Utopias de Cidade- As Capitais Do Modernismo - Helena Bomeny

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Utopias de Cidade- As Capitais Do Modernismo - Helena Bomeny

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  • 7 Utopias de cidade: as capitais

    do modernismo

    Helena Bomeny *

    M ais do que referncia h istoriogrfica, os anos JK acabaram se transformando em uma expresso popular no Brasi l . Tempo de cul tura, do teatro de revista, dos bailes e do otimismo ao redor de uma idia de nao, os "anos dourados", fonte de nostalgia, inspiraram at seriados de Tv. A recupe-

    . rao dessa magia no senso comum atravs de idias soltas, frases irrefletidas, e mesmo convices sobre aquele momento uma estratgia interessante, quando queremos retomar dimenses de projetos que se integraram vida nacional. O prprio fato de encontrarmos d isponvel um inventrio de lembranas indicativo da importncia que toda a sociedade atribui quela conjuntura. Os anos JK certamente t iveram esse privilgio na cul tura brasileira. Passaram para a memria social como expresso de l iberdade, de h umor, de florescimento cultural, de desenvolvimento nacional, de democracia. Tempos de boa recordao - a despeito de todas as acusaes que envolveram o acelerado processo inflacionrio -, especialmente pelo que a eles se seguiu, com o cerceamento da liberdade poltica e intelectual decorrente do autori-

    Pesquisadora do Cpdoc/FGV e professora titular do Departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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    tarismo imposto ao Brasil e a outros pases da Amrica Latina pelos sucessivos golpes militares de direita. Os anos sombrios da ditadura acabaram realando, por contraste, o brilho dos anos JK.

    No entanto, faz parte da imaginao sociolgica suspeitar no s do senso comum, como dos discursos racionais, tericos, formuladores e justificadores de projetos e prticas sociais. Do senso comum, porque a coerncia das frases irrefletidas acaba sendo resultado de atribuio conferida pelos sujeitos ao sabor de suas vontades particulares, interesses parciais e lgicas de convenincia. Dos discursos, porque na maioria das vezes seu compromisso com a coerncia sacrifica a compreenso de que a prpria coerncia de modelos implica tenses, obrigando-nos a repensar o pressuposto da harmonia e do consenso tericos. Ou seja, limita-nos o entendimento de que o conjunto articulado de categorias est sujeito aos efeitos de conseqncias no antecipadas. Ao primeiro apelo, s atribuies do senso comum, as anlises acadmicas respondem com contrafaces crticas, alm da formulao de questes que se destinam a embaraar o que vulgarmente se tem como alinhado. Quanto ao discurso terico, as anlises mais empricas podem contribuir para problematiz-Io. As observaes sobre as capitais tm, nesse texto, essa inteno de depuramento conceitual.

    As anlises contidas neste livro fundamentam em dimenses distintas o sentido dessas linhas de memria, relativizando-as, contrapondo-as a laterais outras que no as de otimismo ou fortalecendo-as de acordo com as exigncias do procedimento acadmico. Este texto retoma uma das chamadas do senso comum a respeito dos anos JK. OS simblicos "50 anos em cinco" tiveram uma cidade como materializao histrica: Braslia, a capital inaugurada em 2 1 de abril de 1 960. Simboliza essa cidade o tom que o presidente da Repblica imprimiria ao pas - dinamismo, coragem, tenacidade, pioneirismo desbravador e audcia -, fruto da vontade poltica associada ao esprito de aventura. As imagens de poca so fonte privilegiada de alimento a esse conjunto de valores. JK se misturava aos candangos, empoeirava-se, inspirava letras de msica, estimulava socialmente o sonho que se tornara seu da ousadia do desenho arquitetnico moderno. possvel ultrapassar barreiras se a bssola da ao poltica so a vontade e a crena na utopia.

    Em sua utopia, Braslia faria a ponte entre o projeto moderno de Juscelino Kubitschek de Oliveira e o modernismo mineiro dos anos 1 920. Foi daquela gerao de intelectuais mineiros que saram expoentes da burocracia nacio-

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    nal como Gustavo Capanema, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, que tiveram no Estado ps-30 oportunidade nica de institucionalizao da experincia vanguardista, tudo com o beneplcito do Estado varguista. Nunca demais lembrar que por indicao de Rodrigo Melo Franco de Andrade ao ento titular da pasta da Educao em 1 93 1 , Francisco Campos (outro mineiro) , que o arquiteto Lcio Costa entra em contato com projetos que seriam desenvolvidos pelo Estado, e que seriam por ele, Lcio Costa, assinados. E Oscar Niemeyer deixa marcada sua presena nos projetos desenvolvidos pelo Estado atravs de um convite que lhe foi feito pelo ento ministro da Educao, Gustavo Capanema, em uma gesto iniciada em 1 934. A cidade-capital, construda nos anos 1 950 com as l inhas da arquitetura moderna, nos leva de volta s heranas de Minas Gerais que, traduzidas no final do sculo com a construo de Belo Horizonte, ganham com JK frum nacional. O discurso dos republicanos mineiros a respeito da mudana da capital do estado no final do sculo passado e a mstica do "economismo" que caracterizou o governo do republicano histrico Joo Pinheiro na primeira dcada do sculo XX tm sua atualizao e dimenso nacional com a construo de Braslia, e com a consagrao da mstica do "desenvolvimentismo" de JK. Em outras palavras, a utopia urbana concebida no sonho de Braslia nos traz de volta a modernidade/mineiridade de JK. 1

    Ainda do inventrio do senso comum, preciso sal ientar outras ligaes. JK cumpriria uma profecia de indiscutvel fora na recuperao de uma tradio histrica e poltica. Ele faria, com uma habilidade incomum, a ponte entre o velho e o novo Brasil. Seus "50 anos em cinco", de que a construo de Braslia paradigma, incorporariam o folclore do Peixe vivo do acervo cultural da Diamantina mineira, sustentando uma frmula, nem sempre observada, segundo a qual cultura se faz pela incorporao, e no pela recusa da tradio. possvel que essa frmula tenha sido responsvel pela permanncia lendria da idia de estabilidade do governo e da era JK. Aos analistas no escapou esse tra de Juscelino Kubitschek de uma habilidade que se estendia rbita das conexes partidrias, das relaes internacionais , e do cruzamento de foras conservadoras com demandas da oposio.2

    I Para uma leitura sociolgica da mineiridade na perspectiva que estou propondo neste captulo, ver Bomeny, 1991. Z Ver, entre outros, Lafer, 1970; Benevides, 1976; e Nunes, 1984.

