08-31 Tese III, p. 105-122. Meia-noite Na História. REYS, M.
Opoeta!apreende?se!atravésdascoisas !...
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A grande revolução não será feita pelas palavras […] mas quando o silêncio impregnar as palavras para que nelas transpareça o que está além das palavras.
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O poeta apreende-‐se através das coisas e atinge-‐as através de si mesmo.
António Ramos Rosa
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ficha técnica/.|
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nem tanta sophia|\| nem tanta philia:
poesia
e d i t o r i a l 1
É o quatro o número da completude material na realização.
Nele se consuma a unidade na diversidade, quer mediante a tripla adição sucessiva daquela, quer pela soma da dualidade à dualidade, quer pela adição da unidade à tríade. É pois o número da estabilização no âmbito e curso da acção, no variegado campo de activação das linhas de qualquer propósito: entre o projecto e o progredir da sua consecução.
Conseguir, de que provém o haver consecução, é implicitamente com-seguir, seguir pois um intento com o propósito de algum fim ou fins em vista, ou além da vista que sejam.
Chegados pois que somos ao número 4 da revista Cultura Entre Culturas, cabe dizer que, como sempre em tudo o que verdadeiramente importa, o realizado, ainda que imensa e enormemente além do previsível de lograr-se ao início, desafia-nos ainda e sempre ao prosseguir Entre. Mais do que nunca, para sempre. Isto é, como nunca, mais do que sempre.
Dedica-se, neste número, uma especialíssima atenção a António Ramos Rosa, nome maior da nossa poesia, certamente o seu maior vulto vivo.
É o poeta de Voz Inicial voz sapiente que almeja ao silêncio. Como ele mesmo o diz: “temos de destruir a linguagem, tudo o que na linguagem se interpõe entre nós e o real, para que só a visão nua do silêncio ilumine a realidade”2.
A poesia de António Ramos Rosa é, na verdade, o grito claro de tal continuado, laborioso e persistente propósito, na demanda do que confere plenitude à “boca [sempre] incompleta”.
Na verdade, só mediante o “incêndio dos aspectos” que nas coisas nos limitam e aprisionam, é possível a “construção do corpo” verdadeiro, do corpo “perfeitamente abandonado”, “aberto à divindade”, visto que, como o poeta há muito nos diz, “o divino é o absolutamente natural”.
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Remanesce permanentemente a isto o poeta e o homem António Ramos Rosa, não n’ “as aparências, mas [no] aparecer da realidade”: ali onde precisamente nasce o poeta, o verdadeiro homem e o homem verdadeiro, qual Ramos Rosa os é, a um e a outro, um no outro, um do outro. Isto, na vacuidade que, como ele insistente garante, é a própria “condição inicial da [...] liberdade”, nesse “espaço vazio”, “esse não lugar”, que permite “que o sentido seja encontrado”, no “espaço em que todos os sentidos flutuam e em que o silêncio vibra na imanência de todos os nomes”.
Tal silêncio, e a sua nomeação, como que muda e cega, e tão interminamente impossível de alcançar quanto o mais sublime dos horizontes, constituem a fonte, a voz e a foz da poesia de António Ramos Rosa.
Deixa-se aqui expressa a mais profunda gratidão ao Poeta, por ter-nos permitido aceder ao seu espaço de intimidade, à sua obra (escrita e desenhada) mais recente e inédita, ao seu olhar de tão oceânica vastidão, ao toque especialíssimo de suas mãos de afecto, ao sorriso de sábio ancião-menino que desde logo desarma e desaba todo o cuidado espúrio e toda a insensata razão e seu pretenso enraizar de fundamentos.
António Ramos Rosa é, para além de um poeta sábio, um sábio que é poeta. Nem sempre as duas coisas vão a par e, menos ainda, estão indestrinçáveis como nele estão. Mas quando o estão, a presença de um tal ser, indelével que se nos mostra, e silenciosamente inesquecível, é outrossim serena sementeira de fertilidade para a vida, para toda a vida: “marcas no deserto”, “sobre o rosto da terra”, de quem haja o privilégio de lê-lo, seja nas palavras da sua poesia, seja na poesia do seu silêncio. A ele, aqui, a gratidão sem nome.
A Agripina Costa Marques, companheira de vida do Poeta – poeta da sombra das coisas e poeta porventura na sombra, e da abdicação de sê-lo –, o profundo agradecimento pela sábia disponibilidade e sempre tão cordial hospitalidade com que nos acolheu e acolhe, tanto quanto pelo denodado, persistente e tão difícil silêncio de veladora.
Conviver com um ser da estatura de António Ramos Rosa é tudo menos tarefa fácil. É certamente um privilégio, mas porventura um privilégio ingrato, sobretudo quando quem com ele convive é um ser da dimensão e profundeza de Agripina. Disso sabia por certo René Char quando escreveu: “Dans nos ténèbres, il n’y a une place pour la Beauté. Toute la place est pour la Beauté.” Eis o retrato de Agripina. O nosso bem haja pois, por tudo sobretudo que nas palavras não cabe nunca, nem mora jamais3.
Por fim, aos íntimos e amigos do Poeta, de sempre e de hoje ainda, que não quiseram faltar a este encontro “à mesa do vento”, o nosso bem hajam, por aqui estarem. A iluminação da palavra de Ramos Rosa brilha em cada uma das vossas palavras, como um eco do “inexprimível [que, como ele nos diz] não existiria sem a linguagem”. Precioso, pois, o olhar nos vossos “olhos de silêncio”, que aqui haveis trazido.
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Mediadores da palavra de António Ramos Rosa somo-lo certamente nós todos que o lemos e amamos, mas sobremaneira são todos aqueles que, além da palavra, lhe têm escutado o cultivo daquele silêncio, de tão sublime cumplicidade, onde floresce o melhor da amizade e do amor.
O Poeta está vivo e escreve sol: e nós, para sempre, vivos na sua palavra.
Paulo Borges Luiz Pires dos Reys
1 A Gisela Ramos Rosa, sobrinha do Poeta, também ela poeta, o agradecimento pelo entusiasmo com que desde logo abraçou, mediou e contribuiu para este projecto da Entre. Dela são (salvo explícita menção em contrário, e a óbvia exclusão das fotografias de família mais antigas), as fotografias do poeta, do ambiente em que vive, dos objectos que toca e usa. Para ela pois o nosso afecto, em gratidão por tal serviço ao poeta e à Cultura.
2 São todas as citações deste editorial, ou extraídas da obra de António Ramos Rosa Prosas Seguidas de Diálogos (Faro, 4Águas Editora, 2011), ou são títulos de obras suas, que aqui se convocou como esteio das presentes palavras.
N.B. Seja-nos permitido, em lateral rodapé, exprimir aqui pública ainda que desatempadamente, a Cláudia Souza e a Nuno Ribeiro, a gratidão imensa pelo acesso concedido a material muito específico dentre o espólio pessoano (cuja equipa de investigação de forma tão brilhante ambos integram), e que inestimavelmente enriqueceu o nº 3 da Entre, dedicado a Fernando Pessoa, como é sabido. O nosso bem hajam.
philo|.|: sophia
_________________________________ sophemas
As coisas só na aparência têm limites e cada uma é uma rede inextricável e silenciosamente vertiginosa António Ramos Rosa * A linguagem, se presentifica os seres e os objectos do sujeito e do real, torna-‐os presentes na sua ausência. * O que não pode ser dito é uma sede submersa que desejaria beber o horizonte do mundo. *
A tua virtualidade pode actualizar-‐se na matéria sensível do mundo e revelar a integridade inexprimível do Instante. António Ramos Rosa
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dirk-‐michael hennrich
alguns aforismos sobre filosofia e poesia (em homenagem a José Marinho)
A filosofia especulativa só pode ser poetomórfica, como escreve José Marinho. A sua Teoria do Ser e da Verdade é uma ascensão ao píncaro, de que fala Teixeira de Pascoais no primeiro aforismo do seu Verbo Escuro, para contar aos outros a paisagem contemplada. Esta paisagem não é fictícia nem real. É uma paisagem que se consolida através duma nova linguagem. O pensador e o poeta são visionários e os seus olhos estão nas pontas das suas línguas. Imagine-os como uma espécie de serpente. Anfíbios com uma linguagem bifurcada, poesia e filosofia, a procura do regresso ao Paraíso. Quando a filosofia enfrenta as festas nocturnas e dionisíacas onde a lua aparece como o verdadeiro sol e como uma sombra branca, nasce o pensamento poetomórfico. Aí todos já sabem o fim do herói – rasgado e devorado pelos Titãs. A filosofia que espanta toca o véu da verdade com dedos poéticos. Não é que os filósofos desprezem a poesia ou os poetas, como dizem de Platão e Wittgenstein, mas contestam um certo lirismo sentimental e nebuloso cujas imagens não atingem o sentido do enigma. O Eros vigia bem a sua amada. A fala sobre a verdade despida, a nuda veritas, só pode ser uma invenção de um chulo – ou de um positivista sem nenhum sentido poético. O aforismo é uma corda entre a poesia e a filosofia – e só um tolo ou um funâmbulo sabe manter a balança. A poesia apenas sussurra a verdade. Apenas sibila. Sibilina como ela é. A filosofia enquanto busca da verdade absoluta retoma o caminho da linguagem não meramente de forma poética, mas sobretudo meditativa. Toda a filosofia sistemática ou aparentemente não-sistemática, que pretende atingir uma verdade ou, o que é a mesma coisa, a demonstração da impossibilidade da verdade, parece uma Mantra: um poema repetitivo, uma insistência que alguns poderiam chamar estilo e que é nada menos do que uma profunda meditação.
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Poesia e filosofia emergem do mesmo sentido pelo inefável, o enigma e o mistério, o lado sombrio da coisas. José Marinho e Teixeira de Pascoais não são apenas o único exemplo. Enquanto a ciência rasga o véu das coisas, a filosofia apenas lhe toca para sentir as suas formas sinuosas. A diferença é o valor erótico da poesia e da filosofia – e Diotima é a amante de ambos os géneros. O Eros não tira o vestido das aparências. Ele apenas envia o vento leve do verão e as pétalas tombam sozinhas. O poético é considerado como fictício, fantástico, imaginário, sentimental, alheio à verdade factícia, do dado bruto, da realidade – enfim tudo aquilo que é um alimento da liberdade. Entre caminhos e linguagens alvorece o lar da consciência, o lugar da dor que se estende entre a remota partida e futura chegada, a demora em que a carne envelhece e o desejo cresce como uma flor vermelha num campo de batalha: espelho do sangue perdido, verde olhar da esperança, um perfume espalhado no vento que vem depressa sem regresso ao paraíso. Tempestades e relâmpagos numa noite infinita. E a luz pálida do luar na testa do caminhante. O conceito da utilidade infectou a humanidade e a filosofia, que não é aplicável à banalidade do dia-a-dia, é considerada inútil. Daí o falso conceito da filosofia em geral, a convicção que a filosofia é uma ciência, dando respostas validas para fenómenos do quotidiano, tornando-a numa espécie de consultório para todas as doenças e perversidades civilizacionais do homem moderno, pretendendo-o útil e funcional. Mas afinal a filosofia e a poesia não são ciências. A consciência da plena inutilidade do homem será o seu primeiro e último remédio. A filosofia e a poesia são festas à beira da cratera de um vulcão – e Empédocles é o nosso ídolo.
Desenho de
António Ramos Rosa
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paulo borges
grãos de areia
Em português e castelhano “ser” vem do latino “sedere”, estar sentado, residir, ficar tranquilo, pousar. “Ser” vem de “sedere”, “estar” de “stare”: estar de pé, que também significa estar a favor de ou contra alguém. Intimamente sentados somos, repousando na sede, no centro, sem qualquer sede ou estado/levantamento mental de adesão ou rejeição. Assim nos contemplamos inseparáveis de tudo e de todos. E assim podemos erguer-nos, estar de pé, numa acção não dualista, para o bem de tudo e de todos, sem preferências nem exclusões. E entre o sentar e o levantar, o ser e o estar, não somos nem estamos: por isso podemos ser e estar, sentar e levantar, ser-estar, sentar-levantar. Não há entes, apenas entres. A filosofia pretende compreender o mundo ou mostrá-lo incompreensível, a poesia (re)cria-o e celebra-o, a meditação suspende-o. Exerce-as simultaneamente. Porque agarra tão tenazmente o recém-nascido o dedo que lhe estendem? Porque agarra o moribundo intensamente a mão que lhe dão? E porque, entre o nascimento e a morte, não cessamos de nos agarrar avidamente a tudo, desde a chucha a essas outras chuchas que são brinquedos, telemóveis, computadores, televisões, pessoas, casas, carros, carreiras, poder, prestígio, riqueza, dor, prazer, ideias, emoções, drogas, medicamentos, comida, tabaco, álcool, experiências sensoriais, intelectuais ou espirituais? Porque vivemos e morremos agarrados? Porque vivemos e morremos agarrados à própria ideia de viver e morrer? Há crise de identidade ou a identidade é (a) crise? A morte é o despertar do sonho de estar vivo. Mas dá-se quase sempre uma recaída. A ocupação com a identidade é uma preocupação com a diferença. O silêncio cala a palavra. Rara e preciosa a que o faz falar. Se a meta é o ponto de partida, todo o caminho é desvio e obstáculo, incluindo o conceber meta e ponto de partida.
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O chamado homem é o modo de consciência que está no cume, no centro e no fundo de reconhecer que não há cume, centro ou fundo algum e que tudo é igualmente sagrado e infinito. Para onde quer que olhes, neste preciso instante, concentra-te e absorve-te aí, até te fundires. Nesse ponto está todo o universo, todos os seres e tu mesmo, sem que lá esteja coisa alguma. Neste preciso instante se cumpre toda a tua vida. Põe-te no lugar de todos. Existir é estar preparado para tudo. O círculo desenha-se no apagar-se. Obscura a palavra, claro o indizível. Escreve de modo a que cada palavra se absorva e esplenda no luminoso vazio da página e do mundo. Na infinita generosidade do real, o essencial é sempre o mais íntimo, simples e disponível. Só a distracção do desejo o fantasia alheio, complicado e remoto. Respiramos a cada instante no coração de todas as coisas. Haver realidade é o escândalo que a razão jamais poderá abafar. Somos como uma ampulheta, feita apenas de grãos de areia. Cada instante que passa, cada pensamento que flui, é um grão de areia que desce pela fenda estreita da consciência. Quando passar o que imaginamos ser o último, viveremos isso a que chamamos morte e a ampulheta dissolver-se-á para reaparecer voltada ao contrário e com outra forma, continuando o seu fluxo descendente. Cada grão que passa confere a sua qualidade a todos os outros e molda a ampulheta. Tudo o mais deixamos para trás. Cuidemos pois da passagem de cada grão de areia. Mas sobretudo vejamos que na garganta estreita da consciência a ampulheta afinal se abre no espaço sem dimensões nem ampulhetas e que os grãos de areia - se não lhes juntarmos os grãos de areia de lhes conferirmos realidade, qualidades e importância, de nos identificarmos com eles ou de concebermos haver quem com eles se identifique - , nele se dissipam como bolas de sabão. Então compreenderemos que a verdade desta alegoria é a sua falsidade e seremos livres da própria ideia de sermos e de liberdade. Aí, sem nada disso termos por real, também veremos que cada grão de areia é outra ampulheta com infinitos grãos de areia que são outras ampulhetas com infinitos grãos de areia que são outras ampulhetas com infinitos grãos de areia que são....... bolas de sabão, sorrisos absoltos no imenso. Escrevemos para que mais esplenda o branco do ser e da página. Escrevemos para que mais se desnude o sem porquê nem para quê. A poesia e a filosofia são duas tentativas de calar o silêncio, tanto mais frustradas quanto mais conseguidas.
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Reduzir-se ao mínimo é descobrir-se (a)o máximo. O nosso íntimo é o unimultiverso. O único ismo com profundidade é o sismo/abismo. A linguagem está na origem de toda a perda e falta de comunicação. Um dia olhas ao espelho e vês o unimultiverso. Esse dia conclui a história do mundo. A tua história. Um dia olhas ao espelho e vês que não há espelho, que tudo é imediato. O agressor e a vítima indistinguem-se na Presença/Ausência que lhes é comum, mas o atacar de um e o defender-se de outro velam-lhes isso. E assim o agressor se torna vítima e a vítima agressor. A tragicómica história do mundo. A nossa história. Ver-se vítima é ser agressor. Contempla o espaço infinito: espelho menos infiel do que és. Em torno de uma mente imóvel rodopia o inteiro unimultiverso. No espaço infinito dissipam-se imobilidade e movimento, mente e unimultiverso.
O teu verdadeiro nome
Neste preciso instante, infinitos fluxos de ser/consciência cruzam o espaço em todas as direcções, com todo o tipo de formas, sensações, percepções e volições distintas, mas inseparavelmente entrelaçados e constituídos pela mesma matéria e energia, em constante metamorfose e em diferentes níveis de manifestação do mesmo espaço insubstancial. Consciente ou inconscientemente, tudo o que fazem visa o bem-estar/felicidade e evitar o sofrimento. Todavia, ao procurarem isto, praticam todo o tipo de acções - mentais, verbais e físicas - e estabelecem entre si todas as interacções possíveis: amam-se, ignoram-se, odeiam-se, protegem-se e destroem-se, temem-se, defendem-se, atacam-se, abraçam-se, oprimem-se, exploram-se, devoram-se... E assim vivem e morrem, sempre os mesmos e sempre outros, mudando e trocando constantemente de formas, lugares e funções, pois tudo o que aos outros fazem a si o fazem: quem oprime é oprimido, quem agride é agredido, quem devora é devorado, quem protege é protegido, quem alimenta é alimentado, quem ama é amado. Assim rodopia o mundo no turbilhão da ignorância de se crer haver seres separados, do desejo ávido e do ódio, na vertigem do medo e da esperança ilusória de se ser feliz a sós e fazendo sofrer.
Mas esse turbilhão febril pode parar. Na sua contemplação. Nisto que agora mesmo acontece. Nesta visão que surge. O seu nome é sabedoria e tem uma manifestação natural: amor-compaixão.
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Com sabedoria-amor-compaixão podes estar no mundo sem ser arrastado pelo seu turbilhão. Podes estar no mundo como um médico: livre do sofrimento, mas não indiferente a ele e capaz de o atenuar e suprimir. Partilhando esta visão, sem nada esperar em troca. Levando outros a parar e ver. E a amar tudo o que vêem.
É só a partir daqui que surge espontaneamente uma acção libertadora, para ti e para os outros, inseparáveis de ti. Para o bem de tudo e de todos.
É só a partir daqui que a Vida para ti começa. A esta Vida és chamado. Pois Ela é o teu verdadeiro nome.
Desenho de António Ramos Rosa
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fátima valverde
ministério da estética: para uma consciência social do belo
Intróito
Tentarei sintetizar neste abreviado artigo, algumas medidas pertinentes que preconizam melhorias abrangentes da qualidade de vida dos cidadãos, e não restritas e afuniladas, para uma convivência consciente com o Belo, uma das manifestações essenciais de harmonias e equilíbrios vários, a integrar em áreas só aparentemente distintas e distantes.
Começo por apresentar alguns aspectos polémicos num apelo ao comentário e à exortação do Belo nas nossas vidas colectivas, o que se reflectirá beneficamente, em meu entender, nas vidas particulares.
Numa sociedade em que politicamente se propaga e alastra o pânico da crise, abordada exclusivamente sob a vertente económica (real, claro, mas não independente de outros factores que deveriam ser também realçados), e se protagonizam corrupções, desfalques e gastos supérfluos distribuídos por vários ministérios, pode parecer inconsistente, inconsciente e mesmo incongruente, propor mais um ministério. Alerto, sobretudo para a facilidade que este encerra de congregar várias tarefas e medidas num mesmo objectivo, o que exige opções validadas previamente, quer nas decisões quer nas actuações como mais-valia para evitar despotismos.
Num milénio avançado da história da humanidade é necessário, aceite e justo recorrer a bancos alimentares para salvaguardar a sobrevivência dos mais carentes, porque parecerá pedantismo e petulância criar um manifesto para reavivar o Belo? Se assim for, salve-se a utopia para reformar a democracia … Aliás, com a execução do feio degradado já existe quem se (pre)ocupe.
Num tempo em que, nacional e mundialmente, se assiste a diferentes vertentes de crises, rupturas e dissoluções variegadas, pode parecer superficial, leviano até, falar-se de Estética e do que vulgarmente lhe está associado: categorias inerentes a aspectos físicos, a artificialidades concebidas para o prolongamento obcecado da juventude ou a materialidades vãs de quem não tem dificuldades económicas ou criou dívidas por isso mesmo. Em suma, o Belo reduzido ao excremento do Luxo. Como veremos, não é disso que se trata, mas sim de desfazer a associação automática da díade Belo-Luxo para desenvolver e aplicar o elemento luminoso que ambos intrinsecamente contêm.
A necessidade duma visão estética aplicada ao quotidiano
A palavra «estética» surge no séc. XVIII com Baumgarten para expressar uma teoria da sensibilidade de acordo com a sua etimologia do grego aisthesis, assumindo no século seguinte uma autonomia própria em termos de teorização, tendo sofrido alterações aos longos dos séculos acompanhando as mentalidades vigentes.
Esta reflexão desvia-se, contudo, duma perspectiva cronológica para adoptar a via do reconhecimento da necessidade de Beleza como um aspecto relevante na evolução da consciência humana no quotidiano exterior e interior, uma vez que sentimentos de alegria e de bem-estar lhe estão intrinsecamente associados. Os exemplos que o confirmam atravessam a História de todas as culturas e civilizações. Não se trata, pois, de estabelecer a
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distinção básica entre «belo» e «feio», um dos fundamentos da definição de Arte, duas faces aceites como vectores estruturantes e (de)limitativos, nem tampouco de evocar «o «culto do feio», apontado no princípio do passado século por Ezra Pound ou a existência duma «Estética do Feio», anotada por Karl Rosenkranz no século XIX, cujo intuito é escapar a estereótipos integrados nas conhecidas designações de «clássico, romântico, moderno, kitsch, camp, vintage». Podemos ler também a obra de Umberto Eco sobre o Feio, que muito ensina e leva a reflectir sobre padrões canonizados e respectivos desvios igualmente canónicos.
Os textos de autores antigos e contemporâneos de referência que se ocupam do assunto são, indiscutivelmente variegados; ler e reler os clássicos para recuperar valores de harmonização, reconhecer uma evolução estética que rompeu padrões rígidos em prol duma expansão criativa livre será sempre útil e necessário, mas por agora dispensável, uma vez que a questão foge de quaisquer distinções ou promoções em torno de conceitos mais ou menos estereotipados.
Dois séculos idos, há que contribuir, de algum modo, para a sensibilização estética das consciências e vencer torpores enegrecidos que se têm vindo a instalar, vivamente manifestos na fealdade de lugares, paisagens e atitudes, como se tal fosse uma consequência aceitável da evolução humana, logo, de fácil assimilação individual e de sustento colectivo garantido. Sendo irrelevante historiar, defender ou condenar as rupturas estéticas, a recorrência à caricatura, a tradições imitadas, adaptadas, renovadas, vanguardistas ou outras orientações face à contemporaneidade em que o propósito de discutir gostos, estilos e pormenores é substituído pelo meu contributo de propor a formação dum Ministério da Estética como órgão central de outros ministérios subjacentes, tendo como eixos articulatórios fundamentais a Educação, a Cultura e a Saúde para um desenvolvimento da consciência através da fomentação da atitude criativa e da participação voluntária.
Considero um benefício as interacções articuladas em detrimento das relações unívocas em prol duma sanidade ambiental que seja o espelho dos indivíduos e contribua ao mesmo tempo para educar, desenvolver e manter. Um meio será o fundamentar a sensibilização das consciências, de modo a permitir a expressão individual de potencialidades criativas, subtilmente submergidas pelo caos opressor duma desordem em permanente renovação, o que irá precaver e apaziguar alguns malefícios dela advindos.
A linha principal basear-se-á na implementação do Belo, ao invés da instigação de lutas contra o Feio, pois, parece-me mais pertinente perguntar o que não mudou em vez de continuarmos a tecer indagações e debates em torno do mesmo eixo, ou seja, o que mudou para justificar os erros pelas mudanças, continuando a permitir que as situações se repitam. É urgente que se recicle a própria noção de reciclagem e nesta se inclua uma componente estética que toca outros domínios além dos habituais, mais especificamente o das ideias e dos sentidos, entre outros, com a finalidade de contribuir adequadamente para um sentido estético, pois interessa proporcionar aos cidadãos uma qualidade de vida assente na mais-valia de contactos harmonizadores para uma vida centrada na qualidade. Assim, a díade platónica Belo-Bem convergirá num ponto comum adaptável e necessário em todos os tempos: o favorecimento duma sensibilidade educada livre e conscientemente, despertando o ser humano para a importância de manter os sentidos libertos dos vários lixos, progressivamente acumulados e permanentemente tóxicos.
Ideologicamente, não defendo a divisão governamental em ministérios. Todavia, perante a reconhecida dificuldade de mudar estruturas sem mudar mentalidades, urge encontrar uma solução que escape à utopia, com possibilidades de efectivação. Aproveitando o critério duma sociedade subdividida, parece-me exequível incrementar estratégias eficazes a partir daquilo que existe e retirar do conceito de «Ministério» aquilo que ele contém de valorativo, sumariamente, a focalização num assunto específico, a distribuição de responsabilidades e a regulação actualizada de tarefas como deixei entrever no Intróito deste artigo.
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A grande finalidade será conceder o acesso à preservação e à autonomização do zelo estético, proporcionando práticas de enraizamento ético e estético. O Ministério da Estética é um passo na aprendizagem da interiorização de valores fulcrais, uma forma de autonomia da visibilidade do Belo, uma via concreta para diminuir a sobrecarga pardacenta incrustada nas nossas vidas sempre que somos obrigados a contactar com o exterior das nossas casas. Estarão presentes atitudes fulcrais tais como a confiança, o respeito e o civismo em alternativa ao medo, ao abuso e à incúria.
Apesar dos nós frágeis das visões ministeriais oriundos na sua própria departamentalização, conceda-se-lhes o benefício da possibilidade duma organização operacional de medidas úteis actuantes na realidade quotidiana, de modo a instalar não o perfeccionismo redutor e ditatorial, mas, pelo contrário, incrementar através da prática uma consciência estética, contribuindo para sensibilizar os cidadãos para a importância de educar esteticamente. A orientação ministerial pode significar algo mais do que a disseminação de responsabilidades e o embargo de medidas práticas, contendo a possibilidade exequível da congregação diligente entre princípios estéticos e éticos, fomentadores duma actuação harmonizadora de ambientes.
Quem seguir este caminho facilmente encontrará um paradigma de subdivisões que tenderá para a criação de pequenas, médias ou grandes congregações ministeriais. Entre elas poderíamos encontrar um eventual Ministério das Artes Lúdicas e Terapêuticas, responsável pela planificação de estruturas e actividades que ajudassem a vencer desistências, negruras e queixumes, equacionando as três áreas atrás referidas, a Educação, a Cultura e a Saúde. Este exemplo não pretende anular a seriedade do assunto central. Pelo contrário, reconhece nele uma fonte para novas inspirações.
Fundamentos gerais para um Ministério da Estética
Sem entrar em considerações de ordem teórica e abdicando dum aparelho bibliográfico adjuvante, proponho, por agora, algumas considerações, agrupadas sinteticamente, para uma clarificação de objectivos essenciais e respectivas medidas coordenadoras, nos quais assentaria uma prática consciente e vigilante sem ser censória, assente em seis objectivos gerais e respectivas medidas, de modo a instruir e a desenvolver sensibilidades estéticas:
1.definir estratégias flexíveis e adequadas aos seres, espaços e circunstâncias que libertem os espíritos do desacerto ambiental e os incentivem a cuidar do mundo com uma liberdade responsável e a (re)estabelecer equilíbrios estéticos e sensoriais;
2.actualizar permanentemente estratégias de prevenção, impeditivas dos habituais corrupios poluidores através da propagação duma Ecologia Prática e Espiritual que defenda, divulgue e aplique critérios essenciais de respeito pela Natureza e pelo Ser Humano;
3.responsabilizar os cidadãos através duma educação estética fundada em aprendizagens práticas de hábitos e atitudes que os ajude a abandonar padrões estratificados e fortalecidos por teorias e práticas cinzentas;
4.proteger o meio circundante, desenvolver acções de interacção estética que eduquem progressivamente os cidadãos para a interiorização da importância da expressão equilibrada e harmoniosa nas estruturas arquitectónicas, decorativas, civis e outras;
5.consciencializar os vários grupos de cidadãos da importância da ordem, da harmonia e da beleza especificamente nas suas vidas profissionais e comunitárias para uma sociedade esteticamente aprazível, atribuindo a respectiva relevância para a Saúde individual e de grupo;
6.relacionar áreas fulcrais para o bem-estar (Higiene, Nutrição, Cuidados de Saúde, Desporto, Linguagens, Expressões Criativa, Espiritualidades), integrando uma visão filosófica e
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estética para uma melhor qualidade de vida pessoal e colectiva, numa recusa progressiva face aos desequilíbrios ambientais de todo o tipo e numa melhoria estética dos ambientes1;
Tais fundamentos, a ordenar em torno de princípios, atitudes e actividades diversificadas, estariam centrados numa educação estética dos espíritos, actuante no quotidiano em vários sectores, cuja matéria-prima seria alargada ao domínio público. Neste sentido, estas práticas poderiam suprir algumas lacunas da sociedade e enriquecer este ministério com alguns eixos de carácter terapêutico e lúdico, com a expansão de novas atitudes de promoção criativa do trabalho e do lazer.
Este projecto implica um aperfeiçoamento dos registos mental, espiritual e sensorial, entre outros; terá de contar com a gestão de vários sectores a transformar, e abranger, pelo menos os seguintes aspectos:
1.alargamento do conceito estético às práticas comuns do quotidiano, ou seja, incrementar noções, incentivos e práticas de Beleza, ao invés de a remeter para museus, galerias, monumentos, espaços e ocorrências criados para o efeito;
2.combate ao analfabetismo estético pela educação teórico-prática, esclarecedora das diversas opções artísticas com a informação histórica, cultural sobre Artes e Ofícios, de modo a facultar, transmitir e valorizar o exercício do gosto e do gesto estético-criativos no quotidiano;
3.construção, reconstituição, remodelação e embelezamento de espaços públicos, abertos e fechados, atribuindo uma dinâmica viva e harmonizada a objectivos adaptados e criados para uma funcionalidade estética.
A par dum conceito de património mundialmente reconhecido virado para o passado monumental e histórico desenvolver-se-iam práticas organizadoras de outros patrimónios mais restritos em termos da contemporaneidade. Estes seriam reconhecidos pela sua ancoragem num presente humano, que aspira naturalmente ao bem-estar, materializado em centros de cultura e lazer, fórum de ideias e práticas, galerias de artistas e artesãos, entre outros, num ritmo de expansão adequado à formação de necessidades reais. Contemplar-se-iam para articulação e exequibilidade de ideias e esforços enquadradas em diversos locais e também em ambientes ajustados aos objectivos.
Será, pois, da competência específica do Ministério da Estética evitar processos que contemplem a defesa árida de critérios económicos alheios ao espírito ético, estético e filosófico. Tal incumbência é indispensável a uma política humanista e humanizada, que defenda meios de promover as artes e afaste clichés infortunados referentes a uma minoria de «artistas», «galeristas», «coleccionadores», «museólogos» e grupos afins, tendo em conta a manutenção específica de cada grupo e a liberdade necessária à criação.
Em suma, almeja-se que o Ministério em causa conduza os seus princípios e medidas com liberdade e coerência, de acordo com critérios em permanente actualização e adaptação a mudanças sociais, para elas contribuindo activa e criativamente. Em pleno, contribuirá para desanuviamento de mentalidades e libertação de espíritos de padrões estéticos massificadores
1Recordo uma reportagem televisiva realizada com uma equipa de designers portugueses que se ocupava da ornamentação de paredes de enfermarias pediátricas num Hospital português, que aderiu ao seu projecto. Apesar de não poder referenciar cronologicamente os dados recolhidos, pelo que apresento as minhas desculpas, não quero deixar de anotar o que a memória gravou: a exequibilidade e a relevância pedagógicas. E o mais importante foi a constatação dos respectivos benefícios para a saúde, salientados por todas as partes envolventes, incluindo alguns pais e crianças hospitalizadas. Defendo que este tipo de projectos deveria ser alargado adequadamente a várias instituições que implicam o afastamento do lar.
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que têm implicações nefastas a níveis mais subtis da vida dos cidadãos. À medida que as consciências forem despertando, os efeitos das oposições e inércias serão afrouxados e o impulso estético, de índole ética, desenvolver-se-á progressivamente até ser natural, criativo e libertador.
Desafios duma esteticização fundamentada das consciências
Vislumbram-se desafios e dificuldades nesta mudança, a executar e a equacionar gradualmente, sem violentas rupturas ou forçadas imposições contando com as diferentes inércias instaladas, as habituais resistências às mudanças e as adaptações à realidade. Para tornar exequíveis algumas medidas poderia partir-se, por exemplo, duma despoluição estética geral do ambiente que beneficiaria largamente, entre outras consequências menos visíveis, um apuramento dos sentidos e um desanuviamento ecológico e saudável que equilibraria o convívio humano e com a Natureza. Todos conhecemos esforços realizados neste sentido e que integrarão, sem dúvida os programas do Ministério em foco.
A título de exemplo, poderia começar-se pelos locais de grande concentração de massa humana tais como jardins, locais públicos de funcionalidade diária, ambientes degradados, destinados à educação, cultura e saúde, mais especificamente edifícios escolares, bibliotecas, hospitais, centros de saúde, prisões, lares de idosos, gabinetes e repartições públicos. Os ambientes normalmente destituídos de cariz estético associados ao nível social sofrerão alterações progressivas, diminuindo a separação radical entre educação e saúde privadas e públicas reservando às primeiras as preocupações pautadas por um cunho estético e às segundas a total carência do mesmo.
Um dos desafios desta proposta estética aplicada ao quotidiano será a manutenção do respeito comum, a capacidade de gerir com liberdade, a pertinência de práticas inovadoras e estruturantes, estabelecer prioridades e responder sabiamente às agressões poluentes oriunda de várias frentes. Outro desafio será a integração da componente filosófica como base de actuação e difusão adequada, indispensável para o avanço das mentalidades.
Promulgo por isso uma raiz organizadora de cariz estético assente em princípios éticos fundamentais que equacionem liberdade e respeito, actuando a nível de despoluição visual, olfactiva, auditiva, táctil e outras, pois estou consciente do perigo de atitudes extremas, que não reparariam de modo algum a inestética generalizada e conduziriam, pelo contrário, à propagação dum policiamento facilmente conducente ao terrorismo estético.
Ancorado numa base profundamente ética, o Ministério da Estética salvaguardará abusos de monopolização de critérios e de manipulação de expressões assim como evitará ditaduras fundamentadas em padrões consumistas e compulsivos, que não contemplam princípios de harmonização dos seres e dos ambientes. Será assim salvaguardado o bem-estar dos cidadãos permanentemente assediados pela sobrecarga consumista da publicidade alienatória e efeitos oriundos duma permanente desatenção ao Belo, comummente manifestos e habitualmente aceites, ao abrigo de leis inertes que vegetam por todo o lado.
Apesar de estar consciente dos obstáculos e da polémica aqui levantada, acredito na possibilidade da inteligência humana reconhecer as disfunções advindas dum caos estético negligenciado, assim como acredito na possibilidade duma viragem relativamente ao preconceito de que a arte só provém, serve e se destina a minorias dotadas ou interessadas inatamente, só se exprimindo em guetos próprios arquitectados para o efeito. Além disso, já é tempo de abandonar políticas estritamente assentes em preocupações económicas desgarradas dum teor filosófico, ético e estético.
Em meu entender, a perspectiva estética deverá estar sempre presente para uma progressiva adaptação e um natural convívio dos sentidos com o Belo. O direito à
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contemplação difundida da harmonia e da beleza enriqueceria, decerto, os conhecimentos estéticos e outros, uma vez que não os entendemos isoladamente, o que possibilita a definição individual e a selecção autónoma de critérios. De realçar que os valores estéticos aplicados articuladamente com as necessidades reais e específicas de cada sector devem sair de circuitos hermeticamente isolados e ser accionados eticamente numa participação produtiva em prol da transformação benéfica do mundo que passa pela repulsa gradual, cada vez mais consciente, das consequências dos actos poluidores.
O retrato apresentado remete para uma sociedade apta a receber a qualidade integrada em todas as áreas úteis e recreativas, difundida e alargada a várias formas de expressão e expansão de ideias, emoções e sentimentos, que associa o Útil ao Belo e nele o integra. Sem pretensões inovadoras, pode recorrer-se a áreas já especificamente orientadas no âmbito artístico como as Artes de palco, as Artes gráficas, a Decoração, o Design, a Pintura, a Escultura, Arquitectura, a Fotografia, o Cinema, a Música, a Literatura que, separada ou conjuntamente, podem transformar salutarmente um mundo empobrecido num mundo esteticamente organizado. Porém, a grande finalidade é chegar a ambientes massivos e de concentração de actividades e tarefas excessivamente contempladas na sua funcionalidade e, como tal, alheias e insensíveis a toda esta problemática.
Espero que, de algum modo, a sucinta explanação aqui apresentada, que suprimiu estratégias minuciosas e condicionantes previstas por não ter sido esse o objectivo maior, possa entusiasmar e inspirar alguns espíritos atentos a reformas e reformulações profundas que o dia-a-dia clama e exige. Neste sentido, intentei contribuir para uma política visionada como arte aplicada ao quotidiano dito banal e passar a incluir, naturalmente, uma faceta estética ao serviço do bem comum, assente numa raiz ético-ecológica, despida de futilidades vãs e optimismos singelos, em prol do que poderemos aperfeiçoar.
Termino com um apelo à inteligência, imaginação e sabedoria dos leitores não só para encontrar vantagens e desvantagens na minha proposta, mas, sobretudo, para o aprofundamento duma questão urgente na sua aplicação porque negligenciada na sua essência: a implementação do Belo na consciência social.
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carlos h. do c. silva
Pessoa pluralidade possível -‐ encenação de uma leitura temporã e de permeio*
«Pas de connaissance, pas de métier, pas de science, pas d’art, pas d’action, pas d’ascèse, – qui ne soit visible dans ce Théâtre.
(…) Toutes les natures individuelles du monde, avec leurs mélanges propres de bonheur et de malheur, avec leurs gestes particuliers et autres moyens d’expression, – c’est cela qu’on appelle Théâtre.
Au Savoir sacré, à la science et aux mythes, il fournira un lieu d’audience, et au peuple un divertissement : tel sera le Théâtre. »
(Nâtya-çâstra, 1re lecture : « Origine du Théâtre », apud René
DAUMAL, «Traductions du sanskrit – Quelques textes sanskrits sur la poésie», in : Id., Le Contre-Ciel suivi de Les dernières paroles du poète, éd. définitive, Paris, Gallimard, 1990, p. 229)
§ 1. Leitura plural da pluralidade
De Sul para Norte, de uma cultura inglesa colonial sedimentada na África do Sul, veio, para o espraiado Tejo de uma ‘Lisbon Revisited’ e ainda ‘medi-terrânico’ espelho mágico, um Pessoa.4 Máscara por autonomásia de tanta viagem assim infantil e contra o Céu5, este Fernando, não da Baviera6, nem tocado pelos restos da pristina civilização boreal, traz sim da clássica lembrança os vultos muitos de uma possível ‘multiplicação dos pães’7, porventura sem milagre de vontade.8 Tão só no ‘drama em gente’ da constatação plural de qual fome de sentir universal…9
Ler 10 poderá ser a “manducação” de um sentido também assim sensibilizado até à consonância11 que arrepia de vida as múmias12, ou dá voz aos espectros gráficos13, desse mais ou menos que universo, em diversidades infindas.14 Donde aquela afirmação do poeta de que ‘só aprendemos a ler o que já vivemos’ e por assim o havermos sentido.15 Não a metáfora elaborada do ‘teatro’ de sentimentos alheios16, mas o ‘sim, sim; não, não’, sem sequer o evangelho de uma virtude.17 Tudo no avulso de algum momento, no dito efémero de um encontro, como aquele em que um pensamento de Pessoa, aliás pelo interposto António Mora do «Regresso dos Deuses», um dia ‘nos vibrou de sentido’…18
Duas notas ainda deste pretexto: tanto essa consonância de alma, que é como quem diz de ‘corpo’ com tal sentir19; quanto essa inteligência também ‘desalmada’ de um perceber a exacta demora dos Deuses20, que será quase o inverso do que, em Heidegger se diz “tarde demais para os deuses e por demais cedo para o Ser”.21 De facto, neste último registo, mais teorético, ou até visionário, é a própria demora dos deuses que há-de contar uma história real como se não fosse22, outrossim, bem mais a virtualidade do que se sente sem tempo, mas no a tempo desse ser tangido…23 Sim, tocado por uma afirmação de Pessoa sobre a Natureza, como se esta fosse tão contrapolar das pessoas24 e da própria unidade conceptual que leva a divinizar a Natureza, como aliás a naturalizar assim, ainda que incompletamente, os Deuses, os tais Universais, as Ideias.25
A afirmação que aqui se lembra é a seguinte: “A religião pagã é politeísta. Ora a natureza é plural. A natureza, naturalmente, não nos surge como
um conjunto, mas como “muitas coisas”, como pluralidade de cousas. Não podemos afirmar positivamente, sem o auxílio de um raciocínio interveniente, sem a intervenção da inteligência na experiência directa, que exista, deveras, um conjunto chamado Universo, que haja uma unidade, uma cousa que seja uma, designável por natureza. A realidade, para nós, surge-nos directamente plural. O facto de referirmos todas as nossas sensações à nossa consciência individual é que impõe uma unificação falsa (experimentalmente falsa) à pluralidade com que as cousas nos aparecem. Ora a religião aparece-nos,
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apresenta-se-nos como realidade exterior. Deve portanto corresponder ao característico fundamental da realidade exterior.” 26.
