Opoeta!apreende?se!atravésdascoisas !...

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1 1 A grande revolução não será feita pelas palavras […] mas quando o silêncio impregnar as palavras para que nelas transpareça o que está além das palavras. ∗∗∗ O poeta apreendese através das coisas e atingeas através de si mesmo. António Ramos Rosa

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 A   grande   revolução   não   será   feita   pelas  palavras   […]   mas   quando   o   silêncio  impregnar   as   palavras   para   que   nelas  transpareça  o  que  está  além  das  palavras.  

∗∗∗

O  poeta  apreende-­‐se  através  das  coisas    e  atinge-­‐as  através  de  si  mesmo.  

 António  Ramos  Rosa  

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ficha técnica/.|  

direcção Paulo Borges

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direcção de arte Luiz Pires dos Reys

design gráfico Xénia Pereira Reys

comunicação e imagem Isabel Metello

tradução, transcrição e revisão de texto José Eduardo Reis Luiz Pires dos Reys Gisela Ramos Rosa

impressão

Multitipo – Artes Gráficas, Lda. propriedade

Paulo Borges tiragem

1000 exemplares

ISSN 1647-6697

depósito legal

309912/10

edição Âncora Editora

Avenida Infante Santo 52 - 3º esq. 1350-179 Lisboa tel+ 351 213 951 223 fax + 351 213 951 222 e-mail [email protected] web http://www.ancora-editora.pt

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nem  tanta    sophia|\|  nem  tanta    philia:    

poesia    

e d i t o r i a l 1

É o quatro o número da completude material na realização.

Nele se consuma a unidade na diversidade, quer mediante a tripla adição sucessiva daquela, quer pela soma da dualidade à dualidade, quer pela adição da unidade à tríade. É pois o número da estabilização no âmbito e curso da acção, no variegado campo de activação das linhas de qualquer propósito: entre o projecto e o progredir da sua consecução.

Conseguir, de que provém o haver consecução, é implicitamente com-seguir, seguir pois um intento com o propósito de algum fim ou fins em vista, ou além da vista que sejam.

Chegados pois que somos ao número 4 da revista Cultura Entre Culturas, cabe dizer que, como sempre em tudo o que verdadeiramente importa, o realizado, ainda que imensa e enormemente além do previsível de lograr-se ao início, desafia-nos ainda e sempre ao prosseguir Entre. Mais do que nunca, para sempre. Isto é, como nunca, mais do que sempre.

Dedica-se, neste número, uma especialíssima atenção a António Ramos Rosa, nome maior da nossa poesia, certamente o seu maior vulto vivo.

É o poeta de Voz Inicial voz sapiente que almeja ao silêncio. Como ele mesmo o diz: “temos de destruir a linguagem, tudo o que na linguagem se interpõe entre nós e o real, para que só a visão nua do silêncio ilumine a realidade”2.

A poesia de António Ramos Rosa é, na verdade, o grito claro de tal continuado, laborioso e persistente propósito, na demanda do que confere plenitude à “boca [sempre] incompleta”.

Na verdade, só mediante o “incêndio dos aspectos” que nas coisas nos limitam e aprisionam, é possível a “construção do corpo” verdadeiro, do corpo “perfeitamente abandonado”, “aberto à divindade”, visto que, como o poeta há muito nos diz, “o divino é o absolutamente natural”.

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Remanesce permanentemente a isto o poeta e o homem António Ramos Rosa, não n’ “as aparências, mas [no] aparecer da realidade”: ali onde precisamente nasce o poeta, o verdadeiro homem e o homem verdadeiro, qual Ramos Rosa os é, a um e a outro, um no outro, um do outro. Isto, na vacuidade que, como ele insistente garante, é a própria “condição inicial da [...] liberdade”, nesse “espaço vazio”, “esse não lugar”, que permite “que o sentido seja encontrado”, no “espaço em que todos os sentidos flutuam e em que o silêncio vibra na imanência de todos os nomes”.

Tal silêncio, e a sua nomeação, como que muda e cega, e tão interminamente impossível de alcançar quanto o mais sublime dos horizontes, constituem a fonte, a voz e a foz da poesia de António Ramos Rosa.

Deixa-se aqui expressa a mais profunda gratidão ao Poeta, por ter-nos permitido aceder ao seu espaço de intimidade, à sua obra (escrita e desenhada) mais recente e inédita, ao seu olhar de tão oceânica vastidão, ao toque especialíssimo de suas mãos de afecto, ao sorriso de sábio ancião-menino que desde logo desarma e desaba todo o cuidado espúrio e toda a insensata razão e seu pretenso enraizar de fundamentos.

António Ramos Rosa é, para além de um poeta sábio, um sábio que é poeta. Nem sempre as duas coisas vão a par e, menos ainda, estão indestrinçáveis como nele estão. Mas quando o estão, a presença de um tal ser, indelével que se nos mostra, e silenciosamente inesquecível, é outrossim serena sementeira de fertilidade para a vida, para toda a vida: “marcas no deserto”, “sobre o rosto da terra”, de quem haja o privilégio de lê-lo, seja nas palavras da sua poesia, seja na poesia do seu silêncio. A ele, aqui, a gratidão sem nome.

A Agripina Costa Marques, companheira de vida do Poeta – poeta da sombra das coisas e poeta porventura na sombra, e da abdicação de sê-lo –, o profundo agradecimento pela sábia disponibilidade e sempre tão cordial hospitalidade com que nos acolheu e acolhe, tanto quanto pelo denodado, persistente e tão difícil silêncio de veladora.

Conviver com um ser da estatura de António Ramos Rosa é tudo menos tarefa fácil. É certamente um privilégio, mas porventura um privilégio ingrato, sobretudo quando quem com ele convive é um ser da dimensão e profundeza de Agripina. Disso sabia por certo René Char quando escreveu: “Dans nos ténèbres, il n’y a une place pour la Beauté. Toute la place est pour la Beauté.” Eis o retrato de Agripina. O nosso bem haja pois, por tudo sobretudo que nas palavras não cabe nunca, nem mora jamais3.

Por fim, aos íntimos e amigos do Poeta, de sempre e de hoje ainda, que não quiseram faltar a este encontro “à mesa do vento”, o nosso bem hajam, por aqui estarem. A iluminação da palavra de Ramos Rosa brilha em cada uma das vossas palavras, como um eco do “inexprimível [que, como ele nos diz] não existiria sem a linguagem”. Precioso, pois, o olhar nos vossos “olhos de silêncio”, que aqui haveis trazido.

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Mediadores da palavra de António Ramos Rosa somo-lo certamente nós todos que o lemos e amamos, mas sobremaneira são todos aqueles que, além da palavra, lhe têm escutado o cultivo daquele silêncio, de tão sublime cumplicidade, onde floresce o melhor da amizade e do amor.

O Poeta está vivo e escreve sol: e nós, para sempre, vivos na sua palavra.  

Paulo Borges Luiz Pires dos Reys

 

                                                                                                                                                     

1 A Gisela Ramos Rosa, sobrinha do Poeta, também ela poeta, o agradecimento pelo entusiasmo com que desde logo abraçou, mediou e contribuiu para este projecto da Entre. Dela são (salvo explícita menção em contrário, e a óbvia exclusão das fotografias de família mais antigas), as fotografias do poeta, do ambiente em que vive, dos objectos que toca e usa. Para ela pois o nosso afecto, em gratidão por tal serviço ao poeta e à Cultura.

2 São todas as citações deste editorial, ou extraídas da obra de António Ramos Rosa Prosas Seguidas de Diálogos (Faro, 4Águas Editora, 2011), ou são títulos de obras suas, que aqui se convocou como esteio das presentes palavras.

N.B. Seja-nos permitido, em lateral rodapé, exprimir aqui pública ainda que desatempadamente, a Cláudia Souza e a Nuno Ribeiro, a gratidão imensa pelo acesso concedido a material muito específico dentre o espólio pessoano (cuja equipa de investigação de forma tão brilhante ambos integram), e que inestimavelmente enriqueceu o nº 3 da Entre, dedicado a Fernando Pessoa, como é sabido. O nosso bem hajam.

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philo|.|:  sophia  

_________________________________  sophemas  

   

As  coisas  só  na  aparência  têm  limites  e  cada  uma  é  uma  rede  inextricável  e  silenciosamente  vertiginosa  António  Ramos  Rosa    *    A  linguagem,  se  presentifica  os  seres  e  os  objectos    do  sujeito  e  do  real,  torna-­‐os  presentes  na  sua  ausência.    *    O  que  não  pode  ser  dito  é  uma  sede  submersa    que  desejaria  beber  o  horizonte  do  mundo.    *  

 A  tua  virtualidade  pode  actualizar-­‐se    na  matéria  sensível  do  mundo  e  revelar    a  integridade  inexprimível  do  Instante.    António  Ramos  Rosa  

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dirk-­‐michael  hennrich  

alguns  aforismos  sobre  filosofia  e  poesia    (em  homenagem  a  José  Marinho)  

A filosofia especulativa só pode ser poetomórfica, como escreve José Marinho. A sua Teoria do Ser e da Verdade é uma ascensão ao píncaro, de que fala Teixeira de Pascoais no primeiro aforismo do seu Verbo Escuro, para contar aos outros a paisagem contemplada. Esta paisagem não é fictícia nem real. É uma paisagem que se consolida através duma nova linguagem. O pensador e o poeta são visionários e os seus olhos estão nas pontas das suas línguas. Imagine-os como uma espécie de serpente. Anfíbios com uma linguagem bifurcada, poesia e filosofia, a procura do regresso ao Paraíso. Quando a filosofia enfrenta as festas nocturnas e dionisíacas onde a lua aparece como o verdadeiro sol e como uma sombra branca, nasce o pensamento poetomórfico. Aí todos já sabem o fim do herói – rasgado e devorado pelos Titãs. A filosofia que espanta toca o véu da verdade com dedos poéticos. Não é que os filósofos desprezem a poesia ou os poetas, como dizem de Platão e Wittgenstein, mas contestam um certo lirismo sentimental e nebuloso cujas imagens não atingem o sentido do enigma. O Eros vigia bem a sua amada. A fala sobre a verdade despida, a nuda veritas, só pode ser uma invenção de um chulo – ou de um positivista sem nenhum sentido poético. O aforismo é uma corda entre a poesia e a filosofia – e só um tolo ou um funâmbulo sabe manter a balança. A poesia apenas sussurra a verdade. Apenas sibila. Sibilina como ela é. A filosofia enquanto busca da verdade absoluta retoma o caminho da linguagem não meramente de forma poética, mas sobretudo meditativa. Toda a filosofia sistemática ou aparentemente não-sistemática, que pretende atingir uma verdade ou, o que é a mesma coisa, a demonstração da impossibilidade da verdade, parece uma Mantra: um poema repetitivo, uma insistência que alguns poderiam chamar estilo e que é nada menos do que uma profunda meditação.

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Poesia e filosofia emergem do mesmo sentido pelo inefável, o enigma e o mistério, o lado sombrio da coisas. José Marinho e Teixeira de Pascoais não são apenas o único exemplo. Enquanto a ciência rasga o véu das coisas, a filosofia apenas lhe toca para sentir as suas formas sinuosas. A diferença é o valor erótico da poesia e da filosofia – e Diotima é a amante de ambos os géneros. O Eros não tira o vestido das aparências. Ele apenas envia o vento leve do verão e as pétalas tombam sozinhas. O poético é considerado como fictício, fantástico, imaginário, sentimental, alheio à verdade factícia, do dado bruto, da realidade – enfim tudo aquilo que é um alimento da liberdade. Entre caminhos e linguagens alvorece o lar da consciência, o lugar da dor que se estende entre a remota partida e futura chegada, a demora em que a carne envelhece e o desejo cresce como uma flor vermelha num campo de batalha: espelho do sangue perdido, verde olhar da esperança, um perfume espalhado no vento que vem depressa sem regresso ao paraíso. Tempestades e relâmpagos numa noite infinita. E a luz pálida do luar na testa do caminhante. O conceito da utilidade infectou a humanidade e a filosofia, que não é aplicável à banalidade do dia-a-dia, é considerada inútil. Daí o falso conceito da filosofia em geral, a convicção que a filosofia é uma ciência, dando respostas validas para fenómenos do quotidiano, tornando-a numa espécie de consultório para todas as doenças e perversidades civilizacionais do homem moderno, pretendendo-o útil e funcional. Mas afinal a filosofia e a poesia não são ciências. A consciência da plena inutilidade do homem será o seu primeiro e último remédio. A filosofia e a poesia são festas à beira da cratera de um vulcão – e Empédocles é o nosso ídolo.

           

 Desenho  de  

António  Ramos  Rosa  

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                                 paulo  borges            

grãos  de  areia    

Em português e castelhano “ser” vem do latino “sedere”, estar sentado, residir, ficar tranquilo, pousar. “Ser” vem de “sedere”, “estar” de “stare”: estar de pé, que também significa estar a favor de ou contra alguém. Intimamente sentados somos, repousando na sede, no centro, sem qualquer sede ou estado/levantamento mental de adesão ou rejeição. Assim nos contemplamos inseparáveis de tudo e de todos. E assim podemos erguer-nos, estar de pé, numa acção não dualista, para o bem de tudo e de todos, sem preferências nem exclusões. E entre o sentar e o levantar, o ser e o estar, não somos nem estamos: por isso podemos ser e estar, sentar e levantar, ser-estar, sentar-levantar. Não há entes, apenas entres. A filosofia pretende compreender o mundo ou mostrá-lo incompreensível, a poesia (re)cria-o e celebra-o, a meditação suspende-o. Exerce-as simultaneamente. Porque agarra tão tenazmente o recém-nascido o dedo que lhe estendem? Porque agarra o moribundo intensamente a mão que lhe dão? E porque, entre o nascimento e a morte, não cessamos de nos agarrar avidamente a tudo, desde a chucha a essas outras chuchas que são brinquedos, telemóveis, computadores, televisões, pessoas, casas, carros, carreiras, poder, prestígio, riqueza, dor, prazer, ideias, emoções, drogas, medicamentos, comida, tabaco, álcool, experiências sensoriais, intelectuais ou espirituais? Porque vivemos e morremos agarrados? Porque vivemos e morremos agarrados à própria ideia de viver e morrer? Há crise de identidade ou a identidade é (a) crise? A morte é o despertar do sonho de estar vivo. Mas dá-se quase sempre uma recaída. A ocupação com a identidade é uma preocupação com a diferença. O silêncio cala a palavra. Rara e preciosa a que o faz falar. Se a meta é o ponto de partida, todo o caminho é desvio e obstáculo, incluindo o conceber meta e ponto de partida.

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O chamado homem é o modo de consciência que está no cume, no centro e no fundo de reconhecer que não há cume, centro ou fundo algum e que tudo é igualmente sagrado e infinito. Para onde quer que olhes, neste preciso instante, concentra-te e absorve-te aí, até te fundires. Nesse ponto está todo o universo, todos os seres e tu mesmo, sem que lá esteja coisa alguma. Neste preciso instante se cumpre toda a tua vida. Põe-te no lugar de todos. Existir é estar preparado para tudo. O círculo desenha-se no apagar-se. Obscura a palavra, claro o indizível. Escreve de modo a que cada palavra se absorva e esplenda no luminoso vazio da página e do mundo. Na infinita generosidade do real, o essencial é sempre o mais íntimo, simples e disponível. Só a distracção do desejo o fantasia alheio, complicado e remoto. Respiramos a cada instante no coração de todas as coisas. Haver realidade é o escândalo que a razão jamais poderá abafar. Somos como uma ampulheta, feita apenas de grãos de areia. Cada instante que passa, cada pensamento que flui, é um grão de areia que desce pela fenda estreita da consciência. Quando passar o que imaginamos ser o último, viveremos isso a que chamamos morte e a ampulheta dissolver-se-á para reaparecer voltada ao contrário e com outra forma, continuando o seu fluxo descendente. Cada grão que passa confere a sua qualidade a todos os outros e molda a ampulheta. Tudo o mais deixamos para trás. Cuidemos pois da passagem de cada grão de areia. Mas sobretudo vejamos que na garganta estreita da consciência a ampulheta afinal se abre no espaço sem dimensões nem ampulhetas e que os grãos de areia - se não lhes juntarmos os grãos de areia de lhes conferirmos realidade, qualidades e importância, de nos identificarmos com eles ou de concebermos haver quem com eles se identifique - , nele se dissipam como bolas de sabão. Então compreenderemos que a verdade desta alegoria é a sua falsidade e seremos livres da própria ideia de sermos e de liberdade. Aí, sem nada disso termos por real, também veremos que cada grão de areia é outra ampulheta com infinitos grãos de areia que são outras ampulhetas com infinitos grãos de areia que são outras ampulhetas com infinitos grãos de areia que são....... bolas de sabão, sorrisos absoltos no imenso. Escrevemos para que mais esplenda o branco do ser e da página. Escrevemos para que mais se desnude o sem porquê nem para quê. A poesia e a filosofia são duas tentativas de calar o silêncio, tanto mais frustradas quanto mais conseguidas.

