ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS - Utopias e Inovações

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ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS: Utopias e Inovações

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Sustentabilidade. Utopia. Inovação. Estas foram palavras muitoouvidas nas palestras e debates realizados durante I ENCONTROCIENTÍFICO INTERNACIONAL DO NAIS (ECI) promovido peloNÚCLEO DE ESTUDOS EM ADMINISTRAÇÃO DAINOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE (NAIS).

Transcript of ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS - Utopias e Inovações

  • ORGANIZAES SUSTENTVEIS:

    Utopias e Inovaes

  • ORGANIZAES SUSTENTVEISUtopias e Inovaes

    TANIA MARGARETE MEZZOMO KEINERT (ORG.)

  • ORGANIZAES SUSTENTVEIS UTOPIAS E INOVAES

    Coordenao Editorial

    Joaquim Antonio Pereira

    Produo

    Lvia C. L. Pereira Paginao

    CONSELHO EDITORIAL

    Eduardo Peuela CaizalNorval Baitello Junior

    Maria Odila Leite da Silva DiasCelia Maria Marinho de Azevedo

    Gustavo Bermardo KrauseMaria de Lourdes SekeffCecilia de Almeida Salles

    Pedro Roberto JacobiLucrcia DAlessio Ferrara

    1 edio: outubro de 2007

    Tania Margarete Mezzomo Keinert

    ANNABLUME editora . comunicaoRua Padre Carvalho, 275 . Pinheiros05427-100 . So Paulo . SP . Brasil

    Tel. e Fax. (011) 3812-6764 Televendas 3031-9727www.annablume.com.br

    Infothes Informao e Tesauro

    K36 Keinert, Tania Margarete Mezzomo, Org.Organizaes sustentveis: utopias e inovaes. / Organizao de Tnia

    Margarete Mezzomo Keinert. So Paulo: Annablume; Belo Horizonte:Fapemig, 2007.

    330 p.; 14 X 21 cm

    ISBN 978-85-7419-748-7

    1. Desenvolvimento Sustentvel. 2. Organizaes. 3. ResponsabilidadeSocial. 4. Responsabilidade Ambiental. 5. Governana Corporativa.

    6. Educao Ambiental. 7. Consumo Sustentvel. 8. Experincias Inovadoras.I. Ttulo. II. Ncleo de Estudos em Administrao da Inovao eSustentabilidade - NAIS.

    CDU 634.41CDD 333

    Catalogao elaborada por Wanda Lucia Schmidt CRB-8-1922

  • Aos que me apoiaram

    Aos que me apiamAos que eu apio

  • S MENINA DO ASTRO-SOL,

    S RAINHA DO MUNDO-MAR

    TEU LUZEIRO ME FAZ CANTAR

    TERRA, TERRA, S TO ESTRELADA

    O TEU MANTO AZUL COMANDA,

    RESPIRAR, TODA CRIAO,

    E, DEPOIS QUE A CHUVA MOLHA,

    ARCO-RIS VEM COROAR.

    A FLORESTA TEU VESTIDO,

    E AS NUVENS, O TEU COLAR,

    S TO LINDA, MINHA TERRA,

    CONSAGRADA EM TEU GIRAR.

    NAVEGANTE DAS SOLIDES,

    NO ESPAO A NOS LEVAR,

    NAVE-ME E O NOSSO LAR,

    TERRA, TERRA, S TO DELICADA

    OS TEUS HOMENS NO TEM JUZO,

    ESQUECERAM TO GRANDE AMOR.

    OFERECES OS TEUS TESOUROS,

    MAS NINGUM D O TEU VALOR.

    TERRA, TERRA, EU SOU TEU FILHO,

    COMO AS PLANTAS E OS ANIMAIS,

    S AO TEU CHO EU ME ENTREGO,

    COM AMOR, FIRMO TUA PAZ...

    ESTRELADA

    (MILTON NASCIMENTO/ MRCIO BORGES)

  • SUMRIO

    Apresentao

    Introduo: Sustentabilidade: Entre Utopias e a Inovaes

    PARTE I

    1. Desenvolvimento Sustentvel: Alternativas e Impasses

    2. Negcios Sustentveis e seus Indicadores

    3. Globalizao, Novas Tecnologias e Comunicao nasOrganizaes

    4. La Plaga Moderna : El Consumismo

    5. Nuevos Enfoques Sobre Utopia Y Realidad

    11

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    65

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    109

  • PARTE II

    1. Governana Corporativa como Fator de Sustenta-bilidade: as Influncias sobre o Excesso de Controle eo Desempenho das Empresas da BOVESPA/SP

    2. Aliando o Bom Desempenho Empresarial ao Desenvolvi-mento Sustentvel: Um Estudo Sob a tica dasPerspectivas Ambiental, Social,Econmica e daGovernana Corporativa

    3. Sustentabilidade e Efetividade de ONGs Ambientais:a Influncia do Processo Gerencial

    4. Antecedentes da Inteno de Consumo de CosmticosEcolgicos

    5. A Imagem do Destino Turstico como Fator deSustentabilidade: O Caso de Ouro Preto/ MG

    6. Educao Ambiental: A Percepo dos Empregadossobre as Prticas Adotadas em uma Organizao doRamo de Minerao

    7. A Contabilidade como Cincia Social: Aplicabilidadeda Contabilidade Ambiental para o DesenvolvimentoSustentvel

    8. Adaptao do Plano de Contas como Mecanismo paraGerao de Relatrios Gerenciais no Setor Ambiental

    9. Diversidade tnica e os Negros nas Organizaes: umEstudo na Regio Metropolitana de Belo Horizonte

    10. Anlise da Formulao e Implementao de EstratgiasInovadoras em Instituies Privadas do Ensino Superiorna Regio Metropolitana de Belo Horizonte

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    309

  • APRESENTAO

    Este livro traz a memria das discusses e debates realizadosdurante o I ENCONTRO CIENTFICO INTERNACIONAL DONAIS (ECI) promovido pelo NCLEO DE ESTUDOS EMADMINISTRAO DA INOVAO E SUSTENTABILIDADE(NAIS) do Centro de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao(CEPEAD) ligado Faculdade de Cincias Econmicas (FACE) daUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos dias 14, 15 e 16de junho de 2007.

    O carter interdisciplinar e transdisciplinar do Ncleo de Estudosde Estudos em Administrao da Inovao e Sustentabilidade NAIS refletiu-se no ECI, marcado por participantes que atuam nas maisdiversas reas de conhecimento, lidando com aspectos tericos emetodolgicos distintos. Essa caracterstica contribuiu para aorganizao e estmulo produo cientfica no campo temtico deAdministrao da Inovao e Sustentabilidade, que estamos aquitentando resgatar.

    Gostaramos de agradecer a valiosa contribuio que nos foidada atravs das conferncias, palestras, apresentao de comunicaesde pesquisa e debates no I ECI/NAIS. A repercusso foi bastante positiva tanto junto UFMG qunto comunidade acadmica emgeral, tanto que recebemos contribuies das mais diversasuniversidades e localidades.

    Estamos agora apresentando o material resultante. Trata-se dememria porque se constitui apenas parcialmente em anais doevento, pois foram adicionadas contribuies enviadas pelosparticipantes, resultantes de preocupaes relacionadas ao tema, nasquais estes pesquisadores j vinham se debruando h algum tempo.Estes textos constituem a Parte I do livro.

  • 12 Apresentao

    Na Parte II so publicadas as Comunicaes de Pesquisaapresentadas na sesso de mesmo nome no evento, as quais trazem ariqueza de reunir, por vezes num mesmo paper, professores de ps-graduao, orientandos de mestrado e doutorado; e, em alguns casosat estudantes de graduao. Esta pluralidade de vises e de experinciasmostrou ser muito rica e tem sido incentivada pelas agncias defomento.

    Cabe, por fim, agradecer FAPEMIG (Fundao de Apoio Pesquisa de Minas Gerais) pelo apoio concedido realizao do eventoe a essa publicao, e ao CEPEAD pelo apoio financeiro e logstico realizao do evento, CRIA JR. pela criao artstica das peaspublicitrias de divulgao do ECI, e, finalmente, UCJ e ao DA/FACE pelo apoio realizao do evento.

    Aos trs mosqueteiros, Alecia Nathana Motta Cunha, MarcosEduardo Maciel e Maurcio Zanon, um especial agradecimento. Semo seu apoio o ECI/NAIS no teria sido possvel realizar e, nestemomento, no teramos a felicidade de concretizar esta publicao.

    PROFA. DRA. TNIA MARGARETE MEZZOMO KEINERTCoordenadora do NAIS/FACE-UFMG

    Presidente da Comisso Organizadora do ECI/NAIS

    e-mail: [email protected]@face.ufmg.br

  • INTRODUO

    SUSTENTABILIDADE: ENTRE UTOPIAS E INOVAES

    TNIA MARGARETE MEZZOMO KEINERT1

    Sustentabilidade. Utopia. Inovao. Estas foram palavras muitoouvidas nas palestras e debates realizados durante I ENCONTROCIENTFICO INTERNACIONAL DO NAIS (ECI) promovido peloNCLEO DE ESTUDOS EM ADMINISTRAO DAINOVAO E SUSTENTABILIDADE (NAIS).

    Isto pode nos levar a uma deduo simplria, talvez verdadeira,que a utopia da sustentabilidade demanda inovaes para concretizar-se. Inovaes estas de todo o tipo, quer sejam organizacionais, gerenciais,tecnolgicas ou at no modo de vida pessoal e de interao social.

    Foi assim com muitas das coisas que se consideraram utpicasno passado, como a jornada de oito horas de trabalho e quedemandaram sim inovaes nos vrios nveis de organizaopoltico-administrativa e social para se tornarem realidade. Conformecoloca o Prof. Bonilla, em seu texto Nuevos Enfoques sobre Utopiay Realidad importante conceituar a palavra utopia como aquiloque considerado impossvel... em um determinado contexto. Obrade visionrios antes de tornar-se real, tangvel...

    Como tambm coloca o Prof. Jos Eli da Veiga/USP, palestrantedo ECI/NAIS, a noo de sustentabilidade pode vir a ser entendidacomo um dos mais generosos ideais da humanidade, desde o adventodo socialismo, se entendida em seu sentido filosfico, como projeto

    1. Profa. Dra./Coordenadora do NAIS/FACE-UFMG; [email protected],

    [email protected]

  • 14 Introduo

    de futuro de determinada sociedade. Porm, adverte, no sem trazerconsigo inmeras contradies.

    Para (Veiga,2006) cada vez mais um provvel futuro no-capitalista deixa de ser identificado com a utopia socialista. Nessecontexto, o desenvolvimento sustentvel, com todas asambigidades e insuficincias inerentes expresso, certamenteanuncia a utopia que tomar o lugar do socialismo.

    Importante papel neste cenrio tem o fator consumo, pois eledefine e definido pelo fator produo.Quais seriam os perfis epercursos da sustentabilidade ambiental, qual seria o cenrio parauma sociedade sustentvel, quais polticas, projetos e papis os vriosatores sociais (stakeholders) deveriam desempenhar na definio doque deve ser produzido e, conseqentemente, consumido?