Independentemente do contexto da religião, ou talvez não (pelo que também chamamos “tentação” mental ou assim luciferina…)27 o politeísmo das coisas-deuses, a pluralidade variada dos muitos nomes ‘cousados’ dessa maneira28 e por debaixo deles essa pulsação29 do que surge… como todas as sensações, vibrações que ritmam a consciência, há a experimentação falsa enquanto nível “zero” de uma tal mentira do mundo exterior como Universo, como unidade.30
§ 2. O multíplice sensível e o uno possível: os limites heterónimos do pensar… O totum não será pensável senão como limite já num arrepio imaginário de sentir tudo ou
pretender senti-lo de todos os modos.31 Porém, aquela pretensa ‘exterioridade’ do que se sente ‘surgir à consciência’ pode constituir apenas um refluxo inconsciente disso ‘que fica por pensar’32, disso que só ao ser sentido, como se exterior, se torna tal. E será mesmo tal ?33
A tentação (peirasmós, ou “delimitação” assim em provação…34) está em resumir como quem conta, não só somando mas totalizando, encaminhando de um viver que só sobrevive vário, e à solta35, para um pensamento que mede pela igualdade do seu mesmo nexo.36 E isto sem ‘balança’ ou sem a mercê sequer de uma dialéctica conciliação sonhada.37 Tentação que reflecte o lado mentale “mentiroso” que se situa na linguagem e na capacidade de simbolizar o alheio sem de facto se alienar, não podendo sair de si senão para mais reconhecer, em si mesmo, estar entrado.38
Donde a consciência perplexa aquém ou além desse percurso reflexivo perante um ontológico paradoxo de ‘haver entes e não o nada’39, de o próprio fundamento se complicar num Ser dos entes que não coincide com a onticidade vária de outras diferenciações possíveis.40 Como se o pensamento unitário se rasgasse e se abrissem abismos nem sequer da Origem41, do Uno42…, mas das muitas géneses que cada momento de conhecimento implica além da causalidade pensada de tudo.43 De facto, na totalidade da lógica mental não se esgota o possível de tudo mais44, pelo que se volta ao porquê?, além do como?45
Diríamos que em Fernando Pessoa não há a métrica estatuída da interrogação que sonda abismos, nem a pergunta meramente modal que explica banalidades.46 Antes um tal? Questionante, tão enigmático como um sorriso triste ou o limite misterioso do vulto heterónimo súbito aparecido no espelho…47
Os heterónimos não são sentidos (quando muito experimentados, como acima ficou dito pelo Autor); são, antes, pensados48; comportam-se como “categorias” lógicas de um universo absurdo ‘em que se espera o inesperado’, ou em que se faz tempo para coisa nenhuma…49 Por outro lado, todo o imenso caudal poético que ritma o sentir é sentido neste velado leito de muitos olhares e nomenclaturas que o tecem como se possível, quando em si ortonimamente, ou nunca tal, o viver é para se sentir e não para se pensar.50
§ 3. Não a unidade da acção, mas a diversidade técnica do poder. Então, a lógica está toda no jogo das personalidades e na inter-subjectividade ausente desse
‘drama em gente’, enquanto as estesias poéticas ressaltam do tear de mundos no embaraço de haver cores e sabores, sentires e lembranças, e… sem que deva aí corresponder com alguém para sequer o reflectir.51
A questão não está na comunidade de um sentir que acerte valores de símbolo ou céu misticamente acessível a todos52, mas o drama de muitos como primitiva sociedade em que não há um nós de acção, uma intersubjectividade prática, na glosa fáustica de um absoluto ‘começo na Acção’.53 Outrossim, sócios vários da Natureza instintiva e solidária em ressentimentos e presenças de poder, antes de sequer consciencializado nosso. Algo pois de retintamente anti-fáustico nesse drama em fragmentos54 do ‘contágio’,55 sem um «Ao começo…» solene, nem um “afinal”, mas tão só no tremendo poder do que fica. Fica, como quem não quer a coisa, de permeio.56
É essa societas “avant la lettre” da polis e da nossa sociedade de conhecimento e interesse57 que está na base de uma outra viagem platónica pelos cumes dos possíveis, quais cariátides do Templo
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contornando em cada coluna o labirinto da ‘floresta de enganos’ e acertando as falsas portas de uma orientação outra, onde o sentir respire, ainda que de permeio e sem tempo social senão pela arte do seu efeito.58
Mas será que uma coluna, sequer de palavras tão esbeltas como um sutra, tem efeito que não seja o de poder suportar a sua base e o seu céu no silêncio singular?
“Ideias bruscas, admiráveis, fraseadas em parte com palavras intensamente próprias – mas desligadas, a coser depois, erigíveis em monumentos; mas a vontade não as acompanharia se houvesse de ter a estética por parceira e não ficar em parágrafos do conto possível – só como linhas, parecendo admiráveis, mas que, em verdade, só o seriam se em torno delas se houvesse escrito o conto em que elas eram momentos expressivos, ditos sintéticos, ligações…” 59
Ou terá a voz possibilitada de se circundar de glosas, moinhos de oração, na parábola social e no redondo circuito do mercado de actos sem poder?60
Aqui dividem-se os poemas de Pessoa. Talvez apenas para mostrar nuns o efeito nulo de outros absorventes dos primeiros, ou nem isso…61 Circula nessas possibilidades extremas do dizer62 uma quase-xamânica ‘inspiração’63, assimilando-se em telúrica e ‘antiquíssima noite’ alquímica64 o que não é, pois, símbolo, mas o sacramento do saber trazido ao ante-sabor do ser.65 Do ser como um perfeito intermédio sentir-poder ou poder-sentir.
Foi esse o tempo (sempre a ficar impensado em Pessoa)66 que se deixa colher em roteiro de viagem, em arte do instantâneo de tantas imagens paragens, de um sentir assim de permeio.67
§ 4. Alternativa lição da estética antiga – o neo-paganismo. Pessoa trouxe, pois, do Sul africano, sob a máscara da cultura inglesa e europeia de base68, o
gesto profundo e equivalente a uma génese sapiencial do Egipto grego69 a partir desse âmago etíope e mais recôndito até70, fazendo inverter a filtragem germânica e centro-europeia da tradição ária, como se passagem também cristã e obrigatória para a recuperação do génio antigo.71 A Cultura Clássica já não será assim obrigada segundo a erudição linguística indo-europeia e o reflexo hermenêutico de um pensar activo da moral do Ocidente.72 O germe, outrossim oriental, porque de novo orientante da “mensagem” de Pessoa, provém ainda da épica das estesias homéricas e do frémito plural de um paganismo salvo da história ou do drama da própria helenização do Cristianismo.73
A volta de retorno a este – por isso, neo-paganismo ‘antigo’ – evita a tradução “filológica” e mais ainda a sedução mental do significado e, sobretudo, da representação.74 A Hermes bastaria ‘indicar sem ter de declarar’, menos ainda de explicar, como se a hermenêutica pudesse ser chave de uma compreensão.75 Não. Ali o banquete tem os sabores dos saberes das coisas todas e muitos os cheiros, as cores e os sons deste bailado da estética helénica nesse puro dar-se conta desse sem conta…
De facto, o pretenso ‘caminho’ do sentir, nem sequer é via, como suposto método, já que ‘por aqui e por ali’, no avulso desse ir andando como quem não quer a coisa, aquilo que impressiona é até a invasão mística dessas sensações.76 Melhor dizendo, do que me sente a mais de mim mesmo e no equivalente de tantas supostas pessoas de suporte, de sujeito, como as objectivas máscaras de tanto e tão variado sentir. Porém, mesmo o dizer variado é por demais e, neste ponto zero dos indicativos, caem-nos aos pés as máscaras, sendo de rosto nú, ou sequer sem face alguma, que se vê sem olhos, se ouve sem ouvidos, se entende sem órgão pensante…77
§ 5. Diferente do ensimesmamento a inquieta vária física de alma… Estamos próximos do teatro grego, como das tertúlias dos cafés de Lisboa78, nesta evidência
heterónima de um Pessoa que sabe medir este trânsito do oriente da Hélade no ocidental das Hespérides, afinal num entremeio que exclui todo o passo que não seja o “drama extático” de uma outra viagem: a deslocação do outro em mim.79 Tal como na sábia vertente mediterrânica de uma tradição platónica da Pérsia, a terra de Ishrâq ou do extremo exílio ocidental segundo
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Sohrawardî,80 é, por outro lado (há sempre um outro lado como “lugar” de transcendência…81), uma pátria celeste – uma terra celestial – que mente a todos os pontos cardeais e se mantém simplesmente no meio.82
Eis o que, cruzando a viagem Sul – Norte com este outro trânsito ‘ex oriente lux’, mostra o banal de uma pretensa geografia euclidiana de Portugal e desta unidade de língua que aqui e agora refere tal orientação.83 O tal meio é meio do meio e também extremo de toda a orientação possível, permitindo, aliás, observar como na fragmentação sucessiva, qual aporia lógica dicotómica infinita, se descobre o irredutível de tal ou qual, mesmo que (e sobretudo se) “um não sei quê” que indómito se sente.84
Então, bem se pode compreender que em pessoa não há a metafísica da Pessoa e das sensações assim elevadas a estruturações do espaço e tempo como abstractos deuses85, ‘faróis’ da mente e ofuscantes possibilidades reais mas, outrossim, a naturalização do espírito86 ou, aquém da virtualidade deste, em tal sempre “segundo parto”87, uma física da alma a justificar a pluralidade das pessoas.88
Se não a “metafísica das sensações”, segundo a coerência hermenêutica do dito idealismo mágico, mais rés-vés à profundidade de uma flor da pele, cantam nele as melodias dessa mística sempre dos sentidos e do que neles fica sempre no êxtase carnal bem aquém do dizê-lo ainda.89 Porém, seria pretensão admitir este retensivo assim aquém da linguagem como se esta não fosse, em Pessoa, uma chave zen de um dizer fotográfico, de uma imediatez infindamente serena em seu mesmo desassossego.90 De facto, indicar a sensação na saudade de um apesar de si mesmo e de um embora assim usar da linguagem, é por demais exorcizante do que, no heterónimo, era o cristalizado de um sentido sentido.91
§ 6. Mística de fingir o que se sente para se sentir o que se finge… A mística pessoana ronda pelos esconsos das ‘moradas’ pouco consistentes de personalidades
projectadas, ainda que como exercícios tulku de um visionar objectivante e daquele modo idealmente consequente, ou seja, numa theoría mágica.92 Todavia não é a vontade que aqui se condensa numa hiper-práxis que dê a ver93, outrossim, uma inteligência linguística lúdica e deíctica que pensa como quem pesa na tal “física da alma”, o teor, o tonus, o próprio tropeço de cada sentir (ainda que assim levado ao grau do puro anestésico).94
Há deste modo “valores” intermédios às personalidades, às razões de dizer, às Ideias absolutas ou ao relativo ainda dos Deuses em processo abstractivo, verificando-se uma falta de abstracção do sentir sem unidade, sem capacidade outra que não mental, da sua inexorável mentira.95 Mas, se as sensações são assim fingidas em sua mesma verdade aparente96, aparentam também um lastro fictício que devolve, da possível abstracção linguística que as nomeia, em direcção a um tal sentir sem pensar, inefável ou incomunicável.97
Isto que, aliás, parece bem sabido nos “estatutos” nietzscheanos e dramáticos da cultura ocidental revela-se, entretanto, longe do binómio: apolíneo, de um falar sem viver, e dionisíaco, de um instinto incomunicável98, numa mais ancestral solução que se encontra na perspectiva caleidoscópica de Pessoa. Trata-se de um olhar inteligentíssimo capaz de tanger o que se sente como se em sua natureza própria; isto é, intermitentemente.99 E, se o caminho se traduz no iniciático símbolo do zigzaguear da serpente, os feixes derivados em cada elo desse movimento coleante despertam para transcendentes geometrias que, de facto, abortam a coerência tradicional do ensinamento inteiro.100
Ficam, isso sim, fragmentos, momentos como ‘peles despidas’ de uma lembrança a mais…, que a vida está aí, intersticial e oportuna, na pluralidade mesma plural de tal natureza.101 Eis o que faz pressentir antigos processos técnicos de uma primordial sinergia na construção da mente, das suas supostas regularidades e regime mnésico, face à desproporção até física e sensorial de outras estesias.102 Numa palavra, a clara consciência da arte de tal split, não tanto de “alma” em corpo, mas deste e do mais que o pulveriza em sensações múltiplas, no que, – muitíssimo mais tarde, em linguagem transcendental – se pode comensurar como a assimetria entre sentir o que não se pode entender, e entender o que não se possa sentir.103
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§ 7. Multidimensionalidade da poesia pessoana Há, pois no “pluralismo” pessoano os expedientes múltiplos desta persistente assimetria, até
como garantia de uma fronteira do diverso que não se converta universalmente. Ou seja, técnicas avulsas para delimitar o que, no seu próprio limite, é instável e efémero.104 E, sejam as linhas de contorno dos heterónimos, sejam as periferias de uma possibilidade mais elástica de a todas entrelaçar num mesmo suposto ortónimo discurso, como o das considerações em prosa, das interpretações e auto-análises, etc.105, o que importa salientar é o multidimensional, entretanto reconhecido do lado diverso, no outro do próprio sentir dispersivo.106
Aqui está o génio de Pessoa, não tanto em fazer-se ouvir através do medium vário de deuses próximos que lhe falam na inteireza interior de um discurso possível107 ou até no hiper-poeta e trans-poético dos seus outros “eus”108, quiçá impedindo outra escuta dos Superiores Incógnitos que imponham um voto de silêncio109; outrossim, nessa geometria não-euclidiana que cava ‘cavernas’ celestes no sentir falso, fazendo das aparências a filigrana em que o cá e o lá se correspondem de exclusão e incoincidência absoluta.110 Ou nem sequer isso…, que implicava supor um universo e sua quântica singularidade111, mas o que, em termos de tempo, se limita aos desenhos fractais de quanto tempo neste mais que dois e menos que o todo.112 Enfim, um símbolo roto e caótico cuja fecundidade se deixa habitar, ora agora, ora noutro hic et nunc por um êxtase assim consciente de sentir.113
Todo o cuidado de Pessoa está em não fazer declinar esta descida aos ritmos variados da vida numa memória continuada, duracional ou bergsoniana, em que tudo pudesse ser contado, mesmo que não entendido, numa ‘história pessoal’.114 Não, não há autobiografia e o rio do que se sente corre na hora parada de um entrelaçar de mãos, como a técnica de tecer, do tear, do fazer tempo ou do puro passa-tempo.115
Donde não haver nada a fazer116 e só assim a demiurgia maior da vida ao arrepio das várias sensibilidades, da psicologia da alma dos respectivos heterónimos e do que neles se filtra de comentário ético, político, artístico, religioso…117 É apenas o limiar instrumental, ou o novum organon de Pessoa, esse pensar por (ou em) pessoas, já que no ‘espelho mágico’ de um ver sem falar, ou de um ouvir a voz como se na visão fractal e do ancestral saber védico, se desorganiza a mente em poesia e esta, em desfaçatez.118
§ 8. Meditação da pluralidade e diferenciação consciente O hipertrofiado desassossego não é geral, nem sequer assim diz o mesmo de muitos modos ao
longo de um drama banal, ou do próprio banal trazido ao extremo tédio de tudo poder conjugar em deformações do espelho sem toque sequer de imagem, menos ainda de carnação sofrida.119 Assinala, outrossim, como a Mensagem soleníssima o número cabalístico do momento único nesse supremo fingimento de tal ou qual inquietude, talvez sossegado desassossego, ou tão só desfaçatez.120
Nesse tempo que não tem de ser definitivo, – mas se desfaz do “Era uma vez…” e outras quejandas expectativas genesíacas ou simétrico eros teleológico121, por conseguinte tão só num kairós (que até pode não ser oportuno),122 e assim se purifica no que fala sem nada dizer, – é que se medita a pluralidade.123 Pura pluralidade que é isto e aquilo e aqueloutro e…, não se havendo sequer de pensar como “terreno” de um sentir, tantas vezes pré-ordenado como sensório comum.124
A meditação está implícita na conjugação extática do verbo de Pessoa, ainda como uma intensidade que tem os seus dias, os seus versos, os seus fragmentos de frases… e diz directamente “estados de coisas” na directa “representação” do que se diz sentir (fingindo, é claro).125 A pluralidade está sempre a mais e é outra ‘mercê da vida’, ou desta fazendo dom, sem o nexo subjectivo que obriga a ser actor ou espectador e a reagir na ética de um ‘mundo justificado’.126 Não que a pluralidade seja uma “solução estética” alienante da mente, mas até conversiva das possibilidades pensantes para a lucidez consciente. Atenção assim, momentaneamente liberta daquela causalidade de actos e consequências, ou distendida para o
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embalo de uma história cuja sedução mítica psicológica deva continuar a habitar-nos de identidade e expectativas.127
A meditação, aqui menos como um solene stop the mind, mas no terreno pantanoso e excessivo de um pensar tudo de todos os modos, na suspeita imediata de um viver tudo de todas as maneiras,128 corrige o que fosse uma “teoria da pluralidade”, uma doutrina heteronímica, no que seja apenas o clique de uma diferenciação radical: não esse pensar da mesma maneira circunstâncias diversas, mas de atender, diferencial e lucidamente, ainda que a uma mesma banal e monótona circunstância.129 Tão banal assim que ilustra bem como a pluralidade lhe resta a ser inventada, no que é o germe humílimo e simples da extraordinária criatividade. Tão monótona que, se for monotonizada ainda, revelará a maior diferença em sua aparente constante unidade.130
De um certo ponto de vista, mais ou menos indiferente, dir-se-á que toda a obra de Pessoa repete e repete essa diferença, quase a tornando assimilável na solução estética e global da vida.131 Porém, num olhar mais intersticial reconhece-se a impossibilidade de tal solução pelo próprio contágio estésico de tantas maneiras de sentir na elisão de sensório comum, de sujeito sentiente e sequer de indivíduo tout court, retomando em abrupta recriação o diferente de mim a cada momento ou nem isso e a mutação de consciência na possibilidade pura e intrínseca desse mesmo “nada” consciente.132
Dir-se-á um sensorialismo oscilante entre os soclos aristotélicos de uma matéria prima tão paradoxalmente metafísica, quanto redutível à lógica do mundo sensível133, e, por outro lado, o imaterialismo de uma teologia berkeleyana a desejar falar com Deus nessa linguagem de ‘êxtases ao luar’…134 Nada disso. A descoberta de que aquilo que se chama, e se tem nomeado, como sentir é adjectivo tardio de uma pluralidade e até de outras ordens de imediatez não apenas imaginárias, emotivas, volitivas…, mas do que na tradição conhecida desde os Gregos não ganhou nome, pois são outros poderes…, outras não-realidades que, como sombras, ou extracções da noite na dita “poesia negra”, interpelam de espanto ou pausa…135
§ 9. Multiforme escalonar inteligência O que é decisivo nesta inteligência de Pessoa é a escala desses diversos degraus, nem sequer
como forçosamente da mesma escada, mas como resultado da intersecção de escadas múltiplas e no perceber-se que há um sentir do sentir que não terá que vir a ser um pensar, como haverá assim um pensamento que se deixa cheirar e aflorar como pura sensação.136 Ao longo da escala plural há muitas subidas e descidas que, embora naquela global repetição de tudo até à exaustão de um “eterno retorno”137, marcam – agora ou logo138 – aquela possibilidade em que isso se aninha, pulsa… ou se evola e morre de mansinho.
É a vida poetada em pessoa: plural nesse algo mais que fica a menos dizer…139
* Este inédito, que ora vem a lume, constitui com outros nossos textos – «Do Intermédio da Pátria ou do periclitante tempo nacional» (in: Nova Águia, nº 2 – 2º Semestre (2008), pp. 100-118); «Vocação eremítica e diálogo intercultural – do único e sua diferenciação” (in: Cultura Entre Culturas, nº 1, (2010), pp. 35-48); “Aviso Único”; “Ipsissimus – Identidade e diferenciação»… (ainda não publicado), etc. – um conjunto de meditações sobre a desidentificação. Meditações essas que têm a pretensão de escutar do Mestre Caeiro- em Pessoa- o paradoxal ensinamento da pura contra-identidade, quanto reflectir em glosas de pormenor doutrinas congéneres da Física moderna e das novas Cosmologias. 4Aliás definitivo regresso, em 1905, a Lisboa, donde em criança tinha saído para Durban, (e onde tornara durante a primeira adolescência apenas em 1901-1902): direcção orientadora da sua geografia adolescente. E quem diria, simbolicamente, ser a linha recta a menor distância a unir tais extremos, quando já aqui se esboça uma geometria de geodésicas de saudade em demanda de um centro variável É, entretanto, tão só um conhecido dado biográfico: cf. João Gaspar SIMÕES, Vida e Obra de Fernando Pessoa – História de uma geração, (19541), Amadora, Livr. Bertrand, 19804, pp. 65 et passim. Como se tal biografia não fosse, por outro lado, invenção em espaço de memória (tal o diria Paul RICOEUR, La mémoire, l’histoire, l’oubli, Paris, Seuil, 2000, pp. 53 e segs.) uma presença não-local – de facto de Je est un autre, na fórmula de Rimbaud… (cf. Id., Soi-même comme un autre, Paris, Seuil, 1990) embora assim referida por tais
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concomitâncias em larga medida temporalmente esquecidas, como mostra a (psic-)analítica de alma ou da pretensa história pessoal… Tal o mostrámos a propósito de Santa Teresa do Menino Jesus (cf. Carlos H. do C. SILVA, “A questão autobiográfica ou do tempo absoluto – A propósito da «Histoire d’une Âme» e da sua Autora” [1ª parte: «Tempo lembrado»], in: Rev. de Espiritualidade, XIII, nº 52, Outubro/ Dezembro (2005), pp. 245-271; Id., [2ª parte: «Tempo almejado»; e 3ª parte: «Tempo absolvido»] , in: Rev. de Espiritualidade, XIV, nº 53, Janeiro/ Março (2006), pp. 11-80), caso que, aliás, não deixaria de convir a fecundo comparativismo com o poeta dos heterónimos, por via do desejo, ou não, da história de uma alma ou desalmada, de uma projecção celeste ou da declinação luciferina…, com Nietzsche como paradigma volitivo (cf. no nexo com St.ª Teresinha: Noëlle HAUSMAN, Frédéric Nietzsche, Thérèse de Lisieux, Paris, Beauchesne, 1984) ali absorvido e em Pessoa denegado… Cf. ainda João Gaspar SIMÕES, op. cit., pp. 105-107, referindo o pudor biográfico do poeta. 5De facto, muito fica na in-fância deste jogo de escondidas e de tal ulterior “fazer de conta”… sobretudo no que, como em René DAUMAL, Le Contre-Ciel, (1955; Paris, Gallimard, reed. 1990) é o signo poético anti-romântico e desconstrutivo de toda a fácil subjectividade. Daumal diria, outrossim, por adultas potências interiores o “grande jogo” do retour à soi (que não forçosamente a “mim”, à moi…). Cf. René DAUMAL ou le retour à soi, Textes inédits, Paris, L’Originel, 1981… «Il réalisa «la certitude mathématique, expérimentale et émotionnelle» d’une réencontre avec «le néant face à face» », como sintetiza Michel RANDOM, Les puissances du dedans, Luc Dietrich, Lanza delVasto, René Daumal, Gurdjieff, Paris, Denoël, 1966, p. 262. 6Quando muito da “nossa” Baviera, como ensaia pensar em termos míticos e analíticos, Eduardo LOURENÇO, Fernando, rei da nossa Baviera, Lisboa, IN-CM, 1986. De lembrar ainda João Gaspar SIMÕES, op. cit., p. 579, quando contrasta a personalidade fragmentada de Pessoa com a impossibilidade de “fazer de si mesmo o que um Goethe conseguiu fazer da sua própria personalidade: alcançar o Absoluto através de sucessivas transmutações.” – leia-se “alquímicas”, já que em Fernando Pessoa, como se pode prever até pelas notas fragmentárias do seu projecto de escrever um «Fausto – tragédia subjectiva», há tais operações, outrossim, na objectividade do opus sem “sujeito”… 7Em termos actuais encontra-se a glosa da multiplicação, não miraculosa como em Mt 15, 35…, seja em Alain BADIOU, Logique des mondes, L’être et l’événement,2, Paris, Seuil, 2006, pp. 121 e segs.: «Dérivation de la pensée d’un multiple à partir de celle d’un autre multiple», seja na curiosa reflexão da poética cosmológica contemporânea: Sven ORTOLI e Jean-Pierre PHARABOD, Le cantique des quantiques, Paris, La Découverte, 2007. Em Pessoa é, antes do mais, a proliferação das “influências” simbolistas e outras, que lhe advêm de França, também, da filosofia grega… dos poetas latinos ainda. Não tanto da Alemanha, apesar de Goethe…, nem do que Fabre d’Olivet, na sequência de Yves Saint-Alveydre, de Papus…, remete para o esoterismo da antiquíssima civilização boreal. 8O costumeiro abulismo que refere F. PESSOA, “Cartas a dois psiquiatras franceses” (10.06.1919), in: Obras em Prosa, ed. Cleonice Berardinelli, Rio de Janeiro, Nova Aguilar Ed., 1982, pp. 57 e segs. Não uma “metafísica” da vontade, sem sabermos nós da mesma mais que o tangente do instinto (como diria Schopenhauer), donde o signo não heróico do drama vivido. Cf. nossa nótula: Carlos H. do C. SILVA, “O pseudo-paganismo de Nietzsche – Uma leitura de F. Pessoa sobre o filósofo germânico”, in: Boletim de Ciência das Religiões (Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias), I, nº 1, 2º Sem. (2000), pp. 19-20. 9O “drama em gente”… cf. F. PESSOA, “A génese dos heterónimos”, [ms. 1935], in: Obras em Prosa, ed. cit., pp. 92 e segs., a ecoar outrossim o pólemos de Heraclito, o jogo atómico de Demócrito e de Lucrécio, ainda na estóica serenidade da tensão natural e da harmonia conquistada pela voz calada da razão forte (do anékhou kaì apékhou). Cf. F. PESSOA/ BARÃO DE TEIVE, A Educação do Estóico, ed. Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 52: “Use com brutalidade do uso; abdique com a absolutiza da abdicação. Abdique sem lágrimas, sem consolações de si mesmo, senhor ao menos da força da sua abdicação. Despreze-se, sim, mas com dignidade.” 10 …ter um livro para ler e não o fazer… Sim, sempre um pre-texto para, como légein e lógos, “colher” (como pensa Heidegger…) o que, entretanto, já lá germinava e de repente se supõe florilégio, mas é tão só um acerto sub-consciente no que a invenção da escrita tornou magia ‘de trazer por casa’. 11Na verdade também pitagórica da mathesis musical de um acerto do som e do número (cf. John STROHMEIER e Peter WESTBROOK, Divine Harmony, The Life and Teachings of Pythagoras, Berkeley, Berk. Hills B., 1999, pp. 66 e segs.) tal como empírica ou sabiamente nos mantras da tradição hindú. Vide Arthur AVALON, La Doctrine du Mantra, La Guirlande des Lettres/Varnamâlâ, trad. do ingl., Paris, Éd. Orientales, 1979. 12O caso exemplar estará no poema de F. PESSOA, «A Múmia», em «Cancioneiro», in: Obra Poética, ed. M.ª Aliete Galhoz, Rio de Janeiro, Aguilar, 1972, pp. 131 e segs. 13Não havendo em Pessoa um impressivo reflexo dessa arte de Thot (que considerámos nos “signos arquetípicos”: Carlos H. do C. SILVA, “Dos signos primitivos: Preliminares etiológicos para uma reflexão sobre a essência da linguagem”, in: Análise, I- 2 (1984), pp.21-78; Id., (Continuação), in: Análise, II -1, (1985), pp.189-275), quiçá lembrado do reparo de PLATÃO, Phaedro, 274d…, nem uma poesia visual como a de Paul CLAUDEL, «Cent frases pour éventails» (in: Oeuvre poétique, Paris, Gallimard, («Pléiade»), 1967, pp. 699-744), no eco da caligrafia extremo-oriental (cf. François CHENG, L’écriture poétique chinoise, Paris, Seuil, 1977), para já não falar das páginas ‘desenhadas’ dos surrealistas… 14Aqui se impõe a hodierna noção do multiverso, também de “universos paralelos” ou de universo em aberto, usando das noções de espaço-tempo curvo, fechado ou em abertura, capazes de problematizarem os limites epistemológicos,
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críticos da própria ciência como tal mundo de linguagem instrumental assim. Cf., por exemplo: John LESLIE, Universes, London/ N.Y., Routledge, 1996, pp. 66 e segs.; David LEWIS, On the Plurality of Worlds, Oxford, Blackwell, 1986; e vide infra n. 30. 15Cf. F. PESSOA, também em «Notas pessoais» [ms. 1910?], in: Obras em Prosa, pp. 75-76. 16Apesar desta nossa encenação cósmica, segundo a indicação ‘védica’ em exergo antecipadamente justificada… 17A questão não está no valor de um falar sobre, acerca de, em aproximações que tendendo embora para a assímptota não coincidem senão no impossível infinito assim. Está como adverte desassossegadamente o prosador numa ‘conversão à gramática daqueles que não saibam pensar o que sentem’: B.S., Livro do Desasocego, ed. J. Pizarro, (in: «Edição Crítica de F. Pessoa», XII), Lisboa, IN-CM, 2010, t. I, p. 247: “… terei falado em absoluto, photographicamente… Não terei falado: terei dicto.” É ainda o nosso dito e feito num súbito assomo de nenhures em que o fenómeno saturadíssimo (como pensa Jean-Luc MARION, Le visible et le révélé, Paris, Cerf, 2005, pp. 35 e segs.: «Le phénomène saturé») explode de sentido… 18 “…as paredes vibram-me sentido…” (F. PESSOA, “A Múmia”, v, in: ed. cit., p. 133). Tudo é sempre um dia, um momento; o resto é história!… 19Todo o indicativo último de presença tem aqui corporalmente a sua âncora, não do mero somático biológico já assim “representado”, mas de uma chair de alargado estar mesmo que sem ser. De qualquer modo a encarnação do sensível neste corpo de sentir (ou assim pensar?) e a consciência desperta que todo o êxtase espiritual é sem dúvida ‘crucificado’ em sulcos sensibilíssimos, ainda do puro corpóreo gozo místico. Como lembramos de Louis MASSIGNON, «L’extase pourtant n’est pas une chose de l’âme. C’est une chose purement physique, dans les signes que l’on en trouve. » («Discussion sur le péché» (1944), in : L.M., Écrits mémorables, Paris, Robert Laffont, 2009, t. I, p. 175). 20Como se, entre as Ideias perfeitas, como deuses universalmente ascendidos, e o ritmo decadente da alma, num ir entendendo segundo as declinações psico-lógicas, houvesse o perpétuo “chercher midi à catorze heures”, qual desajuste entre intuição na hora e atraso da discursividade de um “entretien infini” (Maurice Blanchot). Porém, a demora também é um “outro morar” a que o «Regresso dos Deuses» de António Mora não é alheio. Eis essa estranheza (Unheimliche)da vizinhança do Sagrado, seja sob o signo heraclitiano do êthos anthrópoi daímon estín (HERACLITO, frag. B 119 ; in : D.-K, t. I, p. 177), seja nos “esponsais místicos” de um divino namorar…(cf. André BORD, Les amours chez Jean de la Croix, Paris, Beauchesne, 1998, pp. 113 e segs.). O demeurer e o « morar » das moradas de alma foram por nós salientados a propósito da mística ISABEL DA TRINDADE, Obras Completas, trad. de Carlos H. do C. Silva, Avessadas/ Marco de Canaveses, Ed. Carmelo, 2008, em notas. 21 „Wir kommen für die Götter zu spät und zu früh für das Seyn.“ (M. HEIDEGGER, Aus der Erfahrung des Denkens, Pfullingen, G. Neske, 19652, p. 7). 22A história do «esquecimento do Ser» segundo a destinação da metafísica ocidental… O historial de uma ausência também na Kehre como “ausência de história possível”… Cf. M. HEIDEGGER, »Das Ende der Philosophie und dis Aufgabe des Denkens«, in: Id., Zur Sache des Denkens, Tübingen, Max Niemeyer, 1969, pp. 61 e segs. 23Donde o arrepio de estranho haver algo em tal experiência do pensar, lembrando que denken (como no inglês think, remete para Ding (ou thing), num eco etimológico de algo táctil ou assim realizado. Um ser tangido por tal pensar assim tocante… Retoma-se M. HEIDEGGER, Was heisst Denken?, Tübingen, Max Niemeyer, 19713; e vide também Id., Einführung in die Metaphysik, Tübingen, Max Niemeyer, 19663, pp. 88 e segs. 24Desde longevas origens (duais) do sistema de linguagem analítico em nomes e ‘pro-nomes’, em coisas e pessoas, em deuses e homens, em substantivos e predicações, segundo o caso…, que se reflecte na tendência pessoana para o retorno à força primeva da palavra: um chover que chove, um andar andando, um ser-me mim…; no contraponto, tanto quanto baste, entre o cenário natural e o palco shakespeareano deste mundo humano, também ‘por demais humano’ (“Menschliches, Allzumenschliches…” de Nietzsche). Nem naturalismo, nem humanismo; «princípio antrópico» avant la lettre ou também futurante trans-humanidade… longe do “gado” ou pashu, como dizem os tibetanos. (Cf. outro ‘pastoreio’ de diverso rebanho de seres, em Françoise BONARDEL, Transhumances, Paris, Fata Morgana, 1999). Sobre este percurso pessoano que se poderia dizer inhumano:“non dans la pensée (…), mais du dehors de la pensée”, como diz Jean-François LYOTARD, «Avant-propos: de l’humain», in: Id., L’inhumain – Causeries sur le temps, Paris, Galilée, 1988, p. 13, remetendo, aliás, para a questão da técnica e da “incorporação” do tempo quiçá no angélico do “instante” (Ibid., pp. 89 e segs.). 25Trata-se da platónica ou angelológica solução para o conjunto por demais desconjuntado do que aqui se sinta vário e além se pense uno: a útil invenção dos deuses: “Na evolução do espírito humano do pensamento concreto para o pensamento abstracto, há fatalmente um momento em que se dá a transição de uma forma de conceitos para a outra. (…) Teoria dos deuses: Os Deuses são o primeiro grau de abstracção. Ao passar do conceito concreto de tal árvore para a ideia abstracta de «árvore», o homem atravessou fatalmente um período intermédio. (…)” – e Pessoa acrescenta mais adiante – “…pode chegar a um estado social que lhe permite formar-se a idéa de Útil (…). O princípio das religiões está na divinização do fenómeno vegetal, e no de outros fenómenos da mesma natureza útil, dinâmica (…).” Conclui sublinhando: “Os deuses são as idéias humanas em passagem de noções concretas para idéias abstractas.” (António MORA, «Teoria dos Deuses. O que são os Deuses» [dat. 1917?], in: F. PESSOA, Obras em Prosa, ed. cit., pp. 203 e 206). Sobre este politeísmo natural, vide n. seguinte.