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    Mas Juscelino selaria o conjunto de atributos, a ele conferido pelo imaginrio cultu ral, com a criao da nova capital do pas. Braslia viria como "metasntese" das 30 metas iniciais com as quais acenava para a nao em campanha eleitoral . Em suas memrias, JK atribui ao projeto da capital um acaso poltico no episdico comcio de Jata, quando respondia a um virtual eleitor goiano que o inquiria sobre o cumprimento da prome's sa de observar na ntegra a Constituio. Um dos itens da Constituio dizia respeito transferncia da capital da Repblica para o planalto goiano. ''Acabo de prometer que cumprirei, na ntegra, a Constituio, e no vejo razo para ignorar esse dispositivo. Durante o meu qinqnio, farei a mudana da sede do governo e construirei a nova capital", respondia JK ao aparteante.3 A nova capital daria forma ao grande projeto de integrar o pas ao mundo moderno em suas linhas leves e flu tu antes que, nas palavras de Niemeyer, manteriam "os palcios como que suspensos, leves e brancos, nas noites sem fim do Planalto".4 O aparteante goiano ganhava a tonalidade de uma fala encomendada, pois parece haver uma sintonia indiscutvel entre o ideal desenvolvimentista de JK e a marca urbana de uma cidade voltada para o futuro, planej ada para um tempo infinito em suas linhas retas e seu traado racional.

    Prefeito de Belo Horizonte entre 1940 e 1945, Juscelino Kubitschek d mostras de sua afinidade com projetos urbansticos ousados e modernos, deixando sua marca na construo do bairro da Pampulha. JK encomenda ao arquiteto Oscar Niemeyer um projeto para a construo nesse bairro de uma rea de lazer de luxo compreendendo um clube nutico com cassino, sala de dana e uma capela. J naquele experimento ficaria marcada a ruptura ou a "l iberao" de Niemeyer da influncia de Le Corbusier e da arquitetura "ortogonal" do movimento moderno.s Esse ensaio de ruptura traduziu-se mais tarde em outro ponto de mediao que fortaleceria o projeto JK. O plano "ortogonal" de Lcio Costa para Braslia acolheria as "curvas" de Niemeyer, ou seja, ao modelo racionalista do desenho u rbano misturavam-se a monumentalidade e a exploso dinmica dos volumes maneira de Niemeyer, o que vale dizer, a dimenso barroca do arquiteto moderno.6 Mrio Pedrosa se

    3 Citao extrada de Nosso sculo, 1945-1960 (1980:207). 4 Idem. 5 Ver a interessante anlise de Durand, 1991. As ligaes de Le Corbusier com o Brasil esto registradas em uma extensa correspondncia publicada em SantOs, 1987, Agradeo aLicia Valadares a oportunidade de conhecer essa obra, 6 Cf. Coelho, 1991.

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    refere assim a esta particularidade de Niemeyer: "As velhas igrejas barrocas de Minas tm algum sentido no amor de Niemeyer pela forma curva",7 A conexo Pampulha/Braslia estreitaria os nexos entre os dois tempos do modernismo mineiro. Mais do que esta singularidade, firmaria a importncia do modernismo mineiro no estabelecimento de polticas arquitetnicas no Brasil.

    A ut?pia da sociedade moderna enraizada na utopia de uma cidade moderna vinha de antes: datava, como registro, da Constituio de 1891. Mas desde muito antes o d istante serto de Gois entrara na cogitao de Francisco Adolfo de Varnhagen, historiador e diplomata nascido em So Paulo, depois tornado Visconde de Porto Seguro, que trabalhou com afinco sobre a idia de fundar a nova capital no planalto central do pas. Era uma alternativa possvel e atraente a de ligar a nao pelo interior. A retomada no sculo XIX fortalecia uma tradio mtica de sculos anteriores, de resplandecimento, de imagens paradisacas que a regio voluptuosamente oferecia por meio de seus rios, lagoas e florestas selvagens. O Planalto Central, alm da mtica tradio, era lembrado como ponto estratgico para a nova capital pela possibilidade de unificar o pas de disperso e dimenses continentais.

    Estudos sobre a transferncia da capital recuperam da historiografia, dos relatos dos viajantes e dos discursos parlamentares os momentos em que mais calorosamente travou-se o debate, alm de resgatar os argumentos uti l izados para justificar o projeto. Desde 1750, a mudana da capital do Brasil para o interior foi objeto de lentos, exaustivos e repetidos debates e decises. Bencio Schmidt sintetiza os passos mais notveis desse trajeto.8 Antes mesmo da mudana da capital de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, a preocupao com a interiorizao do pas estava j registrada. Na agenda dos inconfidentes mineiros a idia da nova capital se l igava utopia revolucionria de independncia e autonomia frente Corte portuguesa. Legitimava-se tambm pelo ideal civilizatrio de el evao dos padres educacionais e de riqueza da nao.

    Aos motivos e ideais revolucionrios acrescia-se um conjunto de argumentos polticos de forte impacto. A referncia aqui so os trabalhos de Varnhagen, especialmente A questo da capital: martima ou interio r?, publicado em 1877. No centro das preocupaes, subl inhava-se a vulnerabil idade do l itoral em face de possveis invases estrangeiras. As capitais seguras deveriam estar localizadas ao longo dos rios, e no nas costas martimas .9 Contra o

    7 Pedrosa. 1981:263. 8 Schmidt. 1981. 9 Ibid.

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    Rio de Janeiro, mais esse argumento imbatvel! Havia outros ainda. Tambm o clima tropical ampliava o leque de inconvenincias que o ento Distrito Federal exibia ao pas. E no bastassem esses dois argumentos to definitivos e impactantes contra o Rio de Janeiro, tinha ainda a capital federal que se explicar d iante da nao pela imagem negativa com que aparecia aos olhos do pas.

    Os republicanos de 1889 tinham razes de sobra para a retomada do mito paradisaco de uma capital interiorana. Uma delas era a imagem de turbulncia e incontida irreverncia da capital do pas, o irrefrevel e moralmente suspeito ambiente urbano do Rio de Janeiro, de permanente agitao e desobedincia de uma populao incontida, desordenada e agitada. 10 O sculo XIX, da cincia e da higiene, do progresso e da indstria, da Repblica e da razo, olhava com suspeita o desordenamento do Distrito Federal , desconfiando tambm dos limites impostos pela obscura e barroca Ouro Preto.