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Reduzir-se ao mínimo é descobrir-se (a)o máximo. O nosso íntimo é o unimultiverso. O único ismo com profundidade é o sismo/abismo. A linguagem está na origem de toda a perda e falta de comunicação. Um dia olhas ao espelho e vês o unimultiverso. Esse dia conclui a história do mundo. A tua história. Um dia olhas ao espelho e vês que não há espelho, que tudo é imediato. O agressor e a vítima indistinguem-se na Presença/Ausência que lhes é comum, mas o atacar de um e o defender-se de outro velam-lhes isso. E assim o agressor se torna vítima e a vítima agressor. A tragicómica história do mundo. A nossa história. Ver-se vítima é ser agressor. Contempla o espaço infinito: espelho menos infiel do que és. Em torno de uma mente imóvel rodopia o inteiro unimultiverso. No espaço infinito dissipam-se imobilidade e movimento, mente e unimultiverso.

O teu verdadeiro nome

Neste preciso instante, infinitos fluxos de ser/consciência cruzam o espaço em todas as direcções, com todo o tipo de formas, sensações, percepções e volições distintas, mas inseparavelmente entrelaçados e constituídos pela mesma matéria e energia, em constante metamorfose e em diferentes níveis de manifestação do mesmo espaço insubstancial. Consciente ou inconscientemente, tudo o que fazem visa o bem-estar/felicidade e evitar o sofrimento. Todavia, ao procurarem isto, praticam todo o tipo de acções - mentais, verbais e físicas - e estabelecem entre si todas as interacções possíveis: amam-se, ignoram-se, odeiam-se, protegem-se e destroem-se, temem-se, defendem-se, atacam-se, abraçam-se, oprimem-se, exploram-se, devoram-se... E assim vivem e morrem, sempre os mesmos e sempre outros, mudando e trocando constantemente de formas, lugares e funções, pois tudo o que aos outros fazem a si o fazem: quem oprime é oprimido, quem agride é agredido, quem devora é devorado, quem protege é protegido, quem alimenta é alimentado, quem ama é amado. Assim rodopia o mundo no turbilhão da ignorância de se crer haver seres separados, do desejo ávido e do ódio, na vertigem do medo e da esperança ilusória de se ser feliz a sós e fazendo sofrer.

Mas esse turbilhão febril pode parar. Na sua contemplação. Nisto que agora mesmo acontece. Nesta visão que surge. O seu nome é sabedoria e tem uma manifestação natural: amor-compaixão.

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Com sabedoria-amor-compaixão podes estar no mundo sem ser arrastado pelo seu turbilhão. Podes estar no mundo como um médico: livre do sofrimento, mas não indiferente a ele e capaz de o atenuar e suprimir. Partilhando esta visão, sem nada esperar em troca. Levando outros a parar e ver. E a amar tudo o que vêem.

É só a partir daqui que surge espontaneamente uma acção libertadora, para ti e para os outros, inseparáveis de ti. Para o bem de tudo e de todos.

É só a partir daqui que a Vida para ti começa. A esta Vida és chamado. Pois Ela é o teu verdadeiro nome.

Desenho  de  António  Ramos  Rosa

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fátima  valverde  

ministério  da  estética:  para  uma  consciência  social  do  belo  

Intróito

Tentarei sintetizar neste abreviado artigo, algumas medidas pertinentes que preconizam melhorias abrangentes da qualidade de vida dos cidadãos, e não restritas e afuniladas, para uma convivência consciente com o Belo, uma das manifestações essenciais de harmonias e equilíbrios vários, a integrar em áreas só aparentemente distintas e distantes.

Começo por apresentar alguns aspectos polémicos num apelo ao comentário e à exortação do Belo nas nossas vidas colectivas, o que se reflectirá beneficamente, em meu entender, nas vidas particulares.

Numa sociedade em que politicamente se propaga e alastra o pânico da crise, abordada exclusivamente sob a vertente económica (real, claro, mas não independente de outros factores que deveriam ser também realçados), e se protagonizam corrupções, desfalques e gastos supérfluos distribuídos por vários ministérios, pode parecer inconsistente, inconsciente e mesmo incongruente, propor mais um ministério. Alerto, sobretudo para a facilidade que este encerra de congregar várias tarefas e medidas num mesmo objectivo, o que exige opções validadas previamente, quer nas decisões quer nas actuações como mais-valia para evitar despotismos.

Num milénio avançado da história da humanidade é necessário, aceite e justo recorrer a bancos alimentares para salvaguardar a sobrevivência dos mais carentes, porque parecerá pedantismo e petulância criar um manifesto para reavivar o Belo? Se assim for, salve-se a utopia para reformar a democracia … Aliás, com a execução do feio degradado já existe quem se (pre)ocupe.

Num tempo em que, nacional e mundialmente, se assiste a diferentes vertentes de crises, rupturas e dissoluções variegadas, pode parecer superficial, leviano até, falar-se de Estética e do que vulgarmente lhe está associado: categorias inerentes a aspectos físicos, a artificialidades concebidas para o prolongamento obcecado da juventude ou a materialidades vãs de quem não tem dificuldades económicas ou criou dívidas por isso mesmo. Em suma, o Belo reduzido ao excremento do Luxo. Como veremos, não é disso que se trata, mas sim de desfazer a associação automática da díade Belo-Luxo para desenvolver e aplicar o elemento luminoso que ambos intrinsecamente contêm.

A necessidade duma visão estética aplicada ao quotidiano

A palavra «estética» surge no séc. XVIII com Baumgarten para expressar uma teoria da sensibilidade de acordo com a sua etimologia do grego aisthesis, assumindo no século seguinte uma autonomia própria em termos de teorização, tendo sofrido alterações aos longos dos séculos acompanhando as mentalidades vigentes.

Esta reflexão desvia-se, contudo, duma perspectiva cronológica para adoptar a via do reconhecimento da necessidade de Beleza como um aspecto relevante na evolução da consciência humana no quotidiano exterior e interior, uma vez que sentimentos de alegria e de bem-estar lhe estão intrinsecamente associados. Os exemplos que o confirmam atravessam a História de todas as culturas e civilizações. Não se trata, pois, de estabelecer a

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distinção básica entre «belo» e «feio», um dos fundamentos da definição de Arte, duas faces aceites como vectores estruturantes e (de)limitativos, nem tampouco de evocar «o «culto do feio», apontado no princípio do passado século por Ezra Pound ou a existência duma «Estética do Feio», anotada por Karl Rosenkranz no século XIX, cujo intuito é escapar a estereótipos integrados nas conhecidas designações de «clássico, romântico, moderno, kitsch, camp, vintage». Podemos ler também a obra de Umberto Eco sobre o Feio, que muito ensina e leva a reflectir sobre padrões canonizados e respectivos desvios igualmente canónicos.

Os textos de autores antigos e contemporâneos de referência que se ocupam do assunto são, indiscutivelmente variegados; ler e reler os clássicos para recuperar valores de harmonização, reconhecer uma evolução estética que rompeu padrões rígidos em prol duma expansão criativa livre será sempre útil e necessário, mas por agora dispensável, uma vez que a questão foge de quaisquer distinções ou promoções em torno de conceitos mais ou menos estereotipados.

Dois séculos idos, há que contribuir, de algum modo, para a sensibilização estética das consciências e vencer torpores enegrecidos que se têm vindo a instalar, vivamente manifestos na fealdade de lugares, paisagens e atitudes, como se tal fosse uma consequência aceitável da evolução humana, logo, de fácil assimilação individual e de sustento colectivo garantido. Sendo irrelevante historiar, defender ou condenar as rupturas estéticas, a recorrência à caricatura, a tradições imitadas, adaptadas, renovadas, vanguardistas ou outras orientações face à contemporaneidade em que o propósito de discutir gostos, estilos e pormenores é substituído pelo meu contributo de propor a formação dum Ministério da Estética como órgão central de outros ministérios subjacentes, tendo como eixos articulatórios fundamentais a Educação, a Cultura e a Saúde para um desenvolvimento da consciência através da fomentação da atitude criativa e da participação voluntária.

Considero um benefício as interacções articuladas em detrimento das relações unívocas em prol duma sanidade ambiental que seja o espelho dos indivíduos e contribua ao mesmo tempo para educar, desenvolver e manter. Um meio será o fundamentar a sensibilização das consciências, de modo a permitir a expressão individual de potencialidades criativas, subtilmente submergidas pelo caos opressor duma desordem em permanente renovação, o que irá precaver e apaziguar alguns malefícios dela advindos.

A linha principal basear-se-á na implementação do Belo, ao invés da instigação de lutas contra o Feio, pois, parece-me mais pertinente perguntar o que não mudou em vez de continuarmos a tecer indagações e debates em torno do mesmo eixo, ou seja, o que mudou para justificar os erros pelas mudanças, continuando a permitir que as situações se repitam. É urgente que se recicle a própria noção de reciclagem e nesta se inclua uma componente estética que toca outros domínios além dos habituais, mais especificamente o das ideias e dos sentidos, entre outros, com a finalidade de contribuir adequadamente para um sentido estético, pois interessa proporcionar aos cidadãos uma qualidade de vida assente na mais-valia de contactos harmonizadores para uma vida centrada na qualidade. Assim, a díade platónica Belo-Bem convergirá num ponto comum adaptável e necessário em todos os tempos: o favorecimento duma sensibilidade educada livre e conscientemente, despertando o ser humano para a importância de manter os sentidos libertos dos vários lixos, progressivamente acumulados e permanentemente tóxicos.

Ideologicamente, não defendo a divisão governamental em ministérios. Todavia, perante a reconhecida dificuldade de mudar estruturas sem mudar mentalidades, urge encontrar uma solução que escape à utopia, com possibilidades de efectivação. Aproveitando o critério duma sociedade subdividida, parece-me exequível incrementar estratégias eficazes a partir daquilo que existe e retirar do conceito de «Ministério» aquilo que ele contém de valorativo, sumariamente, a focalização num assunto específico, a distribuição de responsabilidades e a regulação actualizada de tarefas como deixei entrever no Intróito deste artigo.

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A grande finalidade será conceder o acesso à preservação e à autonomização do zelo estético, proporcionando práticas de enraizamento ético e estético. O Ministério da Estética é um passo na aprendizagem da interiorização de valores fulcrais, uma forma de autonomia da visibilidade do Belo, uma via concreta para diminuir a sobrecarga pardacenta incrustada nas nossas vidas sempre que somos obrigados a contactar com o exterior das nossas casas. Estarão presentes atitudes fulcrais tais como a confiança, o respeito e o civismo em alternativa ao medo, ao abuso e à incúria.

Apesar dos nós frágeis das visões ministeriais oriundos na sua própria departamentalização, conceda-se-lhes o benefício da possibilidade duma organização operacional de medidas úteis actuantes na realidade quotidiana, de modo a instalar não o perfeccionismo redutor e ditatorial, mas, pelo contrário, incrementar através da prática uma consciência estética, contribuindo para sensibilizar os cidadãos para a importância de educar esteticamente. A orientação ministerial pode significar algo mais do que a disseminação de responsabilidades e o embargo de medidas práticas, contendo a possibilidade exequível da congregação diligente entre princípios estéticos e éticos, fomentadores duma actuação harmonizadora de ambientes.

Quem seguir este caminho facilmente encontrará um paradigma de subdivisões que tenderá para a criação de pequenas, médias ou grandes congregações ministeriais. Entre elas poderíamos encontrar um eventual Ministério das Artes Lúdicas e Terapêuticas, responsável pela planificação de estruturas e actividades que ajudassem a vencer desistências, negruras e queixumes, equacionando as três áreas atrás referidas, a Educação, a Cultura e a Saúde. Este exemplo não pretende anular a seriedade do assunto central. Pelo contrário, reconhece nele uma fonte para novas inspirações.

Fundamentos gerais para um Ministério da Estética

Sem entrar em considerações de ordem teórica e abdicando dum aparelho bibliográfico adjuvante, proponho, por agora, algumas considerações, agrupadas sinteticamente, para uma clarificação de objectivos essenciais e respectivas medidas coordenadoras, nos quais assentaria uma prática consciente e vigilante sem ser censória, assente em seis objectivos gerais e respectivas medidas, de modo a instruir e a desenvolver sensibilidades estéticas:

1.definir estratégias flexíveis e adequadas aos seres, espaços e circunstâncias que libertem os espíritos do desacerto ambiental e os incentivem a cuidar do mundo com uma liberdade responsável e a (re)estabelecer equilíbrios estéticos e sensoriais;

2.actualizar permanentemente estratégias de prevenção, impeditivas dos habituais corrupios poluidores através da propagação duma Ecologia Prática e Espiritual que defenda, divulgue e aplique critérios essenciais de respeito pela Natureza e pelo Ser Humano;

3.responsabilizar os cidadãos através duma educação estética fundada em aprendizagens práticas de hábitos e atitudes que os ajude a abandonar padrões estratificados e fortalecidos por teorias e práticas cinzentas;

4.proteger o meio circundante, desenvolver acções de interacção estética que eduquem progressivamente os cidadãos para a interiorização da importância da expressão equilibrada e harmoniosa nas estruturas arquitectónicas, decorativas, civis e outras;

5.consciencializar os vários grupos de cidadãos da importância da ordem, da harmonia e da beleza especificamente nas suas vidas profissionais e comunitárias para uma sociedade esteticamente aprazível, atribuindo a respectiva relevância para a Saúde individual e de grupo;

6.relacionar áreas fulcrais para o bem-estar (Higiene, Nutrição, Cuidados de Saúde, Desporto, Linguagens, Expressões Criativa, Espiritualidades), integrando uma visão filosófica e

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estética para uma melhor qualidade de vida pessoal e colectiva, numa recusa progressiva face aos desequilíbrios ambientais de todo o tipo e numa melhoria estética dos ambientes1;

Tais fundamentos, a ordenar em torno de princípios, atitudes e actividades diversificadas, estariam centrados numa educação estética dos espíritos, actuante no quotidiano em vários sectores, cuja matéria-prima seria alargada ao domínio público. Neste sentido, estas práticas poderiam suprir algumas lacunas da sociedade e enriquecer este ministério com alguns eixos de carácter terapêutico e lúdico, com a expansão de novas atitudes de promoção criativa do trabalho e do lazer.

Este projecto implica um aperfeiçoamento dos registos mental, espiritual e sensorial, entre outros; terá de contar com a gestão de vários sectores a transformar, e abranger, pelo menos os seguintes aspectos:

1.alargamento do conceito estético às práticas comuns do quotidiano, ou seja, incrementar noções, incentivos e práticas de Beleza, ao invés de a remeter para museus, galerias, monumentos, espaços e ocorrências criados para o efeito;

2.combate ao analfabetismo estético pela educação teórico-prática, esclarecedora das diversas opções artísticas com a informação histórica, cultural sobre Artes e Ofícios, de modo a facultar, transmitir e valorizar o exercício do gosto e do gesto estético-criativos no quotidiano;

3.construção, reconstituição, remodelação e embelezamento de espaços públicos, abertos e fechados, atribuindo uma dinâmica viva e harmonizada a objectivos adaptados e criados para uma funcionalidade estética.

A par dum conceito de património mundialmente reconhecido virado para o passado monumental e histórico desenvolver-se-iam práticas organizadoras de outros patrimónios mais restritos em termos da contemporaneidade. Estes seriam reconhecidos pela sua ancoragem num presente humano, que aspira naturalmente ao bem-estar, materializado em centros de cultura e lazer, fórum de ideias e práticas, galerias de artistas e artesãos, entre outros, num ritmo de expansão adequado à formação de necessidades reais. Contemplar-se-iam para articulação e exequibilidade de ideias e esforços enquadradas em diversos locais e também em ambientes ajustados aos objectivos.

Será, pois, da competência específica do Ministério da Estética evitar processos que contemplem a defesa árida de critérios económicos alheios ao espírito ético, estético e filosófico. Tal incumbência é indispensável a uma política humanista e humanizada, que defenda meios de promover as artes e afaste clichés infortunados referentes a uma minoria de «artistas», «galeristas», «coleccionadores», «museólogos» e grupos afins, tendo em conta a manutenção específica de cada grupo e a liberdade necessária à criação.

Em suma, almeja-se que o Ministério em causa conduza os seus princípios e medidas com liberdade e coerência, de acordo com critérios em permanente actualização e adaptação a mudanças sociais, para elas contribuindo activa e criativamente. Em pleno, contribuirá para desanuviamento de mentalidades e libertação de espíritos de padrões estéticos massificadores

                                                                                                                           

1Recordo uma reportagem televisiva realizada com uma equipa de designers portugueses que se ocupava da ornamentação de paredes de enfermarias pediátricas num Hospital português, que aderiu ao seu projecto. Apesar de não poder referenciar cronologicamente os dados recolhidos, pelo que apresento as minhas desculpas, não quero deixar de anotar o que a memória gravou: a exequibilidade e a relevância pedagógicas. E o mais importante foi a constatação dos respectivos benefícios para a saúde, salientados por todas as partes envolventes, incluindo alguns pais e crianças hospitalizadas. Defendo que este tipo de projectos deveria ser alargado adequadamente a várias instituições que implicam o afastamento do lar.

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que têm implicações nefastas a níveis mais subtis da vida dos cidadãos. À medida que as consciências forem despertando, os efeitos das oposições e inércias serão afrouxados e o impulso estético, de índole ética, desenvolver-se-á progressivamente até ser natural, criativo e libertador.