    Em sua essencialidade, o produto hoje no mais consideradocomo um bem de consumo, mas sim, do ponto de vista do servioque oferece. Manzini & Vezzoli (2005), propem o conceito dedesmaterializao da demanda social de bem-estar como base deum critrio correto de desenvolvimento sustentvel. Sob esse termoentende-se uma drstica reduo do nmero e da intensidade material(quantidade de recursos ambientais necessrios para gerar uma unidadede produto ou servio) dos produtos e dos servios requeridos paraatingir um bem-estar socialmente aceitvel. E, conseqentemente,uma radical mudana em toda a lgica operacional do sistema produtivo.

    Importantes inovaes foram introduzidas no mundoorganizacional a partir da emergncia do conceito de sustentabilidade o qual deriva daquele de desenvolvimento sustentvel definido pelaComisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento(CMMAD) da Organizao das Naes Unidas (ONU) e publicadono relatrio Nosso Futuro Comum, em 1987.

    Desenvolvimento sustentvel aquele que atende snecessidades do presente sem comprometer a possibilidade de asgeraes futuras atenderem as suas prprias necessidades(CMMAD,1991, p.46).

    Em pesquisa anterior (Keinert, 2007) apontamos para aemergncia de um novo paradigma relacionado ao conceito de pblico,

  • ORGANIZAES SUSTENTVEIS: Utopias e inovaes 15

    colocando a relao estado-sociedade no Brasil nas ltimas duasdcadas no mais como estadocntrica, mas sim, como sociocntrica.

    Neste sentido as empresas, bem como a sociedade civil - atravsde organizaes no-governamentais(ongs) e outras associaes econselhos - assumem novo papel.

    O modelo de desenvolvimento desejado passa a ser o baseadoem tecnologias limpas e energias renovveis ( e no mais o daschamins) e passa-se a exigir das organizaes responsabilidade sociale ambiental.

    Neste contexto operacionaliza-se, nas empresas, atravs dochamado triple bottom-line, a idia de que uma organizao sustentvel:aquela que, alm de gerar resultados econmico-financeiros, tambmdeve engajar-se em aes sociais e zelar pelo meio ambiente (Hart;Milstein, 2004).

    O prprio conceito de governana corporativa d nfase aeste papel mais amplo da empresa relacionado a todos os atores sociaisinfluenciados ou atingidos pelos processos da empresa. Assim podemaumentar ou diminuir o valor das aes da empresa o fato de elaapostar na comercializao de alimentos orgnicos, adotar umapoltica ambientalmente correta no tocante aos muitos milhes deembalagens que movimenta em suas lojas, ou no esforo de utilizaode milhes de lmpadas de menor consumo energtico ou, ainda,em investimentos voltados para energia renovvel, por exemplo.Instituies de peso tm pressionado grandes empresas a tornartransparentes riscos e oportunidades de suas atividades relacionadass mudanas do clima no planeta, questo muito discutida nesteano.

    Desta forma, sistemas administrativos tradicionais, como osregistros contbeis tambm inovam e se abrem para a gerao derelatrios gerenciais ambientais, adaptando seus planos de contas paraempresas que queiram demonstrar seu desempenho scio-ambiental,(e no somente o econmico-financeiro) no apenas para os seusstakeholders mas para toda a sociedade.

    Responsabilidade scio-ambiental, tica e transparncia quepressupem, inclusive, segurana no ambiente de trabalho como

  • 16 Introduo

    questo de qualidade da gesto, diversidade tnica e de gnero nacomposio do quadro de pessoal como polticas adequadas derecursos humanos.

    Pode parecer sonho, mas estes fatores j so considerados nasbolsas de valores dos EUA, desde os anos 60, para avaliar as aes dasempresas, atravs do conceito de investimentos socialmenteresponsvel (SRI, na sigla em ingls) e constituem os chamadosfundos ticos. Estes fundos passaram a excluir de seus portfliosaes de empresas que mantinham relacionamento com o regime deapartheid na frica do Sul, por exemplo.

    Experincia interessante realizada no Brasil, e abordada em trstextos neste livro, trata do uso do ndice de SustentabilidadeEmpresarial (ISE/BOVESPA) dos quais o Prof. Rubens Mazon, umdos palestrantes do ECI/NAIS, foi um dos idealizadores. O ISE/BOVESPA trabalha com trs dimenses: econmica-financeira, sociale ambiental; as quais foram divididas em quatro conjuntos decritrios: Polticas (indicadores de comprometimento); Gesto (indicam planos, programas, metas e monitoramento); Desempenho (indicadores de performance); Cumprimento Legal (avaliam o cumprimento de normas nas reas

    de concorrncia, consumidor, trabalhista, ambiental, entre outras).

    Atravs deste tipo de iniciativa pode-se ir criando uma conscinciade que o investimento socialmente responsvel e a criao de valorpara os acionistas podem andar de mos dadas.

    Para finalizar, retornemos ao incio. Voltemos a falar sobresustentabilidade, utopia e inovao. Nada acontecer sem a mudanade mentalidades e sem a crena que sim, teremos um futuro comumcomo pregava o Relatrio Brundtland, especialmente se fizermos algumacoisa por ele, como pessoas, como cidados, como membros deorganizaes, etc.

    A Educao Ambiental pode contribuir para isso, como abordao texto sobre a percepo dos empregados de uma mineradora,constante neste livro. Porm, mais alm, devemos louvar iniciativas

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    como a Rede de Educao Ambiental, projeto que est sendoimplantado em escolas pblicas de 30 cidades mineiras com o apoioda Unesco e do Conselho Mundial de guas (O Estado de So Paulo,10.06.2007, p.A28).

    Papel relevante na temtica das organizaes sustentveis, dentreoutras iniciativas; cabe inovao, que reinventa e pe em prticaidias novas, superando a noo de organizaes predadoras, tpicasdo sculo XX. Atravs de melhorias nos processos gerenciais e deproduo, do uso de novas tecnologias, da reciclagem de resduos,do uso da logstica reversa, do desenvolvimento de produtos queconsomem menos matrias-primas, pode-se gerar uma produo maiseficiente e limpa, com preservao dos recursos naturais,competitividade para as organizaes e benefcios para toda a sociedade.

    Aps 15 anos da importante mobilizao da ECO-92 e de seudocumento decorrente, a Agenda 21; de passados 20 anos doRelatrio Brundtland Nosso Futuro Comum; e da realizao, nesteano de 2007, da Cpula Mundial do Clima, impossvel no perceberavanos, mesmo que pontuais e embrionrios.

    So pequenos passos na construo de inovaes que tornem possvelconcretizar a idia utpica de organizaes e de uma sociedade sustentvel.

    BIBLIOGRAFIA

    CMMAD. Nosso Futuro Comum.Rio de Janeiro, FGV, 1991.

    HART, S. L., MILSTEIN, M. B. Criando valor sustentvel. Revista de

    Administrao de Empresas. v. 3, n.2, maio/jul. 2004, p. 65-79.

    KEINERT, T. M. M. Administrao Pblica no Brasil: Crise e Mudana

    de Paradigmas. So Paulo: Annablume Editora/FAPESP, 2007, 2.

    Ed.

    MANZINI, E. & VEZZOLI, E. O Desenvolvimento de Produtos

    Sustentveis. So Paulo:EDUSP, 2005.

    VEIGA, J.E. da. Desenvolvimento Sustentvel: O Desafio do Sculo XXI.

    Rio de Janeiro: Garamond, 2006, 2. Ed.

  • PARTE I

  • DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL:ALTERNATIVAS E IMPASSES

    JOS ELI DA VEIGA1

    Antes mesmo que a idia de desenvolvimento humano comeassea ser assimilada, tambm ganhava fora uma expresso concorrente:desenvolvimento sustentvel (DS). J a partir de 1992, um movimentointernacional foi lanado pela Comisso para o DesenvolvimentoSustentvel (CSD) das Naes Unidas com o objetivo de construirindicadores de sustentabilidade. Reunindo governos nacionais,instituies acadmicas, ONGs, organizaes do sistema das NaesUnidas e especialistas de todo o mundo, esse movimento pretendepr em prtica os captulos 8 e 40 da Agenda 21 firmada na Eco-92, referentes necessidade de informaes para a tomada de decises.

    Em 1996, a CSD publicou o documento Indicadores de desarollosostenible: marco y metodologas, que ficou conhecido como LivroAzul. Continha um conjunto de 143 indicadores, que foram quatroanos depois reduzidos a uma lista mais curta, com apenas 57, masacompanhados de fichas metodolgicas e diretrizes de utilizao.Foram cruciais para que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica(IBGE) viesse a publicar - em 2002 e 2004 - os primeiros indicadoresbrasileiros de desenvolvimento sustentvel.2

    1. Professor Titular da FEA/USP- www.zeeli.pro.br

    2. IBGE. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica). Indicadores de

    desenvolvimento sustentvel, Brasil 2002. IBGE Diretoria de Geocincias.

    Rio de Janeiro: IBGE, 2002. (Estudos & Pesquisas Informao Geogrfica, n.

    2); e Indicadores de desenvolvimento sustentvel 2004 Brasil. IBGE

    Diretoria de Geocincias. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponvel em:

    www.ibge.gov.br

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    A importncia desses dois pioneiros trabalhos do IBGE nodeve ser subestimada pelo fato da maioria de suas estatsticas eindicadores se referir mais ao tema do desenvolvimento do que aotema da sustentabilidade. Foi a primeira vez que uma publicaodessa natureza incluiu explicitamente a dimenso ambiental ao ladoda social, da econmica e da institucional. No se deve esquecer queos temas ambientais so mais recentes e por isso no contam comuma larga tradio de produo de estatsticas. Mesmo assim, e apesarda imensa dificuldade de encontrar informaes confiveis sobre osprincipais objetivos de conservao do meio ambiente, foi possvelapresentar 17 indicadores fundamentais, organizados em cinco temasessenciais: Atmosfera, Terra, Oceanos, mares e reas costeiras,Biodiversidade e Saneamento.

    NDICE DE DS

    Todavia, uma rpida consulta aos resultados desses dois primeirosesforos certamente provocar a seguinte indagao: poder surgirda um ndice sinttico de desenvolvimento sustentvel? A respostamais sensata parece ser negativa, porque ndices compostos por vriasdimenses (que, por sua vez, resultam de diversas variveis) costumamser contraproducentes, para no dizer enganosos ou traioeiros. Poroutro lado, sem um bom termmetro de sustentabilidade, o maisprovvel que todo mundo continue a usar apenas ndices dedesenvolvimento (quando no de crescimento), deixando de lado adimenso ambiental.