    A Repblica tratou de registrar a utopia em sua primeira Constituio, e Minas Gerais cuidou de lhe dar concretude com a criao de Belo Horizonte em 1897, cidade filha nica da Repblica proclamada em 1889. A estrada que l iga Belo Horizonte a Braslia tambm aquela que liga dois tempos modernistas a uma origem comum. Recuperar Braslia, portanto, no s recuperar a utopia de uma sociedade moderna, mas tambm retomar da realizao moderna razes de uma tradio mais antiga que se atualiza em leituras e projetos posteriores, mantendo acesa a suspeita de que so inesperados, confl itivos, e por vezes anteriores os traados arquitetnicos da modernidade. I I

    As cidades-irms no modernismo

    Belo Horizonte e Brasl ia transformaram-se em bons pretextos para anl ises e interpretaes sobre o universo urbano produzidas no Brasil e no exte-

    \O Vem crescendo na produo intelectual o nmero de trabalhos sobre a cidade do Rio de Janeiro, especialmente as interpretaes que cuidam da imagem, freqentemente negativa, com que a cidade-capital era identificada. Ver, entre outros: Carvalho, 1987. 11 A ligao entre as cidades de Belo Horizonte e Braslia tem j lugar consagrado na produo intelectual sobre cidades. So visveis e bvias as associaes. Duas cidades planejadas e pensadas segundo critrios modernos de arquitetura urbanstica; duas cidades criadas para serem capitais; especialmente, duas cidades concebidas a partir de Minas Gerais. Em certo sentido, Belo Horizonte acaba sendo um experimento que fortaleceria a concretizao da outra aventura urbana tempos mais tarde, com Braslia.

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    rior. O catlogo de teses sobre cidades tem, em um de seus captulos, um conjunto de reflexes sobre esses experimentos urbanos modernos. Uma aval iao superficial do conjunto chama a ateno para a convergncia no s de um apelo interpretativo marcado por uma espcie de desapontamento, como para a recorrncia de nfase na categoria espao como ponto irradiador de incurses antropolgicas, sociolgicas e polticas.1z Das teses sobre Braslia, uma em especial me chamou a ateno por um dos argumentos do autor que se afina, a meu ver, com as l inhas dessa reflexo. Trata-se da obra de James Holston, The m odernist city: architectu re, p olitics, and society in Brasilia.13 Holston acompanha de forma minuciosa e densa o processo de realizao histrica da "utopia igualitria" que motivou e fundamentou ideologicamente o projeto dos modernistas para a construo de Braslia. O estudo que fez das transformaes por que passou a cidade mostrou que seus idealizadores estavam motivados pela inteno de criar um sistema igualitrio de relaes de propriedade e de distribuio dos servios e vantagens na nova capital. No entanto, o traado arquitetnico que retirava da vida urbana o trajeto pelas ruas, o espao pblico das ruas, o encontro dos desiguais em um espao democrtico que a rua historicamente representa, enfim, nas palavras do autor, "the death of the street revealed fundamental contradictions between the architettu ral forms of the m odernist city and its egalitarian intentions" .14 Braslia acabaria sendo prova de uma dupla traio. Nem corresponderia a uma cidade que, desordenada mas gradativamente, ia encontrando suas formas prprias e familiares de estruturar uma tradio, nem corresponderia ao que os arquitetos haviam imaginado. A prpria concepo do projeto moderno adultera, e at repudia, valores convencionais a respeito das cidades, concepes tradicionais sobre a vida urbana. O plano de funcionalidade e de rompimento de hbitos pessoais e associaes coletivas acaba engrossando o rol d os desapontamentos d os seus habitantes. Os depoimentos recolhidos da primeira gerao de brasil ienses

    1Z Da listagem de teses defendidas sobre o Brasil urbano, algumas lembranas podem ser ilustrativas. Cf. Caffozza, 1984; Gonzales, 1979; Campos, 1988; Iwakami, 1988; Paviani, 1977. Outros ttulos na mesma direo podem ser encontrados em 1001 leses sobre o Brasil urbano. Callogo bibliogrfico 1940-1989 (Rio de Janeiro, Iuperj/Anpur-Urbandata, 1991). Alm das teses, os artigos nacionais e estrangeiros so uma amostra curiosa de como, atravs da categoria espao, se articulam as interpretaes de cunho sociolgico, antropolgico e poltico. 13 Holston, 1986. Uma verso mais condensada desse trabalho foi publicada como artigo no Anurio Antropolgico do Museu Naci011al. Ver Holston, 1980. 14 Holston, 1980:434.

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    conduziram o autor interpretao de que a u topia moderna teria sucumbido em u ma espcie de efeito perverso, revelando-se no seu oposto.

    What they rejer.ted in the dtys design was its negation of familiar pattem.\" of urban li/e. (...) they r:onsidered that the standardizafon of residentia/ anhitetture produred anonymity among residents, not "eqllality" as intmded. 15

    James Holston nos traz de volta um tema j clssico no pensamento sociolgico. A cidade ocidental moderna marca historicamente a primeira experincia de " igualdade" no sentido em que garante em seu traado pblico a manifes tao das d iferenas econmicas, dos esti los sociais e das convices pol ticas, alm de ser o espao legtimo da competit ividade entre os indivduos . no espao urbano que ganha universalidade o sentido da cidadania. na cidade portanto que se discute, se cri tica e se vivencia a experincia da modernidade.