Desafios duma esteticização fundamentada das consciências

Vislumbram-se desafios e dificuldades nesta mudança, a executar e a equacionar gradualmente, sem violentas rupturas ou forçadas imposições contando com as diferentes inércias instaladas, as habituais resistências às mudanças e as adaptações à realidade. Para tornar exequíveis algumas medidas poderia partir-se, por exemplo, duma despoluição estética geral do ambiente que beneficiaria largamente, entre outras consequências menos visíveis, um apuramento dos sentidos e um desanuviamento ecológico e saudável que equilibraria o convívio humano e com a Natureza. Todos conhecemos esforços realizados neste sentido e que integrarão, sem dúvida os programas do Ministério em foco.

A título de exemplo, poderia começar-se pelos locais de grande concentração de massa humana tais como jardins, locais públicos de funcionalidade diária, ambientes degradados, destinados à educação, cultura e saúde, mais especificamente edifícios escolares, bibliotecas, hospitais, centros de saúde, prisões, lares de idosos, gabinetes e repartições públicos. Os ambientes normalmente destituídos de cariz estético associados ao nível social sofrerão alterações progressivas, diminuindo a separação radical entre educação e saúde privadas e públicas reservando às primeiras as preocupações pautadas por um cunho estético e às segundas a total carência do mesmo.

Um dos desafios desta proposta estética aplicada ao quotidiano será a manutenção do respeito comum, a capacidade de gerir com liberdade, a pertinência de práticas inovadoras e estruturantes, estabelecer prioridades e responder sabiamente às agressões poluentes oriunda de várias frentes. Outro desafio será a integração da componente filosófica como base de actuação e difusão adequada, indispensável para o avanço das mentalidades.

Promulgo por isso uma raiz organizadora de cariz estético assente em princípios éticos fundamentais que equacionem liberdade e respeito, actuando a nível de despoluição visual, olfactiva, auditiva, táctil e outras, pois estou consciente do perigo de atitudes extremas, que não reparariam de modo algum a inestética generalizada e conduziriam, pelo contrário, à propagação dum policiamento facilmente conducente ao terrorismo estético.

Ancorado numa base profundamente ética, o Ministério da Estética salvaguardará abusos de monopolização de critérios e de manipulação de expressões assim como evitará ditaduras fundamentadas em padrões consumistas e compulsivos, que não contemplam princípios de harmonização dos seres e dos ambientes. Será assim salvaguardado o bem-estar dos cidadãos permanentemente assediados pela sobrecarga consumista da publicidade alienatória e efeitos oriundos duma permanente desatenção ao Belo, comummente manifestos e habitualmente aceites, ao abrigo de leis inertes que vegetam por todo o lado.

Apesar de estar consciente dos obstáculos e da polémica aqui levantada, acredito na possibilidade da inteligência humana reconhecer as disfunções advindas dum caos estético negligenciado, assim como acredito na possibilidade duma viragem relativamente ao preconceito de que a arte só provém, serve e se destina a minorias dotadas ou interessadas inatamente, só se exprimindo em guetos próprios arquitectados para o efeito. Além disso, já é tempo de abandonar políticas estritamente assentes em preocupações económicas desgarradas dum teor filosófico, ético e estético.

Em meu entender, a perspectiva estética deverá estar sempre presente para uma progressiva adaptação e um natural convívio dos sentidos com o Belo. O direito à

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contemplação difundida da harmonia e da beleza enriqueceria, decerto, os conhecimentos estéticos e outros, uma vez que não os entendemos isoladamente, o que possibilita a definição individual e a selecção autónoma de critérios. De realçar que os valores estéticos aplicados articuladamente com as necessidades reais e específicas de cada sector devem sair de circuitos hermeticamente isolados e ser accionados eticamente numa participação produtiva em prol da transformação benéfica do mundo que passa pela repulsa gradual, cada vez mais consciente, das consequências dos actos poluidores.

O retrato apresentado remete para uma sociedade apta a receber a qualidade integrada em todas as áreas úteis e recreativas, difundida e alargada a várias formas de expressão e expansão de ideias, emoções e sentimentos, que associa o Útil ao Belo e nele o integra. Sem pretensões inovadoras, pode recorrer-se a áreas já especificamente orientadas no âmbito artístico como as Artes de palco, as Artes gráficas, a Decoração, o Design, a Pintura, a Escultura, Arquitectura, a Fotografia, o Cinema, a Música, a Literatura que, separada ou conjuntamente, podem transformar salutarmente um mundo empobrecido num mundo esteticamente organizado. Porém, a grande finalidade é chegar a ambientes massivos e de concentração de actividades e tarefas excessivamente contempladas na sua funcionalidade e, como tal, alheias e insensíveis a toda esta problemática.

Espero que, de algum modo, a sucinta explanação aqui apresentada, que suprimiu estratégias minuciosas e condicionantes previstas por não ter sido esse o objectivo maior, possa entusiasmar e inspirar alguns espíritos atentos a reformas e reformulações profundas que o dia-a-dia clama e exige. Neste sentido, intentei contribuir para uma política visionada como arte aplicada ao quotidiano dito banal e passar a incluir, naturalmente, uma faceta estética ao serviço do bem comum, assente numa raiz ético-ecológica, despida de futilidades vãs e optimismos singelos, em prol do que poderemos aperfeiçoar.

Termino com um apelo à inteligência, imaginação e sabedoria dos leitores não só para encontrar vantagens e desvantagens na minha proposta, mas, sobretudo, para o aprofundamento duma questão urgente na sua aplicação porque negligenciada na sua essência: a implementação do Belo na consciência social.

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carlos  h.  do  c.  silva    

Pessoa  pluralidade  possível  -­‐  encenação  de  uma  leitura  temporã  e  de  permeio*  

«Pas de connaissance, pas de métier, pas de science, pas d’art, pas d’action, pas d’ascèse, – qui ne soit visible dans ce Théâtre.

(…) Toutes les natures individuelles du monde, avec leurs mélanges propres de bonheur et de malheur, avec leurs gestes particuliers et autres moyens d’expression, – c’est cela qu’on appelle Théâtre.

Au Savoir sacré, à la science et aux mythes, il fournira un lieu d’audience, et au peuple un divertissement : tel sera le Théâtre. »

(Nâtya-çâstra, 1re lecture : « Origine du Théâtre », apud René

DAUMAL, «Traductions du sanskrit – Quelques textes sanskrits sur la poésie», in : Id., Le Contre-Ciel suivi de Les dernières paroles du poète, éd. définitive, Paris, Gallimard, 1990, p. 229)

§ 1. Leitura plural da pluralidade

De Sul para Norte, de uma cultura inglesa colonial sedimentada na África do Sul, veio, para o espraiado Tejo de uma ‘Lisbon Revisited’ e ainda ‘medi-terrânico’ espelho mágico, um Pessoa.4 Máscara por autonomásia de tanta viagem assim infantil e contra o Céu5, este Fernando, não da Baviera6, nem tocado pelos restos da pristina civilização boreal, traz sim da clássica lembrança os vultos muitos de uma possível ‘multiplicação dos pães’7, porventura sem milagre de vontade.8 Tão só no ‘drama em gente’ da constatação plural de qual fome de sentir universal…9

Ler 10 poderá ser a “manducação” de um sentido também assim sensibilizado até à consonância11 que arrepia de vida as múmias12, ou dá voz aos espectros gráficos13, desse mais ou menos que universo, em diversidades infindas.14 Donde aquela afirmação do poeta de que ‘só aprendemos a ler o que já vivemos’ e por assim o havermos sentido.15 Não a metáfora elaborada do ‘teatro’ de sentimentos alheios16, mas o ‘sim, sim; não, não’, sem sequer o evangelho de uma virtude.17 Tudo no avulso de algum momento, no dito efémero de um encontro, como aquele em que um pensamento de Pessoa, aliás pelo interposto António Mora do «Regresso dos Deuses», um dia ‘nos vibrou de sentido’…18

Duas notas ainda deste pretexto: tanto essa consonância de alma, que é como quem diz de ‘corpo’ com tal sentir19; quanto essa inteligência também ‘desalmada’ de um perceber a exacta demora dos Deuses20, que será quase o inverso do que, em Heidegger se diz “tarde demais para os deuses e por demais cedo para o Ser”.21 De facto, neste último registo, mais teorético, ou até visionário, é a própria demora dos deuses que há-de contar uma história real como se não fosse22, outrossim, bem mais a virtualidade do que se sente sem tempo, mas no a tempo desse ser tangido…23 Sim, tocado por uma afirmação de Pessoa sobre a Natureza, como se esta fosse tão contrapolar das pessoas24 e da própria unidade conceptual que leva a divinizar a Natureza, como aliás a naturalizar assim, ainda que incompletamente, os Deuses, os tais Universais, as Ideias.25

A afirmação que aqui se lembra é a seguinte: “A religião pagã é politeísta. Ora a natureza é plural. A natureza, naturalmente, não nos surge como

um conjunto, mas como “muitas coisas”, como pluralidade de cousas. Não podemos afirmar positivamente, sem o auxílio de um raciocínio interveniente, sem a intervenção da inteligência na experiência directa, que exista, deveras, um conjunto chamado Universo, que haja uma unidade, uma cousa que seja uma, designável por natureza. A realidade, para nós, surge-nos directamente plural. O facto de referirmos todas as nossas sensações à nossa consciência individual é que impõe uma unificação falsa (experimentalmente falsa) à pluralidade com que as cousas nos aparecem. Ora a religião aparece-nos,

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apresenta-se-nos como realidade exterior. Deve portanto corresponder ao característico fundamental da realidade exterior.” 26.

Independentemente do contexto da religião, ou talvez não (pelo que também chamamos “tentação” mental ou assim luciferina…)27 o politeísmo das coisas-deuses, a pluralidade variada dos muitos nomes ‘cousados’ dessa maneira28 e por debaixo deles essa pulsação29 do que surge… como todas as sensações, vibrações que ritmam a consciência, há a experimentação falsa enquanto nível “zero” de uma tal mentira do mundo exterior como Universo, como unidade.30

§ 2. O multíplice sensível e o uno possível: os limites heterónimos do pensar… O totum não será pensável senão como limite já num arrepio imaginário de sentir tudo ou

pretender senti-lo de todos os modos.31 Porém, aquela pretensa ‘exterioridade’ do que se sente ‘surgir à consciência’ pode constituir apenas um refluxo inconsciente disso ‘que fica por pensar’32, disso que só ao ser sentido, como se exterior, se torna tal. E será mesmo tal ?33

A tentação (peirasmós, ou “delimitação” assim em provação…34) está em resumir como quem conta, não só somando mas totalizando, encaminhando de um viver que só sobrevive vário, e à solta35, para um pensamento que mede pela igualdade do seu mesmo nexo.36 E isto sem ‘balança’ ou sem a mercê sequer de uma dialéctica conciliação sonhada.37 Tentação que reflecte o lado mentale “mentiroso” que se situa na linguagem e na capacidade de simbolizar o alheio sem de facto se alienar, não podendo sair de si senão para mais reconhecer, em si mesmo, estar entrado.38

Donde a consciência perplexa aquém ou além desse percurso reflexivo perante um ontológico paradoxo de ‘haver entes e não o nada’39, de o próprio fundamento se complicar num Ser dos entes que não coincide com a onticidade vária de outras diferenciações possíveis.40 Como se o pensamento unitário se rasgasse e se abrissem abismos nem sequer da Origem41, do Uno42…, mas das muitas géneses que cada momento de conhecimento implica além da causalidade pensada de tudo.43 De facto, na totalidade da lógica mental não se esgota o possível de tudo mais44, pelo que se volta ao porquê?, além do como?45

Diríamos que em Fernando Pessoa não há a métrica estatuída da interrogação que sonda abismos, nem a pergunta meramente modal que explica banalidades.46 Antes um tal? Questionante, tão enigmático como um sorriso triste ou o limite misterioso do vulto heterónimo súbito aparecido no espelho…47

Os heterónimos não são sentidos (quando muito experimentados, como acima ficou dito pelo Autor); são, antes, pensados48; comportam-se como “categorias” lógicas de um universo absurdo ‘em que se espera o inesperado’, ou em que se faz tempo para coisa nenhuma…49 Por outro lado, todo o imenso caudal poético que ritma o sentir é sentido neste velado leito de muitos olhares e nomenclaturas que o tecem como se possível, quando em si ortonimamente, ou nunca tal, o viver é para se sentir e não para se pensar.50

§ 3. Não a unidade da acção, mas a diversidade técnica do poder. Então, a lógica está toda no jogo das personalidades e na inter-subjectividade ausente desse

‘drama em gente’, enquanto as estesias poéticas ressaltam do tear de mundos no embaraço de haver cores e sabores, sentires e lembranças, e… sem que deva aí corresponder com alguém para sequer o reflectir.51

A questão não está na comunidade de um sentir que acerte valores de símbolo ou céu misticamente acessível a todos52, mas o drama de muitos como primitiva sociedade em que não há um nós de acção, uma intersubjectividade prática, na glosa fáustica de um absoluto ‘começo na Acção’.53 Outrossim, sócios vários da Natureza instintiva e solidária em ressentimentos e presenças de poder, antes de sequer consciencializado nosso. Algo pois de retintamente anti-fáustico nesse drama em fragmentos54 do ‘contágio’,55 sem um «Ao começo…» solene, nem um “afinal”, mas tão só no tremendo poder do que fica. Fica, como quem não quer a coisa, de permeio.56

É essa societas “avant la lettre” da polis e da nossa sociedade de conhecimento e interesse57 que está na base de uma outra viagem platónica pelos cumes dos possíveis, quais cariátides do Templo

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contornando em cada coluna o labirinto da ‘floresta de enganos’ e acertando as falsas portas de uma orientação outra, onde o sentir respire, ainda que de permeio e sem tempo social senão pela arte do seu efeito.58

Mas será que uma coluna, sequer de palavras tão esbeltas como um sutra, tem efeito que não seja o de poder suportar a sua base e o seu céu no silêncio singular?

“Ideias bruscas, admiráveis, fraseadas em parte com palavras intensamente próprias – mas desligadas, a coser depois, erigíveis em monumentos; mas a vontade não as acompanharia se houvesse de ter a estética por parceira e não ficar em parágrafos do conto possível – só como linhas, parecendo admiráveis, mas que, em verdade, só o seriam se em torno delas se houvesse escrito o conto em que elas eram momentos expressivos, ditos sintéticos, ligações…” 59

Ou terá a voz possibilitada de se circundar de glosas, moinhos de oração, na parábola social e no redondo circuito do mercado de actos sem poder?60

Aqui dividem-se os poemas de Pessoa. Talvez apenas para mostrar nuns o efeito nulo de outros absorventes dos primeiros, ou nem isso…61 Circula nessas possibilidades extremas do dizer62 uma quase-xamânica ‘inspiração’63, assimilando-se em telúrica e ‘antiquíssima noite’ alquímica64 o que não é, pois, símbolo, mas o sacramento do saber trazido ao ante-sabor do ser.65 Do ser como um perfeito intermédio sentir-poder ou poder-sentir.