    Se o prprio desenvolvimento tout court no pode serrepresentado por um nico nmero, o que dizer, ento, sobre odesenvolvimento sustentvel? Tanto quanto um piloto precisa estarpermanentemente monitorando os diversos indicadores quecompem seu painel, qualquer observador do desenvolvimentosustentvel ser necessariamente obrigado a consultar dezenas deestatsticas, sem que seja possvel amalgam-las em um nico ndice.Talvez seja essa a razo que faz o Pnuma (Programa das Naes Unidas

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    para o Meio Ambiente) no ter se lanado na construo de umndice de desenvolvimento sustentvel equivalente ao IDH.3

    Isto no impede, contudo, que se procure elaborar um ndicede sustentabilidade ambiental, em vez de desenvolvimento sustentvel,para que possa ser comparado com outros ndices de desenvolvimento,como os que foram mencionados no incio deste livro. Ou ainda,que se prefira representaes grficas multifacetadas, em vez de umnmero ndice. A idia foi apresentada em 2002 ao FrumEconmico Mundial por um grupo de trabalho formado porpesquisadores de duas universidades americanas.4

    Com 68 variveis referentes a 20 indicadores essenciais, o ndicede sustentabilidade ambiental elaborado por pesquisadores de Yale eColumbia pde ser calculado para 142 pases. Esse ndice consideracinco dimenses: sistemas ambientais, estresses, vulnerabilidadehumana, capacidade social e institucional, e responsabilidade global.O primeiro envolve quatro sistemas ambientais: ar, gua, solo eecossistemas. O segundo considera estresse algum tipo muito crticode poluio, ou qualquer nvel exorbitante de explorao de recursonatural. No terceiro, a situao nutricional e as doenas relacionadasao ambiente so entendidas como vulnerabilidades humanas. A quartadimenso se refere existncia de capacidade scio-institucional paralidar com os problemas e desafios ambientais. E na quinta entram osesforos e esquemas de cooperao internacional representativos daresponsabilidade global.

    As premissas bsicas que norteiam essas cinco dimenses forambem explicitadas pelos pesquisadores. Em primeiro lugar, necessrioque os sistemas ambientais vitais sejam saudveis e no entrem emdeteriorao. Tambm essencial que os estresses antrpicos sejam

    3. A pgina web do Pnuma www.unep.org

    4. Daqui em diante chamado de ESI-2002: 2002 Environmental Sustainability

    Index. (Global Leaders of Tomorrow Environmental Task Force - World

    Economic Forum). In collaboration with: Yale Center for Environmental Law

    and Policy, Yale University; Center for International Earth Science Information

    Network, Columbia University. http://www.ciesin.columbia.edu

  • 24 Desenvolvimento sustentvel JOS ELI DA VEIGA

    baixos e no causem danos aos sistemas ambientais. Em terceiro, aalimentao e a sade no devem ser comprometidas por distrbiosambientais. Em quarto, preciso que existam instituies, padressociais, habilidades, atitudes e redes que fomentem efetivas respostasaos desafios ambientais. E, em quinto, h que cooperar para o manejodos problemas ambientais comuns a dois ou mais pases, alm dereduzir os transbordamentos de problemas ambientais de um paspara outro.

    Se a mdia aritmtica tivesse sido usada na elaborao do ESI-2002, teria ido por gua abaixo todo o esforo de encontrar em 142pases os valores para essas 68 variveis. Nesse caso, pases to diferentesquanto Holanda e Laos atingiriam um ndice de sustentabilidademuito prximo, quase idntico. O que no faria, evidentemente,nenhum sentido.

    GRUPOS

    No entanto, em vez do simplismo da mdia aritmtica, a opodos criadores do ESI foi pelo mtodo de anlise estatstica de clusters,que permite identificar os grupos de pases com perfis semelhantes.E assim surgiram cinco tipos ou grupos, que so bem numerosos nosextremos: 47 de alta vulnerabilidade ambiental e 53 de moderadavulnerabilidade e mdia capacidade scio-institucional de responderaos problemas ambientais. Entre esses dois extremos, surgiram trspequenos grupos que se diferenciam essencialmente pela ocorrnciade estresses ou pela baixa capacidade scio-institucional de resposta.

    O grupo dos 47 mais vulnerveis formado essencialmente porpases do continente africano, mas tambm esto entre eles a Bolvia,a Guatemala, a Nicargua e o Paraguai. bem mais heterogneo ogrupo do outro extremo, formado por 53 pases cuja situao poderiaser considerada moderada. Poder-se-ia dizer que a maioria dessespases faz parte da chamada semi-periferia. Nele esto includos osseguintes latino-americanos: Argentina, Brasil, Chile, Colmbia,Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Honduras, Jamaica, Mxico,Panam, Peru e Uruguai.

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    Um menor grupo, que poderia ser chamado de razovel, formado por 11 pases dos mais desenvolvidos: Austrlia, Canad,Estnia, Finlndia, Islndia, Irlanda, Israel, Nova Zelndia, Noruega,Sucia e Estados Unidos. Em seguida surge um grupo de 11 naesque se mostram, por enquanto, incapazes de lidar com seus problemasambientais. formado essencialmente por pases petroleiros, masinclui tambm a Coria do Norte. E as principais surpresas esto nopior grupo, que poderia ser chamado de estressado. So 18 pases,em maioria muito bem desenvolvidos pela tica do IDH: ustria,Blgica, Repblica Checa, Dinamarca, Frana, Alemanha, Hungria,Itlia, Japo, Macednia, Holanda, Polnia, Eslovquia, Eslovnia,Coria do Sul, Espanha, Sua e Reino Unido.

    O mais interessante, contudo, a comparao com os respectivosIDH. Ela permite identificar quais so os pases de desenvolvimentomenos sustentvel, e tambm os de desenvolvimento mais sustentvel.

    Apesar de terem tido sucesso em estabelecer esses cinco gruposde pases em funo de seu grau de sustentabilidade ambiental, osautores do ESI-2002 advertem que ainda faltam dados estatsticosrazoveis sobre uma dzia de fatores crticos: degradao dos solos,teor de chumbo no sangue, fragmentao dos ecossistemas, seguranade reatores nucleares, proporo de materiais reciclados, perda deterras midas (wetlands), concentrao/emisso de metais pesados,impactos da disposio de resduos e lixos, efetividades dasregulamentaes ambientais, nveis de subsdios conservao dosrecursos naturais, concentrao/emisso de poluentes orgnicospersistentes, e proporo de cardumes explorados de formaspredatrias.

    Diante o ESI-2002, chega a parecer irrisria a dimensosocioambiental includa em alguns ndices criados por organizaesno-governamentais, ou por governos estaduais. No mximo trsindicadores fazem parte dessa dimenso: a) instalaes adequadas deesgotamento sanitrio; b) destino adequado do lixo urbano; e c)tratamento do esgoto sanitrio. Eles at poderiam ser representativosdo componente saneamento que certamente faz parte da dimensoambiental, mas no dizem nada sobre atmosfera, terra, biodiversidade,

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    e oceanos, mares e reas costeiras, os outros quatro componentespara os quais o IBGE j disponibilizou diversos indicadores em 2002e 2004.

    Para o componente atmosfera, o IBGE fornece dois: oconsumo industrial de substncias destruidoras da camada de oznio,e a concentrao de poluentes no ar em reas urbanas. Para ocomponente terra, fornece sete: uso de fertilizantes, uso deagrotxicos, terras arveis, queimadas e incndios f lorestais,desflorestamento na

    Amaznia Legal, rea remanescente de desflorestamento na MataAtlntica e nas formaes vegetais litorneas. Para o componenteoceanos, mares e reas costeiras, tambm fornece dois: produoda pesca martima e continental, e populao residente em reascosteiras. E para o componente biodiversidade, outros dois: espciesextintas e ameaadas de extino, e reas protegidas.

    CRTICAS

    Muita gua ainda vai rolar por baixo das pontes antes que apareaum ndice de sustentabilidade ambiental que possa produzir algumconsenso internacional. Construir um ndice quando se dispe derazovel matria-prima (bases de dados) uma tarefa bem mais fcildo que conseguir legitim-lo. E a enxurrada de crticas j feitas aoESI-2002 indica que no est prximo o dia em que um ndice desustentabilidade ambiental possa obter legitimidade comparvel, porexemplo, que o IDH hoje desfruta.

    Dessas crticas, a mais sistemtica foi elaborada pelos professoresRaghbendra Jha, da Universidade Nacional da Austrlia, e K. V. BhanuMurthy, da Universidade de Delhi.5 Eles opem ao ESI-2002 diversas

    5. Raghbendra JHA & K.V. Bhanu Murthy. A critique of the Environmental

    Sustainability Index, Australian National University Division of Economics,

    Working Paper, 2003, http://ssrn.com/abstract=380160 . Ver tambm An

    inverse global environmental Kuznets curve. Journal of Comparative

    Economics, 31 (2003) 352-368.

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    consideraes de ordem filosfica e emprica. A principal limitaoapontada parece ser a falta de reflexo sobre as variveis que estocorrelacionadas, e principalmente as que mantm relao de causa eefeito. Variveis causais e variveis de impacto no deveriam sermisturadas no mesmo ndice, dizem Jha & Bhanu Murthy.

    Alm de fazerem uma crtica bem fundamentada do ESI-2002,esses dois professores, que trabalham em universidades da Austrlia eda ndia, sugerem um outro ndice, mais especificamente dedegradao ambiental. Segundo esse Environmental Degradation Index(EDI), os Estados Unidos esto na 83a posio, e no na 45a, comoindica o ESI-2002. E pior: nessa viso, o Brasil est na 103a em vezde ocupar o 20o lugar.

    Mesmo que ainda esteja longe o surgimento de uma medidamais consensual de sustentabilidade ambiental, imprescindvelentender que os ndice e indicadores existentes j exercem papelfundamental nas relaes de fiscalizao e presso que as entidadesambientalistas devem exercer sobre governos e organizaesinternacionais. Nos ltimos anos houve pelo menos trsacontecimentos mundiais em que expressivos contingentes de naesassumiram srios compromissos nessa direo. Em 2002, quando serealizou em Joanesburgo a chamada Rio+10 (World Summit onSustainable Development). Em 2004, quando se realizou em KualaLanpur, o encontro das Naes Unidas sobre a conveno dabiodiversidade (United Nations Convention on Biological Diversity).Paralelamente, todos os 191 pases membros da ONU assinaram asMetas do Milnio (Millennium Development Goals), que no apenasfocalizam algumas das causas sociais que esto na base da degradaoambiental, como tambm metas especficas de sustentabilidade ambiental.

    Pensando nesses compromissos internacionais, pode-se considerara existncia de vrios ndices de sustentabilidade ambiental comouma oportunidade de ouro. Segundo o Dr. Claude Martin, diretorgeral do World Wildlife Fund (WWF International), a primeira vezque os cidados podem monitorar, controlar e cobrar seus lderespor sucessos, vacilaes ou desastres usando medidas objetivas equantificveis sobre as vrias dimenses da sustentabilidade ambiental.

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    No quinto relatrio mundial do WWF sobre o impacto dahumanidade em seu finito planeta6 foram adotados dois ndicesglobais: o Living Planet Index (LPI), e o Humanitys Ecological Footprint(HEF). Enquanto o LPI voltado para a avaliao do estado geral dascondies naturais do planeta, o HEF avalia a intensidade do usodos recursos naturais do planeta pela espcie humana. Entre 1970 e2000 houve uma reduo de 40% no LPI, pois a pegada ecolgicatotal passou de 7,81 para 13,33 bilhes de hectares. Segundo oWWF, a capacidade biolgica da Terra j foi excedida em 20%,situao que certamente s pode ocorrer por limitado perodo. Em2001 o HEF chegou a ser 2,5 vezes maior do que em 1961. Mashavia, evidentemente, uma brutal diferena de comportamento entrepases ricos e pobres. Nesse perodo, enquanto nos ricos a pegadaper capita saltou de 3,8 hectares por habitante (ha/hab) para 6,6 ha/hab, nos pobres ela s aumentou de 1,4 ha/hab para 1,5 ha/hab. Deresto, o relatrio do WWF tambm permite estimar o dficitecolgico, pela comparao da pegada (Total Ecological Footprint)com a biocapacidade (Total biocapacity). Em 2001, o dficit ecolgicoglobal era de 0,4 hectares por pessoa (2,21,8). Todavia, enquantonos Estados Unidos esse dficit j havia atingido 4,7 ha/hab (9,5-4,9), no Brasil ainda se encontrava um significativo supervit, isto ,negativos 8,0 ha/hab (2,2-10,2).