    Das mltiplas e nem sempre sonantes expresses da modernidade, a cidade condensa em seu espao a soma dos paradoxos, das representaes mentais, das estruturas de relaes sociais, jurdicas e polticas referidas ao universo tpico do mundo moderno. O tema da cidade esteve desde sempre associado construo da sociedade moderna, ainda que no seja ele restrito ao cenrio das sociedades modernas. Es ta referncia sociolgica tem sua contrapartida na teoria, e a tipologia weberiana, por exemplo, constri-se exatamente no contraste entre experincias distintas: cidades orient ais e cidades ocidentais so pares importantes no conjunto do pensamento sobre cidade . So exemplares porque dizem respeito ao maior ou menor grau de desenvolvimento tecnolgico, de racionalizao das relaes jurdicas, e do grau de autonomia e universalidade no estabelecimento do pacto regulador das transaes urbanas, nos campos de atividade prprios do mundo do mercado burgus. Os textos clssicos sobre cidade nos lembram sempre a categoria cidade antiga, j consagrada na l iteratura por Rlstel de Coulanges, referncia de onde se construiu a antinomia tambm clssica na literatura sociolgica entre cidade antiga e cidade moderna. Assim, se a plis grega de um lado nos lembra o ideal de democracia no exerccio da cidadania, de outro nos remete a u m universo de vida urbana ainda movido segundo regras prprias de LIma cidade pequena, em certo sentido distanciada do ideal universalista, impes-

    l'i Holsron, 1980:432.

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    soaI e annimo das grandes metrpoles individualistas modernas.16 A plis grega no se inclui no ideal " igualitrio" que presidiria o projeto poltico das cidades ocidentais caracterizadas como espao pblico de exerccio da cidadania. O ideal de cidade moderna constri-se sobre um princpio de autonomizao de relaes, e inclusive no fato de que seu habitante um homem que no s , upre suas necessidades com o cultivo prprio. Por essa razo, a extenso das vantagens urbanas aos cidados e o acesso dos indivduos aos mltiplos bens e servios da cidade, mais do que ideologia, so pr-requisitos realizao da moderna concepo de cidade ocidental. O mercado, o intercmbio regular, a racionalizao de procedimentos so dimenses importantes integrativas ao moderno conceito de cidade e, por extenso, prpria concepo de modernidade.

    Tendo em mente essa referncia, possvel concordar com a afirmao de Mrio Pedrosa de que Braslia seria o produto "mais acabado de uma poca prevista pelo historiador Henri Pirenne, que viria coroar a evoluo dessa entidade histrica que a cidade, desde a plis grega e a comuna medieval" . 17 Pedrosa est se referindo ao fenmeno histrico de poder ser a cidade produto de "um fato da natureza" ou da interveno da agncia humana com o planejamento e a construo. Braslia comporia a "poca mais avanada" na qual, atravs do mtodo, o homem avana sobre o controle da natureza, marcando-a, redefinindo-a com paisagem inteiramente nova, objeto da criao humana, malgrado as desvan tagens de cl ima e de solo. Uma deciso do esprito de empreendimento que registra na paisagem virgem a mo do homem.

    Braslia seria portanto exemplo de uma moderna concepo de cidade naquilo que tal concepo corresponde intencional idade racional do homem na sua relao com a natureza. A moderna cidade ocidental, no entanto, chega tambm estatura de conceito sociolgico por outras injunes, que em certo sentido guardam correspondncia com a dimenso acima sublinhada. A concepo moderna de cidade esteve comprometida com o ideal da burguesia de criar um cdigo racional de administrao que, atravessando fronteiras, l igasse cidados em torno de princpios universais que os igualassem juridicamente como cidados na relao uns com os outros, e no atravs da mediao das castas, cls ou grupos. A capacidade da burguesia de constru ir

    16 Simmel, 1979. 17 Pedrosa, 1981 :345.

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    relaes inteiramente novas e independentes das estruturas vigentes de dominao fez com que Max Weber se referisse relao de dominao que da resultou como dominao ilegtima, ou seja, fora da constelao de legitimidade definida segundo a estrutura de poder vigente. Esta a particularidade da cultura ocidental, e a novidade que a cidade medieval apresenta como acontecimento nico. A cidade moderna exprime de forma paradigmtica a mudana que se opera no mundo das relaes sociais na direo do ind ividualismo, da racionalizao, da diferenciao do universo das profisses, da abertura de caminhos e interaes econmicas, sociais e polticas.

    Portanto, dizer que os homens que estiveram s voltas com um projeto modernizador retomaram o cenrio da cidade dizer quase o bvio, dada a vinculao estreita que as tradies intelectual e poltica revelam entre modernidade e ambiente urbano. Os polticos do final do sculo XIX foram por certo testemunhas vivas e artfices desta vinculao. As reformas urbanas a que procederam entraram em nossa memria social como projetos de repercusso aguda. Cidades so expresso de estgios de modernidade. Se sujas, sinuosas, apertadas, em caracis (e por que no dizer barrocas?) , revelam o quo distantes podem estar do ideal de infinitude e universalismo prprio dos centros metropolitanos. O rationale das reformas encontrava repouso e reforo no prprio senso comum, na medida em que recorrentemente se estabelecem correspondncias entre estrutura urbana e grau de modernidade. E os exemplos de grandes reformas ocuparam significativo espao na literatura. A Viena dos arquitetos Sittee e Wagner, a Paris de Haussmann, a So Petersburgo de Pedro, o Grande, e a Amsterd de Berlage so famosas experincias de vanguarda realizadas graas ao envolvimento macio do setor pblico.18 So ainda as nobres ante-salas daqueles ensaios reformadores e modernistas do Terceiro Mundo em que se incluem o Rio de Janeiro de Pereira Passos, a Belo Horizonte de Aaro Reis, e a nova capital do Brasil , Braslia, de Lcio Costa e Oscar Niemeyer. Esses exemplos tm-se constitudo em motivos de anlises comparativas entre verses que disputaram a primazia no estabelecimento de projetos para a sociedade moderna. Em alguma dimenso ambicionaram emparelhar-se aos clssicos exemplos de Paris, Londres, Nova York, Berlim, Viena e So Petersburgo, caixas de ressonncia de espetculo e pobreza, de liberdade e anomia, centros irradiadores de poltica, economia e cultura.