Foi esse o tempo (sempre a ficar impensado em Pessoa)66 que se deixa colher em roteiro de viagem, em arte do instantâneo de tantas imagens paragens, de um sentir assim de permeio.67

§ 4. Alternativa lição da estética antiga – o neo-paganismo. Pessoa trouxe, pois, do Sul africano, sob a máscara da cultura inglesa e europeia de base68, o

gesto profundo e equivalente a uma génese sapiencial do Egipto grego69 a partir desse âmago etíope e mais recôndito até70, fazendo inverter a filtragem germânica e centro-europeia da tradição ária, como se passagem também cristã e obrigatória para a recuperação do génio antigo.71 A Cultura Clássica já não será assim obrigada segundo a erudição linguística indo-europeia e o reflexo hermenêutico de um pensar activo da moral do Ocidente.72 O germe, outrossim oriental, porque de novo orientante da “mensagem” de Pessoa, provém ainda da épica das estesias homéricas e do frémito plural de um paganismo salvo da história ou do drama da própria helenização do Cristianismo.73

A volta de retorno a este – por isso, neo-paganismo ‘antigo’ – evita a tradução “filológica” e mais ainda a sedução mental do significado e, sobretudo, da representação.74 A Hermes bastaria ‘indicar sem ter de declarar’, menos ainda de explicar, como se a hermenêutica pudesse ser chave de uma compreensão.75 Não. Ali o banquete tem os sabores dos saberes das coisas todas e muitos os cheiros, as cores e os sons deste bailado da estética helénica nesse puro dar-se conta desse sem conta…

De facto, o pretenso ‘caminho’ do sentir, nem sequer é via, como suposto método, já que ‘por aqui e por ali’, no avulso desse ir andando como quem não quer a coisa, aquilo que impressiona é até a invasão mística dessas sensações.76 Melhor dizendo, do que me sente a mais de mim mesmo e no equivalente de tantas supostas pessoas de suporte, de sujeito, como as objectivas máscaras de tanto e tão variado sentir. Porém, mesmo o dizer variado é por demais e, neste ponto zero dos indicativos, caem-nos aos pés as máscaras, sendo de rosto nú, ou sequer sem face alguma, que se vê sem olhos, se ouve sem ouvidos, se entende sem órgão pensante…77

§ 5. Diferente do ensimesmamento a inquieta vária física de alma… Estamos próximos do teatro grego, como das tertúlias dos cafés de Lisboa78, nesta evidência

heterónima de um Pessoa que sabe medir este trânsito do oriente da Hélade no ocidental das Hespérides, afinal num entremeio que exclui todo o passo que não seja o “drama extático” de uma outra viagem: a deslocação do outro em mim.79 Tal como na sábia vertente mediterrânica de uma tradição platónica da Pérsia, a terra de Ishrâq ou do extremo exílio ocidental segundo

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Sohrawardî,80 é, por outro lado (há sempre um outro lado como “lugar” de transcendência…81), uma pátria celeste – uma terra celestial – que mente a todos os pontos cardeais e se mantém simplesmente no meio.82

Eis o que, cruzando a viagem Sul – Norte com este outro trânsito ‘ex oriente lux’, mostra o banal de uma pretensa geografia euclidiana de Portugal e desta unidade de língua que aqui e agora refere tal orientação.83 O tal meio é meio do meio e também extremo de toda a orientação possível, permitindo, aliás, observar como na fragmentação sucessiva, qual aporia lógica dicotómica infinita, se descobre o irredutível de tal ou qual, mesmo que (e sobretudo se) “um não sei quê” que indómito se sente.84

Então, bem se pode compreender que em pessoa não há a metafísica da Pessoa e das sensações assim elevadas a estruturações do espaço e tempo como abstractos deuses85, ‘faróis’ da mente e ofuscantes possibilidades reais mas, outrossim, a naturalização do espírito86 ou, aquém da virtualidade deste, em tal sempre “segundo parto”87, uma física da alma a justificar a pluralidade das pessoas.88

Se não a “metafísica das sensações”, segundo a coerência hermenêutica do dito idealismo mágico, mais rés-vés à profundidade de uma flor da pele, cantam nele as melodias dessa mística sempre dos sentidos e do que neles fica sempre no êxtase carnal bem aquém do dizê-lo ainda.89 Porém, seria pretensão admitir este retensivo assim aquém da linguagem como se esta não fosse, em Pessoa, uma chave zen de um dizer fotográfico, de uma imediatez infindamente serena em seu mesmo desassossego.90 De facto, indicar a sensação na saudade de um apesar de si mesmo e de um embora assim usar da linguagem, é por demais exorcizante do que, no heterónimo, era o cristalizado de um sentido sentido.91

§ 6. Mística de fingir o que se sente para se sentir o que se finge… A mística pessoana ronda pelos esconsos das ‘moradas’ pouco consistentes de personalidades

projectadas, ainda que como exercícios tulku de um visionar objectivante e daquele modo idealmente consequente, ou seja, numa theoría mágica.92 Todavia não é a vontade que aqui se condensa numa hiper-práxis que dê a ver93, outrossim, uma inteligência linguística lúdica e deíctica que pensa como quem pesa na tal “física da alma”, o teor, o tonus, o próprio tropeço de cada sentir (ainda que assim levado ao grau do puro anestésico).94

Há deste modo “valores” intermédios às personalidades, às razões de dizer, às Ideias absolutas ou ao relativo ainda dos Deuses em processo abstractivo, verificando-se uma falta de abstracção do sentir sem unidade, sem capacidade outra que não mental, da sua inexorável mentira.95 Mas, se as sensações são assim fingidas em sua mesma verdade aparente96, aparentam também um lastro fictício que devolve, da possível abstracção linguística que as nomeia, em direcção a um tal sentir sem pensar, inefável ou incomunicável.97

Isto que, aliás, parece bem sabido nos “estatutos” nietzscheanos e dramáticos da cultura ocidental revela-se, entretanto, longe do binómio: apolíneo, de um falar sem viver, e dionisíaco, de um instinto incomunicável98, numa mais ancestral solução que se encontra na perspectiva caleidoscópica de Pessoa. Trata-se de um olhar inteligentíssimo capaz de tanger o que se sente como se em sua natureza própria; isto é, intermitentemente.99 E, se o caminho se traduz no iniciático símbolo do zigzaguear da serpente, os feixes derivados em cada elo desse movimento coleante despertam para transcendentes geometrias que, de facto, abortam a coerência tradicional do ensinamento inteiro.100

Ficam, isso sim, fragmentos, momentos como ‘peles despidas’ de uma lembrança a mais…, que a vida está aí, intersticial e oportuna, na pluralidade mesma plural de tal natureza.101 Eis o que faz pressentir antigos processos técnicos de uma primordial sinergia na construção da mente, das suas supostas regularidades e regime mnésico, face à desproporção até física e sensorial de outras estesias.102 Numa palavra, a clara consciência da arte de tal split, não tanto de “alma” em corpo, mas deste e do mais que o pulveriza em sensações múltiplas, no que, – muitíssimo mais tarde, em linguagem transcendental – se pode comensurar como a assimetria entre sentir o que não se pode entender, e entender o que não se possa sentir.103

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§ 7. Multidimensionalidade da poesia pessoana Há, pois no “pluralismo” pessoano os expedientes múltiplos desta persistente assimetria, até

como garantia de uma fronteira do diverso que não se converta universalmente. Ou seja, técnicas avulsas para delimitar o que, no seu próprio limite, é instável e efémero.104 E, sejam as linhas de contorno dos heterónimos, sejam as periferias de uma possibilidade mais elástica de a todas entrelaçar num mesmo suposto ortónimo discurso, como o das considerações em prosa, das interpretações e auto-análises, etc.105, o que importa salientar é o multidimensional, entretanto reconhecido do lado diverso, no outro do próprio sentir dispersivo.106

Aqui está o génio de Pessoa, não tanto em fazer-se ouvir através do medium vário de deuses próximos que lhe falam na inteireza interior de um discurso possível107 ou até no hiper-poeta e trans-poético dos seus outros “eus”108, quiçá impedindo outra escuta dos Superiores Incógnitos que imponham um voto de silêncio109; outrossim, nessa geometria não-euclidiana que cava ‘cavernas’ celestes no sentir falso, fazendo das aparências a filigrana em que o cá e o lá se correspondem de exclusão e incoincidência absoluta.110 Ou nem sequer isso…, que implicava supor um universo e sua quântica singularidade111, mas o que, em termos de tempo, se limita aos desenhos fractais de quanto tempo neste mais que dois e menos que o todo.112 Enfim, um símbolo roto e caótico cuja fecundidade se deixa habitar, ora agora, ora noutro hic et nunc por um êxtase assim consciente de sentir.113

Todo o cuidado de Pessoa está em não fazer declinar esta descida aos ritmos variados da vida numa memória continuada, duracional ou bergsoniana, em que tudo pudesse ser contado, mesmo que não entendido, numa ‘história pessoal’.114 Não, não há autobiografia e o rio do que se sente corre na hora parada de um entrelaçar de mãos, como a técnica de tecer, do tear, do fazer tempo ou do puro passa-tempo.115

Donde não haver nada a fazer116 e só assim a demiurgia maior da vida ao arrepio das várias sensibilidades, da psicologia da alma dos respectivos heterónimos e do que neles se filtra de comentário ético, político, artístico, religioso…117 É apenas o limiar instrumental, ou o novum organon de Pessoa, esse pensar por (ou em) pessoas, já que no ‘espelho mágico’ de um ver sem falar, ou de um ouvir a voz como se na visão fractal e do ancestral saber védico, se desorganiza a mente em poesia e esta, em desfaçatez.118

§ 8. Meditação da pluralidade e diferenciação consciente O hipertrofiado desassossego não é geral, nem sequer assim diz o mesmo de muitos modos ao

longo de um drama banal, ou do próprio banal trazido ao extremo tédio de tudo poder conjugar em deformações do espelho sem toque sequer de imagem, menos ainda de carnação sofrida.119 Assinala, outrossim, como a Mensagem soleníssima o número cabalístico do momento único nesse supremo fingimento de tal ou qual inquietude, talvez sossegado desassossego, ou tão só desfaçatez.120

Nesse tempo que não tem de ser definitivo, – mas se desfaz do “Era uma vez…” e outras quejandas expectativas genesíacas ou simétrico eros teleológico121, por conseguinte tão só num kairós (que até pode não ser oportuno),122 e assim se purifica no que fala sem nada dizer, – é que se medita a pluralidade.123 Pura pluralidade que é isto e aquilo e aqueloutro e…, não se havendo sequer de pensar como “terreno” de um sentir, tantas vezes pré-ordenado como sensório comum.124

A meditação está implícita na conjugação extática do verbo de Pessoa, ainda como uma intensidade que tem os seus dias, os seus versos, os seus fragmentos de frases… e diz directamente “estados de coisas” na directa “representação” do que se diz sentir (fingindo, é claro).125 A pluralidade está sempre a mais e é outra ‘mercê da vida’, ou desta fazendo dom, sem o nexo subjectivo que obriga a ser actor ou espectador e a reagir na ética de um ‘mundo justificado’.126 Não que a pluralidade seja uma “solução estética” alienante da mente, mas até conversiva das possibilidades pensantes para a lucidez consciente. Atenção assim, momentaneamente liberta daquela causalidade de actos e consequências, ou distendida para o

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embalo de uma história cuja sedução mítica psicológica deva continuar a habitar-nos de identidade e expectativas.127

A meditação, aqui menos como um solene stop the mind, mas no terreno pantanoso e excessivo de um pensar tudo de todos os modos, na suspeita imediata de um viver tudo de todas as maneiras,128 corrige o que fosse uma “teoria da pluralidade”, uma doutrina heteronímica, no que seja apenas o clique de uma diferenciação radical: não esse pensar da mesma maneira circunstâncias diversas, mas de atender, diferencial e lucidamente, ainda que a uma mesma banal e monótona circunstância.129 Tão banal assim que ilustra bem como a pluralidade lhe resta a ser inventada, no que é o germe humílimo e simples da extraordinária criatividade. Tão monótona que, se for monotonizada ainda, revelará a maior diferença em sua aparente constante unidade.130

De um certo ponto de vista, mais ou menos indiferente, dir-se-á que toda a obra de Pessoa repete e repete essa diferença, quase a tornando assimilável na solução estética e global da vida.131 Porém, num olhar mais intersticial reconhece-se a impossibilidade de tal solução pelo próprio contágio estésico de tantas maneiras de sentir na elisão de sensório comum, de sujeito sentiente e sequer de indivíduo tout court, retomando em abrupta recriação o diferente de mim a cada momento ou nem isso e a mutação de consciência na possibilidade pura e intrínseca desse mesmo “nada” consciente.132

Dir-se-á um sensorialismo oscilante entre os soclos aristotélicos de uma matéria prima tão paradoxalmente metafísica, quanto redutível à lógica do mundo sensível133, e, por outro lado, o imaterialismo de uma teologia berkeleyana a desejar falar com Deus nessa linguagem de ‘êxtases ao luar’…134 Nada disso. A descoberta de que aquilo que se chama, e se tem nomeado, como sentir é adjectivo tardio de uma pluralidade e até de outras ordens de imediatez não apenas imaginárias, emotivas, volitivas…, mas do que na tradição conhecida desde os Gregos não ganhou nome, pois são outros poderes…, outras não-realidades que, como sombras, ou extracções da noite na dita “poesia negra”, interpelam de espanto ou pausa…135

§ 9. Multiforme escalonar inteligência O que é decisivo nesta inteligência de Pessoa é a escala desses diversos degraus, nem sequer

como forçosamente da mesma escada, mas como resultado da intersecção de escadas múltiplas e no perceber-se que há um sentir do sentir que não terá que vir a ser um pensar, como haverá assim um pensamento que se deixa cheirar e aflorar como pura sensação.136 Ao longo da escala plural há muitas subidas e descidas que, embora naquela global repetição de tudo até à exaustão de um “eterno retorno”137, marcam – agora ou logo138 – aquela possibilidade em que isso se aninha, pulsa… ou se evola e morre de mansinho.

É a vida poetada em pessoa: plural nesse algo mais que fica a menos dizer…139                                                                                                                            

* Este inédito, que ora vem a lume, constitui com outros nossos textos – «Do Intermédio da Pátria ou do periclitante tempo nacional» (in: Nova Águia, nº 2 – 2º Semestre (2008), pp. 100-118); «Vocação eremítica e diálogo intercultural – do único e sua diferenciação” (in: Cultura Entre Culturas, nº 1, (2010), pp. 35-48); “Aviso Único”; “Ipsissimus – Identidade e diferenciação»… (ainda não publicado), etc. – um conjunto de meditações sobre a desidentificação. Meditações essas que têm a pretensão de escutar do Mestre Caeiro- em Pessoa- o paradoxal ensinamento da pura contra-identidade, quanto reflectir em glosas de pormenor doutrinas congéneres da Física moderna e das novas Cosmologias. 4Aliás definitivo regresso, em 1905, a Lisboa, donde em criança tinha saído para Durban, (e onde tornara durante a primeira adolescência apenas em 1901-1902): direcção orientadora da sua geografia adolescente. E quem diria, simbolicamente, ser a linha recta a menor distância a unir tais extremos, quando já aqui se esboça uma geometria de geodésicas de saudade em demanda de um centro variável É, entretanto, tão só um conhecido dado biográfico: cf. João Gaspar SIMÕES, Vida e Obra de Fernando Pessoa – História de uma geração, (19541), Amadora, Livr. Bertrand, 19804, pp. 65 et passim. Como se tal biografia não fosse, por outro lado, invenção em espaço de memória (tal o diria Paul RICOEUR, La mémoire, l’histoire, l’oubli, Paris, Seuil, 2000, pp. 53 e segs.) uma presença não-local – de facto de Je est un autre, na fórmula de Rimbaud… (cf. Id., Soi-même comme un autre, Paris, Seuil, 1990) embora assim referida por tais

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concomitâncias em larga medida temporalmente esquecidas, como mostra a (psic-)analítica de alma ou da pretensa história pessoal… Tal o mostrámos a propósito de Santa Teresa do Menino Jesus (cf. Carlos H. do C. SILVA, “A questão autobiográfica ou do tempo absoluto – A propósito da «Histoire d’une Âme» e da sua Autora” [1ª parte: «Tempo lembrado»], in: Rev. de Espiritualidade, XIII, nº 52, Outubro/ Dezembro (2005), pp. 245-271; Id., [2ª parte: «Tempo almejado»; e 3ª parte: «Tempo absolvido»] , in: Rev. de Espiritualidade, XIV, nº 53, Janeiro/ Março (2006), pp. 11-80), caso que, aliás, não deixaria de convir a fecundo comparativismo com o poeta dos heterónimos, por via do desejo, ou não, da história de uma alma ou desalmada, de uma projecção celeste ou da declinação luciferina…, com Nietzsche como paradigma volitivo (cf. no nexo com St.ª Teresinha: Noëlle HAUSMAN, Frédéric Nietzsche, Thérèse de Lisieux, Paris, Beauchesne, 1984) ali absorvido e em Pessoa denegado… Cf. ainda João Gaspar SIMÕES, op. cit., pp. 105-107, referindo o pudor biográfico do poeta. 5De facto, muito fica na in-fância deste jogo de escondidas e de tal ulterior “fazer de conta”… sobretudo no que, como em René DAUMAL, Le Contre-Ciel, (1955; Paris, Gallimard, reed. 1990) é o signo poético anti-romântico e desconstrutivo de toda a fácil subjectividade. Daumal diria, outrossim, por adultas potências interiores o “grande jogo” do retour à soi (que não forçosamente a “mim”, à moi…). Cf. René DAUMAL ou le retour à soi, Textes inédits, Paris, L’Originel, 1981… «Il réalisa «la certitude mathématique, expérimentale et émotionnelle» d’une réencontre avec «le néant face à face» », como sintetiza Michel RANDOM, Les puissances du dedans, Luc Dietrich, Lanza delVasto, René Daumal, Gurdjieff, Paris, Denoël, 1966, p. 262. 6Quando muito da “nossa” Baviera, como ensaia pensar em termos míticos e analíticos, Eduardo LOURENÇO, Fernando, rei da nossa Baviera, Lisboa, IN-CM, 1986. De lembrar ainda João Gaspar SIMÕES, op. cit., p. 579, quando contrasta a personalidade fragmentada de Pessoa com a impossibilidade de “fazer de si mesmo o que um Goethe conseguiu fazer da sua própria personalidade: alcançar o Absoluto através de sucessivas transmutações.” – leia-se “alquímicas”, já que em Fernando Pessoa, como se pode prever até pelas notas fragmentárias do seu projecto de escrever um «Fausto – tragédia subjectiva», há tais operações, outrossim, na objectividade do opus sem “sujeito”… 7Em termos actuais encontra-se a glosa da multiplicação, não miraculosa como em Mt 15, 35…, seja em Alain BADIOU, Logique des mondes, L’être et l’événement,2, Paris, Seuil, 2006, pp. 121 e segs.: «Dérivation de la pensée d’un multiple à partir de celle d’un autre multiple», seja na curiosa reflexão da poética cosmológica contemporânea: Sven ORTOLI e Jean-Pierre PHARABOD, Le cantique des quantiques, Paris, La Découverte, 2007. Em Pessoa é, antes do mais, a proliferação das “influências” simbolistas e outras, que lhe advêm de França, também, da filosofia grega… dos poetas latinos ainda. Não tanto da Alemanha, apesar de Goethe…, nem do que Fabre d’Olivet, na sequência de Yves Saint-Alveydre, de Papus…, remete para o esoterismo da antiquíssima civilização boreal. 8O costumeiro abulismo que refere F. PESSOA, “Cartas a dois psiquiatras franceses” (10.06.1919), in: Obras em Prosa, ed. Cleonice Berardinelli, Rio de Janeiro, Nova Aguilar Ed., 1982, pp. 57 e segs. Não uma “metafísica” da vontade, sem sabermos nós da mesma mais que o tangente do instinto (como diria Schopenhauer), donde o signo não heróico do drama vivido. Cf. nossa nótula: Carlos H. do C. SILVA, “O pseudo-paganismo de Nietzsche – Uma leitura de F. Pessoa sobre o filósofo germânico”, in: Boletim de Ciência das Religiões (Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias), I, nº 1, 2º Sem. (2000), pp. 19-20. 9O “drama em gente”… cf. F. PESSOA, “A génese dos heterónimos”, [ms. 1935], in: Obras em Prosa, ed. cit., pp. 92 e segs., a ecoar outrossim o pólemos de Heraclito, o jogo atómico de Demócrito e de Lucrécio, ainda na estóica serenidade da tensão natural e da harmonia conquistada pela voz calada da razão forte (do anékhou kaì apékhou). Cf. F. PESSOA/ BARÃO DE TEIVE, A Educação do Estóico, ed. Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 52: “Use com brutalidade do uso; abdique com a absolutiza da abdicação. Abdique sem lágrimas, sem consolações de si mesmo, senhor ao menos da força da sua abdicação. Despreze-se, sim, mas com dignidade.” 10 …ter um livro para ler e não o fazer… Sim, sempre um pre-texto para, como légein e lógos, “colher” (como pensa Heidegger…) o que, entretanto, já lá germinava e de repente se supõe florilégio, mas é tão só um acerto sub-consciente no que a invenção da escrita tornou magia ‘de trazer por casa’. 11Na verdade também pitagórica da mathesis musical de um acerto do som e do número (cf. John STROHMEIER e Peter WESTBROOK, Divine Harmony, The Life and Teachings of Pythagoras, Berkeley, Berk. Hills B., 1999, pp. 66 e segs.) tal como empírica ou sabiamente nos mantras da tradição hindú. Vide Arthur AVALON, La Doctrine du Mantra, La Guirlande des Lettres/Varnamâlâ, trad. do ingl., Paris, Éd. Orientales, 1979. 12O caso exemplar estará no poema de F. PESSOA, «A Múmia», em «Cancioneiro», in: Obra Poética, ed. M.ª Aliete Galhoz, Rio de Janeiro, Aguilar, 1972, pp. 131 e segs. 13Não havendo em Pessoa um impressivo reflexo dessa arte de Thot (que considerámos nos “signos arquetípicos”: Carlos H. do C. SILVA, “Dos signos primitivos: Preliminares etiológicos para uma reflexão sobre a essência da linguagem”, in: Análise, I- 2 (1984), pp.21-78; Id., (Continuação), in: Análise, II -1, (1985), pp.189-275), quiçá lembrado do reparo de PLATÃO, Phaedro, 274d…, nem uma poesia visual como a de Paul CLAUDEL, «Cent frases pour éventails» (in: Oeuvre poétique, Paris, Gallimard, («Pléiade»), 1967, pp. 699-744), no eco da caligrafia extremo-oriental (cf. François CHENG, L’écriture poétique chinoise, Paris, Seuil, 1977), para já não falar das páginas ‘desenhadas’ dos surrealistas… 14Aqui se impõe a hodierna noção do multiverso, também de “universos paralelos” ou de universo em aberto, usando das noções de espaço-tempo curvo, fechado ou em abertura, capazes de problematizarem os limites epistemológicos,

