forma de pensar e organizar as sociedades em termos económicos e políticos, segundo a perspetiva de um ‘movimento transformista’ e dinâmico que agora brotava.

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Contudo, o que queremos reter é o facto de a capacidade humana não se coibir de

considerar todas as possibilidades inteligíveis na capacidade de organização social, na

gestão, aproveitamento e distribuição da escassez de recursos disponíveis.

Ainda que hoje olhemos com a necessária e pudica distância algumas destas

perspetivas que tentavam enquadrar e legitimar a odisseia colonialista dos Séc. XVIII, XIX

e XX e a supremacia de uns povos sobre outros (anexo 5), a verdade é que elas tiveram

lugar e apesar dos esforços em sentido contrário3, acabaram por assumir-se como uma das

explicações e linha de pensamento possível, na interpretação do comportamento humano

ao longo da História (recente).

Quando Marx e Engels publicam os seus primeiros escritos, introduzem a noção

revolucionária de Transformismo social numa sociedade que crê cegamente na revelação,

no fixismo, e que, a nível das classes dirigentes, se mostra convencida da excelência da sua

organização. Os pais do socialismo científico encontraram um argumento de peso no

transformismo das espécies defendido por Darwin4. - Se as espécies animais evoluem à

procura de um melhor equilíbrio, por que razão as sociedades humanas não farão o

mesmo? Em suma o socialismo resultaria do capitalismo como uma espécie superior nasce

de uma espécie precedente, inferior. No plano social, a revolução equivale à especiação no

domínio biológico. A “grande noite” anuncia uma humanidade nova. (Ruffié, 1982: 33)

Segundo a perspetiva destes dois autores, a burguesia capitalista, ocupava

indevidamente, o topo da pirâmide através de uma relação de força/usurpação, baseada na

apropriação e exploração coerciva da força de trabalho, que a posse cumulativa de capital

lhes conferia. Comparando com a teoria evolucionista de Darwin, esta perspetiva pouco

afastaria o género humano dos demais grupos do reino animal. No entanto, movidos pela

3 De assinalar os estudos e esforços desenvolvidos pelo médico Paul Broca (1824-1880) que criou a Sociedade Antropologia de Paris e criticou o uso indevido das teorias de Darwin no contexto social; pelo antropologista germano-americano Franz Boas (1858-1942); e pelas antrpologistas americanas Margaret Mead (1901-1978) e Ruth Benedict (1887-1941), entre outros, no sentido de contrapor e refutar os princípios do darwinismo social e da sociobiologia. Foram particularmente notórias as suas posições na defesa da ideia da não existência de raças puras e da não supremacia biológica de um grupo sobre outro. 4 A 19 de dezembro de 1860, Marx escrevia a Engels referindo-lhe que via na obra de Darwin “o fundamento fornecido pela história natural à nossa visão”; e a 16 de janeiro numa carta a Lassale acentuava “a base fornecida pela ciência da natureza à luta de classes” Karl Marx, carta a Lassale citada por Naccache, op. Cit., 1980, p. 18 (Ruffié, 1982: 35). “A história de qualquer sociedade passada é a história das lutas de classes, Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, barões e servos, mestres artífices e artesãos, numa palavra, opressores e oprimidos, estiveram em oposição constante uns contra os outros e travaram uma luta sem tréguas, umas vezes dissimulada, outras vezes aberta, luta que, de cada vez acaba com a transformação revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em luta” (Karl Marx, 1848, cit. in Ruffié, 1982: 34).

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convicção de que “ao nível humano, os fatores que intervêm na constituição e no valor dos

grupos não são unicamente biológicos, mas também sociológicos e culturais” (Ruffié,

1982: 36), formularam uma teoria social e política (pretensamente) equitativa (Socialismo

científico), que previa uma inversão desta tendência através da exaustão de uma luta de

classes que culminaria na estatização da vontade do proletariado a nível global (Anexo 6).

Contudo, o que acabou por verificar-se (não obstante da expansão além do berço

Europeu dos seus ideais, sobre as mais variadas aplicações) foi sobretudo, a subversão dos

princípios inicialmente defendidos, esquecendo o seu devir marxista. O partido (nova

classe que agora detinha o poder e a riqueza) abandonava o proletariado e as promessas de

justiça e liberdade. “O todo servido por uma burocracia pesada [centralizada] e minuciosa

ao extremo, mas notavelmente eficaz como aparelho de controlo, ou mesmo de repressão”

(Ruffié, 1982: 40-41).

Mas quanto mais os animais lá fora olhavam, mais lhes parecia que alguma coisa de

estranho se estava a passar. O que seria que se tinha alterado na cara dos porcos?... Mas o

que seria que se estava desvanecendo e alterando?(...) Não havia dúvidas agora sobre o que

estava acontecendo às caras dos porcos. Os que se encontravam lá fora, olhavam do porco

para o homem, do homem para o porco e novamente do porco para o homem, mas era já

impossível distinguir uns dos outros. (Orwel, 2013: 132)

A solução sucumbira, assimilando-se no problema. A antítese vergara-se à “grande

noite”.

1.2. Ideologia: Pulverização e neblina ou o retomar incessante de um ciclo?

O que temos vindo a tentar realçar nestas linhas é uma análise exploratória que

motive uma reflexão em torno da(s) metodologia(s) utilizada(s) ao nível social e cultural

para abordar o percurso argumentativo: desde a forma como se perceciona a escassez de

recursos à forma como se vem, ao longo dos tempos, concebendo racionalmente a sua

gestão “democrática”.

À medida que nos embrenhamos na civilização, deixando para trás as fases

superadas, o rasto da história; parecemos cada vez mais, compreender a extensão do nosso

percurso, bem como os seus limites; ainda que, por vezes, mais desfocados de um olhar

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racional. Tal facto impõe uma reflexão sobre as finalidades, os modos de interação e gestão

na contemporaneidade.

Se por um lado adotamos um posicionamento pró-socialista no sentido de conceber

as políticas como um instrumento de nivelamento social, numa perspetiva equitativa e

humanista, onde impere o princípio do estado e da coletividade; não podemos, por sua vez,

ignorar a perspetiva liberal de emancipação individual, competição e livre concorrência

como forma de promoção do bem individual (e coletivo). Talvez corramos o risco de ser

demasiado simplistas se afirmarmos que no seu auge, a ideologia socialista se orientava

por um esquema de princípios centrados na perspetiva cultural e comunitária em que

prevalece um racionalismo democrático, e a ideologia liberal se orientava por uma

perspetiva menos atenta aos interesses partilhados das coletividades e mais aos interesses

individuais5.

Figura 1. Liberalismo/Socialismo

No entanto a experiência das várias histórias políticas nacionais que se foram

sucedendo, sobretudo ao longo dos séculos XIX e XX vieram mostrar quão voláteis e

interdependentes estas duas perspetivas se evidenciavam. Assistimos à queda dos regimes

socialistas (comunistas) enquanto sistemas de organização política e económica nacional e

universal (Apêndice 1). Presenciamos também a abolição da posição conservadora

exacerbada no isolacionismo nacionalista um pouco por todo o lado, e vimos emergir

destes escombros, uma perspetiva híbrida e intermédia que (aparentemente) tenta conciliar

as virtudes e compensar as insuficiências de ambos os lados da barricada6.

As duas grandes posições ideológicas, políticas e económicas (liberalismo e

socialismo) (Apêndice 2) que no dealr iluminista se assumiram como os estandartes

5 “Não é da boa vontade do talhante, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas do cuidado que têm com o seu interesse pessoal” (Smith, cit in Samuelson, & Nordhaus, 1999: 3). 6 “O comunitarismo, é apresentado como resposta aos problemas criados pelos falhanços da velha esquerda (estatal) e da nova direita (defensora do mercado, através da promessa de uma ‘terceira via’)” (Clarke & Newman, 1997, cit. in Barroso, 2005: 78).

Sociedade

Indivíduo

Socialismo Liberalismo

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ideológicos da modernidade7 contra um sistema feudal decrépito, desenharam-se também

na esteira do pensamento do seu tempo; tendo mais tarde, como o hoje o sabemos,

manifestado a sua expressão como aparentes faces de uma mesma moeda. Ambas

convergiram progressivamente para posições mais moderadas, aproximando-se… senão

mesmo confundindo-se.

De salientar que tanto a ideologia liberal como a socialista, tiveram as suas

dinâmicas de evolução interna, desde os seus fundamentos e posições mais incipientes,

passando pela afirmação férrea e radical dos seus princípios ideológicos, e mais

recentemente caminhando no sentido do seu desvanecimento; ou se preferirmos, da sua

reinvenção...

O liberalismo, surge da exaustão do poder coercivo medieval (Séc. XV-XVI):

• ao nível político (a vontade de emancipação e participação dos indivíduos

face ao poder opressor dos senhores – direito ao voto);

• ao nível religioso (a emergência dos princípios humanistas – o deísmo

(antropocentrismo) face à visão criacionista e divina imposta pela igreja);

• ao nível económico (o sentimento crescente das indústrias e populações das

colónias se autodeterminarem face aos constrangimentos mercantilistas

impostos pelas metrópoles (ex: a guerra da independência norte americana).

Após uma defesa acérrima do princípio das liberdades e promoção das propensões

individuais e da não interferência do estado (Séc. XVII-XVIII), o liberalismo caminhou no

sentido do socialismo quando uma corrente mais moderada (meados do Séc. XIX - os

idealistas de Oxford) apelou à necessidade de seguir a linha do “liberalismo positivo” que

contempla uma maior aproximação e intervenção do estado na gestão e orientação político-

económica dos cidadãos. Considerava-se que afinal, não era apenas o poder e a igreja que

limitavam a liberdade do cidadão, mas também, a pobreza e a iniquidade gerada pela livre

concorrência e a debilidade social motivada pela pobreza e desigualdade existente numa

nação. Também se deve levar em linha de conta, que apesar de atualmente o “liberalismo

positivo” ser considerado uma extensão da democracia, no seu início (sobretudo ao nível

político) existiam algumas divergências entre estas duas correntes o que contribuiu de

alguma forma para as mudanças que se viriam a operar posteriormente. Existiam

7 Consideramos aqui modernidade como uma ideia ou perspetiva relacionada com o projeto empreendido a partir da transição teórica operada por Descartes, no divórcio com a tradição herdada. Esta perspetiva emerge por oposição ao pensamento medieval “Escolástica”, afirmando o princípio da “Razão”, o que teve enormes repercussões sobre a filosofia, a cultura e as sociedades do ocidente. Esta fase afirma-se sobretudo de forma consistente com a Revolução Industrial e o capitalismo.

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democratas como Rosseau que não eram liberais e liberais que não eram democratas como

Locke e Voltaire, que temiam de alguma forma a participação massiva das classes

populares na vida política da nação.

Começam a perceber-se aqui algumas das contradições e incompatibilidades do

ideal liberal ao nível da economia, política e cultura.

…a ideia de desenvolvimento harmonioso entre os princípios do estado, mercado e

comunidade (…) presente na filosofia política liberal do século XVIII, de Adam Smith e do

iluminismo escocês – colapsa e decompõe-se no desenvolvimento sem precedentes do

princípio do mercado, na atrofia quase total do princípio da comunidade e no

desenvolvimento ambíguo do princípio do estado. (Santos, 1994: 73-74)

Por sua vez o socialismo baseado nos ideais coletivistas e comunitários de longa

data, surge numa fase mais recente, com mais veemência através os escritos de Karl Marx

e Friederich Engels (1848), aproveitando algum desgaste, incoerência e desnorte entre os

defensores dos ideais liberais, e reagindo a uma tendência superindustrial de exploração

das massas proletárias, apelando à mobilização do proletariado contra o poder individual e

estratificante da burguesia capitalista, à abolição da sociedade de classes e à instauração de

um sistema comunista equitativo a nível universal através da via revolucionária.

Também em oposição a esta posição extrema, surge em Londres (1884) a sociedade

fabiana8. Esta sociedade (socialista “pró liberal”) incluía uma coletividade de intelectuais

de classe média que se opunham aos princípios revolucionários e à visão de uma sociedade

sem classes. Defendiam também a igualdade entre cidadãos resultante de um esforço

coletivo, e da gestão democrática dos recursos das nações. Esta posição mais branda não

via o capitalismo e a burguesia como algo a erradicar, mas através do qual previa agir

intervindo democraticamente pela via reformista e parlamentar. Daqui resultou

posteriormente uma cisão na esfera socialista, entre comunismo e socialismo moderado.

Na atualidade quase que somos impelidos a considerar a falência e originalidade

destes ideais, outrora aparentemente opostos (liberalismo/socialismo). A sensação que

prevalece é que a sociedade cria fictícia e temporariamente essas fações como background

a uma batalha argumentativa racional que em nosso entender sempre existiu e se

reproduziu, ainda que, incorporando progressivamente as conquistas civilizacionais da

8 Em alusão às táticas da não confrontação direta utilizada pelo general romano Quinto Fabius Maximus contra Hannibal na II guerra púnica 218-201 a.c.

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época, dotando o confronto de uma aparente sofisticação. Contudo cremos que os ideais

(narrativas) são sucedâneos de outros, e anteriores ideais que o tempo e a reflexibilidade

em termos holísticos acabam por demonstrar bem mais semelhantes que opostos. Ou, se

pretendermos recuperar as palavras iniciais citadas neste trabalho: “…todo o saber começa

por ser uma metáfora de outro saber” (Louçã, cit. in Murteira, 2003: 11).

(Anexo 7)

Na verdade, “os limites da revolução burguesa de 1789, (…) deu aos homens a liberdade

política, mas não a igualdade económica: a única que dá sentido à primeira. A Revolução

francesa acabou com a aristocracia, ou seja, com o poder do nascimento; mas substituiu-o

pelo poder da riqueza, que não parou de se acentuar com o desenvolvimento das sociedades

industriais.” (Ruffié, 1982: 34)

Se olharmos retrospectivamente o contexto social humano, verificamos que a

gradual evolução e diversificação das tarefas produtivas (divisão do trabalho), bem como a

redefinição sucessiva do sentido utilitário reformulou progressivamente as várias

dimensões grupais/sociais:

Territoriais – depois da fase nómada da recoleção, a sedentarização resultante da

aplicação das técnicas agrícolas, a divisão agricultura/pastoreio desencadeiam um processo

de troca, que iria aprofundar gradualmente as relações de interdependência e propulsionar

uma diáspora exponencial das pequenas comunidades, em agregações populacionais cada

vez mais amplas em torno de um território e de uma legitimidade/identidade administrativa

e cultural, de perfil tendencialmente unificador. Sendo que o espaço ou a dimensão

espacial era entendida numa perspetiva autocentrada desses grupos. Cada grupo entende o

espaço exterior como desconhecido e consequentemente como um perigo contra o qual tem

de estar preparado para se defender. Mais uma vez o caráter utilitário preside à definição

das comunidades entendidas como agregados populacionais de sobrevivência.

Políticas – Também a nível político evoluímos desde uma organização de

dimensão mais ou menos familiar, em que, originalmente a robustez física e a habilidade

beligerante definiam as relações de poder e liderança com base no reconhecimento grupal

dessa mais valia, como fator de segurança face às ameaças da natureza. Umas vezes por

manipulação, crença religiosa, outras por sucessão dinástica/hereditária, ou por todas em

simultâneo, o poder ia fluindo a nível social de geração em geração. Mas o importante a

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reter, é que progressivamente (excluindo os episódios esporádicos de despotismo

totalitário) este poder foi sendo gradual e tenuemente disperso pelas ramificações da elite

política que controlava todos os aspetos da vida social, como também pelos hábeis e bem

sucedidos mercadores.

Esta transformação resultou numa progressiva emancipação do fator económico

privado face à soberania política e jurídica das sociedades e dos territórios definidos. Não

obstante das restrições de caráter mercantilista9, esta dimensão da vida social foi

cumulativamente superando e dissolvendo fronteiras e identidades. As comunidades

tenderam a metaforizar os seus comportamentos numa espécie de sofisticação simbólica de

transferência.

Os chefes das tribos, por serem eles que tinham a cargo a troca com outras tribos e a

repartição dos bens entre os elementos da sua própria tribo, começaram a tirar benefícios

dessa actividade e, gradualmente, foram concentrando grande poder, passando a dispor dos

instrumentos de trabalho, dos rebanhos e até das terras, como se de propriedade pessoal,

privada se tratasse. Este facto originou, logicamente, relações de dependência por parte dos

outros membros das tribos e as relações de cooperação transformaram-se em relações

de dependência e subordinação de uns indivíduos face aos restantes. Assim,

constatamos a dependência cada vez maior de uns indivíduos relativamente a outros, dentro

do mesmo grupo social e a intensificação das lutas tribais, com o objectivo de fazer

prisioneiros. Deste modo, terá surgido a primeira divisão da sociedade em classes –

esclavagistas e escravos – apropriando-se aqueles, pela força, dos resultados do trabalho

realizado por estes. É a sociedade esclavagista que se fundamentava na existência de duas

classes sociais e na apropriação privada dos instrumentos de trabalho, da terra e dos

resultados da atividade produtiva.

Esta apropriação originou o enriquecimento dos senhores de escravos, facto que se

repercutiu das trocas, originando o aparecimento de uma classe de indivíduos cuja

atividade não era produzir, mas proceder à troca – os mercadores. (Góis, Pais, & Cabrito,

1999: 38-40)

Em suma, o económico começa a definir e a confinar o político.

Este aspeto é relevante porque, arrasta consigo uma espiral de legitimação apátrida

do esclavagismo dos tempos atuais; da estratificação e das assimetrias.

9 Utilizadas algumas vezes, também como forma de proteção e resistência interna face à ameaça económica liberal do exterior.

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1.3. O fator económico nas micro e macro tribos

Da tribo, à macro-região global, foram sendo anexados sucessivamente diferentes

retalhos; ao ponto de hoje nos darmos conta de se tratar de uma manta. Aquilo que sempre

uniu estes agregados comunitários foi precisamente a ideia e a necessidade de um sentido

de pertença e identidade a uma entidade civilizacional organizada capaz de se defender e

lutar pela sobrevivência e melhoria da qualidade de vida dos seus membros. Tudo isto se

foi desenvolvendo num suceder de épocas em que, ao nível do indivíduo, o exterior ao seu

conhecimento e grupo(s) de pertença era sentido como uma ameaça hostil.

Ora, esta dinâmica desenvolve-se com base num arquétipo estrutural dual, interno e

externo.

Embora partindo de uma conceção do indivíduo e da sua propensão

natural/biológica para a competição na luta pela obtenção, domínio e posse dos recursos

escassos, à semelhança da generalidade dos organismos vivos, devemos também procurar

não negligenciar a sua capacidade cooperativa, que embora presente em outros grupos

zoológicos, se vê reforçada no Homem pela sofisticação e desenvolvimento ímpar da

linguagem e do intelecto.

Assim, a nível social numa perspetiva endógena (comunitária local), em que em

determinado grupo se agregam indivíduos, sob um mesmo propósito e identidade,

assistimos à correlação simultânea de atitudes competitivas e cooperativas no sentido de

assegurar e definir o valor posicional e o status dentro de cada um dos pequenos grupos

(retalhos). Ou seja, os vários indivíduos de uma comunidade conseguem definir o perfil

utilitário na sua comunidade com base num equilíbrio entre comportamentos de

competição e comportamentos de cooperação.

A nível exógeno (universalista-global), a dinâmica é precisamente a mesma. Já não

entre indivíduos/retalhos, mas entre várias mantas de retalhos. Cada grupo tem esta

dimensão interna e externa. Hoje o espaço comprimido/descoberto permite-nos vislumbrar

em um extremo o indivíduo e no outro a humanidade, envoltos numa dinâmica simultânea

de competição e cooperação.

À medida que a manta se vai urdindo a dimensões globalizantes e os retalhos se vão

dando conta dessa inexorável realidade, surge a questão de saber-se onde repousa o sentido

de identidade, de pertença, de defesa/segurança e de luta por melhores condições de vida.

O que é o dentro e o que é o fora?!...

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Tudo parece desvanecer-se… Os cambiantes intermédios são simplificados pela

proximidade virtual e as certezas circunscritas do local, são acrescidas de dúvidas e

subjetividade, devido ao confronto imediato e da perceção das causas e dos efeitos

resultantes da fricção das várias mantas locais sobre um tear global.

Será então a manta global capaz de acomodar (comportar e confortar) a

generalidade dos seus retalhos?!...

1.4. O estado de providência como protótipo ensaiado de um querer universal

vindouro (sociedade de providência)

O Estado foi aceite durante os trinta anos gloriosos de crescimento do pós-guerra, porque

era também o Estado dos trabalhadores assalariados, e não o Estado dos monopólios, como

se dizia na época. Durante a grande mutação dos anos 50, os assalariados obtiveram o

direito à reforma, a uma habitação decente e a uma cobertura em matéria de saúde, e o

acesso à educação (…). (Boyer, cit. in Vindt, 1998: 130)

Esforços como os do economista britânico John Stuart Mill final do Séc. XVIII ou

mais recentemente do jornalista e economista britânico John Maynard Keynes10 (1883-

1946), vieram mostrar a necessidade de intervenção do estado nas decisões políticas

diretamente afetas à economia e ao emprego como fator de securidade e estabilidade

social. O estado social moderno não deveria suprimir as ambições dos cidadãos, mas os

cidadãos (nessa inevitável condição, de cidadãos) não poderiam abstrair-se e ignorar a

instituição estado. “Os países necessitam de elaborar as suas políticas cuidadosamente para

evitarem os extremos da desigualdade inaceitável ou de uma grande ineficiência”

(Samuelson, & Nordhaus, 1999: 355).

Keynes fez o sistema económico transitar de uma época de escassez (“feudalismo”) para

uma época de crescente abundância (“individualismo”). A “estabilização”, no plano

10 “Há três ideias de Keynes particularmente relevantes. A primeira é de que o futuro é impossível de prever e, como tal, as tempestades económicas – sobretudo as que têm origem no sistema financeiro – não são fatores externos que chocam contra mercados em lenta adaptação, mas sim parte do normal funcionamento do sistema dos mercados. A segunda ideia é a de que as economias atingidas por estes ‘choques’ podem manter-se em depressão durante muito tempo, caso sejam deixadas isoladas; é por isso que os governos precisam de ter e de usar munições fiscais para impedir que uma crise financeira descambe em depressão económica. A terceira é uma critica moral das sociedades que veneram a obtenção de dinheiro e eficácia acima de todos os outros objetivos da sobrevivência humana” (Skidelski, 2010: Nota de autor/Apresentação do livro).

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histórico, constituía a alternativa ao comunismo de Marx. A liberdade individual diminuiria

“na transição económica para um regime com objetivo deliberado de controlar e dirigir as

forças económicas no interesse da justiça e da estabilidade social”. (Skidelski, 2010: 225)

Era neste equilíbrio que deveriam repousar os alicerces dos estados-providência

(well fare state) (Anexo 8). Contudo, a mundialização da economia e da sociedade, e

também a incapacidade de intervenção dos estados nacionais numa dinâmica de

capitalismo supranacional desorganizado11 (Santos, 1994) coagiu os estados

semiperiféricos e periféricos a seguir os ditames económicos (e por consequência sócio-

culturais numa perspetiva progressivamente hegemónica12) das empresas multinacionais, e

das instituições financeiras internacionais (FMI, OMC …) (Anexo 9) que na mesma

perspetiva são correlatos das linhas de orientação e condicionamentos dos estados centrais

(Anexo 10) onde tendencialmente se situam as sedes e o cérebro dessas empresas (Anexo

11).

Os estados de providência começaram por degradar-se mesmo antes de se

consolidarem. Ou seja, a sua experimentação resultava de uma necessidade de regulação a

montante, das sociedades centrais como forma de conciliação entre a procura e

manutenção da qualidade de vida e do progresso da economia ao nível interno de cada

estado. Desta ausência de regulação supra estado, resultou que este modelo da providência

se processasse a ritmo assíncrono em diferentes sociedades. Enquanto uns experimentavam

os benefícios da providência e do incremento da economia, outros estados

(semiperiféricos/periféricos) perseguiam esse ideal colhendo as migalhas que rolavam da

mesa dos primeiros. Por essa razão, hoje quando alguns estados já consideram obsoleto

este modelo ao nível interno dos estados, tendo projetado os seus modelos de gestão e

regulação política e económica numa esfera global, outros estados continuam a buscar o

fundo do túnel da providência insular do estado nacional.

11 Ver tabela (Anexo 64). 12(…) “Pode enviar-se um manual sobre engenharia química para o País dos Pobres, mas sem cientistas, engenheiros e empresários qualificados e sem capital adequado este não pode sequer sonhar em construir uma fábrica petroquímica que funcione. Recorde que a própria tecnologia avançada foi desenvolvida para satisfazer as condições especiais dos países avançados (…)” (Samuelson & Nordhaus, 1999: 544). O que parece importante reter é o facto do aproveitamento das oportunidades está condicionado pela disponibilidade recursos materiais, tecnológicos e organizativos, e de que essa disponibilidade de recursos está desigualmente repartida pelos grupos sociais, regiões e países (Ianni, 1997: 134, cit. in Hespanha, 2002: 167).

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45

Serve isto para salientar que a ideia de erosão do conceito de estado-providência

tradicional, não pode significar a ideia de erosão do conceito de providência aplicado a

dimensões diferentes.

Aparentemente o modelo falhou porque ao nível político se inscreveu numa ótica

autocentrada de providência a uma escala local e interna. O objetivo visava, mais uma vez,

acautelar a estabilidade intramuros, no intuito de assegurar níveis de qualidade de vida

emergentes. Pensava-se então que um estado construído de dentro para fora se afirmaria a

ponto de se tornar imune às pressões externas. Ao mesmo tempo ignorou-se o caminhar

silencioso e indómito da mecânica económica do mercado livre, em que os estados mais

pujantes foram galgando os muros e a conceção do local, lançando-se numa frenética

usurpação da estabilidade dos estados mais fracos e dependentes, tornando-os ainda mais

dependentes, ao monopolizarem o espaço global da transação e comercialização.

É evidente que o fator económico não pode ser isolado de uma correlação política e

cultural, mas esta, parece surgir apenas como reação.

1.5. A resignação não explica… Nada…

Ora se, por um lado, o colapso da União Soviética e a queda do muro de Berlim

significaram o fim do paradigma revolucionário, a crise do Estado-Providência nos países

centrais e semiperiféricos significa que está igualmente condenado o paradigma reformista.

(Santos, 2002a: 34)

A teoria marxista já não está na moda, e é pena que assim seja porque a noção de

contradição é fundamental para se perceber o mundo actual (Boyer, cit. in Vindt, 1998:

129).

Um dos aspetos críticos do projeto da modernidade na atualidade, reside no facto de

a sua instituição de referência (o estado) não conseguir mais o papel regulador da vida

social que então se previa. O sucesso do capitalismo mercantil (Santos, 2002a) ao sair do

âmbito territorial do estado-nação para uma dimensão transnacional esvaziou

progressivamente a dimensão política e a capacidade de intervenção dos estados na

condução do rumo da economia e dos efeitos do consenso neoliberal ou consenso de

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Washington13. Este processo de globalização económica (Anexo 12) desenhada a partir do

centro do sistema deixa aos países semiperiféricos e periféricos duas opções: ou a

exclusão, ou a inclusão subalterna (Santos, 2002a: 71) (Anexo 13). Nesta perspetiva o

centro define as normas pelas quais os restantes países se devem reger e adaptar, no sentido

de acederem a esse centro (Anexo 14). No entanto este expediente dissimula uma política

subversiva de reprodução da exploração e dependência, dos primeiros relativamente aos

segundos.

(Anexo 15)

Gráfico 1. Tributação perversa em operação (PNUD, 2005: 127).

Os estados nacionais periféricos que não têm dimensão ao nível da decisão,

segundo as normas das instituições internacionais que regulam a atividade económica

(Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio),

assumem contudo relevância jurídica de agentes económicos quando lhes são creditadas as

dívidas decorrentes desse mesmo modelo de produção e consumo, devido aos fortes

condicionamentos de decolagem impostos pelas potências económicas. O que equivale a

dizer, que é uma forma (não muito) subtil de assegurar a existência da periferia, como

garante da existência de um centro.

13 “por ter sido em Washington em meados dos anos oitenta, que ele foi subscrito pelos estados centrais do sistema mundial, abrangendo o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do estado na economia” (Santos, 2002a: 33).

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As regras da OMC reconhecem, em princípio, que os países em desenvolvimento não

deveriam ter de assumir compromissos incompatíveis com o seu estatuto económico e as

necessidades de desenvolvimento. Na prática, a provisão de tratamento especial e

diferenciado não proporcionou um quadro para alinhar as obrigações da OMC com um

compromisso em relação ao desenvolvimento humano. Isto foi reconhecido na declaração

de Doha, que pedia regras “mais precisas, eficazes e operacionais”. Porém, os países em

desenvolvimento ficaram sob pressão para liberalizar as importações a uma taxa

incompatível com as suas necessidades de desenvolvimento. (PNUD, 2005: 148)

Se a liberalização de importações pode oferecer vantagens para o desenvolvimento

humano, ela deveria ser aplicada de modo sequencial e consistente com as estratégias de

redução da pobreza e os ODM14, com os quais as regras da OMC deveriam estar alinhadas.

(PNUD, 2005: 148)

Efetivamente, fruto de uma proposta adotada em Gleneagles, na Escócia, durante a

cimeira do G8, durante o ano de 2005, os países e instituições do mundo desenvolvido

(Banco Mundial, FMI…) acordaram um perdão da dívida aos países mais endividados.

Também se verificou a redução generalizada das taxas de transação de produtos

comerciais, com exceção dos EUA que mantêm taxas diferenciadas para a importação de

roupas e têxteis de países da Ásia (UN, 2011c).

14 Há cinco anos, no início do novo milénio, os governos de todo o mundo uniram-se para fazer uma promessa notável às vítimas da pobreza em todo o mundo. Reunidos nas Nações Unidas, assinaram a Declaração do Milénio – uma promessa solene de “libertar os nossos semelhantes, homens, mulheres e crianças, das condições abjetas e desumanas da pobreza extrema”. A declaração apresenta uma visão arrojada, firmada num compromisso partilhado com relação aos direitos humanos universais e à justiça social, e apoiada por metas com prazos bem definidos. Essas metas – os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) – incluem a redução da pobreza extrema para metade, diminuição da mortalidade de crianças, provisão de educação para todas as crianças do mundo, redução das doenças infeciosas e a promoção de uma nova parceria mundial para produzir resultados. O prazo para atingir os Objetivos acaba em 2015 (PNUD, 2005: 1)

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Gráfico 2. Net official development assistance from OECD-DAC countries as a proportion of donors’ gross national income to all developing countries and to the least developed countries (LDC’s) 1990-2010 (percentage) (UN, 2011c: 59)

Forty countries are eligible for debt relief under the Heavily Indebted Poor

Countries (HIPC) initiative. Of these, 36 countries have reached the “decision point” stage

in the process and have had future debt payments reduced by $59 billion (in end-2009 net

present value terms); 32 countries that subsequently reached their “completion point” have

received additional assistance of $30 billion (in end-2009 net present value terms). The

debt burdens of countries included in the HIPC initiative are below the average for all

LDCs (UN, 2011c: 62)

Como se não bastasse, e apesar da disfuncionalidade gerada, estes blocos sob uma

atitude aparentemente altruísta que visa melhorar a condição dos perdedores, continuam a

fornecer “ajuda” que (perversamente e de forma enviesada) acaba por beneficiar sobretudo

as suas empresas agregadas.

A ajuda ligada inclui um retorno oculto do contribuinte para empresas do país doador. Esse

retorno deveria ser deduzido da ajuda relatada, juntamente com a componente ligada da

assistência técnica. Toda a ajuda ligada deveria ser suprimida progressivamente, entre 2006

e 2008. (PNUD, 2005: 109-110)

(…) Nem todo o dólar de ajuda tem o mesmo valor no financiamento da redução da

pobreza. Muito do que é relatado como ajuda acaba voltando para os países ricos, uma

parte na forma de subsídios de que beneficiam grandes empresas. Talvez a forma mais

flagrante de minar a eficiência da ajuda seja a prática de ligar as transferências financeiras

à compra de serviços e bens dos países doadores. (PNUD, 2005: 102)

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O secretário-geral adjunto das Nações Unidas para o Desenvolvimento Económico

Jonathan. K. Sundaram tem vindo também a alertar para o facto de o condicionamento de

os países destinatários terem que gastar os montantes da ajuda em projetos e ajuda dos

países doadores, muitas vezes visando a aquisição de serviços e bens sobrevalorizados ou

assistência técnica supérflua. Estes países limitam um real fortalecimento dos orçamentos

nacionais. Por outro lado, o alívio da dívida dos países extremamente pobres são

duplamente computados, distorcendo a estatística da ajuda. Ora como um empréstimo em

condições privilegiadas e novamente, como perdão de dívida.

Por outras palavras, poderíamos dizer que «no que respeita aos países periféricos e

semiperiféricos, as políticas de ajustamento estrutural e de estabilização macroeconómica –

impostas como condição para a renegociação da dívida externa ou para atribuição de

apoios – cobrem um enorme campo de intervenção económica, provocando enorme

turbulência no contrato social nos quadros legais e nas molduras institucionais15 em que a

imposição de normas de alinhamento e participação no mercado mundial dos “vencedores”

se faz, a expensas da desagregação e enfraquecimento do poder do estado local. (…) “O

retraimento do estado, não pode ser obtido senão através da forte intervenção estatal. O

Estado tem de intervir para deixar de intervir, ou seja, tem de regular a sua própria

desregulação” (Santos, 2002a: 45) Se ainda restassem dúvidas acerca do poder arbitrário e

destrutivo da economia liberal sobre o político e o cultural, bastaria olhar com atenção para

este facto. “(…) Os responsáveis políticos desejam doravante que o seu território seja um

porta-aviões capaz de atrair os investimentos directos estrangeiros, e não já o vector de

uma economia social de mercado” (Boyer, cit. in Vindt, 1998: 132).

A reter, devemos salientar neste processo como fator preponderante, o facto de,

através do sucesso do capitalismo mercantil os estados perderem soberania quanto à

capacidade de regular e intervir nos aspetos económicos internos e o facto de o capitalismo

ser na sua essência um processo que tende a contaminar os restantes aspetos da vida social

15 “a liberalização dos mercados; a privatização das indústrias e serviços; a desativação das agências regulatórias e de licenciamento; a desregulação do mercado de trabalho e flexibilização do mercado salarial; a redução e a privatização, pelo menos parcial dos serviços de bem-estar social (privatização dos sistemas de pensões, partilha dos custos dos serviços sociais por parte dos utentes, critérios mais restritos de elegibilidade para prestações de assistência social, expansão do chamado terceiro setor , o setor privado não lucrativo, criação de mercados no interior do próprio Estado, como, por exemplo, a competição mercantil entre hospitais públicos); uma menor preocupação com temas ambientais; as reformas educacionais dirigidas para a formação profissional mais do que para a construção da cidadania, etc.” (Santos, 2002a: 45). “A economia é assim dissocializada, o conceito de consumidor substitui o de cidadão e o critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser a solvência” (Santos, 2002a: 40).

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(política e cultura), para a seguir… prosperar. Em todo este processo em que se fala

sobretudo de lucro e eficiência, não podemos por isso menorizar a perspetiva descrita

anteriormente (no excerto do manual de economia) que descreve a história económica,

como um confronto e um crescente nível de especialização que surgiu ao nível grupal dos

seres recolectores que viviam isoladamente em pequenas comunidades. Este movimento

evoluiu posteriormente a tribos mais numerosas e organizadas, às povoações sedentárias,

às vilas e cidades comerciais, às cidades-estado e aos estados-nação e por último às regiões

macro-económicas e ao planeta no seu todo.

Aqui chegados, podemos estender privilegiadamente o nosso olhar retrospetivo e

reflexivo mais longe, no tempo e no espaço, que qualquer um dos nossos antepassados. E,

ao fazê-lo regressivamente, apercebemo-nos que a história do sucesso visto numa ótica de

lucro e eficiência, reside na existência de desigualdades e níveis de desenvolvimento

díspares. Descobrimos tensões que simultaneamente competem entre si, num cenário

próximo ao sugerido pelo sócio-darwinismo. Por vezes porém, os Estados marginais

ensaiam (a um nível interno/micro/local), a capacidade de coordenação interna para suprir

as vantagens adversárias que vão surgindo em redor16 através de agregados populacionais

concorrentes que emergem a um nível progressivamente mais amplo (macro) (Apêndice 3),

como a expressão de uma vantagem sobre outrem. Sendo que esse outrem, é cada vez mais

entendido numa perspetiva dúplice: a perspetiva do indivíduo que toma perceção não

apenas da sua tribo mas da sua espécie; e também a perspetiva do indivíduo que por se

rever ao nível da espécie se questiona acerca da natureza da sua condição de indivíduo.

É certo que seria reducionista atribuir os êxitos e fracassos da história, à ação

humana, exclusivamente empreendida segundo a atividade económica, desenvolvida como

forma de assegurar o acesso e domínio da escassez de recursos. Contudo, sob o risco de

nos tornarmos naquilo que mais pretendemos evitar, não podemos ignorar o ‘espaço’ que

esta dinâmica representa (hoje como ontem) na definição da(s) sociedade(s)17.

16 Ainda que tal coordenação ocorra num contexto de subalternidade relativamente ao centro do sistema económico global, a preocupação principal destes estados de segunda e terceira linha, é sempre a perspetiva da recuperação e de perseguição dos níveis dos países centrais. Mesmo que para o conseguir tenham que simultaneamente alimentar os adversários que correm à sua frente. O que em termos práticos equivale a dizer que, a manutenção ou a evolução do status quo destes estados, requer muito mais que um mero otimismo funcional pragmático; requer um otimismo teórico transcendente 17 “Os políticos fazem economia e os mercados fazem política, trata-se de uma inversão completa do papel do político e da finança…” (Boyer, cit. in Vindt, 1998: 132).

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A profunda integração global através do comércio não é uma coisa sem precedentes. (…) O

comércio tem sido um dos motores mais potentes na condução da integração global.

(PNUD, 2005: 114)

(...) Os níveis de vida, tanto nos países ricos, como nos pobres, dependem cada vez mais do

comércio. Por detrás da economia complexa, a globalização produz um resultado que é

muito, muito fácil de compreender: a metafísica prosperidade de qualquer país no sistema

de comércio mundial está cada vez mais dependente da prosperidade de outros. É verdade

que a interdependência é assimétrica: os países em desenvolvimento continuam a ser mais

dependentes dos países industrializados como mercados de exportação, do que os países

industrializados estão dos países em desenvolvimento. Mas no mundo globalizado do

princípio do século XXI, as fortunas de todos os países estão a tornar-se inextricavelmente

ligadas. (PNUD, 2005: 114-115)

Neste trilho evolutivo, a noção de identidade amplifica-se gradualmente na

proporção geográfica e no sentido do local para o global, onde a propensão para o

confronto/competição coabita com a propensão para cooperação, sendo que a segunda se

tem vindo a inscrever na dinâmica da primeira. Contudo, a anulação progressiva do espaço

externo desconhecido, torna mais credível a dúvida sobre a real capacidade cooperativa do

espaço interno global e por isso abre caminho a uma noção de cooperação global, como

exigência racional de coesão, mais que uma reação necessária ao empreendimento de uma

atitude beligerante de confronto com o espaço exterior.

1.6. Modernidade (a)pós modernidade

O projeto da modernidade que emergiu do confronto entre a perspetiva

metafísica/divina e a perspetiva antropocêntrica/racionalista, como uma aspiração utópica

totalizante da espécie humana, no sentido de realizar os seus desígnios universais

(liberdade, igualdade e fraternidade), acabou também por forçar uma conceção da

capacidade de projetarmos e reconhecermos a nossa individualidade, naquilo que possui de

positivo e menos positivo. Como a parte e o todo de nós próprios. Para melhor

entendermos este processo reportemo-nos à análise do texto (Anexo 16), segundo o qual a

exaustão do projeto da modernidade se deve, simultaneamente, ao excesso e défice de

cumprimento das suas promessas.

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Finais Séc. XIX - Séc. XX (Déc. 60)

I (apogeu – Anos 20 – Choque petrol.)

REGULAÇÃOREGULAÇÃOREGULAÇÃOREGULAÇÃO

Pricípio do Estado (Hobbes)

Pricípio do Mercado (Locke)

Pricípio da comunidade (Rosseau)

EMANCIPAÇÃOEMANCIPAÇÃOEMANCIPAÇÃOEMANCIPAÇÃO Discurso do

método – Descartes

(razão)

Racionalidade estética-expressiva

Racionalidade cognitivo-experimental

Racionalidade moral-prática

Pilares da Modernidade

Capitalismo

Organizado

Modernismo “well Fare State” Estado de Providência

Fordismo

Capitalismo

desorganizado

O Homem ao serviço do capitalismo

Modernização “work fare” Crise do Est. de Prov.

Pós-Fordismo

Capitalismo

Liberal

Modernidade

Séc. XVI Séc. XVIII (Rev. Industrial)

Séc. XIX (1860/70)

. Surto de Industrialização, mecanização. . Explosão do comércio. . Ciência como força produtiva

. Produção em massa (uniformidade e padronização) . Regulação do Estado.

. Produção em pequenos lotes e aumento da oferta. . Transnacionalização da economia. . Erosão do Estado como regulador. . Desestruturação como nova forma de organização. . Rápida renovação do conhecimento e das tecnologias.

Séc. XX (Déc. 60) - Séc.XXI

… ‘P

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“O paradigma cultural da modernidade constituiu-se antes do modo de produção capitalista se ter tornado dominante. A sua extinção é complexa porque é em parte um processo de superação e em parte um processo de obsolescência. (…) mas que é a nível mais profundo, uma situação de transição. Como todas as transições são simultaneamente semicegas e semi-invisíveis, não é possível nomear adequadamente a presente situação. Por esta razão lhe tem sido dado o nome inadequado de pós-modernidade. Mas à falta de melhor, é um nome autêntico na sua inadequação.” (Santos, 1994: 70)

Projeto sociocultural da modernidade Adapt. esquemática de: “Pela mão de Alice; O Social e o Político na Transição Pós-Moderna.” (Santos, B., 1994: 69 – 99)

Figura 2. Projeto sociocultural da Modernidade. * Análise complementar através da observação da tabela (Anexo 64; Adaptação de Santos, 1994: 69-99).

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(…) a pujança do capitalismo produziu dois efeitos complementares: por um lado esgotou

o projecto da modernidade, por outro lado, fê-lo de tal modo que se alimenta desse

esgotamento e se perpetua nele. O vazio que ele produz é tão global que não pode ser

preenchido no contexto do paradigma da modernidade. Isto explica que a pujança do

capitalismo enquanto sistema económico, corra de par com a fraqueza ideológica de muitos

dos seus princípios e que, quanto maior é esta fraqueza, mais fraco (e não mais forte quanto

seria de prever) é o apelo ideológico dos princípios que se lhe deviam opor, os princípios

do socialismo. (Santos, 1994: 91)

Se pretendêssemos ser algo mordazes poderíamos, metaforicamente, dizer que o

projeto da modernidade foi idealizado como uma cabeça de Jano (mas a três dimensões),

que com o “sucesso” preponderante de uma dessas dimensões sobre as duas restantes,

começou, a não conseguir neste contexto, fazer face à degenerescência que repousa na

latência das insuficiências e contradições. Contudo, mais do que decretar a falibilidade do

paradigma, tentando um substituto de prefixo “pós”, talvez seja prudente reavaliar e

recombinar os ingredientes de acordo com a aprendizagem que colhemos do

desenvolvimento recente acerca do conhecimento da natureza humana e das suas relações

sociais, ao invés de destituir a História humana do seu passado. Assim, como procuraremos

demonstrar mais adiante, pensamos ser possível uma evolução do paradigma da

modernidade através de ajustes conceptuais, mantendo o esteio e conquistas que este

modelo encerra, admitindo de forma determinada os défices e excessos enquanto tal. A

verdade é que podemos trocar de automóvel ou até mesmo de estrada, contudo, é

necessário perceber-se se a anomalia não estará no condutor. E para quê um novo

automóvel ou uma outra estrada se à equação insistirmos retirar o condutor?!

O capitalismo, por assim dizer, capitalizou os domínios da modernidade. Se não

levarmos em linha de conta alguns movimentos de resistência que se vão multiplicando

numa orientação anti-hegemónica18, poderíamos sem grandes receios ir de encontro à

perceção que sugere uma globalização, que denuncia na atualidade a presença quer de uma

economia, quer de uma cultura e de uma política eminentemente orientadas segundo o

rumo e sucesso do capitalismo mercantil. Falamos portanto de uma sociedade de feição

capitalista, com tudo o que isso significa em termos sociais e humanos, no que se refere à

igualdade de direitos e acesso de oportunidades económicas e sociais, equidade e qualidade

de vida. Sobretudo, falamos, na gestão equitativa dos efeitos não desejados, ou 18 Necessária, moderno-reflexiva e “socialista”, como tentaremos argumentar adiante.

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54

externalidades19 (poluição, destruição de habitats naturais, e alarmantes desigualdades e

agravamento do fosso entre os estratos sociais) resultantes de um processo de eficiência em

que os vencedores são cada vez mais definidos antecipadamente. Esta parece ser uma

globalização de perceção paradigmática onde se identifica uma bipolaridade no usufruto

dos bens e recursos, entre incluídos (países centrais) e incluídos por subalternidade (países

semiperiféricos e periféricos). Este modelo carece de um ajustamento de caráter

subparadigmático, mas que tenha como orientação central a perspetiva de Património

Comum da Humanidade, capaz de operar a passagem gradual de uma noção geopolítica

vestefaliana rígida, para uma conceção em que os estados nação se definem como

entrepostos entre o indivíduo (local) e o indivíduo (global); e ao nível institucional entre a

autarquia/região administrativa e a ONU que neste contexto, designaríamos a Organização

das Noções Ubíqua (Apêndice 4).

À medida que a economia saltava as fronteiras dos estados nacionais e estes

perdiam capacidade regulatória sobre a máquina financeira, deixando de ser os atores

centrais na definição das normas e regras da economia interna, tal facto levou a que grande

parte dos países periféricos e semiperiféricos (sob o risco de exclusão) tivessem que aderir

incondicionalmente aos modelos da economia transnacional. Como referimos

anteriormente este processo emana de um núcleo de países vencedores (países centrais).

Neste contexto, um dos aspetos a merecer grande preocupação foi, a transformação das

preocupações com apoio social, darem progressivamente lugar a uma inevitável e crescente

preocupação dos estados em manter uma economia interna eficiente e competitiva, como

condição prévia à perseguição da sustentabilidade económica.