    FAZER O BOLO CRESCER

    O debate cientfico internacional passou recentemente a serpautado pela hiptese ultra-otimista de que o crescimento econmicos prejudique o meio ambiente at um determinado patamar deriqueza aferida pela renda per capita. A partir dele, a tendncia tenderia

    6. WWF World Wildlife Fund. Living Planet Report 2004. WWF

    International, Global Footprint Network, e UNEP-WCMC (The Unep World

    Conservation Monitoring Center). Publicado pelo WWF World Wild Fund fort

    the Nature (antes World Wildlife Fund), Gland, Sua, Outubro de 2004. Veja

    esse e outros trabalhos do WWF atravs do site http://www.wwf.org.br

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    a se inverter, fazendo com que o crescimento passasse a melhorar a qualidadeambiental. Raciocnio idntico velha parbola sobre a necessidadede primeiro fazer o bolo crescer para depois distribu-lo melhor.

    Os precrios dados estatsticos disponveis no ps - 2a GuerraMundial, alm de apenas sobre um punhado de casos, haviam levadoos economistas a achar que pudesse existir uma lei que regeria a relaoentre o crescimento do PIB e a desigualdade de renda. Piorava naarrancada, mas melhorava depois de ultrapassar certo patamar deriqueza. Para o desgosto dos que acham que o capitalismo o fim dahistria, tal hiptese foi descartada quando estatsticas sobre umgrande nmero de pases revelaram que as relaes entre crescimentoe desigualdade foram das mais heterogneas nos ltimos cinqenta anos.

    Idntica conjectura sobre a relao entre crescimento e meioambiente foi lanada na dcada de 1990. Alguns pesquisadoresconcluram que as fases de desgraa e recuperao ambiental estariamseparadas por um ponto de mutao que se situaria em torno de 8mil dlares de renda per capita. Pelo menos foi o que mostrou arelao entre o comportamento da renda per capita e quatro tipos deindicadores de deteriorao ambiental poluio atmosfrica urbana,oxigenao de bacias hidrogrficas, e duas de suas contaminaes (fecale por metais pesados).

    O destino dessa hiptese certamente ser idntico docrescimento do bolo. Quando um grande nmero de pases tiverindicadores confiveis sobre um leque mais amplo de variveisecolgicas, constatar-se- que so to diversos os estilos de crescimentoe as circunstncias em que ele ocorre, que deve ser rejeitada a idia deto linear relao ente qualidade ambiental e renda per capita. Alis,j existem bons indicadores que revelam as tragdias ambientais depases riqussimos. E ela j foi desmentida por experimento comvariveis ambientais globais. Todavia, at que a comunidade cientficase convena do contrrio, ser a panglossiana proposio mencionadaque continuar a pautar o debate. Centenas de sofisticadssimos testessero relatados at que ela possa cair em descrdito.

    O crescimento econmico contnuo trar cada vez mais danosao ambiente da Terra? Ou aumentos da renda e da riqueza jogam as

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    sementes de uma melhora dos problemas ecolgicos? com estaalternativa formulada em duas perguntas que os principais adeptosda hiptese panglossiana introduzem sua argumentao. Se osmtodos de produo fossem imutveis, bvio que s seria possvelresponder afirmativamente primeira pergunta. Todavia, h inmerasevidncias de que o processo de desenvolvimento leva a mudanasestruturais naquilo que as economias produzem. E muitas sociedadesj demonstraram notvel talento em introduzir tecnologias queconservam os recursos que lhe so escassos. Em princpio, os fatoresque podem levar a mudanas na composio e nas tcnicas daproduo podem ser suficientemente fortes para que os efeitosambientalmente adversos do aumento da atividade econmica sejamevitados ou superados. E se houver evidncia emprica que confirmeessa suposta tendncia, ser permitido concluir que a recuperaoecolgica resultar do prprio crescimento.

    Com o propsito de testar essa hiptese, seus adeptos investigama relao entre a escala da atividade econmica e a qualidadeambiental, utilizando metodologia consolidada e os dados disponveismais confiveis sobre qualidade do ar em grandes cidades e qualidadeda gua em suas bacias hidrogrficas. Alm das sries publicadas pelaOrganizao Mundial da Sade (OMS) o sistema GlobalEnvironmental Monitoring System (GEMS) para o perodo 1977-84, alguns conseguiram dados inditos para o perodo 1985-88, junto agncia federal dos Estados Unidos para o meio ambiente (U.S.Environmental Protection Agency, EPA). Embora tais medidas estejammuito longe de constituir uma lista representativa das variveis capazesde descrever a situao dos respectivos ecossistemas, tais economistasacreditam que a variedade dos tipos de poluentes considerados nainvestigao autoriza uma generalizao para outros tipos deproblemas ambientais. E essa crena certamente compartilhada pelamaioria de seus pares.

    O dixido de enxofre e a fumaa relacionam-se com o PIB percapita na forma de uma curva em U invertido. Na verdade, apoluio por dixido de enxofre volta a subir quando so atingidosaltos nveis de renda per capita, mas considera-se que o reduzido

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    nmero de observaes de casos em que atingiu 16 mil dlares impedeque se tenha confiana na forma que a curva adquire nesse estgio.Para os particulados, constatou-se um montono declnio da relaopoluio/renda. Todavia, foram encontradas boas curvas em Uinvertido para praticamente todos os outros principais indicadoresde poluio do ar e da gua: BOD (demanda de oxignio biolgico),COD (demanda de oxignio qumico), nitratos, coliformes fecais,coliformes totais, chumbo, cdmio, arsnico, mercrio e nquel. Eos picos de renda per capita variaram entre 3 e 11 mil dlares,respectivamente para os coliformes totais e cdmio.

    Ao fazer a sntese dos resultados obtidos, os pesquisadoresafirmam que no encontraram evidncia significativa de que aqualidade ambiental tenda a se deteriorar de maneira firme, constante,ou estvel, com o crescimento econmico. Ao contrrio, quase todosos indicadores apontaram para uma deteriorao em fase inicial docrescimento, mas com subseqente fase de melhoria. Foram levados,ento, a suspeitar que essa recuperao posterior esteja em parteligada ao aumento da demanda (e da oferta) de proteo ambientalquando a renda nacional chega a nveis mais altos. Os pontos demutao variam bastante segundo o poluente considerado, mas namaioria dos casos eles ocorrem antes que o pas atinja 8 mil dlares(de 1985) de renda per capita.

    Assim, rechaando gritos alarmistas de grupos ambientalistas,tais economistas afirmam que o crescimento econmico no causainevitvel dano ao habitat natural. Segundo eles, isso s ocorre mesmoem pases muito pobres. Todavia, seu meio ambiente ser, aocontrrio, beneficiado pelo crescimento econmico, assim queatingirem certos nveis crticos de renda per capita, prximos aopatamar de 8 mil dlares (de 1985).

    Desde que essa contribuio emprica foi publicada, pululamconfirmaes pela utilizao de outras variveis, outros pases, outrosperodos. preciso lembrar, contudo, que h um pressuposto nessaanlise que s pode ser facilmente aceito pela comunidade doseconomistas convencionais, pois so todos inveterados otimistastecnolgicos. Todos acreditam piamente que as inovaes tecnolgicas

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    acabaro por superar qualquer impasse que venha a colocar em xequea continuidade do crescimento econmico. E tal pressuposto deque os indicadores de poluio usados sejam termmetros daqualidade ambiental. Basta lembrar de alguns outros fenmenos jbem conhecidos como, por exemplo, a eroso da biodiversidade,as perdas de patrimnio gentico, o aquecimento global, adeteriorao da camada de oznio, a chuva cida, ou a escassez degua para que se perceba o duvidoso valor cientfico da extrapolao.E ela ficaria ainda mais absurda se fosse evocado o inevitvel aumentoda entropia. Mas esta uma idia que s preocupa um pequenogrupo de economistas heterodoxos, que constituem o extremo opostodo debate cientfico, e que com imensa dificuldade esto conseguindoromper o isolamento que lhes foi imposto pelo establishment da cincianormal.

    UMA TESE INCONVENIENTE

    As pesquisas do extremo oposto exigiro ainda mais pacincia.Desde 1971, foi lanado um alerta sobre o inexorvel aumento daentropia. As atividades econmicas gradualmente transformam energiaem formas de calor to difusas que so inutilizveis. A energia estsempre passando, de forma irreversvel e irrevogvel, da condio dedisponvel para no-disponvel. Quando utilizada, uma parte da energiade baixa-entropia (livre) se torna de alta entropia (presa). Para podermanter seu prprio equilbrio, a humanidade tira da natureza oselementos de baixa entropia que permitem compensar a alta entropiaque ela causa. O crescimento econmico moderno exigiu a extraoda baixa entropia contida no carvo e no petrleo. No futurocertamente voltar a explorar de maneira mais direta a energia solar.Nem por isso poder contrariar o segundo princpio datermodinmica, o que um dia exigir a superao do crescimentoeconmico. Em algum momento do futuro, a humanidade deverapoiar a continuidade de seu desenvolvimento na retrao, isto ,com o decrscimo do produto. O oposto do sucedido nos ltimosdez mil anos, desde o surgimento da agricultura.

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    bom frisar que to incmoda hiptese permanecesimplesmente esquecida pela esmagadora maioria dos economistas.At referncias aos seus adeptos passaram a ser evitadas nos principaismanuais pedaggicos usados no treinamento dos novos economistas.Mesmo assim, a idia da inexorvel entropia que orienta os maisherticos programas de pesquisa.

    Para essa corrente mais ctica s haver alternativa decadnciaecolgica na chamada condio estacionria (stationary state) que no corresponde, como muitos pensam, a crescimento zero. Aproposta superar o crescimento econmico pelo resgate de umaidia formulada por economistas clssicos, e principalmente JohnStuart Mill em 1857, agora chamada de steady-state economy.7

    Para efeito pedaggico, pode-se usar uma analogia entreeconomias de ponta como a dos EUA ou do Japo e umabiblioteca que j esteja repleta de livros, sem espao para absorvernovas aquisies. A melhor soluo estabelecer o princpio de queum novo livro s poder entrar no acervo quando outro for retirado,em uma troca que s seria aceita se o novo livro fosse melhor que osubstitudo. Ou seja, na condio estacionria a economiacontinuaria a melhorar em termos qualitativos, substituindo, porexemplo, energia fssil por energia limpa. Mas nessas sociedades maisavanadas seria abolida a obsesso pelo crescimento do produto.

    pequeno o grupo de economistas hereges a considerar que aEconomia deva ser absorvida pela Ecologia por considerar que atermodinmica muito mais pertinente para a primeira do que amecnica. Foi assim que tal grupo entrou em coliso com o paradigmaque une todas as correntes do pensamento econmico, da maisconvencional mais heterodoxa, e da mais conservadora mais radical.Acham que assimilar o processo econmico a um modelo mecnico admitir o mito segundo o qual a economia um carrossel que denenhuma maneira pode afetar o ambiente composto de matria e deenergia. A concluso evidente que no h necessidade de integrar o

    7. John Stuart MILL. Princpios de economia poltica: com algumas de suas

    aplicaes filosofia social. (Vol. II). So Paulo: Ed. Abril Cultural, 1983 [c1857].