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críticos da própria ciência como tal mundo de linguagem instrumental assim. Cf., por exemplo: John LESLIE, Universes, London/ N.Y., Routledge, 1996, pp. 66 e segs.; David LEWIS, On the Plurality of Worlds, Oxford, Blackwell, 1986; e vide infra n. 30. 15Cf. F. PESSOA, também em «Notas pessoais» [ms. 1910?], in: Obras em Prosa, pp. 75-76. 16Apesar desta nossa encenação cósmica, segundo a indicação ‘védica’ em exergo antecipadamente justificada… 17A questão não está no valor de um falar sobre, acerca de, em aproximações que tendendo embora para a assímptota não coincidem senão no impossível infinito assim. Está como adverte desassossegadamente o prosador numa ‘conversão à gramática daqueles que não saibam pensar o que sentem’: B.S., Livro do Desasocego, ed. J. Pizarro, (in: «Edição Crítica de F. Pessoa», XII), Lisboa, IN-CM, 2010, t. I, p. 247: “… terei falado em absoluto, photographicamente… Não terei falado: terei dicto.” É ainda o nosso dito e feito num súbito assomo de nenhures em que o fenómeno saturadíssimo (como pensa Jean-Luc MARION, Le visible et le révélé, Paris, Cerf, 2005, pp. 35 e segs.: «Le phénomène saturé») explode de sentido… 18 “…as paredes vibram-me sentido…” (F. PESSOA, “A Múmia”, v, in: ed. cit., p. 133). Tudo é sempre um dia, um momento; o resto é história!… 19Todo o indicativo último de presença tem aqui corporalmente a sua âncora, não do mero somático biológico já assim “representado”, mas de uma chair de alargado estar mesmo que sem ser. De qualquer modo a encarnação do sensível neste corpo de sentir (ou assim pensar?) e a consciência desperta que todo o êxtase espiritual é sem dúvida ‘crucificado’ em sulcos sensibilíssimos, ainda do puro corpóreo gozo místico. Como lembramos de Louis MASSIGNON, «L’extase pourtant n’est pas une chose de l’âme. C’est une chose purement physique, dans les signes que l’on en trouve. » («Discussion sur le péché» (1944), in : L.M., Écrits mémorables, Paris, Robert Laffont, 2009, t. I, p. 175). 20Como se, entre as Ideias perfeitas, como deuses universalmente ascendidos, e o ritmo decadente da alma, num ir entendendo segundo as declinações psico-lógicas, houvesse o perpétuo “chercher midi à catorze heures”, qual desajuste entre intuição na hora e atraso da discursividade de um “entretien infini” (Maurice Blanchot). Porém, a demora também é um “outro morar” a que o «Regresso dos Deuses» de António Mora não é alheio. Eis essa estranheza (Unheimliche)da vizinhança do Sagrado, seja sob o signo heraclitiano do êthos anthrópoi daímon estín (HERACLITO, frag. B 119 ; in : D.-K, t. I, p. 177), seja nos “esponsais místicos” de um divino namorar…(cf. André BORD, Les amours chez Jean de la Croix, Paris, Beauchesne, 1998, pp. 113 e segs.). O demeurer e o « morar » das moradas de alma foram por nós salientados a propósito da mística ISABEL DA TRINDADE, Obras Completas, trad. de Carlos H. do C. Silva, Avessadas/ Marco de Canaveses, Ed. Carmelo, 2008, em notas. 21 „Wir kommen für die Götter zu spät und zu früh für das Seyn.“ (M. HEIDEGGER, Aus der Erfahrung des Denkens, Pfullingen, G. Neske, 19652, p. 7). 22A história do «esquecimento do Ser» segundo a destinação da metafísica ocidental… O historial de uma ausência também na Kehre como “ausência de história possível”… Cf. M. HEIDEGGER, »Das Ende der Philosophie und dis Aufgabe des Denkens«, in: Id., Zur Sache des Denkens, Tübingen, Max Niemeyer, 1969, pp. 61 e segs. 23Donde o arrepio de estranho haver algo em tal experiência do pensar, lembrando que denken (como no inglês think, remete para Ding (ou thing), num eco etimológico de algo táctil ou assim realizado. Um ser tangido por tal pensar assim tocante… Retoma-se M. HEIDEGGER, Was heisst Denken?, Tübingen, Max Niemeyer, 19713; e vide também Id., Einführung in die Metaphysik, Tübingen, Max Niemeyer, 19663, pp. 88 e segs. 24Desde longevas origens (duais) do sistema de linguagem analítico em nomes e ‘pro-nomes’, em coisas e pessoas, em deuses e homens, em substantivos e predicações, segundo o caso…, que se reflecte na tendência pessoana para o retorno à força primeva da palavra: um chover que chove, um andar andando, um ser-me mim…; no contraponto, tanto quanto baste, entre o cenário natural e o palco shakespeareano deste mundo humano, também ‘por demais humano’ (“Menschliches, Allzumenschliches…” de Nietzsche). Nem naturalismo, nem humanismo; «princípio antrópico» avant la lettre ou também futurante trans-humanidade… longe do “gado” ou pashu, como dizem os tibetanos. (Cf. outro ‘pastoreio’ de diverso rebanho de seres, em Françoise BONARDEL, Transhumances, Paris, Fata Morgana, 1999). Sobre este percurso pessoano que se poderia dizer inhumano:“non dans la pensée (…), mais du dehors de la pensée”, como diz Jean-François LYOTARD, «Avant-propos: de l’humain», in: Id., L’inhumain – Causeries sur le temps, Paris, Galilée, 1988, p. 13, remetendo, aliás, para a questão da técnica e da “incorporação” do tempo quiçá no angélico do “instante” (Ibid., pp. 89 e segs.). 25Trata-se da platónica ou angelológica solução para o conjunto por demais desconjuntado do que aqui se sinta vário e além se pense uno: a útil invenção dos deuses: “Na evolução do espírito humano do pensamento concreto para o pensamento abstracto, há fatalmente um momento em que se dá a transição de uma forma de conceitos para a outra. (…) Teoria dos deuses: Os Deuses são o primeiro grau de abstracção. Ao passar do conceito concreto de tal árvore para a ideia abstracta de «árvore», o homem atravessou fatalmente um período intermédio. (…)” – e Pessoa acrescenta mais adiante – “…pode chegar a um estado social que lhe permite formar-se a idéa de Útil (…). O princípio das religiões está na divinização do fenómeno vegetal, e no de outros fenómenos da mesma natureza útil, dinâmica (…).” Conclui sublinhando: “Os deuses são as idéias humanas em passagem de noções concretas para idéias abstractas.” (António MORA, «Teoria dos Deuses. O que são os Deuses» [dat. 1917?], in: F. PESSOA, Obras em Prosa, ed. cit., pp. 203 e 206). Sobre este politeísmo natural, vide n. seguinte.

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26Cf. António Mora, «Regresso dos Deuses» [dat. 1916?], in: F. PESSOA, Obras em Prosa, ed. cit., p. 175. 27 Rudolf STEINER (emDer Entwickelungsgang der Menschheit in seinen drei Kräfteströmungen. Der Zusammenhang des Luziferisch-Ahrimanischen Impulses mit dem Christus-Jahve Impuls, (1941), Dornach, Rudolf Steiner-Nachlassverwaltung, 1961) sintetiza essa hipertrofia da mente religiosa, que aspira não só ao monoteísmo mas à unicidade e até ao sem-número da pura luz sem forma, no pólo luciferino – mental – em contraponto ao materialismo entrópico e tamâsico onde reina Ahriman. Entre o carácter rajásico de um tal Céu unitário roubado e esta terra da demora genesíaca sem fim, manda Steiner considerar o mistério do Golgotha que une a caveira de Adão com a sephira da ‘Coroa’ ainda que de espinhos… Sobre parte deste signo, vide Afonso BOTELHO, “Ecce Homo”, in: Id., Ensaios de Estética Portuguesa, Lisboa, Verbo, 1989, pp. 13 e segs. Porém, não é esse o caminho vertical de Pessoa que, outrossim, considera a mente o speculum ideal da “falsa morte” e do jazente Cristianismo… vide o exemplar soneto “No túmulo de Christian Rosencreutz”: “…Quem desta Alma fechada nos liberta? (…) Calmo na falsa morte (…).” (in: Obra Poética, p. 191). 28Cousismo, pois, como se diria segundo Leonardo COIMBRA, Criacionismo, Esboço de um sistema filosófico, in: Sant’Anna Dionísio, (ed.), Obras de L.C., Porto, Lello & Irmão, 1983, vol. I, por exemplo, pp. 147 e segs.. Vide, porém, nossa crítica já que não se garante o passo dos nomes ao desenvolvimento do ser: Carlos H. do C. SILVA, “O tempo e a «visão ginástica» em Leonardo Coimbra – Ambiguidades do continuismo criacionista” (Comun. ao «Colóquio Leonardo Coimbra (no cinquentenário da sua morte)», org. Soc. Cient. da U.C.P., Lisboa, 21/22, Nov., 1986), in: Várs. Auts., O pensamento filosófico de Leonardo Coimbra, Lisboa, ed. Didaskalia, 1989, pp. 129-143. 29Qual inverso omina, nomina (em contraponto a Max Müller…) e muito menos do que isso na lógica pessoana dos patamares e terraços, dos níveis de ser e estações do estar… Mais do que doutrina estática de “estados múltiplos do ser” (cf. René GUÉNON, Les états multiples de l’être, Paris, Guy Trédaniel/ Véga, 1984…), parece ecoar em Pessoa o orientalismo (teosófico mas também) xivaíta de uma vibração de fundo a partir do abismo (Un-grund ainda) de tudo. Uma teoria de spanda ou de tal “vibração” tal é salientada nos estudos de Lilian SILBURN, Spandakârikâ – Stances sur la vibration de Vasugupta…, («Publ. de l’Institut de Civilis. Indienne», fasc. 58), Paris, Collège de France, 1990, pp. 3 e segs.: «Introduction». 30O equivalente poético-cosmológico do “grau zero da escrita” (cf. Roland BARTHES, Le degré zero de l’écriture, Paris, Seuil, 1953) numa experimentação mental que, afinal, põe «lá» o que, depois, diz vir a descobrir, reflectindo a unidade justalinear do pensamento com a (im-)possível descrição dos diversos “estados de coisas” (Sachverhalten, para empregar esta noção de L. WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, Prop. 2.171: “Das Bild kann jede Wirklichkeit abbilden, deren Form es hat.” Vide ainda esta Bilden-theorie no pretenso ajuste entre o isto e o aquilo de uma mesma mente-linguagem: cf. Ibid., Prop. 2.172: “Seine Form der Abbildung aber kann das Bild nicht abbilden; es weist sie auf.“... - sendo de considerar os argumentos de other minds... Cf. vários estudos em BUFORD, (ed.), Essays on Other Minds, Urbana/ Chicago/ London, Univ. of Illinois Pr., 1970. 31 É KANT (em De mundo sensibilis atque intelligibilis forma et principiis (Dissertatio 1770), sec. I, § 1, in: Ak., t. II, p. 387: “…ita synthesis nonnisi toto quod non est pars, i.e. Mundo.”) quem o afirma nessa consciência transcendental do limite, porém a “síntese” do imaginário abre de outro modo para a verdade fantástica ainda que dos Sonhos de um visionário… Cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Razão e vidência: Sobre Träume eines Geistesehers erläutert durch Träume der Metaphysik (1766) de I. Kant”, in: Congresso Internacional Immanuel Kant nos 200 anos da sua morte, orgº Manuel Cândido Pimentel, Carlos Morujão e Miguel Santos Silva, Lisboa, Univ. Católica Editora, 2006, pp. 95-159. Em Pessoa encontra-se o génio periférico ou contra-polar da crítica kantiana: trata-se de uma razão sujeita à proliferação crítica da sensibilidade transcendente… De facto, não obra do pensamento como o livro de Kant, mas a “cartilha maternal” de uma vida plural: “um poeta estimulado pela filosofia”… ([ms. 1910?] in: Obras em Prosa, ed. cit., p. 36). 32 Até aqui, a presunção da fenomenologia em relação ao Urphaenomenon e a uma intencionalidade obrigatória do que tenha de surgir à consciência, como se não pudesse haver outros alinhamentos de consciências não-intencionais assim, e as “coisas” não nos pudessem pensar sendo como inteligivelmente possam ser. Émmanuel LÉVINAS, em Autrement qu’être ou au-delà de l’essence, Paris, Kluwer, 1974, pp. 156 e segs., andou perto desta superação sui generis da epistemologia reinante na «fenomenologia ontológica», porém inclina-se judaicamente para o ressalto ético da responsabilidade, onde Pessoa só vê a colunata aberta (livre na acepção da Freiheit…) do Templo antigo nessa iniciação do sentir. (Cf. a propósito deste clima helénico: Andrea Wilson NIGHTINGALE, Spectacles of Truth in Classical Greek Philosophy, Theoria in its Cultural Context, Cambridge, Univ. Pr., 2004, pp. 40 e segs.) e sem esquecer de M. HEIDEGGER, Platon’s Lehre von der Wahrheit, Bern, Francke V., 1947, reed. 1954; ouVom Wesen der Wahrheit, Frankfurt-a.-M., V. Klostermann, 19675… 33Vide infra ns. 42 e 119, também ns. 78 e 81. É que “o universo não concorda consigo próprio, porque passa. A vida não concorda consigo própria, porque morre.” (…) – e dizia antes nestas «Reflexões paradoxais» para Orpheu: “Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.” (in: Obras em Prosa, pp. 38 e 37). Como se ser tal fosse, assim, talvez compreendido (na ilusão da não-ideia). 34Como se o «pecado» antes de cristianizado, fosse falha mental, crise de acerto, erro enfim. (cf. Carlos H. do C. SILVA, “Erro”, in: Encicl. Logos, t. 2, cols. 151-155) E como se, por outro lado, se houvesse biblicamente de suplicar pela “libertação do mal”, que não pela ausência de tentação, já que ela constitui a prova da destrinça entre a Vontade