Nesta ótica, o consenso neoliberal acabou por se impor, relegando para as margens

do sistema tudo o que constituísse um entrave ao seu desenvolvimento (Apêndice 5). A

visão do mundo tendia desta forma a enquadrar e legitimar uma abordagem da vida social

segundo a demiurgia capitalista.

19 “Externalidades são: situações em que a produção ou consumo impõem a outras partes custos ou benefícios não compensados. Os bens com externalidades podem ser comparados com os bens económicos normais. As transações de mercado envolvem trocas voluntárias nas quais as pessoas trocam bens por dinheiro. Quando uma empresa usa um recurso apropriável escasso como a terra, o petróleo ou as árvores, compra o bem ao seu proprietário, que é totalmente compensado pelos custos de produção incrementais do bem. Mas muitas interações podem ter lugar fora dos mercados. A empresa A verte um químico tóxico num curso de água e contamina a água a jusante, onde as pessoas pescam ou nadam. A empresa A, que usou a água limpa e escassa sem pagar às pessoas a quem contaminou a água, deu origem a uma desconomia externa” (Samuelson & Nordhaus, 1999: 326). Ainda que o termo apareça associado a um princípio económico, ao longo do texto pretendemos sobretudo evidenciar a relevância deste padrão em contexto social.

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Este rumo foi fortemente impulsionado pela “Ideologia do Ocidente” e pela ideia

supostamente adotada quer pelos pensadores do liberalismo quer do socialismo original – a

ideia de progresso infindável.

Essa visão, indicaria a via do progresso e esse progresso identificava-se com o sentido da

História humana. Este seria, no fim de contas, a progressiva plenitude do homem

construída no tempo, libertando-se de todas as formas de opressão, incluindo as carências

materiais (da “escassez”, afinal a razão da problemática económica, como ensinam os

manuais ortodoxos de Economia). (Murteira, 2003: 159)

Contudo, o que na realidade escapou na teleologia ideológica, foi justamente uma

conceção holística dos efeitos do progresso em termos globais. Poderíamos dizer que as

ideologias liberal e socialista, quer na sua génese, quer em tempos póstumos, ignoraram,

não apenas as premissas demográficas Malthusianas, mas também o aprofundamento

crescente do fosso das desigualdades de níveis de qualidade de vida, e sobretudo

negligenciaram a escassez/esgotamento/finitude/destruição dos recursos naturais. Talvez

na altura, por não existir uma conceção global tão informada reflexivamente, seria legítimo

projetar o futuro apostando na capacidade regeneradora da natureza e dos seus recursos,

que à luz dos ciclos de Juglar20 se alternariam garantindo o equilíbrio. Hoje, sabemo-lo

impraticável em termos políticos e sociais. O progresso cimentado numa racionalidade

moral prática e num modelo de mercado conduziu a uma superação dos limites da

natureza e a uma forte institucionalização das assimetrias riqueza/pobreza).

20 Clément Juglar foi um médico francês do Séc. XIX que baseando-se na alternância de estados febris e da sua recuperação como dinâmicas necessárias à manutenção do equilíbrio natural, difundiu para o campo económico e social a ideia de alternância entre momentos de crise e de prosperidade (Les crises comerciales et leur retour périodique en France, Angleterre et aux Etats- Units, 1962) . Hoje esta teoria é conhecida como os ciclos curtos de Juglar, à qual Shumpeter associaria em 1939 a teoria de ciclos longos, os ciclos de Kondratief, inscrevendo a tendência de em cada ciclo de Kondratief, a ocorrência de seis ciclos de Juglar. “Marx analisa as crises como estando estruturalmente associadas ao capitalismo: o capitalista, condenado ao crescimento para contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro (devido ao aumento de capital imobilizado em máquinas), comprime os salários para preservar a mais valia, o que reduz a procura. Deste modo, a crise combina o subconsumo e a super produção. A fuga para a frente em direção a uma produção com novos meios técnicos e cada vez mais alargada mais não faz do que aumentar o ritmo das crises e a sua amplitude” (Vindt, 1998: 62). A grande falha de Marx, a não ser que se venha a operar no curto prazo a colonização humana de novos planetas ou a emergência aplicativa de alternativas ecológicas que sustentem o progresso sem fim numa sociedade socialista de tipo global, terá sido o facto de também se ter revisto nessa dinâmica que, na altura, não contemporizava os efeitos devastadores da destruição e consequente escassez dos recursos naturais. Para Marx, a ótica era sobretudo política e económica. Substituindo o capitalismo pelo socialismo, bastaria para garantir o progresso gradual e interminável fazendo face a todas limitações e coerções materiais da vida. Assim não foi; assim não é. Contudo, o seu tempo profético poderá, ao bom jeito pós-moderno (na perspetiva artística do revivalismo), retornar através de uma recuperação atual mais informada de um modelo renovado que inclua estas preocupações elementares na atualidade.

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Em seguida abordaremos de forma sintetizada as duas perspetivas que tentam

enquadrar politicamente a inevitabilidade e responsabilidade de lidar com as assimetrias.

Posteriormente faremos também uma análise crítica da teleologia da ideia do progresso

sem fim, de um ponto de vista da ecologia.

1.7. Riqueza & pobreza

Existem duas perspetivas que se têm vindo a confrontar, norteando as políticas de

“pobreza das nações”21; ou se quisermos, em termos globais.

Uma delas sustenta que a pobreza deriva do comportamento individual mal adaptado,

comportamento que é da responsabilidade dos indivíduos e que será alterado

adequadamente por eles mesmos. (…)22 O governo deve proceder a cortes nos programas

sociais, de modo a que as pessoas desenvolvam os seus próprios recursos. (Samuelson &

Nordhaus, 1999: 358)

Uma outra perspetiva advoga que aquilo que os críticos da distribuição de fundos

do estado chamam “custos”, são na realidade um investimento. Nesta perspetiva

a pobreza tem raízes na deficiente alimentação desde os primeiros dias, nas famílias

destroçadas, na inexistência do hábito de leitura em casa, numa fraca educação e na falta de

formação profissional. A pobreza gera pobreza; o círculo vicioso da má alimentação, da

fraca educação, da dependência da droga, da baixa produtividade e de rendimentos

reduzidos origina uma nova geração de famílias pobres. (Samuelson & Nordhaus, 1999:

355)

21 “Adam Smith traído” – “Os proponentes do liberalismo económico – isto é, capitalismo de mercado livre – gostam de fazer crer que a sua proposta é de um sistema económico criado com o fim de satisfazer as necessidades económicas não de monopólios mas de toda a gente. Neste aspeto, invocam como seu principal chefe teórico Adam Smith e o seu livro The Wealth of Nations. Publicado pela primeira vez em 1776, The Wealth of Nations apresentava uma crítica radical face aos monopólios de aos governos e estado. Smith demonstrou como os modos como o apoio do estado e o protecionismo tendem a distorcer os mecanismos de autocorreção de um mercado competitivo englobando pequenos compradores e vendedores. Aquilo que os liberalistas económicos de hoje se esquecem de dizer é que o sistema económico que eles estão a criar em nome de Smith é muito mais semelhante ao sistema monopolista de mercado que ele condenou do que ao sistema teórico de mercado competitivo que ele apresentava como hipótese de proporcionar uma repartição otimizada dos recursos da sociedade” (Korten, 1996a: 199). 22 “nos séculos passados os apologistas do Laissez-faire sustentavam que os pobres eram indolentes, preguiçosos e bêbados” (…) (Samuelson & Nordhaus, 1999: 358).

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Desta forma consideram que

os programas que proporcionam cuidados de saúde e alimentação adequada para as

famílias pobres aumentarão a produtividade e a eficiência, em vez de reduzirem o produto.

Ao quebrar o ciclo vicioso da pobreza, no presente, estaremos a aumentar as qualificações,

o capital humano e a produtividade no futuro das crianças pobres. (Samuelson & Nordhaus,

1999: 355)

A fome é, na realidade, a pior de todas as armas de destruição maciça, fazendo milhares de

vítimas todos os anos. Combater a fome e a pobreza e promover o desenvolvimento é o

modo verdadeiramente sustentável de alcançar a paz mundial… Não haverá paz sem

desenvolvimento e não haverá paz nem desenvolvimento sem justiça social. (PNUD, 2005:

73)

À partida, ambas as perspetivas aparentam argumentos válidos.

Uma defendendo os cortes dos gastos com as despesas de redistribuição em nome

de um aumento de eficiência na economia nacional. Aqui domina o princípio do laissez-

faire, que de um ponto de vista económico, tende a privilegiar a maximização do lucro e da

eficiência com vista ao reforço da economia e da sua lógica de mercado. Segundo este

ponto de vista a compressão das despesas de redistribuição da riqueza (ao jeito do modelo

assistencialista do estado de providência), deve acautelar o desincentivo ao trabalho e a

“subsídiodependência”, contribuindo desta forma contra a sua inércia produzida na

economia.

Uma outra, perspetiva defende que esses custos são na realidade “investimento”,

pois a riqueza de um povo não deve medir-se apenas no sentido da eficiência do lucro, mas

sobretudo na eficiência em termos de qualidade de vida, entendendo-se aqui uma maior

preocupação com a noção de equilíbrio, de inclusão e equidade social.

Os adeptos do neoliberalismo poderiam argumentar que

a experiência dos países socialistas exemplifica como as tentativas de igualar os

rendimentos com a expropriação dos ricos pode acabar por prejudicar todos (…) Por volta

de 1990, as comparações dos padrões de vida no Leste e no Ocidente convenceram muitos

países de que a propriedade privada das empresas beneficiaria os padrões de vida tanto dos

trabalhadores como dos capitalistas. (Samuelson & Nordhaus, 1999: 355)

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Por sua vez, os apologistas do socialismo argumentariam, que numa perspetiva

global, o modelo neoliberal também gera ineficiências, como sejam o aumento das

desigualdades entre regiões/países/pessoas e sobretudo a destruição progressiva em termos

de ecologia e biodiversidade que não afetam apenas os trabalhadores, mas… todos (Anexo

17; Anexo 18).

“Hipocrisia e padrões duplos não são bases fortes para um sistema multilateral

baseado em regras” (PNUD, 2005: 113).

“Até os leões têm os seus historiadores” – diz um provérbio africano – “As estórias

de caça glorificarão sempre o caçador.” O mesmo é verdadeiro em relação Às

estórias sobre o comércio internacional. Para os entusiastas da globalização, a

rápida expansão do comércio mundial nas últimas duas décadas tem sido uma

perfeita bênção, nomeadamente para os pobres de todo o mundo. A realidade é

mais prosaica. Mais comércio proporciona enormes oportunidades para o

desenvolvimento humano. Nas condições correctas, tem potencial para reduzir a

pobreza, diminuir a desigualdade e vencer a injustiça económica. Para muitos dos

países mais pobres do mundo, e para milhões de pessoas pobres, esta condições

ainda têm de ser criadas. (PNUD, 2005: 113)

Gráfico 3. Progressos pós-Monterrey em direção à meta da APD (Apoio ao Desenvolvimento). (PNUD, 2005:87). (Ver Anexo 18)

Temos por conseguinte, que não obstante a algumas iniciativas no âmbito da

cooperação, a desigualdade no acesso e na redistribuição da riqueza enquadra-se na

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dinâmica exploratória de subordinação que o centro do sistema considera essencial, para a

sua existência enquanto tal.

Embora se possam discernir linhas de inteligibilidade em ambas as perspetivas

pensamos ser necessário assumir-se como possibilidade o diálogo e a coabitação em

oposição a uma dialética alternada entre extremos inconciliáveis.

Provavelmente, as questões económicas relacionadas com o emprego e a segurança

social, sejam sentidas com maior intensidade, ou de uma forma mais direta, na vida das

pessoas. Contudo as questões ambientais, das quais progressivamente vamos tomando

conhecimento em termos planetários, obriga a alguma reflexão, não apenas a nível interno

do estado-nação, mas também (sobretudo) a nível externo.

Temos de combater a pobreza com um vasto plano de educação primária e serviços básicos

de saúde nos países pobres. No total, é apenas um sexto do orçamento militar mundial (161

milhões de dólares por ano). Este é o verdadeiro orçamento de defesa, pois é através dele

que garantiremos a segurança, e não através de armamento de alta tecnologia. As

verdadeiras ameaças à civilização, nos nossos dias, são a pobreza, a demografia e as

alterações climáticas, tal como outras questões ambientais. (Brown,23 2007: 9).

1.8. (Eco)nomia & (eco)lógia

“A tarefa de protecção do ambiente na Terra deverá tornar-se e tornar-se-á o

princípio organizador central do mundo pós-guerra fria.” (Samuelson & Nordhaus, 1999:

330).

Tê-lo-á sido?! Sê-lo-á no futuro?!...

Como temos vindo a observar, a eficiência em termos económicos, ao nível interno

de um estado, tenta suprimir todos os campos que bloqueiem a escalada e progressão da

lógica económica capitalista. Este facto parece derivar mais da incapacidade de esses

estados contrariarem os efeitos indesejados, que de uma vontade expressa de adesão às

23 Lester Russel Brown, nascido em 1934 (E.U.A.) é um analista ambiental. Escreveu vários livros sobre questões ambientais globais, em particular “Plano B 2.0: Resgatando um Planeta sob Stress e Uma Civilização em Apuros” (2006). É o fundador do Instituto WorldWatch e fundador e presidente do Instituto de Políticas para a Terra. Uma organização de pesquisa sem fins lucrativos.

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virtudes do capitalismo – como atrás referimos, na maioria das vezes (sobretudo nos países

periféricos e semiperiféricos) trata-se de “inclusões subalternas”.

Um aspeto crítico desta realidade, é a análise do impacto ambiental dos ritmos e

técnicas de produção das sociedades atuais. Como tentaremos verificar adiante, os custos

ambientais assumem, ou são assumidos, como realidades distintas se entendidos a um nível

interno ou externo. A verdade é que, se perspetivada a um nível interno, a sensibilidade

ambiental terá que obrigatoriamente levar em linha de conta a eficiência económica e o

impacto que a eficiência ambiental representa nesse processo. Se entendida em termos

externos, ou numa dimensão global, a questão ambiental é então considerada como um

direito universal ao uso e partilha do património natural comum, e concomitantemente,

como o dever universal de o preservar (Anexo 19). O que normalmente nos remete para o

aforismo “Quem vier atrás que feche a porta…” Sendo que atrás, na perspetiva económica,

se encontra a semiperiferia e a periferia do sistema. No entanto, e a menos que

colonizemos um novo planeta24, as condições de sobrevivência no médio-prazo serão

exíguas em termos de pressão ecológica.

Primeiro que tudo devemos salientar o facto de qualquer nível de poluição ser

socialmente indesejável pelos efeitos indesejados que geram (externalidades). Por outro

lado não se pode ignorar que o nível de progresso atual tornaria impensável qualquer

medida que almejasse, a manutenção dos padrões de produção sem externalidades em

termos de poluição, ou poluição nula. Gerir e posicionar-se perante estas duas abordagens

parece então o desafio a ter em conta na análise das vantagens e custos do progresso.

…Tal como os indivíduos consideram racional sacrificar um pouco do rendimento no

presente para pagar detectores de incêndio que diminuam a probabilidade de um incêndio

devastador, assim as sociedades consideram prudente sacrificar parte do seu rendimento

nacional no presente para reduzir a probabilidade de um aquecimento global catastrófico

nos próximos séculos. (Samuelson & Nordhaus, 1999: 339)

O gráfico seguinte tenta explicar que numa economia de mercado, existe uma

forma de calcular o nível ideal de despoluição, apresentando a “emissão zero” ou a

“poluição nula” como fator gerador ineficiências económicas ao nível do mercado. Tenta

sobretudo fundamentar a ideia de que é inevitável existir algum nível de poluição, o nível

24 Ainda que se venham aventando hipóteses e experiências de colonização do espaço externo por enquanto parecemos estar confinados a um “pálido ponto azul” (Lorddracon, 2008).

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de “poluição eficiente” (E)25. Subentende-se aqui que as políticas de proteção ambiental,

não devem contudo deixar de ter em linha de conta a eficiência da máquina financeira

nacional.

Neste ponto porém, não significa que a poluição produzida, não tenha impacto

sobre a qualidade de vida das populações, significa contudo que mesmo pagando a (%) da

fatura da despoluição, é possível manter, numa perspetiva económica interna, os níveis de

competitividade com o exterior. As políticas de proteção ambiental dos estados, embora

cada vez mais sensíveis ao problema, acabam por fazer depender a gestão de um problema

que é universal, de diferentes interpretações e medidas de atuação, tendo por base a

posição estratégica que esse estado ocupa no xadrez do mercado financeiro global. A

resposta necessária salda-se assim por tímidas medidas paliativas - diferentes respostas,

dadas por diferentes atores.

Gráfico 4. Ilustração da política de análise custo-benefício que pretende definir os níveis eficientes de poluição, ou se quisermos, análise da ineficiência das externalidades (Samuelson & Nordhaus, 1999: 335).

O benefício social marginal de uma menor poluição (BSM) pode ser analisado pela

área total abaixo da linha BSM, uma vez que (para este exemplo dado) 400 unidades de

despoluição equivalem a um nível de poluição zero. Temos ainda que ISE representa os

ganhos com a remoção eficiente de poluentes. E EZB representa uma abordagem de risco

nulo.

25 Estes níveis eficientes de poluição são calculados e fixados pelo estado de acordo com os critérios considerados como tópicos de (BSM) e de (CMa), sendo que o nível de eficiência é indicado pela interseção das linhas (BSM) e (CMa).

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O custo marginal de despoluição (CMa) pode ser analisado pela área total acima da

linha CMa e representa os custos dispendidos (normalmente pelas empresas produtoras)

em despoluição. Por sua vez o benefício privado marginal (BPM) é o benefício privado

marginal de despoluição para o despoluidor. O ponto (I) tenta ilustrar uma situação de

mercado desregulado. O BSM fica assim dependente da interpretação do poluidor acerca

do que se entende por ponto eficiente de poluição (E). Afinal o CMa depende de tecnologia

e meios de despoluição e de uma gestão de produto final que custam dinheiro à empresa.

Assim, despoluir pode até trazer vantagens ao poluidor, que irá ponderar, não só às metas e

restrições impostas pelo governo, mas também os incentivos oferecidos para este fim.

Os problema ambientais decorrem de externalidades que derivam da produção e do

consumo. Uma economia de mercado não regulamentada produzirá demasiada poluição e

insuficiente despoluição (e outros bens públicos) pela comparação dos benefícios privados

marginais com os custos privados marginais. A eficiência exige que os benefícios sociais

marginais sejam iguais aos custos sociais marginais de despoluição. (Samuelson &

Nordhaus, 1999: 340)

Mas, só até certo ponto. A partir daí o processo de despoluição não é viável.

Deve na interpretação deste gráfico, atender-se ao facto que este tipo de políticas de

análise custo-benefício levantar algumas questões.

Em primeiro lugar, este tipo de abordagem tem uma definição e uma expressão na

relação custo-benefício de acordo com as políticas internas de cada espaço geográfico a

que respeitam. E nesse sentido adquire uma dupla finalidade: a de permitir ao governo

“equilibrar e conciliar” o fator social (se entendermos a ausência de poluição como um

bem público que potencia a qualidade de vida), com o fator produtivo económico (informar

as empresas acerca das restrições impostas, e consequentemente das possibilidades (lucro)

de desenvolver a sua atividade nesse determinado local). Neste contexto, e atendendo à

transnacionalização crescente da economia, ao fortalecimento da atividade das empresas

multinacionais e a um clima de não fiscalidade e controlo por parte dos organismos

internacionais26, convém alertar para os efeitos que este tipo de abordagem pode

desenvolver, se não mesmo dissimular. O nível de produção dos países centrais não é igual

ao dos países periféricos e semiperiféricos. Por essa razão, para além de nesses países,

26 Referimo-nos a instituições com legitimidade política internacional. O controlo sobre esta temática, é sobretudo empreendido por instituições/fundações privadas (Ex: Green Peace; World Wild Foundation, etc.), embora ultimamente venha a notar-se um maior envolvimento e visibilidade da ONU neste contexto.

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muitas vezes não se cumprirem as normas de poluição consideradas razoáveis (Anexo 20),

consegue deslocar-se unidades de produção para países onde a ambição pelo

desenvolvimento, a existência de elites governamentais corruptas; ou simplesmente, a

obrigação de saldar dívidas e empréstimos anteriores para com esses países, se efetuam a

expensas do sacrifício de uma qualidade ambiental local/global. Referimo-nos à

exportação de resíduos tóxicos, à permissão e localização de empresas estrangeiras

altamente poluentes em territórios de países dependentes que tentam desesperadamente

escapar à “margem”, bem como à exportação de tecnologias obsoletas que por serem mais

baratas, constituem o parque industrial de muitos desses países marginais.

Mas não apenas nos referimos à exportação dos efeitos indesejáveis (que de uma

forma ou de outra acabam por retornar), mas também à atitude irresponsável dos países

que, bem no centro do sistema/civilização se escusam a cumprir os acordos internacionais

neste contexto. Ora se “o capitão é sempre o último a abandonar o barco”, isto poderá

indiciar a necessidade de, neste âmbito, se reavaliar a hierarquia…

A noção de “custo” e de “benefício” é de alguma forma corrompida por um

processo económico globalmente estratificado e desigual que lhe subjaz. O que leva a que

esta análise não seja possível de efetuar a nível global, ainda que os efeitos reais resultantes

da poluição localizada, venha progressivamente a adquirir essa dimensão.

Se considerarmos o princípio implícito na abordagem custo-benefício, de que uma

situação de ausência de poluição gera ineficiência económica, uma vez que seria

demasiado rígido para com as empresas levando-as a deslocar-se para outras paragens em

busca de condições mais rentáveis (menos regulação e regulação menos restritiva); ou num

contexto em que se argumenta que nos benefícios sociais marginais se incluem também o

consumo e utilização de produto resultante da poluição, seria lúcido tentar compreender

que a poluição não é de todo atendida na sua dimensão e impacto negativo, mas gerida

localmente pelos imperativos políticos e económicos que privilegia os países que melhor se

encontram para negociar e impor as condições de produção e de poluição.

Os políticos fazem economia e os mercados fazem política, trata-se de uma inversão

completa do papel do político e da finança. (...)

A concorrência entre nações não se rege de todo pelos mesmos processos de concorrência

entre firmas, nem que seja porque os países mais poderosos, têm tendência para mudar as

regras do jogo, favorecendo o tipo de regulação que os caracteriza. Se um país dominante

perde o futebol, porque não passar para o basebol? (Boyer, cit. in Vindt, 1998: 132)

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Se por exemplo num país central os custos de produção (CMa) exigidos por

tonelada de poluição são de 40 000€ por tonelada de poluição, para um benefício social de

250 toneladas de despoluição, num total de 400 t produzidas; então, a empresa tenderá a

deslocar os setores poluentes de produção para soluções de mercado mais rentáveis.

Procuraria, obviamente, um território (na área semiperiférica ou periférica) de preferência

devedor, com necessidade urgente de gerar postos de trabalho, com mão de obra mais

barata e onde as preocupações com (BSM) e (CMa) são bastante permissivas e flexíveis

(atrativas para o produtor-poluidor). Acaba por estabelecer-se (muitas vezes com o

patrocínio de instituições como o FMI ou a OMC) um acordo entre uma empresa/estado,

exportando-se as linhas de produção para situações económicas mais eficientes (mas

igualmente poluentes) e um outro estado dependente, onde o nível de poluição acaba por

ser acessório, se isso conseguir no imediato responder a problemas de alimentação,

desemprego, saúde, subdesenvolvimento que os distanciam no Índice do Desenvolvimento

Humano das Nações Unidas.

O nível dependente e subalterno destes países da periferia, facilita a negociação e

aceitação das condições estabelecidas. Ambos têm um conceito de custo tal como de

benefício, distinto, mas ainda assim legitimado segundo uma lógica que visa a eficiência

económica num espaço desregulamentado de ninguém, que é a pan-economia de mercado.

Falamos das questões ambientais, devido ao papel inabalável que este fator assume

no presente e projetivamente irá assumir no futuro, na reformulação do sistema capitalista

de produção. Mas poderíamos certamente aplicar o mesmo gráfico a outras externalidades

que, acabam por significar crescente dependência. Referimo-nos por exemplo, aos apoios

sociais e à precariedade de vida que a deslocalização ou relocalização de empresas

transnacionais impõe, aos trabalhadores, às indemnizações que ficam por atribuir por

danos de saúde ou ambientais27 a médio ou longo prazo, e alteração dos hábitos e costumes

locais, substituindo-os pela normatividade consumista.

É evidente que a economia de mercado se movimenta e se desenvolve melhor em

áreas desreguladas. Por isso afigura-se como necessário eliminar as áreas de soberania

incerta/subalterna, tornando esse espaço global, sob tutela de uma versão reformulada,

mais universalista (olímpica) da ONU, que poderia assim cadastrar e responsabilizar, mas

27 Relato sobre o efeito bola de neve que a alteração climática provoca no ecossistema global e os efeitos nocivos para a espécie humana. (Grupo de Trabalho de Harvard sobre Doenças Novas e Ressurgentes, 1996; Mander & Goldsmith, 1996: 181-182).

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sobretudo regular em termos de normas e níveis de produção visando uma aproximação

com base em indicadores de qualidade de vida (IDH/IPG) (Anexo 21) contrariando a

definição do direito universal à qualidade de vida em termos de quem possui maior índice

de eficiência-lucro, mais poder militar, ou uma situação privilegiada nas negociações.

Uma reforma deste órgão internacional deveria assim reunir uma série de requisitos

para poder intervir como reguladora do mercado e da sociedade global (Apêndice 6).

Contudo o futuro afigura a necessidade uma nova roupagem mais representativa das

vontades e participação dos diversos países membros. Existem novos velhos problemas

que apenas são percecionados após o seu uso e propagação, dos quais temos vindo a tomar

consciência que nos levam a questionar a capacidade de resposta e de regeneração do

planeta ao ritmo de consumo imposto pelo homem (Anexo 22).

O monstro pode ser domesticado dado que o que os seres humanos criaram pode sempre

ser submetido ao seu controlo. O capitalismo seria simplesmente, uma maneira irracional

de governar o mundo, uma vez que substitui a satisfação controlada das necessidades

humanas pelos caprichos do mercado. (Giddens, 1996: 97)

A alternativa económica eficiente (numa ótica de economia de subsistência) em

termos ambientais reside, também em nosso entender, na procura de soluções de produção

não poluentes através do recurso a tecnologias não poluentes, a eficiência energética e o

controlo sobre a desmatação das florestas (que absorvem o CO2), mas sobretudo numa

mudança das consciências e hábitos através de programas educativos promovidos e

suportados por políticas e práticas governamentais coerentes. Talvez por isso, apesar de

tudo, se possa olhar com algum otimismo a remota (mas ainda assim viável) superação das

previsões mais sombrias da “ciência triste” de Thomas Malthus28. Contudo, a grande

questão a privilegiar no futuro seria uma normatização e emergência universal de uma

conceção de mercado balizado e fundamentado por princípios de sustentabilidade. A

adoção de um “padrão poluição”, que ganhe autonomia face ao padrão económico, e limite

a exportação de poluição (Apêndice 7) numa lógica de escada em que se estratifica o nível

28 É também desejável admitir-se a necessidade de, num contexto global se ponderarem a exponencialidade do número de efetivos da população mundial em função de uma noção de sustentabilidade sistémica. Neste contexto, as políticas natalistas ou antinatalistas deverão também constituir uma preocupação concertada de caráter humanitário e humanista com base numa dialética inteligível a ponderar e implementar pela ONU e por cada um dos seus membros.

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de desenvolvimento humano, mas se globaliza, de uma forma direta ou indireta, a poluição

produzida localmente29.

A geometria política e económica terá de adequar-se a um nível tão amplo, que

consigam definir o ponto de poluição eficiente (E) em termos absolutos, a partir de uma

base equitativa em termos custo-benefício global, em todas as dimensões de uma desejável

geometria da poluição.

Por fim brindemos duas vezes à economia de mercado, mas não três. O último brinde, é

reservado para o dia em que todos tenham oportunidade de possuir um bom emprego, uma

casa adequada e um ambiente saudável. Esses são objectivos meritórios para a ciência

económica e para os economistas nos próximos 50 anos! (Samuelson & Nordhaus, 1999:

736)

Muito antes de se começarem a vislumbrar quaisquer limites “naturais” ao

crescimento económico, pelo esgotamento dos recursos não renováveis ou pelas alterações

climáticas, Keynes sugeriu que deveriam existir limites “morais” ao crescimento, baseado

numa compreensão adequada dos propósitos e do papel dos motivos económicos e do

crescimento económico na concretização desses propósitos (Skidelski, 2010: 190)

Destruímos a beleza do campo porque os esplendores inapropriados da natureza não

possuem valor económico. Somos capazes de apagar o brilho do Sol e das estrelas porque

não nos trazem dividendos. (Skidelski, 2010: 202)

A “força legal” em detrimento do “juridicamente vinculativo” que decorreu da

Cimeira de Durban (2011) embora parecendo uma mera questão semântica, revela que, no

essencial, urge uma aposta forte na educação (Formal/Não formal/Informal), no sentido de

esclarecer e dotar as gerações futuras de um sentimento de identidade e pertença

planetário. Não tanto pelo lado da “força” (desvinculada) mas pelo lado de uma jurisdição

da razão discursiva, mobilizadoramente “vinculativa”.

29 “Os cientistas levantam o espectro da mudança das correntes marítimas que farão com que o clima da Europa seja igual ao do Alasca, o espectro de uma seca continental que transformará campos cerealíferos em desertos, dos grandes rios que secarão ao mesmo tempo que as massas de gelo desaparecerão, das regiões de baixa altitude, o espectro do desencadear de novas tempestades que empurrarão populações inteiras das regiões de baixa altitude, o espectro de migração de antigas e novas pragas e doenças dizimando as zonas temperadas e a imigração induzida pelo ambiente, levando as pessoas a desrespeitar as fronteiras em busca de terra para viver” (Samuelson & Nordhaus, 1999: 339).

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Figura 3. Mikhail Zlatkovsky (s/título). O crescimento pelo crescimento é a ideologia das células cancerígenas. Edward Abbey (Samuelson & Nordhaus, 1999: 322).

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CAPÍTULO II: A ERA GLOBALIZAÇÃO

REGRESSÃO PROGRESSIVA E PROGRESSÃO REGRESSIVA: AS MIGRAÇÕES

PLANETÁRIAS. O INDIVÍDUO COMO MEDIADOR ENTRE CULTURA

UNIVERSAL E SUB-CULTURAS – MULTI-INDIVIDUALISMO

2.1. Antes de ser...

O termo globalização, hoje banalizado entre nós, assume as mais diversas

interpretações, e, ainda que subsistam dúvidas quanto à sua “substância”, ele é

incessantemente utilizado, suportando esse seu peso quase que metafísico - inevitabilidade.

…pode ser que a globalização, bem se pode suspeitar, tenha sido mais o sucesso da

globalização da ideia de globalização do que a própria globalização – se atendermos aos

indicadores de desigualdade no mundo, podemos adivinhar que esta partição do planeta

conduz a uma não-globalização (…), mas é só uma suspeita; (…) pensar a globalização é

discutir os futuros do presente. (Louçã, cit. in Murteira, 2003: 9)

O que é a globalização? A globalização existe?!

Figura 4. Globalição (Imagem adaptada) (Estrada & Siné, 1975).

Esta é uma versão da velha distinção entre “libertação de” e “liberdade para”, mas a “liberdade para” tem de ser desenvolvida à luz de um enquadramento de realismo utópico. (Giddens, 1996: 111)

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Para alguns, por exemplo radicais leitores de Le Monde Diplomatique, «globalização»

sugere o mal absoluto; para outros, por exemplo liberais leitores de The Economist, a

mesma palavra poderá prometer possíveis e inesgotáveis felicidades para o género humano.

Como seria de esperar, os primeiros contam-se entre os que se consideram excluídos, pelo

menos marginalizados, nas economias e sociedades actuais ou entre os que, de qualquer

forma, julgam necessário escutar aqueles que falam em nome daqueles; e os segundos são

os privilegiados nessas economias e sociedades, embora porventura considerando que isso

é apenas o justo prémio dos seus próprios méritos. (Murteira, 2003: 21-22)

Estas são as bivalências frequentes que percorrem a atualidade, talvez motivadas

pelo uso indiscriminado do termo. Não obstante da ideia dinâmica implícita na palavra

sugerir um processo de afunilamento da diversidade no sentido da homogeneização,

convirá referir que a este respeito existem vários diagnósticos e vários vaticínios; pelo que

a análise que se segue, assume na perspetiva mais otimista, um lugar entre a diversidade de

profanas e discutíveis certezas sensíveis.

Figura 5. Dimensões da globalização sugeridas por Anthony Giddens (Giddens, 1996: 50).

O mais interessante para nós, é o facto de o uso indiscriminado do termo ter

potenciado a procura da resolução dos problemas semânticos associados ao conceito -

globalização; justamente pela via da globalização. Queremos com isto dizer que, a

massificação do termo que migra do contexto académico (revestido de controvérsia)

(Anexo 23) para o “senso comum”, por via do impulso dos meios de comunicação de

massa, desencadeia uma necessidade de compreensão individual do fenómeno à escala da

dita globalização (globo terrestre). Ainda que não existindo, ou estando confinado à

metáfora sectorial dos analistas e críticos sociais, o significado do termo foi aculturando

progressivamente todas as realidades, que de forma mais ou menos arbitrária a si se foram

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associando. Assim se reinventaram velhos dilemas e discussões que em última análise

opõem o indivíduo ao cidadão, local ao global, o centro à periferia (sujeito-sociedade), na

medida em que obriga o sujeito a buscar uma interpretação do conceito, num duplo sentido

em que confronta a diversidade e a unidade30; ou, tendência para a homogeneidade,

simultânea à descoberta e proclamação da heterogeneidade.

Tal como na metáfora da floresta vulgarmente utilizada para precisar o sentido do

todo em relação às partes que o constituem, também em termos de globalização, a perceção

crescente do quão interdependentes enquanto espécie somos, no contexto global, reforça a

dimensão ‘absoluta’ da globalização como um todo, único e integrado. Slogans como

Aldeia Global (Marshal McLuhan, 1964), tentam justamente dar conta desta ideia de

contração. Porém, esta perceção coabita, senão mesmo rivaliza, com o sentimento de que

cultura global, não existe senão, como expressão das “multiculturas” que a constituem, ou,

por outras palavras, da forma como os fatores económicos, políticos, religiosos, jurídicos,

tecnológicos(...) se combinam (Anexo 24) em cada local.

O que provavelmente nos emancipa relativamente à metáfora da “floresta” é a

capacidade de nos movermos, nos deslocarmos crítica e inventivamente no sentido da

procura da satisfação das necessidades individuais; a mobilidade no encalço da

oportunidade, da luz sobre as dúvidas, dos interesses e paixões. E neste aspeto, sem nunca

esquecer as ditas “sociedades tradicionais” (Anexo 25), não podemos descurar a realidade

global percecionada enquanto ícone de uma ideia vaga de globalização, bem como, os

vários locais que a constituem e para ela concorrem. E aqui, não obstante a todas as

sensibilidades e inflexões aprofundadas, levadas a cabo pelos mais esclarecidos autores, o

que verificamos é uma tendência migratória crescente, de sul para norte e de leste para

oeste; dos países periféricos e semiperiféricos em direção aos países centrais. “(…) Muitas

pessoas partiram para longe em busca de melhores condições de vida, assim abrindo vias

de contacto e um canal de remessas monetárias que foram decisivas em muitas histórias

económicas nacionais” (Neves, 2004: 115).

30 Waters (1999: 41), subscrevendo Robertson (1992: 25-31), refere que “A globalização, enquanto manifestação de uma perceção holística que é própria do século XX, envolve a relativização dos pontos de referência nacionais e individuais perante os de natureza geral ou supranacional. Isto implica, pois, o estabelecimento de ligações culturais, sociais e fenomenológicas entre quatro elementos”. Que constituem o “campo global”:

(1) o próprio indivíduo (1-2-3-4) (2) a sociedade nacional (2-1-3-4) (3) o sistema internacional de sociedades (3-2-1-4)

(4) a humanidade em geral (4-1-2-3).

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Quadro 1. População estrangeira no mundo (Neves, 2004: 115).

Os acordos comerciais GATT 1947 e WTO 1995, fortaleceram o caráter inevitável

da globalização; pois abriram caminho à globalização do consumo promovida por uma

industria multinacional agressiva assente na ideologia económica do modelo neoliberal e

dominada/gerida a partir dos “países centrais”.

Quadro 2. Exportações mundiais (Neves, 2004: 112).

Este exercício, motivado pela facilitação do acesso à informação, através dos média

e das novas tecnologias da informação, trouxe uma perceção crescente de que, embora

vivendo num mesmo planeta, somos diferentes na capacidade de conceber e experimentar

a homogeneidade. Agora, tornara-se possível, não apenas conhecer os nossos vizinhos,

como também sabermos quantitativa e qualitativamente comparar, refletir e relativizar os

padrões de desenvolvimento, tornando evidentes as discrepâncias e sobretudo as (inter)

dependências.

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Quadro 3. A situação económica mundial em 2001 (Neves, 2004: 134).

O lema iluminista: liberdade, igualdade e fraternidade que sustenta o paradigma

social da modernidade, remete-nos na melhor das hipóteses, a considerar, que esta

realidade adquire hoje, outros contornos quando analisada em termos globais.

Os nómadas sarianos, os camponeses dos Altos Andes, os negros da floresta africana, que

até então viviam numa situação considerada como imutável, passaram a saber o que se

passava para lá do seu horizonte familiar. Por isso, a injustiça passou a ser sentida como

insuportável e os explorados insurgiram-se contra o explorador, muitas vezes por meios

violentos. Hoje, todos os povos querem ter um mínimo de conforto, de segurança de saúde,

de instrução… e de liberdade. (Ruffié, 1982: 123)

Serão os ideais de então, válidos para os dias de hoje? “pós-modernidade”!? O que

falhou??

A melhoria no acesso à informação, a publicitação de estilos de vida do ocidente

desenvolvido, o nível de qualidade de vida atrativo e a procura de melhores condições

laborais e financeiras, motivaram grandes deslocações em termos geográficos. Hoje

podemos ver os nómadas sarianos, os camponeses dos Altos Andes, ou os negros da

floresta africana, em Paris, Londres, Nova York, Lisboa, Freixo de Espada à Cinta… Em

qualquer um destes locais, um mesmo indivíduo perceciona o conceito (globalização) de

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maneiras diferentes. Por sua vez, é ele próprio interpretado de diferentes maneiras, à

medida que se desloca de local para local31.

Como evidencia o quadro (População Estrangeira no Mundo), a percentagem

crescente de estrangeiros que constituem a população dos países industriais entre 1965 e

2000 é de cerca de 1 décimo da população total dos países industrializados. Enquanto que a

mobilidade no sentido oposto, também ocorreu mas não de uma forma evolutiva

significativa, ao nível dos países de rendimento médio ou baixo.

É verdade que estes números escondem realidades muito diversas. Migração pode ser

refúgio de guerra ou calamidade, escravatura, nomadismo e muitas outras realidades. Mas

o facto de uma grande maioria desses estrangeiros, 62%, estarem nos países

industrializados, situação que tem vindo a acentuar-se, mostra que os motivos económicos

são muito importantes. (Neves, 2004: 116)

2.2. As cidades globais, multiculturalismo ou multi-individualismo: Ecumenismo

humanitário - Soberanias nacionais vs. soberania global

Vai deixar de existir o “lá”. Estaremos todos aqui. (Waters, 1999: 119)

Acreditamos que, se algum virtuosismo emergiu com a discussão em torno da ideia

de globalização foi a compreensão crescente de que este conceito tenta introduzir uma

negociação entre o indivíduo e a espécie humana no seu todo.

A história da evolução humana, desde os tempos mais remotos, até à situação

presente, mostra quão hábil e engenhoso o espírito humano se empenhou na superação das

dificuldades e na procura da simplificação, através de uma complexificação crescente da

forma de adquirir, partilhar, testar e aplicar o conhecimento. O efeito foi tal que o Homem

31 Este caráter assimétrico na forma de olhar e ser olhado, está intimamente ligado a uma diferente forma de perspetivar e sentir o fenómeno globalização. Num cenário equitativo de acesso à informação/educação, estas diferenças esbater-se-iam ao ponto de se pensarem soluções globalmente concertadas, no sentido de assegurar uma plataforma económica de similaridade no acesso a bens e serviços. Desta forma o flagelo das migrações e das deportações seria mitigado. (Assistimos com frequência a notícias de Africanos que morrem a tentar chegar Europa em pequenas embarcações e que quando chegam por vezes, quando detidos, são deportados. O mesmo sucede ao longo da fronteira do México com os EUA; de cuba para os EUA; ou ainda recentemente (agosto 2010) quando o governo Francês deportou cerca de duas centenas de cidadãos europeus de etnia cigana. O mesmo sucede um pouco por todo o lado, ou seja, da periferia para o centro do sistema, com a consequente deportação em sentido inverso).

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foi progressivamente32 descobrindo a dimensão global, a noção de interdependência que

preexistia e o ligava no tempo e no espaço aos seus semelhantes, em termos holísticos. Vai

sobretudo descobrindo as relações de causa-efeito no que toca às opções e tomadas de

decisão, quer do indivíduo quer da sociedade. O conceito de globalização faz-nos rever e

questionar as nossas condutas e as dos que nos rodeiam, formulando juízos e opiniões

legítimas a partir da perceção da nossa realidade individual e autónoma local, e da

realidade que percecionamos e vivemos enquanto membros de uma sociedade planetária. É

como que se, de repente, passasse a existir a consciência de um passado comum

desconhecido, e que por essa razão, na atualidade todos somos de alguma forma

convocados a pronunciarmo-nos e agirmos na procura das soluções em que nos revemos a

partir da nossa conceção de globalização. Ao olhar o presente e ao tentar perspetivar o

futuro, o sujeito atual questiona-se acerca de si próprio, na relação com o outro, com a

sociedade; ao questionar-se sobre a globalização enquanto fenómeno partilhado.

Cada vez mais as noções de encurtamento e alongamento das dimensões

espaço/tempo33 conduzem a um aumento gradual do nível de reflexibilidade (Giddens,

1996) que informa as atitudes e tomadas de decisão quer do indivíduo quer da sociedade

(Anexo 26).

“A questão não é não existir um mundo social estável para se conhecer, mas o

conhecimento desse mundo contribuir para o seu carácter instável ou mutável” (Giddens,

1996: 31).

Para percebermos a reflexibilidade precisamos relacioná-la ou enquadrá-la na ideia

(ainda que vaga) de globalização, porque, em nosso entender a globalização é também um

fenómeno reflexivo; ou seja, se não considerarmos a usual chave de referência na análise

social segmentada (política, economia e cultura), poderemos afirmar sem grandes receios

que a globalização deriva da tomada de consciência de uma realidade pré-existente ao

32 Devido às migrações, aos acordos comerciais e políticos e, mais recentemente devido à proliferação e generalização do acesso das tecnologias de informação. 33 “Costumamos dizer que vivemos num universo de três dimensões espaciais: podemos andar para a frente, para os lados e pular para cima. Além disso, existe a dimensão do tempo. Essas quatro dimensões compõem o espaço-tempo do universo em que vivemos” (Steiner, 2006: 239).

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nível do espaço e do tempo34.

…tudo o que conhecemos hoje afinal já estava, ao menos em potência, em remotos

passados, talvez mesmo em certo “Big Bang” inicial, o presente, esse precioso e efémero

momento, está mesmo assim cheio de “novidade” e a globalização é apenas a passadeira

onde desfilam os esboços de possíveis novos futuros, sinistros uns, luminosos outros, tudo

estando em saber como evitar uns e agarrar outros. (Murteira, 2003: 22)

A filiação dos espaços geográficos num “globo” (pré-existente ao Homem, mas por

si progressivamente descoberto) e a instituição da quantificação do tempo vieram

contribuindo para reflexão acerca das interpretações e significado do espaço e do tempo no

sentido de perceber e estruturar o planeta físico e social “como um todo para apreendê-lo

como um lugar único” (Robertson & Garret, 1991, cit. in Waters, 1999: 44).

O mais evidente sinal desta perspetiva parece ser a diversidade de entendimentos e

apreciações que a propósito do termo Globalização, os mais diversos autores confrontam

entre si. Contribuindo assim positivamente para o aferimento constante do seu sentido e

significado de senso comum. Por isso, e ainda que epistemologicamente difuso, talvez se

perceba porque demasiadas vezes, o vemos ser utilizado, como que assemelhando-se uma

cereja em cima de um bolo. Colocado de forma algo leviana como o veredicto, como

explicação possível a convulsões ou fenómenos que ocorrem correntemente na sociedade.

À falta de melhores argumentos, a globalização ou os seus eventuais efeitos é por

vezes, a justificação mais capaz de adaptar-se, ou encaixar-se nos problemas

aparentemente mais insolúveis das sociedades atuais. Esta virtude decorre, em nosso

entender, da neblina conceptual que rodeia o termo, e que constitui um terreno fértil à

apropriação oportuna. Por outro lado, ao remeter-se a justificação para a globalização,

diluem-se as responsabilidades por todo um espaço global sobre o qual não temos

jurisdição. Por vezes transpira a sugestão de que, se o estado não pode intervir, no sentido

de regular os efeitos indesejados, muito menos o conseguirá o indivíduo. Aquilo que de

mais negativo se destaca neste contexto, tem a ver com o facto da promoção deste caráter

34 Em termos de espaço porque o mundo físico preexistia ao homem, e em termos de tempo porque considerando-se o homem como animal social com inteligência e poder criativo, a hipótese de sistematização e unidade repousaria em potência, na latência dos anseios e da necessidade de satisfazer os desejos e necessidades individuais e coletivas de uma espécie que racionalmente assume e reconhece tal condição. Ainda que não possamos falar de textos acabados e fechados à mudança e à discussão, poderemos indicar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre outros acordos, como produtos da capacidade reflexiva e de sistematização da espécie humana. “Em linguagem figurada, a globalização significa a derrota do Gigante Adamastor, afinal símbolo do medo pelo desconhecido” (Murteira, 2003: 45).

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inevitável e externo dos problemas, contribuir para a institucionalização do sentimento de

resignação, como um dos fatores a incluir na equação de gestão do quotidiano.