    18 Cf. Schorske, 1988; e Berman, 1986.

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    A associao entre construo/reconstruo urbana e modernizao prossegue em anlises mais contemporneas. Marshall Berman se refere construo de So Petersburgo como "o exemplo mais dramtico, na histria mund ial, de modernizao draconiana concebida e imposta".19 Uma cidade que deveria funcionar como uma "janela para a Europa", descartando Moscou como capital , com todos os seus sculos de tradio e aura religiosa, So Petersburgo foi plnejada, projetada e organizada inteiramente por arquitetos e engenheiros estrangeiros vindos da Inglaterra, Frana, Pases Baixos e Itl ia. Seu desenho era geomtrico e retilneo, "padro de planejamento urbano ocidental desde a Renascena, porm sem precedentes na Rssia, cujas cidades eram aglomeraes, sem qualquer planejamento, de ruas medievais, tortas e sinuosas".20

    Angl Rama tambm se ocupou com o tema das cidades, agora no contexto latino-americano. O sonho de razo que embalou as iniciativas de modernizao urbana teve sua traduo no Brasil com nossas duas cidades planejadas, e por isso Belo Horizonte teria funcionado como experimento mental e histrico da realizao futura da Braslia de Juscelino Kubitschek. A mudana da capital do estado de Minas Gerais com a construo de Belo Horizonte mobilizou os republicanos mineiros do final do sculo XIX. Entre os polticos que defendiam a mudana da capital encontramos Joo Pinheiro com o projeto de modernizar e industrializar Minas Gerais, centralizando racionalmente sua administrao e unificando poltica e culturalmente o estado, marcado pelo d ivisionismo de grupos que ameaavam aquela unidade da recm-pro clamada Repblica com o separatismo, um fantasma poltico que marcou a conjuntura do sculo XIX. 2 I A nova capital representaria um novo centro econmico, e sua local izao poderia significar a vitria de um dos setores da ol igarquia mineira. Enquanto as foras polticas tradicionais das regies Norte e Centro se organizavam para manter o poder, a regio Sul e a Mata, com o argumento da virtual fora do caf para a economia mineira e insatisfeitas

    19 Berman, 1986: 171. 20 Ibid. 21 Em 1862, 1866 e 1884 houve temativas de criar Minas do Sul independeme; na dcada de 1870, a regio do Tringulo Mineiro reivindicou independncia de Ouro Preto; em 1873 o imperador endossou um projeto de criao de uma nova provncia no vale do rio So Francisco, de Momes Claros ao sul de Pernambuco. Essas indicaes bem apomadas por Schmidt so reveladoras de que ao discurso de unificao correspondia uma realidade em franco processo de desagregao.

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    com a marginalizao imposta pelos grupos dominantes de Ouro Preto, no escondiam mais a inteno de assumir o controle poltico do estado de Minas Gerais . O caf, em sua fase de ascenso, dava novo impulso economia mineira, agravando ao mesmo tempo o isolamento da tradicional Ouro Preto. Em 1894, Monso Pena, governador do estado, nomeou o engenheiro Aaro Reis, residente no Rio de Janeiro e procedente do Par; para chefiar a comisso de construo da nova capital. Aaro Reis sempre lembrado por sua formao positivista, qual se atribui o estilo centralizador impresso no desenho arquitetnico da cidade. Afinal, no seria a prova de que a cincia deve e pode mudar o mundo? No seria evidncia de que, pela cincia, seria possvel controlar as desordens e os conflitos entre desiguais em interao nos espaos misturados das tradies urbanas convencionais?

    A nova cidade seria construda onde antes existia o povoado de Belo Horizonte, antigo Curral Del-Rei. A planta dividia a cidade em trs setores: o primeiro, urbano, tinha avenidas largas, lotes e quarteires bem planejados, infra-estrutura sanitria, e era cercado fisicamente pela avenida do Contorno; o segundo, suburbano, era traado em ruas estreitas e quarteires irregulares; e ao terceiro, finalmente, reservava-se a periferia, destinada pequena lavoura.22 A construo da cidade trazia manchas que a sociedade teria que ass imilar. Despossudos de toda ordem, desclassificados de toda espcie compunham o conjunto dos mil hares de operrios da construo civil a servio do projeto moderno.

    De fato, o projeto da cidade trazia de incio a marca do que se chamaria "cidade espetculo", com o predomnio do princpio da segregao fsico-espacial a criar barreiras participao e uso do ambiente urbano por camadas da populao que para ali se dirigia. O desenho parecia no responder historicamente aos desafios de um ambiente de moradia. E Belo Horizonte parecia no se livrar muito cedo de seu pecado original. Foi, de incio, e por um tempo no desprezvel, um "aglomerado de imigrantes". Um desafio que respondia com coerncia dupla funo com a qual fora construda: constituir-se no centro poltico unificador de um estado marcado, no sculo XIX, pelo espectro do separatismo e, simultaneamente, ser o centro intelectual a partir do qual se irradiaria, como capital, o caldo cultural destinado a ser a sntese de toda uma regio. No por acaso, foi batizada originalmente Cidade de Minas.

    22 Andrade, 1986; Guimares, 1991.

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    Faria confluir culturalmente, em forma de unidade, a d iversidade que historicamente acompanhou aquela parte do pas . O papel unificador de Belo Horizonte, cidade criada por artifcio da razo, corresponderia simbolicamente ao discurso de apelo voz unssona de Minas no cenrio nacional. O iderio de uma regio poderia ser estendido para toda a Federao. A mineiridade se l ibertava das cercas do provincianismo regional e extrapolava para um projeto universal, de cunho cosmopoli ta, sustentado no iderio urbano moderno prprio dos centros difusores de cultura e poltica. A idia de sntese foi concebida junto com o projeto da capital no por casual idade, mas sim em resposta s antinomias e conflitos que uma tradio de d iversidade de povoamento, de interesses e influncias legou ao estado de Minas Gerais.23

    Nascida da confiana iluminista nas operaes racionais, Belo Horizonte veio a se transformar em evidncia do que Angl Rama chamaria de "cidade letrada" - "o sonho de uma ordem", o modelo concebido pela "inteligncia", na convico de que o processo da razo seria capaz de impor medida e ordem a todas as atividades humanas.24 Uma idia de que pela o rdem, traduzida no contexto urbano por planejamento, era possvel alcanar o princpio e a estrutura da modernidade na vereda da cincia. O contraste com o projeto infinito da razo cientfica do planejamento estaria em Ouro Preto, com suas ruelas estreitas e sinuosas, com a falta de perspectiva pelo traado desigual das ladeiras. Alm disso, Ouro Preto no estava sendo capaz de concentrar o fluxo de negcios que o estado produzia, dispersa e assistematicamente. As l igaes se faziam entre os ncleos fragilmente unificados por um setor externo e cidades outras que no a capital. Se um consenso havia entre os pol ticos e administradores, d izia respeito ao esgotamento da velha capital para responder aos impulsos dinamizadores dos setores da produo em Minas.