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26Cf. António Mora, «Regresso dos Deuses» [dat. 1916?], in: F. PESSOA, Obras em Prosa, ed. cit., p. 175. 27 Rudolf STEINER (emDer Entwickelungsgang der Menschheit in seinen drei Kräfteströmungen. Der Zusammenhang des Luziferisch-Ahrimanischen Impulses mit dem Christus-Jahve Impuls, (1941), Dornach, Rudolf Steiner-Nachlassverwaltung, 1961) sintetiza essa hipertrofia da mente religiosa, que aspira não só ao monoteísmo mas à unicidade e até ao sem-número da pura luz sem forma, no pólo luciferino – mental – em contraponto ao materialismo entrópico e tamâsico onde reina Ahriman. Entre o carácter rajásico de um tal Céu unitário roubado e esta terra da demora genesíaca sem fim, manda Steiner considerar o mistério do Golgotha que une a caveira de Adão com a sephira da ‘Coroa’ ainda que de espinhos… Sobre parte deste signo, vide Afonso BOTELHO, “Ecce Homo”, in: Id., Ensaios de Estética Portuguesa, Lisboa, Verbo, 1989, pp. 13 e segs. Porém, não é esse o caminho vertical de Pessoa que, outrossim, considera a mente o speculum ideal da “falsa morte” e do jazente Cristianismo… vide o exemplar soneto “No túmulo de Christian Rosencreutz”: “…Quem desta Alma fechada nos liberta? (…) Calmo na falsa morte (…).” (in: Obra Poética, p. 191). 28Cousismo, pois, como se diria segundo Leonardo COIMBRA, Criacionismo, Esboço de um sistema filosófico, in: Sant’Anna Dionísio, (ed.), Obras de L.C., Porto, Lello & Irmão, 1983, vol. I, por exemplo, pp. 147 e segs.. Vide, porém, nossa crítica já que não se garante o passo dos nomes ao desenvolvimento do ser: Carlos H. do C. SILVA, “O tempo e a «visão ginástica» em Leonardo Coimbra – Ambiguidades do continuismo criacionista” (Comun. ao «Colóquio Leonardo Coimbra (no cinquentenário da sua morte)», org. Soc. Cient. da U.C.P., Lisboa, 21/22, Nov., 1986), in: Várs. Auts., O pensamento filosófico de Leonardo Coimbra, Lisboa, ed. Didaskalia, 1989, pp. 129-143. 29Qual inverso omina, nomina (em contraponto a Max Müller…) e muito menos do que isso na lógica pessoana dos patamares e terraços, dos níveis de ser e estações do estar… Mais do que doutrina estática de “estados múltiplos do ser” (cf. René GUÉNON, Les états multiples de l’être, Paris, Guy Trédaniel/ Véga, 1984…), parece ecoar em Pessoa o orientalismo (teosófico mas também) xivaíta de uma vibração de fundo a partir do abismo (Un-grund ainda) de tudo. Uma teoria de spanda ou de tal “vibração” tal é salientada nos estudos de Lilian SILBURN, Spandakârikâ – Stances sur la vibration de Vasugupta…, («Publ. de l’Institut de Civilis. Indienne», fasc. 58), Paris, Collège de France, 1990, pp. 3 e segs.: «Introduction». 30O equivalente poético-cosmológico do “grau zero da escrita” (cf. Roland BARTHES, Le degré zero de l’écriture, Paris, Seuil, 1953) numa experimentação mental que, afinal, põe «lá» o que, depois, diz vir a descobrir, reflectindo a unidade justalinear do pensamento com a (im-)possível descrição dos diversos “estados de coisas” (Sachverhalten, para empregar esta noção de L. WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, Prop. 2.171: “Das Bild kann jede Wirklichkeit abbilden, deren Form es hat.” Vide ainda esta Bilden-theorie no pretenso ajuste entre o isto e o aquilo de uma mesma mente-linguagem: cf. Ibid., Prop. 2.172: “Seine Form der Abbildung aber kann das Bild nicht abbilden; es weist sie auf.“... - sendo de considerar os argumentos de other minds... Cf. vários estudos em BUFORD, (ed.), Essays on Other Minds, Urbana/ Chicago/ London, Univ. of Illinois Pr., 1970. 31 É KANT (em De mundo sensibilis atque intelligibilis forma et principiis (Dissertatio 1770), sec. I, § 1, in: Ak., t. II, p. 387: “…ita synthesis nonnisi toto quod non est pars, i.e. Mundo.”) quem o afirma nessa consciência transcendental do limite, porém a “síntese” do imaginário abre de outro modo para a verdade fantástica ainda que dos Sonhos de um visionário… Cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Razão e vidência: Sobre Träume eines Geistesehers erläutert durch Träume der Metaphysik (1766) de I. Kant”, in: Congresso Internacional Immanuel Kant nos 200 anos da sua morte, orgº Manuel Cândido Pimentel, Carlos Morujão e Miguel Santos Silva, Lisboa, Univ. Católica Editora, 2006, pp. 95-159. Em Pessoa encontra-se o génio periférico ou contra-polar da crítica kantiana: trata-se de uma razão sujeita à proliferação crítica da sensibilidade transcendente… De facto, não obra do pensamento como o livro de Kant, mas a “cartilha maternal” de uma vida plural: “um poeta estimulado pela filosofia”… ([ms. 1910?] in: Obras em Prosa, ed. cit., p. 36). 32 Até aqui, a presunção da fenomenologia em relação ao Urphaenomenon e a uma intencionalidade obrigatória do que tenha de surgir à consciência, como se não pudesse haver outros alinhamentos de consciências não-intencionais assim, e as “coisas” não nos pudessem pensar sendo como inteligivelmente possam ser. Émmanuel LÉVINAS, em Autrement qu’être ou au-delà de l’essence, Paris, Kluwer, 1974, pp. 156 e segs., andou perto desta superação sui generis da epistemologia reinante na «fenomenologia ontológica», porém inclina-se judaicamente para o ressalto ético da responsabilidade, onde Pessoa só vê a colunata aberta (livre na acepção da Freiheit…) do Templo antigo nessa iniciação do sentir. (Cf. a propósito deste clima helénico: Andrea Wilson NIGHTINGALE, Spectacles of Truth in Classical Greek Philosophy, Theoria in its Cultural Context, Cambridge, Univ. Pr., 2004, pp. 40 e segs.) e sem esquecer de M. HEIDEGGER, Platon’s Lehre von der Wahrheit, Bern, Francke V., 1947, reed. 1954; ouVom Wesen der Wahrheit, Frankfurt-a.-M., V. Klostermann, 19675… 33Vide infra ns. 42 e 119, também ns. 78 e 81. É que “o universo não concorda consigo próprio, porque passa. A vida não concorda consigo própria, porque morre.” (…) – e dizia antes nestas «Reflexões paradoxais» para Orpheu: “Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.” (in: Obras em Prosa, pp. 38 e 37). Como se ser tal fosse, assim, talvez compreendido (na ilusão da não-ideia). 34Como se o «pecado» antes de cristianizado, fosse falha mental, crise de acerto, erro enfim. (cf. Carlos H. do C. SILVA, “Erro”, in: Encicl. Logos, t. 2, cols. 151-155) E como se, por outro lado, se houvesse biblicamente de suplicar pela “libertação do mal”, que não pela ausência de tentação, já que ela constitui a prova da destrinça entre a Vontade
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soberana e o apertado arbítrio, a mesquinha opção… (cf. ainda nossa reflexão: Carlos H. do C. SILVA, “Da ambiguidade espiritual do perdão”, in: Rev. de Espiritualidade, XI, nº 43, Julho/ Setº., (2003), pp. 189-204) De qualquer modo, a não esquecer neste «exame de consciência» que a provação começa ainda deste lado mental, como essencialmente “mentira” e miragem de sinceridade… (como ainda analisámos: Carlos H. do C. SILVA, “O virtual literário como poética da realidade – Meditação a partir da lição do fingimento pessoano”, in: José M. Silva ROSA, (org.), Olhares Luso-Brasileiros sobre Literatura, (Ciclo de Conferências), Lisboa, C.L.C.P.B/ Univ. Católica Ed., 2002, pp. 111-133). A aguda consciência disto antecipa-se na estética pessoana em conhecidíssima “Autopsicografia”: “ … finge tão completamente…” (em «Cancioneiro», in: Obra Poética, pp. 164-165). 35 Como diria Agostinho da SILVA, “A nossa obrigação é ser poeta à solta” (Entrevista a Carlos Câmara Leme), in: JL, 15 Set. 1986, reed. in: Paulo A.E. BORGES, (ed.), A. da S., Dispersos, Inst. de Cultura e Língua Port./ Min. da Educação, 1988, pp. 157-171. Vide outras referências, sobre este génio de um viver vadio em contraste com a pessoana viagem interior, em nossos estudos: Carlos H. do C. SILVA, “A limitação literária da compreensão: Relendo Um Fernando Pessoa de Agostinho da Silva”, in: Agostinho da Silva e o Pensamento Luso-Brasileiro («Actas do Colóquio Internacional», 2004), Lisboa, Assoc. Agostinho da Silva/ Âncora Ed., 2006, pp. 53-69; vide também Id., “De como metade é igual ao seu dobro... ou da sabedoria paradoxal de Agostinho da Silva”, (elaborado em Julho de 1996), in: Várs. Auts., Agostinho, S. Paulo, Green Forest do Brasil Ed., 2000, pp. 63-103; Id., “«A nossa mente olha o Eterno e o faz Tempo»: do ritmo do pensar segundo Agostinho da Silva”, in: Renato EPIFÂNIO, (org.), Agostinho da Silva – Pensador do Mundo a Haver, («Actas do Congresso Internacional do Centenário de Agostinho da Silva», 15-17 Nov. 2006), Lisboa, Zéfiro, 2007, pp. 449-462… 36Nexo, liame, equipolência desta fictícia balança do pensar, de facto num com sem nexo – “…floresceu às avessas/ meu ócio com sem-nexo, (…).” («A Múmia», i, in: ed. cit., p. 131) – que coloca em relação ausente o que, no limite, se diz apenas pela ‘probabilidade’ de se dar como se tal. Cf. Gilles-Gaston GRANGER, Le probable, le possible et le virtuel, Essai sur le rôle du non-actuel dans la pensée objective, Paris, Odile Jacob, 1995, pp. 129 e segs. : «Le probable comme mesure du possible». Levado às últimas consequências descobre-se um hibridamento, ou uma tessitura, como se das “cordas da física do ser”, no que para a quântica constitui a perplexidade de entanglement ou condição solidária de efeito a distância, estado de imediatez generalizada, pura interdependência… Cf. Amir D. ACZEL, Entanglement – The Greatest Mystery in Physics, N.Y., John Wiley, 2003. 37A mercê ou “misericórdia” do pensar, mais propriamente a abordagem heideggeriana da Frommigkeit do denken ainda como Gedanken e Gedächtnis… (cf. M. HEIDEGGER, tem, afinal, a exigência mais ampla de um ciclo dialéctico denegado no filósofo da Floresta Negra, mas desde Hegel eticamente determinado, ainda que como andamento da “consciència infeliz”… Em F. Pessoa não há este sonho rotundamente romântico. Apenas a evidência do com-sem nexo intervalar a si, numa postura aproximável com o que em filogénese (pretensamente se compara a tal ontogénese) se aponta na tese do split da consciência segundo Julian JAYNES, The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind, Harmondsworth, Penguin, 1979, pp. 84 e segs. 38 Efeito especular de tal mente que mente no acerto momentâneo desta certeza do simbólico: Tudo contido em tal ensimesmamento… De facto, como entrar “para dentro” de onde não se deixou de estar, senão num entrar para fora de si, como na perplexidade do espaço não-euclidiano da fita de Möbius?... VideShing-Tung YAU e Steve NADIS, The Shape of Inner Space, String Theory and the Geometry of the Universes’s Hidden Dimensions, N.Y., Basic B., 2010. 39 Cf. M. HEIDEGGER, Einführung in die Metaphysik,ed. cit., p. 1: „Warum ist überhaupt Seiendes und nicht vielmehr Nichts?“. 40De facto, a demanda do Grund remete a uma transcendência do “ôntico”…; ainda M. HEIDEGGER, Vom Wesen des Grundes, Frankfurt-a.-M., V. Klostermann, 19655, pp. 15 e segs. 41Vide, por exemplo: Gérard BUCHER, L’imagination de l’origine, Paris/ Montréal, L’Harmattan, 2000, sobretudo pp. 113 e segs. : «L«absence d’origine»… 42 Cf. Charles SINGEVIN, Essai sur l’Un, Paris, Seuil, 1969, pp. 288 e segs. : «L’un comme devoir-être». Problemática invariavelmente política do “monismo” ocidental (cf. Carl SCHMITT, Théologie politique, trad. do alem., Paris, Gallimard, 1988), que se reflecte também na mística, cf. Moshe IDEL e Bernard McGINN, (eds.), Mystical Union in Judaism, Christianity, and Islam, N.Y., Continuum, 1999 ; e vide também vários estudos em Alain DIERKENS e Benoît BEYER DE RYKE, (eds.), Mystique : la passion de l’Un, de l’Antiquité à nos jours, («Problèmes d’Hist. des Religions», t. XV), Bruxelles, Éd. de l’Univ. de Bruxelles, 2005. 43Causalidade múltipla, ou menos do que isso, apenas um conjunto de influências (vide nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Diferenciação da Influência – Tempo sociológico e moralidade”, in: vol. de Homenagem ao Prof. Doutor Mário F. Lages, U.C.P.-Lisboa, (entregue para publicação)), circunstâncias porém determinantes, como uma atmosfera do diverso… Cf. nossa reflexão: Carlos H. do C. SILVA, “Do Deus vário ao sempre Novo – Monoteísmo e sedução do múltiplo”, in: Cadernos ISTA, «Proliferação de Transcendências», VI, nº 11 (2001), pp. 5-34. 44Tudo não é um todo… A questão do infinito não se deixa reduzir ao modo racional finito sequer de o pensar (como pretende ainda René GUÉNON, Les principes du calcul infinitésimal, Paris, Gallimard, 1973, pp. 22 e segs.: «La contradiction du «nombre infini» »…). A pluralidade de causas (ainda bem sensível em ARISTÓTELES, Metaph., A, 3, 983 a, 24 e segs., a retroacção infinda de tal causalidade, ou mesmo o abandono da métrica causal na relação em
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aberto, podem constituir indicativos de várias “lógicas” (várias vidas, dir-se-ia com Pessoa) dentro ou fora de tudo o que se torne possível como fecundidade de tal ápeiron (que desde a palavra reveladora de ANAXIMANDRO, frag. B 1, in: D.-K. (=H. DIELS e W. KRANZ, Die Fragmente der Vorsokratiker, Dublin/ Zurich, Weidmann, 196612; doravante assim abreviado), t. I, p. 89, aponta para tal instância primordial)… 45 E não como diria L. WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, (1921; ed. D. F. Pears e B. F. McGuiness, London/ N.Y., Routledge/ Humanities Pr., 1961), a pretender que o como seja omnideterminante do porquê (“não havendo enigma”: Prop. 6.5), já que, como também ele reconhece: “o que precede o como” (“…Die Logik ist vor jeder Erfahrung - da� etwas so ist. Sie ist vor dem Wie, nicht vor dem Was.” (Prop. 5.552)). 46Como seria natural o poeta não se arvora em interrogante, armado da socrática ironia ou alcandorado em contemplação como a consideratio de um pasmar-se perante todos os astros ou céus juntos. ‘Há mais no céu e na terra…’ do que nesta antropolátrica filosofia, donde nem sequer o pôr por conta (da percunta que assim sonda). O que não se sabe, incontável, tem aqui seu pluralismo evidente. O que é mais próximo do espanto e de outro pré-começo da philo-sophía: um ‘poeta inspirado pela filosofia’ de tal thaûma... Cf. ARISTÓTELES, Metaph. A, 2, 982b, 12 (tò thaumázein), a lembrar os hierofantes egípcios (Metaph. A, 1, 981b, 25: ‘…skholázein tò tôn hieréon éthnos’). 47 Sim, mediunismo assim como prática experimentada pelo poeta no ver-se em outrem que assim espreita desse cristalino pórtico em que mundos se tocam e o sujeito explode plural… Cf. Adam CRABTREE, Multiple Man: Explorations in Possession and Multiple Personality, London/ Glasgow/ Toronto…, Grafton B., 1985; Stephen E. BRAUDE, First Person Plural, - Multiple Personality and the Philosophy of Mind, Boston, Rowman& Littlefield Publ., 1995… 48Tal como as definições ostensivas, os deícticos de referência, os pro-nomes desses “outros de mim” não se tangem em algum vulto de identidade: postam-se na exacta distância da múmia, do que está morto para a vida e vivo só para ser pensado. Uma personalidade (“máscara”) cogitante, ainda que do seu sentir próprio. Deste modo os heterónimos constituem a suma experiência mental de Pessoa, sem intercomunicação que não seja pela linguagem em que se carteiam ou, de outro modo, se correspondem. Cf. reflexão complementar e outras referências em nossa meditação: Carlos H. do C. SILVA, “Da Experiência Poética em Fernando Pessoa” (Comun. ao Ciclo de Confs. sobre F. Pessoa, org. Assoc. Estudantes da Secção Lisboa, da Fac. Filos. da U.C.P., Lisboa, Março, 1985), in: Várs. Auts., Fernando Pessoa – Retrato – Memória, Lisboa, 1989, pp. 29-63; ainda Id., “Fernando Pessoa e a Poética pensante do Tempo”, Comun. às II Conferêncs. Intern. de Filosofia e Epistemologia: «Heidegger-Arendt-Pessoa-Ricoeur: Do Tempo à História, da História ao Tempo», org. Instituto Piaget, Viseu, Nov. 1997 (inédito). 49 Seja nesse eco de HERACLITO DE ÉFESO, frag. B 18: ‘eàn mè élpetai, anélpiston ouk exeurései, anexepeúneton eòn kaì áporon’ (in: D.-K., t. I, p. 155; trad.: “sem esperança não se encontra o inesperado que é inatingível e inacessível”; vide ainda Roger von OECH, Espérer l’inespérable, Vivre selon Héraclite, Paris, La Table Ronde, 2003); ou num ‘entrelaçar de mãos’ (vide infra n. 112), num fazer a teia do destino no fuso imponderável… como no drama da hora suspensa de «O Marinheiro»: “Velamos as horas que passam… O nosso mister é inútil como a Vida…” (in: F.P., Obra Poética, ed. cit., p. 447). 50 O pensar ortónimo carrega consigo e a mais este para, este sentido enquanto finalidade ou télos, como se tal para não fosse desde logo outro sinal de um desdobramento iminente, uma para-nóia própria e assim breve alheada. Vide a interessante reflexão de Jacques J. ROZENBERG, Philosophie et folie, Fondements psychopathologiques de la métaphysique, Paris, L’Harmattan, 1994. 51Sim, o paganismo (ainda que cristão) da procissão em festa dos sentidos…: “porque o pagão aceita uma procissão sem desagrado mas vira as costas à mística de Santa Teresa de Jesus. A interpretação cristã do mundo causa-lhe náuseas; mas uma festa de igreja, com luzes, flores, cantos e depois a romaria – estas coisas ele aceita como boas (…)” (António MORA, «Regresso dos Deuses», in: Obras em Prosa, ed. cit., p. 177). Que não, pois, a alma mesmo quando divinizada e expectante, como uma Teresa de Ávila mística, porquanto afinal mulher e sujeito apesar de tudo. Cf. Mercedes ALLENDESALAZAR, Thérèse d’Avila, l’image au féminin, Paris, Seuil, 2002, vide sobretudo pp. 170 e segs. : «Une cure infinitésimale. Où l’on s’étonne que l’âme n’en finisse pas de naître». 52Como se na estética não tivessem razão os Jansenistas ao discernirem «eleitos» e fazerem temer que a ‘saúde lógica’ não seja para todos (apenas para o todo). Cf. Antoine ARNAULD e Pierre NICOLE, La logique ou l’art de penser, (1662), Paris, Gallimard, 1992, pp. 22 e segs. 53Seria a glosa mefistofélica de um intrujar por esse fazer sentir a tribo, o sentimento gregário além da família primitiva, e convencer pela retórica persuasão que há uma «comunidade de destino», num grito de ordem tal: “Im Anfang war die Tat” (cf. GOETHE, Faust, v. 1237) Ao invés, há ‘almas’ várias, um animismo imenso, até animal, também no dito corpo colectivo do primitivo estádio de kamo (como diz Maurice LEENHARDT, Do Kamo, La personne et le mythe dans le monde mélanésien, Paris, Gallimard, 1971, pp. 76 e segs., na noção vitalista de «bao»…) ou de uma «ciência do concreto» (tal o refere Claude LÉVI-STRAUSS, La pensée sauvage, Paris, Plon, 1962, pp. 3 e segs.), remetendo à mentalidade primitiva não centrada em sujeito pessoal. Cf. Claude LÉVI-BRUHL, L’âme primitive, Paris, Alcan, 1927, reed. PUF, 1963, pp. 59 e segs. 54 Eis o realismo do que exorciza a “luciferina teologia moral” da acção (como se lembraria de Thomas MERTON, Seeds of Contemplation, Westport, Greenwood Pr., 1976, pp. 62 e segs.: «The Moral Theology of the Devil»; Id., The New Man, Wellwood, Burns & Oates, 1976, pp. 15 e segs.: «Promethean Theology»…): fragmentando até à
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impossibilidade do sistema… Reconhecer fragmentado o que assim não pode ser morto em sua pretensa unidade. Cf. Ralph HEYNDELS, La pensée fragmentée, Bruxelles, Pierre Mardaga, 1985, pp. 9 e segs. : «Discontinuité et signification». A questão não é de agir mas está no poder, mesmo quando, e sobretudo enquanto, in-activo. Cf. Bruno GNASSOUNOU, «Pouvoir et possibilité», in: B. GNASSOUNOU e Max KISTLER, (dirs.), Causes, pouvoirs, dispositions en philosophie – Le retour des vertus dormitives, Paris, PUF, 2005, pp. 71-114. É de remeter no contexto do “budismo” pessoano para o mais preciso sentido de um agir, não agindo (o taoísta wou wei), cuja exacta eficácia não-activa foi muito bem salientada por François JULLIEN, Traité de l’efficacité, Paris, Bernard Grasset, 1996, pp. 105 e segs.: «Ne rien faire (et que rien ne soit pas fait)». 55Em Pessoa exorciza-se ainda o contacto, quiçá por um pudor psicanalisável, mas sem dúvida na estóica apatheía do sereno espectáculo do desassossegado sentir. Ora, o ponto fecundo de todo o opus, o que concita o poder em enérgeia, o que permite a maturação da potência é um tal contágio. Doença ou saúde, vida ou morte… tudo se habita deste contagioso poder, ali em Pessoa selado pelo hermético da descontínua sensação. Tudo é diferente e assim não contagioso… Sobre esta “categoria” relacional de contágio, paralela à de relação, analogia, etc., como também à de assimilação, integração, união…, cf. Saul JARCHO, The Concept of Contagion In Medicine, Literature, and Religion, Malabar, Krieger Publ. Co., 2000 e vide a abordagem médica também da antiga filosofia… Vide A.-J. VOELKE, La philosophie comme thérapie de l’âme, Fribourg/ Paris, Acad. Pr. Fribourg/ Cerf, 1993 ; Pierre HADOT, Qu’est-ce que la philosophie antique?, Paris, Gallimard, 1995, sobretudo pp. 145 e segs. 56Como poderia começar, como poderia findar, o que não tem génese conhecida nem esperado termo? (quase no eco do «Poema» de PARMÉNIDES DE ÉLIA, frag. B 8, vs. 6 e segs.; in: D.-K., t. I, pp. 235-236) O «justo meio» mantém-se no intervalo exacto, tal o meditámos noutros lugares: cf., por exemplo, Carlos H. do C. SILVA, “Do Intermédio da Pátria ou do periclitante tempo nacional”, in: Nova Águia, nº 2 – 2º Semestre (2008), pp. 100-118. 57 De ARISTÓTELES, Polit. I, 1, 1253 a e segs., a Jürgen HABERMAS, Erkenntnis und Interesse, Frankfurt-a.-M., Suhrkamp V., 1968, pp. 73 e segs., passando por todas as utopias, foi sempre o ciclo da expectativa ético-política (como mostra a vasta síntese de Ernst BLOCH, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt-a.-M., Suhrkamp V., 1959), ao invés da pura sociologia e hoje socio-biologia (lembrar: Edward O. WILSON, On Human Nature, Cambridge (Mass.)/ London, Harvard Univ. Pr., 1978, pp. 149 e segs.: «Altruism»…) de uma «memética» comportamental (vide Susan BLACKMORE, The Meme Machine, Oxford, Univ. Pr., 1999, pp. 175 e segs.). 58 Necessidade da sempre “segunda navegação” (Platão), do torna-viagem, do ir e vir aparentemente dialéctico, mas que aponta para o momento intermédio, já nem sequer social ou de animal inércia, porém como arte ou técnica de sentir-se sentindo. Desdobramento do animal em homem e deste em divino, como dirá Pessoa: Deus, um homem, de um Deus maior… : “Deus é o homem de outro Deus maior” (Soneto «No túmulo de Christian Rosenkreutz», in: F.P., Obra Poética, p. 190). 59 Cf. F. PESSOA/ BARÃO DE TEIVE, A Educação do Estóico, (O Único Manuscrito do Barão de Teive: a impossibilidade de fazer arte superior), Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 24. Toca-se aqui a dificuldade do “átomo” mínimo de sentido no ajuste pensante disso mesmo que como aforismo inteiro se deixa intuir. “O escrúpulo da precisão, a intensidade do esforço de ser perfeito – longe de serem estímulos para agir, são faculdades íntimas para o abandono.” (Ibid., p. 25). Unidades micro-lógicas de signos primitivos nas caves subconscientes de uma vibração tal a das petites perceptions (Leibniz), ou já os sutras-versos de uma desenvolta arte poética? F. Pessoa constata essa mínima referência em termos de «emoções»: “As pequenas emoções ficaram. (…)” (Ibid.) Colunata extravagante do humano esculpido de permeio à natureza… - Deixamos em aberto a questão não só de escala e quantidade de tal “átomo” pensante, - “Mil ideias juntas, cada uma um poema, que cresciam inúteis.(…)” (Ibid., p. 25), – mas do número de alma que o deixa reconduzido à aurea proportio do templo real. “Fui sempre um milimetrista do pensamento, escrupuloso na linguagem que escrevesse e na disposição do pensamento que houvesse de expor.” (Ibid., p. 26). Remete-se ainda para o nosso ensaio reflexivo: Carlos H. do C. SILVA, “Uma nova maneira de pensar” (Comunicação ao VIII Colóquio Tobias Barreto, orgº. pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, em 15 de Outubro de 2007 na sede da «Sociedade Histórica da Independência de Portugal», em Lisboa; a publicar). 60 Não seria este o receio angustiado de Sísifo (no absurdo de Albert Camus), nem a mera crítica marxista ao capitalismo também moral, não só injusto mas ineficaz. Outrossim, o que demanda revolução mais profunda como a da ironia de Diógenes, o Cínico, na ágora procurando alguém. O rosto de um poder de estar presente; mais, um poder ser-me. Cf. ainda Maurice BLANCHOT, L’écriture du desastre, Paris, Gallimard, 1980, p. 74: «Accepter cette distinction : «il faut» et non «tu dois» - peut-être parce que la seconde formule s’adresse à un toi et que la première est une affirmation hors loi, sans légalité, une nécessité non nécessaire ; tout de même une affirmation ? une violence ? Je cherche un «il faut» passif, usé par la patience.» 61Como se na “vida conversada” não pudesse haver conversas paralelas, mais do que cruzadas. Desníveis de sercomo já se aludiu com R. Guénon ou a Tradição cabalística… (vide supra ns. 26, 41…). Cf. ainda Bernard SALIGNON, Les déclinaisons du réel, Paris, Cerf, 2006, pp. 115 e segs. : «L’art et le réel». 62Cf. a propósito, da literatura à matemática, este falar limite do inefável… Cf. Jean-Louis HOUDEBINE, Excès de langages, Paris, Denoël, 1984.
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63 Mais do que uma inspiração, uma mor densidade possessiva, em qual êxtase ou, como prefere dizer Mircéa ÉLIADE, Techniques du Yoga, Paris, Gallimard, 1948, p. 93. «Samadhi», um entasis assim concentrado. Vide ainda sobre o xamanismo: M. ÉLIADE, Le chamanisme et les techniques archaïques de l’extase, Paris, Payot, 1951 e reed. 1983, pp. 21 e segs. : «Chamanisme et vocation mystique». 64 Notem-se os vários “ingredientes” aqui aduzidos: a terra de Al-chemi, a matriz ctónica da Alquimia segundo esta sua pretensa etimologia; depois, a noite, qual símbolo líquido das “águas primordiais”, assim invocada por Pessoa na «Ode Marítima» de Álvaro de Campos… e ainda deste heterónimo o fragmento de Ode: «Vem, Noite, antiquíssima e idêntica…»; enfim, a operação alquímica ou pela via húmida, como ainda refere Pessoa, e este passo pela operação niger... O terceiro caminho de uma água de vida, outrossim fogo vital (rubedo)e operação pelo fogo húmido, frutuoso em opus, contrastante com a magia telúrica e a mística celeste e nocturna… Cf. F. PESSOA, “Sobre a Alquimia”, in: «Estádio gnóstico», António QUADROS, (ed.), F. P., Obra Poética e em Prosa, vol. III: Prosa 2, Porto, Lello & Irmão Eds., 1986, pp. 426-427 e vide “O feitio da Serpente e a Grande Obra”, in: Ibid., pp. 518-519. 65 Resume-se assim o estádio gnóstico e tal inclinação dominante na obra de Pessoa. Cf. Ibid., pp. 391-392: “(…) A perfeição da obra espiritual é a correspondência exacta entre o interior e o exterior, entre a «alma» e o «corpo», de sorte que o conhecimento de um envolva necessariamente o conhecimento do outro. A Grande Obra é aquela em que o «metal», sendo composto, segundo a razão, de modo a ser o «ouro», material perfeito, seja, no mesmo acto, composto, segundo a analogia, de modo a ser o «ouro» espiritual simbolizado. (…).” 66Dissemos antes, com António Quadros (cf. ns. 61 e 62), o estádio como se o tempo se resolvesse em fases e idades de uma coerência (seja milenarista e joaquimita, seja sebástica ou tão só quinto-imperial…). Mas é necessário não confundir o teatro do momento com o cenário possível dos possíveis cenários. Vários tentaram esclarecer o tempo em Pessoa: por exemplo, Maria Vitalina Leal de MATOS, A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa, e outros ensaios pessoanos, Lisboa, Verbo, 1992; e vide outras referências em nossa reflexão: Carlos H. do C. SILVA, “Fernando Pessoa e a Poética pensante do Tempo”, Comun. às II Conferêncs. Intern. de Filosofia e Epistemologia: «Heidegger-Arendt-Pessoa-Ricoeur: Do Tempo à História, da História ao Tempo», org. Instituto Piaget, Viseu, Nov. 1997 (inédito), mas subsiste esse grande escultor no heterónimo ignorado de Pessoa e a que se refere Marguerite YOURCENAR, Le temps ce grand sculpteur, Paris, Gallimard, 1983, pp. 9 e segs.: «Sur quelques lignes de Bède le Vénérable»… Videainda TARKOVSKI, Die Versiegelte Zeit,Gedanken zur Kunst, zur Ästhetik und Poetik des Films, Berlin, Ullstein GmbH. V., 1998. 67Como se reflectiria em contraste com o tempo-escultor, com a perdurável pedra rendilhada em água e na erosão (ainda de M. Yourcenar, como de Gaston Bachelard…), interrompe-se pela foto-química impressão da arte fotográfica (meditada em Walter BENJAMIN, »Kleine Geschichte der Photographie«, in: Gesammelte Schriften, Frankfurt-a.-M., Suhrkamp V., 1975, t. II, pp. 368-385…). O instantâneo devolve o tempo da elaboração ao poder consequente da sua “reprodutividade técnica”. Não – também em Pessoa – o romantismo da hora, mas esta técnica da relojoaria de almas várias e num mundo a desoras… Veja-se o génio heterónimo do Engenheiro: “… salto por cima do tempo,/ Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido/ Por dentro da acção dos êmbolos, por fora do giro dos volantes./ Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstracta e louca,/ Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida, / Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas, / E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.” (Álvaro de CAMPOS, «Passagem das Horas», in: Obra Poética, p. 350). 68Vide biografia João Gaspar SIMÕES, Vida e Obra de Fernando Pessoa, ed. cit., pp. 65 e segs.: «Educado no Estrangeiro - Durban» e pp. 95 e segs.: «Lisbon Revisited»… 69Mitificado assim, desde Pitágoras, Platão e Heródoto até Numénio, Jâmblico, Plotino… Cf., porexemplo, J. Albert FAURE, L’Égypte et les présocratiques, Paris, Stock, 1923 ; M. L. WEST, Early Greek Philosophy and the Orient, Oxford, Clarendon Pr., 1971, e vide ainda George G. M. JAMES, Stolen Legacy, Greek Philosophy is Stolen Egyptian Philosophy, N.Y., African American Images, 2001… Vide n. seg. 70 Como pretendem os defensores das origens africanas de toda a Sabedoria…Vide BERNAL, Black Athena – The Afroasiatic Roots of Classical Civilization, 3 vols., London, Free Association Books, 2006… e vide n. anterior. 71De facto, após o Renascimento, em larga medida a inteligência europeia das suas clássicas raízes ficou condicionada pela ‘metodologia’ da Aufklärung e, sobretudo, da dialéctica histórica do Idealismo alemão, seja pelas sínteses de Hegel, Schelling…, seja mesmo pelo ulterior voluntarismo de Schopenhauer e Nietzsche. Cf. Hoëne WRONSKI, Philosophie absolue de l’Histoire ou Genèse de l’humanité, - Historiosophie ou Science de l’histoire, I, Paris, Amyot, 1852, c. II, pp. 85 e segs. Ora é este longo caminho dominante (e dominador) que Pessoa recusa na leitura mediterrânica neo-pagã num atalho, de facto, estésico e órfico… Vide ns. seguintes. 72 Cf. F. P., «Cristismo em liquidação» [dat. 1917?], in: Obras em Prosa, pp. 193 e segs. e vide Ibid., p. 207: “A Grécia é um recomeçar. A Grécia é um regresso ao ponto de começo de todos os ciclos civilizacionais: o paganismo grego identifica-se em género à religião primitiva. Mas é uma oitava acima.” (António MORA, «Teoria dos Deuses» [dat. 1917?]). 73Como já sabiamente evidenciado, adentro das formas da Literatura ocidental, no contraste entre o espectáculo épico da mensagem helénica de tipo homérico e a absolvição do drama em vozes do bíblico teor da narrativa, por Erich AUERBACH, Mímesis, Dargestellte Wirklichkeit in der abendländischen Literatur, Bern, Francke V., 1946, pp. 21 e segs.