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soberana e o apertado arbítrio, a mesquinha opção… (cf. ainda nossa reflexão: Carlos H. do C. SILVA, “Da ambiguidade espiritual do perdão”, in: Rev. de Espiritualidade, XI, nº 43, Julho/ Setº., (2003), pp. 189-204) De qualquer modo, a não esquecer neste «exame de consciência» que a provação começa ainda deste lado mental, como essencialmente “mentira” e miragem de sinceridade… (como ainda analisámos: Carlos H. do C. SILVA, “O virtual literário como poética da realidade – Meditação a partir da lição do fingimento pessoano”, in: José M. Silva ROSA, (org.), Olhares Luso-Brasileiros sobre Literatura, (Ciclo de Conferências), Lisboa, C.L.C.P.B/ Univ. Católica Ed., 2002, pp. 111-133). A aguda consciência disto antecipa-se na estética pessoana em conhecidíssima “Autopsicografia”: “ … finge tão completamente…” (em «Cancioneiro», in: Obra Poética, pp. 164-165). 35 Como diria Agostinho da SILVA, “A nossa obrigação é ser poeta à solta” (Entrevista a Carlos Câmara Leme), in: JL, 15 Set. 1986, reed. in: Paulo A.E. BORGES, (ed.), A. da S., Dispersos, Inst. de Cultura e Língua Port./ Min. da Educação, 1988, pp. 157-171. Vide outras referências, sobre este génio de um viver vadio em contraste com a pessoana viagem interior, em nossos estudos: Carlos H. do C. SILVA, “A limitação literária da compreensão: Relendo Um Fernando Pessoa de Agostinho da Silva”, in: Agostinho da Silva e o Pensamento Luso-Brasileiro («Actas do Colóquio Internacional», 2004), Lisboa, Assoc. Agostinho da Silva/ Âncora Ed., 2006, pp. 53-69; vide também Id., “De como metade é igual ao seu dobro... ou da sabedoria paradoxal de Agostinho da Silva”, (elaborado em Julho de 1996), in: Várs. Auts., Agostinho, S. Paulo, Green Forest do Brasil Ed., 2000, pp. 63-103; Id., “«A nossa mente olha o Eterno e o faz Tempo»: do ritmo do pensar segundo Agostinho da Silva”, in: Renato EPIFÂNIO, (org.), Agostinho da Silva – Pensador do Mundo a Haver, («Actas do Congresso Internacional do Centenário de Agostinho da Silva», 15-17 Nov. 2006), Lisboa, Zéfiro, 2007, pp. 449-462… 36Nexo, liame, equipolência desta fictícia balança do pensar, de facto num com sem nexo – “…floresceu às avessas/ meu ócio com sem-nexo, (…).” («A Múmia», i, in: ed. cit., p. 131) – que coloca em relação ausente o que, no limite, se diz apenas pela ‘probabilidade’ de se dar como se tal. Cf. Gilles-Gaston GRANGER, Le probable, le possible et le virtuel, Essai sur le rôle du non-actuel dans la pensée objective, Paris, Odile Jacob, 1995, pp. 129 e segs. : «Le probable comme mesure du possible». Levado às últimas consequências descobre-se um hibridamento, ou uma tessitura, como se das “cordas da física do ser”, no que para a quântica constitui a perplexidade de entanglement ou condição solidária de efeito a distância, estado de imediatez generalizada, pura interdependência… Cf. Amir D. ACZEL, Entanglement – The Greatest Mystery in Physics, N.Y., John Wiley, 2003. 37A mercê ou “misericórdia” do pensar, mais propriamente a abordagem heideggeriana da Frommigkeit do denken ainda como Gedanken e Gedächtnis… (cf. M. HEIDEGGER, tem, afinal, a exigência mais ampla de um ciclo dialéctico denegado no filósofo da Floresta Negra, mas desde Hegel eticamente determinado, ainda que como andamento da “consciència infeliz”… Em F. Pessoa não há este sonho rotundamente romântico. Apenas a evidência do com-sem nexo intervalar a si, numa postura aproximável com o que em filogénese (pretensamente se compara a tal ontogénese) se aponta na tese do split da consciência segundo Julian JAYNES, The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind, Harmondsworth, Penguin, 1979, pp. 84 e segs. 38 Efeito especular de tal mente que mente no acerto momentâneo desta certeza do simbólico: Tudo contido em tal ensimesmamento… De facto, como entrar “para dentro” de onde não se deixou de estar, senão num entrar para fora de si, como na perplexidade do espaço não-euclidiano da fita de Möbius?... VideShing-Tung YAU e Steve NADIS, The Shape of Inner Space, String Theory and the Geometry of the Universes’s Hidden Dimensions, N.Y., Basic B., 2010. 39 Cf. M. HEIDEGGER, Einführung in die Metaphysik,ed. cit., p. 1: „Warum ist überhaupt Seiendes und nicht vielmehr Nichts?“. 40De facto, a demanda do Grund remete a uma transcendência do “ôntico”…; ainda M. HEIDEGGER, Vom Wesen des Grundes, Frankfurt-a.-M., V. Klostermann, 19655, pp. 15 e segs. 41Vide, por exemplo: Gérard BUCHER, L’imagination de l’origine, Paris/ Montréal, L’Harmattan, 2000, sobretudo pp. 113 e segs. : «L«absence d’origine»… 42 Cf. Charles SINGEVIN, Essai sur l’Un, Paris, Seuil, 1969, pp. 288 e segs. : «L’un comme devoir-être». Problemática invariavelmente política do “monismo” ocidental (cf. Carl SCHMITT, Théologie politique, trad. do alem., Paris, Gallimard, 1988), que se reflecte também na mística, cf. Moshe IDEL e Bernard McGINN, (eds.), Mystical Union in Judaism, Christianity, and Islam, N.Y., Continuum, 1999 ; e vide também vários estudos em Alain DIERKENS e Benoît BEYER DE RYKE, (eds.), Mystique : la passion de l’Un, de l’Antiquité à nos jours, («Problèmes d’Hist. des Religions», t. XV), Bruxelles, Éd. de l’Univ. de Bruxelles, 2005. 43Causalidade múltipla, ou menos do que isso, apenas um conjunto de influências (vide nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Diferenciação da Influência – Tempo sociológico e moralidade”, in: vol. de Homenagem ao Prof. Doutor Mário F. Lages, U.C.P.-Lisboa, (entregue para publicação)), circunstâncias porém determinantes, como uma atmosfera do diverso… Cf. nossa reflexão: Carlos H. do C. SILVA, “Do Deus vário ao sempre Novo – Monoteísmo e sedução do múltiplo”, in: Cadernos ISTA, «Proliferação de Transcendências», VI, nº 11 (2001), pp. 5-34. 44Tudo não é um todo… A questão do infinito não se deixa reduzir ao modo racional finito sequer de o pensar (como pretende ainda René GUÉNON, Les principes du calcul infinitésimal, Paris, Gallimard, 1973, pp. 22 e segs.: «La contradiction du «nombre infini» »…). A pluralidade de causas (ainda bem sensível em ARISTÓTELES, Metaph., A, 3, 983 a, 24 e segs., a retroacção infinda de tal causalidade, ou mesmo o abandono da métrica causal na relação em

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aberto, podem constituir indicativos de várias “lógicas” (várias vidas, dir-se-ia com Pessoa) dentro ou fora de tudo o que se torne possível como fecundidade de tal ápeiron (que desde a palavra reveladora de ANAXIMANDRO, frag. B 1, in: D.-K. (=H. DIELS e W. KRANZ, Die Fragmente der Vorsokratiker, Dublin/ Zurich, Weidmann, 196612; doravante assim abreviado), t. I, p. 89, aponta para tal instância primordial)… 45 E não como diria L. WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, (1921; ed. D. F. Pears e B. F. McGuiness, London/ N.Y., Routledge/ Humanities Pr., 1961), a pretender que o como seja omnideterminante do porquê (“não havendo enigma”: Prop. 6.5), já que, como também ele reconhece: “o que precede o como” (“…Die Logik ist vor jeder Erfahrung - da� etwas so ist. Sie ist vor dem Wie, nicht vor dem Was.” (Prop. 5.552)). 46Como seria natural o poeta não se arvora em interrogante, armado da socrática ironia ou alcandorado em contemplação como a consideratio de um pasmar-se perante todos os astros ou céus juntos. ‘Há mais no céu e na terra…’ do que nesta antropolátrica filosofia, donde nem sequer o pôr por conta (da percunta que assim sonda). O que não se sabe, incontável, tem aqui seu pluralismo evidente. O que é mais próximo do espanto e de outro pré-começo da philo-sophía: um ‘poeta inspirado pela filosofia’ de tal thaûma... Cf. ARISTÓTELES, Metaph. A, 2, 982b, 12 (tò thaumázein), a lembrar os hierofantes egípcios (Metaph. A, 1, 981b, 25: ‘…skholázein tò tôn hieréon éthnos’). 47 Sim, mediunismo assim como prática experimentada pelo poeta no ver-se em outrem que assim espreita desse cristalino pórtico em que mundos se tocam e o sujeito explode plural… Cf. Adam CRABTREE, Multiple Man: Explorations in Possession and Multiple Personality, London/ Glasgow/ Toronto…, Grafton B., 1985; Stephen E. BRAUDE, First Person Plural, - Multiple Personality and the Philosophy of Mind, Boston, Rowman& Littlefield Publ., 1995… 48Tal como as definições ostensivas, os deícticos de referência, os pro-nomes desses “outros de mim” não se tangem em algum vulto de identidade: postam-se na exacta distância da múmia, do que está morto para a vida e vivo só para ser pensado. Uma personalidade (“máscara”) cogitante, ainda que do seu sentir próprio. Deste modo os heterónimos constituem a suma experiência mental de Pessoa, sem intercomunicação que não seja pela linguagem em que se carteiam ou, de outro modo, se correspondem. Cf. reflexão complementar e outras referências em nossa meditação: Carlos H. do C. SILVA, “Da Experiência Poética em Fernando Pessoa” (Comun. ao Ciclo de Confs. sobre F. Pessoa, org. Assoc. Estudantes da Secção Lisboa, da Fac. Filos. da U.C.P., Lisboa, Março, 1985), in: Várs. Auts., Fernando Pessoa – Retrato – Memória, Lisboa, 1989, pp. 29-63; ainda Id., “Fernando Pessoa e a Poética pensante do Tempo”, Comun. às II Conferêncs. Intern. de Filosofia e Epistemologia: «Heidegger-Arendt-Pessoa-Ricoeur: Do Tempo à História, da História ao Tempo», org. Instituto Piaget, Viseu, Nov. 1997 (inédito). 49 Seja nesse eco de HERACLITO DE ÉFESO, frag. B 18: ‘eàn mè élpetai, anélpiston ouk exeurései, anexepeúneton eòn kaì áporon’ (in: D.-K., t. I, p. 155; trad.: “sem esperança não se encontra o inesperado que é inatingível e inacessível”; vide ainda Roger von OECH, Espérer l’inespérable, Vivre selon Héraclite, Paris, La Table Ronde, 2003); ou num ‘entrelaçar de mãos’ (vide infra n. 112), num fazer a teia do destino no fuso imponderável… como no drama da hora suspensa de «O Marinheiro»: “Velamos as horas que passam… O nosso mister é inútil como a Vida…” (in: F.P., Obra Poética, ed. cit., p. 447). 50 O pensar ortónimo carrega consigo e a mais este para, este sentido enquanto finalidade ou télos, como se tal para não fosse desde logo outro sinal de um desdobramento iminente, uma para-nóia própria e assim breve alheada. Vide a interessante reflexão de Jacques J. ROZENBERG, Philosophie et folie, Fondements psychopathologiques de la métaphysique, Paris, L’Harmattan, 1994. 51Sim, o paganismo (ainda que cristão) da procissão em festa dos sentidos…: “porque o pagão aceita uma procissão sem desagrado mas vira as costas à mística de Santa Teresa de Jesus. A interpretação cristã do mundo causa-lhe náuseas; mas uma festa de igreja, com luzes, flores, cantos e depois a romaria – estas coisas ele aceita como boas (…)” (António MORA, «Regresso dos Deuses», in: Obras em Prosa, ed. cit., p. 177). Que não, pois, a alma mesmo quando divinizada e expectante, como uma Teresa de Ávila mística, porquanto afinal mulher e sujeito apesar de tudo. Cf. Mercedes ALLENDESALAZAR, Thérèse d’Avila, l’image au féminin, Paris, Seuil, 2002, vide sobretudo pp. 170 e segs. : «Une cure infinitésimale. Où l’on s’étonne que l’âme n’en finisse pas de naître». 52Como se na estética não tivessem razão os Jansenistas ao discernirem «eleitos» e fazerem temer que a ‘saúde lógica’ não seja para todos (apenas para o todo). Cf. Antoine ARNAULD e Pierre NICOLE, La logique ou l’art de penser, (1662), Paris, Gallimard, 1992, pp. 22 e segs. 53Seria a glosa mefistofélica de um intrujar por esse fazer sentir a tribo, o sentimento gregário além da família primitiva, e convencer pela retórica persuasão que há uma «comunidade de destino», num grito de ordem tal: “Im Anfang war die Tat” (cf. GOETHE, Faust, v. 1237) Ao invés, há ‘almas’ várias, um animismo imenso, até animal, também no dito corpo colectivo do primitivo estádio de kamo (como diz Maurice LEENHARDT, Do Kamo, La personne et le mythe dans le monde mélanésien, Paris, Gallimard, 1971, pp. 76 e segs., na noção vitalista de «bao»…) ou de uma «ciência do concreto» (tal o refere Claude LÉVI-STRAUSS, La pensée sauvage, Paris, Plon, 1962, pp. 3 e segs.), remetendo à mentalidade primitiva não centrada em sujeito pessoal. Cf. Claude LÉVI-BRUHL, L’âme primitive, Paris, Alcan, 1927, reed. PUF, 1963, pp. 59 e segs. 54 Eis o realismo do que exorciza a “luciferina teologia moral” da acção (como se lembraria de Thomas MERTON, Seeds of Contemplation, Westport, Greenwood Pr., 1976, pp. 62 e segs.: «The Moral Theology of the Devil»; Id., The New Man, Wellwood, Burns & Oates, 1976, pp. 15 e segs.: «Promethean Theology»…): fragmentando até à