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    ambiente no modelo analtico do processo. E a oposio irredutvel entremecnica e termodinmica vem do Segundo Princpio, a Lei da Entropia.

    Na verdade, entropia uma noo suficientemente complexapara que no seja s vezes compreendida pelos prprios fsicos.Tentando trocar em midos, pode-se dizer que o aumento de entropiacorresponde transformao de formas teis de energia em formasque a humanidade no consegue utilizar. No limite, trata-se de algorelativamente simples: todas as formas de energia so gradualmentetransformadas em calor, sendo que o calor acaba se tornando todifuso que o homem no pode mais utiliz-lo. Para ser utilizvel, aenergia precisa estar repartida de forma desigual. Energiacompletamente dissipada no mais utilizvel. A ilustrao clssicaevoca a grande quantidade de calor dissipada na gua dos mares quenenhum navio pode utilizar.

    Todo organismo vivo est sujeito ao aumento de entropia, masprocura mant-la constante pela extrao de seu meio ambiente doselementos de baixa entropia necessrios compensao. Ocrescimento econmico moderno baseou-se na extrao da baixaentropia contida no carvo e no petrleo. Como j foi dito, um diase basear em formas de explorao mais direta da energia solar. Masnem por isso poder contrariar o segundo princpio da termodinmica,o que acabar por obrigar a humanidade a abandonar o crescimento.

    A concluso dos herticos por demais inconveniente. Um diaser necessrio encontrar uma via de desenvolvimento humano quepossa ser compatvel com a retrao, isto , com o decrscimo doproduto. Por isso, no curto prazo preciso que o crescimento seja omais compatibilizado possvel com a conservao da natureza. Nose trata de conseguir crescimento zero, ou condio estacionria,vises por eles consideradas ingnuas. Crescimento sempre depleoe, portanto, encurtamento de expectativa de vida da espcie humana.No cinismo, ou pessimismo, reconhecer que os seres humanosno querem abrir mo de seu presente conforto para facilitar a vidados que vivero daqui a dez mil anos. Trata-se apenas de entenderque a espcie humana est determinada a ter uma vida curta, pormexcitante. Em suma, esse pequeno grupo fica na dvida entre rir ou

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    chorar quando obrigado a entrar na atual discusso entre oseconomistas convencionais sobre os dois gneros de sustentabilidade,apresentada a seguir.

    ARENGA

    Para a teoria convencional sobre o crescimento econmico, anatureza jamais constituir srio obstculo expanso. No longoprazo, os ecossistemas no oferecero qualquer tipo de limite, sejacomo fontes de insumos, ou assimiladores de impactos. Qualquerelemento da biosfera que se mostrar limitante ao processo produtivo,cedo ou tarde, acabar substitudo, graas a mudanas na combinaoentre seus trs ingredientes fundamentais: trabalho social, capitalproduzido e recursos naturais. Isto porque o progresso cientficotecnolgico sempre conseguir introduzir as necessrias alteraes quesubstituam a eventual escassez, ou comprometimento, do terceirofator, mediante inovaes dos outros dois, ou de algum deles. Emvez de restrio s possibilidades de expanso da economia, os recursosnaturais podem no mximo criar obstculos relativos e passageiros,j que sero indefinidamente superados por invenes.

    Os principais adeptos dessa tese simplesmente repudiam o quechamam de arenga sobre a intrnseca incompatibilidade entrecrescimento econmico e preocupao com o ambiente natural.Todavia, desse ultra-otimismo tecnolgico, que sempre esteve na basedo raciocnio convencional, no decorre necessariamente um sriodesprezo pelo compromisso tico com as futuras geraes. A noode sustentabilidade at considerada muito til, pois a humanidadeprecisa evitar tudo o que possa ocorrer em detrimento de seusdescendentes. No apenas dos mais diretos, mas tambm dos maisdistantes. S que isto significa, em seu ponto de vista, a preservaoda capacidade produtiva para um futuro indefinido, pela ilimitadasubstituio dos recursos no-renovveis. O que exigir,evidentemente, mudanas importantes na maneira de medir odesempenho das economias. Isto , dos sistemas pblicos decontabilidade, sejam eles nacionais, regionais ou locais. Ser preciso

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    calcular PIB e Produto Nacional Bruto (PNB) verdes, que preferemchamar de produtos interno ou nacional lquido.

    Enxergam a sustentabilidade como capital total constante. Umaconcepo que acabou sendo batizada de fraca. Isto porque assumeque, no limite, o estoque de recursos naturais possa at ser exaurido,desde que esse declnio seja progressivamente contrabalanado poracrscimos proporcionais, ou mais do que proporcionais, dos outrosdois fatores-chave trabalho e capital produzido muitas vezesagregados na expresso capital reprodutvel. Ou seja, nessaperspectiva de sustentabilidade fraca, o que preciso garantir paraas geraes futuras a capacidade de produzir, e no manter qualqueroutro componente mais especfico da economia. uma viso naqual a idia de desenvolvimento sustentvel acaba sendo absorvida ereduzida a crescimento econmico. O que permite entender a enfticaadvertncia sobre a inconvenincia de se procurar uma definio menosvaga de sustentabilidade. Em suma: o fortssimo otimismotecnolgico que leva a pregar pela fraqueza da sustentabilidade.

    Os economistas convencionais que no concordam com talpostura tambm no se preocupam com definies mais precisas parao adjetivo sustentvel. O que os diferencia que so menos otimistassobre as possibilidades de troca-troca entre os fatores de produo,preferindo, por isso, propugnar o que chamam de sustentabilidadeforte. Entendem que o critrio de justia intergeraes no deve sera manuteno do capital total, mas sim sua parte no reprodutvelque chamam de capital natural. E por no ignorarem que grandeparte desse capital natural exaurvel, propem que os danosambientais provocados por certas atividades sejam de alguma formacompensados por outras.

    Esse debate em torno da fora relativa que deveria ter asustentabilidade dos mais bizantinos. Afinal, na concepoconvencional, o objeto cincia econmica o gerenciamento racionalda finitude dos recursos produtivos em sociedades marcadas pelainfinitude das necessidades humanas. O manejo dessa contradio sefaz por um sistema no qual os preos exprimem a escassez relativados bens e servios, papel que tem sido desempenhado da maneira

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    mais eficiente por mercados livres, sem restries (embora quase todostenham exigido institucionalizao de cdigos de comportamento evrios graus de regulamentao pblica, principalmente estatal). Aeconomia convencional lida, portanto, com a alocao eficiente derecursos escassos para fins alternativos, presentes e futuros, por meiodo sistema de preos de mercado. Neste sentido, a questo dasustentabilidade corresponde administrao mais ou menos eficientede uma dimenso especfica da escassez.

    Se os mercados de recursos naturais funcionassem razoavelmentee gerassem seus preos relativos, nem teria surgido preocupao especialcom a sustentabilidade ambiental, pois eles estariam sendo alocadosde maneira eficiente ao longo do tempo. Como isso no ocorre, oproblema foi catalogado entre as imperfeies de mercado. E asada que parece razovel para todos os convencionais a criao denovos mercados para os bens ambientais, como, por exemplo,mercados de direitos de poluir ou de quotas de emisses. E para quetais mercados possam surgir, so adotados vrios expedientes deprecificao, mais conhecidos como tcnicas de valorao.

    Essa foi a maneira de responder embaraosa questo sobre ovalor econmico de bens que no adquirem valor de troca, no tendo,portanto, preos. Os economistas convencionais passaram a dizerque o valor de troca e o valor de uso so apenas duas das partes deum valor total. E que este tambm formado por outros tipos devalores, entre os quais o valor de existncia. Afinal, dizem eles, sealgumas pessoas conseguem satisfao somente por saber que algumecossistema particular existe em condies relativamente intocadas,o valor resultante de sua existncia to real como qualquer outrovalor econmico, seja de uso ou de troca.

    Esse valor comeou ento a ser medido por uma espcie deanlise de custo-benefcio da alterao do bem-estar. Para umindivduo, o valor da mudana para uma situao preferida serrevelado pela dispa: sua disposio a pagar por esse ganho. Se, aocontrrio, houver perda, ela ser revelada pela disco: sua disposioem aceitar algo como compensao. Para a sociedade, o valor lquidode uma mudana ambiental pode ser avaliado pela diferena entre o

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    total das dispa dos que esperam ganhar e o total das disco dosque esperam perder.

    Os procedimentos para esse tipo de avaliao que se tornarammais usuais so bem semelhantes s sondagens de opinio. Propemalternativas a uma amostra populacional afetada por um problemaambiental de maneira a que sejam registradas as dispa e disco.Assim, se os cidados estiverem bem informados sobre asconseqncias das opes propostas, podem ser calculados valoreseconmicos de bens para os quais no existem mercados. dessaforma que costumam ser estimados, por exemplo, valores de existnciade espcies em extino.

    Nesse processo, os adeptos da economia ambiental convencionaltambm foram se convencendo de que a dificuldade de saber qual o valor econmico da diversidade biolgica, por exemplo, no decorrede limitaes da cincia econmica e sim de limitaes das cinciasnaturais. Acham que seus mtodos de avaliao s no trazem bonsresultados porque os eclogos costumam ter pouca confiana emsuas estimativas sobre os impactos da alterao dos ecossistemas, almde raramente chegarem a um acordo. Se os peritos no podemconstruir cenrios fidedignos que descrevam os efeitos de polticasalternativas para a biodiversidade, as dispa e disco dos cidadosreagiro a estes cenrios refletindo aquela incerteza e desinformao,tanto quanto qualquer incerteza adicional que venha a ocorrer ssuas prprias preferncias com relao biodiversidade. A confuso,a ignorncia e a apatia entre os leigos refletiriam, ento, sinaisincompletos e dissonantes dos especialistas.

    O PROBLEMA

    Seria um imenso equvoco imaginar que s os economistasconvencionais utilizam essas tcnicas de valorao dos elementos domeio ambiente que no tm preos. Por razes bem pragmticas,ligadas ao maior poder de persuaso de argumentos baseados emvalor monetrio, comum que economistas da corrente mais cticatambm se sirvam desses expedientes de precificao. Por isso, empases de capitalismo maduro, j comum sondar a opinio das

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    pessoas para saber que tipo de valor elas atribuiriam a umadeterminada melhora da qualidade do ar, ou preservao de um rio.

    O maior problema que esse malabarismo nem sempre conseguepersuadir. Qual poderia ser, por exemplo, o preo do oznio emrarefao, ou o preo de uma funo como a regulao trmica doplaneta? Ser que a preservao da diversidade biolgica e culturalpoderia ficar na dependncia do aperfeioamento dessas tentativasde simular mercados? Questes que s aumentam a distncia entreeconomistas convencionais e ecolgicos, mesmo que usem asmesmas tcnicas. Os mais otimistas consideram que a cinciaeconmica s no respondeu a esses problemas no passado porqueeles no eram considerados prementes pela sociedade. Os outrosacham que esses problemas revelam a imaturidade da economia comocincia, pois questionam a prpria viso de sistema econmico que comum a todas as teorias, das mais radicais s mais conservadoras.