Daqui emergem os pretextos fundamentais que impulsionam as políticas liberais

que melhor se adaptam à indomável força do mercado desregulado e que favorecem, senão

mesmo legitimam, os mecanismos de estratificação social com base numa capacidade

económica assimétrica e arbitrária. Assim, pior que a constatação da existência de

desigualdades e da perceção crescente do fosso progressivo entre uma elite reduzida de

capitalistas globais bem sucedidos e uma vasta camada de indivíduos que tem como

propósito, a manutenção dos níveis de referência dos primeiros; é o sentimento de

resignação (que o conceito nos transmite quando interpretado como uma realidade

extremamente complexa e distante) que deverá ser pensada. Parece-nos que após tão longo

e convulso percurso de reflexibilidade coletiva, tenhamos chegado a um ponto em que

somos forçados a acreditar que é inevitável vivermos num género de feudalismo global e…

nada mais se possa acrescentar.

Assim, mais do que sublinhar uma apreciação científica do fenómeno, ainda em

busca de consenso, preferimos salientar o caráter quase metafísico com que tantas vezes o

termo é invocado, como que substituindo-se a uma teleologia pré-moderna inscrita nos

genes. Não podemos por isso ser voluntariosos ao ponto de analisar as convulsões do

presente através de diagnósticos incipientes, aceitando pacificamente a inevitabilidade das

causas e dos efeitos. Ou, dito de outra forma, será extremamente difícil verificar a hipótese

objetiva da(s) ideia(s) de globalização (sentido semântico) senão naquilo que ela transmite

como uniformidade - o efeito dinâmico global da ação utilitária; o elemento aglutinador; o

traço comum da humanidade.

Alguma propaganda guionada, democraticamente produzida, difundida e absorvida

pelos indivíduos mais incautos, com a oportuna e resignada chancela do poder político

encarcerado, alarmado com a dimensão externa do ação do neoliberalismo face à sua

limitada capacidade de ação, tenta argumentar o progresso contínuo da humanidade

colocando em evidência o papel preponderante da economia e do mercado, como a

alavanca do progresso. Contudo, quando constatamos as assimetrias das condições de vida

ao longo do globo terrestre, parece sobrar pouco espaço a enfabulações globalizantes do

ponto de vista social.

Na linha cronológica da “reflexibilidade social”, entre o último momento antes de

se formalizar a nível planetário a ideia de globalização e o momento de se refletir sobre a

realidade a si associada, passou apenas meio momento… O outro meio, extinguiu-se,

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talvez mesmo, em certo Big-Bang inicial… (Anexo 27). A velocidade, tornou-se

exponencialmente no mote essencial, que apenas alguns têm percebido e rentabilizado. A

melhor forma de rentabilizar os efeitos de uma força é embrenhando-nos nela,

experimentando-a, questionando-a. A sua rejeição, indiferença ou passividade, aguardando

“a bondade do cervejeiro”, torna-nos cumulativamente mais expostos e subordinados.

Contudo, para sistematizar uma realidade, é necessário referenciar a(s) análise(s)

individuais a alguns denominadores comuns (cultura, política e economia) por forma a

tornar inteligível e comparável entre indivíduos, as diferentes perceções da (ideia de)

globalização. Talvez também por isso, e apesar dos diferentes espaços e tempos de onde o

vemos e refletimos, o conceito tenha vindo a consolidar alguma evolução híbrida que

concilia inevitabilidade e incerteza com reconhecimento e construção racional. A ideia de

globalização não deveria portanto ser apenas considerada como a causa ou a resposta

inevitável aos problemas presentes, mas como a narrativa do reconhecimento da

necessidade de se questionar o(s) seu(s) sentido(s), para melhor se acompanhar/reorientar o

seu (dis)curso.

Emerge assim a necessidade de um redimensionamento dos modelos de

participação e intervenção social que motivem o sujeito ator a transformar-se em sujeito

autor (Vaz, 2003: 182-191).

Os atores correm o risco de continuarem incessantemente a serem dirigidos com

base num guião prescrito à medida.

Neste sentido, faremos uma breve análise, como forma de salientar o caráter

diacrónico que todas as “r”evoluções assumem na perseguição de elementos de

racionalidade, numa linha de evolução reflexiva. Tentaremos argumentar a defesa de uma

evolução do paradigma da modernidade, mais que uma rutura que ninguém consegue

pontuar, mas que alude a um (su)oposto etéreo, vulgarmente designado de pós-

modernidade, também ele, tantas vezes aludindo quase que metafisicamente a algo

realmente original ou, “moderno”.

2.3. Depois da modernidade o pós; e depois do pós?!...

A pós-modernidade transposta dos movimentos artísticos e arquitetónicos para o

campo da filosofia e da antropologia; marcando sobretudo o seu caráter descontrutivista,

local, aplicado e heterogéneo em oposição à rigidez, à racionalidade, amplitude

universalista e positivismo moderno, parece, não apenas ignorar o caráter evolutivo e

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reflexivo de que se redefinem as “culturas”, como também procura afirmar um

posicionamento de rutura face a um passado do qual, parece querer distanciar-nos à força.

Um distanciamento que atua como forma de expiar algum tipo de ressentimento ou

indigestão de estádios anteriores de reflexibilidade e autoconceito coletivo. Como se do

último sopro de reflexibilidade racional se tratasse, obrigando a uma extinção, agora, do

próprio agente da reflexibilidade – o Homem. Isto, em nome de uma vanguarda mística,

capaz de, no acaso da sorte, inventar algo mais para além deste.

Não devemos esquecer que na sua génese, os movimentos de contestação “pós-

moderna” (na área artística) apelavam a um sentido revivalista de recuperação e adaptação

dos “traços” do passado, aliados e combinados de acordo com as sensibilidades das

emergentes comunidades (sub-culturas) locais. O que de alguma forma colide com o

sentido de rutura que o prefixo pós pretende incutir, sobretudo porque não apresenta um

esquema original, que não seja a mera desconstrução da modernidade, a partir do seu

estádio de exaustão (refletida e assumida segundo o esquema moderno). Ora, parece-nos

portanto mais adequada a perspetiva de modernidade tardia35 (Giddens), modernidade

líquida (Zigmunt Bauman), ou hipermodernidade (Gilles Lipovetsky), em que a suposta

pós-modernidade nos conduz à análise de uma reação reflexiva do esquema da

modernidade. Nestas, o sujeito, sem se aniquilar enquanto agente, procura novas versões

do mundo, através do reconhecimento dos pequenos mundos (culturas/sub-culturas/sujeito

– self) que existem no mundo (globalizado).

Se atendermos ao esquema do paradigma social da modernidade (pág. 52), o

impulso atual necessário que poderá reativar e reformular o principio da comunidade e do

estado é, fazer o percurso inverso ao atual percurso, reorganizando a estrutura regulatória

de acordo com a dinâmica de translocalização, confinando o campo de ação económica.

Isto é, partir-se do nível global numa situação de exaustão do modelo neoliberal, em que a

noção de cultura se torna mercadoria e segue o trilho da globalização económica (Santos,

2002a). A partir daí terá que assumir-se a globalidade como a expressão de vários locais

(sujeitos por vezes semelhantes, por vezes assimétricos) em interação. Ou seja, assumir a

diversidade cultural como um traço de Cultura Universal.

O primeiro passo a considerar-se, na formulação de uma ideia de globalização, será

portanto, a aceitação de que a globalização é de facto um processo multilingue em que

cada indivíduo tem o direito e o dever de participar, e ao fazê-lo estará a contribuir para a

35 Também pode fazer-se um paralelo com o conceito de “capitalismo tardio” de Ernest Mandel (Silva, 2012).

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aferição do conceito que ao ser global é também seu. Neste sentido a globalização encerra

todo um potencial mobilizador que poderá agregar os indivíduos na discussão em torno de

aspetos coletivos comuns (Património Comum da Humanidade).

Um género de trabalho pode subsistir sem um contexto interpretativo quando aqueles que o

lêem, vêem ou ouvem trazem consigo esse contexto. Caso contrário o mais provável é

perderem-se. Poucas pessoas gostam de se sentir perdidas. Perante um novo terreno

precisamos de contexto. E precisamos também de ter a certeza de que não estamos a trocar

o conteúdo pela novidade e a esperteza. Por outras palavras, precisamos de ser os nossos

críticos mais severos. (Eisne, cit. in Paulston, 2001: 223)

Partindo-se dessa perspetiva, e sobretudo rentabilizando o espírito presente no

discurso contra-hegemónico à globalização económica (Cosmopolitismo/Património

Comum da Humanidade (Santos, 2002a), o discurso, ou a pseudocondição pós-moderna,

ganhariam em sair do seu reduto (Anexo 28), e contribuir para uma solução mais terrena e

menos difusa, através do reconhecimento da necessidade de uma regulação global da

economia de mercado mundial e das suas externalidades a partir de uma noção de

equilíbrio definida pelo (IDH/IPG) Índice de Desenvolvimento Humano/Índice de

Progresso Genuíno.

A partir daí e após um percurso de investimento na transformação e sensibilização

dos problemas e possibilidades planetários através da educação, deveriam adequar-se

hierarquicamente as questões de soberania e autonomia política local numa perspetiva de

sistema integrado que fosse delimitado na esfera global pela reformulada ONU36. Este

expediente atribuiria maior relevância à sigla no que concerne ao controlo de problemas,

epidemias, catástrofes naturais e humanitárias em termos globais, gestão das receitas

oriundas da taxação de externalidades económicas/ecológicas a empresas multinacionais e

organismos financeiros, e por último, na capacidade de legislar e intervir nos locais onde as

normas não se façam respeitar. O nível intermédio regional/continental (EUA, EU,

MERCOSUL…), que atualmente condensam as soberanias locais sobretudo por

imperativos económicos, veriam a sua expressão reduzida a entrepostos regionais de

transição. O poderio militar dos estados poderia ser canalizado para o órgão superior

(global) e inferior (local). Para o nível superior (ONU) para que pudesse impor localmente,

36 Longe do modelo de “condomínio fechado entre os países centrais” (Santos, 2002a: 50) e mais próximo do paradigma do Condomínio Terra (http://www.condominiodaterra.org/pt/).

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de forma coerciva se necessário, tentativas de violação dos princípios estabelecidos, sendo

que a filosofia fundadora a promover seria a de força de paz. Para o nível inferior local

países/autarquias, apenas o suficiente para assegurar a manutenção da ordem local e do

poder delegado a nível global.

Com isto refrear-se-iam os sentimentos federalistas que emergem agora a um nível

regional no sentido de combater e enfrentar os desafios de um mercado transnacional

desregulado. Fazem-no reclamando e fundamentando-se numa (por vezes forçada) matriz

cultural comum, seguindo-se a isso, a formação de uma constituição regional e um

exército, como forma de legitimar a soberania e área de intervenção perante os adversários.

A deseconomização global em favor de um modelo social globalmente regulado teria

muito a ganhar, começando por arredar a indústria militar da dinâmica militar promovida

entre estados, confinando essa função ao estritamente necessário. Uma gestão pública

global, tendo como vista a superação do militarismo e a emergência de comportamentos

democráticos cooperantes interdependentes.

Uma “violência simbólica” progressivamente menos violenta e mais simbólica.

Por sua vez a máquina económica mundial seria também delimitada ao nível local

pelas instituições de soberania local, que desenvolveriam as suas dinâmicas locais e

comunitárias de acordo com as normas globais. Ou seja, as políticas internas não poderiam

colidir com o sentido geral das políticas universais. Nesta esfera situar-se-ia a regulação do

sistema laboral, a gestão das atividades comunitárias de utilidade pública e promoção da

democracia edificante/participativa e, sobretudo o controle da prática de um capitalismo de

subsistência onde, para além da alteração laboral em benefício da providência local, se

condiciona a atividade económica e produtiva e as suas externalidades, a um nível

“sustentável” quer na aceção local quer na aceção global (Anexo 29).

Por acreditarmos que o capitalismo não é facilmente domável e também porque

encerra algumas vantagens sociais, não ousemos erradicá-lo, contudo, porque a sua lógica

é imprevisível, gera externalidades e incompatibilidades de sobrevivência futura, podemos

impor-lhe limites. É necessário, não apenas resistir, porque nesse caso estaríamos a resistir

a algo sobre o qual deveríamos, supostamente ter controle. Trata-se sobretudo de planificar

de forma aberta (não determinística, participada), juntar os estilhaços da modernidade, dar-

lhes uma nova roupagem que inclua o conhecimento coletivo que detemos sobre o nosso

passado enquanto espécie global, mas permita também novas abordagens e experiências

que promovam a transição para novas elaborações societais globais, não definindo

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restrições senão apenas as necessárias (as que asseguram o património natural e as

condições de vida sustentável do planeta e das gerações presentes e futuras).

Em suma, trata-se de converter o sentido da globalização. Relembrando a ideia de

Santos (2002a: 76) é necessário distinguir entre dinâmicas de globalização de cima-para-

baixo (hegemonia) e as dinâmicas de globalização desejável, de baixo-para-cima, (contra-

hegemónica) desde o cidadão na sua comunidade local, num contexto de democracia

participativa, até aos nível global que circula e retorna ao nível elementar, o indivíduo, o

“sujeito autor”.

…o novo período distingue-se pelo “trabalho da imaginação”, pelo facto de a imaginação

se ter tornado num facto social, colectivo, e ter deixado de estar confinada no indivíduo

romântico e no espaço expressivo da arte, do mito e do ritual para passar a fazer parte da

vida quotidiana dos cidadãos comuns. A imaginação pós-electrónica, combinada com a

desterritorialização provocada pelas migrações, torna possível a criação de universos

simbólicos transnacionais, “comunidades de sentimento”, identidades prospectivas, partilha

de gostos, prazeres e aspirações, em suma, o que Appadurai chama de “esferas públicas

diaspóricas”. (…) É através da imaginação que os cidadãos são disciplinados e controlados

pelos estados, pelos mercados e pelos outros interesses dominantes, mas é também da

imaginação que os cidadãos desenvolvem sistemas colectivos de dissidência e novos

grafismos da vida colectiva. (Santos, 2002a: 52)

Em tempo que já foi designado de pós-revolucionário, é assinalável a frequência com que o

termo “transição” é hoje utilizado: dir-se-ia que enquanto a revolução se tornou obsoleta,

pois sugere uma mudança fundamental, brusca e deliberada, com forte dose de

voluntarismo, a noção de “transição” resiste melhor ao desfilar da História pois evoca um

fluir mais ou menos contínuo, espontâneo, endógeno… ainda que o destino seja

desconhecido ou apenas profusamente pressentido. (Murteira, 2003: 24)

Se preferirmos, modernidade e pós-modernidade são, em nosso entender (e se

formos forçados a aceitar este dualismo), intercomplementares à análise social que

atualmente se impõe e que perpassa as dimensões (global-local) e (sujeito-sociedade). O

sujeito atual vê e vive o mundo social envolvente sob o olhar e a matriz modernista da

sociedade. É nesse contexto que quando reflexivamente toma consciência do seu eu global,

se apercebe das incoerências e contradições, ou se preferirmos, os “défices e excessos” do

projeto da modernidade e procura vias alternativas para conseguir situar-se enquanto eu

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local e eu global. É então que o sujeito explora novas abordagens capazes de responderem

às suas necessidades. E é nesse exercício individual, coletivamente partilhado, que

emergem novas perspetivas; sobre aquilo que somos e vivemos.

Reinvenção/recriação/readaptação/reformulação → Evolução (transição)

Quando o desejável era impossível foi entregue a Deus; quando o desejável se tornou

possível foi entregue à ciência; hoje, muito do possível é indesejável e algum do impossível

é desejável temos de partir ao meio tanto Deus como a ciência. E no meio, no caroço, ou no

miolo, encontramo-nos, com ou sem surpresa, a nós próprios. (Santos, 1994: 94)

“... a globalização contra-hegemónica é tão importante quanto a localização contra-

hegemónica”. (...) “É preciso fazer com que o local contra-hegemónico também aconteça

globalmente.” (Santos, 2002a: 79)

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Figura 6. Sociedade/indivíduo – Global/local

Cada um de nós, é uma rede de sujeitos em que se combinam várias subjectividades

correspondentes às várias formas básicas de poder que circulam na sociedade. Somos um

arquipélago de subjectividades que se combinam diferentemente sob múltiplas

circunstâncias pessoais e colectivas. Somos de manhã cedo privilegiadamente membros de

família , durante o dia de trabalho somos classe, lemos o jornal como indivíduos e

assistimos ao jogo de futebol da equipe nacional como nação. Nunca somos uma

subjectividade em exclusivo, mas atribuímos a cada uma delas, consoante as condições, o

privilégio de organizar a combinação com as demais. À medida que desaparece o

colectivismo grupal, desenvolve-se, cada vez mais o colectivismo da subjectividade.

(Santos, 1994: 94)

SOCIEDADESOCIEDADESOCIEDADESOCIEDADE

INDIVÍDUOINDIVÍDUOINDIVÍDUOINDIVÍDUO

GLOBALGLOBALGLOBALGLOBAL LOCALLOCALLOCALLOCAL

política

economia

cultura

Universalismo Ed. Sociedades & Culturas, nº 12

(Wieviorka, 1999)

Pequeno Universalismo

Comunitarismo Ed. Sociedades & Culturas, nº 12

(Wieviorka, 1999)

Pequeno Comunitarismo

“Eu autotélico” (Csikszentmihalyi, cit. in

Giddens, 1997: 171)

Modernidade reflexibilidade “Pós-modernidade” modernidade reflexiva...

Nota – O sentido das setas deve entender-se numa perspetiva temporal e geo/sócio – reflexiva. Numa perspetiva da evolução da história universal o sujeito inicialmente conhecia a sua realidade local/tribal onde o seu conhecimento do mundo se baseava na sua sociedade próxima, posteriormente com o desenvolvimento dos transportes e dos meios de comunicação, pôde formular juízos acerca da sua subjetividade num espaço social e geográfico mais vasto. Hoje com o advento das novas tecnologias da comunicação em que o sujeito consegue vencer o espaço e tempo, a reflexibilidade acerca de si e do mundo que o rodeia é progressivamente mais complexa e sistematizada, pelo que a capacidade de geo-posicionamento do sujeito relativamente às sociedades exige uma capacidade crítica progressivamente mais informada. Para tal são exigidos como forma de evitar a autoexclusão, a adoção de uma perspetiva multi-individual cooperante e a participação do sujeito ao nível local e global em simultâneo. A elaboração e reformulação constante de uma cartografia global entre as balizas de um nacionalismo/localismo em degelo e um vanguardismo abstrato.

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A “pós-modernidade” tem desta forma que entender-se como uma formulação

(pan)utópica de caráter teleológico, capaz de nos levar a recombinar os destroços das

desgastadas instituições da modernidade. Mas que simultaneamente, o consiga sem a

rejeição e anulação civilizacional dos espaços de racionalidade e coesão coletiva, onde a

individualidade assume sentido. Independentemente da sua conceção territorial (local,

nacional, regional ou global). O estado37 (Nilson, s.d.; Faculdades Integradas Hélio

Afonso, s.d.; Ferreira, 2012) democrático continua, apesar do desgaste evidente, a ser o

conceito operativo da atualidade onde essa diversidade consegue confrontar-se de forma

emancipada; De forma referenciada.

O termo pós-modernidade é um termo adequado na sua inadequação (Santos, 1994,

70).

Talvez ainda não o saibamos em plenitude, contudo podemos prognosticar que a

pós-História não decorrerá da História, mas da autoconceção da efemeridade do Homem

na interpretação do seu futuro.

Mais GLOBALIZAÇÃO implica por essa razão, mais PARTICIPAÇÃO.

Caso contrário a globalização jamais deixará de ser uma versão parcelar dos

vencedores de um sistema neoliberal assimétrico. Ficar de fora significa engrossar a fileira

dos incluídos por subalternidade.

A via mais pacífica e responsável de inclusão será a via educativa. A promoção e a

necessidade de consolidar a noção de cidadania global, através da mobilização à

participação e a denúncia das várias perceções e sensibilidades individuais, contribuiria

37 Evolução do conceito de estado - http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Estado&oldid=36656899. Embora não sendo consensual, o conceito de estado, nomeadamente entre os que defendem a figura do estado como uma definição jurídica do conjunto de indivíduos que este representa e a sua vontade coletiva e os que advogam a sua existência como um instrumento dissimulador utilizado por apenas uma parte/elite da sociedade para impor e definir uma ordem sobre a generalidade dos indivíduos, consideramos fundamental reter que o conceito de estado que prognosticamos, é uma instituição organizada política, social e juridicamente, que atua num território definido e, possui legitimidade de coordenação de estratégias (políticas, económicas e sociais) que visem o bem e ordem pública e geral da sociedade, enquanto vontade expressa e consentida democraticamente pelos seus membros. Esta legitimidade advém da participação dos indivíduos, na tentativa de aperfeiçoar o conceito de universalismo, equidade e democratização dos mecanismos de intervenção social e comunitária. Não vincamos em demasia a dicotomia “reconhecimento interno e externo” e soberania, na medida em que consideramos que (para a discussão que propomos) a definição de territorialidade confinada a um espaço, associada a uma noção emergente de supraestado (organizações/federações de âmbito supra nacional) é em si própria motivo de reflexão e adaptação do próprio conceito de estado enquanto plataforma de coordenação local/global, inscrito numa perspetiva diacrónica de um percurso da humanidade, no qual este conceito se tem vindo a aperfeiçoar desde as civilizações antigas e com marca referencial na Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles; “O Homem é por natureza, um animal político”, e no período moderno com Thomas Hobbes (o contrato social).

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para que este exercício de investigação-ação se consolidasse na sociedade no seu todo,

como um processo sereno de transição para um estádio avançado do paradigma da

modernidade, onde os pilares da emancipação e da regulação assumem uma funcionalidade

global/universal, não meramente retórica, mas onde os modelos teóricos carecem de

validação funcional, e onde a reformulação e adaptação assumem o poder propulsor da

ideologia. A preparação do indivíduo (binómio educação-sociedade) e a igualdade de

oportunidades educativas decorrentes da educação (comparada, integrada, prospetiva,

aberta...) de John Dewey e Talcott Parsons entre outros, não pode ser suplantada por uma

perspetiva do modelo de educação localizado à la carte beligerante, que fundando-se na

dinâmica da economia internacional, procura orientar os sistemas educativos para um

modelo de competição global, onde questões filosóficas e pressupostos sociais e

pedagógicos elementares são absorvidos e manietados pela demiurgia totalitária do

neoliberalismo mercantil e do estado mínimo.

2.4. Culturalismo, multiculturalismo ou multi-individualismo?

Ao longo de todo o texto temos aludido a uma perspetiva de análise do

comportamento humano tendo por referência o mundo animal. Não menos vezes tentamos

pôr em evidência a dinâmica económica como um correlato da ação concorrencial

equivalente à luta sobrevivência empreendida no mundo animal no acesso aos recursos

escassos e pela dominância genética. Contudo, para nós humanos a pergunta mantém-se: o

que realmente nos distingue dos outros seres?!

Dunbar (2006) refere que o aumento progressivo do neocortex cerebral, sobretudo

ao nível dos primatas, permitiu uma evolução do lóbulo frontal, onde se processa a

informação relativa à ação social dos animais. Nos humanos esta característica anatómica

ter-se-á desenvolvido, proporcionalmente, de uma forma extremamente superior. O que

viria a permitir uma aplicação mais complexa daquilo a que chama as “ordens de

intencionalidade38” da teoria da mente.

38 Conceito desenvolvido pelo filosofo da mente americano Daniel C. Dennett. Segundo a sua perspetiva, as estratégias que mantém qualquer indivíduo pertencente a uma comunidade na qual se encontra congêneres seus – ou, em geral, qualquer indivíduo A que interaja com outro B – dependem da maneira como A considera que sua própria conduta influirá no que faça B. Os cálculos podem chegar a ser tão complicados no vaivém das expectativas como os que realiza um jogador de xadrez antecipando os movimentos.

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Gráfico 5. Nível de intencionalidade dos hominídeos (Dunbar, 2006: 180).

No mundo animal em geral estas ordens de intencionalidade não excedem o

segundo nível, enquanto no ser humano podem aplicar-se até um sétimo nível. Este facto

assume particular importância uma vez que aparentemente fundamentam todo o edifício

mental social que suporta uma eventual ação “cultural” (Anexo 30). Ou seja uma

apreensão do mundo e da realidade para além dos automatismos reativos diretos,

permitindo uma reflexão e questionamento dos dados observados, permitindo relações e

elaborações criativas cumulativas sobre esses aspetos.

Para este processo gradual, teria em muito contribuído a aquisição da capacidade de

fala e linguagem. Se buscarmos as razões para que este facto inédito tenha ocorrido na

nossa espécie e não nas outras, verificamos que, tal como afirma Dunbar, esta conquista do

génio humano terá resultado de uma necessidade de criar mecanismos de convivência

social em função do aumento do número de efetivos das comunidades de pertença.

Reportando-nos novamente ao domínio animal, sugere ele que, a ação social humana não é

tão singular quanto isso. Na verdade, há cerca de 500 000 anos ter-nos-íamos relacionado

em termos de comunicação interpares através de comportamentos mais elementares e

próximos aqueles que os chimpanzés, nossos ascendentes na linha evolutiva, ainda

mantêm. Por incrível que possa parecer, o catamento, seria uma atividade que

proporcionava uma exploração das relações sociais, através da interação direta,

constituindo uma das sofisticações iniciais do longo percurso racionalizante.

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Gráfico 6. Tempo passado em catamento (Dunbar, 2006: 122).

Nesta ação eram postos à prova as reações antagónicas, mas também as comuns, ou

seja, aquelas que permitiam a criação de laços de identidade, partilha e cumplicidade. Esta

atividade promovia uma libertação de endorfinas39 que motivam um bem estar resultante

desta interação.

A razão pela qual os humanos transformaram este comportamento social em

linguagem/fala prende-se com o aumento do número de efetivos de cada grupo. O que à

partida implicaria, a necessidade de um período de tempo muito maior para permitir a

evolução, uma exploração e coesão intragrupal.

Assim, progressivamente o catamento, foi dando lugar à verbalização, o que

permitia uma interação mais rápida e simultânea com vários indivíduos, deixando mais

tempo disponível para as necessárias tarefas de caça, recolha e preparação de alimentos.

Segundo o autor, em substituição do contacto físico como mecanismos despoletantes de

endorfinas ao nível do neocortex cerebral, o ser humano teria desenvolvido o riso e a

música. Estes seriam aspetos da vida social, que a par da representação pictórica e pintura

revelariam estados de espírito e interpretações individuais e de afinidade entre pares.

39 “A endorfina é um neurotransmissor, assim como a noradrenalina, a acetilcolina e a dopamina, substância química esta utilizada pelos neurônios na comunicação do sistema nervoso e também um hormônio, uma substância química que, transportada pelo sangue, faz comunicação com outras células. Sua denominação se origina das palavras ‘endo’ (interno) e ‘morfina’ (analgésico). A endorfina é produzida em resposta à atividade física, visando relaxar e dar prazer, despertando uma sensação de euforia e bem estar” (Ghorayeb & Barros Neto, 1999, cit. in Yara Perrone, s. d.: 3).

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Assim, o desenvolvimento mais rápido do cérebro dos humanoides terá sido o

aspeto preponderante na conquista da singularidade, daquilo que nos distingue da maioria

dos outros seres – Cultura40.

No entanto, nos dias de hoje e para a argumentação que desenvolvemos, torna-se

pertinente tentar perceber se esta capacidade (produção/registo/transmissão de cultura),

expressa a singularidade interpretativa dos indivíduos e se por sua vez ela representa traços

identitários e de intervenção de uma coletividade.

A noção de “cultura de origem” é contestável porque participa de uma concepção errónea

do que seja uma cultura particular. A cultura não é uma bagagem que alguém possa

deslocar consigo ao deslocar-se. Não se transporta uma cultura como se fosse uma

Bagagem. Querer ver as coisas dessa maneira seria cair numa reificação da cultura. O que

se desloca, na realidade, são indivíduos; e estes indivíduos, devido ao próprio facto de

terem migrado, são levados a adaptarem-se e a evoluírem. (Cuche, 2003: 165)

(Anexo 31)

…se nos dispusermos de facto a considerar que não há diferença essencial entre os homens

e as culturas, ou seja, que o outro nunca é absolutamente outro, que há mesmo no outro,

porque a humanidade é una, o que faz com que a Cultura41 esteja no coração das culturas

ou, segundo a expressão consagrada, que o “universal está no coração do particular.

(Cuche, 2003: 181)

… ninguém morre por falta de “cultura”…

De facto, em termos globais, na atualidade a noção de cultura, é efetivamente

enigmática.

Enquanto que ao nível da economia o processo social se desenrola através da

reprodução sucessiva da mesma estratégia (eficiência = lucro), o processo social ao nível

cultural, desenrola-se a partir das margens, fundado no confronto da intersubjetividade e

ação crítica do(s) “sujeito(s) autor(es)”, do(s) “eu(s) autotélico(s)”.

Enquanto, que o processo de produção e consumo capitalista que degradou e

absorveu o projeto da modernidade se debate (devido ao seu sucesso) com as insolvências

40 Enquanto dispositivo de transmissão transgeracional de habilidades cognitivas, numa perspetiva de universalidade do grupo humano. 41 Tal como o autor utilizaremos o termo Cultura para designar o conceito em termos globais (macro) e culturas para designar, sub-culturas (micro) a nível local ou parcial.

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das externalidades sociais e ambientais, que anunciam a possibilidade de uma eclosão

Shumpeteriana, o processo cultural baseia-se numa tensão conflitual entre sujeito e

sociedade que, no essencial, e pelo facto de se caracterizar de alguma ciclitude, dá

indicações de uma capacidade de perpetuação ad eternum. Assim, a Cultura é o registo em

cada presente de diferentes olhares sobre o passado e futuro.

O que distingue o grupo humano dos restantes é, não apenas o desenvolvimento de

hábitos e rituais sociais progressivamente mais objetivos e coordenados, os quais também

encontramos por exemplo nos chimpanzés, mas sobretudo a capacidade de utilizar a

linguagem como reflexo da sua atividade mental, articulada com a capacidade de transmitir

e armazenar conhecimento de geração em geração e ainda, de se questionar de forma

crítica sobre o mundo que o envolve. Servindo essas reflexões novas formulações.

O processo que se inicia no sujeito, permite a este ir colecionando os apelos e traços

culturais, triando-os e ordenando-os de acordo com a sua capacidade reflexiva e crítica. É

esse exercício que lhe permite discorrer e situar-se criticamente entre as dimensões Cultura

& culturas. Poderemos contrapor que esse processo interpretativo e reflexivo é ele próprio

condicionado por uma “cultura de origem” em que o indivíduo cresceu e foi educado. A

Questão que aqui se coloca é se esse suposto espartilho “fundador” é uma condicionante

positiva ou negativa no processo de aculturação. Vejamos: em termos de Cultura, esse

conjunto de referências de origem, de leitura e escrita da realidade será tão mais frutuoso

na medida em que a permeabilidade ao exterior permitirá a cada indivíduo reconhecer-se

em agregados progressivamente mais vastos, excêntricos e dinâmicos. No fundo,

reconhecermos a nossa homogeneidade como resultado de um progressivo confronto e

partilha de heterogeneidades, de singularidades geográficas ditadas pelo tecer do fio da

história, que gradualmente acompanharam o processo de globalização, sendo

recombinadas em outras latitudes. A noção consciente de Cultura é portanto um correlato

desse processo de fusão.

Evidentemente que em casos de grupos dominantes e grupos dominados, existe um

défice de Cultura em termos absolutos, na medida em que não é reconhecido um requisito

básico universal - a equidade. Neste caso, em nosso entender, mais que uma cultura

dominante e uma cultura dominada ou contracultura, existem duas subculturas que

momentaneamente se confrontam relativamente à interpretação e experimentação de um ou

vários aspetos diferenciais de uma Cultura Universal.

A oportunidade de conceção intelectual ao nível individual, constitui assim o cerne

de todo o processo cultural. Aquilo que vulgarmente é chamado de Cultura (numa

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perspetiva do normativo, do estático e do adquirido – cultura efetiva), só é possível de

aferir-se coletivamente através de consensos de identidade relativamente a um conjunto de

aspetos da vida social de caráter genérico, universalista e abrangente. Ou seja aquilo que

atrás referimos como, a constatação uniforme.

Porém, a parte marginal do conceito de Cultura, onde reside a subjetividade, a

contestação, é fundamental porque é daí que emergem novas reflexões acerca das

diferenças e originalidades, que vão reconcetualizando sincronicamente na “flecha do

tempo” o conceito de Cultura em termos holísticos (cultura adaptativa).

O mais correto será portanto propor que a noção de Cultura enquanto

homogeneidade e norma, se recontextualiza nesses aspetos diferenciais e particulares.

Primeiro que tudo, deve entender-se o ato de comentar assuntos de “cultura”, como

o mais democrático e incontroverso. Aquele que, por mais que se debata ou argumente, é

sempre consensual na sua irrazoabilidade42. Cada indivíduo é como que um alguidar, um

cesto, uma bacia, uma vasilha aberta (Apêndice 8) cabendo-lhe, não obstante das normas

(políticas, religiosas, económicas...) a que se obriga, a liberdade de tornar-se um agente da

sua identidade e assim definir o seu conteúdo (a sua bagagem/vasilha + conteúdo). De se ir

movendo por entre os normativos grupais procurando a sua permeabilidade por forma a

permitir-se ir adicionando e reformulando elementos; de se ir adaptando à inconstância e à

turbulência cultural que em seu torno ocorre e concorre na reescrita constante da noção de

Cultura (enquanto património comum da humanidade).

As “culturas” são de facto relevantes, não tanto na aceção de Cultura

(adquirido/constatado), mas de aculturação (proativo/despoletante). É nela que se pode ir

tentando responder e refletindo a condição do social. Isto porque, a noção de aculturação

encerra uma dupla aceção, dois polos, onde em nosso entender, pode encontrar-se um

correlato significante:

Cultura (só existe uma, a Cultura humana) – registo/consenso constatação unânime

de traços comportamentais e intelectuais comuns, adquiridos e transmitidos

intergeracionalmente pela humanidade ao longo do processo de hominização. É atualizada

sincronicamente como produto da aculturação empreendida por todos os indivíduos numa

perspetiva contínua/diacrónica. Existe, desde que existe o Homem mas ultimamente tem-se

42 “Num famoso trabalho publicado há mais de meio século, dois proeminentes antropólogos culturais americanos, Alfred Kroeber e Clyde Kluckholm, analisaram a literatura existente e concluíram que os antropólogos seus autores tinham usado os termos ‘cultura’ ou ‘cultural’ com pelo menos 160 sentidos diferentes. Não é grande ajuda.” (Dunbar, 2006: 135).

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tornado num processo mais amplo, mais referenciado e coletivamente mais consciente,

devido à contração do espaço e tempo global.

Subculturas (da Cultura universal) - culturas - conjunto de interpretações que

sincronicamente perpassam determinado individuo ou grupo de indivíduos através de um

processo contínuo de aculturação interpares. Poderemos entender as subculturas como o

estandarte de uma coletânea de aspetos adotados por um conjunto de indivíduos. No

entanto, se atendermos a que cada indivíduo não é meramente uma réplica do seu

semelhante, então a unidade elementar de uma subcultura é o próprio indivíduo. Este é a

unidade elementar de subcultura, também porque pela sua interação recombina a sua

bagagem de forma partilhada, não permitindo que um qualquer autismo condicione o

processo de aculturação. O homem é um animal social/político.

Sociedade global = Cultura (nunca totalmente definida, nunca totalmente

estática/Evolutiva e permeável/tende a representar os consensos resultantes das

confrontações entre subculturas impulsionadas por motivações de vária ordem

(geográficas, étnicas, religiosas, políticas, artísticas, etc... Podendo definir aspetos

comuns43 a qualquer indivíduo; ponto de encontro; denominador comum.)

Sujeito(s) local/global/grupo de sujeitos = Subcultura (nunca totalmente definida,

nunca totalmente estática. Influenciam a forma como o indivíduo perceciona e se situa

perante as restantes subculturas em que não milita e perante a forma como isso contribui

para a inconstância reformuladora da própria Cultura universal. Por si só não define ou

representa todos os aspetos da Cultura Universal, mas possui potencial de influenciar esse

propósito quando partilhada, embora em alguns casos este processo seja coercivo e

imposto).

Assume um caráter mais ativo e a par de outras subculturas, caso a caso,

constituem nichos de bagagem aculturante do indivíduo e consequentemente, num

processo mais vasto e alargado concorrem para a reformulação (Apêndice 9) do conceito

de Cultura Universal)

Há dois aspetos que pretendemos sublinhar e que julgamos fundamentais para

enquadrar epistemologicamente estes dois termos nos polos que referimos:

- Utilidade – Como referimos anteriormente num tom mais ou menos irónico,

ninguém morre por falta de “cultura”. Esta afirmação desperta normalmente reações

politicamente corretas, mas provavelmente acompanhadas de uma perspetiva etnocêntrica

43 Direitos e deveres universais (Ex: Declaração Universal dos Direitos Humanos).

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inconsciente. Ao referirmo-nos a uma suposta cultura, devemos antes de mais lembrar que

em estádios anteriores de desenvolvimento, as preocupações básicas do indivíduo (tal

como refere o texto inicial – Breve história da economia), cingiam-se à satisfação das

necessidades básicas44, alimentação e segurança. A odisseia humana desde África até

chegar a todos os pontos do globo conduziu o ser humano a diferentes abordagens e

interação com a natureza e com os elementos. O que constituiu o elemento central de

desenvolvimento de comportamentos diferenciados e que consequentemente derivou em

aglomerados, com traços marcados de singularidade, naquilo a que hoje normalmente

chamamos de multiculturas. Ou seja, de um tronco comum emergiram adaptações

diferenciadas e inconscientes (em termos holísticos45). Esta conceção de “cultura”

enquanto ícone, seria aceitável numa situação de grupos isolados que mantinham traços

comuns e diferenciados num contexto em que apenas era possível conhecer-se parte do

todo humano. Havia portanto uma comparação inter grupos adstritos a um território, uma

realidade local e a costumes particulares conhecidos.

É nessa perspetiva que podemos hoje, conceber estas subculturas de uma Cultura

universal que, sabemo-lo cada vez mais hoje, sempre existiu. Se o aspeto unificador da

espécie era inicialmente o tronco genético, a diáspora humana encarregou-se de

recombinar essa similitude com o espaço geográfico e as realidades que os vários locais

ofereciam. Neste longo processo de afastamento do biológico em que o social se

desenvolvia de forma progressivamente mais ampla, acabámos por encontrar-nos,

buscando novas similitudes. Acabamos por, em certa medida, derrubar alguns dos muros

que até então limitavam a nossa conceção de “cultura” amuralhada. Permitindo não apenas

a nossa saída de um espartilho conceptual, mas também permitindo e admitindo que o

mesmo pudesse ocorrer com outras comunidades de indivíduos.

A revolução dos transportes e ultimamente a revolução das tecnologias de

informação disseminaram o todo, e ao fazê-lo uniram e encurtaram os espaços fazendo

movimentar as diferenças e as similitudes, sendo que a seleção e apropriação destes

aspetos decorre na perspetiva da utilidade46 que encerra para cada sujeito. Ontem os

agricultores sedentários trocavam os vegetais e frutos pelo peixe do pescador e pelas peles

e carne dos animais do pastor. Pintavam e esculpiam figuras toscas e isso era “cultura”.

44 Numa perspetiva de hierarquização de necessidades – Maslow. 45 Inconsciente porque à altura dos primórdios da exploração planetária não existia uma perceção do espaço planetário para além do indivíduo e do seu grupo de pertença local. 46 Utilidade, representa aqui as necessidades elementares como alimentação e segurança, mas também considerações estéticas, morais e artísticas que sucedem da forma como as primeiras são consideradas.

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Hoje todos somos em simultâneo nómadas quando viajamos, vemos um filme, navegamos

na Internet, ouvimos música, comemos o caviar russo, bebemos o champanhe francês ou

simplesmente plantamos uma palmeira no jardim… E quase que, nem a dormir

conseguimos ser de facto, sedentários. Mesmo que mais confinados a um espaço

geográfico mais definido/desvendado, somos no nosso quotidiano mais nómadas que os

antepassados que percorriam longas distâncias para experimentar a aculturação.

As nossas necessidades são mais elaboradas e correm de par com a descoberta e

mimetismo utilitário que fazemos dos costumes, comportamentos e produtos com os quais

contactamos. Seja para atender a uma necessidade fisiológica ou espiritual, ou

simplesmente a um prazer ou catarse, vamos incorporando no nosso quotidiano a

miscigenação que uma aculturação vertiginosa nos proporciona.

- Unidade/identidade – A “cultura” tradicional de cada uma das comunidades que

vivia mais ou menos isolada reagindo e desenvolvendo costumes e tradições de acordo

com a interação particular que faziam com as especificidades do território e do clima, deu

lugar a um esbatimento gradual das diferenças/particularidade existentes entre cada uma

delas47. Neste processo têm grande influencia os meios de comunicação que levam a todo o

globo a notícia das intempéries, das conquistas da ciência, dos desastres e preocupações

ecológicas, do terror da guerra e da guerra contra o terror... Daqui emerge então uma

reconceptualização identitária que deixa de se centrar tanto na esfera local

descaracterizada, para se concentrar também numa dimensão global e planetária. Neste

exercício ocorre como que um retorno e uma contração. Um retorno (consciente) porque

utilitariamente o indivíduo tem que buscar respostas num universo mais vasto que lhe

permita responder às suas necessidades de conceptualização e enquadramento identitário

das novas dúvidas que exponencialmente vão surgindo. Por vezes já não a apenas meros

prazeres ou considerações estéticas, mas sobretudo (atendendo ao rigor, frieza e rapidez

com que os factos globais se tornam parte das nossas realidades) às necessidades básicas

do homem das cavernas – alimentação e segurança.

Há algum tempo atrás sacrificar-se-iam uns quantos animais e aguardava-se que o

divino intercedesse de forma favorável. Hoje porém, o espaço divino tornou-se terreno, ao

nível do indivíduo. E por isso, é mais suscetível de se obterem respostas da sua ação, da 47 É difícil encontrar-se um esquimó. Mais difícil ainda é encontrar-se um esquimó a deslocar-se num trenó puxado por cães, vestindo os tradicionais casacos de peles de urso e abrigando-se num iglô de gelo. Em seu lugar encontram-se as motas de neve, os casacos com Gore-Tex e Polartech e as habitações com ar condicionado. produzidos num infindável número de origens distintas do globo. É difícil encontrar uma vaca mirandesa, barrosã ou maronesa a lavrar os campos, ou a puxar as redes de pesca nas praias. Em seu lugar estão os tratores japoneses, americanos, europeus, etc.

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sua capacidade de refletir, mobilizar, atuar e procurar interferir nas relações de causa e

efeito.

A contração ocorre, porque a miscigenação de tradições, práticas, costumes e

produtos a uma escala planetária diminuiu o espólio da originalidade/particularidade

tradicional de cada local e, também porque a velocidade e o acesso à informação tornam,

num sentido utilitário e de sobrevivência, necessária uma reflexibilidade de causa efeito à

escala global. E aí inevitavelmente resta o Homem, analisando-se e comparando-se a uma

escala planetária naquilo em que se reconhece no seu semelhante – Cultura Universal.

Contudo, esta perceção de onde vimos, onde estamos e para onde pretendemos ir

não é um ato “pós”. Não ocorre à margem de referências nem desligado de um contexto

evolutivo. Por essa razão e ainda que subsistindo essa perceção holística de traços

comportamentais, preocupações e desejos, existem ao nível de cada indivíduo, os aspetos

que sobejam a esse mínimo referencial comum. Referimo-nos às particularidades,

decorrentes da posição de interprete da Cultura universal ocorrer a partir de realidades e

contextos que embora embuídos numa dinâmica homogeneizante de contração, são

diferenciados (Apêndice 10). Este campo está no extremo oposto à conceção holística do

Homem de uma sociedade planetária. Encontra-se ao nível de cada indivíduo crítico e

reflexivo – o Eu autotélico. É justamente nesta dimensão que podem ocorrer as diversas

abordagens criativas que concorrem para uma reconfiguração do Eu/Self. Não apenas numa

ótica de Cultura ou “culturas” locais, comunitárias, regionais, mas sobretudo numa

orientação hermenêutica reflexiva, critica e interativa entre estas, ao nível bidimensional e

identitário do indivíduo. Eu autotélico – Eu autotélico universal.

Cultura & subculturas são portanto conceitos dinâmicos e operatórios, que numa

ótica de “bricolage” (Anexo 32), aludem a uma conceção de atualização constante e

diacrónica que considera que a Cultura é mais um processo que um produto. No entanto,

enquanto processo e enquanto produto poderá ser assimilada, tratada e reproduzida

diferencialmente, por cada indivíduo ou grupo de alguns indivíduos, que desta forma

contribuem para uma evolução e aferição constante do conceito quer de Cultura quer de

subculturas. Quer da sociedade global, quer do sujeito local/global. Tudo é relativo, tudo é

potenciador de ação criativa.

É neste intermédio que podemos ensaiar o liberalismo nas suas mais excêntricas

aceções. Sabendo contudo que, a validade das nossas produções percorrem um longo

caminho desde o indivíduo até à consagração coletiva.

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O aspeto mais importante a reter desta discussão é a necessidade fundamental de

conceitos como “Cultura, subculturas, cultural” serem considerados numa perspetiva

interativa, permeável, dependente e dinâmica de reformulação constante. Deveria portanto

falar-se essencialmente de aculturação. O fator utilitário e identitário, experimentam em

todo este processo turbulento o confronto da diversidade, procurando em última análise,

não apenas o interesse unilateral, mas também o apuramento e enquadramento de fatores

referenciais de coesão universal. As novas similitudes da diáspora humana.

Nesse espaço interior, apenas a aculturação – sem mais.

A reter porém que, independentemente das conceptualizações que possamos

desenhar duvidamos que o global possa algum dia efetivamente substituir ou absorver a

singularidade do local, ou vice-versa. A nossa capacidade racional de planificar os aspetos

da vida social coletiva, ainda que progressivamente mais permeável, jamais se estenderá a

um imobilismo uniformizante funcional absoluto, na medida em que também possuímos

um campo diverso de opções adaptativas que derivam de condicionalismos vários de

ordem geolocal, que acabam sempre por diversificar e localizar os ofícios, a arquitetura, a

gastronomia e os costumes que se desenvolvem em determinada região (Apêndice 11).

Sabendo-o, podemos então considerar a questão Cultural numa ótica multi-

individual, mais que numa perspetiva multicultural, onde as originalidades tendem a

dissolver-se nas cambiantes que emergem das dinâmicas “bagagens”. O sentido de

identidade e utilidade apenso à interpretação do processo de aculturação afasta-se assim de

qualquer tentativa de compartimentação ou hierarquização “cultural” passiva e ambígua do

sujeito ator, colocando a tónica de todo o processo ativo/participativo e produtivo no

sujeito autor.