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impossibilidade do sistema… Reconhecer fragmentado o que assim não pode ser morto em sua pretensa unidade. Cf. Ralph HEYNDELS, La pensée fragmentée, Bruxelles, Pierre Mardaga, 1985, pp. 9 e segs. : «Discontinuité et signification». A questão não é de agir mas está no poder, mesmo quando, e sobretudo enquanto, in-activo. Cf. Bruno GNASSOUNOU, «Pouvoir et possibilité», in: B. GNASSOUNOU e Max KISTLER, (dirs.), Causes, pouvoirs, dispositions en philosophie – Le retour des vertus dormitives, Paris, PUF, 2005, pp. 71-114. É de remeter no contexto do “budismo” pessoano para o mais preciso sentido de um agir, não agindo (o taoísta wou wei), cuja exacta eficácia não-activa foi muito bem salientada por François JULLIEN, Traité de l’efficacité, Paris, Bernard Grasset, 1996, pp. 105 e segs.: «Ne rien faire (et que rien ne soit pas fait)». 55Em Pessoa exorciza-se ainda o contacto, quiçá por um pudor psicanalisável, mas sem dúvida na estóica apatheía do sereno espectáculo do desassossegado sentir. Ora, o ponto fecundo de todo o opus, o que concita o poder em enérgeia, o que permite a maturação da potência é um tal contágio. Doença ou saúde, vida ou morte… tudo se habita deste contagioso poder, ali em Pessoa selado pelo hermético da descontínua sensação. Tudo é diferente e assim não contagioso… Sobre esta “categoria” relacional de contágio, paralela à de relação, analogia, etc., como também à de assimilação, integração, união…, cf. Saul JARCHO, The Concept of Contagion In Medicine, Literature, and Religion, Malabar, Krieger Publ. Co., 2000 e vide a abordagem médica também da antiga filosofia… Vide A.-J. VOELKE, La philosophie comme thérapie de l’âme, Fribourg/ Paris, Acad. Pr. Fribourg/ Cerf, 1993 ; Pierre HADOT, Qu’est-ce que la philosophie antique?, Paris, Gallimard, 1995, sobretudo pp. 145 e segs. 56Como poderia começar, como poderia findar, o que não tem génese conhecida nem esperado termo? (quase no eco do «Poema» de PARMÉNIDES DE ÉLIA, frag. B 8, vs. 6 e segs.; in: D.-K., t. I, pp. 235-236) O «justo meio» mantém-se no intervalo exacto, tal o meditámos noutros lugares: cf., por exemplo, Carlos H. do C. SILVA, “Do Intermédio da Pátria ou do periclitante tempo nacional”, in: Nova Águia, nº 2 – 2º Semestre (2008), pp. 100-118. 57 De ARISTÓTELES, Polit. I, 1, 1253 a e segs., a Jürgen HABERMAS, Erkenntnis und Interesse, Frankfurt-a.-M., Suhrkamp V., 1968, pp. 73 e segs., passando por todas as utopias, foi sempre o ciclo da expectativa ético-política (como mostra a vasta síntese de Ernst BLOCH, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt-a.-M., Suhrkamp V., 1959), ao invés da pura sociologia e hoje socio-biologia (lembrar: Edward O. WILSON, On Human Nature, Cambridge (Mass.)/ London, Harvard Univ. Pr., 1978, pp. 149 e segs.: «Altruism»…) de uma «memética» comportamental (vide Susan BLACKMORE, The Meme Machine, Oxford, Univ. Pr., 1999, pp. 175 e segs.). 58 Necessidade da sempre “segunda navegação” (Platão), do torna-viagem, do ir e vir aparentemente dialéctico, mas que aponta para o momento intermédio, já nem sequer social ou de animal inércia, porém como arte ou técnica de sentir-se sentindo. Desdobramento do animal em homem e deste em divino, como dirá Pessoa: Deus, um homem, de um Deus maior… : “Deus é o homem de outro Deus maior” (Soneto «No túmulo de Christian Rosenkreutz», in: F.P., Obra Poética, p. 190). 59 Cf. F. PESSOA/ BARÃO DE TEIVE, A Educação do Estóico, (O Único Manuscrito do Barão de Teive: a impossibilidade de fazer arte superior), Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 24. Toca-se aqui a dificuldade do “átomo” mínimo de sentido no ajuste pensante disso mesmo que como aforismo inteiro se deixa intuir. “O escrúpulo da precisão, a intensidade do esforço de ser perfeito – longe de serem estímulos para agir, são faculdades íntimas para o abandono.” (Ibid., p. 25). Unidades micro-lógicas de signos primitivos nas caves subconscientes de uma vibração tal a das petites perceptions (Leibniz), ou já os sutras-versos de uma desenvolta arte poética? F. Pessoa constata essa mínima referência em termos de «emoções»: “As pequenas emoções ficaram. (…)” (Ibid.) Colunata extravagante do humano esculpido de permeio à natureza… - Deixamos em aberto a questão não só de escala e quantidade de tal “átomo” pensante, - “Mil ideias juntas, cada uma um poema, que cresciam inúteis.(…)” (Ibid., p. 25), – mas do número de alma que o deixa reconduzido à aurea proportio do templo real. “Fui sempre um milimetrista do pensamento, escrupuloso na linguagem que escrevesse e na disposição do pensamento que houvesse de expor.” (Ibid., p. 26). Remete-se ainda para o nosso ensaio reflexivo: Carlos H. do C. SILVA, “Uma nova maneira de pensar” (Comunicação ao VIII Colóquio Tobias Barreto, orgº. pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, em 15 de Outubro de 2007 na sede da «Sociedade Histórica da Independência de Portugal», em Lisboa; a publicar). 60 Não seria este o receio angustiado de Sísifo (no absurdo de Albert Camus), nem a mera crítica marxista ao capitalismo também moral, não só injusto mas ineficaz. Outrossim, o que demanda revolução mais profunda como a da ironia de Diógenes, o Cínico, na ágora procurando alguém. O rosto de um poder de estar presente; mais, um poder ser-me. Cf. ainda Maurice BLANCHOT, L’écriture du desastre, Paris, Gallimard, 1980, p. 74: «Accepter cette distinction : «il faut» et non «tu dois» - peut-être parce que la seconde formule s’adresse à un toi et que la première est une affirmation hors loi, sans légalité, une nécessité non nécessaire ; tout de même une affirmation ? une violence ? Je cherche un «il faut» passif, usé par la patience.» 61Como se na “vida conversada” não pudesse haver conversas paralelas, mais do que cruzadas. Desníveis de sercomo já se aludiu com R. Guénon ou a Tradição cabalística… (vide supra ns. 26, 41…). Cf. ainda Bernard SALIGNON, Les déclinaisons du réel, Paris, Cerf, 2006, pp. 115 e segs. : «L’art et le réel». 62Cf. a propósito, da literatura à matemática, este falar limite do inefável… Cf. Jean-Louis HOUDEBINE, Excès de langages, Paris, Denoël, 1984.

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63 Mais do que uma inspiração, uma mor densidade possessiva, em qual êxtase ou, como prefere dizer Mircéa ÉLIADE, Techniques du Yoga, Paris, Gallimard, 1948, p. 93. «Samadhi», um entasis assim concentrado. Vide ainda sobre o xamanismo: M. ÉLIADE, Le chamanisme et les techniques archaïques de l’extase, Paris, Payot, 1951 e reed. 1983, pp. 21 e segs. : «Chamanisme et vocation mystique». 64 Notem-se os vários “ingredientes” aqui aduzidos: a terra de Al-chemi, a matriz ctónica da Alquimia segundo esta sua pretensa etimologia; depois, a noite, qual símbolo líquido das “águas primordiais”, assim invocada por Pessoa na «Ode Marítima» de Álvaro de Campos… e ainda deste heterónimo o fragmento de Ode: «Vem, Noite, antiquíssima e idêntica…»; enfim, a operação alquímica ou pela via húmida, como ainda refere Pessoa, e este passo pela operação niger... O terceiro caminho de uma água de vida, outrossim fogo vital (rubedo)e operação pelo fogo húmido, frutuoso em opus, contrastante com a magia telúrica e a mística celeste e nocturna… Cf. F. PESSOA, “Sobre a Alquimia”, in: «Estádio gnóstico», António QUADROS, (ed.), F. P., Obra Poética e em Prosa, vol. III: Prosa 2, Porto, Lello & Irmão Eds., 1986, pp. 426-427 e vide “O feitio da Serpente e a Grande Obra”, in: Ibid., pp. 518-519. 65 Resume-se assim o estádio gnóstico e tal inclinação dominante na obra de Pessoa. Cf. Ibid., pp. 391-392: “(…) A perfeição da obra espiritual é a correspondência exacta entre o interior e o exterior, entre a «alma» e o «corpo», de sorte que o conhecimento de um envolva necessariamente o conhecimento do outro. A Grande Obra é aquela em que o «metal», sendo composto, segundo a razão, de modo a ser o «ouro», material perfeito, seja, no mesmo acto, composto, segundo a analogia, de modo a ser o «ouro» espiritual simbolizado. (…).” 66Dissemos antes, com António Quadros (cf. ns. 61 e 62), o estádio como se o tempo se resolvesse em fases e idades de uma coerência (seja milenarista e joaquimita, seja sebástica ou tão só quinto-imperial…). Mas é necessário não confundir o teatro do momento com o cenário possível dos possíveis cenários. Vários tentaram esclarecer o tempo em Pessoa: por exemplo, Maria Vitalina Leal de MATOS, A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa, e outros ensaios pessoanos, Lisboa, Verbo, 1992; e vide outras referências em nossa reflexão: Carlos H. do C. SILVA, “Fernando Pessoa e a Poética pensante do Tempo”, Comun. às II Conferêncs. Intern. de Filosofia e Epistemologia: «Heidegger-Arendt-Pessoa-Ricoeur: Do Tempo à História, da História ao Tempo», org. Instituto Piaget, Viseu, Nov. 1997 (inédito), mas subsiste esse grande escultor no heterónimo ignorado de Pessoa e a que se refere Marguerite YOURCENAR, Le temps ce grand sculpteur, Paris, Gallimard, 1983, pp. 9 e segs.: «Sur quelques lignes de Bède le Vénérable»… Videainda TARKOVSKI, Die Versiegelte Zeit,Gedanken zur Kunst, zur Ästhetik und Poetik des Films, Berlin, Ullstein GmbH. V., 1998. 67Como se reflectiria em contraste com o tempo-escultor, com a perdurável pedra rendilhada em água e na erosão (ainda de M. Yourcenar, como de Gaston Bachelard…), interrompe-se pela foto-química impressão da arte fotográfica (meditada em Walter BENJAMIN, »Kleine Geschichte der Photographie«, in: Gesammelte Schriften, Frankfurt-a.-M., Suhrkamp V., 1975, t. II, pp. 368-385…). O instantâneo devolve o tempo da elaboração ao poder consequente da sua “reprodutividade técnica”. Não – também em Pessoa – o romantismo da hora, mas esta técnica da relojoaria de almas várias e num mundo a desoras… Veja-se o génio heterónimo do Engenheiro: “… salto por cima do tempo,/ Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido/ Por dentro da acção dos êmbolos, por fora do giro dos volantes./ Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstracta e louca,/ Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida, / Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas, / E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.” (Álvaro de CAMPOS, «Passagem das Horas», in: Obra Poética, p. 350). 68Vide biografia João Gaspar SIMÕES, Vida e Obra de Fernando Pessoa, ed. cit., pp. 65 e segs.: «Educado no Estrangeiro - Durban» e pp. 95 e segs.: «Lisbon Revisited»… 69Mitificado assim, desde Pitágoras, Platão e Heródoto até Numénio, Jâmblico, Plotino… Cf., porexemplo, J. Albert FAURE, L’Égypte et les présocratiques, Paris, Stock, 1923 ; M. L. WEST, Early Greek Philosophy and the Orient, Oxford, Clarendon Pr., 1971, e vide ainda George G. M. JAMES, Stolen Legacy, Greek Philosophy is Stolen Egyptian Philosophy, N.Y., African American Images, 2001… Vide n. seg. 70 Como pretendem os defensores das origens africanas de toda a Sabedoria…Vide BERNAL, Black Athena – The Afroasiatic Roots of Classical Civilization, 3 vols., London, Free Association Books, 2006… e vide n. anterior. 71De facto, após o Renascimento, em larga medida a inteligência europeia das suas clássicas raízes ficou condicionada pela ‘metodologia’ da Aufklärung e, sobretudo, da dialéctica histórica do Idealismo alemão, seja pelas sínteses de Hegel, Schelling…, seja mesmo pelo ulterior voluntarismo de Schopenhauer e Nietzsche. Cf. Hoëne WRONSKI, Philosophie absolue de l’Histoire ou Genèse de l’humanité, - Historiosophie ou Science de l’histoire, I, Paris, Amyot, 1852, c. II, pp. 85 e segs. Ora é este longo caminho dominante (e dominador) que Pessoa recusa na leitura mediterrânica neo-pagã num atalho, de facto, estésico e órfico… Vide ns. seguintes. 72 Cf. F. P., «Cristismo em liquidação» [dat. 1917?], in: Obras em Prosa, pp. 193 e segs. e vide Ibid., p. 207: “A Grécia é um recomeçar. A Grécia é um regresso ao ponto de começo de todos os ciclos civilizacionais: o paganismo grego identifica-se em género à religião primitiva. Mas é uma oitava acima.” (António MORA, «Teoria dos Deuses» [dat. 1917?]). 73Como já sabiamente evidenciado, adentro das formas da Literatura ocidental, no contraste entre o espectáculo épico da mensagem helénica de tipo homérico e a absolvição do drama em vozes do bíblico teor da narrativa, por Erich AUERBACH, Mímesis, Dargestellte Wirklichkeit in der abendländischen Literatur, Bern, Francke V., 1946, pp. 21 e segs.

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74 Nem teoria da significação, nem teoria da representação, como também dispensabilidade da exegese e até da hermenêutica, já que basta a gramática, a sintaxe escorreita e sobretudo de uma tal sábia semiótica assim tão económica. Isto intuiu Hegel na Ästhetik,ed. G. Lukács, Frankfurt-a.-M., Europäisher V. GmbH, 1955, t. I, pp. 22 e segs., ao ter percebido que para os Gregos a arte ainda não era a cultura, ou o significado estético-cultural da Arte, mas a directa expressão do seu ser-estar… De forma similar o reconhece M. HEIDEGGER, Die Ursprung der Kuntswerkes, in: Id., Holzwege, Frankfurt-a.-M., V. Klostermann, 1963, pp. 7-68, vide sobretudo, pp. 46 e segs. 75Claro que nunca será explicando que se compreende, mas pela atenção imediata e tal indicativo exacto e sem mais. De resto por muito que se fale, ou se cale, o que importa é dizer o quanto baste. É este o registo heraclitiano ainda muito presente na lição de Pessoa. Cf. HERACLITO DE ÉFESO, frag. B 93: ‘ho ánax, hoû tò manteîón esti tò en Delphoîs, oúte légei oúte krýptei allà semaínei.’ (in: D.-K., t. I, p. 172). 76 Mais universos que se entornam em nós. Nós o caminho deles… não quem escolhe a via e faz o seu pequeno mundo identitário. Ainda a lição mediúnica da «múmia», cf. supra ns. 9, 15, 33. 77 No eco de OSHO, Walk Without Feet, Fly Without Wings, and Think Without Mind, - Responding to disciples’ questions, New Delhi, Full Circle Publ., 1999 e reed. Eis atingida a perfeita iluminação não só destas fórmulas com que pelo apofático se ilustra a libertação dos sentidos (como refere ainda OSHO, por exemplo em: Heartbeat of the Absolute, Discourses on the Ishavasya Upanishad, Shaftesbury/ Rockport/ Brisbane, Element B., 1980, pp. 27 e segs.), mas sobretudo num retorno ao ver, ouvir, entender outrossim tudo de todas as maneiras no delírio de buddhi, cuja luz (supostamente “branca”) não dispensa a dança pluralíssima de todas as cores… Recorde-se ainda a iluminação parmenídea e a nota sobre o variegado das cores no indispensável “caminho” por onde não há caminho… Tocámos esta revalorização da dóxa e das dokoûnta em diversa leitura dos dicrânicos: cf. Carlos H. do C. SILVA, “Díkranoi: Da dupla visão ao discernimento – Crítica da expressão em Parménides (B, 6, 5) e sua revalorização simbólica”, in: Didaskalia, VI (1976), pp. 307-379. 78Foi assim que de Álvaro Ribeiro ou de José Marinho, entre outros dos discípulos de Leonardo, pudémos convocar conversando o caso de Pessoa, num clima que relatamos em: Carlos H. do C. SILVA, “Da Experiência Poética em Fernando Pessoa”, in: Várs. Auts., Fernando Pessoa – Retrato – Memória, Lisboa, 1989, pp. 29-63. 79 Não um eixo vertical, como na “poesia branca” e conversiva segundo René DAUMAL, (cf. infra n. 132 e vide Id., Poésie noire, poésie blanche, - Poèmes, Paris, Gallimard, 1954), nem sequer a orientação horizontal – apesar de ‘tanto mar’ e ‘tanto horizonte’ assim perfilado em confins ou estreitezas do dizer, – outrossim, aquela ‘linha de costa’ que faz entremeio das distâncias e multiplica, caleidoscópica, a arte de sentir. (Cf. F. P., Mensagem, II, 2: «Horizonte», in: Obra Poética, p. 78). Será poesia negra, ainda segundo o aparente maniqueísmo de Daumal?, ou como dizemos noutro lugar um sumo destino espiritual da poesia? (cf. Carlos H. do C. SILVA, “Poesia e experiência espiritual”, (Comun. Univ. Évora, Depart. de Línguas e Literatura, 3 Junho 1998) in: Itinerarium, XLV, nº 163, Jan.-Abr. (1999), pp. 29-44. Lembre-se a «Chuva oblíqua» (F. P., «Cancioneiro», in: Obra Poética, pp. 113 e segs.)… 80 Muito estudado por Henry CORBIN, «Prélude» a Id., (ed.), Shihâboddîn Yahyâ SOHRAVARDÎ (Shaykh al-Ishrâq), L’Archange empourpré – Quinze traités et récits mystiques, trad. do persa e ár., Paris, Fayard, 1976, p. XV: “(…) Le mot Ishrâq [traduit] par «illumination». Le mot réfère à la vision intérieure de l’«Orient» de la lumière levante(…) le Xvarnah. Il s’agit d’une connaissance qui est illuminative parce qu’elle est «orientale», e qui est «orientale» parce qu’elle est «illuminative». E vide Ibid., pp. 265 e segs. : «Le récit de l’exil occidental»… 81Vide esta persistência do paradigma espacial-visual na noção de transcendência, cf. Michel PICLIN, La notion de transcendance, Son sens – Son évolution, Paris, Armand Colin, 1969, sobretudo pp. 85 e segs., longe da equação “absurda” de um saltar sobre-si mesmo, como se poderia dizer como um koan do Zen… Toshihiko IZUTSU, Le kôan Zen. Essais sur le bouddhisme zen, trad. do ingl., Paris, Fayard, 1978, pp. 27 e segs. É para tal intrínseco transcender-se, aliás entrevisto por Jean-Paul SARTRE, L’être et le néant, Essai d’ontologie phénoménologique, Paris, Gallimard, 1948, pp. 219 e segs.: «La transcendance», que a poética do outrar-se pessoano aponta: “La connaissance comme type de relation entre le pour-soi et l’en-soi» (Ibid., pp. 220 e segs.). 82 Cf. Henry CORBIN, (ed.), ShihâboddînYahyâ SOHRAVARDÎ (Shaykh al-Ishrâq), L’Archange empourpré – Quinze traités et récits mystiques, ed. cit., pp. 265 e segs., mas vide também Id., Corps spirituel et Terre céleste, De l’Iran mazdéen à l’Iran shî’ite, Paris, Buchet/ Chastel, 1979, pp. 17 e segs. 83É nesta perspectiva que recusamos as geografias míticas da Pátria, como também as estruturações absolutas de uma metafísica angelicamente verdadeira, porém sem cheiro vital, sem encarnação relativa ou humaníssima gente. Falta ao perfeito mapa a intuição – o noûs ou o “faro” – de um sítio qualquer… Cf. Richard Broxton ONIANS, The Origins of European Thought, Cambridge, Univ. Pr., 1951, pp. 82-83 e vide outras referências em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Ver, ouvir e entender – ou da originária mudez do lógos filosófico” - ou da originária mudez do lógos filosófico. Tradição pré-socrática e destino do pensar”, in: Várs. Auts., Razão e Liberdade, Homenagem a Manuel José do Carmo Ferreira, Centro de Filosofia - Univ. de Lisboa/ Departam. De Filosofia da Fac. de Letras da Univ. de Lisboa, 2009, vol. I, pp. 519-569. 84 Retorno às aporias de Zenão de Élia, sobretudo na hipótese do continuum e do que em cada momento diagnostica em dicotomias sucessivas, mas nunca iguais, a suposta mesma incongruência finito-infinito. Cf. Rafael FERBER, Zenons Paradoxien der Bewegung und die Struktur von Raum und Zeit, München, C.H. Beck V., 1981, pp. 75 e