    Um bom exemplo foi o estudo realizado pela turma daeconomia ecolgica sobre os benefcios proporcionados aos sereshumanos por dezesseis grandes ecossistemas terrestres, publicado em1997 pela revista Nature. Diz que as funes desempenhadas por essesecossistemas, que h milhes de anos vinham sendo usufrudasgratuitamente pela humanidade, na verdade valem quase duas vezestoda a riqueza produzida no mundo durante um ano, isto , cerca de33 trilhes de dlares anuais. Para um dos pesquisadores envolvidos,esse resultado pode at no ser muito preciso, mas serve para daruma dimenso da importncia da natureza na atividade humana.Segundo outro membro da equipe, fica muito mais fcil para apopulao e para as autoridades compreender que, quando se usa anatureza, h um preo a pagar.

    Ser que a atribuio de um preo fictcio a um bem natural amelhor maneira de ganhar a opinio pblica para a preservaoambiental? Uma parte crescente dos economistas responde que sim.No fundo, eles esto convictos de que a racionalidade econmicasempre dominar as outras racionalidades. Como o Pequeno Prncipede Saint-Exupry, eles acham que os adultos nunca valorizam umacasa porque ela tem tijolos rosados, com gernios nas janelas e pombas

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    no telhado. S so capazes de admirar sua beleza quando ouvem queela custa tantos milhes.

    O problema que os adultos tambm no acreditam em estriasda carochinha. Sabem que os preos so determinadossimultaneamente pela utilidade e pelo custo de produo. Percebemintuitivamente que no se pode saber se o preo governado pelautilidade ou pelo custo de produo. Tanto quanto no se podeafirmar se a lmina inferior ou superior de uma tesoura que cortauma folha de papel.

    Isto quer dizer que s podem ter valor econmico e, portanto,preo, bens que sejam produtveis e apropriveis. E tais bensrepresentam, por mais espantoso que possa parecer, uma nfimaparcela do universo formado por todos os seres vivos e objetos quecompem a biosfera. A aceitao dessa microscpica reduo foiindispensvel para que se chegasse viso de sistema econmicorepresentado pelas contas sociais.

    Ao nos perguntarmos como ser possvel contabilizarmonetariamente bens naturais que no tm preo, estamos nosperguntando se possvel estender a economia para um campo queno o seu. A noo usual de sistema econmico consolidou-sejustamente pelo crescente distanciamento da natureza. Por isso, todatentativa de incorporar variveis ambientais nas contabilidades esbarraem obstculos conceituais e prticos que acabam tornando osresultados muito suspeitos. To suspeitos quanto esses 33 trilhesde dlares anuais atribudos a dezesseis grandes ecossistemas terrestres.

    O que realmente ope os economistas ecolgicos a todas asoutras correntes no , portanto, o uso de tcnicas de valorao. Overdadeiro pomo da discrdia o seguinte: recursos naturais e capitaisso geralmente complementares e no substitutos. Pensar, como osconvencionais, que eles possam se substituir, contrariar duas leis datermodinmica. Imaginar uma economia sem recursos naturais comochegaram a fazer alguns de seus expoentes simplesmente ignorar adiferena entre o mundo real e o Jardim do den. E a melhor defesados convencionais se baseia em argumento que muito simples: osmodelos analticos da economia convencional so feitos para ajudar

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    em questes de mdio prazo, isto , para os prximos 50 ou 60anos. Um horizonte em que os recursos naturais ainda podero serfacilmente substituveis por capital.

    IMPASSE

    No pode ser mais patente, ento, a raiz do impasse. Quando seevoca a segunda lei da termodinmica para evidenciar a fatalidadeentrpica, o horizonte temporal evidentemente de longussimoprazo. Por isso prevalece um verdadeiro antema entre os economistasconvencionais e os ecolgicos a respeito da sustentabilidade, mesmona tal verso chamada de forte. E a questo que imediatamente secoloca s pode ser a seguinte: nada poderia preencher esse imensovazio que separa modelos de crescimento para algumas dcadas damilenar fatalidade entrpica? No h, neste caso, um caminho do meio?

    O que existe de diferente, no chega a ser um caminho domeio, mas sim um incipiente desdobramento menos pessimista dasidias dos hereges. O principal entender que a esmagadora maioriados economistas contemporneos ultra-otimisma. Consideram quea economia mundial continuar desfrutando indefinidamente docrescimento intensivo e acelerado da produo, como vem ocorrendodesde a Revoluo Industrial. No extremo oposto, a nfima minoriaque repudia esse tipo de otimismo, insiste que os servios da naturezaesto sendo usados a uma taxa superior quela que a biosfera capazde suportar no longo prazo. Preconizam polticas com o objetivo desustar o aumento do uso dos recursos naturais, principalmente nospases mais ricos. E apenas comeam a surgir idias que talvez atpossam abrir um caminho do meio. Uma delas a necessidade deresgatar a grande diferena que existe entre PIB e riqueza.Principalmente porque o PIB no inclui a depreciao de ativos, como o caso da degradao de ecossistemas.8

    8. Um bom exemplo est no contraponto de Partha Dasgupta s idias de Herman

    E. Daly na revista Scientific American Brasil, ano 4, n41 (Outubro 2005), p.

    92-98. E tambm o relatrio do Banco Mundial intitulado Where is the wealth

    fo Nations? Measuring capital for the XXI Century, (Julho 2005).

  • NEGCIOS SUSTENTVEISE SEUS INDICADORES

    RUBENS MAZON1

    Retornos sustentados sobre o capital investido no longo prazoe, em certa medida, o crescimento dos negcios requerem, cada vezmais, o enfrentamento das questes de desenvolvimento social e desustentabilidade que influenciam e so influenciadas pelas aes dasempresas no mercado, por interesses setoriais, por demandas dascomunidades do entorno e pelo prprio sistema capitalista em suaverso neoliberal local. Na prtica, a sustentao de resultados acimada mdia em prazos mais elsticos parece exigir formulaes estratgicase direcionamentos operacionais que conjuguem, em uma mesmaunidade de performance, retornos econmicos, sociais, ambientais eculturais diferenciados. Assim como parece induzir a composio,com outros atores, de arranjos produtivos que potencializem ouampliem, por um lado, escala e participao de mercado; por outro,infra-estrutura, recursos, tecnologia apropriada, competncias,sensibilidade social (social responsiveness) e capacidade de inovar. Amaximizao das condies de produzir, comercializar, comunicar,oferecer produtos e servios inovadores, promover desenvolvimento,valorizar direitos humanos, dar conta dos impactos no entornoinerentes ao negcio, lidar com a concorrncia, abrir novos mercadose estar prximo aos clientes onde quer que eles estejam neste mundoglobalizado parece tender a se viabilizar, cada vez mais, a partir de

    1. Professor da Universidade Ibirapuera. P.h.D em Gesto de Sade Ambiental pela

    Universidade de Cincinnati em Ohio (EUA). [email protected]

    Diretor da Terra Mater Empreendimentos Sustentveis.

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    arranjos produtivos capazes de conjugar investidores, especialistas,empresas, financiadores, organizaes da sociedade civil, instituiesde pesquisa e desenvolvimento e organismos de governo.

    Entretanto, preciso resolver antes e sempre, o curto prazo.Sem atingir o resultado do dia, da semana, da quinzena, do ms, dosemestre e do ano no haver argumento vlido para transformaesa longo prazo, menos ainda para a incluso da perspectiva scio-ambiental no ambiente de negcios. At porque difcil distinguirentre disperso de recursos e investimentos em iniciativas voltadas aresultados de longo prazo; assim como difcil decidir se a melhoralternativa est mesmo no horizonte do tempo. Os resultadosimediatos, portanto, precisam ser obtidos enquanto se constroem asplataformas do futuro. Presente e futuro so pensados e articuladosjuntos, no presente; e essa uma tarefa que, em certa medida, podeenvolver diferentes atores.

    Explorar sinergias e complementaridades , portanto, fator decompetitividade, de promoo do desenvolvimento e deenfrentamento de questes de sustentabilidade. A melhor performancedepende, entretanto, da qualidade intrnseca dos arranjos produtivos.Em outras palavras, depende da natureza do engajamento(legitimidade, motivao, viso de futuro e compartilhamento decrenas, significados e valores dos diferentes atores), da capacidade deconstrurem, consolidarem e manterem em permanentedesenvolvimento um ambiente capaz de gerar resultados (econmicos,sociais, ambientais e culturais) sustentados a longo prazo, da qualidadedos vnculos (transparncia, confiana e proximidade entre os atores),da eficcia dos mecanismos de interao e cooperao e da capacidadede reconhecimento sincero dos interesses legtimos dos atoresenvolvidos. No plano operacional, depende do empenho em seencontrar uma frmula aceita para a responsabilizao (accountability),o acompanhamento, controle e auditoria dos processos e aapropriao dos resultados e dos impactos decorrentes da aoconjunta, tanto os de natureza econmico-financeira como os sociais,ambientais e culturais; tanto os tangveis quanto os intangveis. Trata-se de um desafio enorme para a gesto contempornea por conta,

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    principalmente, de alguns fatores: da baixa competncia dasorganizaes para se integrarem lgica e s dinmicas sociais tpicasde ambientes multi-stakeholders, naturalmente inclusivas e, portanto,complexas; da prevalncia do individualismo, mesmo quando hvalorizao do teamwork; das dificuldades de formulao e legitimaode decises complexas em ambientes organizacionais quesupervalorizam a lgica exclusiva e direta do capital, as relaes depoder, o imediatismo, o autoritarismo e o pragmatismo, que soaspectos culturais cultuados no neoliberalismo. Soma-se a isso, aexistncia de interesses imbricados de diferentes arranjos produtivoscom que os mesmos atores, ou parte deles, possam estar envolvidos,e que so cada vez mais provveis pela necessidade de ampliao dasfontes de gerao de riqueza e minimizao dos riscos alm dasincertezas impostas tanto pelo ambiente competitivo como peloambiente social.

    Segundo o World Business Council for Sustainable Development(WBCSD): Responsabilidade Social Corporativa (CSR) ocomprometimento permanente das empresas em agir eticamente econtribuir para o desenvolvimento econmico ao mesmo tempo emque melhora a qualidade de vida da fora de trabalho e de suas famliasbem como da comunidade local e da sociedade em geral.

    Para Kellie A. McElhaney da Haas School of Business daUniversidade da Califrnia em Berkeley, os termos ResponsabilidadeSocial Corporativa, Desenvolvimento Sustentvel e CidadaniaCorporativa so os mais comumente utilizados no mundo de negcios,sendo que em seus cursos em Berkeley bem como no Center forResonsible Business por ela dirigido o termo utilizado Corporate SocialResponsibility o qual considerado idntico a SustainableDevelopment.

    A aderncia ao conceito ou a busca de se ter e desenvolverCorporate Social Responsibility (CSR) ou Responsabilidade SocialCorporativa ser aqui usado alternativamente ou de maneiraintercambivel para identificar empresas que buscam ser sustentveisconforme a seguir definido, ou seja, perseguindo o triple bottom line.Uma estratgia corporativa ampla e de longo-prazo, integrada com os

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    objetivos centrais do negcio e com as suas competncias essenciaisatuando para criar mudana social positiva e valor para o negcio eque est inserida nas operaes negociais do dia a dia o que se podechamar de CSR Estratgica ou ainda Sustentabilidade Estratgica.