    Belo Horizonte marcava tambm o contraponto a uma tradio rural recortada pelos stios, fazendas e roas das minas e sertes das Gerais . Um sonho urbano de razo segundo o qual , pela razo cientfica, seria possvel o aperfeioamento social. Mas o sonho no pararia por a. Poderia ainda ser a tentativa de concil iar divergncias, "atraindo para um centro de gravidade neutro as reas mais diversificadas"25 na medida em que o plano original de

    23 As anlises sobre a mudana da capital mineira e as interpretaes sobre a poltica mineira reforam a tese da necessidade de conuolar conflitos entre grupos oligrquicos regionais. Ver, enue ouuos, Ozorio, 1981; Resende, 1974. Ver tambm Bomeny, 1991. 24 Rama, 1985:26. 25 Ver Vasconcelos, 1968.

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    integrao era desafiado permanentemente pela real idade distinta das Minas e das Gerais. A rede viria de transportes que servia ao estado denunciava isso. Ela buscava o exterior e no conflua para o seu centro poltico, administrativo e geogrfico: buscava o caminho para o mar, nos adverte Sylvio de Vasconcelos, visando ao Rio de Janeiro. As comunicaes correspondiam ao status local: as Minas l igadas ao Rio, as Gerais centripetamente interessadas nos estados vizinhos, mais precisamente nos sertes que faziam divisa com outros estados - o serto de Paracatu na fronteira com Gois; o serto de Jequitinhonha na fronteira com a Bahia; e o sul de Minas Gerais com o serto da serra do Mar, Rio de Janeiro. Belo Horizonte nasceu com essa misso integradora do prprio estado de Minas Gerais .

    A transferncia da capital do pas foi igualmente legitimada pelo ideal de integrao. Tambm aqui o argumento se sustentava pelo contraste, desta feita, com o Rio de Janeiro. Desde muito antes, a utopia de integrao embalava o projeto de transferncia da capital. Procurava-se um lugar central, "neutro" e distinto da tumultuada Rio de Janeiro, Distrito Federal no final do sculo, plo da gravitao poltica nacional . Tambm como no caso da capital de Minas Gerais, a mudana da capital do Brasil esteve de incio associada ao desenvolvimento do projeto republ icano. E a d imenso geogrfica contida nos projetos respondia em ambos os casos ao argumento de unidade territorial, quer na Belo Horizonte de fim de sculo, quer na Braslia dos anos 1950-60. Compreende-se portanto a recorrncia categoria espao , chave das interpretaes contemporneas de matizes d iversos, antropolgico, sociolgico, poltico, demogrfico.

    As utopias urbanas criadas sob o caldo de cultura poltico da integrao, da criao da nacional idade, funcionavam ainda como recurso estratgico para manter na d ispersa Repblica o ideal de centralidade e unidade que estabilizou o I mprio. Os debates parlamentares travados no Congresso Nacional na dcada de 1890 so ilustrativos da fora do argumento da "civi l izao irradiada de um centro".26 A estabil izao da Repblica em 1894 arrefeceu a urgncia da transferncia da capital do pas. E porque menos conflituada, essa capital recuperou a imagem de paraso de beleza natural que a caracterizou dentro e fora do pas na combinao extravagante e rara de mar, montanha e floresta

    26 O acompanhamenw do debate sobre a transferncia da capital nos Anais do Congresso Nacional pode ser encontrado na dissertao de mestrado de Edgard Ferreira New (1989).

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    dentro do espao urbano.27 E como apropriadamente indica Edgard Ferreira Neto, a poltica de Campos Sales de redistribuir o poder para os estados, retirando do Distrito Federal a ateno at ento concentrada, apaziguou momentaneamente os nimos que se insurgiam contra o ambiente poludo e amoral do Rio de Janeiro. Se o debate sobre a mud ana d a capital se secundarizou, seu lugar na agenda foi ocupado pelo projeto da reforma de Pereira Passos - a cincia a servio da modernizao da "maravilhosa", mas velha e contaminada capital do pas. O resultado da reforma confirmou a permanncia do Distrito Federal na "Cidade M aravilhosa", agora com sinais modernos e civil izadores das largas avenidas modeladas segundo padres de urbanidade parisiense. A capital se manteve at que outro sonho ousado, de indiscutvel modernidade, se imps pelas mos e rdeas do governo JK. M inas Gerais voltaria a desempenhar no urbanismo o papel que desempenhara na poltica educacional. Viriam daquele estado lideranas polticas e intelectuais que sistematizariam e implementariam o que por dois sculos se d ispersava nas mltiplas falas da pol tica, do parlamento, da modernidade arquitetnica. O papel estratgico que a pol tica mineira desempenhou na instituciona/izao do Estado Nacional ps-30 seria atualizado nos anos 1950 com os apelos e a poltica de abrir o pas para o mercado internacional. O passaporte para essa viagem tinha enquadrada como foto a ambiciosa construo de uma cidade, e como/ato a troca definitiva do endereo para onde seria enviada a correspondncia do governo.

    Descaminhos da igualdade: de volta a Tocqueville

    Nossas utopias urbanas nos deixaram como herana curiosidades intelectuais, atravs das quais podemos estabelecer conexes sociolgicas interessantes. Um dos paralelos possveis nos indicado por Holston nos depoimentos crticos da primeira gerao de brasilienses. A "cidade da igualdade" havia produzido o isolamento, a hierarquizao, a d ificuldade de usufruir das vantagens modernas pelas quais seus habitantes foram seduzidos. Braslia naufragaria, aos olhos de sua primeira gerao, no efeito perverso da traio, do

    2 7 Ver Evenson, 1973. A autora analisa a influncia d e L e Corbusier, a reforma d e Pereira Passos e o grande projeto de arquitetura moderna com a construo de Braslia, sublinhando a traduo particular e o sentido moderno propriamente brasileiro que envolveu essas duas experincias urbanas.

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    adulteramento da utopia. Uma "cidade sem gente" porque, do confronto originai entre o discurso igualitrio de seus fundadores e o discurso de elite dos tecnocratas do governo,28 sobrepuseram-se, como cotidiano, o isolamento burocrtico, a hierarquizao por cargos e funes na mquina governamental e o segregacionismo dos brasi lienses, resultado de um "desvio real" da inteno ideal de criar, no desenho arquitetnico das superquadras, a socializao e o conforto social a que a populao teria direito. Na concepo ideal, misturavam-se em uma mesma superquadra motoristas e ministros, fi rmando o projeto de que a cidade deve pertencer "ao povo".