Para se conceptualizar como sujeito universal é fundamental saber-se local

(periférico e diverso de uma ideia homogénea absoluta/acabada), para que, pela interação

criativa aceda à sua conceção de sujeito universal, como inerência funcional. Assim, todos

os sujeitos universais, concorrem para a definição da Cultura, sem que esta alguma vez se

venha a concluir em absoluto e em definitivo. O que progressivamente (atendendo à

contração do espaço e do tempo) nos coloca desafios cada vez mais estreitos e exigentes à

capacidade de contestação ou reinvenção criativa a partir das margens. Não que isso

anuncie um fim de linha na evolução e transformação das inter-relações entre espaços

sociais distintos em direção a um congelamento normativo. Tão só se vislumbram novos

horizontes, onde cada tentativa tenderá paulatinamente à experimentação de alternativas

progressivamente mais elaboradas e desafiantes. O processo base é a emancipação destas

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emergentes subculturas. Os ingredientes principais de toda esta temática: sentido utilitário,

sentido identitário e capacidade de registo e transmissão intergeracional de uma evolução

partilhada48 (Franca, 2006; Pureza, 2001).

Neste contexto, de hipotética globalização, será portanto inoportuno falar-se de uma

eventual revolução Cultural (pós). Sendo que tal facto representaria a substituição radical

de tudo o que respeita ao processo de aculturação que juntos vimos trilhando desde o

“catamento”.

Nesta perspetiva, o multiculturalismo adquire um sentido mais preciso quando

referindo-se a indivíduos e não tanto a grupos ou comunidades, pois como referimos

anteriormente, atualmente a permeabilidade e cambiantes das comunidades torna esta

conceção numa manobra dissimulante, que poderá contaminar a perceção da realidade, ou

melhor, das distintas realidades que se inserem nesses supostos arquétipos.

Cada vasilha transporta um conteúdo.

Em todas elas existe algo em comum como inerência antropológica, no entanto, em

todas elas existe o fator diferencial, o livre-arbítrio, o sentido crítico, criativo e reflexivo de

cada sujeito. Assim, tanto a vasilha quanto a bagagem são metáforas de um processo aberto

de permutas de conhecimento. Como tal o indivíduo, mais que um mero utensílio de

depósito cumulativo de parcelas de conhecimento, é autor da sua perceção e detém o

potencial de recombinar essas parcelas em novas produções, que no extremo definem

apenas a sua singularidade, mais que um qualquer currícula passível de mensuração numa

escala de “culturas”. A sua perceção não decorre à margem da realidade, mas envolta nela.

“Observai o observador observado” (W. Burroughs).

Em termos absolutos (evolutivos/adaptativos), não existem portanto indivíduos

monoculturais. Multi-indivíduos reformulam uma Cultura Universal de forma

progressivamente mais intrincada e próxima, em sucessivas reinvenções utilitárias e

identitárias de convivência grupal, como herdeiros da capacidade singular que a evolução

permitiu ao Homem. - O registo e a transmissão diacrónica das suas reflexões49 e opções

no fluxo da evolução.

48 Acreditamos que o modelo vestefaliano (http://www.infopedia.pt/$tratado-de-vestefalia/) de gestão de soberanias tenderá no curto médio prazo a um género de soberania universal partilhada/participada, em resultado de uma maior consciência do espaço e tempo global e dos efeitos da ação humana sobre os recursos e o planeta. A perceção das cavadas assimetrias no acesso aos bens e oportunidades poderá nutrir um intenso e frenético encher e esvaziar de vasilhas em toda a extensão planetária. Levando a que os estados, federações e confederações regionais reavaliem a distância que os separam entre si e dos seus eleitores e cidadãos. 49 De caráter sincrónico, ou mesmo anacrónico (quando tende a colocar-se, ver e interpretar realidades à luz dos conhecimentos de outras épocas, ou a formular/imaginar cenários em contextos futuros).

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A aculturação representa assim todo o processo aberto que permite pensar-nos

numa linha evolutiva, mas que gradualmente perde relevância quando tentamos

enclausurá-la em compartimentos tipológicos, ascendendo o conceito a uma dimensão

quase delirante que esvazia o espaço que medeia o todo e a parte; a sociedade global e o

indivíduo. Na sociedade atual, partilharmos diferentes traços comportamentais, padrões ou

afinidades. O que por si, não basta para incluir-nos em determinada “cultura” em

detrimento de outra. Existe sempre algo50 em nós que não cabe nesse espartilho e sempre

algo que excede essa medida. Apenas em termos universais e genéricos poderemos em

absoluto definir denominadores comuns a todos, como fruto de um saber experimentado,

acumulado e transmitido ao longo dos tempos.

Mesmo quando julgarmos conhecermo-nos em absoluto, é na aculturação que

encontraremos novas certezas e novas dúvidas...

Indivíduo <=> Multiculturalismo (sub-culturas) <=> Multi-individualismo (Multi-individualidade51) <=> Cultura universal

Figura 7. Multi-individualismo.

“Nunca somos uma subjectividade em exclusivo, mas atribuímos a cada uma delas,

consoante as condições, o privilégio de organizar a combinação com as demais. À medida

que desaparece o colectivismo grupal, desenvolve-se, cada vez mais o colectivismo da

subjectividade” (Santos, 1994: 94).

“Qualquer conceito de ‘globalização’ é sempre decorrente de uma qualquer

perspectiva ou ‘olhar’ sobre a história, mais ou menos explicitamente assumida pelo

sujeito do conhecimento” (Murteira, 2003: 23).

“Podíamos até afirmar que a cultura é, em sua definição mais simples, a luta contra

a uniformidade” (Santos, 2002a: 54).

50 Para além, dos fatores geolocais distintos, que atrás referimos, a própria diferença de perceção e conceção da realidade em termos de diferentes faixas etárias, ou questões de género poderão despoletar posições diferenciadas sobre determinado aspeto. 51 Se preferirmos talvez o termo multi-individualidade consiga exprimir melhor o sentido de autonomia e criatividade do sujeito e não a ideia de isolamento anárquico que o termo multi-individualismo possa também suscitar. Por outro lado pretende uma clarificação relativamente a algumas conceções e críticas por vezes associadas à ideia de multiculturalismo: reificação das culturas; etnização das relações sociais; e separatismo comunitário (Cuche, 2003: 166).

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… ninguém morre por falta de “cultura”52…

Aculturamo-nos...

O que é meu é meu. O que é teu é nosso...

2.5. A trova dos deuses (ecumenismo)53

(…) vejo um espectáculo tão significativo e ao mesmo tempo tão maravilhosamente

paradoxal que todas as divindades do Olímpo teriam tido a oportunidade de soltar uma

imortal gargalhada (…). (Nietzsche, s.d.: 135)

Simplesmente, para ver um pouco claro neste grande pandemonium de critérios e opiniões,

o único sistema que me parece seguro, é abandonar todo e qualquer guia, todo e qualquer

critério, toda e qualquer crítica pessoal, e servirmo-nos da própria experiência histórica,

como fio condutor, adoptando como método o transformar a história do pensamento

humano, na própria experiência, a única de resto que o verifica, e, a par e passo que o fluxo

do tempo, se vai desenvolvendo, este próprio desenvolvimento, em cada etapa, se

transforma na verificação crítica da etapa precedente.(…)

É o talento de sintetização, e de exposição daquilo que está mais ou menos latente mais ou

menos claro no consenso geral de momento, que torna este ou aquele nome, esta ou aquela

obra, dominante na época.(…)

Nas religiões, um nome de profeta e de apóstolo, um novo criador surge das trevas, quando

alguém sabe condensar e exprimir um momento especial de crise ansiosa colectiva da

humanidade; fora dessa crise o mesmo homem ficaria sepulto no cachão dos factos, e, se

52 Esta expressão encerra alguma ironia relativamente à forma como por vezes se procura elitizar, o termo “cultura”, procurando remeter e apropriar realidades seletas em redutos que visam simplesmente uma tentativa de colonização forçada da capacidade interpretativa individual, por parte de certos grémeos profissionais, académicos, artísticos, religiosos, políticos, etc... A presunção de definir o que cabe ou não cabe no conceito de “culto” é errada, na medida que a Cultura Universal é um correlato inexpugnável do conjunto de todos os indivíduos. As diferentes “culturas” não são mais que meros entrepostos disciplinares de caráter temporal, em que vários indivíduos se reveem. O indivíduo A pode rever-se na “cultura” 1, 2 , 3 enquanto que o indivíduo B se revê nas “culturas” 1, 3, 5, 6 e o indivíduo C se revê nas “culturas” 1, 7, 8, 9. À partida todos são “cultos” na medida em que reconhecem o outro enquanto seu semelhante; mas também o são quando vislumbram, e interpretam singularidades de caráter com potencial reconceptualizante. A relatividade é assim a medida mais coerente de mensuração “cultural”. Por vezes uns quantos morrem, porque uns quantos menos, têm défice de Cultura Universal. Contudo, esse é um défice, de uns quantos menos... 53 Este termo deve ser entendido numa ótica generalista de senso comum como tendência para formar uma única família em todo o mundo e não na perspetiva religiosa que surge associada a um movimento de congregação das igrejas cristãs iniciado em Nicea no ano de 325. Pretende ilustrar a ideia de um grupo plural e tolerante orientado segundo os ditames humanistas universais, à experiência individual e coletiva tendo por base uma noção de Cultura uniforme como meramente transitória e adaptativa – uma Cultura que se afirma pelo combate/questionamento e redefinição constante dessa uniformidade.

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não conseguisse ser o exponencial desse momento emotivo, se não encontrasse dele a

forma sintética e sugestiva, perder-se-ia na multidão dos iluminados. Cristo, Budha,

Confucius, Mahometh não são mais do que exponenciais deste género. (Salazar, 1989: 7-9)

Atualmente, persiste uma visão metodológica e interpretativa em que as religiões

pretendem resistir à pulverização das narrativas, tentando nalguns casos radicalizar

posições no sentido de afirmar posicionamentos e respostas originais como pilares e

fundamentação da ação de determinados estados ou grupos políticos/religiosos. Ainda que

uma parte considerável da população venha assumindo um posicionamento mais

pragmático e relativista nesta temática, persiste uma visão apensa a retóricas e

comportamentos tradicionais e religiosos que na realidade preferem ver adversários e

inimigos, onde na realidade estes já não têm lugar, ou onde são confundidos

intencionalmente como tal. À falta de melhores argumentos invoca-se uma ideologia, uma

profecia ou uma tradição religiosa para se fazer estender às massas os intentos de elites

dirigentes.

As narrativas do social/religiões, que atualmente coabitam entre nós, devem ser

entendidas como sucedâneos cumulativos de percursos singulares, em que a singularidade

de cada uma delas reside no facto de em determinados períodos da história, algumas

tomadas de posição em termos políticos e sociais, ou acontecimentos mais ou menos

marcantes terem sido combinados como forma de explicar e legitimar a condição humana,

naquilo que ela encerra como necessidade de se tornar percetível enquanto norma

necessária à vida em sociedade do sujeito54.

Estas narrativas foram surgindo, um pouco por todo globo, com mais ou menos

originalidade, ou como resultado de fusões e readaptações de perspetivas anteriores. À

medida que o Homem conquistava a perceção do “espaço uno”, estes cânones tenderam a

ser colonizados pelos discursos das sociedades, mais desenvolvidas. As retóricas

elaboradas e oriundas de diversas origens geográficas eram certamente o estandarte de

civilizações bem sucedidas, quando a aventura da expansão e da descoberta do

desconhecido era uma realidade. Cada uma das perspetivas tendia a ser vista pelos seus

defensores e seguidores como a mais válida e legitima (quantas vezes inspirada ou apoiada

54 Não devemos ignorar o facto de na antiguidade a relação entre política e religião ser demasiado próxima, ao ponto de os líderes políticos serem simultaneamente o governante e o enviado de Deus (ex: Egito). Esta era uma forma de reforçar e tornar inquestionável o poder do soberano, através de um manietar de consciências. Na atualidade existem ainda algumas sociedades teocráticas ainda que, aparentemente, com uma dimensão menos acentuada.

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numa pretensa revelação divina (Apêndice 12) e que como tal deveria ser inculcada e

transmitida a outros povos descobertos e/ou subjugados como um imperativo de

consciência divina.

Se por um lado, as religiões tinham nas sociedades a função de enquadrar o ser

humano perante uma natureza desconhecida, pejada de temores, castigos e perigos; por

outro lado elas sempre constituíram um forte ingrediente disciplinador e ordenador que

complementava na perfeição o papel de governação dos políticos. Hoje contudo, afiguram-

se cada vez mais como um fator arredado de teses explicativas da realidade, sendo que o

espaço nouméno tende progressivamente a incorporar uma visão mais terrena do ser

humano, quedando-se por um sentido propulsor de mobilização e esperança em si e no

outro (universal/reflexivo) que propriamente num sentido de temor da ação transcendental

punitiva de entidades icognoscíveis.

Urge pois, perseguir-se uma conceção de coesão social humanista de dimensão

planetária, fundada na objetividade. Mais que considerar a perspetiva da incompletude e

falência do Homem enquanto fruto de uma evolução e registo histórico, onde as narrativas

em confronto se debatem e aniquilam mutuamente, é necessária uma abordagem

inclusiva55 e participativa que mobilize os variados conhecimentos numa ótica de

esclarecimento, edificação responsável e sustentável. Assim, qualquer tentativa de afirmar

os méritos, legitimidade ou salvo conduto divino, por parte de qualquer religião, deve ser

encarada numa ótica monolítica de reconhecimento intelectual.

Mais que percorrer o caminho da transcendência em que as religiões servem como

um opiáceo, uma alienação da realidade56, um gheto de onde elites astutas alimentam os

fundamentalismos que as alimentam57, a sociedade global, depois de ter vencido a natureza

apreendendo a natureza da natureza humana, deve tentar sobreviver-lhe.

O legado à espécie humana, relativamente a todas as outras espécies (se assim o

entendermos) foi tão somente, a força da razão. E essa apenas existe no(s) sujeito(s) e na

sociedade como a intermediação existente entre si, e que assegura a norma necessária à sua

existência. Ao indivíduo compete o direito e o dever de participar na definição da

55 Ao nível planetário (absoluto) não há como excluir, sem que disso se tenha consciência. 56 A religião é uma “neurose obsessiva universal da humanidade” (Sigmund Freud - O Futuro da Ilusão); “A religião é o ópio do povo” (Karl Marx – “Uma Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” - 1844) 57 A ordem das castas, o regulamento das classes, mais não fazem do que formular as regras superiores da própria vida, a separação dos três tipos é necessária para conservar a sociedade, para tornar possíveis os tipos superiores – a desigualdade dos direitos é a primeira condição para a existência dos direitos (Nietzsche, s.d.: 123).

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sociedade, e à sociedade compete o direito e o dever de preparar os indivíduos nesse

sentido.

O pior de entre toda a multidão Alguma coisa fazia pelo bem comum.

(…) (Mandeville, 1729, cit. in Smith, 1981: 66-67)

Por certo, o Deus aritmético, não haveria de projetar o fim da humanidade pelo

confronto em seu nome.

Um estado político onde alguns indivíduos têm milhões de rendimento enquanto outros enquanto outros morrem de fome, poderá subsistir quando a religião deixa de lá estar com as suas

esperanças noutro mundo para explicar o sacrifício?! (François Chateaubriand)58

O jeito de ver pela fé é fechar os olhos da razão (Benjamin Franklin)

Considero a religião como um brinquedo infantil, e acho que o único pecado é a ignorância

(Cristopher Marlowe – The Jew of Malta)

Aos deuses peço só que me concedam O nada lhes pedir (Ricardo Reis - heterónimo de Fernando Pessoa)

Na realidade, para quê ver diferenças onde sobressaem as coincidências (Anexo

33)!...

“(…) Religion may indeed constitute part of the multiple identities of an individual,

but it is important that the diversity of identities is reflected in the global dialogue efforts

as a whole (…)” (UN, 2011b).59

58 As citações que apenas apresentam o nome do autor ou nome de autor e da publicação foram recolhidas em http://pt.wikiquote.org/w/index.php?title=Religião&oldid=136968. 59 Representante da Polónia assumindo posição da União Europeia sobre a importância da sociedade civil na participação no diálogo intercultural. 66º Plenário da Assembleia das Nações Unidas a 24 de dezembro de 2011 (http://www.un.org/News/Press/docs//2011/ga11201.doc.htm).

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2.6. Equilíbrio: Regressão progressiva & progressão regressiva

Figura 8. Evolução

Note-se que, de todos os grupos zoológicos existentes, o grupo humano foi (é) o

único a conseguir planificadamente o domínio (presumido) da natureza, podendo ainda

verbalizar, emitir juízos e intencionalidade de nível avançado face a outros grupos.

Sobretudo, destaca-se na capacidade de dominar a sua própria natureza inata através da

socialização/ educação. Se o pretendermos, na espécie humana o inato subsiste também,

como uma expressão do adquirido.

Dito de outra maneira, a sociedade humana, é de todos os grupos zoológicos o

único capaz de prolongar no tempo o registo da sua ação e transmiti-lo, de forma

consciente, de geração em geração – Cultura.

“O que é pré-existente em nós que nos levou a confundir a realidade com a

percepção que tínhamos dela?” (Magalhães, 2007: 21).

Durante os 99, 99999 por cento da nossa história enquanto organismos, estivemos sempre

na mesma linha ancestral dos chimpanzés. Não se sabe praticamente nada sobre a pré-

história dos chimpanzés, mas o que quer que seja que eles o tenham sido, nós também

fomos. Depois, há cerca de 7 milhões de anos, aconteceu qualquer coisa de muito

importante.

Surgiu das florestas tropicais de África, um grupo de novos seres (austrolopitecus), que

começaram a expandir-se pelas savanas… (Bryson, 2005: 406)

“De facto, tão íntima era a relação entre “De facto, tão íntima era a relação entre “De facto, tão íntima era a relação entre “De facto, tão íntima era a relação entre humanos e chimpanzés (como se dhumanos e chimpanzés (como se dhumanos e chimpanzés (como se dhumanos e chimpanzés (como se diz numa iz numa iz numa iz numa citação amplamente citada, os humanos citação amplamente citada, os humanos citação amplamente citada, os humanos citação amplamente citada, os humanos partilham 98,5 % do seu ADN com os partilham 98,5 % do seu ADN com os partilham 98,5 % do seu ADN com os partilham 98,5 % do seu ADN com os chimpanzés) que parecia que na realidade, chimpanzés) que parecia que na realidade, chimpanzés) que parecia que na realidade, chimpanzés) que parecia que na realidade, seríamos apenas chimpanzés que tinham seríamos apenas chimpanzés que tinham seríamos apenas chimpanzés que tinham seríamos apenas chimpanzés que tinham enlouquecido.”enlouquecido.”enlouquecido.”enlouquecido.” (Dunbar, 2006: 28)(Dunbar, 2006: 28)(Dunbar, 2006: 28)(Dunbar, 2006: 28)

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Ao longo dos tempos, o grupo humano experimentou vários sistemas de

organização e controlo da vida em sociedade. Nos estádios iniciais do desenvolvimento,

como já referenciamos anteriormente, estas relações estabeleciam-se em termos

metodológicos e práticos muito próximo da relação que se estabelece no restante mundo

animal. Referimo-nos sobretudo ao aspeto evolucionista tendencial e inerente à

generalidade das espécies - A supremacia dos mais adaptados e a correspondente

eliminação dos menos aptos. Este procedimento, para além de outras condicionantes

assenta numa relação competitiva com o objetivo de garantir o acesso a recursos escassos.

Ora se ao nível da generalidade das espécies vivas este aspeto é um dado mais ou menos

adquirido, ao nível da espécie humana existem pequenas subtilezas que tornam difícil

pontuar esta questão numa correspondência linear.

Nos primórdios do desenvolvimento humano, encarado retrospectivamente numa

perspetiva diacrónica, as relações organizacionais limitar-se-iam a funções utilitárias

básicas da sobrevivência: a necessidade de defesa e de alimentação. No entanto, há medida

que a espécie fazia novas adaptações funcionais à natureza60 ia-se revelando a capacidade

de uma maior versatilidade no domínio da rentabilização e adaptação dos seus recursos ao

serviço dessas necessidades elementares. Era o início da supremacia da espécie61 humana

sobre todos os outro grupos vivos. Num sentido lato, a globalização ter-se-ia desenhado

nestes meandros iniciais.

Em toda esta odisseia, o fator grupal e cooperativo foi decisivo para esta

emancipação do génio humano. Contudo, ele coabitava com uma competição pelo acesso

ao poder, que indiretamente assegurava um acesso privilegiado aos recursos. Não nos são

estranhas as imagens alegóricas do homem pré-histórico que impunha pela força a sua

supremacia perante o grupo, tornando-se líder, até que outro mais adaptado contestasse o

seu lugar. Estas capacidades organizacionais também passaram por uma sensível e

demorada transformação. Passaram da abordagem e confronto individual direto e baseado

na força física como fator de seleção, para atributos mais diferenciados e associados à 60 Como sejam o bipedismo ereto, a articulação fonatória mais elaborada, a emancipação do polegar, a diminuição do tamanho dos maxilares e o aumento da caixa craniana e da massa encefálica, etc… 61 O termo espécie adquire não um sentido compartimentado e absoluto, mas uma derivação intermédia num percurso biológico evolutivo. Na realidade Darwin, sublinhava com veemência que “Quando estivermos seguros de que todos os indivíduos da mesma espécie e todas as espécies estreitamente aliadas de um mesmo género são, nos limites de época relativamente recente, derivados de um antepassado comum e têm emigrado de um berço único, quando conhecermos os diversos meios de emigração, poderemos então, com os ensinamentos que a geologia nos fornece atualmente e que continuará a fornecer-nos sobre as alterações sobrevindas outrora nos climas e no nível das terras, chegar a traçar admiravelmente as emigrações anteriores do mundo inteiro” (Darwin, 2010: 614).

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dinâmica de grupo. Progressivamente o líder passou a ser não tanto aquele que detinha um

porte ou compleição física capaz de destronar qualquer adversário, mas também aquele que

se mostrava mais eficaz na caça, nas estratégias de defesa e na promoção do sentimento de

prosperidade e segurança da comunidade. Começaram a desenvolver-se relações sociais e

políticas que implicavam o reconhecimento coletivo e a aceitação da norma como fatores

de coordenação comunitária.

Neste sentido, podemos falar de uma regressão progressiva (globalização

inconsciente). Regressão porque o ser humano regredia (emancipadamente) face à restante

condição do sistema biológico, afirmando a sua supremacia intelectual, técnica e

especificidade.

Este aspeto é fundamental para percebermos as razões que permitiram passar de

uma situação de grupos isolados de pequeno número, para comunidades mais abrangentes.

Na fase nómada inicial em que o homem se disseminava por todo o planeta, o

número efetivo do grupo não seria muito numeroso, por todos os inconvenientes que isso

acarretava.

Figura 9. The Big Idea: The Human Journey (National Geographic, 2009)

Contudo, como o ser humano beneficiava de uma capacidade adaptativa em termos

morfofisiológicos, intelectuais e inventivos superiores, puderam simplificar a resposta às

necessidades básicas alimentação e defesa. Elas continuavam presentes por inerência, mas

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integradas em hábitos adquiridos que tornavam progressivamente mais fácil o seu

atendimento. Nesta fase inicial (mas que se operou durante um longo período), ocorrem

uma série de conquistas funcionais que permitiram passar da recoleção e da necessidade do

nomadismo, à localização sedentária através da promoção da subsistência grupal de uma

forma ativa e interveniente. Referimo-nos primeiramente ao aperfeiçoamento das técnicas

de caça e dos instrumentos, à descoberta do fogo e mais tarde à capacidade reprodutiva

orientada (agricultura e domesticação de animais/agropecuária).

A localização e a exploração dos recursos complementada com as tarefas

produtivas levou a que as comunidades sedentarizadas aumentassem em função da

disponibilidade de recursos e condições disponíveis. Esta nova fase viria a dar origem à

existência das primeiras civilizações da antiguidade. Tal só foi possível, porque a regressão

da espécie humana já se encontrava algo distante da abordagem competitiva primária, do

reino animal. Na verdade, ocorrera um apuramento das técnicas organizacionais de gestão

política grupal a dimensões cada vez mais significativas. Isto corresponde a dizer que a

coerção inicial de confrontação física direta tinha dado lugar a um sistema organizacional

normativo, em que a coerção era exercida por consentimento e aceitação através dos

agentes a quem o poder era delegado. Esta era, tal como qualquer das outras conquistas

uma questão utilitária de adaptação grupal, porque a cooperação trazia vantagens ao nível

da sobrevivência da comunidade, em termos de resposta à simplificação das necessidades

de alimentação, e de defesa. E ao simplificar estes domínios elementares, libertava a

espécie colaborante para novas conquistas e ganhos de eficiência em domínios

progressivamente mais específicos e especializados.

Podemos então afirmar que foi sobretudo a sua capacidade cooperativa de regressão

face à natureza seletiva acidental que permitiu o progresso e emancipação da espécie no

âmbito social. O todo organizado é mais do que a mera soma das partes, e isso mede-se no

benefício coletivo e ganhos em termos coletivos; ainda que ao nível dos indivíduos a

situação nem sempre equivalesse a uma posição de redistribuição ou acesso equitativo aos

recursos.

Esta posição diferencial e estratificada ao nível dos indivíduos ocorre sobretudo,

porque: começa a haver necessidade de haver uma divisão de tarefas a nível interno o que

determina de certa forma uma cisão formal e hierárquica entre as primeiras sociedades, a

esfera dos governantes (administradores/chefias) e a esfera dos produtores (artífices), o que

implica um estatuto diferencial em termos posicionais a nível interno. Uma elite

privilegiada agindo como um cérebro e as massas como a sua extensão operativa.

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Um outro aspeto bastante importante relacionado com a assimetria do

reconhecimento dos papéis sociais diferenciados dos indivíduos e, que viria a tornar-se

mais tarde como o fator central de uma globalização consciente, prende-se com a

sofisticação dos processos de troca que viriam a originar o comércio. Tal como refere o

pequeno excerto da história económica no início deste texto (anexo 3), a divisão do

trabalho e a especialização de tarefas permitiu a produção de um excedente que poderia ser

trocado entre os vários artífices e produtores. Primeiramente este processo ocorreu ao nível

interno das sociedades e posteriormente a um nível externo. Uma comunidade localizada

perto de um rio ou zona costeira poderia trocar bens com uma outra comunidade interior

dedicada à agricultura. Assim nascem as primeiras feiras, a moeda (Anexo 34) – o

comércio.

A conquista de civilização e a melhoria da qualidade de vida continuava, do ponto

de vista da espécie, a tirar partido da sua capacidade cooperativa. Os níveis de segurança

aumentavam consideravelmente porque a energia orgânica química da natureza era, pela

técnica e génio humano, convertida em energia mecânica geradora de mais e mais

produtos. Este clima favorável, fortemente desenvolvido nos séculos mais recentes, veio a

dar lugar a uma multiplicação do efetivo populacional que não deixou de acontecer até aos

tempos atuais.

Contudo, este aumento demográfico acarretava também, situações de escassez, o

que combinado com um crescimento crescente e descoberta de outras comunidades

acabaria por desencadear uma abordagem competitiva em termos de domínio e possessão

quer dos recursos quer das técnicas das comunidades vizinhas. Nesta fase o instinto de

defesa das várias comunidades humanas transferiu-se do perigo externo associado à defesa

face a ataques de feras e catástrofes naturais para necessidades militares efetivas

vocacionadas para a defesa e conquista de outros territórios. O homem começava a

aventurar-se para além das fronteiras familiares. Este movimento implicava já um nível

civilizacional organizacional bastante elaborado.

A coerção ou a aplicação da força passa a ser entendível a nível interno como forma

legítima de manutenção da ordem social, mas também a nível externo sobre outras

comunidades, como forma de assegurar a sobrevivência e coesão interna. É evidente que

como prémio das conquistas, resultava a submissão dos povos conquistados. Estes eram

então integrados na comunidade vencedora na qualidade subjugada de escravos servis. Esta

condição permitia a comunidade vencedora prosperar através do seu trabalho, não obstante

contudo a uma agudização a estratificação em termos humanos universais.

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Numa perspetiva de globalização, em termos económicos começava a verificar-se

uma certa aglutinação dos mecanismos sociais em função da dinâmica materialista das

sociedades. Em termos políticos, embora evoluindo cumulativamente para modelos mais

sofisticados verificava-se como aspeto relevante a legitimação da força, quer como fator

disciplinador interno, quer como pré-requisito na competição externa.

No entanto, algo de realmente marcante surgiu na história humana como prelúdio

universalista de uma fase consciente de globalização.

Na Grécia (por volta do Séc. VII a. c.), em Atenas se pretendermos ser mais

precisos, davam-se os primeiros passos no sentido de uma governação mais participada

pela comunidade.

A governação do todo social surgia já não apenas como um direito hereditário ou

elitista, mas abria-se caminho à escolha e à participação do povo (cidadãos) na governação

da cidade. Nomes como os de Sólon, Clístenes, Péricles, Sócrates, Platão, Aristóteles e

Demóstenes, debateram sucessoriamente os alicerces daquilo que viria a ser o modelo

social das sociedades democráticas. Este modelo, ainda que inicialmente rudimentar,

assumia formalmente a dupla via de circulação do poder dos indivíduos (povo) para a

liderança sob a forma de um escrutínio, o que legitima o retorno desse poder aos

indivíduos como produto de uma filtragem da vontade geral. No fundo pretendia-se que as

decisões tivessem a implicação consciente de todo o grupo, a sua anuência e a sua

corresponsabilização. Para que o sistema funcionasse era necessário criar uma série de

conceitos e instituições integradoras de práticas democráticas (Anexo 35) que permitisse a

participação e o rotativismo dos cidadãos nas funções da “polis” cidade-estado.

Figura 10. Esquema político da sociedade Ateniense (Infopédia 2005)

Apesar de neste modelo ser aceite a escravatura, e o não reconhecimento do

estatuto de cidadão às mulheres e aos estrangeiros, sendo por isso uma democracia limitada

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vista segundo os padrões atuais, algo de realmente marcante e inovador rompia com o

passado. A partir daqui e a apesar de a “politia” (hoje democracia) coexistir com outras

formas de governo, tais como a aristocracia e a monarquia (entre outros), uma visão mais

plural dava os primeiros passos no sentido de exprimir e executar formalmente a vontade;

“aparentemente” de todos 62.

Contudo, nos breves milhares de anos que decorreram desde então, operou-se uma

transformação radical de um percurso que há milhões de anos acompanhavam a conquista

e descoberta do génio humano. A intensificação dos ganhos civilizacionais crescentes

acompanhados de um evoluir privilegiado da “racionalidade cognitivo-experimental” e do

princípio do mercado, ao invés de conduzirem a humanidade na senda do coletivismo

fortalecendo o processo de regressão face à condição inicial da espécie, levaram também,

em alguns casos, a presumir-se a irrazoabilidade e falibilidade da espécie humana em

termos universais, enquanto grupo de indivíduos com presumidos direitos semelhantes.

À medida que os fatores se aglutinavam em torno de uma consciência universal, a

ritmos cada vez mais céleres, tornava-se mais difícil harmonizar costumes, tradições,

hábitos e modelos sociais diversos em função de uma visão global que permitisse uma

gestão dos aspetos que a pouco e pouco iam extravasando as fronteiras dos territórios e

soberanias delimitadas. A não resolução desta incongruência racional do direito à

equidade, em redutos territoriais e políticos elementares precedentes, acompanhou e

encorpou esta tendência para arenas territoriais e políticas progressivamente mais vastas.

Até adquirir uma dimensão referencial em termos planetários...

Diríamos que apesar de a condição humana ser singularmente dotada de força da

razão, o que acabou por prevalecer durante este longo período de tempo, não obstante das

germinantes vitórias sociais e organizacionais de sentido contrário, terá sido

essencialmente a razão da força.

Hoje, quando olhámos retrospetivamente, verificamos que a pretexto da

necessidade elementar de defesa contra as ameaças da natureza, que mais tarde se

direcionaram para as ameaças de comunidades externas, se constituíram os principais

ingredientes de afirmação das soberanias e de sustentação das ambições de progresso e

melhoria das condições de vida de cada povo. Não obstante da capacidade intelectual

suprema e da propensão para a política/ vida em sociedade, em qualquer circunstância foi

62 A democracia também gera externalidades, pelo que o conceito ainda que exequível, em termos absolutos visita os domínios da utopia. No extremo, democracia, é a equação onde o coletivo e o individual se equivalem na intermediação de papéis e conceitos visando o bem comum.

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sempre necessária a presença de um poder coercivo/ militarista como suporte a um

processo de consolidação das sociedades emergentes. Se isso por si só era um esteio da

nossa razão da força, à medida que este aspeto se foi combinando com outros fatores como

o comércio, o colonialismo e o industrialismo, foi-se definindo um núcleo forte aglutinador

de países e regiões que, pela conjunção eficiente destes fatores foram firmando no planeta

uma posição que lhes permitisse assegurar uma dominância “cultural”, política e

económica de sentido imperialista, capaz de constituir um modelo a exportar a todo o

planeta. Como vimos anteriormente, a globalização, à margem das controvérsias que

ladeiam o seu conceito, tem o mérito de fazer crer aos povos dominados que a

subalternidade ao modelo neoliberal não é uma escolha mas uma condição (imposta pelos

vencedores). Podemos perguntar-nos que será feito da força da razão que nos caracteriza e

que fez emergir da obscuridade seletiva da natureza, conquistas como a democracia,

instituições e tratados internacionais que espelham e em teoria salvaguardam os direitos

universais da espécie humana.

Sintetizando, certamente responderíamos que na maior parte das vezes a força da

razão é vergada…

Por quem?!

Comecemos por consultar o Índice de Desenvolvimento Humano da Organização

das Nações Unidas. Ainda na mesma instituição verifique-se quais os países que formam o

Conselho Permanente de Segurança (com direito de veto) e porque razão aí se fazem

representar (Anexo 36). Em seguida, passemos os olhos pelas políticas e diretrizes da

Organização Mundial do Comércio, do Banco Mundial e do Fundo Monetário

Internacional e verifique-se quais os principais credores e devedores; e os que nem sequer

aí figuram?! Finalmente vejamos quais os países que constituem a Organização para a

Cooperação Económica e Desenvolvimento e também os que normalmente desfilam pelo

G8 e pelo Fórum Económico Mundial. Certamente que após esta análise será mais fácil

constatar a preponderância assídua de alguns dos atores em cada local, e o paradoxo que

envolve o caráter quase que decorativo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e

do papel subversivo-legitimador com que os fundamentos da democracia têm sido

apropriados, pelos seus mais acérrimos propagandistas.

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2.6.1. Progressão regressiva (globalização consciente) positivista63

Chegamos a esta posição eminente num período espantosamente curto. Os seres humanos

modernos em termos de comportamento, ou seja, pessoas capazes de falar, de criar arte ou

organizar actividades complexas – só existem há um período correspondente a 0,0001 por

cento da história da Terra. Mas sobreviver, mesmo neste curto período, tem exigido uma

cadeia quase infinita de momentos de sorte.

Estamos, na verdade, no início de tudo. O difícil agora, é termos o cuidado de nunca

chegar, ao fim. E isso, quase de certeza, vai exigir muito mais do que simples sorte…

(Bryson, 2005: 471)

As macromoléculas que se agruparam em células e depois as células que formaram os

primeiros metazoários, e mais tarde os animais que se organizaram em sociedades, não

“escolheram”. Seguiram a alternativa mais favorável face as forças selectivas. A passagem

para um nível de integração superior era para eles a melhor via, e sem dúvida a única, para

que o movimento evolutivo prosseguisse.

Macromoléculas, células, animais obedeciam a factores que os ultrapassavam. Para nós,

tudo é diferente: nada nos obriga a passar para um novo nível. Somos livres de ficar no

passado ou de avançar para o futuro. (Ruffie, 1982: 135)

Hoje impõe-se-nos refletir sobre os efeitos da nossa ação coletiva e aprofundar e

estender o exercício racional às grandes questões do nosso tempo questionando-nos sobre o

nosso devir enquanto habitantes de um espaço planetário comum. Há medida que nos

vamos libertando das amarras do antropocentrismo inato e vamos construindo o

antropocentrismo comunitário, é necessário tomar consciência dos limites64. Assim o eu

autotélico pode reordenar/ recuperar de forma incessante aspetos consensuais em novas

formas de expressão, pensar e agir se tiver consciência do seu eu Universal. Neste

contexto, a diacronia não se rompe por nenhum “pós”, apenas se reformula de forma

evolutiva e sustentável. O mundo global tem a vantagem de tornar claras e inalienáveis as

tentativas de monopolização despóticas e os comportamentos inúteis ou nocivos, fazendo

emergir das margens do todo, reflexões de sentido prático em detrimento de posições

sectárias gregárias. Ainda que possamos estar a passar por uma fase em que se radicalizam

posições e pretensões no campo da moralidade, do confronto religioso e intercivilizacional,

63 Ver Anexo 37. 64 O Eu local e o eu Global/Universal o sujeito e a sociedade (pág. 83).

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aspetos como o colapso ecológico global, o perigo nuclear, ou o acesso diferenciado a

recursos e bens elementares, contribuirão por certo para nos fazer regredir

progressivamente ao ponto de compreendermos a equidistância que a todos nos separa e

nos une.

Tal como outrora fomos capazes de percorrermos a epopeia da regressão (regressão

progressiva) em que a humanidade se emancipou racionalmente, urge agora acautelar os

limites da progressão (progressão regressiva) tornando este um processo consciente do

espaço planetário, responsável e sustentável em termos universais. Nesta segunda fase

enfrentamos o desafio de evitar que o progresso, supostamente global, possa ignorar os

princípios da justiça social e equidade universal, precipitando-nos numa regressão, agora

não tanto quanto à condição natural acidental, mas quanto àquilo que nos torna singulares

– a racionalidade (consciência das causas e efeitos da ação individual e coletiva).

Neste sentido, parece razoável que o reconhecimento da escala universal global do

indivíduo implique uma plataforma de mútua aceitação e reconhecimento em que não

existe grupo externo concorrente, mas um denominador comum - o Homem “biosócio-

tecnoesférico”. Caso contrário seria necessário um critério de seleção, e, a esse nível o

único critério possível é o sacrifício consciente da espécie. Nesse extremo, em que a

evidência tautológica atual nos mostra o Homem sociotecnológico65 como a bússola

catalisadora da sustentabilidade da biosfera, a equidade e uma série de direitos

fundamentais (vida sustentável, biodiversidade, participação política, justiça, alimentação,

saúde, educação…) constituem o primado da Cultura universal não apenas ao equilíbrio do

género humano, mas da natureza em si.

A natureza pensada e presumida pelo Homem do renascimento, como o auge da lei

natural, apela neste momento a que a supremacia da socioesfera e da tecnosfera persiga a

conceção biosférica para além da conceção das relações intraespécie humana. “Os

golfinhos não estiveram à espera que o homem começasse a descodificar a sua linguagem

para começarem a comunicar entre si” (Magalhães, 2007: 23). “A biosfera sempre foi

interdependente e muitas das descobertas científicas devem ser olhadas como ‘um saber

que a natureza sempre soube’ e que não surgem no momento da descodificação que o

homem logrou alcançar” (Magalhães, 2007: 23).

65 Mais que controlar/dominar a natureza o Homem atual deve procurar conhecer-se e dominar/controlar a sua relação enquanto agente natural capaz de pensar-se enquanto ser superior.

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É o homem que anda atrás da realidade e não a realidade que anda atrás da percepção da

realidade que o homem tem dela. A independência da espécie humana em relação ao

ambiente é relativa e circunscrita a pequenos sistemas, que não deixam nunca de revelar a

sua fragilidade quando a biosfera exerce a sua soberania. (Magalhães, 2007: 23-24)

Podemos concluir que não estamos irremediavelmente condenados à ciclitude do

acidente natural, enquanto predeterminação inscrita no destino. Nesse cenário, o destino

prescreveria a hipótese de uma biosfera onde a ausência do Homem se afigura cada vez

mais como condição de sobrevivência do restante sistema vivo. Do nosso ponto de vista

planetário, estamos sim, em primeira mão, condenados à responsabilidade de

compatibilizar o nosso umbigo ecológico com o umbigo da Ecologia (Anexo 38).

A equidade no acesso informação/conhecimento através da partilha e aculturação

(educação formal, não formal e informal) poderá então assumir um papel promissor e

nivelador da capacidade de interpretar e intervir sobre aspetos comuns a todas as

individualidades. Contudo, é necessária alguma dose de ousadia no sentido de, qual

bricoleur, melhor interpretar e impulsionar a capacidade de nos reconhecermos enquanto

espécie singular, criativa e com potencial de confrontar e gerir o vulgar acidente adaptativo

de pulsões na luta pela sobrevivência do seu umbigo.

Em suma, após uma fase de globalização latente/ inconsciente, somos convocados a

tomar parte numa globalização consciente/construída evitando um retorno consentido e

literal à condição biológica inicial de seleção natural primitiva.

Gráfico 7. Where do the world´s out-of-school children live? (UNESCO, 2011: 40)

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Figura 11. 2005-2015 UN Decade of Education for Sustainable Development

Porque razão falamos sempre

a duas vozes?

…E ouvimos apenas por um dos

ouvidos.

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CAPÍTULO III

PULVERIZAÇÃO E MIMETISMO IDEOLÓGICO FUNCIONAL: A RELEVÂNCIA

DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS/LOCAIS NA EMERGÊNCIA E

MONITORIZAÇÃO DE SOLUÇÕES DE DEMOCRACIA PARTICIPADA AO NÍVEL

DA SOCIEDADE E DA EDUCAÇÃO. – SOCIEDADE DE PROVIDÊNCIA.

3.1. Sob o espelho…ESQUERDA OU DIREITA?!

“vivemos em quebra de tensão político ideal, sob adormecimento ideológico, em

grave desequilíbrio político, onde a esquerda tarda a definir um claro rumo ideal e onde a

direita é tudo e o contrário de tudo” (Santos, 1999: 66).

“Só existem duas famílias no mundo, como a minha avó costumava dizer: os ricos e os

pobres” (Sancho Pança em Dom Quixote de la Mancha, Miguel Cervantes ) (PNUD, 2005: 50)

(…) à medida que a democracia perde a sua capacidade para redistribuir riqueza social,

estamos a caminhar para sociedades que são politicamente democráticas mas socialmente

fascistas;

(…) o perigo não é o neofascismo, é pensar-se que um mundo mais solidário, não é

possível nem desejável… (Santos, 2002b: 42)

A atualidade é frequentemente perpassada por discursos de erosão e pulverização

ideológica que, desconstruindo ao extremo as barricadas da tradição, procuram reorganizar

nos escombros novos modelos, que tentam resistir ao hibridismo centralista, lutando de

forma inebriada por afirmar a sua singularidade. E apesar de nos confrontarmos com a

impossibilidade de escapar à globalidade consciente, estes pequenos artifícios continuam

iludindo a globalidade tentando em última análise defender “o bom nome de família”.

Na realidade duvidamos, que “nada mais se possa acrescentar”. Parece-nos que no

essencial é necessário reavaliar quer o conceito de riqueza e pobreza, tendo em linha de

conta a verdadeira dimensão que o conceito de “família” assume em termos da

globalidade. Assim, mais do que reincidir na perspetiva que tende a afirmar as diferenças

entre hemisféricas fações, deveria procurar-se meios que permitam favorecer a “família

global” no seu todo, deixando que essas diferenças ao invés de favorecerem a sorte e o

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acaso próprio da natureza, constituam substância e racionalidade. Um progressivo

nivelamento em termos de acesso a um nível de qualidade de vida elementar.

Em tão grande empresa, e perspetivado de um ponto de vista ideológico, não pode

presidir uma política teoricamente dicotómica e antagónica de confronto entre famílias,

mas tão só a assunção de um modelo cooperativo em que componentes distintos ocupam

um lugar intrínseco às características que os definem.

Aquilo que conhecemos como princípios ideológicos de esquerda ou de direita (em

si, desde logo opostos em termos semânticos) não pode continuar a legitimar uma dialética

filosófica e política que legitima o domínio inevitável do acaso e do acidente das leis

naturais sobre o agir coletivo/ racional concertado. Em ambos os lados paira uma nebulosa

argumentativa fundamentada em opções e comportamentos políticos e sociais, que

entorpece a perceção dos aspetos explícitos de seleção de tipo darwinista que aí existe de

forma transferida.

Por outras palavras, tentamos convocar a atenção para o facto de hoje o

neoliberalismo (liberalismo económico) prevalecer impunemente sobre a racionalidade e a

concertação coletiva de vontades e necessidades. Pior que isso, será mesmo vermos o

cinzentismo com que algumas posturas pretensamente contestatárias, devido às raízes

militantes em que dizem inserir-se, prestam vassalagem a um modelo triunfante de sentido

contrário à sua ideologia. Até mesmo esses que se lhe opõem, ou afirmam fazê-lo parecem

ter dificuldade em acreditar profundamente nessa realidade dicotómica (Anexo 39). A

verdade é que um adversário inseguro e volátil é precisamente o ingrediente que o

dominador necessita para afirmar e legitimar a sua vitória numa luta (teoricamente) entre

iguais (ideologias), mas supostamente opostos na originalidade de conceber a realidade

social. Ora, aquilo a que temos assistido à medida que avançamos em termos de civilização

e capacidade reflexiva, é justamente um suplantar, a muitos níveis, da força sobre a razão.

A pergunta a colocar-se será obviamente; para quê uma razão que apenas consegue fazer

percetível a dimensão elaborada da força?! Na realidade, se ninguém domina a natureza,

ela autorregula-se dentro dos seus próprios ritmos e limites. Como regular numa perspetiva

emancipada?!

A perspetiva que defendemos não é a da oposição radical à natureza e às suas leis

seletivas, mas também não é a da contestação conivente (conveniente) e rendida.

Grande parte dos mais destacados dirigentes políticos, usam a ideologia (no

discurso pré eleitoral) e posteriormente capitalizam (defraudam) a confiança dos eleitores

em favor das políticas (de sentido inverso) que pretendem pôr em prática, com o

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argumento de que face à globalização da economia e aos seus efeitos indomáveis, não

existem alternativas nem lugar a “caprichos” ideológicos. Nesta perspetiva, na atualidade,

ao invés de falar-se de esquerda ou direita como opção ideológica, poderíamos apenas falar

de nuances/ caprichos neoliberais. – as duas “caras” de uma mesma moeda. O aspeto mais

preocupante deste expediente é que à medida que o poder opressor e vencedor de uma

minoria se acentua sobre uma maioria cada vez mais desprotegida e desprovida de direitos/

vulgo capacidade económica (face a um padrão de vida/IDH/IPG), se agudiza a

necessidade de alternativa capaz de conter esse fluxo. Num aumento exponencial da

população geral, a distribuição da riqueza ocorre num plano secundário e assinala

sobretudo a assimetria entre estratos.