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74 Nem teoria da significação, nem teoria da representação, como também dispensabilidade da exegese e até da hermenêutica, já que basta a gramática, a sintaxe escorreita e sobretudo de uma tal sábia semiótica assim tão económica. Isto intuiu Hegel na Ästhetik,ed. G. Lukács, Frankfurt-a.-M., Europäisher V. GmbH, 1955, t. I, pp. 22 e segs., ao ter percebido que para os Gregos a arte ainda não era a cultura, ou o significado estético-cultural da Arte, mas a directa expressão do seu ser-estar… De forma similar o reconhece M. HEIDEGGER, Die Ursprung der Kuntswerkes, in: Id., Holzwege, Frankfurt-a.-M., V. Klostermann, 1963, pp. 7-68, vide sobretudo, pp. 46 e segs. 75Claro que nunca será explicando que se compreende, mas pela atenção imediata e tal indicativo exacto e sem mais. De resto por muito que se fale, ou se cale, o que importa é dizer o quanto baste. É este o registo heraclitiano ainda muito presente na lição de Pessoa. Cf. HERACLITO DE ÉFESO, frag. B 93: ‘ho ánax, hoû tò manteîón esti tò en Delphoîs, oúte légei oúte krýptei allà semaínei.’ (in: D.-K., t. I, p. 172). 76 Mais universos que se entornam em nós. Nós o caminho deles… não quem escolhe a via e faz o seu pequeno mundo identitário. Ainda a lição mediúnica da «múmia», cf. supra ns. 9, 15, 33. 77 No eco de OSHO, Walk Without Feet, Fly Without Wings, and Think Without Mind, - Responding to disciples’ questions, New Delhi, Full Circle Publ., 1999 e reed. Eis atingida a perfeita iluminação não só destas fórmulas com que pelo apofático se ilustra a libertação dos sentidos (como refere ainda OSHO, por exemplo em: Heartbeat of the Absolute, Discourses on the Ishavasya Upanishad, Shaftesbury/ Rockport/ Brisbane, Element B., 1980, pp. 27 e segs.), mas sobretudo num retorno ao ver, ouvir, entender outrossim tudo de todas as maneiras no delírio de buddhi, cuja luz (supostamente “branca”) não dispensa a dança pluralíssima de todas as cores… Recorde-se ainda a iluminação parmenídea e a nota sobre o variegado das cores no indispensável “caminho” por onde não há caminho… Tocámos esta revalorização da dóxa e das dokoûnta em diversa leitura dos dicrânicos: cf. Carlos H. do C. SILVA, “Díkranoi: Da dupla visão ao discernimento – Crítica da expressão em Parménides (B, 6, 5) e sua revalorização simbólica”, in: Didaskalia, VI (1976), pp. 307-379. 78Foi assim que de Álvaro Ribeiro ou de José Marinho, entre outros dos discípulos de Leonardo, pudémos convocar conversando o caso de Pessoa, num clima que relatamos em: Carlos H. do C. SILVA, “Da Experiência Poética em Fernando Pessoa”, in: Várs. Auts., Fernando Pessoa – Retrato – Memória, Lisboa, 1989, pp. 29-63. 79 Não um eixo vertical, como na “poesia branca” e conversiva segundo René DAUMAL, (cf. infra n. 132 e vide Id., Poésie noire, poésie blanche, - Poèmes, Paris, Gallimard, 1954), nem sequer a orientação horizontal – apesar de ‘tanto mar’ e ‘tanto horizonte’ assim perfilado em confins ou estreitezas do dizer, – outrossim, aquela ‘linha de costa’ que faz entremeio das distâncias e multiplica, caleidoscópica, a arte de sentir. (Cf. F. P., Mensagem, II, 2: «Horizonte», in: Obra Poética, p. 78). Será poesia negra, ainda segundo o aparente maniqueísmo de Daumal?, ou como dizemos noutro lugar um sumo destino espiritual da poesia? (cf. Carlos H. do C. SILVA, “Poesia e experiência espiritual”, (Comun. Univ. Évora, Depart. de Línguas e Literatura, 3 Junho 1998) in: Itinerarium, XLV, nº 163, Jan.-Abr. (1999), pp. 29-44. Lembre-se a «Chuva oblíqua» (F. P., «Cancioneiro», in: Obra Poética, pp. 113 e segs.)… 80 Muito estudado por Henry CORBIN, «Prélude» a Id., (ed.), Shihâboddîn Yahyâ SOHRAVARDÎ (Shaykh al-Ishrâq), L’Archange empourpré – Quinze traités et récits mystiques, trad. do persa e ár., Paris, Fayard, 1976, p. XV: “(…) Le mot Ishrâq [traduit] par «illumination». Le mot réfère à la vision intérieure de l’«Orient» de la lumière levante(…) le Xvarnah. Il s’agit d’une connaissance qui est illuminative parce qu’elle est «orientale», e qui est «orientale» parce qu’elle est «illuminative». E vide Ibid., pp. 265 e segs. : «Le récit de l’exil occidental»… 81Vide esta persistência do paradigma espacial-visual na noção de transcendência, cf. Michel PICLIN, La notion de transcendance, Son sens – Son évolution, Paris, Armand Colin, 1969, sobretudo pp. 85 e segs., longe da equação “absurda” de um saltar sobre-si mesmo, como se poderia dizer como um koan do Zen… Toshihiko IZUTSU, Le kôan Zen. Essais sur le bouddhisme zen, trad. do ingl., Paris, Fayard, 1978, pp. 27 e segs. É para tal intrínseco transcender-se, aliás entrevisto por Jean-Paul SARTRE, L’être et le néant, Essai d’ontologie phénoménologique, Paris, Gallimard, 1948, pp. 219 e segs.: «La transcendance», que a poética do outrar-se pessoano aponta: “La connaissance comme type de relation entre le pour-soi et l’en-soi» (Ibid., pp. 220 e segs.). 82 Cf. Henry CORBIN, (ed.), ShihâboddînYahyâ SOHRAVARDÎ (Shaykh al-Ishrâq), L’Archange empourpré – Quinze traités et récits mystiques, ed. cit., pp. 265 e segs., mas vide também Id., Corps spirituel et Terre céleste, De l’Iran mazdéen à l’Iran shî’ite, Paris, Buchet/ Chastel, 1979, pp. 17 e segs. 83É nesta perspectiva que recusamos as geografias míticas da Pátria, como também as estruturações absolutas de uma metafísica angelicamente verdadeira, porém sem cheiro vital, sem encarnação relativa ou humaníssima gente. Falta ao perfeito mapa a intuição – o noûs ou o “faro” – de um sítio qualquer… Cf. Richard Broxton ONIANS, The Origins of European Thought, Cambridge, Univ. Pr., 1951, pp. 82-83 e vide outras referências em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Ver, ouvir e entender – ou da originária mudez do lógos filosófico” - ou da originária mudez do lógos filosófico. Tradição pré-socrática e destino do pensar”, in: Várs. Auts., Razão e Liberdade, Homenagem a Manuel José do Carmo Ferreira, Centro de Filosofia - Univ. de Lisboa/ Departam. De Filosofia da Fac. de Letras da Univ. de Lisboa, 2009, vol. I, pp. 519-569. 84 Retorno às aporias de Zenão de Élia, sobretudo na hipótese do continuum e do que em cada momento diagnostica em dicotomias sucessivas, mas nunca iguais, a suposta mesma incongruência finito-infinito. Cf. Rafael FERBER, Zenons Paradoxien der Bewegung und die Struktur von Raum und Zeit, München, C.H. Beck V., 1981, pp. 75 e
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segs. Esse ponto instável, mas cuja lei repetitiva está dada, é ignorado em si mesmo, uma insignificância, entretanto, determinante do argumento. Insignificância que várias vezes foi dita por esse não sei quê: cf. Richard SCHOLAR, The Je-Ne-Sais-Quoi in Early Modern Europe, Encounters with a Certain Something, Oxford, Univ. Pr., 2005. 85Quais semi-categorias, ou melhor dizendo, formas a priori da intuição sensível… (como em Kant), entretanto não destinadas à síntese, ao predomínio da Analítica dos juízos assim sintéticos a priori, mas como eixos conjugatórios de tudo de variados modos e tantos quantos os possíveis de serem sentidos… Cf., entre outros, Michel MEYER, Comment penser la réalité?, Paris, PUF, 2005, pp. 53 e segs. : «Catégorisation, modalisation et réduction problématologique»… 86O andamento em F. Pessoa não é o de espiritualizar o mundo, mas desta naturalização do espírito – como fica célebre da mística de Caeiro: “se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o./ Sou místico, mas só com o corpo./ A minha alma é simples e não pensa.// O meu misticismo é não querer saber./ É viver e não pensar nisso. (…)” (A. CAEIRO, «Guardador de Rebanhos», xxx, in: Obra Poética, p. 220). Vide supra n. 16 ou infra n. 86. 87 De facto, nada menos do que “esse nascer de novo, ou do Alto” (Jo 3, 8…) numa real mutação de consciência. Cf. nossa meditação: Carlos H. do C. SILVA, “Trans-disciplinarité et mutation de conscience” (Comun. ao 1º Congrès Mondial de la Transdisciplinarité, Arrábida, Nov. 1994), in: Várs. Auts., Transdisciplinarity/ Transdisciplinarité – 1st World Congress at Arrabida, [Actas], Lisboa, Huguin, 1999, pp. 181-192 – texto em que retomamos Fernando Pessoa. 88 Que se pretende dizer com física de alma? Não por certo a especulação, por exemplo, de Frank J. TIPLER, The Physics of Immortality,- Modern Cosmology, God and the Resurrection of the Dead, London, MacMillan, 1995…, sobre a imortalidade à luz da ciência contemporânea, ou em qualquer outro positivismo e até “materialismo espiritual” como lhe chamaria Chögyam TRUNGPA, Cutting Through Spiritual Materialism, Berkeley, Shambhala, 1973, pp. 14 e segs. A física psico-lógicaa que aqui nos referimos também não é directamente o atomismo de Leucipo e Demócrito nas teorias àcerca da alma, ou de outras “cosmologias” retomadas no micro-cosmos humano. A física recolhe aqui as mínimas instâncias de uma consciência sensível, ainda que sem “matéria” ou sem “razão”... cf. Françoise MONNOYEUR, (dir.), Qu’est-ce que la matière? Regards scientifiques et philosophiques, Paris, Libr. Génér. Française, 2000. 89 Cf. Louis MASSIGNON, Essai sur les origines du lexique technique de la mystique musulmane, (1968), Paris, Cerf, 1999, pp. 304 e segs. evidesupra n. 16. 90Como antecipámos acima, cf. n. 14. 91 Uma filosofia da saudade pode ser; uma estética saudosa nunca. O dolente da temporalidade, a purgação saudosa – como chegámos a alvitrar cf. Carlos H. do C. SILVA, “Saudade e Experiência Mística” (Comun. ao «Colóquio Luso-Galaico sobre a Saudade», Inst. Luso-Brasileiro de Filosofia, Viana do Castelo/ Santiago de Compostela, 2 Junho 1995), in: Actas do I Colóquio Luso-Galaico sobre a Saudade, Viana do Castelo, Câmara Municipal, 1996, pp. 117-143 - não decai no sentir hic et nunc. Apenas o considera de uma linguagem, ou a partir de alguém, como se as sensações tivessem «sujeito» ou voz postiça como na simbolização da humana civilização logóica… Cf., neste sentido ainda algumas das perspectivas de Paulo BORGES, em «Da Saudade», in: Id., Da Saudade como via de libertação, Lisboa, Quidnovi, 2008, pp. 87 e segs. 92 Tal o explorámos no nosso estudo já citado: Carlos H. do C. SILVA, “Da Experiência Poética em Fernando Pessoa” (Comun. ao Ciclo de Confs. sobre F. Pessoa, org. Assoc. Estudantes da Secção Lisboa, da Fac. Filos. da U.C.P., Lisboa, Março, 1985), in: Várs. Auts., Fernando Pessoa – Retrato – Memória, Lisboa, 1989, pp. 29-63. 93 Como aconteceria em Hamann, como em Franz von Baader, ou mesmo em Jacob Böhme… Um desejo tal que se constitui no conatus aparentemente natural e espinoziano, afinal de um querer sem fim. Cf. Laurent BOVE, La stratégie du conatus, Affirmation et résistance chez Spinoza, Paris, Vrin, 1996, pp. 19 e segs., ligando esta dimensão com o hábito e a cerzida constituição do mundo. Nada disto se observa no plural contraponto de Pessoa não concordante consigo mesmo. 94 Parece, de outra maneira, o âmbito psicológico da ‘análise temperamental’ que chegou a ser esboçada por Nietzsche, embora em Pessoa numa encenação não-identificante ou sem patologia e idiossincrasia própria. Cf. Didier FRANCK, Nietzsche et l’ombre de Dieu,Paris, PUF, 1998, pp. 96 e segs. : «Circulus vitiosus Deus ?» ; e vide F.P., «Filósofos, Sistemas e Ideias», in : António QUADROS, (ed.), F.P., Obra Poética e em Prosa, vol. III Prosa 2, ed. cit., pp. 220 e segs., especialmente pp. 231 e segs. 95 Estará nisto que falta, que se retira (como no tzim-tzum da Criação segundo a kabbalah de Luria), o fabuloso hiato ligador entre sensações, tornando aparentemente contínuo o que é o efeito ilusório da ‘sobre-imposição’ mental. Cf. como no Brahmanismo a teoria da ilusão, assim referida como sobre-imposição, Michel HULIN, Shankara et la non-dualité, Paris, Bayard, 2001, pp. 121 e segs.: «Structure de l’ignorance», sobre a Introdução ao comentário de Shankara sobre o Brahmasûtra, e a doutrina de adhyâsa ou “sobre-imposição”. 96 Volta-se às fórmulas acabadas da «Autopsicografia»: “O poeta é um fingidor…”, in: «Cancioneiro», Obra poética, pp. 164-165. Vide supra n. 31. 97 Lastro que se analogaria com o alâya vijñâna da tradição budista… Cf. Philippe CORNU, Dictionnaire Encyclopédique du Bouddhisme, Paris, Seuil, 2001, pp. 38-39; e vide nossa reflexão a propósito da atenção completa envolvendo esse “lastro”, esse outro de mim: Carlos H. do C. SILVA, “O problema da atenção no Vipassana”, (Comun. ao “Colóquio: A Mente, a Religião e a Ciência”, promovido pelo Projecto de Investigação «A Filosofia e as Grandes
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Religiões do Mundo…», Centro de Filosofia da Fac. de Letras de Lisboa), in: Carlos João CORREIA, (Coord.), A Mente, a Religião e a Ciência, (Actas do Colóquio), Lisboa, Centro de Filosofia da Univ.de Lisboa, 2003, pp. 29-61. 98 O tema do confronto apolíneo-dionisíaco, como se sabe, está exemplarmente caracterizado por Giorgio COLLI, La Sapienza Greca, Milano, Adelphi, 1977, pp. 25 e segs. na sequência de Nietzsche. 99Seria mais exactamente como diz Maurice BLANCHOT, L’écriture du désastre, ed. cit., p. 98: «L’écriture fragmentaire serait le risque même. Elle ne renvoie pas à une théorie, elle ne donne pas lieu à une pratique qui serait définie par l’interruption. Interrompue, elle se poursuit. S’intérrogant, elle ne s’arroge pas la question, mais la suspend (sans la maintenir) en non-réponse (…).» Há, assim, um vaivém continuado do que me descontinua, como o poeta acerta em dizer: “Grandes mistérios habitam/ O limiar do meu ser,/ O limiar onde hesitam/ Grandes pássaros que fitam/ Meu transpor tardo de os ver.” (F.P., «Cancioneiro», in : Obra Poética, p. 175). Não há hora comum entre este pressentir o que me habita e o justamente tarde de me reconhecer na visão disso que me fita… intermitência abissal. 100 Cf. René DAUMAL, Le Mont Analogue, roman d’aventures alpines, non euclidiennes et symboliquement authentiques, Paris, Gallimard, 1981, pp. 63 e segs. ; vide pp. 66-67 : « La seule hypothèse admissible est que la «coque de courbure» qui entoure l’île n’est pas absolument – c’est-à-dire toujours, partout et pour tous – infranchissable. A certain moment et à certain endroit, certaines personnes (celles qui savent et qui veulent) peuvent entrer. » Eis o sinal de tal « entrada »- iniciação num caminho transcendente… 101 Duas leituras aqui: aquém, de sequer se sentir vário, de se pensar número, se meditar plural… será o caos de outra imediatez não-eloquente do viver ou menos do que isso (cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Caos e experiência espiritual”, in: Várs. Auts., Caos e meta-psicologia, Colóq. LNETI, Lisboa, 17-19/Dez./1992, Lisboa, ed. Fenda, 1994, pp.279-306); além, como em ARISTÓTELES, Metaph. IV, 2, 1003 a, 33 e segs.: ‘tò dè òn légetai mèn pollakhôs…’, se pensou há o limite equívoco assim da ciência ou do conhecimento (ontológico) possível… Cf., por exemplo : Gilbert Romeyer DHERBEY, Les choses mêmes, La pensée du réel chez Aristote, Lausanne, L’Âge d’Homme, 1983, pp. 149 e segs. : «Le sensible et le sentant». 102De permeio, nem nas trevas caóticas, nem no não menos entrevante deslumbramento da Verdade impossível à pluralidade, advém a arte, ou a tékhne, enquanto capacidade de extraír a luz das trevas, numa via assim simbolicamente «alquímica», em que a abstracção plenamente opera a partir da sensibilidade e como respectiva atenção plural a partir da mesma. Cf. Marc-Antonio CRASSELAME, La Lumière sortant par soi-même des ténèbres, Paris, Denoël, 1971 ; e vide Françoise BONARDEL, Philosophie et Alchimie, Grand Œuvre et modernité, Paris, PUF, 1993, sobretudo pp. 163 e segs. 103Crux philosophorum… - assim está o nó que desde a pleonástica Sphínx (cf. Pierre WEIL, Esfinge: Estrutura e Mistério do Homem, Petrópolis, Ed. Vozes, 1973…) até KANT (cf. supra n. 28) se mantém contrariando o processo extractivo, libertador… de um sentir-lúcido, ou de algo diferente ainda… Cf. Bernard SALIGNON, Les déclinaisons du réel,ed. cit., pp. 115 e segs. 104Sensacionismo, futurismo, nova poética… - fórmulas, afinal bem literárias, do expediente pessoano. Uma arte de fazer alterar ritmos, acelerar vibrações, suspender ritmos para ressaltar o que já simplesmente é e noutros poetas luminosos não foi necessário fazer brilhar “à força”… Tal o reflectimos: Carlos H. do C. SILVA, “Poesia e experiência espiritual”, (Comun. Univ. Évora, Depart. de Línguas e Literatura, 3 Junho 1998), in: Itinerarium, XLV, nº 163, Jan.-Abr. (1999), pp. 29-44. Como alguém (José Marinho) disse, Pessoa seria poeta assim menor por re-conhecimento mesmo da absoluta inspiração em Pascoaes: “A folha que tombava/ Era alma que subia.” Comentado por Pessoa: “Aqui temos o acto material, que é a queda de uma folha, concebida como acto espiritual (…) Que provamos, pois? Que a nossa nova poesia é a poesia auroral de uma Nova Renascença, que é uma poesia perfeita e plenamente original.” (F.P., «Uma réplica ao Senhor Dr. Adolfo Coelho», in: Obras em Prosa, pp. 402-403). 105 Problema ainda “ortónimo” das personalidades múltiplas (cf. actualmente Ian HACKING, Rewriting the Soul, Multiple Personality and the Sciences of Memory, Princeton, New Jersey, 1995, pp. 159 e segs. e vide supra n. 44), das justificações dos heterónimos (vide as “Páginas de auto-interpretação…», cf. Obras em Prosa, pp. 81 e segs.: «Génese e justificação da heteronímia»), até a clínica consciência da tangência entre génio e loucura… (como nas já referidas “Cartas a dois psiquiatras franceses”, n. 5) - tudo isto meras possibilidades aquém ou além do diverso sensível (im-possível).Vide também: F.P., Escritos sobre Génio e Loucura, ed. crít. J. Pizarro, Lisboa, IN-CM, 2006, 2 ts. 106 Que outro é este? – fora do dizer-se sensível assim?… Deixa-se, pois, nesta anotação a pura irrespondida interrogação: ? 107Mediunismo como “razão” possível, resposta a mais para a qual será, então, necessário encontrar as perguntas de uma inteligência assim sensível- ouvida. Porém além de tal “possessão” também simbólica está a conversação com o Anjo da guarda…: “[Sobre a quinta e última qualidade de entendimento dos símbolos]…Direi a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.” (F.P., «Nota preliminar» [s.d.], anteposta à Mensagem, in: Obra Poética, p. 69). 108Trans-poéticocomo se diria a partir de Michel CAMUS, «Sortir de la poésie, mais sortir dedans.», - referido por Basarab NICOLESCU, como: “seule porte ouverte pour sortir de la littérature: la transpoésie.” (in: “L’homme troué” (Préface) a Michel CAMUS, L’Arbre de vie du vide, Paris, Lettres Vives, 2001, p. 13) em convergência ao que por Ramos
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Rosa no seu exergo se salienta: “À qui confier ce que je ne sais pas?”…, - o que reconduz ainda a Caeiro, a Campos, a Reis, entre outros que incorporam a ideia do Super-poeta, seja Camões, Shakespeare ou Dante… Cf. F.P., “Idéias estéticas…”: «Reincidindo», in: Obras em Prosa, pp. 377 e segs.; e vide Maria Vitalina Leal de MATOS, “Fernando Pessoa – O Supra-Camões”, in: Id., A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa, ed. cit., pp. 297-314. 109 Calcanhar de Aquiles, mancha vulnerável, “flagrante delitro” (da dedicatória da fotografia a Ophélia)… o Pessoa decaído da obediência preclara nas obscuras vozes de um possuir tal saber, tal vitória sobre a língua, tal continuar falando, mesmo quando já nada possa assim ser dito. O limite ou a disciplina arcani, porventura desobedecida em prejuízo de outra demiurgia de alma… O testemunho é conhecido: cf. Maria José de LANCASTRE, F.P., Uma fotobiografia, Lisboa, IN-CM/ Centro de Est. Pessoanos, 1981, pp. 260-261. 110 Um caminho pelos abismos… qual “descida aos infernos” como em Henri MICHAUX, Connaissance par les gouffres, Paris, Gallimard, 1967. Porém, mesmo sem absinto ou álcool, esse rasgão da ordem comum no inusitado oco das cavernas do sentir, como tão expressivamente se encontra glosado na experiência espiritual de S. JOÃO DA CRUZ, Llama de amor viva, B, c. 3, 18: “…«las profundas cavernas del sentido»: Estas cavernas son las potencias de el alma: memoria, entendimento y voluntad (…).” (in: Lucinio RUANO DE LA IGLESIA, (ed.), San J. de la Cr., Obras Completas, Madrid, B.A.C., 198912, p. 812…). 111Recorde-se a possível definição de singularidade de acordo com a Física quântica: Bas C. Van FRAASSEN, Quantum Mechanics: An Empiricist View, Oxford, Clarendon Pr., 1991, pp. 430 e segs., sobre as “partículas idênticas”; cf. também Michel BITBOL, Mécanique quantique, Une introduction philosophique, Paris, Flammarion, 1996, pp. 391 e segs., sobre a individualidade e “reidentificabilidade” dos diferentes vectores…; e vide David HODGSON,The Mind Matters, - Consciousness and Choice in a Quantum World, Oxford, Clarendon Pr., 1991, pp. 321 e segs.: «The Measurement Problem». Vide ainda a noção, a propósito de Leibniz, no estudo de Christiane FRÉMONT, Singularités,- Individus et relations dans le système de Leibniz, Paris, Vrin, 2003, pp. 32 e segs. ; cf. também Clément ROSSET, L’objet singulier, Paris, Minuit, 1979, pp. 33 e segs. 112Ou seja, na lógica da formalidade particular, já nem tangendo o parâmetro singular, nem a quantificação universal ou respectiva de um conjunto “cheio”. A temporalização da singularidade permite considerá-la a mesma já em termos particulares em repetidos momentos e não como numa efectiva lógica temporal (tal o exigíamos a propósito de Hegel…: cf. Carlos H. do C. SILVA, “A Dialéctica de Hegel e a Lógica temporal”, in: Várs. Auts., Ideia e Matéria, Comunicações ao Congresso Hegel, 1976 («XI Congresso da Internationale Hegel-Gesellschaft», 23-27 de Agosto, 1976), Lisboa, Livros Horizonte, 1978, pp.367-387), como várias instâncias, pluralidade de circunstâncias num único ou irrepetível momento. Nesta última hipótese, aliás implícita na complexidade extática do tempo em «O Marinheiro», a pluralização atinge a própria duração não apenas como tempo de tempos, mas como vários “relógios” (tema que tocámos introdutoriamente a um estudo sobre as provas de Deus e a causalidade: Carlos H. do C. SILVA, “Pensar o Infinito e sua Diferença – A reflexão crítica de António José de Brito em torno do argumento ontológico”, in: Maria Celeste NATÁRIO, António Braz TEIXEIRA e Renato EPIFÂNIO, (coord.), Harmonias e Dissonâncias – Estudos sobre o Pensamento Filosófico de António José de Brito, Lisboa, Zéfiro, 2008, pp. 77-131), numa perplexidade semelhante à que impossibilitou M. Heidegger de passar de Sein und Zeit, para Zeit und Sein, tão só aporeticamente tratado numa conferência com este mesmo título. Cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “O Mesmo e a sua indiferença temporal – O parmenidianismo de Heidegger perspectivado a partir de «Zeit und Sein»”, in: Rev. Port. de Filosofia, XXXIII- 4 (1977), pp. 299-349. 113 Ao contrário da envolvência simbólica de tudo num todo, e por um processo que analisamos como de símbolo do símbolo, tais as “bonecas russas”, a compreensão pessoana do simbólico abre-o, desdobra-o em sucessivos níveis, deixando-o aberto à intuitividade, também à inteligência, mas ainda à graça ou ao incógnito de uma parábola infinda. É, pois, preferentemente no andamento do que Maurice BLANCHOT, em L’Entretien infini, Paris, Gallimard, 1969, pp. 17 et passim: «La parole plurielle», também reflectiu que a pluralidade de instâncias do símbolo irradia, quiçá mesmo na momentânea inversão da unidade simbólica de referência pela potência diabólica da sua inconformidade… Cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “O Símbolo dentro do símbolo – ou do caminho impossível de diferenciação hermenêutica”, in: Várs. Auts., A Arte da Cultura – Homenagem a Yvette Centeno, Lisboa, Ed. Colibri, 2010, pp. 363-388. 114Não há «história pessoal» em F. Pessoa, como de acordo com o interseccionismo complexo de cada momento em todo o humano descido à transcendência do seu Ego, como se sugeriria a partir de Jean-Paul SARTRE, La Transcendance de l’Ego, (1934), Paris, Vrin, 1965, pp. 44 e segs., apenas o constructo de memórias várias que nem sequer se enumeram integrativamente. Em Pessoa há sim a “saudade da história” como desintegração da mesma sequência em tais ou quais recordações que, afinal, repetem um coração postiço, uma identidade auto-compassiva, ressentida… Seria neste teor de ter em conta as advertências de Max SCHELER, Die Idole der Selbsterkenntnis, (1912), in: Vom Umwurtz der Wertes: Abhanlungen und Afsätze, Berlin, Francke V., 1955, pp. 35 e segs., sobre os enganos da percepção de «si próprio»… 115 Já o salientámos na técnica de fazer tempo… Cf. Ricardo REIS, «Odes»: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio./ (…) Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas./ (Enlacemos as mãos)./ (…).” (in: F.P., Obra Poética, p. 256). Enlaçar, entrelaçar, como quem se entretém, …entre-tecer, dar nós…, quais letras primevas, como na grafia chinesa… Vide referências em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Dos signos primitivos: Preliminares etiológicos para uma
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reflexão sobre a essência da linguagem”, in: Análise, I- 2 (1984), pp.21-78; e Id., (Continuação), in: Análise, II -1, (1985), pp.189-275. 116 Perante o mundo social de deveres e a urgência de mecanizar o humano em emprego (Álvaro de CAMPOS, «Lisbon Revisited» (1932): “…Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?...”, in: F.P., Obra Poética, p. 357), longe da operação criativa que o distingue do trabalho assim forçado pela moral dos outros, este nada haver a fazer invoca não apenas a dignidade teorética de um otium philosophandi, mas sobretudo uma desocupação da mente face ao desmedido do sentir… Universos em colapso de infinitos sonhados, espelho quebrado no mínimo imenso de cada assomo de sensação e nada a fazer. Apenas este ofício de amar, como nos místicos, ou de calar como nos sábios… Ainda invocando Michel CAMUS, L’Arbre de vie du vide, Paris, Lettres Vives, 2001, p. 44 : « Le sage passe de la langue au silence (…)./Le saint, du silence à la langue/ par compassion ou par amour. » 117Sim, demiurgia por um deixar ser (como no lassen da verdade ontológica heideggeriana…), um fiat mariano mesmo que sem tal fé (cf. referências em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Mater misericordiae e mística mariana, ou da via espiritual feminina no sonho cristão” in: “IX Semana de Espiritualidade sobre a Misericórdia de Deus: «Maria, Mãe de Misericórdia», orgº. Padres Marianos da Imacª. Conceição, Convento de Balsamão, 18-23 de Abril de 2006 (em publicação)), ou o puro ver que, afinal, tudo muda por essa atenção ou lúcida consciência. (cf. Carlos H. do C. SILVA, “O Problema da Atenção no Vipassana, (Comun. ao “Colóquio: A Mente, a Religião e a Ciência”, promovido pelo Projecto de Investigação «A Filosofia e as Grandes Religiões do Mundo…», Centro de Filosofia da Fac. de Letras de Lisboa), in: Carlos João CORREIA, (Coord.), A Mente, a Religião e a Ciência, (Actas do Colóquio), Lisboa, Centro de Filosofia da Univ.de Lisboa, 2003, pp. 29-61. A Vida, pois, assim atendida. O aparente abulismo (é, outrossim, do excesso de vontade… cf. F. PESSOA, “Cartas a dois Psiquiatras franceses”, supra n. 5), a indiferença pessoana…, não são expressões de um quietismo sensual, outrossim reflectem este querer sentir até sentir o próprio querer, ou seja, até à pura inquietude criadora. Cf. nossa meditação: Carlos H. do C. SILVA, “O Homem em questão – Da quieta inquietude cultural à inquieta quietude espiritual”, in: Várs. Auts., Inquietação humana e Fé cristã, (Fev. 1995), Lisboa, Rei dos Livros, 1996, pp. 179- 207. 118Speculum, transparência visionária ou diafania… nestas imagens da transfiguração essencial de tal olhar da cega claridade na vibração audível e luminosa disso que assim tange primordialmente. Não a imaginação generosa de uma Origem… (cf. Gérard BUCHER, L’imagination de l’origine, ed. cit., pp. 141 e segs.) mas a presença iminente da re-velação como sruti, “escuta”, ainda sinérgica da visão não redutível à “memória” (smrti) da tradição. Cf. sobre este indicativo de ut-gîta ou da “palavra” inaugural da sabedoria védica: Sri AUROBINDO, Le secret du Véda, Paris, Fayard, 1955, pp. 53 e segs. 119 Parece não haver densidade vivida em Pessoa, tão bem é dito e logo assim aberta para outra subtil vivência o que era aparentemente carnal, ou habitualmente opaco. Mas se esta é a lucidez de um Bernardo SOARES: “Em mim todas as affeições se passam á superfície, mas sinceramente. Tenho sido actor sempre, e a valer. Sempre que amei, fingi que amei, e para mim mesmo o finjo.”( Livro do Desasocego, in: ed. crít., t. I, p. 407), outrossim tal hipertrofia do sentir não deixa de decair em cansaço extremo, tédio ou profunda acédia, como a pesadíssima (barýtatos)experiência do «demónio do meio-dia», (tal se refere a akedía segundo a ‘demonologia’ monástica…). Cf. EVÁGRIO PÔNTICO, Praktikós, § 36: ‘Ho dè [daímon] mesembrinós…’ (in: Antoine e Claire GUILLAUMONT, (eds.), Év. Le Pontique, Traité pratique ou le Moine, Paris, Cerf, 1971, t. II, p. 582). 120Faz parte ainda dos estados de hyper-arousal(cf. Roland FISCHER, “A Cartography of the Ecstatic and Meditative States”, in: Richard WOODS, Understanding Mysticism, London, The Athlone Pr., 1980, pp. 286-305) da ‘consciência alterada’ e espiritual em Pessoa, a «Mensagem» como livro e lema de um paradoxal anúncio, antecipador do que, como “acção mental” declina num pessimismo nevoento, um ‘nirvana’ pátrio, um exílio para fora de tal luz fátua. Ficará o número como figura mais simples da sensação irregular e só assim mensurável… A Kabbalah ‘portuguesa’ dos números e das letras de António TELMO, Filosofia e Kabbalah, Lisboa, Guimarães Ed., 1989, pp. 55 e seguintes: «Gramática secreta da língua portuguesa». 121 Cf. supra ns. 24 e 90. E fim, ou finalidade, não é o mesmo que resultado ou consequência… O dinamismo erótico transcende o âmbito da eficácia e dos resultados práticos… 122 O kairós sendo aquilo de que é caso, representa o que resulta oportuno, a tempo, mas mais do que isso o conjuntural, tanto na acepção também de abrupto e até efémero, quanto de vez, adveniência tal. É por isso que pode nem sempre constituir sinal de oportunidade do que vem a propósito, ou segundo a necessidade, outrossim como a vez inesperada, quer de outra vez distinta, quer de forma mais sibilina no próprio talvez dessa “ocasião”. Cf. Monique TRÉDÉ, Kairos, L’à-propos et l’occasion, Paris, Klincksieck, 1992. Esta última semântica está bem atestada no clima de pluralidade ocasional, de possibilidades múltiplas de tais momentos interseccionistas… Cf. no Jainismo a doutrina de syâdvâda ou do “talvez”, Vilas Adinath SANGAVE, Le Jaïnisme, Philosophie et religion de l’Inde, Paris, Guy Trédaniel, 1999, pp. 58 e segs. 123Falar para inventar como ‘Mytho nada de tudo’ o que aparentemente seja o desenho visível de tal experiência multiforme. Um contar histórias para tecer os números do destino… e de permeio o advento desse estado meditativo da própria pluralidade assim con-sentida. Cf. ainda Alain BADIOU, Essai d’une ontologie transitoire, Paris, Seuil, 1998…
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124Seria essa a derradeira pègada do divino na elisão dos Tempos modernos… A remota presença no mundo, como o organon do seu Corpus Mysticum… Panteísmo, afinal antigo, do divino bem patente e idolátrico por demais: «en tant que «croyants», nous pensons à un Dieu en termes humains. Nous lui attribuons des pensées, une volonté, des projets, un plan d’évolution, et toute une psychologie. » (Carlo SUARÈS, La Bible restituée, Genève, Mont-Blanc, 1967, p. 81 in : «Les pensées des hommes»).. 125O modelo ternário da frase tipo, mais propriamente da proposição, como expressão judicativa, une ou identifica sujeito e predicado pela cópula lógica: trata-se do paradigma apofântico e aristotélico que se explicita a partir da gramática categorial e das estruturas base da língua. Ora, seja no verso, seja na prosa fragmentada, nos tropos ante-predicativos (como se diria fenomenologicamente), não se verifica aquela unidade triádica, nem sequer o caso genitivo e diádico (de um isto de aquilo…), mas o atómico de signos sintáxicos, conectores variáveis ou até constantes, que não têm de se desdobrar numa meta-linguagem semântica. Lembraria, como já se aludiu (cf. supra n. 149), os minima dos “estados de coisas” na acepção assim atomista que lhes deu L. WITTGENSTEIN, Tractatus, ed. cit., Props. 2; 2.01… Porém, mais do que esta ainda “espartilhada” leitura, posto que possibilitante do plural dizer pessoano, os referentes sensíveis não se integram na linguagem ou na suposta paisagem do real: é, outrossim, a sensação a fazer cair consigo a paisagem… tal nas célebres telas de MAGRITTE, cf. Suzi GABLIK, Magritte, London, Thames & Hudson, 1985, pp. 75 e segs.: «The Human Condition». 126Vide neste sentido a “saturada” fenomenologia do dom segundo Jean-Luc MARION, Étant donné, Essai d’une phénoménologie de la donation, Paris, PUF, 19982, pp. 13 e segs. : «La donation – Le dernier príncipe». 127 Cf. supra n. 120… Vide ainda Carlo SUARÈS, Le Mythe judéo-chrétien, Paris, Arma Artis, 1950, pp. 7 e segs. 128Cf. Álvaro de CAMPOS, «Passagem das Horas»: “(…) Sentir tudo de todas as maneiras, / Viver tudo de todos os lados,/ Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,/ (…).” (in: F. P., Obra Poética,ed. cit., p. 344)… 129Filosofia da pluralidade, como reconhece ainda A. BADIOU, «Une tâche philosophique: être contemporain de Pessoa», in: Id., Petit Manuel d’inesthétique, Paris, Seuil, 1998, pp. 61 e segs., cf. pp. 73-74: «De sorte que nous lisons ce poète, et ne pouvons nous en déprendre, pour autant que nous y découvrons un impératif, auquel nous ne savons pas encore comment nous soumettre : emprunter la voie qui dispose, entre Platon et l’anti-Platon, dans l’intervalle que le poète a ouvert pour nous, une véritable philosophie du multiple, du vide, de l’infini. Une philosophie qui rende affirmativement justice à ce monde que les dieux ont pour toujours quitté. » (o recto é sublinhado nosso) ; e vide n. seg. 130 Cf. ainda Bernardo SOARES, “Sábio é quem monotoniza a existencia, pois então cada pequeno incidente tem um privilegio de maravilha. (…) Um homem pode, se tiver a verdadeira sabedoria, gosar o espectaculo inteiro do mundo numa cadeira, sem saber ler, sem fallar com alguem, só com o uso dos sentidos e a alma não saber ser triste. Monotonizar a existencia, para que ella não seja monotona.” (L.D., I, 354). 131Repetir a diferença não é diferenciar ainda que o repetitivo…; porventura, dimensão esta quase não reflectida em Gilles DELEUZE, Différence et répétition, Paris, PUF, 1968, (apenas em pp. 286 e segs., sobre a «synthèse assymétrique du sensible»: «La différence et le divers». A pluralidade do repetível catapulta-o para o milagre permanente do que se bifurca a todo o instante (J. L. BORGES, «El jardín de senderos que se bifurcan» (1941), in: id., Ficciones, Madrid/ Buenos Aires, Alianza Ed./ Emecé Ed., 1974, pp. 101 e segs.)… vário, diverso, multíplice. 132 O sentiente (Xavier ZUBIRI, Espacio, Tiempo, Materia, Madrid, Alianza Ed., 1996, pp. 589…) elide-se nos muitos sentires que, alheios, nos substituem de ser (cf. Émmanuel LÉVINAS, «La substitution», in: Id., Autrement qu’être ou au-delà de l’essence, Paris, Kluwer, 1974, pp. 156 e segs.). Uma consciência mais imediata, do sentir assim, explode em miríades de feixes e será tão pura como a tersa vidraça à luz evidente de tudo. Cf. Jacqueline CHAMBRON, «Le Vide chez st. Jean de la Croix», in: Várs. Auts., «Le Vide, expérience spirituelle en Occident et en Orient», Rev. HERMES, Paris, Deux Océans, 1981, pp. 144-156… 133Lógica do mundo que não forçosamente mundana, antes do sensível ainda na variada materialidade e segundo o realismo aristotélico… Cf. Jules VUILLEMIN, La logique et le monde sensible, Essai sur les théories contemporaines de l’abstraction, Paris, Flammarion, 1971, pp. 19 e segs. 134Vide G. BERKELEY, A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge, (1710), I, § 3 e segs.: “For as to what is said of the absolute existence of unthinking things, without any relation to their being perceived, that is to me perfectly unintelligible. Their esse is percipi; nor is it possible they should have any existence out of the minds or thinking things which perceive them.” (in: Alexander Campbell FRASER, (ed.), The Works of George Berkeley, London/ N.Y., Continuum, 2005, vol. I, pp. 258 e segs.) e o anti-surrealismo de Pessoa, já que não se trata de sondar nesta outra “realidade”, antes de tomar como plural em todos os níveis de ser e, em cada caso, como de uma natureza diversa. Ainda a lição de possível equivocidade segundo ARISTÓTELES, Metaph. IV, 2, 1003 a 33: ‘tò dè òn légetai mèn pollakhôs…’ [“o ente que se diz de muitos modos”]. 135 Enumeram-se as formas “receptivas” do sentir, como desde ARISTÓTELES, De an. II, 6, 418 a e segs., não apenas pelo diversos sentidos e respectivos órgãos diferenciados, mas pelas faculdades que ali se enumeravam (imaginação ou phantasía, também a memoria, o páthos emotivo e desiderativo, até a inteligência…). Porém, o que no variegado destas “cores” (também sânscr. varna) fica refractado não é a mesma luz assim pensada unitariamente, outrossim intervalos de outras fulgurâncias várias de sensações, cujos limiares de mútua exclusão são sintomáticos da sua irredutibilidade. Donde a heteroestesia pessoana… E, talvez se encontre apenas no ensinamento do yaqui D. Juan, (segundo Carlos
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CASTAÑEDA, Tales of Power, N.Y., Simon and Schuster, 1974, pp. 180 e segs.: «The Whispering of the Nagual»…), o indicativo para nomear o que de todo não está no âmbito tonal “deste mundo”, mas no nagual do poder do outro mundo, ou simplesmente do não-mundo…Quanto à alquímica “poesianegra”, cf. René DAUMAL, «Poésie noire et poésie blanche» (1941), reed. in : Id., Les pouvoirs de la parole, Essais et Notes, II (1935-1943), Paris, Gallimard, 1972, pp. 107-111, vide p. 108 : «La poésie noire est féconde en prestiges comme le rêve et comme l’opium. (…).» 136Por muito que a linearidade lógica se mantenha ainda que ao longo do escalonamento traçado por PESSOA, («Estética» [ms. 1925?] in: Obras em Prosa, ed. cit., p. 250: “… a repetição das sensações forma a memória… pela memória se vai tornando permanente. Esta permanência da sensação é o sentimento. (…)”, etc.) a propósito dessa sensação, depois como sensação da sensação em imagem, e desta em relação a si mesma, já em concepção, etc., há a consciência de sucessivos hiatos que põem em causa a aparente contínua descontinuidade do processo, já que se revela assim uma descontínua continuidade pluralizada a cada ressalto do esquema global. Cf. nossa reflexão sobre o tema, a propósito de Leonardo Coimbra: Carlos H. do C. SILVA, “O tempo e a «visão ginástica» em Leonardo Coimbra – Ambiguidades do continuísmo criacionista”, in: Várs. Auts., O pensamento filosófico de Leonardo Coimbra, Lisboa, ed. Didaskalia, 1989, pp. 129-143. 137 De facto, será Nietzsche quem neste célebre enunciado não acerta com a remotíssima primeira moção deste tema: que não deve ser glosado no contexto já ariano, sequer iraniano de um Zoroastro moralista, mas que remonta ao samsara dravídico ou anterior do gesto transmigrador e do devir em círculo tal Pessoa o revisita através da órfica, depurada, revelação da Natureza… Cf. nossa nótula: Carlos H. do C. SILVA, “O pseudo-paganismo de Nietzsche – Uma leitura de F. Pessoa sobre o filósofo germânico”, in: Boletim de Ciência das Religiões (Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias), I, nº 1, 2º Sem. (2000), pp. 19-20. 138Sim, o tempo fica por pensar em Pessoa, não porque não meditado, mas no seu intervalo sensível. Donde a solução poética que pauta de momentos, de pausas ou suspensões o que poderá ter outros contornos de instâncias criativas… Poesia, pois, ao nível de yetsirah ou “mundo da Transformação” como se diz na tradição cabalística dos vários (4) olam, “orbes” ou “mundos”…, em contraponto ao génio criador (não na técnica do tempo, mas na produção do seu momentum), tal se poderia, então, referir ao “mundo de Briah” ou da Criação. Cf. Z’evbem Shimon HALEVI, Adam and the Kabbalistic Tree, London, Rider, 1974, pp. 39 e segs.: «The Four Worlds». É no interface entre estes dois horizontes ontológicos – nesse simbólico Dragão do pórtico - que se “joga” o limiar temporão, a precocidade de um compreender Pessoa antes do tempo, ou de um protelar em tempo o que nele é sem hora e nunca a tempo de ser compreendido… 139Ao contrário da morallógica ‘maniqueia’ de L. WITTGENSTEIN, TractatusLogico-Philosophicus, ed. cit., Prop. 7: „Wovon man nicht sprechen kann, darüber muẞ man schweigen.“ (ed. D. F. Pears & B. F. McGuiness, London/ N.Y., Routledge/ Humanities Pr., 1961…, p. 150) – assim absoluta, – a estética pessoana aqui glosada, vive-se na música perdulária do sentir, que o verbo silenciado se limita a mimar em vão. Via paradoxal nem sequer permanente, mas cuja intermitência se reconhece na pausada pluralidade…
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luiz pires dos reys
nascer do dia frag: mentos do ermo a esmo
A aparição das coisas, ao abolir-se no seu próprio aparecer, é um apelo silencioso que transparece nas palavras contíguas.
*
A minha pátria só a encontro na extrema redução da vigília, no abandono às potências elementares que povoam o sono
e o tornam a receptividade pura da branca integridade das energias tranquilas da terra inicial.
*
O sagrado é o retorno ao corpo como dimensão total e plenamente erótica e, por conseguinte, o regresso ao princípio do mundo como nascimento
no encontro entre a subjetividade e a ardente matéria da terra, entre o corpo e a totalidade do real.
António Ramos Rosa
I. As palavras que faltam são sempre as primeiras e as derradeiras.
II. Faz dos arcanos asas para o atravessar a floresta. Da alma sair-te-ão eles ecos dos Antigos que nela farão então ouvir a sua voz.
III. Caminho válido é aquele descaminho que te valida o caos e com ele te faz crisol e cinzas de certa fénix inumana.
IV. É da sombra, desde a sua treva, que vês a luz com a mais inteira clareza: ofuscantemente!
V. Do que se trata é de fazer pontes, do que se trata é da falta de pontes. Do que se trata é de haver ainda necessidade de pontes, do que se trata é de ter ainda de haver pontes sem se saber se haja sequer quem nelas entre: e não fique entre.
VI. Ainda que tudo o que dizes seja ressonância daquilo que jamais consegue ser
dito inteiramente, mais valerá não sê-lo, do que sê-lo e nisso não estares inteiro.
VII. Realidade é aquilo que tu consegues ver, ou é aquilo que tu não consegues ou
não queres ver? É aquilo que é não: de quanto consegues e segues.
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VIII. O eixo do mundo é o mundo fora dos eixos.
IX. Só não confundimos a rocha com a flor porque aquela tem o sangue cor do centro da terra e esta a seiva cor do centro do céu.
X. A nuvem que passa é a passagem do que fica.
XI. O silêncio está em toda a parte - exactamente onde tu estás: em parte alguma.
Aí precisamente te perdes, aí exactamente te encontras! XII. Usufrui e partilha: isso é indivisível. O segredo da partilha é que não se parte:
dá-se e recebe-se sempre o todo de tudo – e, ainda que não pareça, re-parte-se. É quando não te parece, que mais recebes; é quando mais dás, que menos perdes.
XIII. Cega-te, da força do que tem poder, e do que é firme e nobre e mais fecundo: como uma árvore, como uma flor, como a montanha, como o mar. Como a mulher.
XIV. Confia até ao fim, isto é, confia até ao verdadeiro começo. Mas não te fies em demasia, não vás tu acabar desconfiado - o que não é, de todo, bom começo.
XV. Por vezes, uma única árvore é toda a floresta; por vezes, a árvore é tão-só uma miragem que te distrai das tuas próprias raízes. Por vezes ainda, por vezes nem a árvore permanece. Aí, então, floresces...
XVI. Do olho escancarado do vulcão do nada, do êxodo dir-se-ia caótico das aves que confirmam os presságios indiferentes, brota a pulsação do nenhures: por toda a parte.
XVII. Cegueira é o estar da alma que em si não está: ou por defeito dos olhos, ou porque em défice do olhar, ou porque em superabundância de ambos. É então que se fica cego de vez: deslumbradamente, deslumbrantemente!
XVIII. Não existem momentos da verdade: há apenas momentos de verdade.
XIX. O que há por toda a parte é este haver, e este haver mistério de havê-lo, fulgurante da mais pura e mais simples veracidade e ocultação.
XX. Tal como as formigas nos parece viverem aceleradas em demasia, assim também nós a algum outro ser deveremos parecer formigas, apressadas e sem porquê. Quando formos esse ser, veremos o formigueiro.
XXI. Imenso é confim, não com fim; o enfim é incomenso.
XXII. Olhar é recta guarda de um além: desde o de fronte do sem rosto. Sem ida nem regresso. Puro habitar da casa, fora de portas.
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XXIII. Raro, o segredo do silêncio, e seu degredo do frívolo, sustêm-nos em sua mesma insuspensão.
XXIV. A voz sussurrante da sibila só se te fará ouvir quando a tua se silenciar, à proximidade da lâmina temível dos seus lábios.
XXV. A verdade é sempre tranquila, quase como o sussurro de uma boa mentira: a única diferença pode ser a tua indiferença.
XXVI. Para diante é já aqui: o nenhures é sempre de um qualquer algures.
XXVII. A tua verdadeira casa é o nenhures onde a tua pele parece estar em toda a parte.
XXVIII. Permanece sem palavras, para que o Antigo palavras do nunca agora te segrede.
XXIX. O som é anagrama do caos feito sentido do sem-sentido.
XXX. Lembras-te quando, num passado a haver, tu voavas? Não te esforces: voa apenas!
XXXI. Tudo é sem porquê, até lhe conferires o teu. Se o lograres, isso ferir-te-á a cada passo.
XXXII. Um dia - sem que possas dizer que hora seja essa, pois estarão ali todos os teus momentos -, um dia, a palavra em ti calar-se-á, a fala emudecer-se-te-á, e escutarás então certo silêncio que é o rei de ti: então, serás reino também. E serás guerra intérmina de uma paz inabalável!
XXXIII. A respiração é o que nos faz afins do oceano: como os habitantes do mar continuamos a engolir água, mas agora em vapor. Trabalhamos ainda ... a vapor.
XXXIV. O paraíso é ali onde estás (perdido) em ti: aí, tudo é sem ti. Em ti, que não serás mais tu.
XXXV. A tua morada é onde não precises de habitá-la: aí tudo habita em ti, aí em tudo habitas.
XXXVI. Alguma coisa haverá, em ti, em que tenhas sempre de cometer suicídio: para que, nessa morte, a todo o momento renasças!
XXXVII. O pizzicato é a pura ascese do som; o sal do silêncio, o sabor da ascese.
XXXVIII. Lâmina imperturbável, certo abraço rigoroso algo virá nalgum momento reclamar-te. Mas é isso que mais importa deixes evolar até ao repouso do pó, para que assim reapareças: com a nitidez do gelo jovem e a translucidez do diamante eterno.
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XXXIX. Diante do oceano, não existe relevância alguma em nós: o relevante é estarmos diante do oceano - e estar diante do oceano é ser engolido por si mesmo.
XL. Poderás ser harpejo lira dos dias, mas se não souberes escutar a melodia que neles emerge orfaico da alma, de nada te servirá, pois tais sons de tudo te serão dissonantes.
XLI. Apenas aceitando percorrer sozinho os locais abandonados da alma, poderás esperar o encontro com o que jamais te abandonou.
XLII. Quando corpo e alma são uma só coisa, para cantar nem quase é necessária voz: o corpo é a voz!
XLIII. Quando perdemos o sentido da hospitalidade, perdemos o sentido da casa e, nisso, o próprio direito a habitá-la.
XLIV. Só existe princípio e fim para o homem, pois só ele confere novidade àquilo que é apenas renovar dos ciclos e estações na natureza.
XLV. É verde como as folhas, o teu corpo e, como a fertilidade da terra, castanha a verdadeira cor do teu sangue. És homem verde, e desconhece-lo.
XLVI. Voamos inaparentes no vazio, na mais laboriosa alquimia dos sonhos, mas a cabeça temo-la em fogo, porque nos incandesce o sangue e Janus é o nome de guerra: eros e thanatos desdobrando Abraxas.
XLVII. Sonho? Realidade. Realidade? Sonho. Entre uma e outro, a ilusão que sustenta os mundos, com cujo insustento nos iludimos conscientes.
XLVIII. A intimidade da alma é a geografia do rosto afeiçoando-se à arquitectura de tropeços e afectos: mais sempre quando sem porquê...
XLIX. A verdade nunca vem de uma só vez. A sua ausência surge mais quando menos se espera.
L. E ag’Hora vou… daqui onde per’tenso.
Desenho de António Ramos Rosa
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photo graphia|rte
|poesia
“coroemo-‐nos\\:| de poesia”
josé
valle de figueiredo
Cada palavra é uma abertura para o insondável
antes de ser uma relação horizontal com as outras palavras. *
A urgente vocação do poema é o espaço.
*
Ser dito é uma sede submersa que desejaria beber o horizonte do mundo.
António Ramos Rosa
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josé valle de figueiredo
Com poemas tudo se acende
Tudo é composto de poemas,
do que muda e permanece,
tudo é composto de verso e reverso,
do que é vivo e falece.