    1. O TRIPLE BOTTOM LINE (TBL)

    De acordo com Elkington, um empreendimento pode ser con-siderado sustentvel se contribuir para o desenvolvimento sustentvelproporcionando simultaneamente benefcios econmicos, sociais eambientais - o chamado triple bottom line ( www.sustainability.com/home.asp). Reconhecendo que embora a dimenso social tenhaentrado em cena em 1987 com o Relatrio Bruntland (Nosso FuturoComum), ela no conquistou imediatamente os crebros empresariais,e foi s a partir da concepo do termo triple bottom line que essalinguagem foi incorporada ao mundo dos negcios tratando da suaprestao de contas (accountability) em termos financeiros, ambientaise sociais.

    Os resultados da pesquisa realizada por Jed Emerson (Emerson,2003) expressos no relatrio denominado Blended Value Mapidentificam cinco tipos de aes ou programas que propiciam avanosem diferentes partes daquilo que pode ser considerado uma agendacompartilhada para valorizar simultaneamente equidade social,sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econmico. Emborareconhea que essas aes, tratadas isoladamente como verdadeirossilos, mesmo estando organizadas ao redor de um sujeito comum eprofundo, no so necessariamente interconectadas ou integradasdeixando de se beneficiar das sinergias potenciais que poderiam sergeradas. Os cinco silos identificados por Emerson so os seguintes: Responsabilidade Social Corporativa Empreendimento Social Investimento Social Filantropia Estratgica / Efetiva Desenvolvimento Sustentvel

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    Segundo Emerson, valor gerado pela participao combinadaentre as partes componentes do desempenho social, econmico eambiental. Todas as firmas (tanto as que perseguem o lucro como asque no o fazem) criam o Blended Value restando apenas poderavaliar em que grau cada uma delas maximiza os elementoscomponentes do valor, que so mais bem dimensionados ouentendidos atravs da utilizao do arcabouo do Triple Bottom Line.Emerson sustenta ainda que o silo do Desenvolvimento Sustentvelpermeia os outros quatro e tem uma identidade muito prxima como da Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Sob a bandeira daRSC, Emerson identifica os seguintes termos: cidadania corporativa,corporate accountability, negcios ticos, e sustentabilidade. RSC temtambm a ver com empresas e lderes empresariais que integramconscientemente estratgias que criam valor ambiental e social nomago de seus modelos negociais principais, em suas operaes ecadeias de suprimentos.

    Emerson empresta a definio do Governo Ingls para descreverEmpreendimentos Sociais como um conjunto de organizaes,perseguidoras de lucro ou no, que priorizam os objetivos sociais ecujos supervits so principalmente reinvestidos para esse mesmopropsito em negcios ou na comunidade ao invs de serem dirigidospara a necessidade de maximizar o lucro de acionistas e proprietrios.

    Como Investimento Social ele denomina aquele investimentoque busca gerar retornos e valor ambiental ou social e financeiro.Emerson ainda subdivide Investimentos Sociais em duas categorias,a saber: Investimentos Socialmente Responsveis (SRI), eInvestimentos Comunitrios e Double Bottom Line Investing. Oobjetivo dos SRI obter retornos financeiros plenos a taxas demercado, com alguns componentes de valores sociais e/ ou ambientais.Para Emerson, Investimento Comunitrio acontece atravs deestratgias focadas geograficamente.

    Emerson define Filantropia Estratgica / Efetiva como umagrande variedade de prticas filantrpicas muitas das quais assentadasem tradicionais prticas de doao caritativa e outras que funcionamdentro de uma viso de investimento filantrpico que voltado para

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    a criao de valor social. Fundaes e outras formas de organizaoparalelas ao negcio principal ou core business de uma empresa /corporao tm sido algumas vezes utilizadas para promover taisprticas. Isso significa, de modo geral, manter negcios tradicionaiscom baixos nveis de sustentabilidade enquanto promovem um certoesverdeamento ou seja, passam um pouco de verniz socioambientaltentando melhorar a imagem associada a sua marca.

    Para Desenvolvimento Sustentvel (SD), Emerson repete asdefinies da WECD e do WBCSD afirmando que SD pode serdefinido como um silo de atividade que permeia os outros quatrosilos acima citados e conforme apresentados no Blended Value Map( www.haas.berkeley.edu/NEWS/cmr ).

    2. INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE

    As anlises realizadas atravs do uso de indicadores vmganhando peso nas metodologias utilizadas para resumir a informaode carter tcnico e cientfico, permitindo sua transmisso de formasinttica, desde que preservada a essncia da informao e utilizadasapenas as variveis que melhor servem os objetivos e no todas as quepodem ser medidas ou analisadas. A informao assim maisfacilmente utilizvel por tomadores de deciso, gestores, polticos,grupos de interesse ou pelo pblico em geral.

    A formulao de indicadores pressupe a disponibilidade deinformaes e dados confiveis e comparveis num determinadoperodo de tempo. Esse o principal desafio que se apresenta, ouseja, apontar caminhos para a identificao de parmetros confiveise comparveis no tempo para a averiguao do cumprimento e doprogresso das prticas de gesto sustentvel de maneira custo-efetiva.H grande variabilidade de tipos e qualidade de informaes quepodem impedir sua comparao, da ser necessrio identificar algunsparmetros comparveis, legitimados pelas partes interessadas econvenientes para o sistema em questo.

    No se pode deixar de mencionar que a utilizao de indicadorese ndices no uma abordagem pacfica. Sempre se recobre de alguma

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    controvrsia, em face das simplificaes que so efetuadas na aplicaodestas metodologias. As eventuais perdas (ou descontinuidade) deinformao tm constitudo um entrave adoo de formageneralizada e consensual dos sistemas de indicadores e ndices.

    Indicadores - parmetros selecionados e consideradosisoladamente ou combinados entre si, sendo de especial pertinnciapara refletir determinadas condies dos sistemas em anlise(normalmente so utilizados com pr-tratamento, isto , so efetuadostratamentos aos dados originais, tais como mdias aritmticas simples,percentuais, medianas, entre outros). Definidos, aceitos e inseridosnos processos de gesto de uma instituio (governos, empresas ououtras organizaes da sociedade civil) um dado conjunto deindicadores pode revelar a situao atual dessa instituio (e dapermitir compar-la com outras de mesma natureza) ou indicar suaevoluo em relao a sua prpria situao em algum momentoanterior.

    A origem da palavra indicador (do latim indicare) representa algoa salientar ou a revelar. Indicadores de qualidade do ar ou da gua,via de regra, baseiam-se num conjunto restrito de parmetrosintrinsecamente relevantes, mas que so tambm representativos doconjunto, de forma que alm de servirem para a mensurao eavaliao das concentraes de determinados poluentes no ambiente,comparao dos nveis detectados com os nveis consideradosaceitveis e avaliao de tendncias, fornecem evidncias ou pistasconfiveis da evoluo da qualidade ambiental, por exemplo.

    Indicadores para Relatrios (Reporting) e Indicadorespara ndices (ISE, por ex.)

    De natureza e finalidades distintas ambos devem ser precisos,repetitivos (chegam ao mesmo resultado caso se faa uma novaobservao do mesmo parmetro), reprodutveis (uma segunda pessoachega ao mesmo resultado fazendo sua observao independentementeda primeira), e estveis (sua preciso e reprodutibilidade nodeterioraro ao longo do tempo). A simplicidade (inteligvel para a

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    maioria das partes interessadas), consistncia (aplicvel maior partedas instituies) e comparabilidade (permite comparar o desempenhode diversas instituies) so tambm caractersticas desejveis numindicador ou num conjunto de indicadores de sustentabilidade.Finalmente, a seleo de um conjunto de indicadores deve passarpelo teste da utilidade (seu valor para o fim a que se destina) e suapraticabilidade (quo factvel ou possvel a observao de um dadoparmetro) o que inclui, entre outros fatores, sua complexidade,resistncias possveis (fator medo) e os custos envolvidos em suaobservao.

    Indicadores para Relatrio (Reporting)

    O conjunto de indicadores para relatrios mais antigo do Brasil aquele desenvolvido pelo IBASE (Instituto Brasileiro de AnlisesSociais e Econmicas) de preenchimento voluntrio para seusassociados e que pode, atualmente, conferir para as empresas queproduzirem seus Balanos Sociais segundo seu modelo, o SeloBalano Social Ibase (www.ibase.org.br). Criado em 1981 peloeconomista e socilogo Herbert de Sousa, o Betinho, o Ibase umainstituio de utilidade pblica federal, sem fins lucrativos, semvinculao religiosa e a partido poltico. Sua misso a construoda democracia, combatendo desigualdades e estimulando aparticipao cidad. Ele conta, desde 1997, com um banco de dadosde Balanos Sociais produzidos segundo seu conjunto de indicadorescomposto de dezenas das principais empresas do Brasil.

    O Instituto Ethos de Responsabilidade Social tambmdesenvolveu e coloca disposio da sociedade um conjunto deindicadores que permite s instituies realizarem em autodiagnsticode sua situao em termos de responsabilidade social bem como dmeios para a elaborao de um Balano Social. Os indicadores Ethosde Responsabilidade Social so uma ferramenta de uso essencialmenteinterno, que permite a avaliao da gesto no que diz respeito incorporao de prticas de responsabilidade social, alm doplanejamento de estratgias e do monitoramento do desempenho

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    geral da empresa (www.ethos.org.br ). Os indicadores abrangem ostemas Valores, Transparncia e Governana, Pblico Interno, MeioAmbiente, Fornecedores, Consumidores e Clientes, Comunidade eGoverno e Sociedade.

    Para comparar seus resultados com as melhores prticas deresponsabilidade social empresarial, a instituio deve enviar seusresultados ao Instituto Ethos. Os dados fornecidos pelas empresas eos relatrios de benchmarking elaborados pelo Instituto Ethos sotratados com a mxima confidencialidade. O Instituto Ethos estdesenvolvendo indicadores setoriais, sendo que para alguns setores jh indicadores especficos. A partir de 2004 est havendo um processode integrao dos Indicadores Ethos de RSE com iniciativas similaresde grande relevncia como o Pacto Global, as Metas do Milnio, asDiretrizes para Relatrios de Sustentabilidade do GRI (Global ReportingInitiative), com a Norma SA8000 (Social Accountability 8000) do SAI(Social Accountability International) e com a Norma AA1000(Accountability 1000) do ISEA (Institute of Social and EthicalAccountability). Em 2005 cerca de 600 das maiores empresas do Brasilenviaram seu autodiagnstico constando, portanto do Banco deDados do Instituto Ethos. A SA8000 a primeira norma voltadapara a melhoria das condies de trabalho, abrangendo os principaisdireitos dos trabalhadores e passvel de certificao quanto ao seucumprimento por meio de auditores independentes.

    GRI A JIA DA COROA

    Tendo lanado sua primeira verso em 2000, a Global ReportingInitiative (GRI) lanou em outubro de 2006 sua terceira verso,conhecida como G-3, dos indicadores para relatrios ou Balanos deSociais ou ainda mais precisamente Balanos de Sustentabilidade. Omodelo desenvolvido pelo GRI j , sem dvida, o padrointernacional para Balanos Sociais ou de Sustentabilidade. Asdiretrizes do GRI foram projetadas para incentivar o aprendizado e aresponsabilizao (accountability). O propsito do GRI fornecerum arcabouo para os relatrios de sustentabilidade que fortalea as

  • 52 Negcios sustentveis e seus indicadores RUBENS MAZON

    ligaes entre os aspectos ambientais, econmicos e sociais dodesempenho de uma instituio / empresa / corporao.