Contudo, os vencedores contam antecipadamente com dois aspetos a seu favor:

1. o facto de se encontrarem numa posição dominante em que é possível mitigar

as alternativas, assimilando-as no seu modus operandi, através da apropriação

e subversão da democracia liberal, através de uma elaboração

progressivamente mais fina do discurso e práticas políticas associadas em

função da conjuntura (suposta e cumulativamente indómita) – o pretexto

essencial na arte da dissimulação. A parte de trás do espelho democrático é

essencialmente oligárquico;

2. a capacidade de fazer acreditar a essa maioria periférica (pela indução do

desespero) da necessidade de testar alternativas inclusivas66. As dicotomias

normalmente fazem crer que em uma das partes se encontra a solução em que

cada indivíduo se poderá rever. Quando na realidade, por detrás do vidro

espelhado, os líderes do sistema instituído soltam fartas gargalhas, perante a

ingenuidade e convicção com que as massas se deixam enredar, nos topos

conceptuais virtuais (esquerda/direita) por si patrocinados como forma

conveniente de perpetuar uma série de outras dicotomias, e essas

progressivamente mais percetíveis (dominador/dominado; vencedor/vencido;

mais apto/menos apto; incluído/excluído; ou simplesmente razão/força). E

assim, enquanto persistirmos em não questionar determinadas quimeras com

que se mantém ocupadas as massas, em busca de uma suposta lateralidade

filosófica, continuaremos a permitir que a montante, o nosso sentido de culpa

e inaptidão, sirva o propósito de fortalecimento daqueles para quem o

66 Sendo que a exclusão é mormente associada a inaptidão face aos requisitos (neoliberais) vigentes.

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subterfúgio dicotómico esquerda/direita, mais não é que o pêndulo visível de

um relógio oculto. Não importa se o relógio está certo ou sequer se existe;

contudo o simples facto de o pêndulo oscilar incessantemente cria a sensação

anestésica de alternância e ritmo capaz de marcar a cadência necessária à

conceção de tempo por parte das massas entorpecidas, e da energia necessária

para a leitura e escrita do tempo real, por parte das elites dirigentes. Assim,

uma qualquer conquista aparente no campo da equidade, corresponde,

normalmente, a uma premeditada vantagem da parte de quem permite tal

cedência67.

Se quisermos podemos comparar a dicotomia razão/força ao sistema financeiro

empreendido pelas instituições bancárias. Quando permitem o crédito, estas últimas,

asseguram premeditadamente a restituição, não apenas do valor cedido, mas sobretudo do

juro que reforça a sua sobrevivência e posição dominante no processo. A este processo

Keynes atribuiu o termo medieval “usura” (Skidelski, 2010: 205).

Queremos com isto dizer que qualquer esforço que não passe pelo esclarecimento

do modelo de confluência unidirecional, apenas servirá como uma manobra subversiva de

fortalecimento desse centro. Parece-nos que numa dicotomia força/razão, do ponto de vista

humano (universal), apenas a força necessita de um credor – não o contrário. Sobretudo

quando percebemos que nessa dicotomia, uma das partes apenas existe para sofisticar

argumentativamente a prevalência daquela parte, que para o restante mundo animal é uma

condição inerente – a força. Seremos apenas “chimpanzés enlouquecidos”?! Ou poderemos

ousar parar o pêndulo, para procurar o relógio?!

Não querendo repetir incessantemente o sucesso e o papel aglutinador que o

modelo económico neoliberal tem exercido na contração hegemónica; até porque

67 É certo que o progresso face à barbárie nua e crua já não ocorre pelo fio da espada ou pelo estalo do chicote, hoje vivemos, grosso modo, sob uma matriz enformadora, de democracia. Uma democracia onde a equidade das desvantagens no acesso à qualidade de vida é em termos globais maior e progressivamente tão contundente quanto aquelas, ainda que o estalido e o urro vistam agora fato e gravata. “A grande burguesia constitui uma pequena fração da população (talvez menos de 2%) e mesmo acrescentando e média burguesia essa fração continua pequena. Portanto, a burguesia não dispõe de membros suficientes para preencher todos os postos superiores e médios de comando tanto da economia como da política. Para isso ela recorre a membros de outras classes sociais, principalmente das classes médias, onde ela encontra indivíduos com formação educacional superior, treinamentos específicos para aqueles postos (e a burguesia, diretamente ou através do Estado, cria escolas para isso), e frequentemente ansiosos para ascender socialmente. Esses indivíduos, quando bem treinados, diligentes e prestativos (para não mencionar outras qualidades), acabam por ocupar cargos de direção ou gerência em empresas privadas, em órgãos públicos, e mesmo cargos políticos de menor ou maior importância (inclusive ministérios e chefia de governo). É claro que eles são pagos para isso, mas também por ambição, proximidade física e identidade ideológica, tornam-se aliados 'naturais' da grande burguesia” (Miglioli, 2002: 122).

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subscrevemos o princípio de que o espaço económico é uma dimensão fulcral da vida em

sociedade68, consideramos essa reflexão essencial.

Uma sociedade não é linear, existem distintas aptidões e sensibilidades que

desencadeiam uma série de permutas de interesses que motivam uma crescente

especificação, especialização e diversificação papéis. “As receitas de trabalho variam

devido às diferentes capacidades e intensidades do trabalho (tanto em horas como em

esforço) e devido às diferenças de remuneração entre profissões que são o resultado de

diferentes quantidades de capital humano, entre outros factores” (Samuelson & Nordhaus,

1999: 365).

Gostaríamos no entanto, de suspeitar da forma autocrática dissimulada apoiada

numa apropriação, monopólio e subversão dos instrumentos democráticos por parte da

‘família vencedora’, no intuito de fazer crer que a pobreza ou riqueza são realidades

passíveis de ser submetidas à seleção natural e à inevitabilidade estratificante dos

indivíduos e das sociedades locais/regionais.

68 Tal como no livro infantil A crise explicada às crianças: para miúdos de esquerda vs. para miúdos de direita, onde as abelhas assumem o papel dos mercados e o urso o papel do défice. …um pouco de mel não faz mal a ninguém… (Tavares & Saraiva, 2012).

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Países Países Países Países centraiscentraiscentraiscentrais

OMC/FMI/’ONU

Países Países Países Países semiperiféricossemiperiféricossemiperiféricossemiperiféricos

P P P Paisesaisesaisesaises periféricosperiféricosperiféricosperiféricos

Figura 12. Sistema mundo atual

De tão evidente cenário, se tivéssemos que encontrar no comportamento coletivo do

género humano civilizacional um correlato que melhor exprimisse a realidade

acidental/biológica teríamos por certo que enredar-nos filosoficamente por tortuosas,

cíclicas e inconclusivas opiniões esteticistas, mais que estatísticas. O que, por certo,

perante as evidências, seria uma perda de tempo.

As cores utilizadas fazem referência às dimensões do projeto da Modernidade (pág. 52). As circunferências (laranja/ mercado) dispostas em torno de um centro tentam ilustrar a perspetiva económica como denominador principal dos aspetos da vida. Por essa razão, o socialismo apenas existe nas margens (ao nível dos indivíduos – tracejado verde) como uma vã esperança mitigada. Por isso surge entre aspas. Também entre aspas surge a ONU no centro do sistema neoliberal, por considerarmos que esta instituição não possui uma estrutura autónoma, imparcial e equidistante que permita uma ação mais efetiva da sua missão; mais plural e menos atreita a condições e monopólios encetados pelo seu núcleo duro de países centrais, pontualmente integrando um outro pais semiperiférico ou periférico no Conselho não Permanente de Segurança para manter algum pudor e credibilidade. “O político em democracia está tão preocupado em não cair da montada que não tem tempo para saber para onde corre o cavalo do poder” (Shumpeter, 1942, cit. in Murteira, 2003: 100) Note-se que no interior da circunferência central a cor verde (Comunidade/cultura) e azul (política/Estado) intercala com a cor laranja (economia/mercado) tentando assim dar conta do efeito hegemónico da globalização e da forma como o mercado absorveu as outras duas dimensões. As setas tentam dar conta do movimento descendente (up-down) em que a dinâmica de poder flui. “A divisão internacional da produção da globalização tende a assumir o seguinte padrão: os países centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países periféricos cabe tão só a escolha de globalismos localizados. Os países semiperiféricos são caracterizados pela coexistência de localismos globalizados e globalismos localizados e pelas tensões entre eles” (Santos, 2002a: 71-72).

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Colocando-nos sob uma condição simplista, sem receio de estalar o verniz da

sapiência e do politicamente correto, podemos constatar, hoje (globalmente) melhor que

ontem, que no essencial toda a conquista da civilização apenas nos conduziu à conclusão

que, no essencial, somos ainda tendencialmente impelidos a uma ação não cooperativa69,

ou se quisermos, cooperativo-beligerante (numa óptica nacional ou de bloco70):

As comparações com a despesa militar são instrutivas. Por cada dólar investido na ajuda ao

desenvolvimento, outros 10 são gastos em orçamentos militares.

Nenhum país do G-7 tem um rácio de despesa militar para ajuda inferior a 4:1. Este rácio

cresce até 13:1 para o Reino Unido e até 25:1 para os Estados Unidos. Num mundo em que

os países ricos reconhecem cada vez mais que as ameaças à segurança estão ligadas à

pobreza global, desigualdade e esperança insuficiente para muitos segmentos da população

mundial, este rácio de 10:1 da despesa militar para a despesa com a ajuda não faz sentido.

Em qualquer avaliação das ameaças para a vida humana, há uma extraordinária

desproporção entre orçamentos militares e necessidades humanas. (PNUD, 2005: 93)

Como anteriormente referimos, a origem das sociedades ter-se-á desenvolvido com

base em fatores homeostásticos e também como necessidade de assegurar a satisfação de

necessidades de alimentação e segurança das comunidades emergentes. Contudo, nos

69 “Daí surge a pergunta: por que preservar essa classe, que não cumpre a função social que lhe deu origem e a promoveu como classe dominante, e cuja função está deixando de ser reconhecida pelo conjunto da sociedade? A resposta é a de que a burguesia é uma classe em extinção. Mas ela pretende sobreviver, e para isso tem de lançar mão de seu monumental poder econômico e militar tanto para persuadir (não importa de que modo) como para reprimir seus opositores” (Miglioli, 2002: 124). 70 Einstein afirmava que “o nacionalismo era um doença infantil da humanidade”.

Gráfico 8. Despesa militar versus ajuda ao desenvolvimento (PNUD, 2005: 94)

Gráfico 9. A despesa militar excede a ajuda pública ao desenvolvimento nos países ricos (PNUD, 2005: 94)

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últimos anos, ao nível destes dois últimos aspectos, é notória a (qualquer sujeito

sensocomunizado) a assimetria que ilustra o quotidiano global… Sente-se.

O sistema capitalista elimina valores e crenças que não lhe servem e cria outros em seu

benefício. Em linhas gerais (…) o capitalismo foi abandonando valores morais de longa

tradição (como honestidade, solidariedade, dignidade, etc,) e mesmo valores aceitos ou

pelo menos propagados pela “velha burguesia” (como a dedicação ao trabalho, a

frugalidade, o apreço à família, etc.) e substituindo-os por valores e princípios de caráter

exclusivamente econômico (como eficiência, competitividade, sucesso etc). Isso sem

dúvida provoca o desgaste moral do capitalismo, principalmente quando sua “imoralidade”

pública ou privada é exibida através de relatos de acontecimentos reais. (Miglioli, 2002:

123)

Defender a globalização,

ao mesmo tempo que se

ignora as preocupações

de equidade global, é

uma abordagem cada

vez mais anacrónica dos

desafios que a comunidade

internacional enfrenta.

Para países de desigualdade elevada e largas camadas populacionais na pobreza, transferir

mesmo uma pequena parcela do rendimento dos 20% do topo poderia elevar grande

número de pessoas acima da linha de pobreza. Para o Brasil e México, a transferência de

5% do rendimento dos 20% mais ricos teria os seguintes efeitos: • No Brasil, cerca de 26

milhões de pessoas seriam elevadas acima da linha de pobreza de 2 dólares por dia,

reduzindo a taxa de pobreza de 22% para 7%. (PNUD, 2005: 65)

Gráfico 11. Mais ricos mas menos generosos: a riqueza cresce mais depressa do que a ajuda (PNUD, 2005: 88)

Gráfico 10. Onde está o dinheiro? (PNUD, 2005: 37-38)

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123

Em suma, a perspetiva pró-eugénica parece suplantar a razão, bem como os

esforços no sentido de suprimir essas desigualdades. Daqui ressaltam sobretudo as

externalidades que uma visão neoliberal em termos económicos difunde a todos os aspetos

da vida social, degradando progressivamente a estrutura redistributiva a favor de um

centro, que absorve, se alimenta e desenvolve, a expensas de uma periferia e semiperiferia.

Assim, sem erradicar nenhuma das nuances em jogo, acreditamos que seria possível

desagregar esse modelo, balizando-o e enclausurando-o numa perspetiva panorâmica. O

economista norte-americano de origem austríaca Schumpeter prognosticava o sucesso

cumulativo do capitalismo71; e que esse seria porventura o seu ponto de falibilidade, dando

lugar a um modelo de gestão económica socialista. Na atualidade o sucesso do capitalismo

desorganizado, só poderá ser controlado se algo conseguir, senão extingui-lo, pelo menos

restringir e delimitar o seu campo de ação.

Pois bem, tendo o capitalismo trespassado os limites e as soberanias

locais/nacionais/regionais de uma forma progressivamente desregulada, apenas lhe resta

emigrar e lançar-se na aventura interplanetária. Como tal cenário não se afigura razoável

no imediato, e também porque o progresso por si despoletado nos dotou globalmente e em

71 Joseph Alois Shumpeter (1883-1950) ficou conhecido como um dos economistas que melhor estabeleceu a relação evolucionária entre capitalismo e sociedade. Enquanto para Marx o lucro derivava do esforço/exploração dos trabalhadores, para si o lucro derivava da inconstância e progresso do sistema económico capitalista em evolução. Na sua perspetiva os momentos de inovação exerciam desequilíbrio “criativa destruição” e esse era gerador de ainda mais progresso capitalista, que iria assegurar a manutenção e criação de postos de trabalho. Esta visão cumulativa de sucesso não seria porém infindável e vaticinou o possível fim do sistema capitalista com base na tendência de ascensão de uma classe intelectual que atacaria sistematicamente pilares da sociedade capitalista como a propriedade privada e a liberdade individual. “Evaporação da substância da propriedade” (Schumpeter, 1961). “He argued that capitalism would be destroyed by its own success. This would breed what we would now call the new class: bureaucrats, intellectuals, professors, lawyers, journalists, all of them beneficiaries of capitalism’s economic fruits and, in fact, parasitical on them, and yet all of them opposed to the ethos of wealth production, of saving, and of allocating resources to economic productivity. (…) And then he proceeded to argue that capitalism would be destroyed by the very democracy it had helped to create and made possible. For in a democracy, to be popular, government would increasingly shift income from producer to no producer, would increasingly move income from where it would be saved and become capital for tomorrow to where it would be consumed. Government in a democracy would thus be under increasing inflationary pressure” (Drucker, s.d.: 5). “O racionalismo promove o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da organização econômica, penetra nas artes, no estilo de vida, na política, estimula o espírito crítico em todas as áreas, inclusive na vida familiar e no modo de encarar até mesmo a religião e o próprio capitalismo. Assim, a crescente hostilidade ao capitalismo é criada por ele mesmo ao expandir e aprofundar a atitude racional crítica” (Migliloli, 2002: 107-108). “O desempenho atual e prospetivo do sistema capitalista é tal que refuta a ideia de o seu colapso ocorrer sob o peso do fracasso económico, mas o seu próprio sucesso corrompe as instituições sociais que o protegem e ‘inevitavelmente’ cria as condições sobre as quais conseguirá sobreviver e que apontam fortemente para o socialismo universal como seu aparente herdeiro” (Shumpeter, 1976: 61, cit. in Santos, 2002a: 95).

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termos holísticos de uma consciência reflexiva global72 e do sentir das causas/efeitos de

atitudes e comportamentos isolados, abriu-se lugar à emergência do sentir e pulsar global

anti-hegemónico. Por outro lado o sentido utilitário de resposta às necessidades

elementares migraram (pelo peso das assimetrias) do espaço local para o espaço planetário.

Neste âmbito, também as questões dicotómicas de esquerda ou de direita ou

perspetivas ornamentais de religiões apenas se consubstanciam como meros argumentos

acessórios, apenas concebíveis no domínio do delírio artístico. No fundo estes aspetos são

cada vez mais olhados e interpretados como parciais (Anexo 40), de um discurso central e

neutro que radica na dialética e responsabilidade necessária do indivíduo/sujeito na sua

relação com a sociedade no seu todo – a comunidade global. Ou seja, entre um centro e

uma periferia em que se congrega e planificam (Anexo 41) em sentido bidirecional e em

termos coletivos, vontades sustentáveis elementares (IDH/IPG).

A segurança e a alimentação retornam sob a condição de necessidades básicas, mas

agora a uma dimensão global em que a noção de “dentro” - “fora” ou “incluídos” –

“excluídos” tendem a ser eufemismos cada vez mais conscientes de uma realidade que

gravita em torno da condição humana, mais do que em torno de construções mentais e

retóricas incorpóreo as como noções de esquerda ou direita (Apêndice 13).

Desta forma, fazendo-os debater-se numa arena em que ao confrontarem-se

abertamente, simultaneamente se balizam e vigiam, transforma-se esse movimento

constante na garantia de transferência do acidental e do acaso natural do centro para a

periferia; colocando em seu lugar a capacidade racional e recíproca de planificar

globalmente os vários locais de si (indivíduo/sujeito local/global e sociedade/universalismo

local/global)73...

72 Muito por força da ação dos meios de comunicação de massa/sociedade da informação, que mesmo correndo o risco de (segundo a perspetiva de vários autores) potenciar realidades virtuais em termos de vivências descontextualizadas na perspetiva do local, contribuem de forma inelutável para uma melhor e mais rápida perceção dos fenómenos globais da atualidade. 73 Ver também figura da pág. 83. Em 07 de junho de 2007 ocorreu em Lisboa a reeleição das 7 maravilhas do mundo. A última eleição decorreu há mais de dois mil anos e classificou sete locais/monumentos próximos do local da eleição (Grécia). A atual eleição constou de 21 lugares classificados por todo o planeta, dos quais a humanidade elegeu por voto eletrónico (via Internet) as sete maravilhas do mundo. O que se evidencia neste aparte é o potencial também deste canal de comunicação/discussão como uma das formas de debate e coesão planetária… Permitindo uma extensão e libertação da perspetiva do global.

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Figura 13. Sistema mundo possível

Tal como a classe capitalista global está a tentar formar o seu Estado Global, de que a

Organização Mundial do Comércio é a guarda avançada, as forças socialistas devem criar

um “partido mundial” ao serviço de uma “comunidade socialista mundial” ou uma

Fazendo um contraponto com a ideia de Shumpeter relativamente ao futuro do sistema capitalista, do seu sucesso/colapso e da sua gestão futura, parece-nos evidentemente necessário puxar as rédeas do poder, impedindo que seja a força aleatória, acidental e imprevisível do mercado a assumi-las exercendo uma asfixia crescente. Neste sentido as dimensões Estado/política (azul) e comunidade/cultura (verde) assumem-se como as rédeas que balizam a economia/mercado (laranja). Entenda-se que a noção de estado não se vincula estritamente ao Estado-Nação que conhecemos, podendo flexibilizar-se e oscilar entre estruturas desconcentradas mais próximas dos cidadãos (nível autárquico). E também a estruturas concertadas que espelhem a diversidade e o pluralismo dos povos. Fazendo confluir pelo diálogo destas duas dimensões e pela constatação racional das realidades e dados conhecidos, os efeitos do quotidiano económico, caminhar-se-á rumo a tomadas de posição necessárias à manutenção das condições de vida dentro de parâmetros de dignidade aceitáveis (IDH-(IPG). A dimensão ‘comunitária/cultural’ também deve ser entendida segundo esta tipologia macro e micro, sendo que no nível micro se encontra o indivíduo (eu autotélico/sujeito autor) e num nível macro se encontra o mesmo indivíduo a par de todos os outros inseridos numa perspetiva comum em que a abertura e o multi-individualismo democrático institucionalizado faz recair sobre cada um a consciência/julgamento de todos. Neste campo há que salientar dois aspetos: 1- ser um processo binário de duplo sentido, 2- não estático e nunca totalmente determinado. (o centro renova-se nas margens). O meio privilegiado para perseguir esta dinâmica passa, em nosso entender, por um maior equilíbrio entre a democracia representativa e a democracia participativa, sendo que a primeira deva refletir o vigor, coerência e sustentabilidade da segunda. Uma política mais próxima das bases e indivíduos mais mobilizados em termos políticos. Um horizonte onde o intercâmbio de expectativas dê lugar ao intercâmbio de respostas num novo espaço público legitimamente fundado e eficazmente configurado. Um espaço, portanto, onde o cidadão [universal] se possa mover munido de uma cartografia cognitiva que o pode libertar definitivamente do espaço local, nacional ou regional que o vem envolvendo. Uma terceira via entre um nacionalismo trôpego e um cosmopolitismo puramente abstrato. [traduzindo-se efetivamente num cosmopolitismo consciente e referenciado]. (…) Em suma, uma combinação dinâmica entre aquilo que se designam por vias funcionalistas e por vias constitucionalistas. Entre a via do pragmatismo e a via da decisão política corajosa. Entre o real e uma utopia que, sempre, por caminhos não lineares, impulsionou as grandes soluções históricas. (Adaptação do texto de Santos, 1999: 76-77). Note-se que, numa situação desejada ‘globutópica’ a estratificação do tipo centro periferia de caráter económico preponderante não faz sentido, e as circunferências que representam as macro regiões tendem a incorporar a dinâmica global dialética (cultura/comunidade – Política/Estado) como antecâmaras intermédias não de promoção protecionista da economia de mercado (numa lógica de blocos interconflituantes), mas como delegações regionais da racionalidade global de gestão de um capitalismo de subsistência, e na promoção de sentimentos de pertença, coesões orgânicas e espaços de micropolítica que emirjam desde o indivíduo e encontrem paralelo nas várias instituições sociais e comunitárias que, em parceria facilitem a participação do indivíduo e a promoção do liberalismo político. Não se reivindica o fim do capitalismo, apenas a sua educação. (….) um capitalismo por medida. Tudo o resto é liberalismo...

ONUONUONUONU

IDH (IPG)IDH (IPG)IDH (IPG)IDH (IPG)

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“comunidade democrática global” baseada na racionalidade colectiva, na liberdade e na

igualdade. (Chase-Dunn et al., 1988, cit. in Santos, 2002a: 50)74

Os filósofos políticos equacionaram três tipos de igualdade: (a) igualdade de direitos

políticos, como o direito de voto; (b) igualdade de oportunidades, permitindo um acesso

igual aos empregos, à educação e a outros sistemas sócias; e (c) a igualdade do resultado,

pela qual as pessoas têm garantido rendimentos ou consumos iguais. (Samuelson, &

Nordhaus, 1999: 365-366)

A experiência negativa da utopia da esquerda devido a desvarios totalitários de

alguns regimes, nomeadamente no fracasso do socialismo revolucionário soviético (e de

alguns dos seus sucedâneos), não pode estigmatizar o surgimento de soluções globais de

concertação de funcionalidades económicas, políticas e culturais. Na verdade morreram

algumas andorinhas mas jamais poderá morrer a “primavera”. A sua morte, ao contrário do

que alguma pudica esquerda quer fazer crer (como forma de desagravo), implicaria o

desaparecimento da essência do devir humano, o universalismo enquanto fator societal de

coesão da humanidade; ou se quisermos numa perspetiva mais moderada, de um

universalismo pautado e fundamentado no multi-individualismo75. Sem o primado

universalista da equidade não seria possível desenvolver o primado do individualismo

numa ótica democrática.

…a afirmação da preponderância do indivíduo, constituiu um dos acontecimentos mais

relevantes das últimas décadas, entre outras coisas porque, a esquerda democrática

consegue conciliar o liberalismo político, a liberdade económica e o liberalismo cultural

que não está ao alcance da direita. Para esta, a prevalência do indivíduo deve operar-se

sobretudo no plano económico, aceita-a no plano político, mas tende a recusá-la no plano

cultural. (Assis, 1999: 43-44)

74 Nesta citação o termo “comunidade socialista mundial” não pretende transmitir uma ideia de proximidade ou filiação com qualquer estrutura partidária atual (algumas das quais destituídas ideologicamente) mas sim com os ideais socialistas de equidade e universalismo em termos genéricos. 75 “Em síntese, na atualidade o indivíduo é mais ‘livre’ no sentido de estar dispensado de assumir explícita e plenamente uma ideologia. Se preferir ser mais profundamente livre, terá de fabricar por medida a sua própria ideologia” (Murteira, 2003: 158). E este será indubitavelmente o requisito básico da emergência das novas ideologias coletivas informadas. A globalização do conhecimento e dos espaços de participação e solidariedade reclamam essa condição – liberdade no pensar, mobilização no agir.

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Seria ousado acreditarmos que somos essencialmente racionais, contudo, sempre

que olhamos esse espelho temos invariavelmente que assumir e “ver refletida” a nossa

condição.

Figura 14. Fero “Bubino” Kudlac (s/título).

Um, dois, esquerda, direita…

Um, dois, esquerda, direita…

Um, dois, esquerda, direita…

(…) não tenho nada na cabeça,

a não ser o céu.

não tenho nada por sapato

a não ser o passo.

(…) e para início de caminho,

eu quero a unimultiplicidade,

onde cada homem é sozinho,

a casa da humanidade. 76

76 Excerto da letra musical de “Brasil Corrupção (Unimultiplicidade)” Ana Carolina o Tom Zé – 2006.

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3.2. Mérito

Figura 15. Mérito

A conceção clássica do socialismo é muitas vezes classificada como um ideal, uma

utopia desejável, mas que numa dimensão absoluta degeneraria num imobilismo

uniformizante que arrastaria a humanidade para um comportamento e atitude formatada,

mecanizada de autómato. Ou seja, fazendo prevalecer apenas a razão estaríamos também a

destituir o ser humano de uma componente fundamental sem a qual a racionalidade não

teria hospedeiro. Referimo-nos evidentemente ao fator biológico que em alguns contextos

temos metaforicamente associado a força. Por muito que consigamos superar-nos, não

deixamos porém de ser matéria orgânica viva à semelhança de tantos outros seres. Como

tal, seria no mínimo inusitado, querermos em nome da exclusividade da razão resignar essa

condição, abdicando da propensão inerente (ao mundo vivo) que temos para a competição,

na disputa dos bens escassos e dos prazeres desejados.

Como já demos conta anteriormente, no mundo dos restantes seres vivos, mas

sobretudo no reino animal, conseguimos observar com facilidade que a seleção dos mais

aptos e a especiação decorre, grosso modo, segundo o acaso e o acidente harmonioso da

natureza. Contudo, ao nível do ser humano, apesar da semelhança extremamente vincada

que temos com as restantes formas de vida, não podemos ignorar a capacidade intelectual e

a intencionalidade consciente da ação que empreendemos. Tudo isso escapa ao acidente e

ao acaso natural. A prová-lo, e referindo-nos apenas a alguns aspetos, está, não apenas o

nível de destruição que imprimimos ao ecossistema, como também a capacidade de alterar

e adulterar os processos de produção e reprodução genética. Mas acima de tudo está a

capacidade de suplantarmos o inato pela educação e pela cultura fazendo o registo na

MÉRITO ?!

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História através da aculturação e, podendo nessa História regredir reflexivamente e

projetarmo-nos num presente/futuro utópico.

Apesar de toda esta desenvoltura, comungamos também da condição de

competidores no acesso a bens escassos intraespécie. Se em épocas mais remotas a

diferença no modo como tal se processava pouco distava dos restantes animais, hoje seria

politicamente incorreto classificar essa propensão, abaixo da conceção de mérito.

Esta definição parece-nos razoável porque está associada à noção de merecimento,

recompensa, apreço e capacidade. O que pressupõe à partida uma análise consciente e

refletida do comportamento/atitude/trabalho desenvolvido. Nesta perspetiva e para que tal

seja possível torna-se necessária a existência de referências que permitam comparar e

enquadrar os diferentes desempenhos sob as mesmas condições em que esse desempenho é

desenvolvido (e avaliado).

Se nos detivermos na imagem simbólica do lado esquerdo do título (mérito?!) (A)

verificamos uma condição acidental característica do mundo vivo. Aqui seria injusto

avaliar o mérito de cada um dos indivíduos uma vez que a orografia do terreno e as

condições climatéricas de cada um dos locais são distintas o que invalida a premissa de um

referencial comum como ponto de partida a uma avaliação isenta. O resultado extraído da

altura a que cada indivíduo conseguiu chegar poderia traduzir tudo menos uma realidade

baseada no mérito. Por sua vez, na imagem (B) essa avaliação poderia fazer algum sentido

uma vez que o ponto de partida é semelhante para todos os indivíduos.

Na imagem (A) o sucesso depende não apenas das condições intrínsecas do

indivíduo, mas também dos fatores externos que condicionam o seu sucesso, e sobre os

quais ele não consegue intervir a seu favor. Por sua vez, a imagem (B) tenta demonstrar

que os mesmos indivíduos conseguem de facto desempenhos diferenciados quanto à altura

que alcançam. O aspeto mais relevante a destacar é que o referencial comum, neste caso a

orografia do terreno, faz toda a diferença, ao ponto de transmitir resultados diferentes dos

mesmos indivíduos numa situação (A) e numa situação (B).

Transportando estas imagens para o campo político, económico e social, podemos

associar a imagem (A) ao acidente cumulativo e individualista que vigora numa perspetiva

de globalização neoliberal. Normalmente avaliam-se os resultados finais sem atender ao

processo ou às externalidades. No setor (B) dá-se conta de uma tentativa prévia de

proporcionar condições semelhantes a todos os indivíduos (socialismo holístico

interventivo/descendente) para que posteriormente cada um consiga evidenciar o seu

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mérito (capacidade de iniciativa procura das melhores soluções de sucesso) (socialismo

individualizado ascendente).

Todavia, na situação (A) característica do mundo vivo do acidente natural a

tendência será a de, os indivíduos mais bem sucedidos (num misto de esforço próprio e de

posição privilegiada de partida) minimizarem progressivamente as possibilidades de

sucesso dos indivíduos que ficam privados do sol e alimento devido ao crescimento da

ramagem e tamanho dos vencedores. Na melhor das hipóteses adaptam-se e degeneram

numa variação da espécie, capaz de viver na ausência da luz e com menos nutrientes, mas

com uma vã pretensão de chegar tão alto ou próximo aos restantes indivíduos. No entanto,

na figura (B), enquanto cenário de ação planificada, para além de assegurar lugares

idênticos de partida a todos os indivíduos, pode ainda providenciar–se uma

desramagem/poda de manutenção nos indivíduos mais bem sucedidos no intuito de

redistribuir a capacidade de sucesso.

Enquanto que no mundo natural o equilíbrio jaz no desequilíbrio e na interação

entre forças e espécies distintas, não havendo necessidade de hortosilvicultores, na floresta

humana (ao nível da equidade de acesso a bens e serviços) o problema é a existência de

silvicultores diversos na sua capacidade técnica de manejamento da foice. Talhando e

atalhando, muitas vezes, em movimentos autocentrados. O que, torna a sua intervenção

contraproducente do ponto de vista da gestão global concertada. Sendo que o desejável

seria a criação de uma federação de silvicultores que assegurassem a prosperidade

sustentável de todos os indivíduos e toda a floresta. Precavendo desenraizamentos

racionais em nome da força da natureza. E onde a força da razão se afirmasse de forma

natural (discursiva/negociada/partilhada).

À margem do caráter alegórico e metafórico, que por certo não encerra em si a

totalidade das interpretações possíveis sobre o assunto, se nos questionarmos em qual dos

cenários se encontra atualmente a humanidade, a resposta parece óbvia, tal como a resposta

quanto ao cenário desejável.

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3.3. Será possível conciliar o sistema de “Estados Nação” vigente e estratificado

(centro-periferia pág. 119) com um modelo supra Estado (Periferia-Centro-

Periferia pág. 124)?

O principal é perceber-se que o neoliberalismo entrou em descrédito irremediável e a

globalização selvagem, com as desigualdades a crescerem em flecha, dentro de cada Estado

e entre os diversos Estados, tem de ser regulamentada, no plano mundial, pela ONU, se

queremos fazer face aos desafios com que estamos confrontados. (Soares, 2008: 30)

Este polo regulador a nível macro definiria por sua vez as políticas e objetivos de

sustentabilidade padrão e deveria ter em si delegado o poder de “violência simbólica” e de

enquadramento da taxação da atividade económica (Anexo 42) e financeira sobre a

generalidade dos estados. Estes, por sua vez, deveriam assumir a direção executiva destes

organismos globais de forma rotativa e previamente planificada. Seria também necessário

que os organismos intermédios que se situam entre o nível macro/global e o nível

micro/local servissem de plataforma de transmissão de dados e pretensões locais (sentido

ascendente), bem como de delegações regionais de implementação concertada de políticas

emanadas da ONU (sentido descendente). Uma integração de forma transitória, onde as

instituições político-administrativas existentes (UE, ASEAN, UA, MERCOSUL, Liga de

Estados Árabes, Estados Nação...) se organizariam numa nova ordem, em que as

soberanias tendem gradualmente a permeabilizar-se em função de objetivos e metas

planetárias comuns, que referenciariam o campo de emancipação da iniciativa individual.

Justamente o que não acontece agora, sobretudo quando vemos estados isolados, ou

federações regionais de estados a adotar políticas que assentam sobre a fundamentação e a

sustentabilidade da economia mercantil interna, sem outras preocupações relativamente ao

seu exterior. Ou mesmo que existindo, ignorando-as ou subvertendo-as numa ótica e

dinâmica de mercado. Ou também quando presenciamos um diretório de potências

económicas e militares constituindo o Conselho Permanente de Segurança da ONU, onde

nesse filtro ficam retidas as boas vontades que não se coadunem com os interesses internos

destes intervenientes. Ou ainda quando vemos estados (do Conselho Permanente da ONU)

rejeitarem unilateralmente a adesão a protocolos globais de redução de gases poluentes ou

a integração do Tribunal Penal Internacional.

Numa solução globutópica, a soberania dos estados descenderia da exequibilidade

da soberania Universal, passando a ser uma soberania delegada. Deixariam de existir

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assimetrias militares uma vez que o poderio militar seria reduzido e controlado pela ONU

sendo que os estados locais apenas disporiam de poder militar de policiamento e

manutenção da ordem interna. O controlo do poder militar pesado por parte da ONU

serviria para assegurar a manutenção da ordem e da paz em eventuais conflitos

interestados, sempre numa ótica equilibrada de moderação. O aspeto mais positivo talvez

seja o facto de ao perder-se a ameaça do exterior, se abandonar a pretensão de produzir e

armazenar armamento, sobretudo nuclear, químico e biológico.

O espaço exterior físico é hoje apenas o universo, mas na ótica política destes

blocos regionais, o espaço exterior significa ainda a oportunidade de garantir a supremacia

interna face aos outros blocos. Esta perspetiva de conceber a realidade atual, corre o risco

de fazer colapsar de forma irremediável a condição humana enquanto espécie, numa

perspetiva ecológica. Pelos dados anteriormente apresentados, nomeadamente em aspetos

ambientais e sociais, parece-nos urgente uma reflexão global que sensibilize os estados

centrais a uma cedência responsável, que não apenas assegure a sobrevivência das

margens, mas também a sua própria sobrevivência (Anexos 43, 17, 25).

Enquanto os estados centrais não entenderem a causa humana como uma condição

unificadora e universal e participarem de uma solução global pós-vestefaliana, responsável

e plural, de orientação mais externa e abrangente que interna, os organismos internacionais

como a ONU e os Objetivos do Milénio continuarão a representar a fragilidade e

volatilidade coletiva para contrariar as verdades inconvenientes para a população humana.

Olhar-se o interior a partir do exterior é em qualquer circunstância sinónimo de

elevação da nossa autoimagem.

A importância fulcral de todo o sistema terá portanto, que residir na sua conceção

plural e participada e na sua ação transparente. A rotatividade da totalidade dos membros

do Conselho de Segurança da ONU e o fim do direito de veto, por parte destas cinco

potências mundiais (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China) poderia ser um

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ingrediente fundamental77 no sentido da universalidade na defesa de princípios e objetivos

globais. Seria também fundamental a definição de critérios e índices de sobrevivência

Universais em função do IDH e IPG (Anexo 21), cabendo à ONU (renovada) a taxação dos

lucros empresariais e a consequente redistribuição equitativa da riqueza em função dos

efetivos populacionais, ponderados com os recursos existentes em cada local, em ciclos de

tempo pré-determinados (Anexo 44). A reorientação da economia global com base nestes

pressupostos, daria ênfase à formação de um bloco de intervenientes estatais que

emergindo das margens, constituiriam uma fação progressivamente mais forte e

concorrente do sistema neoliberal atual.

No fundo esta instituição renovada teria como finalidade primordial velar pelo

equilíbrio e harmonização Universal, tentando diminuir as assimetrias e os

subalternalismos hierárquicos e humanitários. Seria fundamental que tal como hoje, temos

o dever de conhecer a Lei da Constituição Nacional, conhecêssemos e nos vinculássemos à

Lei da constituição Universal. Como afirmamos anteriormente, nela deveriam constar os

referenciais mínimos em termos de direitos e deveres universais, deixando porém espaço à

autonomia local no que concerne a modalidades de aplicação decorrentes de

particularidades geográficas, desde que consonante com os princípios Universais78.

Existem em nosso entender duas possibilidades: permitir que os estados locais se

desvaneçam até ao ponto em que a política formal se funde com o mercado e a dinâmica

77 “Zahir Tanin [Representante Permanente do Afeganistão e Presidente das negociações intergovernamentais sobre a reforma do Conselho de Segurança] afirmou que a sua presença perante os meios de comunicação social refletia a vontade de as partes no processo de negociação sobre a questão de uma representação equitativa no Conselho de Segurança e o aumento dos membros deste órgão manterem o público informado, “tão regularmente quanto possível”, sobre o estado dos debates que, no essencial, têm decorrido em privado. Declarou que, com a adoção, em setembro passado, da resolução 62/557 da Assembleia Geral, “se passara alguma coisa”. “Foi um fator de aceleração de uma reforma discutida há mais de 15 anos”, disse. O Representante Permanente do Afeganistão referiu também que a aplicação dessa resolução, que qualificou de “pacto tácito”, era uma prioridade do Presidente da Assembleia Geral, Miguel d’Escoto. Os cinco pontos principais do texto que devem ser examinados são a categoria dos membros do Conselho de Segurança, a questão do veto, a composição do Conselho, os seus métodos de trabalho e as relações entre o Conselho e a Assembleia Geral. (…) Zahir Tanin concluiu a sua conferência de imprensa sublinhando que, nesta fase, o sentimento partilhado pelos estados-membros era que o Conselho de Segurança deveria tornar-se uma instituição capaz de responder aos desafios no domínio da paz e da segurança, num mundo multipolar “que pouco tem que ver com o do pós-guerra” (UNRIC, 2009b). Comunicado de imprensa do Departamento de Informação Pública da ONU). 78 Vemos que na reedição das obras alguns autores, como é o caso de Sociologia de Anthony Giddens, da 2º edição (2000) para a 5ª edição (2007), surgem novas temáticas, nesta última, como sendo temas relacionados com a “Governação global” ou a “Justiça global” (p. 72-76). O que de certa forma corrobora a sensação crescente da transnacionalização das dinâmicas e apreensões sociais deste início de século. “A globalização está a produzir riscos, desafios e desigualdades que atravessam fronteiras nacionais e diminuem a capacidade das estruturas existentes. Em virtude de os governos não estarem preparados para, sozinhos lidarem com estas questões tradicionais, há necessidade de novas formas de governação global, para lidar com os problemas mundiais de forma global. Reafirmar a nossa vontade no mundo social em rápida mudança pode constituir o maior desafio do século XXI” (Giddens, 2007: 76).

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económica, agudizando a competição neoliberal de forma anárquica e unidirecional

(centro-periferia pág. 119); ou então antecipa-se esse fatalismo, definindo/limitando o

campo onde o desconhecido e indomável mercado tem de operar (periferia-centro-periferia

pág. 124).

Para que esta segunda possibilidade se afigure como possível e não apenas uma

medida paliativa é necessário agir em termos concretos, envolvendo a comunidade global

em torno dos problemas comuns que afetam a humanidade (ambiente, desigualdade de

acesso a bens e serviços). Esta opção que pretende definir os limites em termos globais

exigiria, por isso, a tentativa de um consenso político e cultural e deveria consubstanciar-se

no fortalecimento do poder regulador de um organismo internacional. A Organização das

Nações Unidas parecem reunir as características necessárias a este modelo; contudo, seria

necessário reconfigurar os seus órgãos representativos e executivos por forma a dotar o

exercício do poder e a tomada de decisão de um caráter credível, pluralista e rotativo.

The head of the UNGA did not think that the United Nations is being marginalised by the

G20 process. But we are absolutely convinced that the only credible enabled group to bring

about the necessary reforms for the 21st century is the G192, that is to say, the entire

membership of the United Nations. (TWN/SNUS, 2009: 1)

It is time to end the G8 charade once and for all. This means going beyond the G20 to a

new programme of action and a democratic forum in which to debate the future of our

world. In place of the G8 and G20, we need a radical plan for the global economy drawn up

and backed by the full membership of the United Nations. Neither the G8 nor G20, but the

G192. (Hilary, 2009: para. 11)

No fundo, pretende-se um sistema em que fosse possível a qualquer indivíduo, em

qualquer local, poder movimentar-se livremente pelos trilhos da informação, do

conhecimento, da Cultura, da política e da economia como um agente informado e

interventivo. Um Eu autotélico livre e responsável que se define e se redefine a si pela

liberdade e responsabilidade que reconhece aos outros – Multi-individualidade

partilhada/Multi-individualidade coletiva.

Este exercício, mais que uma revolução clama por uma evolução. Uma evolução

em que os pressupostos da providência possam ser reequacionados.

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3.4. Estado, sociedade & providência: Das redes solidárias à solidariedade em

rede.

Pela etimologia, a palavra “providência” provém do latim “providentia”, que

significa ver com antecipação, prever. É o mesmo que “ver alguma coisa com

antecedência”, ou “prever alguma coisa em favor de alguém”, ou mesmo “colocar-se no

lugar de alguém”.

(…)

1. disposição que se toma para promover um bem ou evitar um mal;

2. prevenção;

3. pessoa que guarda, ajuda ou protege. (Dicionário de Língua Portuguesa On-line, s.d.)

Ao longo século XX, e sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Centrais

desenvolveram um conjunto de politicas públicas que visaram criar sistemas de proteção

social e segurança social para o conjunto de cidadãos e, em particular para os

trabalhadores. Pela importância do reconhecimento amplo de direitos sociais e pelo elevado

nível de transferência de rendimentos que envolveram, tais politicas acabaram por

transformar a natureza política das relações Estado/sociedade civil, dando origem a uma

nova forma política que se designou por Estado-Providência. (Santos, 2002a: 85)

E tal como nos últimos vinte anos o capitalismo mercantil procurou globalizar-se,

impondo-se aos restantes, também no domínio da proteção social assistimos à progressiva

globalização do Estado-Providência e à consequente localização defensiva dos outros tipos

de Estado-Providência79.

(Anexo 45)

A sociedade-providência, outrora denunciada como um conjunto de sobrevivências de raiz

rural e pré-moderna destinadas a desaparecer sob o impulso da urbanização, da

modernização e da expansão da regulação pelo mercado e pelo estado, tem vindo a ser

79 Com base nos textos de Esping-Anderson (1990), o autor apresenta-nos (2002: 85-86) 3 tipos de estado-providência: estado-providência liberal (EUA, Inglaterra); estado-providência corporativo (Alemanha, Áustria); estado-providência social-democrático (Escandinavos). Faz ainda alusão a um quarto tipo de estado-providência proposto por Maurízio Ferrera (1996) vigente nos países do Sul da Europa (Itália, Grécia, Espanha e Portugal), onde são identificados alguns vícios geradores de injustiças e disparidades. Sublinha no entanto, como aspeto mais relevante, o percurso congruente da evolução da tipologia de Esping-Anderson com a teoria de capitalismos de Boyer. “Ao capitalismo mercantil corresponde um Estado-Providência fraco, o Estado-Providência liberal, enquanto aos capitalismos europeus, tanto ao social democrático como ao estatal, correspondem Estados-Providência fortes ainda que diferenciados” (Santos, 2002a: 86).