Mas nem tudo o que é mudança
muda como acontece
quanto cresce e é criança.
Todo o mundo é composto de poesia,
ora se esconde e falece,
ora se vê e nos tece.
Com tudo se acende:
a palavra acesa no poema
faz-‐se à vida
-‐ e vai além da vida.
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Consoamentos
I
Diria de outra Idade, dos versos Consoados também pela manhã, indo mais Além, como poemas vivos que descobrem outra ânsias, mais altas, sempre mais altas, mas que já são de outras distâncias, como se partíssemos sempre desta vida e por dentro fossemos a navegar -‐ e ao chegar, estivéssemos já de partida.
II
As aves vêm de manhã. Pousam em versos encobertos. Viajaram de céus abertos, vieram com a esperança vã de povoarem lugares abertos. Encontraram terra chã e a sombra da Ave que anunciava o Descoberto. Voltaram. Mas não voltaram. Entre o Céu e a Terra andam nos versos secretos que tão cedo nos criaram.
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Bailia
Acrescentam-‐se versos e poemas ao rosto que amanhece: como se fossem palavras a crescer noite e dia em mais poesia, como fogo-‐posto que entretece almas e corpos que já não pedem nada a tanta melancolia. Como se, depois de se saberem, recolhessem mais sós à casa que renascia.
Desvelamento
Mudo de poema, habito outros versos, voam aves e aves tantas, aguardo e espero outro universo. Mudam-‐se os tempos e a vontade, calo e esqueço, vai crescendo a Quinta Idade, e destes tempos me despeço.
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antónio cândido franco
leonor teles
Eis a rola real no esplendor da beleza!
Eis a rosa encarnada na graça da realeza!
A nora de Constança, a herdeira de Inês
a espiral do fogo, a roseira, o fulgor da luz
cujo rugido de Amor é tão canoro e altivo
qu’inda agora no imo do Sol se vê.
Foi esta leoa de cabelo em lume
que preferiu dar sete voltas ao mundo
e morrer de fome num fojo de espinhos
os ossos dando às pedras do caminho
do que pôr a juba na mão dos domadores
do Portugal feito jardim-‐zoológico.
Eis a peregrina, a loba do fim, a rainha maldita.
Eis a Senhora que nunca perdeu o anel da vida.
12 de Julho de 2011
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retrato de
francisco palma dias
Quem é este homem pintado a branco e tinto? Um cigano de camisa preta ou Camões no Lusitânia-‐Express com a fúria de levantar o Mar ao espelho, debaixo da Lua, depois de cantar o Fado e de gritar Saravah no ardor do álcool com o olhar de aço, duas sardas de prata nos cabelos um mover de águia nos lábios finos.
Esteve este homem destinado a ser o varão do leme do Quinto Afonso e a olhar de frente o Adamastor. Quis o Fado que não e fê-‐lo nosso, sem madre Tethys sem Ilha do Amor, sem barco à vela e sem monstro. Ficou o tabaco de enrolar e o furor do mosto. Ei-‐lo sentado à mesa do deserto, duplo ás a falar da cobra una dos Himalaias e do degolado de Suassuna.
11 de Julho de 2011
* Na fotografia, da esquerda para a direita, Paulo Borges, António Cândido Franco, Francisco Palma Dias e José Emílio Calvário, em Évora, em Agosto de 1992.
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joão raposo
hora de névoa (1990)
Intenso nevoeiro onde o olhar penetra o desejo de alcançar estrelas. No limiar da aurora um silêncio grita: É a Hora!
Quatro mãos sobre o piano deslizam como almas encobertas de Saudade. A Arrábida espreita com seu oráculo de terra húmida. Um Verbo que é um rochedo de cilícios penitentes. Da brancura nasce o Poema que nunca completará a Obra. Hora de Névoa em que se verte o Sôma e se atravessa a tragédia incólume no Dharma.
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Suicídio Ausência tudo o silêncio revela em poema ou prosa juntando as extremidades da Obra. Tão longe a Índia tão Lusa a vontade de abrir caminhos de Saudade. Só a memória cavalga a Cabala em que se perde para se encontrar a Verdade.
Na busca de Deus com a cruz ao alto se rompe a névoa. E não há desejo mais forte do que retornar à vida pelo caminho mais curto da morte. Língua-‐Lusa sacrifício cósmico de navegar estrelas no ofício da luz. Tudo despertará no Quinto o mar se metamorfoseará em deserto e as areias se projectarão no espaço até que se descubra o Encoberto.
A Lua mergulhará nas águas e o Sol será a noite mais intensa de todas as sombras e de todas as saudades.
Os braços se transformarão em asas os anjos em peixes a luz cobrirá de negro a lembrança e o futuro deixar é de ser esperança.
Um sapateiro coserá as solas do mundo e uma criança será coroada imperadora da sílaba língua extrema do Espírito Santo da Poesia.
Serão visões eterno retorno não haverá trono nem rei nem povo tudo será de novo os homens voarão no espaço Deus habitará a terra solitário e silente sua clausura será sem sofrimento nem bem nem mal apenas guardião do Santo Graal.
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ethel feldman
Esperei-‐te em silêncio, num recanto qualquer da minha existência Esperei sem descanso Abriste a janela Deixaste entrar o vento Tuas mãos pintaram a cor no meu corpo febril. fosses tu, o meu desejo eu seria o compasso em que respiras vazio que se completa em cada beijo um sopro suave feito da vontade de outro beijo meu corpo suado molhado, em ti foz, de um novo rio. Quando o nosso olhar vazio, procurar o tempo serei tua noite quente Deixa que o rio se estreite Conta-‐me tudo, sem pressa Conta-‐me o resto
Deixa-‐me agora descansar nesse teu estar. Devagar, estar em ti No cheiro que adormece preguiçoso em teu corpo Deixa-‐me estar entre a vontade e o desejo de continuar a estar Deixa-‐me agora que durmo em silêncio enquanto me esqueço... tantos abraços dei enquanto partias beijos vencidos na despedida no despertar, entre o que sou. fosses tu de pedra inventava o amor eterno esse que o tempo gasta sem que os olhos vejam Divino é o pó em que tornas ao mundo na terra, no ar, nos oceanos Multiplicas-‐te em todos em cada um Esperei-‐te em silêncio num recanto qualquer No meu corpo salgado Estás em tudo e em todos Eterno é o nosso descanso
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benjamin
Na partida, Benjamin avisou-me que teríamos de fazer uma paragem. Perguntei onde e porquê, mas Benjamin pediu-me paciência. - Há coisas que não se explicam, Hannah... O nosso destino era vago: alcançarmos o Extremo Oriente. Vi homens baixos, vi outros tão altos que mal lhes reconheci o contorno da cabeça. Dormi debaixo de árvores gigantes que me abrigaram nas noites chuvosas. Sem pressa, deixei que o corpo se adaptasse ao calor húmido da floresta e ao ar rarefeito das montanhas. Acompanhei o sol, e a noite foi sendo sempre noite no meu corpo viajante. Alguns dos nossos companheiros ficaram em Goa, outros seguiram caminho para oeste. Eu e Benjamin, continuámos a caminhar para leste. Benjamin acordou cedo. Retirou da mochila um pião rendado, em prata. - O que é isso, Ben? - É a encomenda que tenho de entregar... Já tinha esquecido. Há tantos meses a viajar, só agora dei conta que o meu amigo limpava a peça todas as manhãs. Lembro-me do pião que o meu pai me deu, num passe de mágica rodopiava, ganhava velocidade. Da pequena peça de madeira só vislumbrava o tempo que voava. Uma bruma fina envolvia o brinquedo que parecia imóvel, centrado em si mesmo. Depois, cansado, cambaleava como se estivesse bêbado, acabando por cair tombado de lado. Memórias que o tempo roubou e tu, Benjamin acabas de me devolver. - Ben, lembras do dreidel*? - Em cada face uma letra do alfabeto hebraico: Nun, Gimmel, Hehand Shin... - "Nes Gadol Hayah Sham" ("Um grande Milagre Aconteceu")... Benjamin é meu amigo infância. Na escola aprendemos a ler, cantámos as letras do alfabeto hebraico, uma a uma a formarem palavras encantadas. Na escola, cantou comigo no Pessah* - Ma Nishtaná halaila hazé micol haleilot? (Porque esta noite não é em nada igual a todas as outras noites?). - Lembras, Ben? Hailala hazé... Depois da escola primária, mudei de cidade, cresci longe de Ben. O yiddish foi sendo esquecido e do hebraico só sei escrever o meu nome: ַהנְנַה Um pequeno pião de prata lembrou-me criança. - Isto é um pião estranho, Ben... Benjamin sorriu. - Nem tudo que parece é, Hannah. Continuámos a viajar, agora junto ao mar. Em cada aldeia, um novo peixe. Nossa pele mudou de cor. Meu corpo salgou no corpo de Benjamin. Semente de um novo amor. - Por onde me levas, Ben? Silencioso, Benjamin calava meus lábios na sua boca sempre entreaberta.
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À noite casávamos as nossas vontades. De manhã, ríamos delas. - Para onde vamos, Ben? - Sempre a oriente, Hannah... Quando o corpo está apaixonado pede o corpo do amado. Sem ele, parece morrer. Com ele encontra a morte, feliz, num breve e longo instante. O dia encontrava a noite. A noite amanhecia. Benjamin, todas as manhãs, delicadamente limpava o pião de prata. Quinze minutos diários, focados na renda fina. - Que pião é esse, Ben? - Em breve, Hannah, vais saber. Quando a hora for hora... Benjamin nunca teve pressa com nada. Quando dança, rodopia, sempre centrado no eixo. Quando pára, tomba devagar. Um longo abraço marcou o reencontro com Leo, nosso companheiro de viagem. - Como vieste aqui parar, se seguiste para ocidente? - perguntei - Fiz um desvio e outro, pelo caminho. Perdi-me, encontrei-me. Entre um e outro, parei... Os meus amigos sempre foram assim. Entre o sim e o não … existem. Com Leo, fomos ficando na aldeia à beira-mar. De madrugada, acordavam e partiam com os pescadores. À tarde, regressavam com o jantar. Cansado Ben, salgava meu corpo, lentamente. - Está na hora de partir, Hannah... - Quando? - Amanhã. Não leves nada contigo, a não ser a roupa que trazes vestida. Uma mochila leve, com um pequeno agasalho... - Mas o que faço com o resto? - Dá a quem precisa, Hannah. Alivia o peso. Não precisas de mais nada, senão do teu corpo leve. Contrariada, deixei minha mala de viagem. Nela, meus sapatos novos, livros e roupas usadas. Enrolei meu diário velho no casaco que guardei na mochila. - Hannah, o que viveste está desenhado no teu corpo... - Tenho medo de esquecer, Ben. Nessa noite, adormecemos abraçados. Senti seu coração, ritmado com o meu. Um ar morno, manso, viajou entre as nossas bocas. Antes do sol nascer, despedimo-nos de Leo. Um abraço prolongado, silencioso, marcou o nosso adeus. Antes, Ben afagou de novo o pião. Desta vez, enrolou-o cuidadosamente num longo pano de linho branco. Deu voltas e voltas, até que o pião deixasse de ser a peça de prata rendada e não fosse mais que uma trouxa de pano. Em seguida, guardou-o na sua velha mochila. - É esta a tua única bagagem, querido? - Sim, Hannah... Sei quando Ben não quer falar. Aprendi com ele a gostar de cada intervalo pausado, dar espaço a todos ruídos, encontrar o som do vento, identificar o canto diferenciado de cada pássaro, ou simplesmente ouvir o som mudo do silêncio que se alonga no outro.
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Caminhámos calados, passo a passo, entre aldeias. Caminhámos de mãos dadas, sem nunca nos tocarmos. Ben seguia ao meu lado, tranquilo. Uma paz estranha tomou conta de mim. Poucas semanas antes, soube do falecimento da minha avó. Meu coração ficou pequeno. Apertado, encontrou a dor. Chorei de mansinho, junto com a noite - toda a noite. De manhã entreguei ao mar a saudade que sinto dela. Desembocou no oceano, espalhou-se por todos os mares, encontrou outras águas, doces e salgadas, irrigou o campo, semeou a terra. Até já, avó. O sol disse adeus antes do anoitecer. - Vamos descansar. Ainda temos umas horas de caminho. Ben sentou-se em cima de um pedaço de pedra. Eu sentei-me no chão, junto a ele. Com a cabeça em seu colo adormeci. - Acorda, Hannah. Temos de seguir... Em que instante mudamos? Uma dor estranha aparece no peito, como uma flor que desabrocha, a mesma que nos acolhe quando nascemos. Quantas vezes mudamos, antes de morrermos? Quanto mais rápido rodopia o pião, mais imóvel parece ao nosso olhar. - Ben, para onde nos levas? - perguntou meu coração baixinho. Uma nova flor desabrochava em meu peito. - Para um lugar sem nome, que te acolhe sem nada te perguntar. - respondeu-me, sem falar. Já passava da meia-noite quando chegámos a esse lugar, que nada pergunta, nem quer saber. Onde a lua nasce e volta a nascer, todas as noites. Dia após dia. Não me lembro se vi alguém. A aldeia é pequena. O chão de terra batida, vermelho. As casas pequenas, brancas. Em todas, chega-se à sala depois de descermos três degraus. Parece que nunca saímos do mesmo lugar. Como o pião, veloz. Imóvel. Benjamin entrou em três casas. De cada uma trouxe uma coisa. Na primeira, um cobertor, na segunda duas tigelas de arroz, na terceira ervas para o chá. Convidou-me a entrar na quarta casa da vila. - Descansa agora, Hannah. Vou ter de sair. Quieta, vi Benjamin abrir a mochila, e tirar a trouxa branca de linho. Antes de sair, abraçou-me carinhosamente. Calou meus anseios em seus lábios. Doce, cantou baixinho, Ma Nishtaná halaila hazé micol haleilot ... - Até já, pequena Hannah... Cansada, adormeci sem nada questionar. Meu corpo colava ao colchão de algodão. Um tapete vermelho, cobria o chão do ar fresco da noite. No ar, o cheiro da madrugada. Meu corpo cansado, fugia da dor anunciada. Não me lembro da cor do céu. Sei das estrelas a dançar de par em par. Não me lembro de nada até aquela manhã, quando acordei quase sem ar. Uma flor nascia no ventre, teimava em desabrochar. Com medo, eu não permitia. Saí de casa, apressada. - Ben, qual foi a casa que te abrigou nesta noite que não regressaste ao corpo da mulher amada? Como resposta, um silêncio profundo pesou no meu corpo. - Ben! - perguntei sem descanso, numa terra que nada questionava, sequer se
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importava em saber a resposta. Uma nuvem branca, saía da chaminé da casa que nos deu de comer: a casa do meio. Corri, sem pensar. Em algum lugar do meu ser, eu sabia a resposta. Essa que adivinhei desde o primeiro dia da nossa viagem. Alcançar o extremo oriente, era o nosso destino. Onde fica o extremo do nada? Caminhámos, sem destino sabendo dele, desde que partimos. Onde fica a chegada, se não existe o fim? Se nada existe, explica-me esta dor que dilacera o meu peito, Ben! A casa tinha a porta aberta. Três degraus levam o visitante à sala. Cheira ao ar manso, morno da boca de Ben. O vento entra e faz rodar um pião de prata rendada. O pião espalha pelo ar, um pó branco, fino, formando uma nuvem branca, por toda a sala. A mesma que vi sair da chaminé. Aspiro o ar. “Nes Gadol Hayah Sham” - Ben! - meus olhos choram, meu corpo treme entre a alegria e a tristeza, canto: Esperei-te em silêncio, num recanto qualquer da minha existência Esperei sem descanso tantos abraços dei enquanto partias beijos vencidos na despedida fosses tu de pedra inventava o amor eterno esse que o tempo gasta sem que os olhos vejam
Divino é o pó em que tornas ao mundo na terra, no ar, nos oceanos Multiplicas-te em todos em cada um Esperei-te em silêncio num recanto qualquer No meu corpo salgado Estás em tudo e em todos Eterno é o teu descanso Até sempre, Benjamin.
_______________________ * Dreidel - (Yiddish; sevivon em hebraico) é um pequeno pião quadrado comummente dados as crianças durante Hanukkah (festa que dura oito dias e comemora a reedificacão do templo de Jerusalém feita por Judas Macabeu). * Pessach - também conhecida como Páscoa judaica celebra e recorda a libertação do povo de Israel do Egito, conforme narrado no livro de Shemot (Êxodo).
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fátima vale
êxtase-‐ganapatyas
aparece desnuda a ilha wali na magia aquiescente da frágil campina liliputiana folhagem amarela palha fulgura-‐se nela a coroa de espuma cósmica sorriso desdobrado fios de ébano no peito das velas dobam o descanso rendilham a dádiva ao ouvido oh ganesha ganesha ganapati om vinayaka om vinayagar om pillayar om vinayakudu om
entre o campo da tessitura planam as aves véu livre na duna do silêncio mimesis da memória hermética dissolvência da resenha pura palavra erecta brune o epicarpo gogado eira de sol inflamada plurificada lavoura fundente que abafa de caruma a brasura da soenga olorante incenso venal metamorfose alotrópica do amor gramática híbrida que se gera
brunus brunus magnanima sapientis criatura fumo da terra erva-‐moleirinha tratado teínico dos milagres
toda a mundanidade se pia no mergulho nocturno pelo ósculo tépido das águas (circula âmbar cristalizado dentro do olho) a arena muda afia o sorvo embriagado na fonte (carícia que desponta da língua no tablado fértil da galeria reservada) vínica vox extensa flammula
brunus brunus brincam dois sóis no leito terracota que o vento embala perfurando as luras floridas atinge-‐se a dourada cinza do sono viagem única líquida semente dentro do nenúfar que alarga pelo calor da fricção falo sublime fígulo solar pedestre humildade do sonho habitado
nebulosa vertebral dos dias moços dançarinos com paus de canela no jardim festivo do algodão
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ec li
pse
no colo imaginário funde-‐se o tempo e o sonho porque rasgas a fenda do espaço sináptico pai o antiquíssimo impulso dilacera virás partilhar a espuma do mar na palavra inaudível dos olhos pergunto virás as mãos cheias de mundo soltarão juntas a melíflua dádiva dá-‐me esse dia que eu entrego-‐te o brilho da criação que sono dormes agora na inerte inquietude do corpo renasces alado na curva do sopro não existem pegadas no peito celeste das aves todos nascem quando acordam mestres de si a alegria é a empresa que temos adiada desprivatiza o silêncio e o pelourinho do sangue a madrugada acende o canto de fogo rego a horta por ti crescem teus inéditos risos nas folhas que todos os dias se alongam verdejantes guarda o sol dentro de ti ansiolítica a noite quebrará o espelho o lago renascentista fluirá suspenso salgado merífico na esfera azul vou ajaezar o caracol saio de coração às costas já te abraço principalmente
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da
árvore que caiu da
folha corpo lava amamentado pelo fogo da cegueira ex_corre catabático lembra o momento em que a árvore cai da folha confirma que o parto é uma partida que o nado vivo é uma polínia ardente na ilusão do glaciar quando o olho solar desperta regista-‐se descendente de nut e de geb ramificação das nuvens e do vento fertilidade nómada e anarquista
tens danças adiadas no salão de uma estrela
tens o sorriso cativo e torturado – na masmorra da ausência não tentes a fuga – pois a parede sangra – e a janela é um grito onde não cabes incendiarás as vísceras se necessário – até o fogo sair pelo olhar a grade que te encerra – tornar-‐se-‐à líquida para a travessia das horas – portal da vida – onde a alegria se não penhora morres tanto na margem do corpo que desmaias – subiu tanto a maré dos teus olhos tens nas mãos o amor absoluto – escolhe o caminho pois o tempo está de partida – o eco é surdo e esconde-‐se no horizonte o esqueleto que abandonas à superfície – entrega-‐se ao vento que se prega vocal o espírito vai no azimute das violetas – do riso multicolor saudade do futuro tens danças adiadas no salão de uma estrela seguirás o rasto das flores de sal
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agripinacosta marques
Voo –vaivém entre diferentes planos
rápido e leve. De um incêndio breve
nutre os espaços os espaços de passagem
entre nuvem, montanha
ou a rasa planície quase opaca.
Viagem iniciática se no letargo
oráculos vertem, das amplas asas,
as predições num sonho.
Facho divinatório se no silêncio
a linguagem ecoa sob plumas em cântico.
(in “Ciclos, Fragmentos, Idades”)
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O primeiro sinal emanou da montanha, ao apelo do Profeta.
Percorri todo um trajecto de palavras ininterruptas até ao cume.
Trajecto verbal alucinatório cujo verdadeiro movimento se não
sabe. Se é escalada nossa, se a montanha se desloca – nos visita
passo a passo, se oferece em seus múltiplos patamares e em seu
cimo nos funde.
Foi um momento muito breve, porém intenso e completo.
Impor-‐se-‐ia revelá-‐lo pela escrita, fixando-‐o pela escrita ao ritmo
da própria sequência ou visitação.
Impor-‐se-‐ia a previsão desta viagem que antecedeu o sono como
um sonho deslocado do seu espaço.
O inesperado confinou-‐me à passividade de protagonista-‐
receptiva/narradora fortuita do próprio destino, em seu momento
único.
Impossível a palavra para além deste espaço privilegiado onde ela
se fez viagem.
A busca de meios para a fixar (todo o movimento exterior)
quebraria a torrente mágica.
E não a recuperei.
24/11/82(in “Sonhos”)
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donis de frol guilhade
|| dois poemas de “Uroboros ou o Vaticinador de Chirico” *
seja ou a não ser propício o enformar da linha no eco evo do cânone, dir-‐se-‐ia ter-‐lhe a limite entrevisto o paradigma adiado
por lei loado a cnossos
sê sem rota,
se hás atida à dor a acção
em tal inerme vida:
o elo aumente e exorcisme rente o que do selo
é púrpura ou por vício doa
* (inédito, 1990)
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exemplar, o restituir da cor de mãe chove-‐nos neve como pólen antárctico, ao consentimento horizontal que, cúmplice, a planura desverdece, de floco em floco
pelos vórtices nativos no sob
a
orbe te heróiques.
resvalem cosenos
e
nos proscritos surtem.
hei sus ao sonhar lasso
o
alagar sangrado
do cor ao alto se com
o
dito ouse chão e bel’cante
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paz: majestado
sereníssimo
eis a imensa lucidez: com sentir em que sempre recém chegue à janela perfumada dos dias o que em sereno bordado só nela nasce e desagua, como bailando, em boda eterna na linha dos gestos infindos, na silenciosa, espantosa profecia das mãos. sim, mais vale o quase do que o tudo que nada vale, ou quase -‐ sereníssima majestade da paz sempre inacabada (mais e mais) ao aconchego revisitante dos abraços no doce remanso ajardinado dos dedos, em cálice e plenitude de silêncio em seu mais táctil horizonte -‐ como repouso de pássaros no canto da boca ao encantar silente do sorriso quente no sem fim dos afagos. eis, definitiva, a translucidez: te ser os frágeis fios das margens da ternura na plácida calidez da sua mais fresca loucura – como quem sonhos desenhasse, brancos, relembrados então, nos veios glaucos e primaveris escorrendo orvalho pelas alvas nervuras do caminho até aos lábios, então líquidos, dos tantos, tantos beijos em floco.
a ti e a ele,
irmãos perfumes em lótus sa[n]grado – aos nove de Julho de 2011
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dom diniz
duas cantigas d’amor de meestria (nos 750 anos do seu nascimento)
“o plantador de naus a haver” Fernando Pessoa
Pero muito amo, muito des(ejo) aver da que amo e quero gram ben, porque eu conheço muyto ben e vejo que de aver muito a min non m’en ven tam grande folgança que mayor non seja o seu dano d’ ela; quen tal bem deseja o bem de ssa dama en muy pouco ten. Mais o que non he e seer poderia, sse fosse assy que a ela vesse bem do meu bem, eu (muito) desejaria aver o mayor (ben) que aver podesse, ca pois a nós ambos hi viinha proveito; tal bem desejando, ffarya dereyto e sandeu seria quen o nom fezesse. E quem d’outra guisa tall bem (desejar) non he namorado, ma(i)s é (um) desfrom, que sempre trabalha por cedo cobrar da que non servio o mayor galardom; e de tal amor amo (eu) mays de cento e non amo hũa de que me contento de seer servidor de boom coraçon. Pois (d’ela) m’eu cham’e sõo servidor, gram treiçom seria, se mia senhor por meu ben ouvesse mal ou senrazon. E quantos bem aman assy o diram.
(C.V. 208 / C.B.N. 605/606)
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Oy mais quer'eu já leixá ‘lo trobar e quero-me desenparar d'Amor,
e quer'ir algũa terra buscar
u nunca possa seer sabedor
ela de mí, nen eu de mha senhor,
poys que lh'é d'eu viver aquí pesar.
Mays Deus! que grave cousa d'endurar
qu(e) a min será hir-me d'u ela for,
ca sei mui ben que nunca poss'achar
nen hũa cousa ond'aja sabor,
se non da morte, mays ar hei pavor
de mh-a non querer Deus tan cedo dar.
Mays sefez Deus a tan gram coita par,
come a de que serey sofredor,
quando m'agora houver d'alongar
d’aquesta terra, hu ést'a melhor
de quantas son e de cujo loor
non sse pode per dizer acabar.
(C.V. 81 / C.B.N. 498)
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© bruno miguel resende
quatro degraus aos quais falta o primeiro
bruno miguel resende
pórtico da desnatalidade trigésima quarta
© bruno miguel resende
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entre vês o segundo © bruno
miguel resende
© bruno miguel resende
sonata em locomoção interior
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rui miguelfélix
Indefinível definiendum
muralhas de Ávila © rui miguel félix
69
© rui miguel félix mar∆o
the unveiled, between space and time © rui miguel félix
convolução
Inventa um trespasse que em parte alguma te toque.
Tecida a filigrana, ausente na forma da imobilidade
em que te vês inominável, recrias-‐te nu,
despido do Universo. Todo esse espaço onde não és,
onde a existires é dizeres que esse ser-‐se não existe,
é, nesse vazio, o mais que se te abrilhanta,
O GRANDE NADA, onde nunca te encontrarás à tua espera.
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Nada pode ser levado ao extremo
© rui miguel félix
Barco juncado, vela arrosta Extremo o destino, falsa embarcação Onde embarco, Canto Leste verbo sem canção
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dossier:
antónio ramos rosa
|a voz inicial
“se encontro a palavra/”|: encontro o muro antes da palavra”
António Ramos Rosa
recolha
e organização | Luiz Pires dos Reys Gisela Ramos Rosa
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ana paula coutinho mendes António Ramos Rosa ou a respiração poética do mundo Com quase uma centena de livros publicados, António Ramos Rosa não é apenas o poeta português mais prolífico da segunda metade do século XX, é também aquele que, de modo singular, se tem mantido fiel a uma entrega absoluta à Poesia, entendida esta como trabalho concentrado sobre algumas palavras que se erguem com a solenidade de uma revelação ontológica. Nascido no Algarve (Faro, 1924), mas radicado há quase cinquenta anos em Lisboa, António Ramos Rosa cedo se resgatou a si mesmo do quotidiano de um simples “funcionário”, sujeito a rotinas e superficialidades, que muito facilmente poderiam tê-lo afastado da criação de um imaginário poético à altura da mais plena e radical liberdade e dignidade humanas. Embora o seu primeiro livro de poemas (O Grito Claro)tenha vindo a lume apenas em1958, para trás tinham já ficado muitos anos de dedicação intensa à poesia, quer como autor esparso em publicações periódicas, quer como leitor, crítico e co-editor daquelas que viriam a impor-se como as mais fecundas revistas literárias no Portugal dos anos 50e dos inícios de 60 (Árvore, Cassiopeia, Cadernos de Poesia). A Poesia como “diálogo com o universo”, propósito que reuniu alguns dos principais colaboradores da Árvore, e cuja formulação ficara a cargo do próprio António Ramos Rosa que se destacava, já então, pela sua informada consciência crítica sobre o fenómeno poético, viria a tornar-se o centro irradiador do seu próprio “caminho das palavras”. Entretanto, como intenso leitor que sempre foi, António Ramos Rosa acabaria por impregnar esse dialogismo cósmico de uma profunda cumplicidade intersubjectiva, que se foi transformando em múltiplas “afinidades electivas” com outros criadores. Com efeito, no panorama da cultura portuguesa germinadora nas décadas de 50 e 60, ninguém como o autor de Versões/ Inversões viria a revelar uma abertura tão descentralizada, espontânea e continuada a diferentes propostas de poesia (e pintura) modernas, tanto portuguesas como estrangeiras, levando essa permeabilidade ao ponto da mais estreita e declarada cumplicidade de escrita a quatro (ou mais mãos). Esse processo seria sempre assumido sem excesso de ludismos provocatórios, como aconteceu nalgumas experiências vanguardistas, mas antes com a solenidade de um dialogismo poético a partir das fontes comuns (vd. por exemplo, Rotações (1991), em interacção com Agripina Costa Marques e Carlos Poças Falcão ou Meditações Metapoéticas/ Méditations Métapoétiques (2003), escrito a meias com o poeta e ensaísta francês, Robert Bréchon). Entretanto, António Ramos Rosa foi acompanhando o seu trabalho poético com uma também intensa actividade crítica, ora reunida em livros de ensaios (Poesia, Liberdade Livre; A Poesia Moderna e a Interrogação Real I e II ; Incisões Oblíquas, A Parede Azul), ora dispersa por numerosas recensões na imprensa literária e por colaborações nos mais diversos projectos editorais. Por isso mesmo, ficaram a dever-se à sua curiosidade voraz e generosa muitas das revelações ou das primeiras análises da poesia de diversos autores portugueses, bem assim como a divulgação em Portugal de poetas estrangeiros, sobretudo francófonos (Paul Éluard, Henri Michaux, René Char, Jean Tortel, Yves Bonnefoy, Roger Munier, Fernand Verhesen…), mas também espanhóis (Juan Ramón Jimenez, Vicente Aleixandre, Pedro Salinas, Jorge Guillén, Carlos Edmundo d’Ory) e
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hispano-americanos (Vicente Huidobro; Roberto Juarroz, Eugénio Montejo, Octavio Paz, Olga Orozco, Ulalume González de León). Se nos seus primeiros poemas, prevaleciam as inquietações existenciais de quem não pode “adiar o coração”, o poeta passaria depois, nos anos 60 e 70, por uma fase bastante centrada num universo tendencialmente descarnado de auto-reflexão textual. Já a partir de meados dos anos 80, a poesia de Ramos Rosa tornar-se-ia cada vez mais receptiva a uma mística da imanência, à adesão sensorial e sensual ao mundo, radicada em alegorias particularmente luxuriantes que, por sua vez, traduzem toda uma dinâmica genesíaca de amorosa integração do sujeito poético no cosmos. Mas, antes mesmo desse mais declarado sensualismo efabulatório, já se encontrava na sua poesia vários sinais da entrada na “secreta idade da ignorância”, que nos faz lembrar a “quietude perfeita” da sabedoria oriental. Embora o poeta, ao contrário da filosofia zen, nunca chegue a prescindir das palavras, e prolongue até com “Três adágios” a “Investigação do Silêncio em Forma de Koans”, que lhe apresenta outro poeta (Casimiro de Brito, no livro também conjunto Duas Águas, Um Rio), existe em António Ramos Rosa uma contínua demanda de plenitude e de coincidência com o âmago do real. Estas, por sua vez, vão ao encontro da “redondez profunda do intacto”, da “fulguração tranquila” que acaba por unir todos aqueles que, tanto a Oriente como a Ocidente, anseiam por (con)fundir-se com a respiração do mundo ou com a “facilidade do ar”. Desde sempre entusiasmado por um conhecimento errante que atravessa as imagens da poesia, da filosofia e da pintura, o poeta de Estou vivo e escrevo sol construiu e divulgou uma “biblioteca viva” de poesia e poética modernas, de raiz fraterna e transfronteiriça, isto é, cujas demarcações imaginárias apontam não para limites estritamente linguísticos, nacionais ou disciplinares, mas para uma comunhão de cosmovisões demiúrgicas que desencadeiam visões outras, transfiguradas, do mundo. O universo poético de António Ramos Rosa traduz, por conseguinte, uma existência que é também uma forma de resistência à uniformização paralisante dos tempos modernos, na exacta medida em que o poeta acaba por envolver os seus leitores num compromisso partilhado de construção de uma sempre nova, liberta e libertadora, realidade sígnica, naturalmente integrada numa mais vasta ordem cósmica:
“Escrevemos ainda palavras para que cintile o muro da separação para que respire ainda a sede que em nós se levanta numa coluna quase exausta e quer abrir-se extensa sobre o verde harmónio do mar”
(in Génese, 2005)
______________________________ * Salvo explícita indicação em contrário, todo o material fotográfico constante deste dossier dedicado a António Ramos Rosa é da autoria de Gisela Ramos Rosa., a quem aqui se agradece a generosidade de disponibilizá-lo. (Nota da Direcção)
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Poemas inéditos (ou quase éditos)
A José Machado Pais
O poema é a nascente de uma nascente todo o poema é a estrela de uma nascente iluminada como uma lágrima O poema é mulher e ilha de um jardim na sua violência de abstracção inviolável Abstracto como um pássaro árabe na sua lenta harmonia No seu jardim há o perfume de um paraíso remoto e em toda ela a adolescência de uma pedra incalculável a virgindade fremente de um desejo sem dimensão o lugar de um deus sem altar na sua identidade imaginária e verdadeira na sua respiração de terra o poema é a mulher na sua linguagem de dádiva oriental sempre e estranha mediterrânica O poema é um puro gesto de música intraduzível como um fruto na língua que se dissolve com o sabor límpido do seu ser como um rio fruto da música da essência materna da mulher O que é ainda sagrado é esse aroma de janela que dá para um deserto ou para um jardim do mar o que é ainda sagrado é o arco originário para o qual não há caminho na música nua do poema É o pássaro que canta as coisas mesmas Pelo ritmo de uma nascente que tem a forma de uma estrela E é a mulher no seu jardim de Outono Na inocência do seu saber silencioso
4 de Setembro de 2005
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Qui hay detrás de los números? Qué hay delante?
(…) El simulacro de la medida
Y las máscaras de los signos Roberto Juarroz
Há uma substância dos números. Quem é que a conhece? Os números são suficientes? Praticamente eles servem para o que servem são mais simples do que as palavras são mais inúmeros do que as palavras? Alguém poderá dizer: os números são úteis, nada mais devemos dizer Mas não será um crime suspender a interrogação do pensamento, será um crime pensar? O homem começa a pensar ainda em criança e a criança é o primeiro filósofo antes de ser adulto, quando começa a pensar Poder-‐se-‐á por exemplo perguntar o que é que há no interior dos números?
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Terá esta pergunta uma razão de ser? Têm os número um interior como se diz de um homem ou animal ou de qualquer objecto como um copo por exemplo? Quem criou pela primeira vez os números teria sido um número só a criar todos os números que existem? Numa totalidade finita ou infinita Há um mistério nos números? O que é certo é que não foi o número que inventou os números nem um banqueiro nem um mendigo Os números não nos fazem mal, não são bons nem são maus nem serão condenados por Deus nem pelo diabo. Mas quem viu ou leu alguma vez os números como linhas ou desenhos sem o valor de números? Não têm os números um valor poético ou musical? Não têm vida própria? Não podem saltar ou dançar? São puramente abstractos e práticos ou são seres vivos que nos dizem o que dizem sem falar?
Abril de 2009
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O seio de uma mulher, não qualquer
na nuvem de um silêncio
noiva
de que instante escuro
em que o amor não poderia ser estrela
e nocturno geme
como um anjo que cegou
pela mão que se adianta e treme
sem licença
nem o valor de um perdão
e dessa mulher de um jardim branco
dormindo numa cama como uma mulher comum
-‐ Como podia ser ela
6 Março 2009
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Contemplação das árvores Se disser a verdade mais triste que não quero dizer Se a disser Como poderei dizê-‐la? Eu já soube dizer azul e é o verde que respiro agora no arvoredo de um jardim vendo as grandes árvores que nada dizem aos passageiros apressados árvores de labaredas sombrias não dizem sonhos ascendem entre a terra e o céu não prometem glória mistério verde árvores amantes desconhecidas
Mulher, tu cabes num soneto se o fizer perfeito e imperfeito
Se o abrir tanto como se abre o teu peito ao respirar
Com as tuas ancas balanças inseguras para a dança
Mulher tu não tens par para parar contigo
A tua dança não nivela entre os teus braços ao alto
Mulher amiga eu desisto do soneto não porque não o mereças
....
se desisto é porque corres como um rio em raios de música
e na caixa simétrica de um soneto serias uma boneca branca fixa
ou uma estampa
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Os poetas cantam o eterno feminino divino
nada me pertence no teu corpo nem uma unha nem um lábio
nos movimentos do teu cérebro no teu íntimo nada é meu
nas largas superfícies nas ruas visíveis e nos lagos da tua pele
o que sinto é o rumor de um brilho o vapor de uma inundação
não posso enlaçar-‐te não és sereia nem ninfa mas tentadora serpente
surpresa sempre inteira sob o teu vestido te ofereces à distância
fugidia flor de um rio que se eleva nos teus braços
e no meu sangue se consuma e no meu peito respira nos meus lábios sorri
os poetas cantam o eterno feminino divino
viva mulher moradora numa casa, trabalhadora que sua e sangra,
mulher real do dia e do mistério do mar noturno.
delicada passageira tudo em ti me dá vida luz e alegria
a vida que talvez mereço e só por amor te agradeço
e não há amor que não seja da terra e dádiva celeste
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Uma nova interpretação do mito de Narciso
Quero aconchegar-‐me nos meus braços nocturnos
sou o meu próprio berço maternal e musical
inteiramente prolongando-‐se redondo
como um cavalo de veias nuas
numa vagarosa torrente cálida
no radioso tremor do meu corpo nascente
pertenço-‐me numa onda que vai morrendo
numa ilha numa nuvem numa teia tecendo-‐me
pela minha língua pelas minhas mãos pela saliva
do meu sol embriagado
pelo sabor do meu corpo que se dilata como um fruto branco
como um rio que enrola e desenrola numa contínua onda
sou o que só a si se pertence e de um útero verde desponta
numa fuga amorosa
sou Narciso aquele a que se dá esse nome puro
de flor e adolescente de solidão amada
no berço da sua extasiada fonte
e me pertenço na dádiva de me dar
o que vem do fundo de um sim de um princípio divino
e é uma mulher na sua origem de irmã incestuosa
de virgem pródiga na primitiva nudez de Eva.
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Se estou vivo
é porque já morri e não pude morrer
é porque quero morrer
sem a ilusão de poder morrer
é porque hei-‐de morrer
sem poder morrer
Se quero libertar-‐me
é porque ainda sou eu
sem ter encontrado o meu contrário
o antípoda do verdadeiro início
Toda a minha vida passou
como passa um pássaro no seu voo
sobre a indemne transparência do dia
o que passou passou como se extingue um voo
ou uma dinastia
de tudo o que fui o que sou já não sou
nem o pó que voou dos meus errantes passos
Em que mundo vivo que horizonte é o meu
és tu ainda para um apelo ou ilusório adeus?
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Para Agripina
Amanheceu a minha vida no teu rosto
de uma doçura intensa e tão suave
como se um divino fundo nele brilhasse
Eu era o que nascia soberanamente leve
e encontrava na limpidezo centro do equilíbrio
Só em ti cheguei amanhecendo na minha madurez
Entrei no templo em que a luz latente era a secreta sombra
Foste sonhada por meus olhos e minhas mãos
por minha pele e por meu sangue
Se o dia tem este fulgor inteiro é porque existes
E é porque existes que se levanta o mundo
em quotidianos prodígios
em que ao fundo brilha o horizonte certo
(in “O Teu Rosto”)
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O verdadeiro segredo, o único segredo ...
Em baixo:poema-‐muralexistente na Universidade do Algarve.
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Gisela O poeta conhece a tua graça e na sombra cai desde quando desde sempre? Não foste para mim uma alma perdida num sonho uma árvore vazia... Não te teria perdido no meu coração submerso Não teria sido um náufrago não seria um náufrago que chorava todas as lágrimas do mundo ao acordar numa margem de areia O poeta que canta a tua graça não poderia chamar-‐te uma leitora anónima desde o primeiro dia nos seus passos vãos no seu coração a primeira mulher abriu-‐se na sua sede em flor inundando os seus olhos e o sangue e não eras tu com a tua graça e o teu encanto? Se não conhecesse o teu andar e os teus gestos vivos, perdida noutro século azul e cintilante como uma estrela ter-‐te-‐ia perdido, minha amiga, nem poderia sonhar contigo! 24 de Maio de 2009
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Fotografia do manuscrito © João Silva
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“Dizem que a morte se engana Quem se engana somos nós”
António Ramos Rosa
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agripina costa marques*
in Ciclos, Fragmentos, Idades, 1988
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casimiro de brito
eros & thanatos
(para o António Ramos Rosa, lembrando os nossos 55 anos de amizade)
1 Os mestres antigos
ensinaram-me a cantar — soubesse eu amar
2 O sol no corpo nu
lembra-me que sou um bicho da terra
3
Talvez ela exista, a suprema serenidade — bebendo-te, amando-te
4
Eu gostava de morrer na casa da minha amada:
lagoa sagrada 5
Não grites, amor — deixa-me escutar os teus rios
subterrâneos 6
O meu corpo afoga-se nas águas do teu corpo —
morte amorosa
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7
O amor tem-me todo em seu poder. E agora?