    Belo Horizonte pde igual mente ouvir sua primeira gerao. Uma gerao ilustre de intelectuais modernistas que, nos anos 1920, deixou registrados, pbl ica e li terariamente, seus depoimentos sobre a nova capital mineira. As largas avenidas, pelas quais, em sintonia com as ousadas tendncias dos grandes centros, caminhariam em direo ao cosmopolit ismo, estreitavam-se simbol icamente no incorrigvel provincianismo cerceador das liberdades e autonomia do indivduo metropol itano.

    As duas cidades planejadas prometiam, a primeira, no final do sculo XIX, a abertura ao universal ismo cosmopoli ta, e a segunda, nos anos 1950-60, na crtica s experincias urbanas saturadas, e com o plano arquitetnico de largos espaos, a ampli tude e a extenso da igualdade. Dois abortos de projetos modernos? Dois equvocos conceituais? Alguma extemporaneidade terica?

    Foi Tocquevil le quem de forma mais insistente tomou como questo terica o desafio, posto pelas sociedades modernas, de equacionar igualdade e l iberdade. E principalmente est nesse autor a reflexo que aponta para conseqncias perversas a que esto sujeitas as sociedades cujo alvo da ao social e poltica restringe-se ao ideal de igualdade sem a incessante vigilncia mediadora da liberdade como valor. Restauradas sob o fundamento de quebra de h ierarquias constitudas e de privilgios consagrados, as sociedades modernas viam-se na contingncia de privilegiar o ideal de igualdade como espinha dorsal da nova configurao poltica, restando-lhes o desafio de evitar as conseqncias advindas do processo de quebra de estruturas sedimentadas com procedimentos centralizadores e uniformes que, ao fim e ao cabo, transformariam a utopia da igualdade em uma realidade de "despotismo democrt ico". O raciocnio de Tocqueville foi assim sintetizado por Marcelo Jasmim:

    28 Holston, 1980.

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    "Faz parte do processo de superao das estruturas hierrquicas a destruio dos corpos intermedirios de poder e de quaisquer estruturas particulares que admitam tratamento diferenciado a tal ou qual grupo. Da a noo de um poder nico que trate de maneira uniforme todos os indivduos ao mesmo tempo. A partir dessa premissa, duas conseqncias so deduzidas. A primeira da concentrao, nas mos de um nico poder, de toda a autoridaqe. A segunda a necessidade da legislao uniforme, cada vez mais abstrata e universal. "29

    Seguindo Tocqueville, aquelas sociedades que se concentram na incondicionalidade da busca da igualdade podem ser vtimas do efeito perverso da tirania, do "despotismo democrtico". Se o que dist ingue a moderna sociedade a extenso, como ideal, do princpio da igualdade em detrimento das estruturas h ierrquicas, rgidas, fixamente estabelecidas e personalistas das sociedades tradicionais, o desafio permanente que est posto aos homens modernos evitar que o princpio abstrato de justia igualitria se desdobre e se realize em estruturas burocrticas, uniformizadoras segundo cdigos u niversais e racionais de interao social , estru turas que, paradoxalmente, podem conduzir ao restabelecimento da rigidez das hierarquias e de estru turas de privilgios conferidos pelos cargos e funes burocrticas.

    Esta motivao cen tral da reflexo tocquevi ll iana tem sua correspondncia terica na eleio feita por Max Weber da racionalidade como d imenso crucial nas modernas sociedades ocidentais. Uma d imenso que, originada na esfera das relaes econmicas, estende-se como valor s outras regies da vida cotid iana. A racional izao como valor pode resultar empiricamente na "jaula de ferro", ou seja, na i rracionalidade de interaes movidas segundo procedimentos formais d istanciados dos fins para os quais so construdas, e segundo os quais deveriam ser bal izadas.

    A referncia de Tocqueville a experincia francesa, e o contraponto modelar viria com a Inglaterra, modelo que de to particular acaba sendo mais exceo do que recorrncia.3D Em Max Weber no h propriamente u m contraponto histrico emprico que tenha sido bem-sucedido, mas h o alerta sobre a convivncia 'permanente e tensa entre racionalidade substantiva e racionalidade instru mental . 3 1 Mantm-se tambm em Weber como ousadia

    2 9 Jasmim, Marcelo. Individualismo e despotismo: a atualidade e Tocqueville. Presena, p. 47. 30 A tese de Alexis de Tocqueville est registrada em suas duas obras clssicas: Dernotraa na Arnriat e O antigo regtille e a revoluo. 31 Ver, entre outros: Brubaker, 1984; e ainda Hollis, 1987.

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    no mundo contemporneo balancear as tendncias entre esses dois mveis da ao social moderna.

    No foi gratuita a referncia d imenso espacial neste texto. ela que nos traz a chave com a qual estabeleceremos as correspondncias tericas prometidas. Mrio Pedrosa quem anuncia a primeira evocao, o sentido geral moderno da utopia que inspirou a nova cidade-capital do Brasil:

    'i\, cidade ideal moderna no se coaduna mais nem com a centralizao militar do poder la barroca, nem com o gosto pequeno-burgus do subrbio, nem com o desenvolver ao deus-dar do liberalismo. Ela quer uma estrutura humana atravs da qual expandir-se e restaurar a coeso social perdida. Sonha por isso em conciliar a ordem, a tcnica urbanstica mais avanada, um desenvolvimento planejado, com o calor humano e o convvio social direto de seus habitantes, como na poca da comuna."32

    Os desafios se aproximam daqueles anunciados por Tocquevil le e Weber. O sentido moderno da arquitetura, o desafio m oderno consiste em conciliar arte e tcnica ( l iberdade e igualdade?) , arte e funcionalidade. provvel que a equao arquitetnica das capitais modernistas tenha pendido a favor do desequilbrio, o que confere legitimidade s dezenas de interpretaes crticas do resultado da utopia trada, frustrada. Mas no razovel, nem conceitualmente sustentvel, retirar dos projetos e das experincias das capitais modernistas o sentido e o selo de modernidade que carregam. uma poca a nossa em que as utopias se transformam em planos, diz Mrio Pedrosa. Nossa poca viu crescer o argumento de que a cincia seria a nica alternativa para sistematizar, institucionalizar sonhos e ideais dispersos. Os modernistas mineiros foram protagonistas, no Estado ps-30, dessa engenharia na rea da poltica cultural , cujas linhas se espalhavam assistematicamente nos anos 1920 atravs dos inmeros projetos de reformas assinados por educadores ilustres. O governo JK, em direo semelhante, seria o artfice do plano que daria unidade e concretude histrica a uma idia que, esparsa e erraticamente, irrompia em conjunturas d iversas da vida pol tica do pas desde a Colnia . .