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recuperada e transcodificada por diferentes quadrantes políticos como fenómeno pós-

moderno e como resposta aos problemas da solidariedade social na era do capitalismo

desorganizado, através da transferência para a sociedade civil das funções de protecção

antes atribuídas ao estado. (Nunes, 1995: 5)

(Anexo 46)

O conceito que aqui pretendemos explorar, enquadra-se nesta perspetiva mas, não

tanto ao nível da transferência de competências do estado para a sociedade como uma

forma de substituir o contrato pela caridade/solidariedade meramente altruística, mas

sobretudo reformulado o papel de coordenação e regulação do estado por forma a incluir a

população na participação ativa de providência fazendo emergir ao lado de uma perspetiva

de estado-providência uma realidade congruente de sociedade-providência onde estado e

cidadão partilham e negoceiam a responsabilidade de sustentação do sistema. O que

pretendemos vincar de facto, é uma maior partilha de encargos do estado com a sociedade

civil, ou se pretendermos de uma outra ótica, envolver o(s) cidadão(s) de forma

democrática e participativa na crise da providência do estados modernos. Mais do que

nunca, nos apercebemos que a tentativa de gerir o bem estar a nível interno de cada estado,

é cada vez mais uma perversão da megaeconomia/economia global. Em nosso entender, na

atualidade, esta temática poderá adquirir solidez e sustentabilidade se encarada

inicialmente a nível global. Poderemos dizer que o “multiculturalismo” e heterogeneidade

que supostamente o conceito “global” encerra, tornaria inviável a pretensão de estabelecer

referenciais comuns a nível planetário. Contudo, essa perspetiva dissertiva de navegação

sem âncora, força-nos a ver a sociedade planetária como um subproduto da governação

competitiva dos estados. Sendo que a ação cívica que fica reservada a estas pequenas

comunidades locais, ou familiares não pode ser apenas o apelo à compaixão humanista, à

caridade e à solidariedade enquanto, o setor formal da política e democracia representativa

em cada estado, mais não é que, a mão que embala o berço global a economia/o

capitalismo desorganizado. Neste nicho global a estratificação torna-se um imperativo,

cada vez mais, desvinculado de qualquer soberania ou poder regulador a que a

generalidade dos cidadãos possa sentir-se agregada. Perante a crise de dissolução da

soberania dos estados nacionais e das migrações em massa, o sentido de pertença começa a

inscrever-se numa ótica interna planetária. A economia de mercado ao suplantar a ideia de

providência do estado gerou nos cidadãos uma crescente desconfiança e afastamento

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relativamente aos mecanismos e entidades políticas formais. A necessidade de os estados

legislarem alterando os regimes de contratação e despedimentos (facilitando-os) é

indiciadora da sua incapacidade de definir internamente os limites e referenciais de política

social de bem-estar. A figura do estado tem assim progressivamente um poder residual,

enquanto agente político decisor e moderador. A competitividade e a necessidade de captar

investimentos, a par de outros aspetos80, limita a sua ação ao nível interno, no sentido de

conter os efeitos indesejados da economia global de mercado. Até então sabíamos

reconhecer o locus identitário de cada estado, a sua identidade fundida na proximidade

com os seus cidadãos. Hoje o estado é frio, distante e afigura-se como uma entidade

desconhecida que serve os intentos do mercado, navegando sem âncora pelos meandros do

desconhecido ao sabor de ventos e marés, sem destino ou rumo definido (Apêndice 14). As

grandes linhas orientadoras da ação governativa baseiam-se numa amálgama de conceitos,

tais como: mobilidade, flexibilidade e imprevisibilidade sumptuosamente encimados por

esse arquétipo da objetividade teórica e pratica que é o pós-modernismo, onde tudo o que

escapa ao planeamento vigente e à capacidade dos estados (assimétricos e concorrentes)

encontra absolvição neste deserto utópico, onde cada um é convidado a encontrar/criar as

soluções que o estado progressivamente não consegue atender. Trata-se portanto de uma

progressão regressiva em que se evidencia de forma marcante a incapacidade de nos

pensarmos na nossa globalidade enquanto espécie, ocorrendo um retorno à condição

primária da competição desregulada entre indivíduos81.

Em termos teóricos é relativamente fácil conjeturarmos uma substituição

iconográfica da modernidade pela pós-modernidade e isso bastará para que nos

confortemos com a ideia de que já foram percecionados os problemas incongruências do

paradigma social da modernidade. Contudo, em termos operacionais e práticos, é

necessário responder às necessidades residentes, e emergentes da nova conjuntura global

de uma forma real e não apenas virtual. Pensar-se que a sociedade civil tem a

responsabilidade de suprir essas necessidades é pois uma subtileza anárquica e evasiva de

um estado em agonia. A sociedade civil sempre cumpriu em maior ou menor grau o

princípio da solidariedade informal. É uma inerência afeta à sobrevivência da coesão 80 O aumento dos efetivos populacionais apoiado nas melhorias e avanços científicos e médicos e na facilidade de acesso a bens e serviços contribuíram para o aumento da esperança média de vida. O que consequentemente, entre outros aspetos, implica um reforço da despesa com os sistemas de segurança social. 81 No dia em que foi anunciada a atribuição do Prémio Nobel da Paz 2006, no dia 13 de outubro de 2006, Muhammad Yunos (fundador do Banco Grameen e impulsionador do sistema de microcrédito a pessoas carenciadas) referia a uma jornalista da rádio portuguesa TSF que apenas 5% das características humanas constituem um fator diferencial interno na espécie humana, sendo que os restantes 95% representam aspetos comuns, pelo que o racionalismo deveria servir o propósito da equidade e não o contrário.

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identitária dos grupos. Independentemente daquilo que nos move existe sempre um

mínimo denominador comum que nos conduz a expressar qualquer tipo de solidariedade de

índole moral ou prática para com determinado objetivo, perspetivada como uma

manifestação de dádiva, altruísmo, simpatia ou afinidade. Num contexto em que assistimos

à sucessiva descaracterização do estado-providência e se assiste a um retorno crescente das

solidariedades (pré-modernas) grupais de proximidade identitária (Apêndice 15), que

vimos conhecendo como redes de solidariedade, assistimos em simultâneo à divulgação

sucessiva da ideia de que é na boa vontade e voluntarismo da sociedade civil que se deve

encontrar a resposta adequada. Não obstante, ao caráter benevolente e pedagógico

implícito, esta premissa tende a oferecer soluções aleatórias, localizadas e parciais a uma

problemática de fluxo eminentemente global, sob o risco de favorecer uma política de

sinalização dos efeitos, ao invés de atender-se ao problema no sentido de se encontrarem

soluções que visem retirar legitimidade a um processo neoliberal de extinção do conceito

de Providência; e com ele a extinção do próprio conceito de Estado82.

Assim a partir das redes de solidariedade, deveríamos passar a considerar a

possibilidade de uma sociedade em rede, onde estado e cidadão percorrem um caminho

comum negociando e aferindo as metodologias necessárias à providência social. O estado

que se baseia numa democracia representativa e ignora o potencial dos cidadãos na

conceção da cidade, dá a impressão de permanecer, não tanto como o estado-providência

(que prevê e diligencia soluções práticas a problemas reais) mas como um género de

catequista herege apelando à culpa que cada um deve sentir pelo rumo da situação atual, de

que o próprio estado, como instituição cimeira da representatividade do seu povo, é à

partida o principal responsável. Por conseguinte, as boas vontades devem unir-se no

sentido de se sistematizarem, ao ponto de serem talvez, entendidas como sendo o próprio

estado em ação. A crescente liberalização e privatização de alguns dos setores

fundamentais do estado tem acentuado uma polaridade excludente que enviesa o preceito

das boas vontades. Tirando a heresia83, não vemos qualquer inconveniente na catequese (O

apelo ao altruísmo da sociedade civil). Contudo, ficamos sem perceber se nesta suposta

82 Ao afirmarem que o fim último dos sistemas de pensões é o bem-estar social, e não qualquer outro, os autores reconhecem que a proteção social é um dos elementos fundamentais no bom funcionamento dos sistemas sociais e económicos, que não pode ser descartado sob pena de se por em causa a própria sustentabilidade desses mesmos sistemas (Santos, 2002a: 89-90). 83 As clivagens entre capitalismo mercantil e o capitalismo social-democrata ou estatal, entre o modelo neoliberal de segurança social e o modelo social europeu, ou ainda dentro do modelo neoliberal, como acabei de referir, ao mesmo tempo que revelam as fraturas no interior da globalização hegemónica criam o impulso para a formulação de novas sínteses entre as clivagens e com elas para a reconstituição da hegemonia (Santos, 2002a: 90).

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rede social não continuam a ficar retidos apenas, os indivíduos que possuem condições

privilegiadas para aceder aos serviços de bem-estar como saúde, educação, justiça, etc…

(…) Acredito que nenhuma acção humana é apenas cálculo instrumental ou apenas pura

gratuidade e desinteresse, ela é mesclada de outras pulsões: dever, prazer, paixão e

interesse. Não podemos absolutizar nenhum princípio que rege o social. A vida moral se

desenvolve numa realidade social contingenciada e ser ético e solidário também pode ser

rentável. (Costa, 2009: para. 22)

As situações em que o altruísmo da sociedade civil é o elemento central denota uma

sociedade assimétrica na redistribuição da riqueza. E por conseguinte fica a nu a

fragilidade do estado enquanto agente social.

Para que o estado (local/nacional/global) possa almejar a desenvolver uma

sociedade em rede onde as distintas redes de solidariedade possam contribuir para tecer a

malha da providência equitativa é necessário, não retirar a rede onde a inteligibilidade

social, ainda que trémula, repousa a cada uma das suas quedas – Estado de direito84,

democrático liberal, social (Apêndice 16). (liberalismo político-liberdade/igualdade e

fraternidade). Assim importa levar em consideração alguns aspetos que poderiam

concorrer para a estruturação deste contexto:

SOCIEDADE – (Local/Global)

• Reestruturação do modelo de participação e representação dos membros da

Organização das Nações Unidas;

• Criação de uma comunidade económica e social fundamentada num princípio de

regulação global por referência a indicadores mínimos comuns IDH (Índice de

Desenvolvimento Humano) e IPG (Índice de Progresso Genuíno);

• Criação de um bloco comercial com base em critérios de desenvolvimento

sustentável, procurando confinar o neoliberalismo económico entre os limites de

uma perspetiva socialista multi-individual comunicante (Apêndice 17);

• Compatibilização da tecnologização do tecido social com os modelos de produção

laboral e emprego;

• Reorganização do sistema de providência, através do sistema laboral e produtivo

(tempo laboral & tempo cívico);

84 Direito “é o conjunto de condições mediante as quais a vontade de cada um pode coexistir com a vontade dos demais, segundo uma lei geral de liberdade”. – Immanuel Kant.

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• Promoção de estratégias de cidadania ativa através da parceria Estado- Sociedade

Civil no intuito de fomentar o desenvolvimento de uma bolsa de ideias emergentes

na gestão da cidade;

• “Substituição” de algumas penas da população prisional de forma reintegradora e

socialmente produtiva;

• Diversificação do vocacionalismo das forças armadas em atividades de manutenção

da paz e serviço comunitário…

• Prioridade no acesso universal à saúde, educação e justiça.

EDUCAÇÃO

• Articulação próxima dos mecanismos de educação formal, não formal e informal;

• Reconhecimento do mérito (resultados+ iniciativa+ criatividade e empenho) partindo

de uma base comum (equitativa/democrática/informada) tendo como filosofia a pró-

atividade formativa numa lógica investigação-ação, em detrimento de uma lógica de

saneamento legitimador;

• A autonomização do aluno (sujeito-autor) no contexto educativo ao longo da vida e

a emancipação de modelos de democracia participativa num contexto de sociedade

de providência sustentável.

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3.5. O capitalismo ao serviço do Homem

Figura 16. Capitalismo de subsistência

Algumas possibilidades e sugestões sustentáveis e contra-hegemónicas são-nos

transmitidas, entre outros, pelos exemplos de:

Amartya Sen (Nobel da economia 1998) - Sua maior contribuição é mostrar que o

desenvolvimento de um país está essencialmente ligado às oportunidades que ele oferece à

população de fazer escolhas e exercer sua cidadania. E isso inclui não apenas a garantia dos

direitos sociais básicos, como saúde e educação, como também segurança, liberdade,

habitação e cultura.

Vivemos um mundo de opulência sem precedentes, mas também de privação e opressão

extraordinárias. O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que

limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua

condição de cidadão (Amartya Sen, s.d.)85.

85 http://pt.wikipedia.org/wiki/Amartya_Sen

REGULAÇÃOREGULAÇÃOREGULAÇÃOREGULAÇÃO

Princípio do Estado (Hobbes)

Princípio do Mercado (Locke)

Princípio da Comunidade

(Rosseau)

EMANCIPAÇÃOEMANCIPAÇÃOEMANCIPAÇÃOEMANCIPAÇÃO

Discurso do método – Descartes

(razão)

Racionalidade estética-expressiva

Racionalidade cognitivo-

experimental

Racionalidade moral-prática

Pilares da Modernidade

Capit

alis

mo

Capit

alis

mo

Capit

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De

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Subsis

tência

Subsis

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142

Sua conclusão é que a escassez de comida não constitui a principal causa da fome, como

acreditam os acadêmicos, e sim a falta de organização governamental para produzir e

distribuir os alimentos. (Algo Sobre Vestibular, s.d.: para. 2)

Muhammad Yunos (Nobel da paz 2006) – Em 2006 foi laureado com o Nobel da Paz. É

autor do livro Banker to the poor. Pretende acabar com a pobreza através do banco que

fundou, do qual é presidente e o governo de Bangladesh é o principal acionista, o Grameen

Bank, que oferece ativamente microcrédito para milhões de famílias. Yunus afirma que é

impossível ter paz com pobreza. (…) Em 1976, constatou as dificuldades de pessoas

carentes em obter empréstimos na aldeia de Jobra, em um Bangladesh empobrecido e

recém separado do Paquistão. Por não poderem dar garantias, os bancos recusavam-lhes as

pequenas quantias que permitiriam comprar materiais para trabalhar e vender, e os

usurários taxavam os empréstimos com juros altos. Yunus acredita que todo ser humano

possui instintos de sobrevivência e autopreservação (…) Sendo assim, a forma mais efetiva

de ajudar estas pessoas é incentivar o que elas já tem, seu instinto. Quando confere recursos

para estas pessoas, por pouco que seja, consegue melhorar sua condição de vida utilizando-

se do seu já senso de sobrevivência.

Muhammad Yunus criou então o Banco Grameen, que empresta sem garantias nem papéis,

sendo, sobretudo, procurado por mulheres: elas são 97% dos 6,6 milhões de beneficiários.

A taxa de recuperação é de 98,85%86. (Muhammad Yunos, s.d.)

Fundação ZERI - A Fundação Zeri é uma rede global de mentes criativas que procuram

soluções para os desafios mundiais. Zeri é a sigla em inglês para Zero Emissions Research

& Initiatives - Pesquisa e Iniciativas nos temas das Emissões Zero.

Esta organização global com implantação em múltiplas zonas do planeta desenvolve a sua

atividade em áreas diversas, promovendo a teoria e prática de uma economia sustentável.

Procuram sobretudo inspirar-se no funcionamento e design da natureza, como plataforma

de sustentação dos seus projetos. Estes, incluem desde iniciativas na área da educação; a

promoção de empregos em territórios desfavorecidos; a produção de produtos, através da

transformação e rentabilização ecológica de resíduos e desperdícios, Toda a sua atividade

procura através da investigação científica, soluções e argumentos alternativos de resposta

aos problemas e externalidades ecológicas da sociedade atual.

The search for sustainability must be based on the acceptance of the interconnectedness of

local and global issues. Unless we see the connections from the microscopic cellular scale

86 http://pt.wikipedia.org/wiki/Muhammad_Yunus

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to the supra global, each affecting the other in subtle yet profound ways, it is impossible to

search for appropriate solutions. (ZERI, s.d.: para. 3)

…Outras instituições e personalidades…

3.5.1. “Contornos de uma ordem pós-moderna”87

Figura 17. Contornos de uma ordem “pós-moderna” (Giddens, 1996: 116)

Até agora os filósofos têm apenas interpretado o mundo de vários modos. A questão porém é transformá-lo.

(Palavras proferidas por Karl Marx e inscritas na sua lápide tumular.)

Não existe hoje segundo cremos, a não ser porventura ao nível de alguma nova religião que

procure o seu “nicho de mercado”, algo que ainda era credível no declinar do século XX: a

ideologia completa, acabada de uma vez por todas e pronta a usar, apta para todas as

respostas necessárias. Existe, ao contrário, algo um tanto subtil e difuso que o mercado

global segrega ao mesmo tempo que nos integra ou exclui do seu âmbito: algo a que temos

chamado ideologia da globalização mercantil.

A alternativa dessa ideologia, se não brotar de algum fundamentalismo religioso ou

cultural, só pode resultar de uma cidadania plenamente assumida aos seus diversos níveis e

tendo como espírito orientador algo de parecido com a caricatura a que chamámos – faute

de mieux – Globutópico88. (Murteira, 2003: 164)

87 O termo pós-moderna é aqui considerado na aceção de modernidade reflexiva/modernidade tardia, uma fase em que não ocorre desligada dos princípios e instituições da modernidade, mas que as pondera e coordena segundo pressupostos atuais. Mais do que pretender incutir uma ideia de oposição revolucionária, pretende aludir a um sentido de recuperação/reordenação e evolução. 88 “O termo “ideologia” não deve ser conotado negativamente. A ideologia pode desempenhar dois papéis positivos e inestimáveis na existência social do homem: por um lado, fornece-lhe como que um mapa (ainda que parcial) da realidade, isto é, situa o indivíduo perante si mesmo, a sociedade e o mundo em que vive; por

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3.5.2. “Dimensões de um sistema pós-escassez”: Capitalismo de subsistência

A pobreza global também representa um desperdício maciço de potencial humano e uma

barreira à prosperidade partilhada. Num mundo fortemente ligado pelos fluxos de comércio

e investimento, a pobreza num país diminui o potencial de prosperidade em qualquer outro

lugar. Todavia, a comunidade internacional tem falta de um mecanismo credível de

segurança social global – uma lacuna que a ajuda ao desenvolvimento poderá preencher. A

ajuda internacional é o ponto em que se cruzam valores morais e interesse próprio

iluminado. (PNUD, 2005: 78)

Figura 18. Dimensões de um sistema pós-escassez (Giddens, 1996: 117)

O objetivo central deste tipo de hierarquização política global, visaria no essencial

substituir ou submeter, os níveis de produção capitalista e efeitos negativos associados, a

uma análise global, compatibilizando a emergência de soluções de capitalismo de

subsistência a nível local, reabilitando progressivamente o princípio da comunidade do

pilar da emancipação do projeto da modernidade.

Se não é um mundo de autómatos nem de indivíduos metodologicamente arrumados, este

mundo há-de ser, então, um lugar construído pela experiência, porventura pela razão. Não é

um mundo revelado, é um mundo observável. Onde se esgotaram as leis e os direitos

naturais que só poderiam derivar de uma ordem pré-fixada e imutável, hão-de surgir formas

de enquadramento colectivo, processos cumulativos de causalidade aberta e pragmática.

outro lado, e neste sentido aproxima-se da utopia, faculta um modelo, mesmo que tosco, do desejável, daquilo que não está conseguido, nem garantido, mas que justifica um compromisso para a ação. É nesta perspetiva que surge a necessidade de se encontrar uma nova expressão ideológica para a ‘globalização’, expressão essa que não poderá ser nem uma mera justificação apologética nem tão-pouco de condenação e rejeição do fenómeno. Quando assim reconhecemos a necessidade de globalização da utopia pretendemos sublinhar essa urgência: o tempo em que vivemos carece de um forte ingrediente utópico, também mobilizador e credível (…)” (Murteira, 2003: 156-157).

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Hão-de surgir enfim, todos os artefactos que resultam da interacção humana. (Reis, J.,

2002: 124)

A assunção da erosão do capitalismo devido ao sucesso do seu modelo económico

eficiência-lucro gera externalidades a nível local e global que requerem uma ação

concertada entre dois níveis de regulação interdependentes (o nível global – ONU) e o

nível local (a autarquia – o indivíduo). A economia é uma ciência social e o seu curso,

ainda que por vezes assumido como indómito, carece de regulação que permita encontrar

um conceito de eficiência não meramente na perspetiva mecânica da engenharia

económica, mas num equilíbrio socioeconómico, onde o espaço aberto da economia,

necessário à dinâmica social, é balizado por indicadores de cariz ético-moral, democrático

e humanista/Cultural. Uma matriz socialista/equitativa deve orientar e definir o campo de

ação em que as tensões do liberalismo económico poderão no futuro atuar.

O tempo presente, aconselha o estabelecimento de alguns ajustamentos e medidas,

por forma a permitir a “subsistência” de uma sociedade universal democrática, enquanto

background orientador a uma dinâmica de cooperação e conflito89, por forma a que o

monopólio da escassez e o lucro que daí advém não seja um processo insularmente

conduzido, mas coletivamente experimentado.

Recuperamos então algumas das linhas que consideramos pertinentes nesta

abordagem:

1) Democratizar o acesso ao emprego através da mobilização dos efetivos

populacionais para uma nova abordagem de organização do tempo pessoal.

A nível laboral, seria oportuno estabelecer-se uma norma universal de diminuição

do horário de trabalho, a ser aplicada como apoio comunitário orientado para esfera

pública local.

Imagine-se a situação de um funcionário do setor da metalurgia do setor privado,

um professor funcionário público, um gestor privado, um médico, político… que trabalham

uma média de 37 horas semanais. Numa solução de capitalismo de subsistência estes

funcionários passariam, a trabalhar apenas uma parte destas horas semanais, nos seus

empregos, sendo que as restantes horas passariam a ser dedicadas à participação em

atividades comunitárias locais. Nestas atividades, criadas e geridas ao nível autárquico

poderiam por exemplo constar: limpeza e recuperação de rios e cursos de água e florestas;

89 “(...) os indivíduos, para além de serem agentes ativos, estão também sujeitos a irracionalidades, resultam exatamente desta perceção de que a vida, ao ser dinâmica é contingente” (Reis, J., 2002a: 125).

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apoio à infância e terceira idade; construção e recuperação de infraestruturas

sociais/culturais ou património, replantação de áreas ardidas, etc… O acompanhamento da

situação dos filhos, em contexto de relacionamento e aproximação família-escola poderia

enquadrar-se nesta modalidade.

Por esta via abria-se caminho a um maior investimento e concertação em torno do

princípio de reativação da correlação e coparceria do princípio da comunidade-estado

sobre o princípio do mercado. Esta ação poderia também assumir um papel preponderante

como agente de diversificação e criação de novos espaços de experimentação de

competências90, podendo estas iniciativas adquirir expressão ao nível do seu curriculum

vitae. O individuo passaria a ser reconhecido não apenas pelas suas competências formais

académicas, mas também pelas competências que foi adquirindo em contexto comunitário

nos vários projetos que integrou e nas várias funções que foi desempenhando.

A virtude desta alteração em termos laborais, não é apenas o facto também

importante de reativação do princípio da comunidade no pilar da emancipação (Santos,

1994), mas também, o efeito positivo que gera em termos da democratização no acesso ao

emprego. Se atendermos que cada funcionário disporá de parte do seu tradicional horário

laboral para realização de atividades cívicas, as empresas e instituições terão que contratar

novos funcionários para manter os mesmos índices de produtividade. Assim, embora o

preço dos salários possa eventualmente ser alvo de reajustes, em termos gerais

democratiza-se o acesso ao emprego a efetivos populacionais que num modelo tradicional

engrossam as fileiras dos desempregados, e consequentemente um progressivo problema91

a gerir pelos estados.

Ao criarmos dois tempos distintos num dia, também se promove a participação dos

cidadãos na gestão de proximidade e manutenção da esfera pública, permitindo uma

90 “Ao desenvolver esta reserva de potencialidades, competências e experiência em cada indivíduo, a aprendizagem por via da educação não-formal vai também de encontro àquelas que são hoje em dia as necessidades específicas, as exigências e as expectativas do mercado de trabalho e em particular dos empregadores. De facto, tendo em conta os desenvolvimentos recentes no mundo do trabalho em contexto de globalização, os empregadores procuram cada vez mais trabalhadores que tenham participado em atividades extracurriculares, que tenham viajado e vivido no estrangeiro, que falem várias línguas e que sejam capazes de trabalhar em contextos cada vez mais multiculturais, que sejam capazes de ouvir criticamente e interpretar, de liderar e coordenar, com um alto índice de mobilidade e adaptabilidade, etc” (Pinto, 2005: 5). 91 Embora não se possa assumir uma correlação precisa e direta, existem problemas que emergem quando os níveis de desemprego aumenta. Em primeiro lugar, a necessidade de o estado ter que dispor de uma maior fatia de fundos para apoiar cidadãos desempregados gera um desequilíbrio na balança comercial uma vez que estes fundos não têm um retorno em termos de produtividade. Depois surgem uma série de problemas agregados que condicionam a vida social a nível interno. O aumento da tensão social e da criminalidade são alguns dos que mais se evidenciam. Tudo isto acaba inevitavelmente também por ter reflexos a um nível externo, na forma como esse território é percebido.

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conceção e consciencialização individual e coletiva de que a providência social está

intrinsecamente ligada à capacidade de mobilização e participação social.

Embora consideremos a democracia representativa e a estruturação da sociedade

em instituições e serviços públicos elementares, como um ingrediente básico,

consideramos igualmente que estes por si só, na conjuntura atual, não geram resposta

necessária ao equilíbrio e equidade social. Daí falar-se de assimetria e estratificação global

do sujeito ator, num contexto de mercado livre, numa ótica hierarquizada segundo o

ranking da balança económica. É necessário um modelo social de providência que tenha

por base o envolvimento de toda a sociedade, tendo em cada indivíduo um sujeito autor,

mobilizado a participar de forma próxima na resolução dos problemas comunitários.

Por outro lado, remeter-nos-ia gradualmente a todos, a um mesmo e estatuto -

cidadão. Desprovidos de títulos académicos, políticos ou outra qualquer natureza, todos os

cidadãos teriam que dedicar um determinado número de horas de serviço público, junto de

outros cidadãos, constituindo-se este espaço, num mecanismo de encontro, partilha,

responsabilização e nivelamento dos direitos e deveres elementares de todo e qualquer

cidadão. Este “ponto de encontro” favoreceria uma reprodução social e geracional mais

integrada, informada e responsável.

Por certo, a alegada inevitabilidade dos experts em democracia representativa, dada

a complexidade advinda da diversidade de camadas em que se processam atualmente as

relações institucionais sociais, políticas e financeiras, seriam progressivamente

complementadas por este expediente de participação e gestão da realidade.

Este modelo visaria sobretudo uma partilha dos benefícios e despesas sociais. A par

de um sistema laboral de referência, coexistiria um sistema de serviço público/cívico que

visa responder às necessidades de sustentabilidade da esfera pública, permitindo com isso

alargar também a possibilidade de emprego no sistema laboral, a um maior número de

pessoas. Por outro lado, no médio longo prazo, esta medida significaria também uma

diminuição da despesa pública com serviços que até então eram pagos pelo erário público,

mas que agora são supridos neste contexto de “serviço cívico”. A título de exemplo

destacamos em seguida dois exemplos que, nesta ótica, teriam obviamente um novo

enquadramento.

As pessoas que integram (em Portugal) as mesas eleitorais.

Para além de dispensa ao emprego no dia seguinte, estes cidadãos recebem uma

compensação monetária. Se a dispensa ao emprego ainda se considera viável, atendendo a

que normalmente os atos eleitorais se realizam ao domingo, já o pagamento nos parece

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desajustado numa democracia participativa madura e prospetiva. Na mesma linha se

enquadram o desempenho de funções governamentais. O exercício de um cargo político,

ainda que remunerado, deveria acima de tudo ser considerado na ótica do prestígio que

confere a um cidadão, na medida em que foi requerido o seu contributo, tido como idóneo

para a área em que foi recrutado. Neste sentido, qualquer subvenção financeira

(suplementar, de reforma por exemplo) que advenha deste exercício inverte o sentido

elementar da democracia equitativa, no que transforma o exercício de cargos políticos num

trampolim de ascensão a bens e serviços diferenciados. Este expediente favorece a difusão

da ideia da viabilidade do político de carreira em detrimento da ideia de viabilidade de

carreiras de políticos. Numa democracia madura em que as relações institucionais são mais

lineares e homogéneas e os cidadãos integrem de forma participada/experimental os

princípios básicos da ação, confinam-se os redutos e tráficos de influência que nas várias

camadas se desenvolvem.

Em suma, uma democracia simplificada permite um maior acesso e rotatividade no

exercício e leitura da ação governativa e comunitária.

2) Como temos vindo a defender, este tipo de iniciativa, se analisado num contexto

transnacional, pressupõe uma aplicação concertada por vários atores sob uma linha

estrutural e metodológica comum. Mas como mobilizar países (ricos e pobres) a

vincularem-se a um modelo económico comum, que de alguma forma pressupõe o ajuste

equitativo de posições, com perda de posição dominante e monopólio de países e empresas

que constituem o centro do atual sistema económico?!

Acreditamos que a definição de uma carta de princípios (ao jeito de uma

constituição socialista global monitorizada por uma ONU renovada) definindo como base

das relações internas e externas a assunção de um Índice de Progresso Genuíno/Índice de

Desenvolvimento Humano a nível global, e onde são salvaguardados índices de referência

sobre os quais o mercado terá que desenvolver-se, poderá constituir o ponto de partida a

todo o processo. Posteriormente, a constituição de um grupo de países aderentes a este

modelo (que visa um balizamento da ação do mercado por critérios de nivelamento social e

comunitário) poderia cumulativa e progressivamente privilegiar as relações comerciais

entre os estados aderentes e signatários de uma solução sustentável partilhada, procurando

reduzir/limitar o campo geográfico de ação das políticas neoliberais não aderentes. Este

movimento, a efetivar-se, cresceria na proporção inversa do monopólio atualmente detido

pelas empresas e estados centrais, que com um campo de ação progressivamente menor

teriam que proceder a ajustes políticos na forma como se relacionam com a restante

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comunidade internacional, bem como aos preços de comercialização no sentido de não se

insularizarem e se aproximarem dos índices de referência definidos por uma nova ordem

económica emergente. Um género de mercantilismo global entre os signatários, tentando

instaurar um desequilíbrio de forças no sistema neoliberal vigente, que veria surgir a seu

lado um novo paradigma de sociedade global.

Acreditamos que pelo facto, de existirem no Conselho de Segurança da ONU países

centrais, com privilégios especiais (direito de veto, assento permanente), seria um tanto

inviável propor-lhes uma estrutura organizativa que lhes retiraria não apenas esses

privilégios, mas o monopólio hierárquico do sistema político e financeiro. No entanto, e

ainda que lamentável na ótica da razão, existe (pelo acima exposto) sempre a possibilidade

de proceder-se a uma reorganização através do surgimento de uma nova instituição...

3.6. Que orientação para a educação num paradigma de sustentabilidade

global/local da sociedade de providência?

A expansão da liberdade é o fim prioritário e, simultaneamente, o meio principal do

desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na remoção de vários tipos de restrições que

deixam às pessoas pouca escolha e pouca oportunidade para exercerem a sua acção

racional.

Certas liberdades têm um papel instrumental na promoção de liberdades de outras espécies.

As liberdades económica e política reforçam-se uma à outra. Oportunidades sociais de

educação e saúde complementam as oportunidades individuais de participação económica e

política, e estimulam as nossas iniciativas no sentido de superar privações. (Silva, J. O. C.

s.d.: 2)

3.6.1. As diferentes dimensões do campo educativo

“A educação é simultaneamente (recorrendo aos conceitos de Santos) um

‘localismo globalizado’ e um ‘globalismo localizado’”92 (Cortesão & Stoer, s.d.: 372).

92 Atendendo ao caso português descrito em (Cortesão & Stoer, s.d.), a educação é um localismo globalizado na medida em que o modelo da escola oficial, gratuita, laica é uma criação europeia que rapidamente se tornou norma. É também um globalismo localizado, na medida em existem tendências patrocinadas por agentes globais do polos regulador (FMI, OCDE, UE...) que são enquadradas na definição das políticas educativas. O mesmo sucede com as tendências do polo emancipatório/contestatário (UNESCO, ONGs...) que procuram também afirmar noções de educação inter/ multicultural crítica, ecopedagogia, educação ambiental, educação ao longo da vida, como aspetos de um património educativo comum da humanidade, numa perspectiva comum de prática cosmopolita transnacional sustentável.

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A educação, enquanto correlato social é um espaço polissémico e conflitual, onde

se confrontam políticas de orientação regulatória, performativa e meritocrática, e políticas

de orientação emancipatória e democrática. A coexistência íntima destas dinâmicas ao

longo do globo assume preponderâncias diversas consoante o local onde o fenómeno

educativo e social é analisado. Contudo, alguns autores referem a prevalência de uma

orientação aglutinadora por parte de tendências económicas e mercantis no campo

educativo global, que enquanto subsidiárias de um modelo neoliberal, são do nosso ponto

de vista mitigantes da pretensão de as emancipações periféricas afirmarem um potencial

genuíno de transformação de um modelo económico dominante que sobrevive justamente

da existência de locus de reação/contestação assimétricos e desconectados.

“Embora todas estas organizações tenham missões, capacidades e abordagens

diferentes (com algumas sobreposições), são impulsionadas por preferências ideológicas

que se desenvolveram como resposta “ortodoxa” aos problemas colocados na agenda dos

países ricos pelas circunstâncias económicas mundiais em mutação.” (Dale, 2001, cit. in

Cortesão & Stoer, s.d.: 389).

Temos também a agenda globalmente orientada segundo a batuta de um centro

neoliberal, que se traduz numa excessiva mercadorização da educação e o consequente

“reforço das disparidades entre escolas, em termos de financiamento, recursos materiais e

humanos e oportunidades de sucesso educativo oferecido aos alunos. A diferenciação

transforma-se rapidamente, em forte polarização. O resultado global é suscetível de ser,

não uma maior diversidade de fornecimento (em resposta a diferentes necessidades e

preferências), mas uma acrescida uniformidade de educação escolar baseada em critérios

de exclusão cada vez mais homogéneos em termos de classe, género e etnicidade” (Dale,

1994, cit. in Cortesão & Stoer, s.d.: 391). “Este processo tem sido denominado por Dale

(1989) como ‘modernização conservadora’, para caracterizar uma política que acarreta a

libertação individual para fins económicos enquanto a controla para fins sociais.”

(Cortesão & Stoer, s.d.: 391).

Por outro lado a implementação de uma escola de massas93 (na aceção francesa

igualdade social - séc. XVIII), ainda que tendo já sido, por várias vezes, referida a

sua crise, dando ideia de algo em fase de erosão, não será possível de instituir

mundialmente se assumirmos que não existem denominadores universais comuns, que

permitam a emancipação global de uma agenda educativa orientadora das práticas

93 “caraterizada por Touraine (apud Stoer, Cortesão, & Correia, 2001, Capítulo 6) como sendo uma ‘escola da sociedade’, ferramenta da realização do projeto da modernidade” (Cortesão & Stoer, s.d.: 391).

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educativas locais. É necessária uma maior abertura e condescendência analítica, como

forma de esboçar um centro global anti-hegemónico alternativo, permitindo que as

dimensões de emancipação local consigam ir um pouco mais além da mera reação de

ajuste local à regulação emanada de um modelo, que embora estratificante sobrevive por

falta de concorrência.

Chase-Dunn, (...) enquanto retira do pedestal o “universalismo normativo” de Parsons

(1971) como um traço essencial do sistema capitalista mundial vigente, propõe que tal

universalismo seja transposto para “um novo nível de sentido socialista, embora sensível às

virtudes do pluralismo nacional e étnico”. (Chase-Dunn et al, cit. in Santos, 2002a: 55)

(...) Wallerstein imagina uma cultura mundial somente num mundo libertário-igualitário

futuro, mas mesmo aí haveria um lugar reservado para a resistência cultural: a criação e a

recriação constantes de entidades culturais particularistas “cujos objetos (reconhecidos ou

não) seriam restauração da realidade universal de liberdade e igualdade” (Wallerstein,

1991). (Santos, 2002a: 55)

Do nosso ponto de vista é necessária uma maior ousadia, mobilização adesão e

permeabilidade dos estados-nação no sentido de captar as movimentações transnacionais

cosmopolitas94 e o debate de questões universais de educação numa perspetiva (ainda que

utópica) de património comum da humanidade. Uma primeira medida será porventura

identificar, aspetos concordantes com potencial de definir o que realmente é comum. A

ecologia e os direitos humanos, normalmente indicados como ingredientes principais desta

conceção, são eles próprios, por vezes, menorizados como sendo produções parciais do

ocidente que de alguma forma tenta colonizar o espaço global.

Na verdade, até se começar a ter consciência global (fase da regressão progressiva)

a nossa história coletiva que supostamente começou em África, foi posteriormente

94 Termos desenvolvidos por Santos (2002a: 55) no âmbito de uma leitura paradigmática (transição de paradigma) da mutação do sistema mundial e que no âmbito de uma globalização contra-hegemónica (debaixo para cima) pressupõe uma predisposição e permeabilidade para o contacto e coexistência num mesmo indivíduo/ grupo, de diferentes manifestações culturais (subculturas), bem como de uma ação concertada em torno de interesses, contestações e preocupações comuns emergentes do confronto das formas de globalização. Ainda desta leitura constam o património comum da humanidade enquanto temas, que de tão abrangentes, tem de ser abordados ao nível da comunidade internacional/global. No contexto daquilo que designa como leitura subparadigmática (processo de ajustamento estrutural nos limites do capitalismo) apresenta, no âmbito de uma globalização hegemónica (de cima para baixo) mais duas formas de globalização, os localismos globalizados e globalismos localizados. Estes diferentes conceitos não são estanques e interagem entre si. No seu conjunto fornecem-nos um esquema de leitura possível para os fenómenos relacionados com o tema globalização.

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assumindo maior preponderância também através dos impérios e civilizações locais

dominantes (sumérios, incas, aztecas, maias, egípcios, impérios chineses, mongóis...) ao

longo de todo o globo, e dos quais o ocidente foi extraindo conhecimentos95 e técnicas

rumo a uma ideia daquilo que hoje designamos por globalização. Pretender-se que o

fenómeno da globalização atual seja apenas fundamentado nas transformações sociais mais

recentes ocorridas no ocidente, parece-nos contudo, um misto de sobranceria e remissão. A

internet e a comunicação sem fronteiras que hoje é possível afasta-nos progressivamente da

perspetiva parcial e das pretensões unilaterais ocultas de universalismo. Uma progressão

regressiva96 a partir da conceção do global, requer uma agenda em que se perspetive o

indivíduo educativo, como alguém que cresce numa perspetiva de bilinguismo cultural97

(Stoer & Crtesão, 1999, cit. in Santos, 2002a: 395) em que hegemonicamente comunga de

uma forma de intervenção contra ou anti-hegemónica, como condição de redefinir

continuamente o conceito de universalismo. É portanto um processo partilhado de

sugestão, produção e validação coletiva.

O grande desafio pressuposto, neste âmbito, é a recontextualização constante dos

direitos e deveres elementares de um todo global, bem como, a operacionalização efetiva

desses limiares mínimos num contexto de crescente proximidade comunicacional (espaço-

tempo). O que favorece uma ação e reação cumulativamente mais fundada numa

perspetiva comum. As subculturas da Cultura universal dialogam e reformulam o conceito,

nesta fase, mais em resultado de deslocamentos geográficos (migrações), que propriamente

no decurso da desocultação da originalidades de tendências culturais ancestrais locais,

ainda desconhecidas. Nesta estrutura, a tradição local (registo local de um percurso

passado) não suplanta, o(s) mínimo(s) denominador(es) comum já consolidados ou

95 Não se pode ignorar, por exemplo, a importância da descoberta da técnica de produção de papel, da pólvora, da bússola e da impressão pelos chineses, ou o inestimável contributo no campo da matemática e da dos árabes. “De acordo com a tradição histórica, as ideias começam em geral com os gregos ou, na melhor das hipóteses, no Antigo Egito e Mesopotâmia. Na verdade, as ideias são pelo menos tão antigas quanto a humanidade. Algumas se originaram com nossos ancestrais hominídeos, algumas das melhores são da Idade da Pedra. O leitor terá lido mais ou menos um terço do meu livro antes de deparar com os gregos”, diz Fernández-Armesto, professor de história na Universidade de Londres.” (Finotti, 2005). 96 Regressão progressiva significa o percurso até à consciencialização da sociedade global conectada por um conjunto de relações de dependência e de ação-reação ou causa-efeito. Por sua vez uma progressão regressiva parte deste conceito de globalidade e universalismo para uma dupla e simultânea tarefa: a procura de uma adaptação individual/local em função dos mínimos denominadores comuns e simultaneamente a reconstituição desse estádio global pela ação participativa e individual com que se intervem no contexto social. Uma progressão que regride à singularidade da espécie humana, como forma ecológica de sustentabilidade sistémica global. 97 Este termo designa a presença simultânea de duas culturas. A capacidade de representação do(s) indivíduos, e a sua capacidade de “ultrapassar fronteiras” e intervir e influenciar o desenrolar dos assuntos internacionais (Santos, 2002a)

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emergentes. As opções merecedoras de destaque terão que emergir pela afirmação das suas

potencialidades utilitárias, funcionais e inteligíveis, no contexto de uma matriz elementar

de deveres e direitos universais, mais que através de um qualquer expediente fundado na

tradição ou feudo. Quando muito, estes (enquanto individualismos ou localismos) poderão

contribuir para enriquecer e informar novas recontextualizações de uma Cultura Universal,

que pressupõe no Homem, o livre arbítrio na construção participada da cidade. E isso será

tão só, numa primeira fase, perceber aquilo que é comum entre a sua individualidade e a

sua espécie. Sendo que determinado particularismo ou localismo tem potencial e

oportunidade de se apresentar e ser reconhecido e integrado numa ótica de validação

universal98.

Ao desenvolver-se uma base consensual nesse contexto (será também exequível

uma progressiva inspiração de regulação social universal libertadora do campo educativo e

consequentemente/paulatinamente da sociedade, na busca de novos trilhos. Neste contexto,

a anti-hegemonia atual, na realidade, é uma mera irritação hegemónica incapaz de operar

uma mudança no centro do sistema. “Torna-se crucial identificar os grupos, as classes, os

interesses e os Estados que definem as culturas parciais enquanto culturas globais, e que,

por essa via, controlam a agenda da dominação política sob o disfarce da globalização

cultural” (Santos 2002a: 54).

(...) No domínio cultural, o consenso neoliberal é muito seletivo. Os fenómenos culturais só

lhe interessam na medida em que se tornam mercadorias que como tal devem seguir o

trilho da globalização económica. Assim, o consenso diz, sobretudo, respeito aos suportes

técnicos e jurídicos da produção e circulação dos produtos das indústrias culturais, como,

por exemplo, as tecnologias de comunicação e da informação e os direitos de propriedade

intelectual. (Santos, 2002a: 55)

O “daltonismo cultural” é mais o resultado de uma subversão económica da

educação, em que a formatação de currículos e “pacotes” de educação são considerados na

sua génese, em função de uma perspetiva contabilística e de um serviço preparado para ser

98 Por exemplo, a descoberta de uma terapia de tratamento de uma qualquer doença, ou formulação de uma teoria económica por parte de um ou de vários investigadores. As suas novas descobertas poderão, após reconhecimento da sua fundamentação, utilidade e aplicabilidade, conduzir a uma reformulação dos conceitos e técnicas utilizadas até então.

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154

consumido e replicado, do que uma tentativa ideológica99 consertada que busca consensos

através da emergência e confrontos discursivos.

Este daltonismo cultural, traduz assim uma conceção de Cultura enquanto traços,

perfis ou tendências de acordo com um ranking de possibilidades diferenciadas a que cada

indivíduo pode aceder. A falência do estado de providência vem acentuar esta evidência,

ao suprimir, ou pelo menos condicionar, o acesso ao sucesso e aos “pacotes” educativos

mais seletos100.

Uma verdadeira escola de massas carece de uma certa indiferenciação humanista,

onde não se privilegiam grupos maioritários ou minoritários em termos religiosos,

políticos, económicos, etc... A interpretação “cultural” benigna necessária, para permitir

afirmar diferentes modos de adaptar o universal às tradições e contingências

físicas/geográficas de cada local, de forma heterogénea dialogante, tem sido capitalizada

por uma orientação mercantil que insiste em manter-nos no tempo da regressão

progressiva. Assim, onde não existe consciência do espaço global organizado, é legítimo,

senão mesmo necessário a existência e perpetuação de uma hierarquia em que o objetivo

central é aceder a um putativo centro do sistema para daí se extraírem os privilégios de

vencedor, deixando aos restantes uma inclusão subalterna em escala.

Nesta perspetiva, mais do que diferenciações emancipatórias do ponto de vista de

vivência de espaços e momentos sociais de partilha, assistimos sobretudo a uma perspetiva

do educativo como correlato do económico. Existem cada vez mais, currículos e práticas

uniformes para consumidores distintos, não do ponto de vista sociocultural, mas sobretudo

do ponto de vista económico-sócio-cultural.

Não devemos portanto confundir “daltonismo cultural” e “daltonismo económico”,

Culturalmente (in)justificado.

Num cenário dinâmico de equidade, as diferentes cores com que nos parecem surgir

determinados elementos, são apenas distorções induzidas pelo reflexo do local de onde

olhámos e de onde somos olhados.

99 Enquanto sinónimo de ideário neutro – conjunto de ideias, de pensamentos, doutrinas ou visões do mundo orientado para as ações sociais, políticas ou, neste caso, educativas. 100 Aquilo que é um direito universal básico – a educação – assume diferentes abordagens com a demissão da providência niveladora do estado. Se numa família existe desemprego no setor laboral, cresce a dificuldade de providenciar o acesso aos recursos necessários a que um aluno possa prosseguir os seus estudos e investigações. Muitas vezes, estes alunos para o continuarem a ser têm que aceder ao apelo do trabalho (part-time) em simultâneo aos estudos. Situações mais graves traduzem-se mesmo num abandono prematuro do sistema educativo. Ato reflexo, assiste-se a partir daqui a estilos de vida marcados por opções e padrões de vida diferenciados a que superficialmente designamos por expressão multiculturalista mas que no cerne remonta a uma falência não debelada de feição económica.

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155

Estes mecanismos vigentes de mercadorização do campo educativo, enquadram-se

num modo de produção hegemónico da globalização, sustentado por trocas desiguais que

ocorrem nos meandros das interações transnacionais. Será portanto interessante

observarmos se existe espaço a uma produção anti-hegemónica que leve o campo

educativo a assumir-se como instrumento fundamental de transição de uma ideia de

globalização imposta, para uma dinamização de globalização

construída/monitorizada.

Emerge sobretudo a necessidade de dotar o campo educativo de potencial de

performatividade que torne viáveis, no médio prazo, as necessárias alterações a nível

político, que anteriormente referimos, como processos de integração social, cultural e

económica, onde nas diferentes histórias de vida, e nas diferentes narrativas e pretensões

surge uma dinâmica de “epistemologia de escuta” e “envolvimento numa auto-

reflexibilidade controlada” (Correia, 2001). (Anexo 47)

Consideramos ser necessário, permitir-se que o campo educativo possa integrar

estratégias de reformulação desta perspetiva neoliberal que avassaladoramente contagiou

um dos redutos essenciais de regeneração social – a educação.

Desta forma consideramos que os ajustamentos e medidas referidos anteriormente,

necessários à reformulação dos tempos de participação laboral e dos tempos de

participação e regeneração da esfera pública/cívica, deve ser uma prática promovida,

acompanhada e desenvolvida pelos agentes do campo educativo, desde os estádios mais

básicos de formação. O seu prolongamento, autonomização e assimilação natural ao longo

da vida será assim facilitado na medida em que o cidadão, enquanto criança começou por

descobrir que numa sociedade organizada local e globalmente, existe espaço à liberdade,

igualdade e fraternidade, sendo que estes pressupostos se constroem através do contributo

coletivo em que todos têm a liberdade de sugerir, participar e desenvolver uma ação

privada individual, tendo como elementar, o dever e a responsabilidade de contribuir na

edificação, manutenção e renovação coletiva da cidade.

Assim, algumas das curiosidades atuais em termos educacionais passam por

identificar e definir o âmbito geossocial e intencionalidade das políticas, currículos e

práticas educativas nesta ótica dúplice, simultaneamente Global e Local. Cremos que a

dilatação do acesso à informação e ao conhecimento, a par da experimentação e ensaio de

práticas diversificadas, favorecerão o confronto, a reflexão e o encontro de oportunidades

de, a nível local, originalmente concorrermos para uma perspetiva educativa comum. Para

uma dimensão global da educação local.