Cantar. Sofrer 8
O amor não distingue a luz nua das estrelas
da sombra delas 9
Obra inacabada. Até quando se afasta
a mulher começa
10 Nascem águas do chão ou do templo em ruínas
do teu coração?
11 Vou morrendo à mão de mulheres — fontes
violadoras
12 Quantas vezes chorei.
Agora já não choro, meus olhos estão molhados
13
Ardem-me os olhos — a beleza do mundo ferida
pela mão dos homens
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14 Que me dás tu
quando cantas? Um fio de lágrimas ou notas de música
15
O mundo não posso mudar — deixa-me sacudir a areia
das tuas sandálias
16 Amando, escrevendo, sou o aprendiz eterno
do saber essencial
17 Ferimos a ferida.
Que amor é este, esta glória, este rio sangrento?
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maria joão fernandes
O amoroso virá numa cascata de silêncios lettera amorosa iluminando a brancura, jóias maduras, A António Ramos Rosa, frutos do olhar enamorado. René Char e Georges Braque Bálsamo indiviso, vapor acidulado de amores-perfeitos, oferta das palavras que não digo, e das horas de âmbar que não vivi contigo. Palavras aflorando os cumes da doçura, celebração adormecida, véspera da alegria do corpo, alma benfazeja que perfuma as abelhas e lhes rouba o seu mel, para deleite dos amantes. Pássaros fulgurantes, traços da aurora, pássaros amorosos de um esplendor maior, azuis, de vulcão extinto, com a sua dança perfumada de espirais e de absinto. O amoroso virá no seu corcel de espuma e solar delírio, semeando rosas e lírios nas alamedas do amor ferido e da calma e do repouso nascerão flores vermelhas, gritos felizes, a voluptuosidade do ar.
O amoroso virá resplandecente de furor amanhecido e libertará da noite a lua para amar o sol.
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Sentir-me-ei tua, a fome terá o seu fim e os rios e os mares, o seu fogo, tudo correrá para mim. Esse calor eu o bendigo, essa perfeição absoluta que ninguém esperava, essa benção da noite à alvorada, prodigiosa ovação. O reino das metáforas abriu-se e delas nasceu uma laranja, sol do coração a irradiar a madura celebração do infinito. A amorosa despirá o seu manto de trevas e coberta de estrelas subirá ao lado do amoroso a crista de todas as vagas, uma após outra rebentando em luz e nessa claridade pousará o espaço e pousarão os olhos e os beijos e as carícias e o abraço, lenta, saborosa, confissão de amor. Alquimia dos pássaros, das flores de todas as cores, das maçãs ardendo com chamas redondas, ah, o tempo bem pode ir-se e o espaço recolher as suas redes cheias de prodígios e de lágrimas. Doces sílabas voam, casal de pássaros escrevendo nas nuvens a sua liberdade. Doce migração do sentido, dos seus traços, da sua breve, agreste cintilação, na obscuridade maravilhosa do jogo das maravilhas e das palavras. O amoroso virá com a palavra.
*Do livro a publicar: Lettera Amorosa, Iluminações e Sombras.
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maria teresa dias furtado
as palavras que António me deu
Não foram sombras nem enseadas ou fortes em baías longas. Não foi o movimento veloz por uma ou outra estrada, junto De casas distraídas na sua cal, no seu salitre, no seu silêncio, Perfumado pelas flores do verão. As palavras que me foram dadas têm nome, poesia e amizade, Têm cor e sabor, intensidade, vibram nos reflexos e nas árvores. O poeta ignora e sabe o que vai escrever, É o branco da folha que acolhe A carga de sentido e de sílabas, (Fotografia de Maria José Palla) As imagens imprevistas e súbitas, Os barcos que surgem no horizonte azul.
As palavras movem-‐se como as águas de uma ria Que procura o mar onde se mistura e funde, As palavras tornaram-‐se um caminho Com todas as suas lâmpadas, suas lâminas, Toda a terra que ainda a elas se agarra, O viço de uma folha vegetal, a evidência, Os dedos que incertos traçam os traços inapagáveis, A voz precisa, antes e depois do grito, da noite, do meio-‐dia. A água do planeta verde escorre entre a inocência das plantas E dos seres, tudo se perfila e esbate entre vento e monte. É tempo de dizer o que não foi dito, o que não tem contornos, O que os olhos do poeta vêem e sem saber porquê escrevem Ondulando todos os sentidos como numa barca oscilante, Captando a mensagem do vento e da terra, sabendo línguas inexistentes, inexoravelmente, improvavelmente Tornando o impossível possível, a verdade transparente. Num leque de luz repousa a sua vista, o coração inquieto Buscando o infinito, o invisível escondido nas coisas mais visíveis. O poeta nunca escreve o poema que quer, livro a livro tenta e não Consegue, as palavras que tacteia parecem-‐lhe cegas em relação Ao que vislumbrou e amou sem poder deixar de amar, A Poesia é pobre, ignorância sábia que persistentemente busca, Insatisfação crónica e incurável, mas não doentia, impulso De chegar um pouco mais perto do poema, aquele que ele sabe impossível mesmo que escrever lhe deixe as mãos a sangrar. As palavras dadas são diamantes, sementes, inícios Para o tempo sem tempo em que a poesia se torne rosa inteira.
Lisboa,19 de Julho de 2011
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paulo
borges
Do imediato, da palavra, do silêncio e do vazio em António Ramos Rosa
“O que procuramos será real? Ou será o impossível fruto do desejo sempre latente e indefinível? Ou não será imediata presença e só a nossa distracção a perde ou turva o seu cristal? Talvez tenhamos perdido o dom da simplicidade e da tranquila conivência com as coisas Se pudéssemos coincidir o movimento com a suspensão o vazio seria a plenitude e a palavra não trairia o silêncio nem a evidência solar de cada coisa Só esta presença nos daria o túmido equilíbrio de pertencer ao mundo como uma haste de trigo e de possuir um corpo com a turgência nova de uma primavera vagarosamente ingénua vagamente indolentemente luminosa”
António Ramos Rosa, As Palavras, Porto, Campo das Letras, 2001, p.68.
Talvez o que procuramos seja real, mas não a procura, nem o que julgamos procurar,
nem quem procura, nem o que temos por “real”. Talvez tudo isto seja sim “o impossível fruto do desejo sempre latente e indefinível”, isso que sempre se distancia do que busca por imaginar carecer do que em si superabunda.
“O que procuramos” é na verdade “imediata presença” e por isso toda a procura e seu projectado objecto é “distracção” que a “perde”, esquecendo e turvando o seu “cristal”. Mas essa transparência, esse “fulgor puro” 1 obscurecido pelo desejo que o pro-jecta e ob-jecta, transparece ainda no que a encobre. Basta que a busca e o desejo reconheçam habitar e ser afinal isso mesmo que distante de si concebem. Basta que vislumbrem ser a superficial agitação do claro fundo sem fundo que a demandá-lo turvam. Então a superfície se descobre fundo efundo e superfície se desvanecem. Então se renova o afinal nunca alienado “dom da simplicidade” e na serena “conivência” com cada coisa cedemos à múltipla presença do
1 Cf. António Ramos Rosa, “Não queiras mais que a gratuita lucidez”, As Palavras, Porto, Campo das Letras, 2001, p.32.
Nesta página: fotografia de António Ramos Rosa por Danilo Pavone.
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imediato. Pois as “coisas”, todas as “coisas”, interiores ou exteriores – a pedra, a lua, a caneta, a flor, o homem, o animal, o pensamento, a imagem, a emoção - , são desde sempre, sem interior nem exterior, a “imediata presença” que se procura e, por ser “imediata”, coincide com a íntegra plenitude de cada uma dessas coisas, não se ocultando nem atrás nem além delas nem ainda na sua secreta intimidade. Ser conivente com as “coisas” é assim estar de conluio com o que elas imediatamente são e transparecem, não as reduzir a meios para um além ou aquém, conspirar com a “imediata presença”, respirar o mesmo sopro que a tudo bafeja e anima. Não importa que a busca e o desejo cessem, basta que se detenham em pleno voo, suspensos no vislumbre do espaço onde cegam e arremessam asas, vendo-o como o seu mesmo espaço, a sua natureza íntima, primordial e profunda. Desejo e busca desvelam-se então essa “casual aragem” que nada mais é “do que o voluptuoso fluir de um puro vazio” 2, plenitude imensa onde tudo acontece. Agora a palavra, “transparente e nua” 3, não mais trai “o silêncio / nem a evidência solar de cada coisa”. Não porque se cale, mas porque não diz senão a clara e fulgurante indizibilidade de tudo 4. Não teme então incendiar-se nessa cumplicidade com as coisas que lança o fogo às “nossas coordenadas”, lhe sopra as chamas e as deixa arder, por mais que não suportemos esse apocalipse e intentemos “reconstruir o nosso círculo quotidiano” 5.
Pertencemos então ao mundo como primaveril e túrgida “haste de trigo”, frágil e úbere de possíveis, sem querer mais que o que já somos, “a gratuita lucidez do instante sem caminho” a pairar na “transparência” e “graça flexível de pertencer ao ar”, esse “voluptuoso fluir de um puro vazio”, “fulgor puro” sem fundo oculto. Aceitamos a “dádiva gratuita” dessa preciosidade nula, “tão essencial como o ar que se respira” 6, pois, na infinita generosidade do real, o fundamental é sempre o mais íntimo, simples e disponível. Só a distracção do desejo o imagina alheio, complexo e remoto. Respiramos no coração de todas as coisas.
Respiramos na imensa vastidão, pois a “imediata presença” que há na “evidência solar de cada coisa” é aberta, insubstancial, ilimitada e inapreensível como o espaço. Por isso as “coisas”, onde a “presença” fulgura, “só na aparência têm limites / e cada uma é uma rede inextricável / e silenciosamente vertiginosa” 7. Entretecidas no espaço e de espaço, por dentro e por fora sem dentro ou fora, todas as coisas, materiais-mentais, interligam-se, interpenetram-se e prolongam-se ao infinito, sem fronteiras ou formas precisas que lhes confiram princípio ou fim. Bem-aventuradas a visão e a palavra que se despojam da humana e falaz “necessidade de limites” e abdicam de lhes conferir “contornos” que as “harmonizem com as nossas coordenadas” 8. Sábias as palavras que mostram não ser moradas onde se domestiquem significados e sentidos, mas antes fulgores onde sobretudo “brilha […] a sua ausência / ou o seu silêncio” 9.
2 Cf. Ibid. 3 Cf. “A palavra é o desejo do espaço e o espaço do desejo”, Ibid., p.30. 4 “Mesmo quando a palavra é transparente e nua / nunca elimina esse silêncio de montanha imersa / e assim o que nunca foi dito ficará não dito / tão inatingível como a monótona claridade do dia” – Ibid. 5 “Às vezes a realidade abre um rasgão / e nós vemos o clamor da derradeira cal / ou o incêndio das nossas coordenadas / Mas nós não suportamos essa visão do fim / e procuramos reconstruir o nosso círculo quotidiano” – “Às vezes a realidade abre um rasgão”, Ibid., p.51. 6 Cf. “Não queiras mais que a gratuita lucidez”, Ibid., p.32. 7 Cf. “As coisas só na aparência têm limites”, Ibid., p.75. 8 Cf. Ibid. 9 Cf. “O que são as palavras”, Ibid., p.74.
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Nas palavras ressoa a “ausência” ou “silêncio” de si mesmas, pois, se é pelo seu uso coisificante que tudo se pode coisificar, as próprias palavras são “coisas” incoisificáveis, incomensuráveis, sem referências, puro espaço vibrátil e sonoro, livre dos sentidos e significados que a humana insegurança e inerente vontade de domínio lhes conferem: “Elas são sempre abertas / na sua cintilante nudez / e vibram / como um corpo do espaço” 10. Incandescente ressonância do infinito sem determinações, em cada uma delas a “abertura para o insondável” prima a “relação horizontal com as outras palavras” 11: mais do que inserida numa sequência lógica e causal que a explique pela precedente e pela subsequente, cada palavra inventa-se no “vazio” 12. Sem um “núcleo” interno que as defina e isole, as palavras, tal como tudo, movem-se sempre para além de si mesmas 13. Sem “um centro um fundo ou um princípio”, as palavras nascem do insubstancial “frémito de algo que é sem ser”. E talvez não seja “em vão” que aspiramos a essa “transparência nua” ou “extremo em que a palavra seja a sua abolição / no silêncio para que tende e de onde vem” 14, pois, afinal, se as palavras “algo dizem é o olvido branco em que desaparecem” 15. Esse “puro vazio” matriz do mundo que se abre no imaculado e imaculável branco da página e em toda a palavra que nele e dele se entretece: “Ela não interrompe o silêncio da brancura / porque ela própria é uma indolente forma do silêncio” 16; “Assim a palavra anuncia a sua aparição / e o que aparece é o vazio cintilante / que é ela própria […]” 17; “Mas a palavra irrompe / do oriente que contém em si e é o vazio magnético / que transmuda o nada em pulsação azul” 18.
A palavra salvaguarda, em si e em seu dizer, a inviolável virgindade e indizibilidade do indizível: “Mesmo quando a palavra é transparente e nua / nunca elimina esse silêncio de montanha imersa / e assim o que nunca foi dito ficará não dito / tão inatingível como a monótona claridade do dia” 19. É o ilimitado desse indizível, todavia, que a todo o limite do dizível polariza e atrai – “o que não pode ser dito é uma sede submersa / que desejaria beber o horizonte do mundo” - , pois no próprio dizer se pressente “a fragilidade de uma nudez incomparável /em que flui o ouro que o mundo desconhece” 20. Em verdade é para isso que se escreve, quando em verdade se escreve. Para que no imo da palavra ressoe o inefável e as coisas se recolham à íntima mudez: “Tu escreves para que no fundo de cada palavra / vibre o que não pode ser pronunciado / e que as coisas se retraiam / sob a forma do seu silêncio” 21.
Escrevemos para que mais esplenda o branco do ser e da página.
10Ibid. 11 “Cada palavra é uma abertura para o insondável / antes de ser uma relação horizontal com as outras palavras”; “É o inconcebível infinito o seu puro nada / que nas palavras ressoa com a incandescência do ser” - “Nós não podemos dominar a móvel rede do sentido”, Ibid., p.17. 12 Cf. “A palavra não é uma consequência necessária”, Ibid., p.38. 13 Cf. “Nem as palavras nem as coisas nem o espaço nem o corpo nem o silêncio”, Ibid., p.67. 14 Cf. “Para que a palavra tivesse a consistência”, Ibid., p.70. 15 Cf. “Escreve-se para começar não se sabe o quê”, Ibid., p.103. 16 “A palavra só pode surgir se houver um fundo de repouso”, Ibid., p.21. 17 “Não é possível imaginar o que é real”, Ibid., p.45. 18 “A liberdade é o saber que ninguém ouve ou vê”, Ibid., p.61. 19 “A palavra é o desejo do espaço e o espaço do desejo”, Ibid., p.30. 20 “O que se deseja escrever talvez nunca se escreva”, Ibid., p.40. 21 “Talvez tenhas de colocar uma pedra junto a uma árvore”, Ibid., p.76.
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Ao lado: Desenho de Gonçalo Salvado maria do sameiro barroso
a palavra tributária e solar
(a António Ramos Rosa)
Bebi da sua luz, como ave estonteada. Na sua ébria fonte, bebi os vestígios plenos, a palavra vazia, Com ele, regressei à coerência antiga, apoiada na janela nítida de um pórtico solar. Fui sacerdotisa do seu culto, aprendi nas salas brancas dos seus templos de sol e, submersa na noite do silêncio e do tempo, emergi na luz radiosa da sua palavra azul e pura.
Atravessei, com os seus cavalos míticos, os ciclos da terra, as clareiras do vento. Regressei do mais recôndito ardil do mundo e tentei decifrar as suas árduas falésias de luminoso granito.
O real nunca foi um reduto exacto. Quem disse que o verde é um lugar seguro? Quem inscreveu nas pedras a fluidez dos rios, o âmbar das profundezas, o espelho dos mares, e abriu às teias da criação, as lâmpadas marinhas dos insectos da volúpia?
Quem disse que a palavra é silêncio, reflexo e reduto aberto, incêndio de névoa, sentiu também o fulgor, a sede e a exactidão com que se ascende à pulsação do infinito. Quem desafia o abismo das palavras, sabe que a transgressão é o lugar do poema, envolto em sombras frágeis. A boca, estridente ou suave, escava, nas páginas, o deserto da sua íntima sede, na sombra que escava, entre a linha e o verso, a inanição informulada da sua luminosidade última.
Quem disse que o corpo é verbo, desenlace e substância, recolheu na profecia o sopro extremo e dedilha, na negra obsessão, o jorro de uma harpa, vinda da terra impura, absoluta, recolhida na ousadia suprema como ramagem circular, diáfana flor, rasto cintilante. Quem disse que a palavra é centro e segredo, lavra, na prata insolúvel, o pão e as ondas, consumadas na voracidade dos nomes.
Artesão do fogo e do silêncio, mineiro obscuro, trabalha as pedras e o desejo, tornando o mundo habitável e próximo o universo. Apoiando-se nas estrias e nos muros, impele a lua e os séculos, ferindo-se nos rasgões da agonia surda, dando espaço à palavra extrema e libertária.
Na sua figura em contra-luz, guarda a origem das palavras nulas, a consciência do negro que o abandono designa, no combate corpo a corpo a corpo entre o ser e o nada, expressando o nascimento primordial e nu dos novos lugares sagrados. Chamam-se árvores, aves, deuses, água, fogo, chamas, entre imagens de uma mitologia obscura, momentos de uma vivência poética total, marcas de uma estrela frágil, instantânea e quotidiana.
O sol nunca sobra no dorso imortal dos torsos de água. Como intacta folha, regressa ao vocábulo esquecido, à recôndita voz, à face inteira. O sol nunca se esquece de acordar a noite. Dionísio a ele muitas vezes me conduziu, com suas ébrias quadrigas, nas verdes planícies onde também resfolegavam os prodigiosos cavalos de Apolo. Em Delfos, ou nos seus poemas, respirei o ritmo da sóbria proporção da beleza.
Na solidão dos enigmas, com ele aprendi que as estrelas moram o interior dos relógios, que a liberdade habita a transgressão, que a alegria é uma pedra compacta, uma anca de música, uma vertigem de cinza.
Na sua palavra, vi nascer os gérmenes da cal e do silêncio, os nomes despenhando-se num frémito de argila. Na exaltação do corpo, nasce a vertigem, a sombra, e o abandonado rumor das ervas ascende, pelos signos plenos, à melodia intacta das potências de luz.
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fernando esteves pinto
para António Ramos Rosa
1. Está agora em sua casa. Escreve para que o ouçam. O que nós sabemos dele não pode constituir uma ameaça ao modo como adaptou a sua vida. Tudo vai ficar assim: imperturbável e limpo. O seu jogo será sempre o mesmo. Todos os dias as suas palavras ecoando por todo o nosso corpo. Numa tentativa de criar um espaço estranho que nos possua, nos reserve ao nível do seu pensamento. 2. Há uma linha que divide a casa. É uma ideia que sempre o acompanhou. É um fio que corta os objectos, o separa na sua compreensão. Os objectos foram postos ali por ele. De um lado existe tudo o que é familiar, pessoal e permanente. Do outro lado está o que é suspenso, ilegível, completamente indecifrável. Ele olha à sua volta. Atravessa estas coisas, divide o seu pensamento. Há uma espécie de magia no outro lado daquilo que pensa. Há uma divisão em tudo o que escreve. Ele é um compartimento da própria casa. Ele divide a casa. 3. Nunca pensou ser possível pertencer tanto a uma coisa. Quase desaparecer na sua luz, na sua substância. É o que acontece quando ele escreve. Quando rodeia um qualquer objecto do seu pensamento. A atenção também divide, separa. É capaz de ignorar tudo o que não considera interessante. É mais a forma de uma magia do que certamente o conhecimento o que o leva a abrir portas nas coisas, subir degraus nas palavras, atravessar corredores na sua escrita. 4. Pegar numa coisa, fazê-la rodar, tentar descobrir-lhe uma abertura, entrar no seu interior. As palavras existem para provocar essa construção. É uma felicidade. É como caminhar pelo campo. Sente-se uma paisagem dentro da própria paisagem. Quando nos afastamos, temos o sentimento de dependência entre o que estava e o que continua a estar num sentido mais diluído. Como quando saímos de um poema, de uma pintura, e continuamos a fazer parte dos seus elementos. 5. Quando não escreve, o seu rosto é a expressão viva de quem procura impacientemente outro lugar. A sua fuga é sempre um regresso. Um início em si mesmo. A sua atitude em confronto com o resultado que desperta nessa solidão permite-nos sentir a opacidade que existe nas suas palavras. 6. Aceitamos a obscuridade do que ele nos diz. Ele escreve e as palavras testemunham a ausência de tudo o que ficou escrito. Aceitamos as suas palavras sempre de uma forma indefesa, não reconhecida, como quem está para partir. 7. Ele curva-se perante os materiais do seu trabalho. Procura nas palavras uma arte que o fará perdoar o vazio temporal desse instante. Toda a sua poesia é o resultado de uma masturbação a nível da linguagem. O comportamento que ele desenvolve durante a escrita cria uma situação de fechamento em relação à sua própria matéria humana. A fragilidade e o medo fazem o poeta.
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gisela ramos rosa
Oiço-‐te como se acabasse de nascer
© gisela ramos rosa
nas mãos da palavra onde bordo o meu ser
© gisela ramos rosa
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Só existe uma única alma para todas as coisas
Píndaro
Quando há já largos anos me aproximei estreitamente do poeta António Ramos Rosa levava uma rosa que pretendia unir os ramos do seu nome, os inscritos no sangue e os que o Sol reclama quando a palavra vida atravessa a noite e se dilata ao ponto de só a poesia poder revelar o mundo. Foi assim que reencontrei o meu tio poeta que conhecia desde criança através de meu pai, seu irmão. Das histórias que este me contava, pois na época vivíamos em África onde a família paterna distava.
Naturalmente a palavra foi crescendo em mim e a imagem do poeta também. Cresceu, igualmente, o meu gosto pela linguagem poética. Desde cedo que lia a poesia de António Ramos Rosa.
Ao reencontrar o poeta ergui uma rosa que no sangue transportava, ergui um rosto, ergui a voz. Nas mãos do poeta encontrava um rio infinito, nelas havia a paz da palavra e todos os caminhos da palavra paz me encaminhavam ao poeta. Nas mãos do poeta havia silêncios e palavras que se multiplicavam nos poemas, nos textos, nos livros, nos desenhos.
Nas mãos do poeta há o poema cujo traço extravasou as margens e se elevou na página projectando o rosto das palavras, os rostos de uma escrita que transcenderam os limites do caderno para se projectar na criação de figuras poéticas femininas. Figuras que foram ganhando outras formas com o exercício cada vez mais fluído do traço, do sopro. Imagens não figurativas, imagens de bichos, imagens de rostos e bichos, imagens de números, imagens de palavras e de alfabetos indecifráveis. Em António Ramos Rosa palavra, pintura e desenho dialogam entre si e com o mundo, tocam a condição humana, tocam-nos.
Em 2006 escrevi um poema a meu tio que foi publicado na Revista Textos e Pretextos, onde lhe dizia “As tuas imagens foram guarida do meu ser/ quando naquelas manhãs a intempérie era um muro roxo/ e o horizonte dormia nas mãos de Ariadne (Gisela Ramos Rosa, 2006). Hoje, continuo a dizer versos do mesmo poema “com os fios da tua cabeleira branca teço a nascente da rosa libertada” (idem).
De tanto ver e sentir António a ler, a escrever, a desenhar, os meus olhos fixaram no olhar o elemento do visto (Bernard Noel). A paz de um secreto e aberto silêncio manteve-me na esfera poética de António Ramos Rosa. Em cada traço, verso, ou desenho seu um arco aumentou e uniu-nos. A linguagem dos traços estendia-se na página revelando os rostos possíveis do mundo e o mundo possível dos rostos. “Em poesia a liberdade é livre” dizia-me o poeta inventando nomes poéticos para a minha cabeleira mostrando-me como soltar as amarras da imaginação com a escrita.
António é a imagem mesma da palavra que os homens e as mulheres lançam ao mundo para atravessar a escuridão e os demónios com a chave do Sol e do Amor. Consigo experimento o início dos tempos a dádiva e a consistência do humano. Obrigada António. Gisela Ramos Rosa 15-09-2011
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josé machado pais
r o s a l u m e
Querido amigo, queria dar-lhe conta da minha enorme satisfação pelo encontro de sábado passado [29-08-2011]. As mais de três horas de convívio – na boa companhia de Agripina e Gisela – sumiram como se fossem manualmente rodadas em ponteiros de um mostrador de relógio. Lamento que a sua hora de jantar quase tivesse sido atropelada por esse tempo desalmadamente em fuga. E, no entanto, como que por artes de magia, esse tempo evadido tornou-se terna e eternamente presente em sua ausência, assim a modos da presença- ausência que aparece no seu belo poema «A palavra é frágil» (Génese).
Se bem se lembra – sim, também andámos à volta de lembranças de Vitorino Nemésio – levei-lhe, em fotocópia, uma carta que Henri Lefebvre escreveu a Octávio Paz, infelizmente nunca enviada, ainda que publicada como preâmbulo do seu livro La Présence et l’Absence. Nela, o sociólogo lançava interrogações à sensibilidade do poeta que muito o intrigavam. A dado passo, perguntava-lhe: «?Cómo nace para el poeta esa doble presencia, él con su verbo, y ante él el mundo?». Esta, querido poeta, é daquelas perguntas que não me atrevo a fazer-lhe, assim de repente. Por isso deixei-a, sorrateiramente, em cima da mesa redonda dos seus aposentos, na fotocópia da carta de Lefebvre, limpinha de sublinhados.
No cume da pilha de livros que se alojam na mesa redonda da sua habitação vi, por mero acaso, um livrinho de Octavio Paz, Al Paso. Que surpreendente coincidência! Até aqueles outros livros que repousavam tranquilamente no sofá se agitaram, tombando alguns para o chão, al paso que o de Octavio Paz viajava pelas nossas mãos, ávidas de palavras e de tudo o que elas nos dão em seu trânsito. Depois surgiu a oportunidade de, a páginas tantas (não foi por acaso a página 185?), comungarmos do «brinde ao prémio Nobel». Não espanta que tivéssemos derivado a nossa conversa para os acasos do acaso, tendo vindo à baila Picasso («Yo no busco, encuentro»). Como sociólogo, frequentemente me questiono: que caminhos levam ao nascimento das descobertas científicas? Sem dúvida, caminhos árduos, de caminhadas disciplinadas, feitas por caminheiros cansados de buscas acumuladas. Eis senão quando, inesperadamente, ao virar de qualquer esquina da descrença ou da desmotivação, o deslumbramento da descoberta. Como por acaso.
Em nossas divagações, vimos que o acaso é feito de trânsitos. Creio que é nesses trânsitos que as palavras adquirem vida. Por isso mesmo, Octavio Paz dizia que «les mots font l’amour». Como o meu querido amigo escreveu num sábio poema («As palavras juntam-se e juntando-se separam-se», Animal Olhar), «as palavras «atravessam o vazio do tempo e são formas do tempo que flui no exterior e no íntimo de nós». Teremos aqui o filão da matriz de pensamento que permitirá dar resposta às inquietações lefebvrianas?
Entretanto, viajámos por um livrinho de poemas de Ulalume González de León, poetisa uruguaia, naturalizada mexicana que, bem reparei, deixou-lhe uma simpática dedicatória. Já não me lembro é do nome do livro (será que estou a ficar com aquela maleita do esquecimento de cujo nome não me quero lembrar?). Ao ler-nos alguns versos do livro, de viva voz, fazendo dançar as palavras com o silêncio, percebi melhor o sentido de um poema seu: «Não se pode viver sem», (Relâmpago de Nada): «A palavra deverá apagar as lâmpadas eloquentes e precisas e esperar a vaga do silêncio para que de si mesma possa partir como o navio branco da sua própria essência».
A tertúlia em volta das palavras fez-me compreender que elas são boas não apenas para comunicar, mas também para pensar, sentir e até jogar. Viu como cantámos, em diferentes melopeias, Ulalume?
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Que musicalidade tem a palavra! Depois fizemos rotações de palavras, insólitos jogos entre o sentido e o som, num idioma de metamorfoses que nos fez aportar em palavras inimagináveis, como rosalume. Sílabas que se unem entre si, formando unidades sonoras: mantras, sem significado conceptual, mas ricas em sentidos emotivos, mágicos, religiosos: amuletos verbais, talismãs linguísticos, escapulários sonoros que Octavio Paz tão bem soube identificar na sua vasta obra. E descobrimos, como aquele nosso presidente da República que em Espanha se confessava embarassado [engravidado] por não dominar bem a língua espanhola, que há palavras que também se embaraçam de significados briguentos ou então trazem no ventre outras palavras: os trânsitos, por exemplo, podem dar à luz o transe. E não é que os literatos estão grávidos de ratos? Volto a recordar-me de Octávio Paz quando, discorrendo sobre a Nueva Picardia Mexicana, de Armando Jiménez, logo sobrevoou os múltiplos significados da picardia: do acto real de picar à picada imaginária. Creio que por essa via chegámos aos chistes e às anedotas, retratando ocorrências bem reais. «Esta é a última!» – mas havia outra mais, só mais uma para terminar. Assim perdemos a noção do tempo. Enfim, rimo-nos de outros e de nós mesmos e, desse modo, descobrimos a nossa dualidade: nós nos outros, os outros em nós.
Por fim, e voltando à presença-ausência. A sua exposição – Rostos da Escrita – que em boa hora se realizou no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no passado mês de Junho, deixou marcas. Os seus desenhos – com muitos rostos femininos – já não estão em exposição mas, imaginariamente, continuam, para quem quer, a interpelar-nos o olhar, o pensamento, o sentimento. É que há rostos que, mesmo na sua ausência, nos olham com a profundidade de um poema, da mesma forma que há traços, marcas e palavras que nos permitem abarcar tudo o que se possa imaginar.
Em Las Palabras Andantes, Eduardo Galeano sustentava: «Tudo tem, todos temos, rosto e marcas. O cão e a serpente e a gaivota e tu e eu, quem vive e quem viveu e todos os que caminham, se arrastam ou voam: todos temos rostos e marcas. Os Maias acreditam nisso. E acreditam que as marcas, invisíveis, são mais rosto que o rosto invisível». A sua exposição continua presente na sua ausência, à sua sombra teceram-se memórias. Por nos ter dado oportunidade de desvendar as marcas invisíveis dos rostos que desenha. Por não termos deixado de nos sentir olhados pelas miradas invisíveis dos rostos da sedução. Por nos termos descoberto no poema de cada um dos seus desenhos porque de poesia são feitos os rostos que nos continuam a olhar, na sua ausência. Simplesmente porque os podemos imaginar.
Agora sim, vou mesmo de abalada. Como Agripina manifestou interesse em ter acesso ao livro Sousa Martins e suas Memórias Sociais. Sociologia de uma Crença Popular é com muito gosto que lhe envio um exemplar. Quer saber de outra coincidência? José de Souza Martins – não o nosso «santo» mas aquele que é um dos expoentes máximos da sociologia brasileira – convidou-me para, em Outubro próximo, participar numa «mesa redonda» sobre Lefebvre, a realizar em Caxambu. Suspeito que a mesa nada tenha de redonda, costumam ser quadradas. Terei saudades da mesa redonda dos seus aposentos, qual estuário de rio em maré cheia de barcas de palavras. Gisela conhece Souza Martins, que este mês acabou de publicar mais um livro apaixonante: Uma Arqueologia da Memória Social. Autobiografia de um Moleque de Fábrica. Ele é também um grande admirador da obra do meu querido poeta. Em Maio de 2006, se bem me lembro, esteve na Casa Fernando Pessoa, no lançamento de Vasos Comunicantes. Já agora, aproveito para lhe enviar um exemplar do meu mais recente livro, Lufa-lufa Quotidiana. Ensaios sobre Cidade, Cultura e Vida Urbana. Não, não trata tanto daquele tempo benfeitor que nos presenteia quando foge sem dar-mos conta – esse é o tempo dos encontros gratos, como o que tivemos no sábado passado, gerador de memórias que o tornam presente em sua ausência. Há outro tempo, o que nos embaraça e consome em seus contratempos. No «correr de vida» que, como dizia Guimarães Rosa, «embrulha tudo».
Um abraço amigo deste que muito o admira. José Machado Pais Lisboa, 30 de Agosto de 2011
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josé bivar
A mão que canta os pássaros… Foi em 2008 inaugurada no museu coleção berardo pelo então ministro da cultura francês Jack Lang a exposição "Desenhos de Escritores", com cerca de 300 desenhos de uma centena de autores consagrados, que pretendeu promover uma reflexão em torno do que une e separa a escrita do desenho e da pintura. Esta exposição inédita reuniu uma grande diversidade de escritores que também desenham, de George Sand a Bernard Heidsieck, do romantismo à poesia sonora, passando pelos surrealistas, até à "beat generation", representada, por exemplo, por Jack Kerouac e William Burroughs. Coube agora a honra à Associação de Artistas Plásticos do Algarve de apresentar uma colecção de desenhos inéditos do nosso mais ilustre poeta vivo, na sua terra natal -‐ Faro. Mas ouçamos o que nos diz o poeta deste seu acto criador:
"Eu faço uns desenhos que são rostos e faço-‐os com uma grande espontaneidade: são automáticos e confluentes, quer dizer, não estou a pensar se faço uma linha, que vou fazer aquela linha: depois é que sai o meu trabalho -‐ e por isso é que eu faço em segundos um desenho."
A obra poética de António Ramos Rosa, como a de Henri Michaux, escreve a crítica de arte Maria João Fernandes, «não é mero contraponto verbal do seu discurso de sinais vivos, que hoje nos apresenta, fugazes, densamente coloridos, ou de um negrume palpitante que duplica os enigmas que lhe estão subjacentes. Mas uma voz que torna audível, compreensível, o maravilhoso que preside a toda a experiência estética, estado que nos devolve "o jardim exaltado" (Henri Michaux) do paraíso, sublimando um terror, um espanto originários e inseparáveis da condição humana». De acordo com Maria João Fernandes, a contaminação entre as linguagens da poesia e da pintura na modernidade vem de uma tradição europeia que passa pelos gregos, Idade Média, Barroco e pelos pioneiros que renovaram esta tradição Mallarmé e Apollinaire. No caso de Ramos Rosa, o desenho tem vindo a acompanhar a sua obra, como sinal caligráfico evocando a fragilidade da poesia. Parafraseando uma poetisa que dedica um poema aos desenhos de Ramos Rosa, Maria do Sameiro Barroso,
“ (…)Nos olhos de um Poeta, a dança do mundo, os seus desenhos festivos acariciam a luz, os seus bailados.(…)”
Acrescentaria que esses bailados são a expressão deste Algarve andaluz que transparece nos rostos femininos e no trinar dos pássaros que a sua mão solta para o canto amoroso e fugaz num gesto que é todo uma filosofia do Ser deste lugar ao Sul.
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luís filipe pereira
Como leitor de António Ramos Rosa, esta impressão breve não será mais que a fantasia de um pássaro/preso na ténue rede das palavras oblíquas
(Génese seguido de Constelações, 2005)
Da obra ramos-rosiana elejo a centralidade do espaço como pórtico de uma poética que, infatigavelmente, assume como função primeira a abertura de um espaço e sua sucedânea inscrição no endoespaço - que não é o espaço convencional, antes o da invenção de uma cosmologia da visibilidade por onde zarpa o Navio da Matéria (1994) rumo à interrogação do Ser e à reabilitação das nuas e lídimas matrizes do mundo, por via de um caminho de palavras, quais escopros de sal - do poema. A criação de um espaço, que acolhe e transfigura os emblemas do ser, sincroniza-se com a instauração de uma arquitectónica criativa cuja geografia nómada oscila entre a disforia de um círculo de cal e a euforia de um espaço de festa, conjugando-se sob o signo solar, porquanto O Sol é Todo o Espaço (2002), a convocar-nos para uma lógica, eminentemente heliocêntrica, para uma dinâmica originária comandada pelo Volante Verde (1986) da língua e levando-nos ao cerne do mundo que, no seu alvor transmudado na habitação aberta do poema, exibe a infinidade de possíveis para que tudo possa ser reinventado no corpo oblíquo da palavra poética, mediadora de horizontes incomensuráveis. Eis como no corpo do poema irradia um novo espaço, aquém ou além de quaisquer sistemas de referência, através da ficção da sutura da Intacta Ferida (1991) – aquela de que brota o vaivém imóvel do perpétuo, e sempre principiante, questionamento ontológico: intrépido vagabundear em núpcias com o espaço. Assim, a viagem – princípio de desejo – da obra de Ramos Rosa acompanha, alusiva ou obliquamente, a eclosão, sem porquê nem finalidade, e irradiação do Ser, as suas solares incidências para que, no âmago do poema, o mundo repouse no seu próprio ser. Leio: A energia secreta do poema não chega a constituir o rosto do invisível mas a pulsação das suas sílabas identifica-se com o ritmo do inominado ser que é a origem e o horizonte da palavra e de que a palavra é o início e o motor que o instaura na sua trama obscura e incandescente (Relâmpago de Nada, 2004). Concêntrica com a invenção do espaço é a fundíssima exigência de um questionamento do Logos poético, já que a vertente metapoética é omnipresente na obra ramos-rosiana e torna este Poeta-filósofo (também na acepção heideggeriana reportando-se aos filósofos pré-socráticos) constante construtor de um espaço em génese, constituinte e não constituído, de um espaço sempre em estado nascente, aberto e relacional, interpelando-nos para a criação de uma ocupação, para a ars inveniendi de uma habitação susceptível de cumular o anelo do ser por mais ser: reabilitação da fonte e reinstauração da sede. Na linha de Heidegger, a poesia pensante – sendo-a, eminentemente, a de Ramos Rosa, traço aliás que a torna ímpar, pois nenhuma outra a levou tão longe como esta aventura militante do autor de Ocupação do Espaço (1963) – é topologia do Ser, facultando-nos o poeta um espaço genésico, processual,
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desmultiplicando-se em intensidades matizadas de desejo e afecto: um espaço organicamente erótico, de abertura ao informulado, ao ilimitado: espaço do possível à revelia do espaço objectivo, efectivo. Uma espacialidade que o poema escava na falante concavidade da página para nos dar a ver a respiração de uma matéria espacial que, ab ovo, reflui até ao campo do proto-Ser - o já do ser, com o sol de permeio, em que somos animais marinhos de uma delícia verde (Dinâmica Subtil, 1984) – fazendo-nos mergulhar no mais extreme canto aéreo, excessivo de leveza e de lume, em que reverberam as palavras sempre ao rés do silêncio, porquanto são elas o órgão da luminosidade que, respigando-se aqui o mito de Leandro, permite ao poeta atravessar o Helesponto e a árida escuridão para encontrar no irisado espaço da poesia (como se Hero) a fugitiva plenitude por entre as cruzadas margens do corpo e do mundo, para incorporar no espaço a dimensionalidade universal da sua existência: Estou vivo e Escrevo Sol (1966). Deste modo, se em Ramos Rosa estamos condenados ao sentido (Maurice Merleau-Ponty) não é todavia o poeta que, sobrevoando-o, cria o sentido do mundo, antes abre-nos um espaço onde o mundo vem soletrar, como se index sui, o poema mudo que possui e que requer do poeta a despossuição da tirania do eu como criador do sentido, uma vez que na poesia ramos-rosiana a relação ao mundo faz-se do interior, na comunhão com o mundo: no átrio de olhá-lo de dentro. Daí que os poemas sejam superfície de uma profundidade inesgotável, como se tudo começasse à boca do poema (Boca Incompleta, 1977) sendo tarefa continuada da criação poética a de restabelecer a intimidade de uma afectuosa sintonia/libertando-o [o homem] do peso obscuro da alteridade do nada (O Sol é Todo o Espaço, 2002). Num tal espaço, que a poesia de Ramos Rosa instaura e nos oferenda para que nele erijamos um germinativo habitar, de envolvimento – que é intensivo e não extensivo, afectivo e não efectivo -, a um tempo sinestésico, carnal, cósmico e estesiológico, entrevemos um infrene apelo do Uno em que, libérrima, advém a fulgurante presença do mundo, a sua materialidade rediviva e disseminada pela palavra amotinada pelo frémito amante e mediadora de entre-espaços, alcandorando-se o dialogismo a canto do mundo, por via de uma dança centrífuga de permanente aproximação à misteriosa integralidade do ser e que ressurge na voz sempre inicial do poeta, essa que clamava já, embrionária e urgente, nos primeiros poemas de António Ramos Rosa, em 1958, coligidos no caderno titulado como O Grito Claro e também já tornada fruto no ensaio do poeta na revista Árvore com o título A poesia é um diálogo com o Universo.