    Dos tempos de Capanema sobrou-nos uma pesada estrutura formal, "igual itria" e pouco afeita s d iferenas, liberdade portanto.33 Dos anos JK herdamos o emblema da utopia urbana que, em sua incompletude, denuncia e cumpre a profecia tocquevill iana para as sociedades modernas. E os tempos

    .'2 Pedrosa, 1981:299. 33 Cf. Schwartzman, Bomeny & Costa, 1984.

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    JK, to celebrados na lembrana democrtica, plural e por isso poltica, nos deixam, paradoxalmente, como smbolo uma cidade-capital, campo privilegiado da ao autoritria. A capital em que os governantes se isolam do resto do pas, a "ilha da fantasia", tambm a capital da segurana nacional entendida como segurana do Estado forte e autoritrio. Ou por outra, a nova capital , nascida da iniciativa, da ousadia, da tenacidade de homens pblicos, da poltica, seria hoje o paraso, se no da igualdade, da tecnocracia, filha di leta do planejamento como valor, filha bastarda da poltica como fim.

    Mas o sentido dessas lembranas outro. Se inegvel a constatao das "traies" sucessivas do iderio utpico de realizao moderna, quer nos processos de autonomizao pela educao (de que se ocuparam nossos modernistas no poder) , quer na instituio do espao urbano da igualdade (desafio a que se puseram os polticos e artistas de nosso sculo) , uma observao precisa ser a acrescentada. A estrutura e a institucionalizao do sistema educacional que se mantm at hoje no pas vm daquele momento de fundao do Estado nacional , e as cidades nascidas do "sonho de razo" urbana atravessam dcadas, chegando a primeira, Belo Horizonte, a ser classificada como uma das mais bem-sucedidas no que diz respeito qualidade de vida, integrao populacional e produo industrial. E a segunda, a despeito de todas as fundadas e legtimas crticas, redimensionou geogrfica e pol iticamente um pas desafiado desde o incio pela disperso e extenso continentais . Belo Horizonte consol idou-se no papel de terceira cidade mais importante do Brasil, devendo se tornar em breve, como adianta Schmidt, "o segundo centro, suplantando o Rio de Janeiro".34 Brasl ia tem sido responsvel pelo redirecionamento da migrao interna no pas, influindo decisivamente na efetiva ocupao da regio Centro-Oeste. As experincias modernas precisam ser lidas como tais, ou seja, como projetos incompletos, permanentemente submetidos ao rigor e rediscusso crtica. O sistema educacional precisa ser repensado em sua d inmica que, projetada em 1 930, inteiramente inadequada ao pas do final do sculo XX. A capital da nao precisa ser avaliada com os critrios de reflexo adequados ao momento contemporneo. Concebida no meio do sculo, precisa passar pela reflexo que envolva os problemas que o mundo contemporneo vem i mpondo aos grandes centros metropolitanos. O fato que Mrio Pedrosa tem razo quando diz que estamos, como americanos, "conde-

    ,4 Schmidt, 1981 :368.

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    nados ao moderno" por sermos pases construdos a partir de categorias, procedimentos, informaes e modelos que integram o rol das conquistas do mundo capitalista burgus s quais, ao que tudo indica, resistiremos enormemente a renunciar.

    No diagnstico nada utpico tanto de Tocqueville quanto de Weber, encontramos uma brecha a part ir da qual seria possvel reler essa reflexo. Tanto um como outro deixaram registrada a possibilidade de interveno dos atores no sentido de restaurar, ainda que provisoriamente, o balano mais favorvel entre ao e procedimentos. Os arquitetos supunham que a arquitetura seria capaz de transformar aquele mundo urbano, restaurando uma prtica social mais interativa e igualitria. Seria um equvoco negar arquitetura o poder de transformao que, sem dvida, capaz de provocar. Mas seria ingnuo supor que a configurao espacial isolada da ao poltica respondesse por funes interativas, que se constroem na prtica social cotid iana. A elite social e polt ica, nesse caso, acaba sendo responsvel pelo enquistamento ou pela socializao mais extensiva de benefcios e vantagens que a vida urbana pode propiciar aos homens, seus habitantes. O projeto arquitetnico de Braslia serviu modelarmente a um projeto de elite tecnocrtica, segmentando a populao excluda das hostes de poder, deixando inclusive inconcluso o projeto original de planejamento arquitetnico. A crtica contempornea dessa experincia urbana moderna deve incluir em seu fundamento a relao entre espao e poder, recolocando na dimenso prtica das relaes sociais um segmento que se cristal izou no insulamento burocrtico, artificial e perverso. Concentrar a crtica nas l inhas da arquitetura moderna, ou no projeto dos modernistas, retirar dos homens pblicos a responsabilidade que tm, e pela qual devem responder, na conduo da vida poltica e social do pas . Neste sentido, a concluso de Holston nos deixa pouca chance de interveno. "A questo que a arquitetura moderna de Braslia nunca poderia ser outra coisa seno de elite. A questo que essa arquitetura dedicada preservao de status e desigualdade. "35 Se isso verdade, verdade tambm que a populao brasi l iense no sacralizou esse princpio. Vem crescente e ininterruptamente ocupando, pela transgresso, espaos que no lhe foram destinados no projeto original. Alguma semelhana com os amontoados de residncias e comrcios ilegais que se avolumam nos cantos, periferias e zonas nobres das

    35 Holston, 1980: 1 76.

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    cidades e grandes centros cosmopolitas tradicionais ? E das suspeies da imaginao sociolgica, uma nos fica como alerta e diz respeito aos anos JK. Lembrado sempre pela cor e brilho que reti rou da poltica, o governo Juscelino Kubitschek talvez seja exemplo bem acabado de um sentido de ao que facil ita desdobramentos imprevistos, ou melhor, indesejados. Teoricamente, uma conseqncia lgica da eleio de certas premissas. Vulgarmente, uma "traio" da mineiridade modernista atualizada e revivida nos anos dourados do Brasi l de JK?

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