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“A natureza mestiça e poliglota das Ciências da Educação” (Ardoino, cit. in

Cortesão, 2012: 720) como espaço de diversidade, de confronto e diálogo.

3.6.2. O multi-individualismo sistémico e a emancipação do sujeito-autor

Nunca somos uma subjectividade em exclusivo, mas atribuímos a cada uma delas,

consoante as condições, o privilégio de organizar a combinação com as demais. À medida

que desaparece o colectivismo grupal, desenvolve-se, cada vez mais o colectivismo da

subjectividade. (Santos, 1994: 94)

A atualidade, entorpecida pelas práticas neoliberais leva-nos a considerar a falência

das dimensões sociocomunitária do projeto da modernidade a favor de uma liberalização

económica que condiciona e hierarquiza a liberalização social. Neste contexto, os espaços

de partilha, de solidariedade e identidade coletiva vão dando lugar a tentativas marginais

de adequação e sobrevivência, que embora dando a ilusão de uma possibilidade de sucesso

pela diferença, pela inovação e oportunidade, não resolvem no essencial o rumo

assimétrico das capacidades de usufruir dos direitos económicos básicos.

Por outro lado, como vimos anteriormente, um indivíduo é simultaneamente adepto

de distintos grupos, de diferentes conceções ou tendências que fluem para dentro e para

fora da sua “vasilha”. Neste sentido vislumbram-se como alternativa, esquemas de relação

sociocomunitários, que permitam uma recuperação e reorganização dos elementos

conceptuais do projeto da modernidade, numa ótica de estabilização, simultaneamente

global e local. Acreditamos que neste processo, o campo educativo assume um papel

fundamental enquanto plataforma de promoção de uma perspetiva proactiva de integração

dos indivíduos em modelos e práticas sociais que lhes permitam construir um modelo de

sociedade global, a partir da descoberta, exploração e confrontação da sua singularidade

em contextos progressivamente mais intrincados e referenciados por pressupostos básicos

comuns.

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157

3.6.3. Educação ao longo da vida: Educação formal, educação não formal e

educação informal

(Anexo 48)

O conjunto destas características pedagógicas articuladas entre si, proporciona um contexto

de aprendizagem que favorece o desenvolvimento de determinadas competências –

essencialmente pessoais e sociais – que a escola, por si só, tem dificuldade em desenvolver.

É portanto, também neste contexto educativo que, a nosso ver, se operam processos de

transformação pessoal e coletivos com vista à inclusão social das crianças Jovens e adultos.

Estas transformações têm como base um conjunto de valores sociais e humanos dos quais

se destacam a igualdade de oportunidades, a solidariedade, a cooperação, a coesão social, a

valorização das diferenças, a cidadania activa e a democracia participativa. (Pinto &

Pereira, 2010: 7).

A igualdade de oportunidades, numa ótica de desenvolvimento sustentável é

também uma preocupação da UNESCO.

During the inaugural session, the Minister of Education Professor Banbang Sudibyo

highlighted the important role of various institutions such as cultural, educational,

community based, civil society organizations, media and religious institutions working in

harmony with the government in the promotion of Lifelong Learning for All. All the above

agencies of society, he said, needed to work together to reverse unsustainable trends in

society, economy and environment. Learning for sustainable development is a cross-

sectoral issue. The Jakarta Forum recognized that there is a learning divide between the

“learning rich” and the “learning poor”. (UNESCO, 2008: para. 2)

(Anexo 49)

As mudanças de políticas, tal como os grandes petroleiros, necessitam de tempo

para empreenderem manobras de reorientação, contudo a força da corrente reclama

manobras mais ágeis que permitam uma manobra de adaptação de par com os tempos de

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mudança das correntes. Num documento preparatório de 2000, ao nível Europeu,

abordavam-se já rumos a empreender e tendências a inverter101.

…working together in a variety of partnerships is an essential means of putting lifelong

learning into practice. These partnerships include co-operation between ministries and

public authorities to develop co-ordinated policies. They systematically integrate the

Social Partners in the development and implementation process, in conjunction with

public-private initiatives. Partnerships thrive, above all, through the active involvement of

local and regional bodies and civil society organisations, who provide services that are

close to the citizens and are better adapted to the specific needs of local communities. (…)

The continuum of lifelong and lifewide learning also means that the different levels and

sectors of education and training systems, including non-formal domains, must work in

close concertation with each other. Here, working together effectively will mean going

beyond existing efforts to build bridges and pathways between different parts of existing

systems. Creating a person-centred network of lifelong learning opportunity introduces

the vision of gradual osmosis between structures of provision that remain, today,

relatively disconnected from each other. (…) The vision of gradual osmosis brings a dual

challenge: firstly, appreciating the complementarity of formal, non-formal and informal

learning; secondly, developing open networks of opportunity and recognition between all

three learning settings. (Commission of the European Communities, 2000: 9-10)

101 Em Portugal começam também a tomar alguma relevância legal estes aspetos.

• Resolução do Conselho de Ministros nº. 11/2013 (Diário da República Iª série nº 45 de 5 de março) • Resolução da Assembleia da República nº. 32/2013 (Diário da República Iª série nº 53 de 15 de

março) • Resolução da Assembleia da República nº. 34/2013 (Diário da República Iª série nº 53 de 15 de

março)

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3.6.4. Competências chave – 2012 (Comissão Europeia)

Figura 19. Competências chave – 2012 (Comissão Europeia). (European Commission, 2012: 6; Anexo 50).

As estes objetivos acrescentaríamos um outro, que se prende com a necessidade de

definir-se uma linha de orientação a uma abordagem global, que nos parece ainda algo

desconexa e demasiado alocada a uma perspetiva económica de mercado, relativamente ao

reconhecimento e certificação das competências adquiridas.

(Anexo 51)

Persistir numa leitura enviesada destes pressupostos, extraindo deles apenas uma

parcela oportuna de sentido seria continuar a legitimar e reduzir todos aspetos da vida a

uma apropriação de sentido económico, por via da educação/formação. Mais uma vez, não

obstante à intencionalidade teórica panorâmica e discursiva, a aplicação destes tratados e

políticas carecem de uma reinterpretação e efetivação de pendor anti-hegemónico.

Reclama-se portanto uma orientação da educação ao longo da vida102 através da

articulação das suas vertentes formais, não-formais e informais que promova um apelo à

reedificação das formas de vida também vocacionadas para a responsabilidade social, para

a sustentabilidade e invariavelmente para um confronto entre subculturas numa ótica multi-

individual que reconhece o potencial desta tendência educacional, numa ótica de

102 A decisão da Comissão Europeia que estabelece o Programa Aprendizagem ao Longo da Vida (Decisão 2006/1720/CE) refere no ponto 29 do artigo 2º que a Aprendizagem ao longo da vida, é “ qualquer forma de ensino geral, de educação e formação profissionais, de educação não formal e de aprendizagem informal seguida ao longo da vida, que permita melhorar os conhecimentos, aptidões e competências numa perspetiva pessoal, cívica, social e/ou profissional. Inclui a prestação de serviços de orientação e aconselhamento.”. Refere também como objetivo na alínea f) do ponto 3 do artigo 1º: “Contribuir para aumentar a participação na aprendizagem ao longo da vida de pessoas de todas as idades, incluindo as pessoas com necessidades especiais e os grupos desfavorecidos, independentemente da sua origem socioeconómica”. Revemo-nos nesta ambição, ainda que não pretendamos cingir o conceito de Educação ao longo da vida ao espaço do âmbito formal do programa da União Europeia.

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160

intervenção cívica (Cultura) e não apenas como uma reformulação de ativos passíveis de

liquidez económica.

Caso estes documentos não bastassem, apelaríamos também à análise da (CDC)

Carta dos Direitos da Criança no sentido de sublinhar a perspetiva integral, integrada e

progressiva a adotar numa perspetiva basilar de definição de orientações do processo

formativo.

A CDC não é um conjunto de promessas, mas de obrigações. A sua aplicação é em

primeira instância uma obrigação dos Governos mas exige o envolvimento de toda a

sociedade – pais, professores, activistas sociais e as próprias crianças também têm um

papel importante a desempenhar” (Pais, 2007, cit. in Pinto & Pereira, 2010: 9).

3.6.5. Articulação, parcerias e gestão partilhada da cidade

Ser-se cidadão é um privilégio a que atualmente não damos o devido valor. O

estatuto de cidadão traduz a aceitação de um indivíduo para participação no quotidiano de

uma determinada comunidade. Traduz um vínculo e um compromisso de identidade a

pressupostos básicos elementares que definem uma matriz de ação. É por assim dizer, a

mais insigne expressão formal de proximidade e interação regulada.

Nesta aceção, há que distinguir aquilo que ao longo da nossa vida podemos associar

à esfera pública e à esfera privada.

Ser-se cidadão, pressupõe um contrato com dimensão social e jurídica, para além da

afetiva e identitária. Neste sentido um cidadão obriga-se ao cumprimento de deveres e leis

que regulam a vida social de cada comunidade. De igual forma beneficia de um conjunto

de direitos nesse mesmo âmbito. Ainda que hoje o espaço esteja mais contraído, porque

mais próximo e conhecido, os direitos e deveres elementares tendem a ser um pouco

semelhantes na maioria dos locais. No entanto, quando viajámos para um outro país onde o

peso da tradição religiosa, “cultural” ou política ainda permanecem circunscritos a uma

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161

perspetiva entrópica, obrigamo-nos ao cumprimento e benefícios das normas e costumes

desse meio103.

Reportando-nos novamente ao âmbito da sociedade local/global e ao princípio da

solidariedade, devemos também aqui distinguir entre solidariedade primária desenvolvida

no âmbito das escolhas e opções privadas e a solidariedade pública104.

Relativamente à primeira, por vezes somos surpreendidos por manifestações de

solidariedade promovida no reino animal, que contrariamente a todas as previsões

(darwinianas) vemos uma fêmea de determinada espécie adotar, amamentar e proteger um

animal de uma espécie diferente. No entanto é sobretudo ao nível humano que no âmbito

das opções privadas podemos emancipar-nos face à norma, decidindo-nos a um rasgo

suplementar de solidariedade. Por exemplo dar uma esmola a um mendigo, dar sangue, é

uma forma de solidariedade orgânica/voluntária, não prescrita em termos jurídicos.

“Nullum crimen, nulla poena sine lege”105.

Na esfera pública porém a solidariedade que nos vincula é uma solidariedade

mecânica, em função de pressupostos convenções e normas comuns. De acordo com o

Código Penal de grande parte dos países prevê-se o dever de prestação de socorro sendo a

sua omissão, punida por força de lei. Assim qualquer cidadão que tendo reunidas

condições de prestação de socorro em situação declarada de necessidade de outrem tem o

dever de providenciar auxílio elementar a quem não tenha meios de socorrer-se pelos

próprios meios.

Temos assim dois tipos distintos de solidariedade passíveis de execução por parte

do cidadão. No que respeita às formulações anteriores de divisão do tempo laboral em

tempo laboral e tempo cívico. Ou, ao nível do sistema educativo em articulação de tempos

e iniciativas de Educação formal e tempos e iniciativas de Educação não formal e informal. 103 Ainda que o modelo social disseminado pelas instituições formais do mundo ocidental tenha emergido na antiga Grécia, existe uma máxima popular que refere: “Em Roma sê romano...”. Ser cidadão passa portanto por uma adequação de conduta de acordo com pressupostos e convenções grupais de determinada área ou grupo. A forma como nos saudamos, as línguas que utilizamos ou alimentação de que dispomos são algumas particularidades que devemos ter em consideração quando visitamos outros locais. No entanto existem outras que devemos respeitar escrupulosamente, sob pena de admoestação. Se viajarmos de automóvel conduzimos pelo lado direito da estrada. Contudo, se durante o percurso atravessarmos um pais em que se conduz pelo lado esquerdo, teremos que nos adaptar a essa realidade. Serve isto para distinguir aquilo que são opções do foro privado e aquilo que são condições do foro público. 104 Émile Durkheim (sociólogo francês 1858-1917) distingue dois tipos de solidariedade (Mecânica e Orgânica) como formas de sustentação da coesão social. A primeira corresponde a uma situação de indiferenciação social dos indivíduos, sobretudo ao nível do que lhes é comum (crenças, valores, normas...). Por sua vez a solidariedade orgânica, assemelha-se à metáfora dos órgãos do corpo humano, em que cada um desempenha uma função distinta. Segundo o académico a especialização de funções e a diferenciação dos papéis dos indivíduos decorre de uma transformação a partir dos estádios elementares de uniformidade. Segundo ele é a sociedade que define o indivíduo e não o indivíduo que define a sociedade. 105 “É nulo o crime que não tem disposição legal.”

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162

Nestes contextos falando-se de cidadania, ainda que as abordagens, propostas e

ofertas possam ser diferenciadas de acordo com cada indivíduo e de cada local (numa

lógica de solidariedade orgânica), o princípio orientador deveria enquadrar-se numa lógica

de compromisso/contrato social do cidadão para com a sociedade.

No esquema que propomos, a função cívica que se pressupõe a qualquer cidadão

não inviabiliza ações de voluntariado. A Decisão do Conselho Europeu (2010/37/CE) que

definiu os termos de oficialização ano 2011 como Ano Europeu das Atividades de

Voluntariado visando a promoção de uma cidadania ativa, a exemplo de algumas leis de

voluntariado de alguns países, parece-nos conter alguns dos ingredientes das políticas que

referimos, mas, com uma nuance um pouco particular, daquilo que objetivamos e que no

essencial marca um posicionamento ligeiramente distinto. Este(s) documento(s)

privilegia(m) uma abordagem voluntária ao serviço cívico. Ainda que possamos

compreender algum pedagogismo e mobilização não coerciva inerente à convocatória,

acreditamos que um cidadão do século XXI, imerso em nebulosas concetuais de vária

ordem (local/global; indivíduo/sociedade; sujeito ator/sujeito autor; democracia

representativa/democracia participativa; incluído excluído; legível/ilegível…), merece uma

clarificação e uma orientação quanto ao que deverá ser o seu papel numa sociedade que

anuncia a falência dos modelos de governação coletiva encimando-os de pós, mas que de

alguma forma, tem dificuldade em operacionalizar princípios e ideias que permitam que os

ingredientes dessa fórmula elementar se possam reequacionar.

Assim consideramos que cidadania não se pode resumir a um mero ato de vontade,

um fetiche sasonal, mas a uma atitude de compromisso.

Atendendo a que não existe um enquadramento prévio nas sociedades atuais, e

ainda que do nosso ponto de vista esta temática se encontre do lado dos deveres de

cidadania, o serviço cívico não deve ser coercivo ou conceber-se numa ótica de

obrigatoriedade. Nem tão pouco numa ótica de voluntariado.

Ser voluntário é assumir-se uma postura superior, uma atitude altruísta, um

julgamento introspetivo pessoal, uma predisposição alheia a todas as negociações, um

esforço suplementar a qualquer convenção existente (ex: doação de sangue, medula,

órgãos…). Regulamentar-se o voluntariado (como é o caso de legislação existente sob a

designação de “Lei do voluntariado”) é retirar-lhe a abnegação, arrojo e audácia de quem

avança por imperativos de autoconceito. Em países de matriz universalista e democrática

tal propósito inscreve-se “a letras de ouro” nas entrelinhas da constituição.

Mais claro e discriminado deve porém ser o propósito do Serviço Cívico. Desta

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forma, para se poder operar uma transição, e porque as sociedades atuais não contemplam

esse esboço funcional, não se deve vincar o caráter obrigatório de tal participação. Contudo

deve vincar-se, com a precisão de um hino, que uma sociedade é o correlato daquilo que os

seus membros o permitirem. Neste contexto, julgamos pertinente definir-se de forma

assertiva, uma clarificação de direitos e deveres de cidadãos e instituições, em torno das

quais se poderá organizar um Serviço Cívico que nas sociedades desempenhará uma

função de complementaridade com o campo laboral tradicional, e com o campo educativo.

Esta perspetiva procura enquadrar a capacidade de resposta ao total de exigências e

necessidades de uma comunidade (região/nação) inscrito numa ótica de formação ao longo

da vida. Ainda que não devesse assumir um caráter de obrigatoriedade, os cidadãos que

participassem nesta dinâmica de democracia participativa (com exceção de cidadãos com

manifesta incapacidade física e psíquica, os quais de acordo com os requisitos de cada

pressuposto manteriam a paridade) teriam direito exclusivo a:

1. Ser eleito e eleger os representantes para desempenho de cargos políticos

(locais, nacionais e supra nacionais);

2. Beneficiar de um seguro de saúde e assistência social, para acidentes ocorridos

no desempenho de funções cívicas;

3. Beneficiar de formação adequada e certificada para o desempenho de funções

para as quais é convocado ou se propõe;

4. Ver certificadas as competências adquiridas e desenvolvidas no desempenho de

funções de serviço cívico;

5. Beneficiar de condições privilegiadas no acesso a serviços públicos de saúde,

educação, transportes, ação social, intercâmbios e projetos de dimensão

translocal e de representatividade...

6. …

A saúde, educação, justiça e segurança elementares deveriam ser asseguradas à

totalidade dos cidadãos independentemente da sua participação.

Os cidadãos que não pretendessem integrar este tipo de dinâmica, teriam

exatamente a mesma carga horária no sector laboral, que aqueles que além do sector

laboral participariam deste tipo de iniciativas.

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3.6.6. Ação cívica

(Anexo 52)

Quadro 4. Ação cívica (mecanização da orgânica social)

Mecanização da orgânica social

. Dinamização de dinâmicas de democracia participativa (sujeito autor) através de mecanismos de articulação entre

instituições públicas e privadas (parcerias);

. Aumento das relações de gestão partilhada entre estado e cidadão a nível local (numa perspetiva biunívoca e dialogante

com a figura de estado global – UNESCO/ONU);

. Organização da vida dos cidadãos em momentos diferenciados (tempo privado e tempo cívico).

SETOR EDUCATIVO SETOR LABORAL

Articulaçã

o

Sec

tor ed

ucativo/ sector labor

al

. Para além da abordagem tradicional do currículo formal, assistir-

se-ia a uma maior abertura da escola à sociedade e instituições

civis. Numa ótica de enquadramento das Cartas Educativas de cada

local, assistir-se-ia a uma reformulação do conceito das AEC

(Atividades de Enriquecimento Curricular)*, dinamizando uma

articulação dos currículos formais com iniciativas ao nível da

educação não formal e informal. (Parcerias)

. Independentemente da área profissional de

cada cidadão este desenvolveria/ participaria

em ações cívicas diversas.

. A sua experiência profissional poderia no

entanto ser rentabilizada ao nível da gestão e

coordenação de outras iniciativas cívicas.

Org

anizaç

ão do tempo

e dos recursos

nec

essários

. *Articulação dos períodos pós-letivos com períodos que ainda

que desenvolvidos no âmbito do sistema educativo formal, podem

ocorrer e desenvolver-se dentro ou fora da escola, com ou sem

recursos da escola.

. A gestão do processo ( agenda, recursos, certificação...) deve ser

assegurada pelo estado, ainda que numa dinâmica de parcerias com

instituições e atores privados.

. Diminuição do horário de trabalho e

dedicação das restantes horas em serviço

cívico;

(Esta modalidade poderia aumentar o acesso ao

trabalho a outros cidadãos e uma melhor

sensibilidade social dos cidadãos).

. A gestão do processo ( agenda, recursos,

certificação...) deve ser assegurada pelo

estado, ainda que numa dinâmica de parcerias

com instituições e atores privados.

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* continuação da página anterior

Gestão e certificaç

ão das in

iciativa

s

. Promoção de um espaço à iniciativa, criatividade e participação

do sujeito através de projetos e parcerias propostas pela escola,

pela comunidade ou pelo próprio aluno.

. Articulação do Ministério da Educação com os restantes

serviços ministeriais nomeadamente com Secretaria de Estado da

Juventude e autarquias (Cartas educativas).

. Certificação das iniciativas cívicas em que participou (currículo

cívico);

. Estruturação das atividades num sistema de progresso com

diferentes níveis de progressão (Life long Learning) abrangendo

diversas dimensões da vida social;

. Participação na gestão e coordenação das iniciativas cívicas.

. Promoção de um espaço à iniciativa,

criatividade e participação do sujeito através

de projetos e parcerias propostas pela

comunidade ou pelo próprio cidadão.

. Certificação das iniciativas cívicas em que

participou (currículo cívico);

. Estruturação das atividades num sistema de

progresso com diferentes níveis de progressão

(Life long Learning) abrangendo diversas

dimensões da vida social;

. Participação na gestão e coordenação das

iniciativas cívicas.

Dim

ensões

cívica

s

. Ambiente

. Solidariedade Social (saúde, educação, reinserção social, combate à pobreza,

apoio a idosos, animação sócio cultural...)

. Manutenção e restauro de património

. Proteção civil (sensibilização, vigilância...)

. Cogestão de iniciativas e projetos cívicos

. Outros

. Ambiente

. Solidariedade Social (saúde, educação, reinserção

social, combate à pobreza, apoio a idosos, animação sócio

cultural...)

. Manutenção e restauro de património

. Proteção civil (bombeiros, socorrismo...)

. Cogestão de iniciativas e projetos cívicos

. Acompanhamento periódico da situação

escolar/educativa dos filhos junto do corpo

docente.

. Outros

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166

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167

CAPÍTULO IV

O RETRATO DE UMA GLOBALIZAÇÃO PARCIAL: DADOS PARA REFLEXÃO E

PERSPETIVAS DE ARTICULAÇÃO NO SENTIDO DO ESTABELECIMENTO DE

UMA GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS E DOS DEVERES

4.1. A fuga do Homo

Mais uma vez, acreditamos que o estado, nas suas diferentes manifestações, deve

assumir um papel central na afirmação e defesa da escola pública. Acreditamos que num

cenário aberto, discursivo em que o futuro se jogará neste âmbito, urge criar-se

mecanismos de aproximação do cidadão com a esfera de participação política e

comunitária. Uma plataforma que permita ao cidadão uma conceção de autor em

detrimento de uma atitude passiva de ator, que resume o seu espaço de intervenção à

eleição dos seus representantes106. Numa época em que o estado liberal se reformula e

reequaciona numa perspetiva orientada pelo devir do mercado livre, é necessário distinguir

o campo das possibilidades e dinâmicas capitalistas, das leituras de sustentabilidade

necessárias para aferir o conceito de pertença global sobre o qual estas deveriam emergir.

Ainda que polulem os discursos de boas intenções assistimos sobretudo a dinâmicas que, a

expensas de uma indomável globalização, mitigam e secundarizam a dimensão social e

comunitária em detrimento de inevitabilidades do alarvismo mercantil. Atente-se nos

objetivos do milénio e na sua dimensão global implícita.

Since they were first adopted, the Millennium Development Goals (MDGs) have raised

awareness and shaped a broad vision that remains the overarching framework for the

development activities of the United Nations. (…) Achieving the goals will require equitable

and inclusive economic growth— growth that reaches everyone and that will enable all

people, especially the poor and marginalized, to benefit from economic opportunities.

We must also take more determined steps to protect the ecosystems that support economic

106 O estado existe com o fim último de rentabilizar o potencial da comunidade e não o contrário. O desempenho de funções políticas ativas deve constituir um direito universal de facto, que não carece de convite. Do mesmo modo, também não carece da promoção da ideia de um reduto, um clube para os ‘ungidos’. Algo muito técnico e especializado, progressivamente mais afastado do envolvimento do cidadão comum. O desempenho de funções políticas, nesta ótica que apresentamos, começa nos primeiros anos da infância, através do envolvimento (leitura e escrita) da realidade na escola e na comunidade próxima. A comunidade deve pugnar para que o estado que ela escolheu e a representa, defina o campo da participação social, cívica e política como uma inerência elementar à sustentabilidade e gestão da sociedade.

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168

growth and sustain life on earth. (…) Between now and 2015, we must make sure that

promises made become promises kept. The people of the world are watching. Too many of

them are anxious, angry and hurting. They fear for their jobs, their families, their futures.

World leaders must show not only that they care, but that they have the courage and

conviction to act. (UN, 2011c: 3)

As migrações rumo ao mundo desenvolvido, a par de mecanismos de degradação

do sistema financeiro, criam pressão sobre os centros urbanos tornando evidentes as

discrepâncias no acesso ao capital. Ainda assim, em termos gerais, mantêm um menor

impacto face à realidade vivida pelos resistentes do mundo rural, cada vez mais isolado da

realidade atual.

A Europa, não obstante das assimetrias internas, é no contexto global um foco do

mundo desenvolvido. Mesmo em tempo de crise financeira global, por capricho dos países

economicamente mais relevantes, nomeadamente a França e a Alemanha, a UE manteve o

euro como moeda mais forte do sistema financeiro global. No decurso da crise financeira

especulativa que se iniciou em 2008 viu começar a crescer a contestação interna e externa

na medida em que sobressaia o artificialismo e fragilidade da sua estrutura assente em

pressupostos não regulados pelos que, dirigindo o sistema, supuseram a realidade geral em

função dos seus padrões. A Europa parece-nos portanto, no contexto atual, um mundo em

ponto pequeno; uma caricatura convincente. Uma Europa de matriz social em espírito, que

tecnicamente se orienta por mecanismos de mercado, nos quais também os seus mais bem

sucedidos estados membros definem as linhas orientadoras a empreender.

A crise financeira que emergiu em 2008 saldou-se num acréscimo de austeridade

sobre as classes mais desfavorecidas. As dívidas contraídas e os défices orçamentais

impeliram alguns países a contrair empréstimos junto de instituições financeiras no intuito

de manter a sua solvência à luz dos indicadores estabelecidos. Como atrás referimos, estes

momentos de crise induzida, constituem uma excelente oportunidade para credores e

empregadores, que veem nesta nebulosa um terreno fértil à oportunidade de tudo reduzir à

equação eficiêcia/produtividade. A restruturação das leis laborais traduzem pois a

facilitação de movimentos do setor financeiro sobre o setor social e os direitos laborais

conquistados. A maior facilidade em despedir funcionários por “inadaptação”, a redução

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169

do período de férias, a supressão de pagamentos (13º mês107), ou o aumento da carga

horária de trabalho para um mesmo salário, ou salário progressivamente mais baixo para

um mesmo volume de trabalho, parece querer instituir a ideia de que o acesso ao emprego

não é um direito. Emerge o sentimento de que perante a progressiva escassez de emprego,

o acesso a este é uma espécie de privilégio a que apenas os mais aptos/produtivos (leia-se

subservientes) conseguem aceder. É certo que os padrões atuais das sociedades

desenvolvidas acompanham um paradigma de constante evolução do conhecimento e

técnicas de produção, que exigem uma enorme capacidade de adaptação, mobilidade e

flexibilidade. Contudo, enquanto não se definirem mecanismos de gestão global do fluxo

financeiro, este movimento continuará de forma incessante a privilegiar um reduzido

número de vencedores que localizados no centro do sistema se alimentam das margens.

São por exemplo eles que detêm e multiplicam o capital que permite

desenvolver tecnologia que progressivamente toma o lugar de funcionários que

anteriormente desempenhavam essas tarefas (Apêndice 18; Anexo 53).

(EDR, 2009)

Figura 20. Evolução tecnológica (PIBID/UFRRJ, s.d.; EDR, 2009).

Ao fazê-lo, conseguem no médio prazo recuperar o investimento, privando-se não

apenas do pagamento de salários aos funcionários despedidos, como também num alívio

com encargos com segurança social, etc... Uma máquina não reclama aumentos, baixas,

licenças de maternidade/paternidade, não constituem sindicatos, não reclamam feriados ou

107 Que mais não é que um salário mensal que atua como um acerto devido, baseado no diferente número de dias úteis mensalmente variável. Não se trata de uma benesse ou complemento, mas de um pagamento referente a trabalho realizado.

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170

dispensas para cumprimento de obrigações... A máquina é o funcionário perfeito,

obediente, eficiente, produtivo, programável, resistente, incansável, incontornável... Perto

dela o ser humano é um modelo obsoleto. A não ser que apresente novas maneiras de, por

via da eficiência, conseguir marcar ainda mais este fosso entre a obsolescência do humano

perecível e da virtude do automatismo financeiro.

É óbvio que em qualquer ofício se buscam ganhos de eficiência e produtividade por

via de adaptações e reorganização de estruturas, componentes ou estratégias, no intuito de

simplificar e emancipar novos modos de conceção e organização dos processos de

atividade. Contudo, há limites que os humanos não conseguem somaticamente superar.

Porventura, por essa razão, inventaram e aperfeiçoaram os engenhos, as máquinas e a

tecnologia, como forma de superação do biológico através de representações e construtos

de inteligência agregada. Um género de perpetuação progressiva do conhecimento

acumulado.

Não nos parece desadequada esta demanda. Contudo, percebe-se uma dificuldade

aritmética na gestão proporcional do usufruto interpessoal deste progresso. Este estádio de

capitalismo da tecnologia, ou “capitalismo informacional”108, ainda que forjado na

acumulação de séculos de descobertas e novos conhecimentos agregados, nomeadamente a

partir da baixa idade média, foi fortemente impulsionado durante as três fases da revolução

industrial (Anexo 54) assinalando a transição da idade moderna para a idade

contemporânea.

Existem dois aspetos que devemos ter em consideração. Um prende-se com o facto

de não podermos (ainda) diabolizar as máquinas, na medida em que elas não se organizam

hierarquicamente em castas nem se movem autonomamente por ímpetos egocêntricos. O

outro refere-se porventura ao facto de também elas não serem capazes de introspeção e

reflexão axiológica por referência a conquistas Culturais109.

4.2. Diplomacia de topo

É neste contexto que devemos também ler alguns dos “progressos” dos resultados

obtidos na persecução dos Objetivos do Milénio das Nações Unidas. Não obstante de uma

tendência no sentido de melhorar as condições mínimas de parte da população mundial, de

108 Este termo foi também utilizado pelo sociólogo espanhol Manuel Castels para designar a transformação do capitalismo em torno da evolução e integração das tecnologias no sistema produtivo, financeiro e sociológico. 109 Numa ótica de progressão regressiva, património universal comum - Cultura.

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171

facto observada, os próprios objetivos denotam determinadas subtilezas que nos deveriam

fazer refletir a tendência altruística no sentido de um mundo mais igual.

A meta de redução para 15 % da população mundial, do número de pessoas que

vivem com menos de 1,25 dólares por dia, corresponde a dizer-se que num mundo

gradualmente melhor, este objetivo do milénio deixaria em 2013 a população da Europa

(742 452 170), mais a população dos EUA (320 050 716) a sobreviver diariamente com

menos de 1, 25 dólares por dia. Conseguiriam estes mecenas reunir energia para se

afirmarem num mundo equitativo?!

Não obstante a alguns progressos em termos de sensibilização e mobilização em

torno de problemas globais, numa perspetiva de responsabilidade partilhada, existem ainda

velhos interesses e políticas de fação, onde ao nível das relações internacionais se jogam

interesses, que fazem abalar a estrutura democrática e global de gestão da realidade.

No dia em que a UNESCO votou a admissão da Palestina para integrar os efetivos

da instituição, os EUA, que sempre jogou dos dois lados do campo, ora apoiando militar,

financeira e politicamente Israel, ora mediando os processos de paz, anunciou a suspensão

do apoio de 60 000 000 de dólares a esta instituição.

“Legislation dating from 1990 and 1994 mandates a complete cutoff of American

financing to any United Nations agency that accepts the Palestinians as a full member”

(Erlanger & Sayare, 2011: para. 6).

Israel para além de acompanhar o seu habitual par, no que respeita à suspensão do

fundo, acrescentou pela voz do seu embaixador na Unesco que: “Unesco deals in science,

not in science fiction” (Erlanger & Sayare, 2011: para. 15).

Note-se que no cotexto atual em que o planeta conta com cerca de 7 000 000 000 de

habitantes, os 10 países que mais financiam a ONU (em função do seu potencial

financeiro; (UN, 2006) perfazem um total de cerca de 30 % da população mundial, se

desses retirarmos a China que é o mais populoso país do mundo, mas apenas o sexto na

contribuição para o fundo da ONU, essa percentagem passa para cerca de 15% da

população mundial. A mesma que constitui o limite para o número “aceitável” de pessoas

que em 2015 deverão sobreviver com menos de 1, 25 dólares por dia.

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172

Quadro 5. Contribuição para o fundo da ONU/População

Fontes: a) UN (2013); b) Worldometers (2013) - (Tabela estática)

A título de curiosidade, segundo dados de 2013, os cinco países que mais

contribuem para o orçamento da ONU com cerca de 50% do total dos contributos,

representam apenas cerca de 10% da população mundial. Ou seja, 657 348 464 pessoas

(cerca de 10% da população) contribui com cerca de 50% e 6 504 770 970 (cerca de 90%)

contribui com os restantes 50%.

Metade da riqueza do planeta está adstrita a cerca de apenas 10% da população

global.

Deverão os países mais ricos persistir isoladamente:

• na definição do ritmo, das condições e dos limites de contribuição para o

fundos de auxílio ao resto do mundo?

• na imposição do rumo e modelo de avanço tecnológico, da exploração

espacial, de stocks de armamento nuclear (…)?

• na decisão dos limites de emissões poluentes?

• na definição de padrões de consumo e por via destes, de fluxos e ritmos de

aculturação induzida?

• em definir e instrumentalizar as instituições supostamente universais?

Ou deverá nivelar-se o acesso ao sucesso ao consumo de um sistema globalmente

regulado (numa ótica biunívoca), para apenas a partir daí se definirem padrões desejáveis e

sustentáveis em cada uma destas áreas?

Contribuição para o fundo da ONU (%) a) População b)

EUA 22, 000% 320,050,716

Japão 10.833% 127,143,577

Alemanha 7.141% 82,726,626

França 5.593% 64,291,280

Reino Unido 5.179% 63,136,265

China 5.148% 1,385,566,537

Itália 4.448% 60,990,277

Canadá 2.984% 35,181,704

Espanha 2.973% 46,926,963

Brasil 2.934% 200,361,925

Outros estados membros 30, 767% 4,775,744,364

População. do Mundo b) 7,162,119,434

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173

(Anexo 55)

Ao nível da União Europeia as questões de educação e juventude estão dependentes

de um mesmo organismo tutelar (Direção Geral XXII – Educação, Formação e Juventude),

em Portugal apesar de períodos de coabitação (Anexo 56) seguem na atualidade caminhos

não tão próximos quanto o desejável, uma vez que muita da dinâmica da educação não-

formal e informal ocorre na abordagem interinstitucional e suprainstitucional do

associativismo juvenil e coletivismo local. Enquanto a área da educação formal está

adstrita ao Ministério da Educação, Ciência e Ensino Superior, a área da Juventude,

encontra-se dependente da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto sob dependência

da Presidência do Conselho de Ministros.

Acreditamos que uma coordenação consertada de todas as dinâmicas educativas em

termos políticos poderia, também, constituir o reconhecimento de que na atualidade, as

diferentes dimensões do quotidiano social dialogam entre si procurando novos sentidos de

edificação coletiva.

É também necessário que a comunidade e o estado se coordenem no sentido de

gerirem e adaptarem os recursos aos efetivos de forma racional. É sobretudo necessário

considerar a educação como um setor nevrálgico, no desenho das gerações futuras. E para

elas, num cenário de aumento exponencial dos efetivos populacionais, numa dinâmica de

contração espaço-tempo, de um endurecimento das condições de acesso aos bens e

serviços e de uma pressão ecológica sobre o planeta, não nos parece que a melhor opção

seja um silenciamento do coletivo em prol de uma dinâmica competitiva de sobrevivência

anárquica e predatória. A presença do estado num diálogo e ação edificante partilhado com

a comunidade é a condição necessária à afirmação de que o futuro não é um capricho

sectorial, mas a legitimação de uma aventura comum (Anexo 57).

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174

4.3. Quantificando

Quadro 6. Variação da População Mundial 1950-2100

Fonte: Thornett (2013)

Gráfico 12. World Population Growth (UNDESA, 2013)

“Antes do século XX, nenhum ser humano assistira à duplicação da população

humana em vida, mas hoje há pessoas vivas que a viram triplicar” (Kunzig, 2011: 11)

Pop

ulaçã

o

2 52

5 77

9 00

0

2 76

1 65

1 00

0

3 02

6 00

3 00

0

3 32

9 12

2 00

0

3 69

1 17

3 00

0

4 07

1 02

0 00

0

4 44

9 04

9 00

0

4 86

3 60

2 00

0

5 32

0 81

7 00

0

5 74

1 82

2 00

0

6 12

7 70

0 00

0

6 51

4 09

5 00

0

6 91

6 18

3 00

0

7 32

4 78

2 00

0

7 71

6 74

9 00

0

8 08

3 41

3 00

0

8 42

4 93

7 00

0

8 74

3 44

7 00

0

9 03

8 68

7 00

0

9 30

8 43

8 00

0

9 55

0 94

5 00

0

9 76

6 47

5 00

0

9 95

7 39

9 00

0

10 1

27 0

07 0

00

10 2

77 3

39 0

00

10 4

09 1

49 0

00

10 5

24 1

61 0

00

10 6

26 4

67 0

00

10 7

17 4

01 0

00

10 7

94 2

52 0

00

10 8

53 8

49 0

00

Ano

1950

1955

1960

1965

1970

1975

1980

1985

1990

1995

2000

2005

2010

2015

2020

2025

2030

2035

2040

2045

2050

2055

2060

2065

2070

2075

2080

2085

2090

2095

2100

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175

Gráfico 13. Estimate and Projeted Population by Major Area (UNFPA, 2011: 5)

Quadro 7. Olhares (O mundo atual)

(Anexo 58)

(...) Neste momento na Terra, há aquíferos em remissão, solos desgastados pela erosão,

glaciares fundidos e populações de peixe quase extintas. Cerca de mil milhões de pessoas

passam fome todos os dias. Dentro de algumas décadas, haverá provavelmente mais dois

mil milhões de bocas para alimentar, principalmente nos países mais pobres. Como

funcionará então o nosso Planeta? (Kunzig, 2011: 11)

FAMÍLIA NUMEROSA QUÉNIA Em Nairobi Mary Wanza, uma mãe solteira que ganha dois euros por dia, cozinha para 10 crianças, entre filhos, netos e órfãos. Mary de 41 anos, teve o primeiro filho aos 15 anos. As taxas de fecundidade mantêm-se elevadas na África subsariana: a taxa do Quénia desceu de oito para cinco partos por mulher entre 1960 e 2000, mas desde então só desceu para 4,6. A média mundial é de 2,5. (Kunzig, R . 2011 : 22)

É TEMPO DE OUTRA REVOLUÇÃO VERDE CHINA Os agricultores de Yunnan aproveitam cada centímetro de terra fértil. Sementes de alto rendimento e o uso de adubos permitem à China alimentar a sua população com menos de 10% de solo arável do planeta. Por ora é possível produzir géneros alimentares em quantidade suficiente, mas fazê-lo sem esgotar os recursos finitos será um desafio. (ibidem :24)

TECNOLOGIA DE PONTA JAPÃO Um robot falante ajuda Nabeshima Akiko, de 69 anos, a fazer compras, num teste conduzido por investigadores do Centro de Ciência de Keihanna. Perto de Quioto. Representando quase 23% da população, os 29 milhões de idosos ultrapassam os jovens, uma situação que levanta preocupações quanto a quem os suportará nos anos que se avizinham. (ibidem : 27)

O SONHO AMERICANO EUA Durante o surto de construção que se apossou de Las Vegas e dos seus subúrbios em 2004, construía-se uma casa a cada 20 minutos. Caraterizado por automóveis sedentos de gasolina e casas com consumos elevados de eletricidade, este estilo de vida contribui para aumentar o apetite do país por energia: as suas emissões são quatro vezes superiores à medida mundial. (ibidem : 33)

O CHAMARIZ URBANO VENEZUELA Partilhando a encosta com habitantes de arranha-céus, crianças dançam num bairro ilegal de Caracas, cidade com três milhões de residentes. Um em cada sete habitantes da Terra vive em bairros de Lata. A criação de melhor habitação educação será um dos desafios para este planeta com sete mil milhões de habitantes. (ibidem : 34)

UM MUNDO DE LUZ INGLATERRA Alimentada a carvão, Londres tornou-se a maior cidade do mundo durante a revolução industrial, ponto de partida para o aumento da população da Terra. Os países ricos consomem um volume superior de recursos per capita, mas à medida que o rendimento global aumenta, o consumo poderá exercer maior pressão sobre o planeta. (ibidem : 5)

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176

Esta discussão sobre a pressão demográfica humana, foi levantada desde o

momento do “alarmismo populacional”, pelo reverendo Thomas Malthus. No final do seu

livro, ao formular a lei inflexível segundo a qual o crescimento descontrolado da população

conduz à fome, Malthus disse que a lei é positiva: obriga-nos a ter iniciativa. O homem é

“inerte, preguiçoso e avesso ao trabalho, excepto quando impelido pela necessidade”,

escreveu Malthus. “Mas a necessidade dá esperança.”

Lê-se ainda no seu ensaio:

Os esforços considerados necessários pelos homens para se sustentarem a si mesmos ou às

suas famílias despertam frequentemente aptidões que, de outra forma, poderiam

permanecer adormecidas para sempre, e tem sido geralmente observado que situações

novas e extraordinárias costumam gerar mentes adaptadas para lidar com as dificuldades

em que se veem envolvidas. (Kunzig, 2011: 30-31)

A capacidade adaptativa e inventiva do Homem tem permitido uma evolução em

espiral sobre um planeta sobre o qual foi intervindo a níveis progressivamente mais

intensos.

As projeções de evolução da população mundial, preveem um aumento gradual da

população. Ainda que tratando-se apenas de projeções, que não contemplam os inúmeros

imponderáveis que se lhe poderão opor, uma primeira questão que se nos coloca, tomando

como referência a pressão demográfica atual sobre os recursos existentes é: Que sistema

sociopolítico se perspetiva para as próximas gerações?

As convulsões emergentes de uma distribuição assimétrica do acesso aos recursos,

numa primeira fase, ou uma generalizada escassez concebida numa plataforma de previsão

democrática, remetem-nos a uma análise dos efetivos comportáveis, em termos de padrões

de consumo, pela Terra enquanto organismo vivo110.

A urgência emergente, não parece residir na curiosidade de saber-se qual o limite

máximo de habitantes serão possíveis de existir. Talvez a prioridade seja saber-se quanto

tempo mais será possível encararmos o planeta como um recurso inesgotável.

A exigência que se nos coloca enquanto sociedade global é hoje um desafio à

capacidade de gestão partilhada, que viabilize uma perspetiva participada por um crescente

número de habitantes (Anexo 59). Existe um caminho a percorrer no sentido da dissolução

dos egoísmos locais em prol de uma emergente capacidade emancipatória/regulatória

110 Um pouco na linha da Teoria de Gaia - James E. Lovelock.

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177

global. É necessário ponderar a equação em que o estado e a comunidade consigam

desenhar uma economia de subsistência, um género de ecossocialismo.

Os atritos decorrentes da escassez, motivada por um aumento do consumo,

antecipam também um aumento das lutas pelo acesso aos bens essenciais.

Resta saber se o mundo caminhará para um modelo de regulação onde os cidadãos

são impelidos a partilhar e estruturar modelos de sociedade, onde os esforços e vantagens

constituem direitos/deveres universais, ou se por sua vez vinga o fatalismo eugénico,

passível de caricaturar-se num simples quadrado em que dois galos se degladiam até que o

mais apto vença. Chegaremos próximo de situações em que elites dirigentes omissas

(Anexo 60) assinalam a sorte dos que deverão ser sacrificados a fim de manter

inexpugnáveis as regalias de uns quantos outros?

Sem pretendermos entrar no domínio da profecia, acreditamos que a humanidade

enfrenta desafios crescentes em que já não é admissível a retórica ornamental e ficcional

dos direitos humanos e da ecologia. O conceito de sustentabilidade começa a ecoar e a

rebater nos 7 000 000 000 de habitantes do planeta. Esta comunidade não espera ser

regulada pelo acaso do quadrado de galos (capitalismo – alguns de nós). Espera-se que nós

comunidade/estado, sejamos capazes de desenhar um “nós economia”, um “nós circular”

em torno de um planeta físico finito.

Todas as soluções, por mais adversas aos princípios que hoje consideramos

elementares, serão legítimas se os estratos que nos distanciam, se nivelarem a uma visão

equidistante do seu semelhante e destes com o planeta.

Bem sabemos que tal perspetiva nos coloca, também, no comodismo da

circularidade do cardápio das boas intenções111. Mas também sabemos, a um ritmo cada

vez mais insuperável, que as alternativas de drible egocêntrico estão condenados à censura.

A censura emergente e aquilatada do nosso passado comum.

4.4. Investindo

No ano 2012 os Estados Unidos da América verificaram um total de cerca de 682

000 000 000 dólares de despesa com o setor militar (Freeman, Sköns, Solmirano, &

Wilandh, 2013). Por sua vez o orçamento global da ONU para o biénio 2012-2013 prevê o

valor total de 5 152 299 600 dólares (UN, 2012).

111 Planificação de políticas de distribuição no acesso ao trabalho e ao tempo livre, de políticas de planeamento familiar, de políticas de acesso aos recursos, bens e serviços...

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178

The UN’s entire budget is just a tiny fraction of

the world’s military expenditure, approximately

1.8% (…) One year of global military spending

could pay the United Nations budget for 732

years (United National Secretary-General,

2010).

In 1970, rich countries of the OECD agreed at

the United Nations (Resolution 2626) to give

0.7% of their GNP (now GNI) as aid to the

developing countries.

(…) Although rich countries have given an

enormous $3.19 trillion dollars in aid since

1970, the accumulated total shortfall in their aid since 1970 (when the target of

0.7% was set) amounts to $4.37 trillion (at 2010 prices).

(Anexo 61)

Este cenário é sobretudo revelador de como a definição de prioridades em termos

globais se processa numa dinâmica autocentrada de diferentes autores e diferentes atores.

Gráfico 14. Global Distribution of Military Expenditure in 2010 (Shah, 2012b)

Gráfico 16. Official Aid, 1990 – 2011 (P.A.P. – Blog /Human Rights etc., 2013)

Gráfico 15. Official Develepment Assistace 2012. percent of GNI (Statistisk, 2013)

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179

Deixa no entanto antever que, uma reorientação de estratégias e prioridades poderão

melhor defender os interesses e ambições das futuras gerações.