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Manuela Justino “orquestração”
(aguarela sobre papel)
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joão pedro silva
António Ramos Rosa, a poesia desenhada * 50 desenhos, 50 poemas
Revelar este lado menos conhecido do Poeta foi o ponto de partida para a selecção dos desenhos expostos no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no passado mês de Junho. Dividida em rostos, essencialmente femininos, animais e não figurativo, esta mostra reuniu 50 desenhos da vasta produção que tem vindo a ser desenvolvida pelo Poeta desde a década de 80. São desenhos de traço rápido, fluido e essencial, denotando uma grande jovialidade, uma energia inicial das coisas, que nega o lado mais racional da sua criação. Fugindo para um lado intuitivo forte e sentido, o desenho tenta captar momentos intensos e carregados de afectos. É sobretudo de afecto e de desejo que estes desenhos nos falam. Interpelam-nos não só pela força do traço, mas pela palavra que pontualmente surge entre as linhas suaves e fortes de alguns desenhos. Frases como elogio de um desejo dançando expressam uma enorme vontade de poetizar a realidade. Se este desenho lhe diz alguma coisa, o que é que lhe diz? Uma coisa ou outra coisa? - esta é a interrogação levantada pelo Poeta num desenho. Esta fuga à realidade visível e palpável é uma constante na linguagem de António Ramos Rosa. Ele sugere-nos que vejamos para além das linhas, para além da forma, e que sintamos o que as linhas nos transmitem, que vislumbremos um mundo que desejamos. A Poesia de Ramos Rosa não nos revela as coisas do mundo. Simplesmente, ajuda-nos a descobri-las e a sentir o horizonte para onde apontam, nem que seja o nosso próprio desconhecido. Da mesma forma, também os desenhos nos ajudam a descobrir expressões, afectos e universos imaginados, revelados em rostos, alfabetos e animais que nos parecem familiares. Criar é isso, é esquecer e recordar simultaneamente. Desenho em Ramos Rosa é liberdade, é criar um espaço de libertação, de tranquilidade, de sensação absoluta, de bem-estar, de intensidade. É também simplicidade, quase inocente, semelhante à que podemos encontrar em pintores como Pomar, Matisse ou Picasso. E estas são provavelmente as coisas mais difíceis de conquistar na vida. * Texto de apresentação da exposição de desenhos/poemas de António Ramos Rosa “Rostos da escrita. Desenho e Poesia”, que esteve patente entre 7 e 28 de Junho de 2011 no ICS (Instituto de Ciências Sociais), e de que o Arqtº João Pedro Silva foi comissário. (Nota da Direcção)
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joão rui de sousa
o relógio da amizade* (réplica a um poema de há 44 anos que me era dedicado)
Para um amigo tenho sempre um relógio esquecido em qualquer fundo de algibeira. Mas esse relógio não marca o tempo inútil. São restos de tabaco e de ternura rápida. É um arco-‐íris de sombra, quente e trémulo. É um copo de vinho com o meu sangue e o sol. António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"
Em cada relógio há sempre um amigo que nos acorda, que suavemente nos percorre os interstícios da alma, que nos assombra com sinais discretíssimos de fraterna luz ou que nos deixa, mesmo em minuto frágil, um arco triunfal com tâmaras de afecto.
Nesse relógio há um lírio comestível ou uma plena árvore com seus braços de deslumbre, ou a mais ínfima erva que por ele sobrevive à estrondosa queda do granizo, à dissolução (inevitável) de casas e areias, e mesmo ao advento da loucura.
É sempre tal relógio um rio profundo onde a cor dum sol cheio, tantas vezes reposto, tantas vezes presente em acenar de címbalos e de búzios, pode acordar em tons de uma aridez sombria, pode deixar-nos tristes, sós e desolados, numa gruta de horror frente ao deserto - num recanto de sono e desalento.
Nesse amigo de sempre, um tal relógio - com seus ponteiros de murta ou de veludo, que saltam como lebres sobre as horas ou são nichos de abrigo e cestos de avelãs – é puro movimento e azul que estremece o fio de cada dia, o voo do coração.
Mesmo em zonas de fogo e exaltação, nesses lugares de praia mais sensíveis (como o esplendor do corpo em combustão, como o fremir da vaga e do desejo), existe tal relógio, ó engrenagem mágica, ó tiquetaque nítido, tão cúmplice.
*Poema que integra o conjunto de dez incluído na caixa Sete Livros Sete Desenhos, editada em 2004, para comemorar os oitenta anos de António Ramos Rosa.
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tiago nené
o bom poeta para António Ramos Rosa
o poeta inventa um leitor abstracto,
a sua extensão lível.
o poeta não consegue ler os seus poemas.
o bom poeta apenas escreve os seus poemas.
escrever poemas sem ler os poemas que se escreve
é perfeitamente possível
se o poeta estiver demasiado perto de cada palavra.
o grande poeta dorme dentro de cada palavra.
e eu não me conheço quando escrevo isto.
dentro de que palavra estarei?
que sílaba servirá de travesseiro aos meus sonhos?
creio que as primeiras palavras que escrevi
diziam que o poeta inventa um leitor abstracto.
não me lembro da versificação certa.
não importa.
apenas exponho permissões em cada sentimento.
e é isto o poema.
um grande sentimento amplificando
a inconfundível prosa de toda a vida.
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donis de frol guilhade
Aqui é para sempre o estar-‐se fixo e perdido com as palabras só sem palavras porque nada dizem não dizem o nada deste lugar ausente onde a diferença é nula de palavra a palavra. [António Ramos Rosa]
cal: al qui
mia es pir
al do sol’ o
a António Ramos Rosa,
a gratidão por seu tão sublime silêncio
\1| vertigem lazúli, o incêndio da aurora [oiro que sangra o sagrado] é céu vertical do mais rente à pele [a senciente raiz] \ flor de véu intáctil nas entranhas insuspeitas [princesas da perfeição em sua feliz incerteza] que o evo glauco dos clímaxes espirala [acorde em Si, qual pitagórica armadura] no tom sustenido: esta, a escada arturiana em demanda de suas notas, tons e degraus do grifo e graal do enigma que de nós triunfa. \2| eis – fausto ofício da mais exangue incalmia– os trabalhos e as noites: da alma dos mundos [acesa brancura] o fogo e a raiz são, da nervura que nos seiva, o mais fátuo de mefisto. \3| o coração [alvo carvão do cetim de sentir] arde nisso, qual lava de ínfima fulguração, incan’descendo ao rosto na raiz das achas insurrectas: quem há que as não perca entre os dedos do sentido, dédalo-teclado da comoção bem temperada no odor dos cravos já indolores? \4| reclinado na quase impura cegueira dos nós que desentrançam, manuelinos de tamanha solidão, a sedosa aspereza [retorno, ai, a certo náutilus uterino] é de lava, é de larva fértil, é de íntima lavoura - sarracena balança dos equilíbrios infiéis. \5| no infindor genesíaco, a cal do olhar devolve ao interstício [puro purpúreo fascínio] o seu céu inconfinado, confiando ao ventre recurvado quanto ao umbigo dos mundos reconduz - outra margem dos êxodos, outro mesmo desterro e terror: a saudade que nos tem saudada, sim... Até que [s]em fim nos percamos de ser vãos labirintos, claustros antros do ilimite virgulando viciosa a variegada fronteira das sebes da sapiência alfim inútil. \6| na lâmina do lábio, paramitado finiscéu – sepultada a alma-ourives de ouriques e de quibires– faz-se, das indescobertas índias, regresso: sem occidente que ouri’entre – geografa-se simples o estagnar extreme das margens, em pura detença de rilke rutilando os mais tácteis ecos.
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bibliografia [in]completa de antónio ramos rosa
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COLABORAÇÃO POÉTICA EM JORNAIS E REVISTAS PORTUGUESES E ESTRANGEIROS * «O que diz o realejo», Seara Nova, 1096, 13 de Novembro de 1948, p. 213. «Contra a Poesia Pura»; «A vida seria bela ...»; «Hipocrisia», Vértice, 67, Coimbra, Março de 1949, pp.131-132. «Lamentação», Vértice, 80, Coimbra, Abril de 1950, p. 206. «As Musas», Sísifo, 2/3, Lisboa, 1951, pp. 21-23. «Cântico sobre o muro», Vértice, 108, Coimbra, Agosto de 1952, p. 413-414. «À Morte dum Poeta», Árvore, 2o Fascículo, Inverno de 1951-52, p. 94. «Queda»; «Estreia de Gritos», Europa, 4, Abril de 1957, p. 9. «Despertar», Vértice, 165, Coimbra, Junho de 1957, pp. 299-300. «Humildade», Diário Ilustrado, 7 de Janeiro de 1958, p. 20. «Páginas arrancadas a um diário imaginário», Vértice, 173, Coimbra, Fevereiro de 1958, pp. 78-80. «A Paz que não cantaram», Diário de Notícias, 9 de Julho de 1959, p.13. «Nove Poemas Breves», Vértice, 199, Coimbra, Abril de 1960, pp.185-187. «Sementes Livres»; «O Homem de Abril»; «Presente Futuro», Gazeta Literária, Lisboa, Abril-Maio de1960, p.3. «A Contingência no Tempo», Diário de Notícias, 18 de Agosto de 1960, p.9. «Presença», Seara Nova, 1378-79-80, Agosto-Setembro-Outubro de 1960, p.264. «Solidão no Outono», Diário de Notícias, 2 de Fevereiro de 1961, p.13. «Três poemas seguidos»; «A Pedra»; «Qualquer Frase»; «Um Fruto Verde Amarelo»; «Árvore»; «Desocupado, Livre», Bandarra, 3, Inverno de 1961, pp.26-28. «A vã subsistência», ibidem, 24 de Agosto de 196 1, p.7. «O Corpo Harmonioso», ibidem, 17 de Maio de 1962, p.13. «Ensaio de esperança»; «Contradição»; «Comunicando», Seara Nova, 1402, Agosto de 1962, p.186. «Homenagem em forma de teorema a Théophile Gautier»; «Poema ananafórico (sic)», Diário de Lisboa Lisboa, 1 de Setembro de 1960, p.14. «Para me prolongar com Braque», Diário de Notícias,11 de Outubro de 1962, p.13. «Como se...», ibidem, 21 de Março de 1963, p.13. «A Terra aquém da terra», ibidem, 9 de Maio de 1963, p.13. «Pequeno madrigal em forma de adivinha», ibidem, 18 de Julho de 1963, p.13. «Fragmento», idem, 22 de Agosto de 1963, p.13. «Um ganho só de pedras», ibidem, 12 de Março de 1964, p.13. «Escrevo sobre um muro», ibidem, 18 de Junho de 1964, p.15. «Campo de acção», «À altura do rosto», O Tempo e o Modo, 32, Novembro de 1965, pp.1108-1109. «Com o papel da terra», Diário de Notícias, 19 de Maio de 1966, p.15. «Inverno», ibidem, 20 de Outubro de 1966, p.16. «Textos no Espaço», Hidra, Porto, 1966, p.59. «A criação do livro (de um romance-poema)», Diário de Lisboa, 8 de Junho de 1967, p.7. «Circuito», Diário de Notícias, 10 de Agosto de 1967, p.15. «Entre o poço e o muro», Colóquio, 47, Fevereiro de 1968, p.52. «Diante do papel», Diário de Notícias, 13 de Fevereiro de 1969, p.17. «Impenetrável não ascende», ibidem, 22 de Outubro de 1970, p.17. «Não sei se...», ibidem, 5 de Novembro de 1970, p.17. «Como urna planície na cidade...», ibidem, 14 de Janeiro de 197 1, p.17. «Momentos ou Espaços», ibidem, 28 de Janeiro de 197 1, p.17. «Qualquer coisa de elástico...», ibidem, 25 de Fevereiro de 1971, p.17. «Ao sol desta janela», ibidem, 18 de Março de 1971, p.17. «Não sei que luz», ibidem, 15 de Abril de 1971, p.18. «Pedra Harmoniosa», A Capital, Lisboa, 19 de Maio de 1971, p.1. «Sem o fogo do espaço», ibidem, 20 de Maio de 1971, p.18. «Eu vi um gato caminhar..», ibidem, 15 de Julho de 1971, p.18. «No trabalho da folha ou na falha», Colóquio/Letras, 2, Lisboa, Junho de 1971, pp.62-63. «Afirmações sobre a pedra», Diário de Notícias, 9 de Setembro de 1971, p.17. «E será agora e será quando?», A Capital, Lisboa, 3 de Novembro de 1971, p.2. «Houve um silêncio no sorriso», ibidem, 9 de Dezembro de 197 1, p.18. «Mão longe / da mão», ibidem, 22 de Dezembro de 1971, p.7. «Eu estou com a pedra...», Diário de Notícias, 16 de Março de 1972, p.17. _______________ * Apenas se menciona os artigos não publicados posteriormente em livro, ou que sofreram algumas alterações.
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«Entre o Silêncio e o Espaço», Fevereiro - Textos de Poesia, Lisboa, 1972, pp.7-17. «Círculo Recomeçado», Diário de Notícias, 29 de Junho de 1972, p.17. «Na lentidão», ibidem, 28 de Julho de 1972, p.17. «Até à face inteira», A Capital, 2 de Agosto de 1972, p.6. «A travessia do personagem (fragmento)», Movimento - Cadernos de Poesia & Crítica, 1, Funchal, 1973, p.16. «A cidade que não somos», ibidem, 15 de Fevereiro de 1974, p.6. «Campo e mar», ibidem, 18 de Fevereiro de 1975, p.7. «Conjunturas no Espaço», Colóquio/Letras, 38, Julho de 1977, pp.72-73. «Exercícios do Deserto», Arco-Íris, IV, Porto, A Regra do Jogo, 1977, pp.18-19. «Instituição da árvore no poema», Arco-Íris, V, Porto, 1978, p.5. «A Pedra transparente», Sema, 3, Lisboa, Outono de 1979, pp.93-94. «Do branco ao branco», Cadernos de Literatura, 7, Coimbra, 1980, pp.8-10. «A complexidade da poesia «simples»: «Arte Poética»; «Vida e Poesia», Sílex, 3, Lisboa, Julho de 1980, p.31. «Poema experimental», O Ponto, 20 de Novembro de 1980, p.25. «O desejo do espaço o espaço do desejo», ibidem, 22 de Outubro de 198 1, p.20. «A branco e negro», ibidem, 19 de Novembro de 1981, p.21. «A metamorfose branca», Colóquio/Letras, 65, Lisboa, Janeiro de 1982, pp.51-53. «Para dizer as palavras anteriores», Sema, 4, Lisboa, Maio de 1982, pp.226-227. «Canto à aparecida desaparecida», O Ponto, 1 de Julho de 1982, p.19. «Através das palavras», Jornal de Letras, 5 de Junho de 1984, p.4. «A vossa luz silenciosa»; «Aparição de uma forma»; «Terra», ibidem, 82, Lisboa, Novembro de 1984. «O excesso e a carência», Logos, 2, Lisboa, Dezembro de 1984, pp.17-19. «Regard sans regard» (à Jean Tortel), Trad. de Filipe Jarro, Action Poétique, 96/97, 1984, p.60. «En la gloria inmóvil»; «Hablo de un desequilibrio»; «La cosa sin nombre»; «Contacto con el centro»; «El gran animal verde», 12 Equívalencías (Equívalences), Revista Internacional de Poesía (International Journal of Poetry), (edição bilingue: espanhol/inglês), Versíones al español: José L. García Martín, Translated by: David G. Murray, Madrid, Editorial POE’S, Octubre 1985, pp.8-17. «A Cesário Verde», Colóquio/Letras, 93, Lisboa, Setembro de 1986, p.99. «Somos uma Pulsão da Terra», Casendo, Janeiro/Fevereiro de 1987. «Tanta ausência envolve a chama obscura», Lugar Comum - Cadernos de Poesia, Segunda Série, Braga, Maio de 1987, p.5. «Quatro sonetos díspares», Colóquio/Letras, 98, Lisboa, Julho-Agosto de 1987, pp.75-76. «O olhar de Murilo Mendes», Jornal de Letras, 12 de Outubro de 1987, p.13. «6 poemas inéditos», ibidem, 26 de Abril de 1988, p.11. «Rápida maravilha em que os olhos respiram», hífen, 2, Porto, Abril-Setembro de 1988, p.5. «Para Fernando Pessoa», Jornal de Letras, 18 de Outubro de 1988, p.13. «Doze Canções para Betânia», ibidem, 15 de Novembro de 1988, p.32. «As palavras», ibidem, 28 de Fevereiro de 1989, p.47. «Observação e louvor de um quadro», hífen 3, Porto, Outubro 88 - Março 89, p.17. «Dez poemas inéditos», Jornal de Letras, 6 de Março de 1990, pp.30-31. «Para Eduardo Lourenço», Letras & Letras, Março de 1990, p.27. «Duas cerimónias numa cratera», Cadernos do Tâmega, 3, Amarante, Junho de 1990, pp.11-13. «Mais silêncio mais sombra», Jornal de Letras, 14 de Agosto de 1990, p.7. «Soneto Imperfeito para Natália Correia - Depois de ter lido os seus Sonetos Românticos», ibidem, 11 de Fevereiro de 1991, p.9. «Para Sophia de Meio Breyner Andresen», ibidem, 25 de Junho de 1991, p.13. «Para Teixeira de Pascoaes», Cadernos do Tâmega, 6, Amarante, Dezembro de 1991, p.26. «Sete sonetos», Colóquio/Letras, 123/124, Janeiro-Junho de 1992. «Poema», Público, Porto, 9 de Junho de 1992, p.31. «Sorri ó voluptuosa terra», Jornal de Letras, 9 de Novembro de 1993, p.32. «As metamorfoses de Orfeu -I (elogios a oito poetas portugueses)», ibidem, 3 de Agosto de 1994, pp.18-20. «Deambulações oblíquas», Cadernos do Tâmega, 12, Amarante, Dezembro de 1994, pp.11-16. «Deambulações Oblíquas», Jornal de Letras, 7 de Junho de 1995, p.10 «Convite ao Mar», Atalaia - Revista Internacional de Exegese Contemporânea, 1/2, Lisboa, Edições Colibri, 1995, pp.137-138. «Do lado da melancolia com as árvores das estrelas», Spacio Scrito, 11/12, Badajoz, Otoño- Invierno 1995, pp.5-8. «Não tenho nenhum pássaro na cabeça»; «Eu não quero compreender perfeitamente o que escrevo»; «Embora não acredite em anjos»; «Nunca o poeta vê o poema que escreve»; «Esta mão não poderá tocar o teu pulso que estremece»; «É o fogo, diz-se. É a verdade», Limiar, 7, 1996. «Que a palavra seja um volume ardente e preciosamente nu», Tabacaria, 2, Lisboa, Casa Fernando Pessoa e Contexto Editora, Inverno de 1996, p.71. As Palavras, 9 Folhas soltas, PEN Clube Português, Dezembro de 1996. «Em nós se desgasta a têmpera primitiva», La Centena, Colección «La Centena», Mérida (Badajoz), Editora Regional de Extremadura,
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1996, p.67. «O Livro», Brevíssima recolha de textos sobre o Livro, Lisboa, Libernet, 15 Outubro 1996, s/p. Poemas - «É um leque às vezes solar»; «Sentir»; «Um vazio de nunca»; «É algo diferente»; «Eu não sei»; «O meu espaço é uma nuvem» -, Anto - Revista Semestral de Cultura, 1, Primavera de 1997, pp.9-13. Poemas, O Escritor, 9, Março de 1997, pp.53-55. «Homenagem a Vicente Aleixandre», Hablar/Falar de Poesia, 1, Revista Hispano/Portuguesa de Poesia, Tabacaria, Casa Fernando Pessoa, Outono de 1997, s/p. «Não, o paraíso nunca foi actual mas é uma reminiscência do desejo», Retratos e poemas, Fotografias de Luísa Ferreira, Lisboa, Casa Fernando Pessoa, 1998, p.45. Poemas, Orion, Revista de Poesia do Mundo de Língua Portuguesa, 1, Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes, Dezembro de 1998, pp.18-20. COLABORAÇÃO CRÍTICA/ENSAÍSTICA EM JORNAIS E REVISTAS PORTUGUESES ARTIGOS ENSAISTICOS «À margem duma leitura de René Char», Árvore, 1o fascículo, Outono de 1951, pp.45-47. «A poesia é um diálogo com o universo», Árvore, Vol.II, 1o Fascículo, 1952, pp.5-9. «Christian Gali - um jovem poeta francês», Diálogo - Suplemento de Cultura, Letras e Artes do Diário Ilustrado, 15 de Abril de 1958, pp.21-22. «Brevíssimo apontamento sobre poesia francesa», Diário Ilustrado, 20 de Junho de 1959, pp.6 e 10. «Poesia «figurativa» de Jean Follain ou a eternidade no quotidiano», Ibidem, 18 de Julho de 1959, p.3. «Uma lógica contraditória e um verso de Éluard», Diário Popular, 4 de Fevereiro de 1960, pp.6 e 11. «Nem confusões nem misturas», ibidem, 18 de Fevereiro de 1960, pp.6 e 11. «Crítica de Poesia», Seara Nova, Nov/Dez. 1960; Jan/Fev 1961; Maio-Junho 1961; Nov. Dez. 1961. «Um poesia da imanência da condição humana», O Comércio do Porto, 23 de Maio de 1961, p.5. «Rimbaud e a modernidade», Diário de Notícias, 8 de Junho de 196 1, p.13. «Uma nova reestruturação do real», Colóquio, 16, Dezembro de 1961, p.56. «A Altitude e a Profundidade em Reverdy», Jornal de Letras e de Artes, 22, 28 de Fevereiro de 1962, pp.1 e 10. «Comentário a uma antologia da nova poesia argentina», O Comércio do Porto, 27 de Março de 1962, p.6. «A nova poesia argentina - II», ibidem, 10 de Abril de 1962, p.6. «A unidade contraditória da poesia» Colóquio, 19, Julho de 1962, pp.54-55. «Equivalência e liberdade em Poesia», Diário de Notícias, 19 de Julho de 1962, p.13. «René Char e a crítica - Trecho de um ensaio», ibidem, 16 de Agosto de 1962, p.13. «André Frénaud ou um novo sentido da fraternidade e da esperança», O Comércio do Porto, 20 de Setembro de 1962, p.15. «A Penetração Poética no real ou a possível comunicação», ibidem, 23 de Outubro de 1961, p.5. «Jean MaIrieu e Roberto Juarroz», ibidem, 13 de Dezembro de 1962, p.17. «Algumas considerações sobre poesia e arte modernas», Colóquio, 22 de Fevereiro de 1963, pp.44-46. «Liberta em Pedra ou a vitória da poesia sobre a «distância», Diário de Notícias, 19 de Março de 1964, p.13. «A poesia de Jean Rousselot», Jornal de Letras e de Artes, 163, 11 de Novembro de 1904, pp.9 e 12. «Notas sobre a poesia», Diário de Notícias, 21 de Julho de 1966, p.16. «Jorge de Sena Poeta», O Tempo e o Modo, 59, Abril de 1968, pp.313-317. «A criação do sentido na obra literária», O Comércio do Porto, 13 de Agosto de 1968, p.16. «Incerteza e angústia da condição humana em Casais Monteiro», Diário Popular, 11 de Dezembro de 1969, p.1 e p.5. «Uma tendência na nova poesia portuguesa», Diário de Lisboa, 15 de Janeiro de 1970, pp.4-5. «A relação eu-outro», O Comércio do Porto, 24 de Novembro de 1970, p.16. «Uma nova linguagem poética - Uma nova percepção do real (I)», A Capital, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1971. «A génese do instante criador em O Ciclo de Elsa de Vasco Miranda», A Capital, 29 de Março de 1972, pp.1 e 3. «A Arte Moderna ou urna nova estruturação do real», ibidem, 15 de Junho de 1973, p.14 «Poesia e Linguagem», ibidem, 14 de Setembro de 1973, p.10. «O conceito de criação na poesia moderna - tópicos para um itinerário», Colóquio/Letras, 56, Julho de 1980, pp.5-11. «Os poetas do deserto», Cadernos de Literatura, 11, Coimbra, 1982, pp.35-36. «Michaux: a palavra como exorcismo», Jornal de Letras, 30 de Outubro de 1984, p.4. «Fernando Guimarães - A Perda e a Continuidade»,Colóquio/Letras, 95, Janeiro-Fevereiro, 1987, pp.102-105. «Ruy Belo ou a incerta identidade», Estrattoda: Rassegna Iberistica, 30, Cisalpino- Golliardica, Roma, Dezembro de 1987, pp.21-28. «René Char: um instante essencial», Jornal de Letras, 1 de Março de 1988, p.16 «O indeterminável e o desconhecido na poesia moderna», Revista Crítica de Ciências Sociais, 24, Março de 1988, pp.187-189. «A obliquidade solar na poesia de Albano Martins», Letras & Letras, Janeiro de 1989, p.9. «A revolta absoluta e sem esperança» (Sobre Al Berto), Jornal de Letras, 20 de Junho de 1989, p.5.
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Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (Mário Cesariny de Vasconcelos); Os Olhos e o Silêncio (Vasco de Lima Couto), Ler - Jornal de Letras, Artes e Ciências, Outubro de 1952, pp.4 e 7. Horizonte dos Dias (Vítor Matos de Sá), O Coração e a Espada (Antónío Couto Viana) e Arquipélagos (conjunto de diferentes autores), ibidem, Abril de 1953, p.4. Hora Cinzenta (Manuel Correia Marques), ibidem, Maio de 1953, p.3. Defeito - Sonetos (Álvaro Leitão), ibidem, Junho de 1953, p.4. Esta Riqueza que o Senhor Me Deu (João Brás), ibidem, Julho de 1953, p.6. Pólo Negativo (Carlos Vale), ibidem, Outubro de 1953, p.3. Poemas Quotidianos (António Reis), Seara Nova, Fevereiro de 1959, p.50. Poema para Anne Franck (António Rebordão Navarro) e A Cidade Longínqua (António Pinheiro Guimarães), ibidem, Maio de 1959, p.168. Lázaro e Job (António Porto-Além) e a Voz Velada (Arquimedes da Silva Santos), ibidem, Junho de 1959, p.196. Recôndito (António Salvado); Náufrago sem Mar para Morrer (Augusto Barreiros) e Oito Poemas para a Nova Madrugada (Mário Dias Ramos), ibidem, Setembro de 1959, p.291-292. Charneca do Monte Agreste (Domingos Carvalho), ibidem, Outubro de 1959, p.327. O País dos Outros (Rui Knopfli) e Telegramas (Casimiro de Brito), ibidem, Novembro de 1959, p.364. Espelho do Invisível (José Terra), ibidem, Dezembro de 1959, p.392. Os Habitantes do Amor (Fernando Guimarães), ibidem, Janeiro de 1960, pp.38-39. Poesias Escolhidas (Natércia Freire), A Condição Angélica (Nuno Sampayo) e Aqueloutro (António Pinheiro Guimarães), ibidem, Março de 1960, pp.82-83. A Estrela Rutilante (Manuel de Castro) e O Dia dentro da Noite (António Rebordão Navarro), ibidem, Abril de 1960, p.114. Primeiro Livro de Lapinova (Pedro Tamen), ibidem, Maio de 1960, pp.152-153. As Vozes e os Muros (Álvaro Manuel Machado); A Hipérbole na Cidade (João Rui de Sousa); Futuros ou Não (António José Maldonado); Canções para a Primavera (José Carlos de Vasconcelos), ibidem, Junho/Julho de 1960, pp.206-207. Água-Memória (Maria Alberta Menéres), Memória de Setembro (Egipto Gonçalves); Espelho Inicial (Maria Teresa Horta), ibidem, Agosto/Set/Outubro de 1960, pp.290-291. Cantata (Carlos de Oliveira), ibidem, Jan.-Fev. de 1961, pp.27-29. «Poesia Francesa» (ÉIuard, Joyce Mansour, Pierre Seghers, Nicole C. Bresson, Jean Bancal), Bandarra, 2, Verão de 1961, pp.48-51. L'Homme Inhabitable (Pierre della Faille), Forêts (André Verdet), Diário de Notícias, 2 de Novembro de 1961, pp.7-8. «O Verbo e a Vertigem» - Como se escreve um poema moderno?» Verbe et Vertige (Alain Bosquet), Jornal de Letras e Artes, 7, Novembro de 1961, pp.1 e 4. Quatro Quartetos (T.S.Eliot), O Spleen de Paris (Baudelaire), Memória e Ritual (Helena Cidade Moura), Poemas Completos (Manuel da Fonseca) e Amizade (António Pinheiro Guimarães), Colóquio, 25, Outubro de 1963, pp.69-71. Poemas (Edmundo de Bettencourt), Mar de Setembro (Eugénio de Andrade), Sobre as Horas (Fernando Echevarría), Metamorfoses (Jorge de Seria) e Polígono do Soneto (E.M. de Melo e Castro), ibidem, 29, Junho de 1964, pp.69-71. Poesia Programa para o Concreto (Alexandre Pinheiro Torres) e O Seu a Seu Tempo (Luísa Neto Jorge), ibidem, 41, Dezembro de 1966, pp.50-52. A Escola Nocturna (António Magalhães), Colóquio/Letras, 90, Março de 1986, pp.97-98 Órgão de Luzes e a As Leis do Caos (Gastão Cruz), ibidem, 120, Abril-Junho de 1991, pp.205-206. Poesia (1956-1979) e Poesia (1980-1984) (Fernando Echevarría), ibidem, 135/136, Janeiro-Junho de 1995, pp.236-239; Silabário (José Bento), ibidem, pp.241-244. ENTREVISTAS/DEPOIMENTOS «Entrevista com António Ramos Rosa», Diário Ilustrado, 25 de Abril de 1959, pp.3 e 8. «Depoimento sobre o «Encontro Internacional de Poetas em Berlim», O Tempo e o Modo, 22, Dezembro de 1964, p.10-19. «Diálogo com Eugénio de Andrade», Diário de Lisboa, 15 de Dezembro de 1966, p.1 Resposta a «Inquérito sobre a jovem poesia portuguesa», Rumo, 64, Junho de 1961, pp.480- 481. Resposta a uma leitora, Diário de Lisboa, 17 de Agosto de 1961, p.19. «António Ramos Rosa responde ao questionário de Proust», Jornal de Letras e de Artes, 15, Janeiro de 1962, p.16. «Talvez os poetas de hoje anunciem uma inserção livre no espaço vivo do mundo - diz-nos António Ramos Rosa», ibidem, 27 de Junho de 1962, pp.12 e 13. «Contraponto com António Ramos Rosa», ibidem, 145, 8 de Julho de 1964, pp.1 e 6 Resposta ao Inquérito «Está a poesia portuguesa em crise?», Diário de Lisboa, 12 de Agosto de 1965, p.4. Depoimentos (vários) in Situação da Arte (Volume organizado por Eduarda Dionísio, Almeida Faria e Luís Salgado de Matos), Lisboa, Publicações Europa-América, 1968.
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Acordes (trad. Clara Janés), Zaragoza, Olifante, 2003 (ed.bilingue). Antologia Poética (trad. Alberto Cáceres), Bogotá, Colombia, Común Presencia, 2004. La Herida Intacta (trad. Luis González Platón), Madrid, Edicciones Sequitur, 2009. TRADUÇÕES EM LÍNGUA ALEMÃ DA POESIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Non Zwei Gewässer, Ein Fluss (trad. Juana & Tobias Burghardt), ed. bilingue, Stuttgart, Delta, 2008. Genesis & Constellationen (trad. Juana & Tobias Burghardt), ed. bilingue, Stuttgart, Delta, 2008.
TRADUÇÕES EM LÍNGUA ITALIANA DA POESIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Non posso rimandare l’amore (sel. e trad.e Vicenzo Russo), San Cesario di Lecce, Pero Manni, 2007. TRADUÇÕES EM LÍNGUA BÚLGARA DA POESIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Antologia (Trad. Georgy Mitzkov), Sofia, Karina Marina Todorova, 1999. À Mesa do Vento - antologia (Trad. Georgy Mirtzkov), Sofia, Karina Marina Todorova, 2002. Omaginação do Real – antologia (Sel e trad. de Sidónia Pojarlieva), Sofia, Slavyani, 2007.
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Fontes principais:
Ana Paula Coutinho Mendes Paula Cristina Costa Agripina Costa Marques
António Ramos Rosa, com Murillo Mendes (1956)
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/;|.
| vozes d’outro nenhures *
Nesta página: Tradução árabe do poema de António Ramos Rosa “Não posso adiar o amor para outro século”, in Ana Paula Coutinho Mendes (org.), “Poesia do século XX com António Ramos Rosa ao fundo”, 2005.
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stephen batchelor
“Mitologias paralelas”e “Tédio e violência”
Este livro é para aqueles que, como eu, vivem nos intervalos de diferentes e por
vezes incompatíveis mitologias – narrativas épicas que ajudam a conferir sentido à nossa breve vida na terra. Algumas destas mitologias tiveram a sua origem em lugares e tempos remotos, enquanto outras são uma criação do mundo moderno.
Estes mitos que herdámos do passado, independentemente de terem tido a sua origem numa religião monoteísta, como o judaísmo ou o cristianismo, ou numa tradição não teísta, como o budismo, partilham a visão que a vida humana só é totalmente inteligível quando encarada como parte de um vasto drama cósmico que a transcende. Ambos comunicam uma crença fundada em poderes ocultos – o serem divinos ou kármicos é irrelevante –, responsável por nos terem lançado neste mundo para enfrentarmos a tarefa intimidadora de nos redimirmos para toda a eternidade.
Os mitos da modernidade são de tal modo tangíveis que é difícil reconhecê-los como mitos. À semelhança das pessoas que vivendo em sociedades pré-modernas, cristãs ou budistas não encararam o seu mundo de forma mitológica, também nós somos incapazes de reconhecer as mitologias que sustentam o sentido da nossa existência e a natureza do universo em que vivemos. Um mito dominante da modernidade, que se impôs no Ocidente nos últimos dois séculos, é o que é fornecido pelo conhecimento científico do mundo. Tão completa é a sua explicação sobre as origens do universo e da vida, tão extraordinária é a sua capacidade de predição, tão espectacular é a tecnologia decorrente da compreensão física do mundo, que somos levados a rejeitar que haja algo de mítico nessa forma de conhecimento.
Mesmo que aquilo em que acreditamos, com base no conhecimento científico, possa ser empiricamente verificável, tal não impede que não opere como mito. Por mais “verdade” que contenha a moderna visão do mundo, ela desempenha, presentemente, nas nossas vidas, uma função semelhante à visão dominante pré-científica das pessoas que viveram em culturas pré-modernas. Também a visão científica explica como é que a vida humana só se torna totalmente inteligível se a encararmos à luz da sua participação num vasto drama cósmico que a transcende. Também ela se fundamenta em crenças. Cremos que o universo explodiu a partir do nada há quinze biliões de anos; cremos que os humanos evoluíram a partir de formas primitivas de vida por efeito de uma selecção fortuita de mutações genéticas; cremos na existência de electrões e de quarks. Mas seremos capazes de demonstrar a verdade subjacente a qualquer uma destas proposições a alguém que não acredite nelas?
O conhecimento humano é invariavelmente limitado e parcial. Por mais inteligente e melhor informada que uma pessoa seja, é muito pouco o que ela pode razoavelmente conhecer com total certeza. Tudo o que conhece é necessariamente mediado pelas suas faculdades, os seus sentidos, a sua razão, o seu cérebro. É-lhe impossível aceder a um estado não mediado, independentemente dos seus instrumentos de percepção e do seu organismo, a partir do qual possa verificar se o seu conhecimento não imediato corresponde à realidade em si. Por mais perfeita que seja a sua explanação, a realidade
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permanece essencialmente misteriosa. E acerca das perguntas fundamentais, qual o sentido de nascer e morrer, de fazer o bem e o mal, as ciências naturais nada dizem.
Os mitos ancestrais têm, porém, raízes profundas. E continuamos a sondá-los para responder a essas perguntas. O ateísta e o materialista confessos sentem-se desconfortavelmente agitados por passagens da Bíblia. O budista converso descobre mais sentido do sagrado numa igreja em ruínas duma aldeia em Inglaterra do que em todos os mosteiros que visitou no Tibete. Em momentos de desespero, não deixam, porém, os dois de invocar o deus que abandonaram.
Estou ciente, enquanto cidadão ocidental que tem praticado o budismo ao longo dos últimos trinta anos, das mitologias paralelas que no meu íntimo disputam a minha atenção. Não tive uma educação cristã, mas reconheço que interiorizei os mitos e os valores do cristianismo do meio pós-cristão, liberal e humanista em que me situo. O meu temperamento inclina-se mais para as artes do que para as ciências, mas não deixo de me entusiasmar com a emergente visão científica do mundo que informa a sociedade de que faço parte. A minha vida adulta tem sido dedicada a traduzir textos budistas, a ensinar meditação e filosofia budistas, a escrever livros que apresentam uma interpretação contemporânea do budismo. E enquanto me debato por compreender e articular os ensinamentos e os mitos da fé que abracei, não deixo porém de prestar atenção a outras vozes que também me animam.
No âmago do despertar do Buda está o reconhecimento contra intuitivo de que a experiência humana é radicalmente transitiva, insegura e contingente. Siddhattha Gotama (o Buda histórico) compreendeu, pela atenção firme e não sentimental que votou à sua vida e à vida em seu redor, que nenhum “Eu” essencial se sustenta ou permanece em si, e apercebeu-se da sequência integrada de cores, formas, sons, sensações pensamentos e sentimentos que aparecem e desaparecem a cada instante na consciência. Esta surpreendente intuição revolveu-o até ao âmago daquilo que achava que ele próprio era. A convicção instintiva de ser um eu imutável e isolado extinguiu-se. A vida passou a ser apenas uma surpreendente experiência encadeada de processos contingentes, manifestando-se mediante complexas sequências de causas e efeitos, sem nenhum princípio discernível e sem nenhum poder divino que as orientasse para um fim pré ordenado.
Para Gotama esta revelação de uma realidade que para ser entendida não precisava de um eu intrínseco ou de um deus foi profundamente libertadora. Libertou-o das compulsões e dos medos auto centrados que o tinham aprisionado em infindáveis e aparentes ciclos de tédio e angústia. Gotama referiu-se a esta libertação como “nirvana” – literalmente um “extinguir” dos “fogos” daquele descontentamento existencial. Noutro contexto, referiu-se a essa libertação como um “vazio”, um espaço aberto em que a ideia de um “Eu” permanente e isolado deixa de poder exercer a sua ilusão. Este vazio é “a morada de uma nobre pessoa”1 donde se pode ir ao encontro e responder ao mundo numa perspectiva despojada mas cuidadosa. Um vazio gélido e niilista em que o sentido e o valor tivessem sido extintos é o exacto oposto do que o Buda quis dizer com “vazio”. Para ele, uma compreensão do vazio significou transformar um ciclo compulsivo de
1 MN 151. 2, p.1143.
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medos e anseios num caminho de sabedoria que catalisou a liberdade interior e a compreensão sensível. Em vez de uma ausência de significado e de valor, o vazio é uma ausência do que limita e do que impede as capacidades de uma pessoa realizarem o devir potencial da vida humana.
Pensar o vazio como uma dimensão subtil da realidade ou como um estado mental místico é correr o risco de o converter num outro fetiche ou num objecto de raras virtudes religiosas. Nagajurna, o grande pensador indiano do século II, estava profundamente ciente deste problema:
Os Budas dizem ser o vazio Uma opinião a renunciar. Os crentes no vazio São incuráveis2
O vazio não é algo sagrado em que se tem de acreditar. É um “esvaziar”, é um abrir
mão dos estados compulsivos de fixação que nos encerram num eu que, qual célula fechada, aparenta existir isolado e separado do turbulento fluxo da vida. Este esvaziar leva a que se abandonem hábitos mentais constrangedores e embaraçantes, permitindo – qual barreira removida de um rio – que a corrente represada da vida flua livremente.
Abrir mão, mesmo momentânea e initencionalmente, daquela desesperada e obsessiva fixação ao eu não te aniquila, mas abre-te para um mundo essencialmente fugaz e contingente que partilhas com outras criaturas ansiosas como tu. É algo que pode ser assustador, porque a única certeza que se tem neste mundo é que nalgum momento nele morrerás. Compreendes que o teu eu não é algo invariável ou uma essência pessoal, mas uma história confusa e errante que avança para a sua conclusão. Isto pode fazer com que regresses precipitadamente às crenças, percepções e rotinas familiares em que te sentes seguro. Mas, uma vez iniciado o processo de te esvaziares, agarrares-te a tais consolos é impedir que te sintas inteiramente vivo. Tornar-se vazio, como repete Nagarjuna, é ir ao encontro da contingência nua e crua da própria vida. O desafio do vazio é mergulhares na corrente da vida, em vez de vagueares pelos seus contornos.
“Contingência” é uma tradução concisa e razoavelmente fiel do conceito budista paticasamuppada (geralmente traduzido por “origem dependente”). Tudo o que é contingente depende de algo para existir. Como tal, podia não ter acontecido. Bastava que uma dessas condições não se tivesse materializado e algo de diferente teria ocorrido. Fazemos planos de “contingência” porque a vida é cheia de surpresas e, frequentemente, por mais minuciosos que sejam os nossos preparativos, as coisas não correm como o previsto. A complexidade diabólica dos sistemas vivos torna difícil prever como um dado sistema (seja ele uma pessoa ou um bando de pássaros) se comportará no próximo momento, menos ainda no próximo mês ou no próximo ano. A contingência revela uma liberdade caótica no seio de acontecimentos ordenados por uma dinâmica causal. Por mais tentador que seja invocar a mão de Deus, o karma, ou o destino para atribuir uma ordenação oculta ao que parece aleatório, abraçar a
2 MMK 13.8.
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contingência requer a vontade de aceitar o inexplicável e o imprevisível em vez da complacência de buscar a anestesia confortável da metafísica.