    Da mesma maneira que os relatrios financeiros, o GRIidentificou e incorporou uma srie de caractersticas qualitativas quefortalecem a credibilidade dos dados que so reportados, a saber: Relevncia para grupos de usurios com necessidades e

    expectativas diversas; Confiabilidade livre de bias e erros materiais; Inteligibilidade para usurios informados; Comparabilidade para possibilitar monitoramento e

    benchmarking; Temporalidade para identificar tendncias e resultados de forma

    expedita; Verificvel fortalecer a credibilidade da informao reportada.

    Pode-se afirmar que estamos vendo o emergir de uma nova eraem responsabilizao e relatrios corporativos com a utilizao dessearcabouo que permite avaliar o seu desempenho econmico, sociale ambiental as trs dimenses da sustentabilidade. A grande chavedo sucesso e aceitao mundial do GRI est no seu processo degerao, validao e legitimao dos indicadores a partir de umconsenso mundial com os mais diversos stakeholders, inclusive noBrasil (www.globalreporting.org ).

    Indicadores para ndices (de Sustentabilidade)

    Neste grupo encontram-se os indicadores componentes dosndices utilizados pelas instituies financeiras especialmente as domercado de capitais como as Bolsas de Valores de So Paulo (ISE), ade Nova York (DJSI), a de Londres (FTSE4good) e a da frica do Sul(JSE). Diferentemente dos indicadores para relatrios, onde h semprea possibilidade de se colocar notas explicativas quando algum aspectodeixar pontos de dvida, os indicadores do ISE, por exemplo, socompletamente objetivos pois devem ser relatados ou respondidosindependentemente - via eletrnica, no havendo portantopossibilidade de dubiedades ou notas explicativas.

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    Vale ressaltar que tambm no ISE, como no GRI, o processode construo dos indicadores no prescindiu de ampla consulta aosmais diversos grupos de interesse (stakeholders) que os validaram elegitimaram. muito importante notar tambm que os indicadoresso dinmicos, devendo ser revistos e atualizados periodicamente vistoque tratam de questes ligadas a avanos socioambientais e de aspectoseconmico-financeiros cuja natureza e amplitude ainda esto sendocompreendidas e assimiladas pelas empresas. O ISE, lanado no finalde 2005 j est revisto, e as empresas candidatas ao portflio de2006 das empresas mais sustentveis do Brasil j esto preenchendoum novo questionrio com os indicadores que compe este ndice(www.bovespa.com.br/pdf/indices/ISE ).

    ndices de Sustentabilidade no Mundo

    Mantendo a liderana em ndices, a Dow Jones foi o primeirogrande grupo do setor a incorporar sustentabilidade aos seus produtos.O ndice Dow Jones de Sustentabilidade (Dow Jones Sustainability Index- DJSI) foi lanado em 1999 pela Dow Jones Indexes e a SAM(Sustainable Asset Management), gestora de recursos da Suaespecializada em empresas comprometidas com responsabilidadesocial, ambiental e cultural. O ndice, que acompanha a performancefinanceira de empresas consideradas lderes no campo dodesenvolvimento sustentvel, incluiu 318 empresas de 24 pases naedio referente ao perodo 2004-2005. A seleo das companhiasparticipantes do ndice feita a partir de um amplo questionrioelaborado pela SAM centrado nos aspectos de desempenho ambiental,inovao, governana corporativa, relaes com investidores ecomunidade em geral. O DJSI utiliza uma metodologia conhecidacomo Best in Class atravs da qual so selecionadas as empresas commelhor desempenho em cada um dos setores econmicos, excluindo-se apenas empresas do setor de defesa, com faturamento acima de50% oriundo da venda de armas (www.sustainability-indexes.com ).

    Acompanhando de perto a experincia americana, a Bolsa deLondres e o Financial Times lanaram o FTSE4Good (www.ftse.com/

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    ftse4good/ ) em 2001. A srie, composta por quatro ndices, foidesenvolvida pela empresa de pesquisa EIRIS e mede o desempenhode empresas na Inglaterra, Europa, Amrica e resto do mundoutilizando critrios que envolvem meio ambiente, direitos humanose engajamento de stakeholders definidos pelo ndice. Nesse ndiceentram apenas empresas que atendam certas medidas pr-estabelecidasde boas prticas quanto a questes ambientais, sociais e humanitrias.O FTSE4Good exclui as indstrias blica, nuclear e tabagista.

    A frica do Sul foi o primeiro mercado emergente a incorporara sustentabilidade em seu mercado de aes. A Bolsa de Valores deJohannesburg (Johannesburg Stock Exchange - JSE) lanou em 2003 seundice SRI ( www.jse.co.za/sri ), inspirando-se fortemente noFTSE4Good Index. A maior diferena entre os dois ndices que aJSE no exclui empresas como dos setores de tabaco, lcool, jogosde azar, etc. Em vez de exclu-las, o JSE categoriza estas empresascomo de alto impacto. O rating feito a partir de critrios sociais,econmicos, ambientais e de governana corporativa. Cada categoria subdividida em poltica, gerenciamento, desempenho, e reporting.Consulta pblica e alguns critrios so considerados basilares e,portanto, a empresa deve necessariamente pontuar nestas categoriaspara ser includa no ranking do JSE.

    3. OS SEIS (6) PILARES DO ISE(NDICE DE SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL DA BOVESPA)

    Alm de credibilidade, diversidade o outro elementofundamental para o mercado de aes. Diversidade essencial, poisinvestidores tm necessidades variadas e na busca contnua dedesenvolvimento, a possibilidade de incluir elementos que venham adepurar riscos e maximizar retornos sempre bem-vinda.

    A histria moderna da incorporao de princpios desustentabilidade ao mercado de aes remonta aos anos 60. Aefervescente dcada recheada de protestos e bero da chamadacontracultura foi tambm terreno frtil para que a tica associada aomercado de aes fosse questionada. Conceitos como

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    responsabilidade social corporativa e prestao de contas sociedadeou a atores especficos (accountability) tiveram a sua origem, embaladospelas discusses sobre a Guerra no Vietn, a luta pelos direitos civisnos EUA e igualdade de direitos das mulheres. Estes temas foramampliados nos anos 70, com as discusses sobre as condies e outrasquestes laborais e dos protestos anti-nucleares.

    O mercado potencial para investimentos socialmenteresponsveis ampliou-se durante os anos 80 e 90, catalisado por umacrescente presena de temas como racismo na frica do Sul e grandesacidentes ambientais como o de Bhopal na ndia, Chernobyl na antigaUnio Sovitica e Exxon Valdez no Mar do Norte. Esses desastresecolgicos, como mudana climtica global e degradao da camadade oznio trouxeram o meio ambiente para o centro das discusses eo mercado de aes no ficou imune a elas.

    Em 1997, os investimentos que levam em considerao critriosscias e ambientais, chamados de Socially Responsible Investing (SRI),acumulavam um total de US$ 1 trilho de dlares. Com o lanamentodos ndices DJSI (1999) e FTSE4good (2001) e o licenciamentocrescente de produtos atrelados a eles, em 2003 j eram contabilizados200 Fundos SRI, produtos desenhados para investidores modernoscom os mais variados perfis. Encontra-se a desde fundos ticos ereligiosos, como fundos com bases tcnicas de ltima gerao atraindomais de US$ 2.3 trilhes em aplicaes.

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    A experincia brasileira com Investimentos SocialmenteResponsveis (SRI) teve incio em janeiro de 2001, quando oUnibanco lanou o primeiro servio de pesquisa para fundos verdes.Os relatrios dessas pesquisas, que apresentavam informaes sociaise ambientais de empresas listadas na BOVESPA, eram enviadosexclusivamente para fundos socialmente responsveis (SRI) no exterior.No final de 2001, o Banco Real ABN Amro lanou os Fundos EthicalFIA, primeiros dois fundos SRI em mercados emergentes. De l athoje, o Ethical I, dirigido ao varejo, apresenta um desempenho de148% contra 116% do Ibovespa para o mesmo perodo. Em 2004,o Banco Ita lanou o Ita Excelncia Social, com foco especficoem desempenho na rea de responsabilidade social corporativa.

    A partir deste momento, questes como performancesocioambiental, transparncia e governana corporativa passaram afazer parte do vocabulrio de alguns gestores brasileiros que,

    Fonte: First Affirmative Financial Network, LLC

    $ 4 4 5

    $1,232

    $1,429

    $1,702

    $ 6 5 2 $ 6 5 7

    $ 3 0 5

    $ 7 $ 8 4

    $ 2 6 5

    $ 6 6 1

    $ 4 4 1

    $ 4 $ 5 $ 8 $ 1 4

    $1,185

    $2,343

    $2,159 $2,164

    2 0 0 32 0 0 11 9 9 91 9 9 7$2,500

    $1,500

    $500

    Advocacy OnlyScreening Only Screening &Advocacy

    CommunityInvesting

    Total

  • ORGANIZAES SUSTENTVEIS: Utopias e inovaes 57

    anteriormente encarariam estes temas como excesso de romantismo.As crises ticas enfrentadas por gigantes internacionais como Enron eWorldCom mostraram a fragilidade de demonstrativos financeiros eauditores independentes na ausncia de governana e transparncia,o que alavancou ainda mais o setor de SRI.

    A liderana de protagonistas como a Associao dos Analistas eProfissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (APIMEC)incentivando o debate sobre sustentabilidade no mercado de capitaisfoi fundamental para que analistas de investimentos cada vez maisampliassem o escopo de suas anlises. O quadro formado por esteselementos no deixa dvidas sobre o estgio de amadurecimento dosetor financeiro e empresarial no Brasil, que conta ainda com umslido apoio de organizaes da sociedade civil que atuam na rea definanas sustentveis e responsabilidade corporativa.

    Conectada aos grandes movimentos de segmentao nosmercados internacionais, a BOVESPA lanou o Novo Mercado e aprimeira bolsa a unir-se aos signatrios do Pacto Global das NaesUnidas. Como parte deste processo, e instigada pelo setor financeiroprivado que carecia de um benchmark para os novos fundos SRI, aBovespa props a criao de um grupo de trabalho (GT) para aelaborao de um ndice de sustentabilidade. Esse GT multi-stakeholder constituiu-se inicialmente de representantes de instituiesprotagonistas em temas relativos Responsabilidade Corporativa(RSC), Governana Corporativa (GC), Meio Ambiente e Mercadode Capitais. Mais tarde, com apoio financeiro do IFC (InternationalFinance Corporation), brao privado do Banco Mundial, esse GTacompanhou e validou os trabalhos do CES (Centro de Estudos emSustentabilidade) da FGV-EAESP entidade contratada para elaborare implantar a metodologia de clculo do ISE. Com a implantaodo ndice, o GT foi ento transformado no Conselho Deliberativodo ISE (CISE).

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    Metodologia

    No houve excluso sumria de setores econmicos no ndice.Na primeira e nica - vez em que o CISE (Conselho do ndice deSustentabilidade Empresarial) da BOVESPA deliberou sobre este temafoi decidido, pela maioria de se