A muitos níveis somos prisioneiros das nossas estruturas orgânicas e continuamos

divididos entre o nosso estado e as nossas aspirações. Há demasiados laços a ligarem-nos

ainda à animalidade. Deixamo-nos guiar pelo egoísmo, quando o futuro se situa numa obra

universal. Continuamos frequentemente a ser escravos das paixões e a nossa razão apaga-se

perante os instintos. Queremos acumular os bens materiais, em vez de nos consagrarmos à

partilha e à criação. Tal como o animal, procuramos desesperadamente prolongar a nossa

vida, quando a imortalidade reside no contributo, mesmo que modesto, fornecido por cada

um à obra colectiva que faz as civilizações. (Ruffié, 1982: 137)

Se a trilogia comunidade, estado e mercado porventura continuar a não parecer

bastar-se nos limites da espécie humana, releiamo-la sob uma outra trilogia e certamente,

sobre ela, todas as combinações se basta

Figura 21. Pensar/Educar/Partilhar

4.5. Gerindo

…se o objetivo da ciência é vencer a natureza, não é menos verdade que só poderemos

vencê-la, obedecendo-lhe. (Bacon, cit. in Santos, 1987: 49)

No Homem, nenhuma outra qualidade é tão influenciada pelo meio como o perfil e a

actividade psicológica. Daí a grande responsabilidade da sociedade (família, escola,

Estado) na formação e desenvolvimento dos jovens. (Ruffié, 1982: 30)

Pensar

Partilhar Educar

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Mas será a globalização um processo monolítico, conduzido por um só motor?

“Uma revisão sobre os estudos sobre os processos de globalização mostra-nos que estamos

perante um fenómeno multifacetado com dimensões económicas, sociais, políticas,

culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo. Por esta razão, as

explicações mono-causais e as interpretações monolíticas deste fenómeno parecem pouco

adequadas. (Santos, 2002a: 32)

Ainda assim, de acordo com a linha de argumentação que vimos apresentando,

apresentamos em seguida uma síntese de esquemas/imagens complementados com

informações textuais no sentido de exprimir, quer a evolução e perceção do conceito

local/global, quer as possibilidades de gestão social possíveis de empreender.

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Regressão Progressiva

(globalização inconsciente)

Progressão Regressiva

(globalização consciente)

Figura 22. Regressão Progressiva/Progressão Regressiva

Formas de globalização (Santos, 2002a: 31-98) (ver nota 94) Património Comum da Humanidade Cosmopolitismo Globalismos Localizados Localismos Globalizados

A configuração destes esquemas tenta ilustrar o percurso da globalização. No primeiro esquema tentamos apresentar a Humanidade numa demanda pelo planeta tentando conhecer o horizonte para além do seu locus identitário (regressão progressiva da condição meramente acidental do ser biológico numa perspetiva darwinista). A linha a tracejado representa o espaço desconhecido onde o globalismo não vai além dos limites da tribo e os localismos se afirmam como globalidade na perspetiva dos indivíduos/ grupos locais. Uma visão parcelar e distorcida de uma realidade latente mas potencialmente real (na medida em que o espaço global existia de facto ainda que não conhecido). A disseminação planetária do género humano ainda que gradual era também uma realidade ainda que percecionada na proporção dos encontros e reencontros utilitários de prospeção e gestão da vida. Os conceitos representados, ainda que insipientes à data, representam a homenagem à capacidade de o ser humano conseguir ao longo da história da sua existência simultaneamente aprender e educar. E com isso progressivamente conseguir um registo Cultural mais estruturado e refletido na condição plural de cada indivíduo. O segundo estádio começa a desenhar-se por altura daquela a que o historiador inglês Arnold Toynbee chamou Era Gâmica (do nome de Vasco da Gama) (Vicente, 2010: 11) e desenvolveu-se até à atualidade. Por esta altura com a crescente consciencialização dos limites do espaço global e de uma intensificação da aculturação entre os diferentes locais e civilizações começa a emergir a perceção do mundo como um lugar único. A linha circular contínua pretende dar conta desta circunscrição. Aqui inicia-se um percurso de sentido contrário, ou seja, à medida que as sociedades vão identificando traços de identidade global comuns emerge a busca do sentido e do perfil do indivíduo e do seu posicionamento neste contexto universalista. O último esquema dá conta de uma situação, para alguns já consolidada, em que as várias dimensões globais e locais perpassam o(s) indivíduo(s). A individualidade socialmente permeável e exógena torna-se assim a unidade elementar de leitura e escrita do conceito dinâmico de globalização e universalismo através de mecanismos de confronto e parceria, através dos quais emerge uma nova identidade – Self global. Ainda que estas dinâmicas não se tenham processado em termos de reciprocidade e proporcionalidade, nestas representações procuramos aludir sobretudo, a um processo gradual de contração do espaço físico e social como background à emergência de uma identidade e cidadania Universal enquanto património comum.

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“Uns chamam-lhe Deus, outros chamam-lhe Yeovah, outros Allah, outros

Brahman, outros Dharmakaya, outros Tao (…) Nós os cientistas, chamamos-lhe universo.

Diferentes nomes, diferentes atributos, a mesma essência” (Santos, 2006: 517).

(Anexo 62)

A Natureza é a guardiã do tempo mas nós não conseguimos ver o relógio.

(Brown, L., 2009: xiv) (trad.)

“Eu sou o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim, aquele que é e que era, e que há de vir, o Todo Poderoso.”

Apocalipse, I, 8 “Quem tem ouvidos,

ouça o que o Espírito diz às igrejas:

Ao que vencer,

dar-lhe-ei a comer da árvore da vida

que está no meio do

paraíso de Deus.”

Apocalipse, 2, 7 112

Figura 23. Indivíduo local/global113

112 Tradução Brasileira da Bíblia/Apocalipse (2009). 113 Esta imagem é uma composição que tenta conciliar as teses de gestão local/global apresentadas na pág. 119 deste texto em harmonia com o princípio do “eu autotélico” apresentado na pág. 83; acreditamos que a imagem desenhada por Leonardo da Vinci “Homem de Vitrúvio”, hoje, tal como na sua época representa a proporção, o experimentalismo, o humanismo e o antropocentrismo (O Homem como medida de todas as coisas). Famoso arquiteto do tempo do imperador romano Augusto César (Séc. I a. c.), Marcius Vitruvius Pollio deixou também obra escrita que ainda hoje merece a atenção dos estudiosos. É autor de De Architectura (tratado completo sobre a Arquitetura) e também pioneiro no estudo da antropometria na qual Leonardo da Vinci (com conhecimentos que partilhou com Luca Pacioli (1445-1517) se baseou para elaborar o seu desenho. Antes e após Leonardo fizeram-se tentativas semelhantes no sentido de inscrever a figura humana em figuras geométricas, mas nenhuma de forma tão harmoniosa e coerente. Atualmente a imagem faz parte da coleção da Gallerie dell'Accademia em Veneza, Itália.

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Esta imagem foi produzida em 1492 por Leonardo da Vinci. O caráter universalista

é-lhe atribuído pela inscrição simultânea da figura desnuda do corpo humano masculino114

num quadrado e um círculo. O quadrado representa a dimensão terrena da matéria e os

quatro elementos (Água, Terra, Fogo e Ar). O círculo por sua vez representa a plenitude e

harmonia, a esfera celeste e a órbita do planeta. A circunferência representa também o

ideal democrático e a equidade em que todos os pontos se encontram à mesma distância do

centro. Para além do óbvio nesta imagem, existem também outras leituras, que esta nos

sugere. É surpreendente, por exemplo, perceber como o desenho já induzia um novo

círculo: os dedos médios dos braços horizontais definem este círculo, do mesmo modo que

os dedos médios dos braços esticados para cima definem o círculo maior. É de realçar que

a área do quadrado original mede aproximadamente 153.9cm² e a área do círculo associado

mede 153.9cm². (Reis, L., 2002) Existem ainda outras posições que advogam a existência,

nesta figura, de uma dimensão matemática em que se encontram a divina proporção, o

número de ouro – Phi, existente em outras estruturas naturais (Colégio Leonardo da Vinci,

s.d.). Nós procuramos manter-nos um pouco à margem da abordagem puramente

geométrica, inspirando-nos no entanto nelas para enquadrar o correlato das dimensões

racional e biológica da condição humana na relação com o meio115.

Assim tendo como ponto de partida o par círculo (original) – quadrado (associado)

onde não existe equivalência absoluta de área (176.7cm²-176.9cm²) se privilegiarmos uma

deslocação/compressão lateral/horizontal contrária, de dois círculos sobrepostos sobre o

círculo original procurando uma sugestão de coincidência com o par círculo (associado) –

quadrado (original) e a sua equivalência perfeita em termos de área (153.9cm²-153.9cm²),

sugerindo os limites do círculo associado conseguimos um espaço de mediação entre as

dimensões da equivalência absoluta e da não equivalência (Anexo 65).

Pretende-se desta forma ilustrar e sublinhar, não apenas o “acidente” (não

coincidência) visível na imagem, com a coincidência (inscrita mas não evidente).

Neste intermédio buscamos uma representação capaz de traduzir a possibilidade de

gestão das pulsões da economia neoliberal através de um equilíbrio racional mediador,

delimitado por uma equidistância entre os princípios ponderados e articulados do estado e

da comunidade. Por outro lado, assinalamos a perspetiva de que o equilíbrio externo

114 Na problemática que desenvolvemos esta imagem representa sobre tudo o indivíduo, sem qualquer relevância específica quanto a uma distinção em termos de género. 115 Não existe qualquer relação de proporcionalidade real ou exata, testada e verificada sobre as analogias e correspondências que, no domínio social, aqui apresentamos. Tão só nos servimos, desta imagem e das suas aptidões espaciais, estéticas e artísticas para orientarmos a nossa linha de argumentação e ponderação dos factos descritos. O mesmo sucede com as imagens do anexo 65 e apêndice 19.

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(universal) e interno (local) simbolizado pelo círculo original e as figuras emergentes

resultantes da deslocação/compressão lateral/horizontal contrária supracitada, realça a

existência de um espaço intermédio entre uma “dinâmica ideológica” de esquerda e de

direita onde acreditamos, se possa traduzir a regulação estável da dinâmica

social/individual.

Se atendermos ainda à definição de vértice e de aresta, constatamos que o vértice de

um cone na interceção com geratrizes, nos mostra como um ponto numa face curva assume

o estatuto de individualidade e evidência. No entanto essa valia apenas adquire relevância

se associada a outros dois pontos alas confinantes. Assim, numa circunferência cada ponto

que a constitui está numa posição de potencialmente definir um ângulo diedro. Curioso

mesmo é o facto de os pontos que definem a relevância deste, sobre si mesmos, serem

simultaneamente pontos singulares de definição da estrutura. Impera entre todos os pontos

uma relação de equilíbrio e equidistância a um centro. Transpondo este princípio para o

domínio social, também todo o sujeito, em democracia é um potencial líder da estrutura,

ainda que a sua liderança seja reconhecida apenas na proporção do reconhecimento dos

seus pares.

É sobretudo importante, nesta iconização, o sentido universalista e antropocêntrico;

este aspeto é em nosso entender, nos tempos atuais, uma condição de pluralismo e

consenso necessário (o equilíbrio). Este aspeto é referenciado na forma, como o Eu

autotélico (individual/Universal) possui o potencial para gerir e reformular as três

dimensões do modelo da modernidade (Política-Estado/Economia-Mercado/Cultura-

Comunidade) segundo a transição esquemática das pág. 52, 119, 124 e 140. Não se trata

aqui de trazer à evidência uma constatação geométrica e matemática de leitura da condição

humana, mas uma evidência da condição humana como um modelo apenas possível de ser

considerado numa relação de equilíbrio, diálogo e confronto entre razão e força.

Poder-se-á, numa perspetiva de base racional, prever a relação entre o previsível e o

“acidental”? Numa perspetiva de base acidental não há lugar à previsão. Numa perspetiva

híbrida, o domínio absoluto de “metade” das hipóteses de previsão são uma inerência

(Apêndice 19).

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Figura 24. “Magnificent desolation” (Palavras de Buzz Aldrin quando alunou em 1969 na lua terrestre. – missão Apolo 11) Para os céticos do presente um trago de futuro… (Anexo 62)

“People under the age of 25 already make up 43 per cent of the world’s population,

reaching as much as 60 per cent in some countries” (UNFPA, 2011: ii).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este texto procuramos fazer um enquadramento da situação atual da

sociedade, num momento em que esta adquire uma maior relevância enquanto fenómeno

global consciente.

As tensões existentes e os bater de asas de borboleta que num ápice alcançam o

Zénite. A perceção do encurtamento do espaço e do tempo e a expectativa do indivíduo

catapultou-nos para um passado ancestral, linear e regressivo.

A cada investida na desocultação premonitória do futuro, escapava-se-nos o

presente e invariavelmente questionávamos o passado.

A epopeia de um planeta singular, num sistema solar perdido no exagero do

Universo, que regista há poucos minutos o surgimento da vida, e desde há segundos conta

com a nossa companhia. À medida que fomos ousando levantar o olhar, começamos a

conseguir caminhar, sem ter que olhar a intermitência e alternância dos passos.

Deslumbrados com a novidade que se apresentava a nossos olhos, aceleramos numa ânsia

sôfrega de tudo perceber, de tudo transformar. A comunicação, a alimentação, a

comunicação, a defesa, a caça, a comunicação, o grupo, a educação, a comunicação, a

linguagem, a comunicação, a construção e a roda, a comunicação, a escrita, a cidade, a

comunicação, o comércio, a política e a nação, a comunicação; o telescópio, as viagens, os

bojadores, as guerras e novos senhores, a comunicação; a locomotiva e os vapores, o

computador, a internet, o míssil e o foguetão, a comunicação. E Quando já na idade do

calção tropeçamos no acaso de uma árvore exausta, tombada no chão. A lama lambendo-

nos os joelhos, e em frente, já só pegadas de alguém que passara e deixara um trilho.

Perseguição?!...

Buscamos um trilho de tantos inscritos e olhámos mais alto, para além do céu.

Vimos sem espanto algo que todos tinham como recordação, inscrito no olhar, desde o

tempo da criação – Cultura.

O desafio do sistema moderno não são as investidas e delírios criativos avulsos.

Pois apesar de um sentido estético discursivo desejável, o verdadeiro desafio é sabermos de

que forma conseguiremos ajustar a perceção universalista, poética projetiva, voluntariosa e

emocional do Iluminismo, com a perceção universalista estatística e cartesiana

percecionada na atualidade.

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O processo de globalização, independentemente das suas trajetórias, impactos e

posições (mais ou menos) desfavoráveis, não se consubstancia numa mera equação de

resultado negativo.

Como procurámos expor, este momento singular da história da humanidade que

atravessamos revela muita da nossa imaturidade em gerirmos coletivamente o impacto da

intervenção humana no planeta e seus recursos. No entanto revela um estádio cumulativo

de saber e experiências coletivas de âmbito global que, desde fases mais remotas se vieram

desenvolvendo de forma progressivamente mais consciente e abrangente. Desde uma fase

de regressão progressiva a uma fase de progressão regressiva, as noções duais como

local-global, interior-exterior, socialismo económico - liberalismo económico, esquerda-

direita (...) têm vindo a assumir contornos mais difusos, com um conteúdo

híbrido/permeável que se adequa às circunstâncias. Que se molda à realidade global

emergente. Como que se uma grafia pré-existente nos trâmites da história Universal,

apenas agora começasse a desocultar e esclarecer outras perspetivas que até então serviam

de suporte intelectual e político de gestão da realidade da polis apenas a um nível local ou

regional. Note-se que mesmo as grandes civilizações da antiguidade, apenas tinham

influência a uma escala regional.

Até à conquista do espaço e do satélite foram as viagens marítimas e a expansão

ultramarina e colonial dos impérios europeus ocidentais, e ultimamente a revolução

industrial, dos transportes, e das vias e meios de comunicação social, que referenciaram

uma transformação importante no que respeita ao final de um período de regressão

progressiva, onde as relações sociais se operavam a um domínio geograficamente parcelar

e as relações de gestão política, se adequavam a essa realidade tendencialmente

egocêntrica (gestão interna – defesa/conquista externa).

Olhemos para o mapas de grandes metrópoles da atualidade, de preferência aquelas

que tenham tido um estatuto relevante no passado. Verificamos, quase que de forma

invariável, as cidades se leem a partir do seu centro histórico. As habitações fortificadas

com ameias, e as sucessivas linhas de muralhas vão descrevendo os movimentos de

expansão destes locais. Mas curioso, no contexto em que tratamos, é mesmo o facto de a

partir de determinado perímetro começarem a notar-se menos preocupações com a defesa.

As habitações, jardins e infraestruturas apresentam maior preocupação estética e uma outra

linha de orientação social. A ponto mesmo de tentar captar a atenção e visita do viajante.

Mais importante que tudo; As muralhas apenas servem hoje para que não esqueçamos esse

tempo. Elas marcam sobretudo aquilo que ficou para lá do muro do local.

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A dimensão da sociedade global, ainda que não se verificando com a mesma

intensidade em cada país, região, continente, revela por isso mesmo realidades singulares.

De acordo com o percurso diacrónico de adaptação ao local, em cada uma se desenvolveu

uma forma de adaptação a vários fatores em correlação constante.

O telefone.

O telefone público é também hoje um engenho com uma presença tendencialmente

residual nas grandes cidades devido à emergência e massificação do telefone portátil e

outras tecnologias da comunicação móvel. Este facto é aparentemente positivo porque de

certa forma pontua o génio humano e a capacidade de simplificar as condições de vida. No

entanto temos que considerar que existem neste mundo globalizado, sociedades em locais

remotos116 que não imaginam sequer o que é um telefone. Para algumas delas, a realidade é

ainda tendencialmente egocêntrica, telúrica e primitiva.

Poderia dizer-se então que exemplos destes se bastariam para questionar a

dimensão social da globalização.

No entanto devemos observar algumas circunstâncias. As sociedades remotas da

atualidade, de alguma forma permanecem dentro das “muralhas”, num processo de

regressão racional progressiva procurando respostas num mundo fenomenológico. Alguns

advogariam também que estas sociedades, devem definir o seu rumo em liberdade, no seu

tempo. Ainda que com algumas pinceladas de bom censo, transparece neste cenário, como

exporemos adiante, uma perspetiva de benevolência ostracizante.

Todavia, a parte do mundo onde o telefone público já é quase uma relíquia, é

também a parte do planeta que, beneficiando de progressiva correlação

intercomplementaridade ou intricamento, conseguiu desenvolver uma capacidade de

resposta muito diferente, diversificada e evoluída relativamente às sociedades remotas. No

entanto, as migrações e concentrações crescentes na periferia dos centros urbanos,

oferecem-nos agora uma leitura ainda mais completa do percurso, do ângulo e direção, não

de uma grande metrópole, mas de diversas grandes metrópoles. Nestes locais, em ambos os

lados das eventuais antigas muralhas, os originários e os emigrantes não procuram defesa

de uma invasão. Deambulam sobretudo entre a sobrevivência e o sonho de acesso a

padrões de qualidade de vida que quase se podiam expor numa prateleira, informando que

ali o mercado define a lei.

116 Existem cerca de uma centena de tribos isoladas no planeta. Brasil e Papua Nova Guiné parecem ser os locais de maior concentração de gupos isolados. Muitos destes grupos já contactaram com o homem branco, no entanto existem algumas como os Sentinelenses (ilha de North Sentinel - Índia) que aparentemente ostentam o título de tribo mais isolada do planeta.

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Lê-se nas imagens aéreas destas áreas desenvolvidas, de uma forma mais ou menos

comum, a história de povos que progressivamente foram transformando uma identidade em

função dos limites e dos traços geográficos em que se situavam, numa identidade

progressivamente partilhada. Em todas estas trocas continuadas e contactos emergiu uma

recombinação de conhecimentos parcelares que impulsionaram estas sociedades a níveis de

progresso à mercê, já não tanto das exigências mínimas de sobrevivência, mas de uma série

de artefactos e comportamentos, que ainda que supérfluos na perspetiva das sociedades

isoladas, colocam os seus detentores ou consumidores na linha dos modelos e tendências

globais.

Globalização representa portanto, também o acesso aos bens e serviços que o génio

humano produz e difunde.

No entanto, acreditamos que o traço distintivo da globalização foi progressivamente

permitir-nos interpretar o sentido universalista do paradigma sociocultural da modernidade

de acordo com as condições práticas e estatísticas de um mundo progressivamente mais

próximo de si próprio.

Gerir-se a si não é o mesmo que gerir uma família. Gerir uma família não é o

mesmo que gerir um bairro, gerir um bairro não é o mesmo que gerir uma cidade. Gerir

uma cidade, ou um país, não é o mesmo que gerir um planeta. É progressivamente mais

difícil, na medida em que a gestão do quotidiano social é mais complexa em termos de

resposta a necessidades emergentes que se disseminam e se recombinam em meios de

fluência comunicativa. O ritmo, a velocidade, as cores e os sons das cidades,

comparativamente às sociedades isoladas caricaturam de forma expressiva o diferencial de

coordenação multisetorial e multisensorial necessárias para que todos aqueles indivíduos

vivam naquele determinado espaço de forma estável.

Esta velocidade de contração do espaço e do tempo tem por assim dizer

interferência nos padrões de vida e na distribuição territorial da população. Uma vez que a

procura de respostas a um, cada vez maior número de solicitações de migrantes que, tal

como na antiguidade (ainda que agora a uma escala maior) chegam à periferia dos grandes

centros em busca de melhores condições de vida, lançam novos desafios à capacidade de

gestão de recursos, numa perspetiva sustentável e equitativa.

Estas movimentações e o sobrepeso da população, tornam difícil a gestão e

manutenção dos efetivos, tornando-se visível, na expressão destes, a expressão

proporcional das assimetrias no acesso aos bens e serviços. Nota-se sobretudo que as

grandes cidades caricaturam uma realidade mais vasta, onde nas periferias (ainda que fora

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das muralhas de então), tal como no fundo das prateleiras, se amontoam os inadaptados ou

excedentes de um modelo tendencialmente seletivo.

As grandes metrópoles são por assim dizer, os grandes barómetros e laboratórios

que a nível global nos permitem ler as similitudes e singularidades do processo

globalização ao nível local.

Elas devem fazer-nos pensar que a migração é legítima. Pois à medida que as

pessoas se apercebem que existem locais onde é mais promissor ou seguro viver, porque

não tentar? As migrações em grande escala são o decalque de um sistema global baseado

em assimetrias no acesso a padrões de vida e o excesso de população em torno de grandes

centros urbanos contrasta com a desertificação de outras regiões ostracizadas.

Tal como os migrantes, de uma maneira geral fogem da periferia e do mundo rural,

também os estados tentam adaptar-se às transformações que a nível externo se sucedem e

têm uma interferência direta nas suas relações internas e externas. Também eles migram

em direção a modelos “progressistas”, por via de acordos, tratados e convenções que

hierarquizam e definem a sua posição no sistema. Os agentes políticos de soberania veem-

se despidos de relevância no que respeita à regulação e defesa dos direitos dos cidadãos.

Alguns deles, também procurando sobreviver ao atavismo progressivamente mais

sofisticado e amplo dos modelos e de uma tendência neoliberal global procuram escapar à

fagia das relações transnacionais desreguladas e à partilha de soberania com instituições

credoras. Numa espiral de intermitências entre momentos de rutura e de estabilidade frágil,

procuram a possibilidade de não serem globalizados apenas em termos poéticos, mas

também em termos práticos de acesso aos produtos e processos decorrentes da

globalização, que os aproximem do centro do sistema.

As ações regulatórias dos estados e instituições supranacionais, nestas condições,

têm no contexto atual, uma maior relevância no padrão de vida das populações, que estas

na definição dos padrões de gestão da vida social. Verifica-se portanto uma orientação

diretiva do topo para a base, ou do centro para a periferia.

A eleição dos seus representantes, numa base de democracia representativa, mostra

que na realidade existe pouco espaço a um modelo de democracia participativa que anime

o exercício da ação política.

Primeiro o mercado, seguido de um estado tentando gerir os estilhaços da

transnacionalização do mercado desregulado. O estado posiciona-se agora numa função de

agente do sistema económico que, numa despudorada subversão dos direitos sociais,

desenha políticas visando reduzir o estado social, faz concessões e desregulações onde o

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indivíduo, é na base da estrutura, aquele que suporta os impactos excludentes de uma

dinâmica rígida de hierarquização dos aspetos da vida, em função da sua capacidade de

afirmação no contexto do mercado.

Esta perceção global das assimetrias (entre indivíduos e entre estados) deixou

progressiva e concomitantemente a claro as questões da legitimidade à procura de

melhores condições, como um direito universal elementar. Mas estas práticas

tendencialmente globais revelam também um agudizar da perceção da realidade dos

estratos e camadas da população em função da sua capacidade de acesso às condições

pagáveis oferecidas pelo mundo desenvolvido.

Estes contrastes notórios em torno da periferia dos grandes centros, espalhados pelo

globo revela ainda uma outra realidade mais profunda. Como a globalização ainda não

assume uma consistência real em termos políticos e comunitários, ao nível global, não foi

possível nesta fase terminal de regressão progressiva criar mecanismos de regulação,

informação e participação consistentes a montante das soberanias vestefalianas. Os

agregados políticos regionais multinacionais emergentes durante o século anterior, ainda

que procurando sustentar a sua existência em pressupostos socioculturais, políticos e

históricos comuns a determinadas áreas e territórios supranacionais, assumem nos

momentos de maior tensão, como o verificado no decorrer da crise financeira de 2008, uma

orientação agressiva e austera no domínio económico. Ainda mesmo que no passado se

tenha, em alguns casos, procurado alterar a sua sigla, com o propósito de retirar daí o

excessivo peso da dimensão económica.

Em suma, poderíamos afirmar que o espaço e tempo global foi apropriado de forma

assíncrona, no que respeita à capacidade de nela participar e intervir. Os centros de decisão

política e executiva foram sendo transferidos progressivamente do político local para uma

co-habitação com o político supranacional. Contudo, a dimensão social, senão mesmo a

soberania e identidade dos estados é atualmente mais próxima de uma perspetiva político-

económica, que de uma perspetiva político-comunitária.

Globalização representa portanto o acesso aos bens e serviços, mas também a

globalização das externalidades que o génio humano produz.

Acreditamos que é ao nível das externalidades que o processo de globalização

assume uma relevância maior e mais preocupante. Retomemos as tribos isoladas, em

particular a dos Sentinelenses.

Esta tribo vive numa ilha, num processo muito rudimentar de técnicas de

sobrevivência. Os contactos esporádicos com o homem branco, nem sempre são amistosos.

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Os relatos sobre esta tribo (conhecida desde o Séc. X) referem tiros de flecha e mortes a

exploradores incautos. Um registo peculiar mas legítimo na perspetiva evolutiva dessa

comunidade.

A insularidade certamente reforçou o sentido férreo de pertença e defesa do seu

mundo. Mas também do mundo que lhes chega em forma acelerada pelos visitantes que

chegam numa máquina que faz barulho, vestem umas roupas estranhas, usam óculos, outra

máquina que põe a sua cara num papel, uma máquina que faz fogo... Enfim, uma

ferramenta para cada coisa, que suscita nos habitantes desse local remoto um contraste e

uma ameaça à sua conceção de atualidade.

O governo local após tentativas não muito bem sucedidas decidiu pela mínima

interferência e vigilância dissuasora de aproximação por viajantes.

Tal como atrás referíamos, é legítima a opção de esta comunidade, ou outras como

algumas da Amazónia que após contactos mal sucedidos no passado (ocupações,

massacres...), se refugiaram do homem branco alimentando, de geração em geração, uma

ideia de afastamento como sinónimo de sobrevivência física e cultural. Tal como é legítima

a decisão do mundo desenvolvido em respeitar estas opções. Contudo, pensamos impor-se

uma análise um pouco mais funcional.

A verdade é que estes núcleos sociais, estando numa situação de isolamento,

revelam como este influência a telemática cognitiva. O contraste com o exterior, ao nível

do ritmo e da oferta de tarefas, utensílios e técnicas revela um hiato civilizacional muito

considerável. Digamos que estes locais perdidos, não tiveram oportunidade de partilhar

conhecimento com outros semelhantes, na proporção em que esta ocorria no mundo

exterior. Logo, a sua reprodução geracional desenvolveu-se como resposta a necessidades

elementares como alimentação e defesa.

Ainda que possamos considerar que a não confrontação e o respeito ao isolamento

sejam uma atitude cordial, devemos considerar esse hiato civilizacional na forma em que

este, nos permita refletir sobre o direito à definição das condições de vida. Uma análise

sobre as responsabilidades partilhadas.

Note-se que a tribo dos Sentinelenses mora numa ilha e que o seu efetivo é avaliado

em cerca de 250 indivíduos. Parece-nos que a sua influência no mundo extermo é

diminuta, senão mesmo irrelevante. No entanto o contrário é bem diferente. As alterações

climáticas e a subida do nível das águas do mar poderão intervir de forma a que esta

comunidade se veja privada de exercer as suas opções.

Esse parece-nos o ponto fulcral.

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As externalidades resultantes da globalização em alguma medida percorrem um

caminho inverso às restantes dimensões globais. Elas ignoram fronteiras e todo o tipo de

categorizações ou hierarquias e chegam de forma democrática a todos os locais e

indivíduos. Portanto se pretendermos encontrar uma área em que o efeito globalização

esteja presente com alguma preponderância, a globalização das externalidades (ambientais,

laborais, sociais) é uma boa candidata.

Em nosso entender, o mundo desenvolvido, que desenvolveu Cartas, convenções e

direitos universais, tem pelo menos a responsabilidade de avaliar e pesar quem influência

quem e com que direito. Na realidade, a tribo mora para si numa realidade hermética e

primitiva, não tendo influência nos padrões da realidade vivida pelos humanos fora desse

contexto. Contudo, o mundo desenvolvido exerce indiretamente, por via das alterações

climáticas provocadas pela poluição, pressões ilegítimas e desproporcionadas sobre esses

territórios. No caso dos Sentinelenses que vivem isolados na ilha há cerca 60 000 anos será

um pouco difícil encontrar alternativas senão abandonando a ilha...

É neste ponto que consideramos, que o mundo desenvolvido, a ter uma perceção

destes hiatos civilizacionais evolutivos deveria ponderar e refletir, que o facto de na

realidade global coexistirem comunidades a um nível de regressão progressiva primária a

par de um processo de regressão progressiva em fase terminal, não vincula o prelado da

globalização social. Tão só uma tendência autónoma de colonização de alguns dos aspetos

da vida social em torno de uma dinâmica adaptativa humana baseada numa interação entre

as dimensões biológica e racional.

Parece-nos portanto elementar por parte do mundo desenvolvido, não decolar

deixando para trás, não apenas os excluídos mas os efeitos que estes não pretendem mas os

quais não conseguem repelir, na medida em que esses efeitos são ingredientes necessários

e estruturais das grafias de vida num mundo desenvolvido em passo acelerado. A meta é o

centro do sistema e portanto existe dificuldade em desviar o olhar para a periferia. Impõe-

se portanto uma progressão regressiva ao limiar da integridade sociocultural, sócio

económica, sociopolítica, numa perspetiva socioecológica.

As muralhas de hoje não são já rochas firmes e compactas, mas assincronias

espácio-temporais ao nível civilizacional. Impõe-se uma estatura reflexiva capaz de pensar

o Homem como um conjunto dotado de identidade e património comum. Onde as margens

sejam legíveis, participem na procura coletiva de soluções e definam os limites mínimos a

verificar para a sustentabilidade do biótopo no curto-médio prazo a um nível local-global.

Afigura-se portanto como pertinente, ao nível do mundo desenvolvido, uma reflexão pró-

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ativa no que respeita à progressão regressiva a empreender no sentido de, no limite,

considerar exemplos como os Sentinelenses, como partes de um todo real e não suposto, ou

virtual.

Uma concertação desta amplitude, num momento de evolução e ajuste de modelos

sociais, requer um indivíduo que futuramente exercerá a sua influência nas instituições e

grémios sociais. Este terá de ser capaz de surfar nos hiatos espácio-temporais. Tornando-se

fluente e interventivo numa dinâmica local-global117. Uma nova geração de indivíduos que

considera a interpretação do darwinismo como uma faculdade exclusiva do grupo humano.

No mundo animal, vimos que a grande maioria das espécies vivem em sociedades, e que

elas encontram na associação as melhores armas para a luta pela vida: entendido, é claro,

no seu sentido darwiniano mais amplo – não como uma luta para os meios absolutos de

existência, mas como uma luta contra todas as condições naturais desfavoráveis para as

espécies. As espécies animais, em que a luta individual foi reduzida aos seus estreitos

limites, e a prática de ajuda mútua alcançou o maior desenvolvimento, são,

invariavelmente, as mais numerosas, as mais prósperas e mais abertas a novos progressos.

A protecção mútua que é obtida neste caso, a possibilidade de alcançar a velhice e a

acumulação de experiência, o maior desenvolvimento intelectual, e o crescimento adicional

dos hábitos sociáveis, asseguram a manutenção das espécies, a sua extensão, e a sua

evolução ulterior progressiva. As espécies não sociáveis, ao contrário, estão condenados a

desaparecer. (Kropotnik, 2009: 230)

Sujeito-autor

Tempo laboral/tempo cívico

A educação

Reclama-se neste contexto, um diálogo fluído entre a dimensão formal e escolar

com as dimensões, formais, não-formais e informais da sociedade. A promoção de um

cidadão local-global, em que para além dos direitos elementares de socorro, assistência e

pertença, existem alguns direitos individuais que serão conquistas e reconhecimento pela

sua participação e contributo no desenho e reflexão sobre a polis.

A ação do estado na definição de linhas de expansão de iniciativas que visem a

participação ativa de sujeitos autores da comunidade, mas também autores de estado

permitirão progressivamente que o sistema educativo faça uma transição gradual para um

117 Esquema pág. 83.

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terreno onde o diálogo com as profanas sendas do educativo permitam também passar-se

de um conceito de cidadão ator para o conceito dinâmico e biunívoco de cidadão autor/Eu

Autotélico (local-global). Este processo requer um forte e determinado apoio no sentido de

galgar os muros do escolar em direção ao educativo.

A ação educativa na formação das futuras gerações deve transportar a pira do

utopismo e a ambição de um sistema pós-escassez.

O papel desejado dos estados nacionais atuais é assim, em nosso entender, o de

empreenderem concertadamente a conexão de um modelo holísta de gestão do ecossistema

global, dos recursos e dos efetivos populacionais. Pugnar por decisões globais, das quais

decorreriam as nossas liberdades individuais num contexto progressivo de harmonização

de direitos liberdades e garantias universais. A educação extraescolar é um processo

gradativo e maleável que permite em si, um efeito mobilizador e sensibilizador, porque

desenvolvido simultaneamente num contexto de micro e macro sociedade. Por esta razão

os sistemas de educação formal deveriam ponderar o potencial deste instrumento e valia na

definição de modelos sustentáveis e democráticos de trabalho, ecologia e qualidade de

vida. Espera-se portanto que a dimensão de património comum da humanidade possa

emergir pela educação nas gerações que no futuro irão avaliar novas perspetivas. Em

grupo.

O sucesso das nossas opções no presente remetê-los-á a uma coabitação partilhada

do eu ou nós local com uma nova dimensão de cidadania participativa, estruturada e

globalmente crítica e responsável.

Num cenário de globalização económica onde a estratificação social é cada vez

mais visível e crescente ao nível local das sociedades, a perspetiva multicultural da

sociedade tende a reposicionar-se no indivíduo, sendo estes também reposicionados, não

em função das suas tradições crenças ou opções, mas em função da sua capacidade de

aceder aos bens e serviços que permitem acesso restrito e gradativo a um padrão de vida do

mundo desenvolvido. Neste cenário temos um exemplo de multi-individualismo

predatório. Tanto mais se o estado se demite de garantir as condições mínimas,

privatizando ou taxando serviços públicos tradicionalmente gratuitos. Ou ainda quando

este cede ao setor empresarial no que respeita à legislação laboral e proteção no emprego.

Na argumentação que desenvolvemos consideramos que o multi-individualismo,

numa perspetiva de sistema de globalização, pode assumir uma relevância significativa em

dois sentidos distintos, de acordo com o modelo socioeconómico em que se desenvolve.

Numa perspetiva de sistema “centro-periferia” (neoliberalismo económico).

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Assistir-se-ia neste cenário a um agudizar de uma dinâmica predatória. No entanto, num

sistema circular e participativo “periferia-centro-periferia”, o multi-individualismo será

porventura a mais inócua e fértil de todas as considerações.

Multi-individualismo democrático é portanto uma plataforma de, pela participação

ativa, e não apenas passiva, se gerar inteligência coletiva.

A globalização dá-nos a possibilidade de, se poder planificar o planeta de uma

forma progressivamente partilhada. De permitir a emancipação de uma identidade

universal latente com potencial, a emergência do grupo humano como uma elite biológica

sustentável, no contexto físico, procurando enquadrar o correlato das dimensões racional e

biológica da condição humana na relação com o meio. Algo que inicialmente designamos

de pantopia.

Também aqui as estacas com sílex deram lugar às espadas, às armas de fogo,

químicas e nucleares... No entanto, possuímos o potencial para empreender um raciocínio

utilitário sobre o natural e uma reflexão partilhada sobre a forma de perspetivar o natural.

O acesso a bens e serviços básicos, ou sofisticados adquirem-se através de divisa. O

direito ao trabalho, e ao capital por via deste, é um instrumento estruturante do perfil de

cidadão mínimo num contexto global. Assim a democratização ao seu acesso deveria

constituir uma alavanca de impulsionamento de dinâmicas de acesso e escrita do processo

de globalização.

Atendendo a que estamos a assistir a um aumento dos efetivos populacionais

simultânea a uma tendência de substituição do homem pela tecnologia parece-nos razoável

a ponderação de ajuste do trabalho disponível em função dos efetivos. Como vimos

anteriormente, esta transformação social estruturante teria como requisitos a diminuição do

tempo laboral per capita (dos atuais ativos laborais), o que permitiria o acesso ao trabalho,

a um maior número de cidadãos agora desempregados. Num extremo de redução do

horário, para metade, obter-se-ia uma duplicação dos efetivos em laboração. Por sua vez a

maior disponibilidade de tempo dos cidadãos permitiria colocar em prática uma

concertação estratégica do estado e sociedade civil (comunidade) no sentido de suprir

algumas necessidades do funcionalismo público e da sociedade no seu todo, através do

usufruto do serviço cívico. Ao invés de resignado e subalterno de um sistema centro

periferia, o estado é reinvestido pela sua visibilidade na promoção de fórum de

participação e edificação coletiva da cidade contemporânea (periferia-centro-periferia).

Para que tal suceda com sucesso será prudente não menorizar o potencial que o

campo educativo quer numa fase inicial, quer numa perspetiva de Educação ao Longo da

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Vida, como um dos fóruns de encontro e reinvenção da relação do estado com a

comunidade. O sistema de educação formal deveria assim constituir uma antecâmara de

operacionalização desta proposta. As atividades de enriquecimento curricular deveriam

também ser consideradas como um paralelo ao tempo de serviço cívico da população ativa.

A participação em iniciativas de filantropia, sensibilização e intervenção em problemáticas

sociais (ecologia, proteção civil, preservação, recuperação de património...), visita/estágios

a museus, empresas associações comunitárias, entre outras, poderiam ser vias de (e

recuperando as palavras de William Blake que citámos na introdução) ousarmos contribuir

para o “Bem Geral” através de pequenos “Pormenores”, de ações localizadas enquadradas

por uma linha de ação e identidade global. Neste contexto uma elaboração e

implementação das cartas educativas locais com base na perspetiva de uma sociedade em

que o padrão de vida social se desdobra numa conceção ambivalente de tempo laboral e

tempo cívico, beneficiaria, não apenas numa maior disponibilidade temporal por parte de

parceiros locais, como também de uma consciencialização crescente da sociedade no seu

todo para dinâmicas de cooperação. A agilização de estruturas e a criação de pontes de

empreendedorismo e participação da sociedade civil na solução da cidade local/global

repercutir-se-ão numa oferta educativa de caráter experimental e ativo. Na mesma

orientação, uma maior predisposição por parte dos intervenientes num modelo de

sociedade sustentável convidaria a um maior diálogo dos domínios da educação formal,

com os da educação não-formal e informal. Desta forma os currículos desenvolvidos ao

nível da educação formal poderiam ser complementados e enriquecidos com experiências

desenvolvidas através de projetos comuns. Sobretudo, abriria no sistema de

educação/juventude uma via de certificação de um currículo académico a par de um

currículo cívico. Algo que já vem acontecendo de forma esporádica e pontual, mas que

carece de estruturação, implantação e difusão. Este sublinhar da dimensão sociológica e

ecológica da educação que forma um cidadão crítico e reflexivo do mundo, em detrimento

de uma dimensão formativa centrada na eficiência, que formata um cidadão para o

desempenho de um papel pré-determinado numa estrutura, traduzir-se-á consequentemente

num modelo de cidadão mais mobilizado, incluído e interventivo. Em suma, um aluno com

possibilidade de emancipar o seu Eu autotélico. Um aluno-autor como antecâmara de um

cidadão-autor.

Num tempo de encurtamento e aceleração impõe-se, em suma, um olhar para além

das muralhas do passado procurando desenhar perspetivas de compatibilização e harmonia

do globo com a globalização. A emergência de novas grafias sociais trarão tanto ou mais

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relevância ao sistema político de participação democrática, quanto mais o sistema refletir

uma gestão de sentido estado-comunidade em oposição a um modelo estado-mercado.

Parece-nos portanto que o verdadeiro desafio da globalização é um desafio de

integração e concertação de diferentes dimensões e perspetivas locais autocentradas. A

busca de soluções a problemáticas globais que, pela sua diversidade e assimetria, nos

fazem questionar os nossos valores, referências enquanto uma comunidade coletiva com

direitos e deveres, permite-nos contudo pensarmo-nos como tal, como grupo zoológico que

detém o exclusivo da supremacia da decisão partilhada.

Figura 25. Path of life, MC Escher

Previsível ou “acidental”?

Numa perspetiva de base acidental não há lugar à previsão. Numa perspetiva

híbrida (racional/biológica), o domínio absoluto de metade das hipóteses de previsão são

uma inerência...

Relações comunidade-mercado também são admissíveis, senão mesmo desejáveis

em determinados contextos118. No entanto atribuir-se-lhe as rédeas do carro de jagrená

equivaleria a considerarmos que na globalização o espaço externo persiste no planeta como

espaço onde a comunidade procuraria domar o mercado. No entanto devemos notar que

uma posição passiva do estado saldar-se-ia numa falta de vinculação e de legitimação legal

da ação coletiva. Neste sentido, uma tendência societal com esta direcionalidade

configuraria num extremo, a ausência do poder regulatório e a emancipação confusa que

atribuiria à conceção de multi-individualismo que apresentámos, uma conotação anárquica.

Em última análise, este modelo de orientação refletiria de forma mimética a capacidade de

o mercado ignorar a capacidade emancipatória do indivíduo/sociedade global formal tal

118 Filantropia e mecenato informal por parte de agentes de mercado...

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como o que sucede numa relação estado-mercado, onde o estado é suplantado passando

passivamente a permitir a demiurgia do mercado.

Para o “animal” o “copo” (UN, 2010) estaria meio cheio ou meio vazio?... E para o

Homem?...

Algo mais se poderia acrescentar?

Porventura algo se deva suprimir.

Talvez se deva abdicar do espelho dissimulador com que egocentricamente se lê e

subliminarmente se escreve a democracia na atualidade.

Talvez se deva vislumbrar, no outro, a áurea/global proporção: 50% de

individualidade e 50% de permeabilidade (Apêndice 19).

Foi longo o percurso que percorremos desde o mais lúgubre recanto da caverna, até

vislumbrarmos as primeiras centelhas de nós. Contudo, o arcaísmo do pensar aprisionado

perseguiu-nos, nem sempre permitindo vislumbrar o efeito da luz sobre as coisas

iluminadas, mas levando-nos, por vezes, a acreditar que iluminados eram os nossos olhos.

E ao invés de sobre isso discernirmos, limitámo-nos tantas vezes, simplesmente a olhar,

supondo olharmos para além nós mesmos. A ponto de às primeiras pingas, hesitarmos em

definir um rumo e um lugar seguro, de abrigo.

Em frente o desconhecido, atrás a “caverna”.

No desconhecido porém, devido à luminosidade incidindo sobre os nossos parcos

diálogos podíamos ver espelhado o nosso caminhar, e a atrás de nós, a caverna. E assim, a

cada passo em frente, desocultamos um pouco do desconhecido, mas sempre com o olhar

fito na caverna. É tempo de articular o olhar, no sentido de perceber-se o que a luz ilumina

para além dos nossos olhos e desocultar o sentido oculto para lá dos nossos parcos

diálogos.

Esta condição de aprendiz de topógrafo tem as suas vantagens, na medida em que

entre a caverna e uma comunicação efetiva, existe a possibilidade de descobrirmos, uma e

outra gota, que juntas e num acaso de sorte, poderão até formar um oceano. E numa

extravagância insana, quiçá descobrirmos até, a circularidade de um planeta.

Segundo o princípio da navalha de Occam119, bastar-nos-ia pensar o estado à porta

da caverna, poupando-nos ao efeito desconhecido da luz e à ação líquida das gotas de água.

119 Guilherme de Occam (1288 - 1347) foi um frade franciscano inglês (teólogo e filósofo) que enunciou a teoria de que a intuição seria o ponto de partida para o conhecimento do universo. Segundo princípio da economia das explicações “Duns Scotus”, as entidades (explicações) não deveriam ser multiplicadas além do necessário, uma vez que as manifestações da natureza são em si económicas e não se multiplicam em vão. Pluralitas non est ponenda sine neccesitae (“pluralidades não devem ser postas sem necessidade”). Assim

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Contudo se tivéssemos a ousadia de não nos resignarmos às aparentes explicações

simplistas e descobríssemos efetivamente a circularidade de um planeta, poderíamos

sempre recuperar o locus original da caverna, e a partir dele iniciarmos novos percursos

comunicativos. Perguntamo-nos se pela esquerda pela direita.

Bom, depende também se estamos apenas olhando, ou também sabendo ser

olhados.

Mas na dúvida, a caverna será sempre um local de meditação e reencontro. Talvez

até um dia, por lá, consigamos desencriptar, para além dos nossos parcos diálogos o

letreiro que aí ficou esquecido, à entrada. Politia (Anexo 66).

Figura 26. O Livro Árvore - Salvador Dali

perante várias teorias explicativas de um fenómeno em que não se comprove a validade ou verdade de uma teoria sobre as demais, ou se todas conduzirem à mesma conclusão, opta-se pela mais simples ou mais curta. Em suma, não se deveria aplicar a nenhum fenómeno, enunciados ou explicações desnecessárias ou supérfluas que não possam ser logicamente dedutíveis pela experiência sensorial.

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Figura 27. Organização das Noções Ubíquas

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