O oposto da “contingência” é a “necessidade”. Por mais efémera e insignificante que eu reconheça ser esta minha vida humana, não consigo desembaraçar-me da convicção intuitiva que, em última instância, a minha existência é necessária no esquema geral das coisas. Ao prestar cuidadosa e fundada atenção à natureza contingente da experiência, a prática de meditação budista desafia o sentimento instintivo que somos, nas palavras do Satanás de Milton, “auto-gerados, auto-realizados / Pelo nossos ágeis poderes.”3 Ao erodir este sentido de que somos seres necessários, acabamos por intuir como a pessoa irrepetível e sem precedentes que nós somos emerge de uma matriz sublime de múltiplos acontecimentos contingentes – nenhum dos quais necessitava de facto ter sucedido. Obtém-se um profundo entendimento do vazio do “Eu” não por eliminação deste, mas por se entender que ele é contingente, antes de ser necessário.
Quando, na perspectiva do vazio, se dissolve a obstinada e rígida solidez dos eus e das coisas, abre-se um mundo contingente, fluido e ambíguo, fascinante e aterrorizador. Esse mundo não só se projecta diante de nós apenas com temível beleza, complexidade e majestade, mas um dia devorar-nos-á no seu rasto tumultuoso com tudo o que nós estimamos. A infinita e tocante beleza da criação é inseparável da sua diabólica destruição. Como viver num mundo assim, turbulento, com sabedoria, tolerância, empatia, disponibilidade e não-violência é o que, ao longo dos tempos, santos e filósofos, se empenharam em articular e realizar. O que impressiona na proposta budista é que, em vez de postular um “Eu” imortal e transcendente, imune às vicissitudes do mundo, Buda insistiu em que a salvação consiste em abdicar dessas fantasias consoladoras e, em vez delas, abraçar a própria essência da vida que nos destruirá.
Este livro é uma meditação sobre algumas destas antigas interrogações. Grande parte dele é uma interpretação da visão budista, dos seus mitos, doutrinas, filosofia e prática. No entanto, por eu ser alguém que se reconhece a viver nos intervalos entre culturas e tradições, as ideias budistas justapõem-se e entrelaçam-se com material de fontes tão diversas como a Bíblia, Baudelaire, Roland Barthes ou a biologia evolucionista. Muito embora cite as escrituras monoteístas, eu não acredito em Deus mais do que acredito em Hamlet. Mas isto não quer dizer que Deus e Hamlet não tenham nada de válido a dizer. As páginas deste livro estão povoadas de figuras míticas e históricas de várias tradições que me são familiares. O caminho que traço segue pelos intervalos entre diferentes religiões e mitologias seculares que me ajudam a dar sentido à minha vida. Quanto mais avanço, mais suspeito que este caminho não é senão a anarquia dos próprios intervalos.
Tédio e Violência
O génio de Charles Baudelaire foi o de ter reelaborado o mito cristão do demónio à luz da emergente situação crítica duma consciência humana alienada e céptica. Ao fazer o luto resignado pelo fim da era clássica que inspirara Dante e Milton, Baudelaire antecipou
3 Milton, Paradise Lost, Book V, vv. 860-1.
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uma modernidade que se cristalizava na sua pessoa. Compreendeu a presença do diabo como uma intrusão perturbadora no seio de uma cultura secular, auto-centrada. De entre “os monstros que grasnam, rosnam, rastejam e uivam”, ele identifica “um bem mais feio, mais cruel, imundo!”
“Que mesmo recusando gestos ou clamores Facilmente faria da terra um destroço E num simples bocejo engoliria o mundo.”4
É o tédio [l’Ennui], escreve Baudelaire, “aquele monstro sensível”, um composto de
frustração e fastio que se agita entre o sentimentalismo auto-piedoso e o devaneio ausente. Trata-se de uma variação moderna do que o Buda designou por dukkha; a temível angústia inerente à nossa condição mortal.
O livro de poemas de Baudelaire Les Fleurs du Mal (AsFlores do Mal, 1857) deu o tom à angústia contemporânea que marca muita da literatura e filosofia produzidas desde então. Em Kafka e Beckett, Kierkegaaard e Sartre encontramos a mesma inquietação reflexiva. Os poemas de Baudelaire são o primeiro passo no caminho que leva ao niilismo estilhaçado de The Waste Land e American Psycho.
Em meados do século XIX, o conceito do Mal comportava ainda ecos da distinção teológica entre o mal “natural” e o mal “moral”. O “mal natural” referia-se a todas as calamidades e catástrofes que ocorrem na vida, enquanto que o “mal moral” denotava os pensamentos, palavras, e acções associados com o pecado, sofrimento e morte. Nos princípios do século XXI, perdeu-se por completo o significado do mal natural. Soa a forçado e a arcaico definirem-se as doenças ou as inundações como “males”. Mesmo no seu sentido moral, o “mal” transformou-se num termo que comporta uma reacção moralista de condenação a quem comete acções abomináveis. A originalidade do discurso de Baudelaire está em que os seus versos iluminam a concepção moderna do mal como um deficiência do eu em vez de o tomar como um traço da própria realidade.
“O erro, a mesquinhez, o pecado, a tolice”, escreve o poeta, “excitam-nos o corpo e ocupam-nos o espírito.”5 Os ímpetos do mal impelem-nos portanto a agir, sombria e furtivamente, a partir das profundidades obscuras do nosso ser. Satanás deita-se ao nosso lado à noite, com a cabeça “na almofada do mal.” Julgamo-nos indivíduos livres e independentes, mas Baudelaire insiste que o diabo “Embala devagar a nossa alma encantada. E até o metal rico da nossa vontade / Vai sendo evaporado por esse alquimista.”6 “Os cordéis que nos puxam, prende-os o Diabo!”, escreve. “Como um milhão de vermes, nas nossas cabeças / Enche-se até fartar um povo de Demónios.”7 Os conceitos teológicos sobre “o mal” e “demónios” adquirem aqui um significado psicológico. São cifras de algo sinistro e perturbador que intuímos obscuramente em nós, mas que não compreendemos.
4 Baudelaire, Charles, As Flores do Mal. Trad. Fernando Pinto do Amaral. Assírio e Alvim, “Ao leitor”, p. 47. 5 Idem, p.45. 6 Ibidem 7 Idem., p.47.
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Apesar disso, persiste um sentido impessoal do mal. No seu poema “Destruição”, escreve Baudelaire:
“Sem parar, ao meu lado, o Demónio agita-se; Nada em torno de mim como um ar impalpável; Vou-o engolindo, queima-me os pulmões e sinto-o Enchê-lo de um eterno desejo culpado.”8
O poeta suspeita que a fonte deste perturbante, mas irresistível sentimento é algo de
dinâmico, mas insubstancial, que existe independentemente dele (“um ar impalpável”), sobre o qual não tem controle e que não pode deixar de respirar. Embora o “desejo culpado” pareça irremediavelmente o “meu” desejo culpado, eu não escolhi sentir uma tal emoção. Ocorre em mim, irrompe na minha consciência vindo de algures. Submeto-me ao potencial destrutivo do demoníaco quando me disponho a acolher este género de ataques fortuitos dirigidos ao âmago da minha alma. “E quando respiramos”, escreve Baudelaire, “desce-nos a Morte / Aos pulmões, como um rio de surdos lamentos.”9 Ao colocar em maiúsculas a “Morte”, Baudelaire relaciona-a com o “Diabo” e o “Demónio”, recuperando assim a identificação teológica da Morte com Satanás e antecipando a luta freudiana entre eros (desejo) e thanatos (morte).
O iluminismo europeu do século XVIII inaugurou uma era em que o demoníaco perdeu a sua identidade, deixando-nos sem saber o que ele passou, se é que passou, a representar. A alma do homem do início da era moderna viu-se cindida, em conflito entre a razão autónoma cartesiana e a emoção romântica wordsworthiana. Os racionalistas, crentes no progresso sistemático do homem e no estabelecimento de uma ordem racional mundial, diabolizaram as explosões caóticas de emoções irrefreadas que punham em risco as suas concepções. Os românticos, por seu lado, afirmaram o primado do sentimento e encararam qualquer tentativa de impor regras abstractas, controles ou medidas na fluida espontaneidade da vida como uma forma de inibição demoníaca. Nietzsche encarou o estado moribundo da civilização europeia como o legado de uma repressiva e asfixiante tradição apolínea que carecia ser revitalizada pelo ressurgimento da energia e da paixão dionisíacas.
Ao longo dos últimos cem anos, a gestão deste conflito no interior das mentes individuais humanas tem sido fundamentalmente prosseguida por psicólogos e psicoterapeutas. Freud compreendeu que o sentido angustiado do nosso eu (ego) derivava, em grande medida, de duas forças irreconciliáveis: os impulsos cegos da biologia (o vasto inconsciente do id), e as restrições morais da sociedade (o superego). Estas duas forças são características de Mara: os anseios e medos violentos que nos assolam, e os pontos de vista e opiniões que nos limitam. Sucumbir a irresistíveis impulsos e vícios ou ficar paralisado por obsessões neuróticas são duas formas psicológicas de articular a nossa contínua coabitação com o diabo.
Ao identificar o tédio como o mal primordial, Baudelaire encara o demoníaco mais como constrangimento e inibição do que como compulsão violenta ou erótica. Porque
8 Idem , “Destruição”, p.279. 9 Idem , p.47.
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ao transgredirmos conscientemente fazemo-lo sempre com sentido de culpa. “Colhemos, ao passar, clandestino prazer / Que como uma laranja moída esprememos”, escreve Baudelaire10. Esta perturbação da consciência, de se estar psicológica e moralmente enredado em forças que mal se percebem, surge tematizada nos romances de Franz Kafka. “Alguém deve ter caluniado Joseph K.”, lê-se no início de O Processo, “visto que uma manhã o prenderam, embora ele não tivesse feito mal algum.”11 O infeliz K. nunca saberá porque foi feito prisioneiro, não conseguirá penetrar no labirinto do sistema judicial e, por fim, será executado. O diabo, tido como um “mentiroso” e “um assassino desde o princípio”12, que bloqueia o nosso caminho (nos aprisiona), assume aqui o disfarce de poderes sinistros e invisíveis que, sem aparente razão, invadem e destroem a vida de uma pessoa comum. Este subtil aprisionamento secular é registado na prosa minimalista, hesitante, de Samuel Beckett: “Bruscamente, não, com o tempo, com o tempo, não pude mais, não pude continuar. Alguém diz, Você não pode ficar aqui. Não podia ficar e não podia continuar.”13
Ao confrontarem o demoníaco com fracas expectativas de redenção, estes escritores praticam curiosamente uma forma civilizada de niilismo. Ao mesmo tempo que parecem distanciar-se de qualquer expectativa de salvação religiosa, asseguram, pelo menos momentaneamente, uma forma secular de redenção pela actividade transformadora da sua arte. Redimem o seu desespero, fazendo dele um desespero belo. Num dos projectos de prefácio que escreveu para as Flores do Mal, Baudelaire admite: “Pareceu-me agradável, e tanto mais aprazível quanto mais difícil era a tarefa, de extrair a beleza do Mal.”14 (o itálico é da autoria de Baudelaire). O poeta frui de um prazer estético no próprio acto de se confrontar com os demónios que o atormentam. Assim como o conhecimento de Mara liberta o Buda das garras de Mara, reimaginar o diabo enfraquece as cadeias com que o demoníaco prende o poeta. O sufocante desespero evocado nos seus poemas contrasta com a fluidez fácil do ritmo dos seus versos. Ao descrever a sua difícil situação às mãos do diabo, Baudelaire parece deixar-se ir na “brisa impalpável” que o envolve:
Vai-me guiando assim, longe do olhar de Deus Quebrado de cansaço, ofegante, no meio Das planícies do Tédio, profundas, desertas, E lança nos meus olhos cheios de confusão Roupas emporcalhadas e feridas abertas E a sangrenta mecânica da Destruição.15
10 Idem , p.45. 11 Kafka, O Processo. Trad. Gervásio Álvaro. Livros do Brasil, p.5. 12 João. 8:44. 13 Beckett, Novelas e Textos Para Nada. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio e Alvim, p.85. 14 Baudelaire. Les Feurs du Mal. Galllimard, p.229. (Versão do tradutor). 15 Baudelaire, Charles, As Flores do Mal. Trad Fernando Pinto do Amaral. Assírio e Alvim, “Destruição”, p. 279.
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Esta “mecânica da Destruição” é a violência que sistematicamente permeia e contamina a totalidade dos acontecimentos contingentes. Porque tudo o que é criado está sujeito ao colapso, à corrupção, ao engano e a se extinguir. Em última instância não se pode contar com nada. Não importa quanto zelemos por este complexo organismo de carne, nervos e sangue, um dia ele soçobrará. “O incondicional senhor da morte”, adverte Shantideva, “não espera pelas coisas para serem feitas ou desfeitas. Enferma ou saudável, não se pode confiar nesta vida fugidia.”16 A natureza de que somos feitos, que favorece a possibilidade da consciência, do amor, da liberdade, também nos destruirá, aniquilando a identidade vivaz de uma criatura sensível com uma história irrepetível, que se tornou uma interrogação para si mesmo.
Doença, envelhecimento e morte são formas de uma violência interna que atormenta todas as criaturas; doenças naturais, infecções virais, ataques terroristas são exemplos de uma violência externa que ameaça eclodir em qualquer lugar. O mundo globalizado e interconectado tornou-se num corpo sujeito a este tipo de erupções imprevisíveis. De uma maneira que Baudelaire não conseguiu imaginar, apercebemo-nos da instabilidade e da vulnerabilidade do sistema vivo de que fazemos parte e de que dependemos. Seja um vírus, o buraco na camada de ozono ou um avião sequestrado, tais acontecimentos são veloz e intensamente comunicados pelos meios de comunicação. Não precisam de invadir a nossa existência pessoal nem de ocorrer com frequência para nos intimidarem. A arma mais eficaz de Mara é a sustentação de um clima geral de medo.
Células cancerígenas e bombistas suicidas têm a capacidade comum de violarem o espaço do corpo de uma pessoa sem o seu consentimento. Todo o acto de violência é uma violação à integridade do meu ser físico. Um acto violento, seja sob a forma de um golpe na minha pele, seja no meu sistema imunitário, seja no meu direito a viver ao abrigo de um estado de direito sem ser molestado, é uma intrusão no espaço íntimo que cuido como meu. Quem quer que seja ou o que quer que seja que me prive do meu direito a esse espaço, viola-me. A violência é uma forma de violação, algo que está implicado significativamente no radical das palavras portuguesas “violação” e “violar”. Sempre que os humanos recorrem à violência, há homens que são violentados e mulheres que são violadas. O espaço do corpo inviolável que cada qual encara como seu é penetrado contra a vontade própria, seja por uma bala ou por um pénis.
Actos de genocídio, abuso de crianças e terrorismo são perpetrados por pessoas educadas, civilizadas e religiosas. A vontade de violar o outro, furtivamente, entre paredes, ou abertamente, em nome de um bem maior (a sobrevivência de um nação ou a verdade de uma religião), é prontamente dissimulada atrás de um sorriso piedoso. Quando estes malfeitores são denunciado, o mundo inteiro lança desprezo e ódio sobre eles, aparentemente sem ter consciência dos impulsos violentos subjacentes às suas próprias reacções.
“É mais difícil amar Deus do que acreditar Nele”, escreveu Baudelaire algures no seu projecto de prefácio.
16 BCA 2.33.
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“Por contraste, é mais difícil para as pessoas deste século acreditarem no Diabo do que o amarem. Todos o servem e ninguém crê nele. Sublime subtileza do Diabo.”17
Posso com toda a sinceridade crer fazer o bem e renunciar a fazer o mal, mas os meus pensamentos e acções mostram-me com frequência que não me empenho verdadeiramente nisso. No silêncio da solidão da alma coexistem pulsões inadmissíveis e desejos profundos de agir com bondade e com justiça. Ambos exercem as suas prerrogativas e ambos disputam a minha atenção. Oscilo entre os dois, consumido num dado momento pelo auto-desprezo para me deixar levar, no momento seguinte, por uma onda de compaixão. É aqui, no âmago deste espaço interior, que pela primeira vez encaramos o desafio de vivermos com o diabo. * Extractos dos capítulos 1 e 5 de “Living with the Devil. A Meditation on Good and Evil. New York, Riverhead Books, 2004.
(Tradução de José Eduardo Reis)
Desenho de António Ramos Rosa
17 Baudelaire. Les Feurs du Mal. Galllimard, p.228. (Versão do tradutor).
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notasbio-‐bibliográficas
Maria do Sameiro BARROSO, nascida em Braga, licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Lisboa, é poeta, tradutora, ensaísta e investigadora. Integra os Corpos Sociais do P.E.N. Clube Português, desde 2009. Vencedora do Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica 2009, com o original Uma Ânfora no Horizonte, o seu último livro Poemas da Noite Incompleta foi publicado no Brasil, 2010. Stephen BATCHELOR nasceu em Dundee, na Escócia, em 1953. Escritor budista, conhecido pela sua abordagem laica e agnóstica ao budismo. Através dos seus escritos, traduções e ensinamento, tem desenvolvido uma exploração crítica do papel do budismo no mundo moderno, o que lhe valeu tanto a condenação como herege, como os louvores enquanto reformador. Obras publicadas: The Jewel in the Lotus: A Guide to the Buddhist Traditions of Tibet, 1986; The Tibet Guide, 1987; The Faith to Doubt: Glimpses of Buddhist Uncertainty, 1990; Alone with Others: An Existential Approach to Buddhism, 1994; The Awakening of the West: The Encounter of Buddhism and Western Culture, 1994; Buddhism without Beliefs.,1998; Living with the Devil: A Meditation on Good and Evil. 2005; Confession of a Buddhist Atheist, 2010. http://www.stephenbatchelor.org José BIVAR. Presidente da APAA- Associação Portuguesa de Artistas Plásticos do Algarve. Paulo BORGES. Professor de Filosofia na Universidade de Lisboa. Últimas obras: O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia), 2005; Agostinho da Silva. Uma Antologia,
2006; Tempos de Ser Deus. A espiritualidade ecuménica de Agostinho da Silva, 2006; Línguas de Fogo. Paixão, Morte e Iluminação de Agostinho da Silva, 2006; Folia. Mistério de Pentecostes em três actos, 2007; O Buda e o Budismo no Ocidente e na Cultura Portuguesa (com Duarte Braga), 2007; Princípio e Manifestação. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes, 2 vols., 2008; A Cada Instante Estamos A Tempo De Nunca Haver Nascido, 2008; Da Saudade como Via de Libertação, 2008; A Pedra, a Estátua e a Montanha. O V Império no Padre António Vieira, 2008; O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, 2008; Uma Visão Armilar do Mundo. A vocação universal de Portugal em Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, 2010. Descobrir Buda, 2010; Olhares Europeus sobre Fernando Pessoa (org.), 2010; Agostinho da Silva: Penseur, écrivain, éducateur (org., com Idelette Muzart-Fonseca dos Santos e José Manuel Esteves), 2010. O Teatro da Vacuidade ou a impossibilidade de ser eu. Estudos e ensaios pessoanos, 2011. Presidente da União Budista Portuguesa e da Associação Agostinho da Silva. www.pauloborges.net Casimiro de BRITO. Poeta, romancista, contista e ensaísta. Nasceu no Algarve, em 1938, onde estudou (depois em Londres) e viveu até 1968. Após uns anos na Alemanha, passou a viver em Lisboa. Teve várias profissões, mas actualmente dedica-se exclusivamente à literatura. Começou a publicar em 1957 (Poemas da Solidão Imperfeita) e, desde então, publicou mais de 40 títulos. Dirigiu várias revistas literárias, entre elas Cadernos do Meio-Dia (com António Ramos Rosa), os Cadernos Outubro/ Fevereiro/ Novembro (com Gastão
Cruz) e Loreto 13(órgão da Associação Portuguesa de Escritores). Actualmente é responsável pela colaboração portuguesa na revista internacional Serta. Esteve ligado ao movimento Poesia 61, um dos mais importantes da poesia portuguesa do século XX. Ganhou vários prémios literários, entre eles o Prémio Internacional Versilia, de Viareggio, para a "Melhor obra completa de poesia", pela sua Ode & Ceia (1985), obra em que reuniu os seus primeiros dez livros de poesia. Colaboração em revistas de poesia, tendo obras suas incluídas em mais de 190 antologias, publicadas em vários países. Foi director de festivais internacionais de poesia de Lisboa, Porto Santo (Madeira) e Faro. Foi vice-presidente da Associação Portuguesa de Escritores, presidente da Association Européenne pour la Promotion de la Poésie, de Lovaina e presidente do P.E.N. Clube Português. Tem obras suas gravadas para a Library of the Congress, de Washington. Agraciado pela Academia Brasileira de Filologia, do Rio de Janeiro, com a medalha Oskar Nobiling por serviços distintos no campo da literatura — entre outras distinções, nomeadamente, em Portugal, a Ordem do Infante. Conselheiro da Associação Mundial de Haiku, de Tóquio. Nomeado “Embaixador Mundial da Paz” (Genebra, 2006). A Académie Mondiale de Poésie (da Fundação Martin Luther King), galardoou-o em 2002 com o primeiro Prémio Internacional de Poesia Leopold Sédar Senghor, pela sua carreira literária. Ganhou o Prémio Europeu de Poesia Aleramo-Mario Luzi, para o “Melhor Livro de Poesia Estrangeiro publicado em Itália em 2004” e o “Poeteka” na Albânia. Tem traduzido poesia de várias línguas, sobretudo do japonês, e está traduzido em vinte e cinco língua. http://casimirodebrito.no.sapo.pt Maria João FERNANDES, Crítica de arte (A.I.C.A. Associação Internacional de Críticos de Arte), ensaísta e poeta tem desenvolvido, há já mais de vinte anos, um diálogo com a obra de arte. Como professora universitária, dedicou-se ao
estudo da antropologia do imaginário, aplicada tanto à literatura, como às artes plásticas, duas expressões sempre presentes na sua reflexão e na sua escrita. O seu livro de poesia Dias de Seda - Jours de Soie, (2003), que inclui catorze originais de Júlio Resende, foi prefaciado por Robert Bréchon e Eugénio Lisboa. Prepara a publicação dos livros de poesia: Lettera Amorosa e Deusa da Transparência, ambos com prefácio de Robert Bréchon. Em 2010 foi proposta para o Prémio Pessoa, pela Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes, Emília Nadal, representando esta associação, e por Eduardo Lourenço. António CÂNDIDO FRANCO editou no final do século XX obras de Francisco Palma Dias, Paulo (Alexandre Esteves) Borges, Paulo Brito e Abreu e João Carlos Raposo Nunes. Projectou com o poeta Fernando Botto Semedo uma antilogia da “Finistérrica Geração”, que não se concretizou. Retomava no agora a actividade, e com gosto redobrado, se para tanto houvesse atenção e meios, com vistas a dar à luz a poesia de Donis de Frol Guilhade. Quanto aos livros que escreveu e escreve, não atribui ao acto em si, de escrever, mais importância, mas também não menos, do que ao acto de respirar (ao qual se pode e deve acrescentar todos os outros que lhe são vitais). Reconhece a verdade da verdade do Velho da Palhavã: a única estrada de fortuna é a vagabundagem social, moral e política. Maria Teresa DIAS FURTADO é Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Concluiu a Licenciatura em Filologia Germânica com uma tese sobre Paul Celan e doutorou-se em Literatura Alemã com uma dissertação sobre Hölderlin. Lecciona Literatura Alemã e Tradução Literária do Alemão. Tem publicado artigos da sua especialidade, bem como sobre Poesia Portuguesa Contemporânea. Deu à estampa várias traduções de algumas obras de Hölderlin e Rilke, acompanhadas de prefácios de sua
autoria. Publicou em 2002 um diálogo poético com António Ramos Rosa intitulado O Alvor do Mundo e, em 2007, a colectânea de poesia Livro de Ritmos. Rui Miguel FÉLIX. Professor freelancer na área das Ciências da Terra e da Vida, Ajudante de Veterinária, Actor profissional de Teatro e Projeccionista, tem vindo a desenvolver uma abordagem de cariz experimental no campo das artes visuais. Autodidacta nesta área específica de criação, explora ambientes virtuais e desenho digital, fotografia de instinto, fotografia documental e, em apoio panorâmico, composições fotográficas de grande formato. Também a Poesia e a Escrita livre são o que considera ser os grandes parceiros para o seu projecto, à descoberta da 'forma misteriosa que se estabelece e se revela sob a pele das formas visíveis'. http://www.banhosdecinza.blogspot.com http://www.behance.net/rmfelix José VALLE DE FIGUEIREDO. Nasceu em Tondela (1942), licenciado em História, publicou: As Cinco Regras do Equilíbrio (1959); A Poesia Animada (1969); Poemavra (1970); Antologia da Poesia Brasileira (org.) (1970); Gradual (1974); Portuguesimentos (1977); O Provedor de Vivos (1988); As Três Perfeições (2002); O Seu a Seu Poema (2006). É director do Centro de Estudos Tomaz Ribeiro (Tondela) e dos Cadernos de Cultura "Dom Jaime", órgão do CETR. Donis de FROL GUILHADE não existe. Ainda não nascera, e já não era: alguém não é, que alguém conheça. Ele, ninguém - o coisa nenhuma que algo seja no que se chame ele - nada anuncia e despede-se de tudo: por um tudo nada. Dum nada de que ninguém sabe tudo, nem nada. Ninguém verá, e a ninguém verá, quem de si não viu o que ninguém lhe veja. Há um ausir como de aceno de que n’alguém, que pode ter sido ou não, esteja em alguma qualquer parte, apenas porque assim é o que não é: sem já nem ainda – quando muito, nunca. O que
dele se leia, há-de tresler-se-lhe: para que, quando se nos lesse, tal qual se não leia. Quando pareça aparecer, tão-só se lhe vê uma brisa - que lhe afaga e esbofeteia quanto incontém - deixada antes de haver passado, e de passado haver fé assim. Não publica: força-se ao avesso – é disso que há rasto, onde haja havido anverso e um verso disso. É sempre des-terro do que não tem terra natal, nem afinal final. O futuro persegue-lhe a saudade, o passado há-de ser-lhe. O presente parece não ser-lhe, nem outra coisa qualquer. Quando nem se der alguém conta - que ninguém dará - será ido: que não veio. Sem agora que o haja ou que o valha. Para nunca: desde sempre. Qual nunca foi, jamais não será. Qual nunca veio, sempre nunca virá. Qual rocha, de vento e mar: por defeito e, outrossim, de feito. Qual de-functo: de frol será. Guilhade, guilha de: d’Onix, donis. O mais - que é (o) menos, se o haja - silêncio é. E mais não há d’O que seja. (H)ei-l’O: ali, ond’Eli, Uax’Allah. Om Iaô. Donis é tão-só nome de cego. De tanto (não) ver. E pede se lhe perdoe tão mudo falar. Dirk-Michael HENNRICH, nascido na Alemanha, é Mestre em Filosofia, tradutor e autor de artigos, ensaios, aforismos e poesia em alemão e português. Vive em Lisboa onde é doutorando em Filosofia na Universidade de Lisboa. Tem várias publicações em diários e revistas na Alemanha, Suíça, Portugal e Brasil. Manuela JUSTINO Nasceu em Castelo Novo/ Castelo Branco. Em 1975 licenciou-se em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Desde 1970 que se dedicou à investigação e prática de tapeçaria. Executou peças de grandes dimensões, quer por encomenda, quer na prática lectiva, uma das quais serviu, em 1981, de tema para o cartaz de divulgação da XII Conferência Permanente dos Ministros Europeus de Educação. Em 1970, iniciou a sua carreira de docente. Em 1987- 1988, esteve destacada no Ministério da Educação - Centro de Recursos do Ensino
Integrado, onde participou em projectos para crianças do ensino especial. Actualmente, é professora efectiva de Educação Visual, 3º Ciclo, na Escola Maria de Sá Carneiro. A sua carreira como artística plástica, no campo da tapeçaria, fotografia, desenho e pintura tem mais de 30 anos. http://manuelajustino.no.sapo.pt Agripina COSTA MARQUES (n. 1929), poetisa portuguesa, mulher do poeta António Ramos Rosa. Publicou: Rotações (em colaboração), 1991; O Centro Interno, idem, 1993; Ciclos, Instantes Permanência, 1993; Diário Intermitente, Fragmentos, 1996; Ciclos, Fragmentos, Idades, 1998, Sonhos, 2000; Participação na Antologia Os dias do Amor, 2009. Ana Paula COUTINHO MENDES. Nascida no Porto, em 1965, é Professora Associada no Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Românicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem publicados vários artigos em Portugal e no estrangeiro tanto sobre questões de literatura comparada como sobre poesia contemporânea. Sobre a Obra de António Ramos Rosa, além de estudos vários em revistas, publicou os seus livros: Antologia Poética de António Ramos Rosa, António Ramos Rosa – Mediação Crítica e Criação Poética; O Poeta na Rua – Antologia Portátil de António Ramos Rosa; Poesia do Século XX com António Ramos Rosa ao Fundo, FLUP-edita, 2005; António Ramos Rosa, Voz Consonante. Traduções de Poesia [Prefácio, organização e notas de Ana Paula Coutinho Mendes]. É também autora de uma Fotobiografia do poeta com título: António Ramos Rosa: Imagens do Caminho das Palavras e dos Afectos, 2005.
Tiago NENÉ (Tavira, 1982) é um poeta e tradutor de poesia português. Publicou em 2007 o livro Versos Nus (Magna) e em 2010 lançou Polishop. Está representado em numerosos jornais, revistas e antologias literárias. Criou a associação Linguagem de
Cálculo com o escritor Fernando Esteves Pinto, instituição que se dedica à produção cultural, nomeadamente a edição de livros. Licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, exerce advocacia no Algarve.
José MACHADO PAIS. Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Convidado do ISCTE/IUL. Foi Professor Visitante em várias universidades europeias e sul-americanas. Tem dirigido projectos internacionais europeus em vários domínios das Ciências Sociais. Coordenou o Observatório Permanente da Juventude Portuguesa e o Observatório das Actividades Culturais. Foi Director da revista Análise Social e da editora Imprensa de Ciências Sociais. Página Pessoal: http://www.jose-machado-pais.net
Luís Filipe PEREIRA. Licenciado em Literatura Francesa; Licenciado e Pós-Graduado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Pós-Graduado em Criações Literárias Contemporâneas; Mestre em Teoria da Literatura; em 2007 defendeu a dissertação de mestrado, na Universidade de Évora, com o título: A Invenção do Espaço em António Ramos Rosa. Para uma intra-ontologia poética da espacialidade em diálogo com Maurice Merleau-Ponty. Como escritor, tem colaborado (com poemas, contos, ensaios, recensões críticas) em variegadas publicações nacionais e estrangeiras; tem prefaciado e posfaciado obras literárias; em 2008, publicou o livro de poesia A Tela do Mundo. Fernando ESTEVES PINTO nasceu em Cascais em 1961. Colaborou no DN Jovem (Diário de Notícias) e no Jornal de Letras. Em 1990 recebeu o Prémio Inasset Revelação de Poesia do Centro Nacional de Cultura. Em 1998 obteve uma bolsa de criação literária pelo Ministério da Cultura/Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Livros publicados: Na Escrita e
no Rosto(poesia). Siete Planos Coreográficos (poesia). Ensaio Entre Portas (poesia). Conversas Terminais (romance). Sexo Entre Mentiras (romance). Privado (novela). Área Afectada (poesia). Brutal (romance). O Tempo que Falta (poesia). Luiz PIRES DOS REYS está convencido que é por uma infelicidade do acaso, ou por uma felicíssima coincidência, que existe rosto e rasto que de si persistam. Mais provável é não havê-los. Mas já que os há, apresenta-se de cabeça descoberta, olhar encoberto e de braços não caídos em si. Para não se apresentar desmazelado, apresenta-se sem mazelas /*/ Diz que estudou filosofia, até onde a suportou universitária, o que nós fazemos por acreditar; mas porque mais a encontrou, diz insistente e i-reverente, fora da escola e de certo escol, acabou alhures(um tanto distraidamente diga-se) urdindo apofasias, teologuismos e teologomenas de mais orientais – presume-se que mais orientadas –ortodoxias, o que serve igualmente para nada, como é mais do que demasiado evidente, mas, ainda assim, parece, não faz mal à saúde. Ainda bem. Mais vale a pena coisas inofensivas que se faz sem saber (porque, alfim, nada se sabe), do que ingenuamente fazer coisas que não valem nem a pena – ainda que se pense imaginar sabê-las. /*/ Após (um tanto esquecido de si) esquecíveis anos por outras (outramente laboriosas) paragens onde logrou dirigir, com marketing e tudo, um indigesto departamento numa multinacional de sujar papel para lixo publicitário, vê-se metido no embrulho deste assado de dar desígnio e design a uma exdrúxula revista com um nome agudamente grave. Bem feito! Para inteiro (des)tempero do caso, vai daí, o temerato director intima-o, incorrigível e plácido (como se ele se tratasse de um ser senciente de/da verdade), a aceitar conferir marca de alguma arte a cada página da dita. Que desdita, valha-nos Deus (que sabemos que não existe, mas Há)! /*/ Porque tem a mania que tem tisna judaica no sangue nalguma das guelras, e porque tem a certeza
de haver em si moura e moçárabe miscigenia, farta-se de chorar a rir com os desaguisos entre irmãos abraâmicos. /*/ Anda desconfiado de que, apesar de tudo, é cristão (se bem que ainda demande saber o que isso lá seja), mas também de que ainda há-de ser o budista que sempre se achou, para (como um que se preze) vir dizer-nos que sê-lo é o não de nãosê-lo. Fez o mesmo com aquilo da orto-doxia, e não se deu mal – nem bem, aliás. /*/ Como lhe pediram seis linhas, fez mais do quíntuplo – só para ser o maçador do costume. Por igual motivo, fez esta nota disparatada: quanto ele, estará boa, portanto! /*/ Querem fazê-lo acreditar que seja Donis de Frol Guilhade. Mas ele – que mais acredita no que se não pode sequer acreditar – mais crê que tal seja verdade por ser tão quase impossível. Vozes do sem-tempo dizem-no outrossim sacer-dotado, mas sabe ele que isso é coisa de que não há antes e depois de sê-lo: é-se de sempre, para nunca – o que assim o retira de tal suspeita, posto sabe ele sê-lo de nunca, para sempre nunca chegar a tal ser. Está, por fim, convencido de que o melhor é convencer-se de que é um humilde pretensioso, ao escrever uma nota desta extensão e jaez. Bem nos parecia! António RAMOS ROSA (Faro, 1924) viveu a sua juventude em Faro e radicou-se em Lisboa em 1962. Auto-didacta, o poeta foi professor e tradutor até se consagrar a tempo inteiro à poesia. A sua intensa actividade poética e crítica foi-se disseminando em projectos editoriais como as revistas de poesia Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia (de que foi co-director), bem como em diversos Jornais e revistas destacando-se os suplementos do DN, de A Capital, do JL e da Colóquio Letras. Distinguido com vários prémios literários nacionais e internacionais, o seu percurso e rigor poético foram reconhecidos com a atribuição do Prémio Pessoa em 1988, tendo-lhe sido ainda atribuídas as condecorações de Grande – Oficial da Ordem de Sant´iago de Espada e da Grã-Cruz da Ordem do Infante D.
Henrique, em 1984 e 1997, respectivamente. Em 2003 foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Algarve e em 2005 recebe o Prémio Sophia de Mello Breyner, pela Câmara Municipal de São João da Madeira. A partir de 1980, inicia uma nova expressão do traço, para lá da escrita, o desenho de rostos e outros desenhos não figurativos, contando já diversas exposições individuais em várias galerias do país. Gisela Maria Gracias RAMOS ROSA (Maputo, 1964). Licenciou-se em Relações Internacionais e é Mestre em Relações Interculturais. A sua tese com o título Olhar a Diferença - Percurso antropológico pelas margens sociais, centrou-se na análise dos discursos sociais presentes nas imagens de um filme português para grandes audiências. Tem um livro publicado em conjunto com António Ramos Rosa - Vasos Comunicantes (diálogo poético) de 2006, e tem colaborado com poemas em várias antologias e revistas de poesia. É Perita em Documentos no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, em Lisboa. João RAPOSO (João Carlos Raposo Nunes) nasceu em Lisboa em 1958. Livreiro e alfarrabista. Publicou: Todo o Voo (que termina) Neste Corpo,1976; É Esta a Nossa Onda Gigante, 1977; 30 Haiku, 1977; O Rolar da Pedra, 1980; Flores Dispersas, 1986; Enviado ao Abandono, 1988 e Bulbul − Cânticos Arrábidos, 1990. A sua livraria, a Uni-Verso, em Setúbal, foi palco de memoráveis tertúlias poéticas, nas tardes de sábado. Dirigiu a página “Arca do Verbo” no jornal O Setubalense, que foi uma nova lufada de ar fresco na cultura da cidade sadina, durante vários anos. Foi deixando de publicar: não se sabe (ele também não) se deixou de escrever. Bruno Miguel RESENDE. 1981, escritor, dramaturgo, desenhador gráfico, co-fundador com Fátima Vale dos “Spabilados Teatro Hedonista”. Bibliografia: subterfúgios, khaos poeticum, esquilia divinorum,
descravidades. Digiografia: transmorphosys, porticulares, abysmo humano, revolta das palavras, molduríade, entre vês, varzea divinorum. Dramaturgia: elogios da embriaguez. http://www.spabilados.net
Gonçalo SALVADO nasceu em 1967, em Lisboa. Licenciado em Filosofia, tem vindo a afirmar-se como um poeta exclusivo do amor. Publicou os seguintes livros de poesia: Quando (1996), Embriaguez (2001), Iridescências (2002), Duplo Esplendor (2008), Entre a Vinha (2010) e Corpo Todo (2010). Como antologiador publicou a transcriação: Camões Amor Somente (1999) e foi co-autor, com Maria João Fernandes, de Cerejas - Poemas de Amor de Autores Portugueses Contemporâneos (2004) e de Tarde Azul - Poemas de Amor de Saúl Dias Desenhos de Julio (2008).
Carlos H. do Carmo SILVA, formação em Filosofia, Professor Associado da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa - Lisboa, tendo dado colaboração em outras Universidades, autor de numerosos estudos em áreas de Ontologia e Filosofia da Linguagem, também da Filosofia da Cultura, da Religião e da Mística.
João Pedro SILVA. Comissário da Exposição Rostos da Escrita, organizada no Instituto de Ciências Sociais, em Lisboa (Junho 2011). Nasceu em Lisboa, em 1977. Desenvolve uma actividade profissional que passa pela Arquitectura, Escultura e Design. Licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa. Vive a trabalha em Lisboa.joao-pedro-silva.blogspot.com João Rui DE SOUSA. Nasceu em Lisboa em 1928 e licenciou-se em Ciências Históricas e Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Co-dirigiu a revista Cassiopeia (1955), onde fez a sua estreia literária. Com colaboração poética, ensaística ou de crítica de poesia dispersa por jornais, revistas e volumes colectivos, estreou-se em livro em 1960. Integrou
vários júris literários, tendo apresentado livros de poesia de diversos autores, por vezes sob forma prefacial, tendo tido também responsabilidade na organização e apresentação de alguns volumes, entre os quais Fotobiografia de Fernando Pessoa (Biblioteca Nacional e Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988), com prefácio de Eduardo Lourenço, e, com colaboração de Luís Amaro, Poesias Completas de Adolfo Casais Monteiro (Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1993). Publicou as seguintes obras: Poesia – Circulação, 1960; A Hipérbole na Cidade, 1960; A Habitação dos Dias, 1962; Meditação em Samos, 1970; Corpo Terrestre, 1972; O Fogo Repartido (poesia reunida, com o inédito Respirar pela Água); Palavra Azul e Quando, 1991; Enquanto a Noite, a Folhagem, 1991; Sonetos de Cogitação e Êxtase, 1994; Obstinação do Corpo, 1996; Ensaio – Fernando Pessoa – Empregado de Escritório, 1985; Este Rio de Quatro Afluentes, 1988; António Ramos Rosa ou o Diálogo com o Universo, 1998. Estando incluído em
inúmeras antologias, reuniu a sua Obra Poética em 2002, à qual foram atribuídos os prémios da Associação Portuguesa de Críticos Literários e do Pen Clube Português. A um seu livro de poesia posterior, Quarteto para as próximas Chuvas (2008) foram atribuídos os prémios Teixeira de Pascoaes (CMA) e António Ramos Rosa (CMF). Fátima VALE. 1975, escritora, encenadora, actriz, co-fundadora com Bruno Miguel Resende dos “Spabilados Teatro Hedonista”. Bibliografia: azimute. Encenações: elogios da embriaguez; sexo, sim obrigado, carmen, a pequena notável; auto do curandeiro, etc. Actriz: milena de praga, teatro cómico, bodas de sangue, burguês fidalgo, elogios da embriaguez, frei luís de sousa, pranto de maria parda, etc. http://www.spabilados.net
É urgente inventar a simplicidade extrema de uma palavra viva e nua,
a palavra do silêncio. *
Não sentia necessidade de escrever. A [...]preocupação essencial era manter na presença a esfera do silêncio.
*
Às vagas de silêncio sucediam-se as vagas de silêncio e o corpo abria-se a si mesmo
abrindo-se ao mundo e abrindo o mundo.
António Ramos Rosa