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segs. Esse ponto instável, mas cuja lei repetitiva está dada, é ignorado em si mesmo, uma insignificância, entretanto, determinante do argumento. Insignificância que várias vezes foi dita por esse não sei quê: cf. Richard SCHOLAR, The Je-Ne-Sais-Quoi in Early Modern Europe, Encounters with a Certain Something, Oxford, Univ. Pr., 2005. 85Quais semi-categorias, ou melhor dizendo, formas a priori da intuição sensível… (como em Kant), entretanto não destinadas à síntese, ao predomínio da Analítica dos juízos assim sintéticos a priori, mas como eixos conjugatórios de tudo de variados modos e tantos quantos os possíveis de serem sentidos… Cf., entre outros, Michel MEYER, Comment penser la réalité?, Paris, PUF, 2005, pp. 53 e segs. : «Catégorisation, modalisation et réduction problématologique»… 86O andamento em F. Pessoa não é o de espiritualizar o mundo, mas desta naturalização do espírito – como fica célebre da mística de Caeiro: “se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o./ Sou místico, mas só com o corpo./ A minha alma é simples e não pensa.// O meu misticismo é não querer saber./ É viver e não pensar nisso. (…)” (A. CAEIRO, «Guardador de Rebanhos», xxx, in: Obra Poética, p. 220). Vide supra n. 16 ou infra n. 86. 87 De facto, nada menos do que “esse nascer de novo, ou do Alto” (Jo 3, 8…) numa real mutação de consciência. Cf. nossa meditação: Carlos H. do C. SILVA, “Trans-disciplinarité et mutation de conscience” (Comun. ao 1º Congrès Mondial de la Transdisciplinarité, Arrábida, Nov. 1994), in: Várs. Auts., Transdisciplinarity/ Transdisciplinarité – 1st World Congress at Arrabida, [Actas], Lisboa, Huguin, 1999, pp. 181-192 – texto em que retomamos Fernando Pessoa. 88 Que se pretende dizer com física de alma? Não por certo a especulação, por exemplo, de Frank J. TIPLER, The Physics of Immortality,- Modern Cosmology, God and the Resurrection of the Dead, London, MacMillan, 1995…, sobre a imortalidade à luz da ciência contemporânea, ou em qualquer outro positivismo e até “materialismo espiritual” como lhe chamaria Chögyam TRUNGPA, Cutting Through Spiritual Materialism, Berkeley, Shambhala, 1973, pp. 14 e segs. A física psico-lógicaa que aqui nos referimos também não é directamente o atomismo de Leucipo e Demócrito nas teorias àcerca da alma, ou de outras “cosmologias” retomadas no micro-cosmos humano. A física recolhe aqui as mínimas instâncias de uma consciência sensível, ainda que sem “matéria” ou sem “razão”... cf. Françoise MONNOYEUR, (dir.), Qu’est-ce que la matière? Regards scientifiques et philosophiques, Paris, Libr. Génér. Française, 2000. 89 Cf. Louis MASSIGNON, Essai sur les origines du lexique technique de la mystique musulmane, (1968), Paris, Cerf, 1999, pp. 304 e segs. evidesupra n. 16. 90Como antecipámos acima, cf. n. 14. 91 Uma filosofia da saudade pode ser; uma estética saudosa nunca. O dolente da temporalidade, a purgação saudosa – como chegámos a alvitrar cf. Carlos H. do C. SILVA, “Saudade e Experiência Mística” (Comun. ao «Colóquio Luso-Galaico sobre a Saudade», Inst. Luso-Brasileiro de Filosofia, Viana do Castelo/ Santiago de Compostela, 2 Junho 1995), in: Actas do I Colóquio Luso-Galaico sobre a Saudade, Viana do Castelo, Câmara Municipal, 1996, pp. 117-143 - não decai no sentir hic et nunc. Apenas o considera de uma linguagem, ou a partir de alguém, como se as sensações tivessem «sujeito» ou voz postiça como na simbolização da humana civilização logóica… Cf., neste sentido ainda algumas das perspectivas de Paulo BORGES, em «Da Saudade», in: Id., Da Saudade como via de libertação, Lisboa, Quidnovi, 2008, pp. 87 e segs. 92 Tal o explorámos no nosso estudo já citado: Carlos H. do C. SILVA, “Da Experiência Poética em Fernando Pessoa” (Comun. ao Ciclo de Confs. sobre F. Pessoa, org. Assoc. Estudantes da Secção Lisboa, da Fac. Filos. da U.C.P., Lisboa, Março, 1985), in: Várs. Auts., Fernando Pessoa – Retrato – Memória, Lisboa, 1989, pp. 29-63. 93 Como aconteceria em Hamann, como em Franz von Baader, ou mesmo em Jacob Böhme… Um desejo tal que se constitui no conatus aparentemente natural e espinoziano, afinal de um querer sem fim. Cf. Laurent BOVE, La stratégie du conatus, Affirmation et résistance chez Spinoza, Paris, Vrin, 1996, pp. 19 e segs., ligando esta dimensão com o hábito e a cerzida constituição do mundo. Nada disto se observa no plural contraponto de Pessoa não concordante consigo mesmo. 94 Parece, de outra maneira, o âmbito psicológico da ‘análise temperamental’ que chegou a ser esboçada por Nietzsche, embora em Pessoa numa encenação não-identificante ou sem patologia e idiossincrasia própria. Cf. Didier FRANCK, Nietzsche et l’ombre de Dieu,Paris, PUF, 1998, pp. 96 e segs. : «Circulus vitiosus Deus ?» ; e vide F.P., «Filósofos, Sistemas e Ideias», in : António QUADROS, (ed.), F.P., Obra Poética e em Prosa, vol. III Prosa 2, ed. cit., pp. 220 e segs., especialmente pp. 231 e segs. 95 Estará nisto que falta, que se retira (como no tzim-tzum da Criação segundo a kabbalah de Luria), o fabuloso hiato ligador entre sensações, tornando aparentemente contínuo o que é o efeito ilusório da ‘sobre-imposição’ mental. Cf. como no Brahmanismo a teoria da ilusão, assim referida como sobre-imposição, Michel HULIN, Shankara et la non-dualité, Paris, Bayard, 2001, pp. 121 e segs.: «Structure de l’ignorance», sobre a Introdução ao comentário de Shankara sobre o Brahmasûtra, e a doutrina de adhyâsa ou “sobre-imposição”. 96 Volta-se às fórmulas acabadas da «Autopsicografia»: “O poeta é um fingidor…”, in: «Cancioneiro», Obra poética, pp. 164-165. Vide supra n. 31. 97 Lastro que se analogaria com o alâya vijñâna da tradição budista… Cf. Philippe CORNU, Dictionnaire Encyclopédique du Bouddhisme, Paris, Seuil, 2001, pp. 38-39; e vide nossa reflexão a propósito da atenção completa envolvendo esse “lastro”, esse outro de mim: Carlos H. do C. SILVA, “O problema da atenção no Vipassana”, (Comun. ao “Colóquio: A Mente, a Religião e a Ciência”, promovido pelo Projecto de Investigação «A Filosofia e as Grandes

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Religiões do Mundo…», Centro de Filosofia da Fac. de Letras de Lisboa), in: Carlos João CORREIA, (Coord.), A Mente, a Religião e a Ciência, (Actas do Colóquio), Lisboa, Centro de Filosofia da Univ.de Lisboa, 2003, pp. 29-61. 98 O tema do confronto apolíneo-dionisíaco, como se sabe, está exemplarmente caracterizado por Giorgio COLLI, La Sapienza Greca, Milano, Adelphi, 1977, pp. 25 e segs. na sequência de Nietzsche. 99Seria mais exactamente como diz Maurice BLANCHOT, L’écriture du désastre, ed. cit., p. 98: «L’écriture fragmentaire serait le risque même. Elle ne renvoie pas à une théorie, elle ne donne pas lieu à une pratique qui serait définie par l’interruption. Interrompue, elle se poursuit. S’intérrogant, elle ne s’arroge pas la question, mais la suspend (sans la maintenir) en non-réponse (…).» Há, assim, um vaivém continuado do que me descontinua, como o poeta acerta em dizer: “Grandes mistérios habitam/ O limiar do meu ser,/ O limiar onde hesitam/ Grandes pássaros que fitam/ Meu transpor tardo de os ver.” (F.P., «Cancioneiro», in : Obra Poética, p. 175). Não há hora comum entre este pressentir o que me habita e o justamente tarde de me reconhecer na visão disso que me fita… intermitência abissal. 100 Cf. René DAUMAL, Le Mont Analogue, roman d’aventures alpines, non euclidiennes et symboliquement authentiques, Paris, Gallimard, 1981, pp. 63 e segs. ; vide pp. 66-67 : « La seule hypothèse admissible est que la «coque de courbure» qui entoure l’île n’est pas absolument – c’est-à-dire toujours, partout et pour tous – infranchissable. A certain moment et à certain endroit, certaines personnes (celles qui savent et qui veulent) peuvent entrer. » Eis o sinal de tal « entrada »- iniciação num caminho transcendente… 101 Duas leituras aqui: aquém, de sequer se sentir vário, de se pensar número, se meditar plural… será o caos de outra imediatez não-eloquente do viver ou menos do que isso (cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Caos e experiência espiritual”, in: Várs. Auts., Caos e meta-psicologia, Colóq. LNETI, Lisboa, 17-19/Dez./1992, Lisboa, ed. Fenda, 1994, pp.279-306); além, como em ARISTÓTELES, Metaph. IV, 2, 1003 a, 33 e segs.: ‘tò dè òn légetai mèn pollakhôs…’, se pensou há o limite equívoco assim da ciência ou do conhecimento (ontológico) possível… Cf., por exemplo : Gilbert Romeyer DHERBEY, Les choses mêmes, La pensée du réel chez Aristote, Lausanne, L’Âge d’Homme, 1983, pp. 149 e segs. : «Le sensible et le sentant». 102De permeio, nem nas trevas caóticas, nem no não menos entrevante deslumbramento da Verdade impossível à pluralidade, advém a arte, ou a tékhne, enquanto capacidade de extraír a luz das trevas, numa via assim simbolicamente «alquímica», em que a abstracção plenamente opera a partir da sensibilidade e como respectiva atenção plural a partir da mesma. Cf. Marc-Antonio CRASSELAME, La Lumière sortant par soi-même des ténèbres, Paris, Denoël, 1971 ; e vide Françoise BONARDEL, Philosophie et Alchimie, Grand Œuvre et modernité, Paris, PUF, 1993, sobretudo pp. 163 e segs. 103Crux philosophorum… - assim está o nó que desde a pleonástica Sphínx (cf. Pierre WEIL, Esfinge: Estrutura e Mistério do Homem, Petrópolis, Ed. Vozes, 1973…) até KANT (cf. supra n. 28) se mantém contrariando o processo extractivo, libertador… de um sentir-lúcido, ou de algo diferente ainda… Cf. Bernard SALIGNON, Les déclinaisons du réel,ed. cit., pp. 115 e segs. 104Sensacionismo, futurismo, nova poética… - fórmulas, afinal bem literárias, do expediente pessoano. Uma arte de fazer alterar ritmos, acelerar vibrações, suspender ritmos para ressaltar o que já simplesmente é e noutros poetas luminosos não foi necessário fazer brilhar “à força”… Tal o reflectimos: Carlos H. do C. SILVA, “Poesia e experiência espiritual”, (Comun. Univ. Évora, Depart. de Línguas e Literatura, 3 Junho 1998), in: Itinerarium, XLV, nº 163, Jan.-Abr. (1999), pp. 29-44. Como alguém (José Marinho) disse, Pessoa seria poeta assim menor por re-conhecimento mesmo da absoluta inspiração em Pascoaes: “A folha que tombava/ Era alma que subia.” Comentado por Pessoa: “Aqui temos o acto material, que é a queda de uma folha, concebida como acto espiritual (…) Que provamos, pois? Que a nossa nova poesia é a poesia auroral de uma Nova Renascença, que é uma poesia perfeita e plenamente original.” (F.P., «Uma réplica ao Senhor Dr. Adolfo Coelho», in: Obras em Prosa, pp. 402-403). 105 Problema ainda “ortónimo” das personalidades múltiplas (cf. actualmente Ian HACKING, Rewriting the Soul, Multiple Personality and the Sciences of Memory, Princeton, New Jersey, 1995, pp. 159 e segs. e vide supra n. 44), das justificações dos heterónimos (vide as “Páginas de auto-interpretação…», cf. Obras em Prosa, pp. 81 e segs.: «Génese e justificação da heteronímia»), até a clínica consciência da tangência entre génio e loucura… (como nas já referidas “Cartas a dois psiquiatras franceses”, n. 5) - tudo isto meras possibilidades aquém ou além do diverso sensível (im-possível).Vide também: F.P., Escritos sobre Génio e Loucura, ed. crít. J. Pizarro, Lisboa, IN-CM, 2006, 2 ts. 106 Que outro é este? – fora do dizer-se sensível assim?… Deixa-se, pois, nesta anotação a pura irrespondida interrogação: ? 107Mediunismo como “razão” possível, resposta a mais para a qual será, então, necessário encontrar as perguntas de uma inteligência assim sensível- ouvida. Porém além de tal “possessão” também simbólica está a conversação com o Anjo da guarda…: “[Sobre a quinta e última qualidade de entendimento dos símbolos]…Direi a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.” (F.P., «Nota preliminar» [s.d.], anteposta à Mensagem, in: Obra Poética, p. 69). 108Trans-poéticocomo se diria a partir de Michel CAMUS, «Sortir de la poésie, mais sortir dedans.», - referido por Basarab NICOLESCU, como: “seule porte ouverte pour sortir de la littérature: la transpoésie.” (in: “L’homme troué” (Préface) a Michel CAMUS, L’Arbre de vie du vide, Paris, Lettres Vives, 2001, p. 13) em convergência ao que por Ramos

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Rosa no seu exergo se salienta: “À qui confier ce que je ne sais pas?”…, - o que reconduz ainda a Caeiro, a Campos, a Reis, entre outros que incorporam a ideia do Super-poeta, seja Camões, Shakespeare ou Dante… Cf. F.P., “Idéias estéticas…”: «Reincidindo», in: Obras em Prosa, pp. 377 e segs.; e vide Maria Vitalina Leal de MATOS, “Fernando Pessoa – O Supra-Camões”, in: Id., A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa, ed. cit., pp. 297-314. 109 Calcanhar de Aquiles, mancha vulnerável, “flagrante delitro” (da dedicatória da fotografia a Ophélia)… o Pessoa decaído da obediência preclara nas obscuras vozes de um possuir tal saber, tal vitória sobre a língua, tal continuar falando, mesmo quando já nada possa assim ser dito. O limite ou a disciplina arcani, porventura desobedecida em prejuízo de outra demiurgia de alma… O testemunho é conhecido: cf. Maria José de LANCASTRE, F.P., Uma fotobiografia, Lisboa, IN-CM/ Centro de Est. Pessoanos, 1981, pp. 260-261. 110 Um caminho pelos abismos… qual “descida aos infernos” como em Henri MICHAUX, Connaissance par les gouffres, Paris, Gallimard, 1967. Porém, mesmo sem absinto ou álcool, esse rasgão da ordem comum no inusitado oco das cavernas do sentir, como tão expressivamente se encontra glosado na experiência espiritual de S. JOÃO DA CRUZ, Llama de amor viva, B, c. 3, 18: “…«las profundas cavernas del sentido»: Estas cavernas son las potencias de el alma: memoria, entendimento y voluntad (…).” (in: Lucinio RUANO DE LA IGLESIA, (ed.), San J. de la Cr., Obras Completas, Madrid, B.A.C., 198912, p. 812…). 111Recorde-se a possível definição de singularidade de acordo com a Física quântica: Bas C. Van FRAASSEN, Quantum Mechanics: An Empiricist View, Oxford, Clarendon Pr., 1991, pp. 430 e segs., sobre as “partículas idênticas”; cf. também Michel BITBOL, Mécanique quantique, Une introduction philosophique, Paris, Flammarion, 1996, pp. 391 e segs., sobre a individualidade e “reidentificabilidade” dos diferentes vectores…; e vide David HODGSON,The Mind Matters, - Consciousness and Choice in a Quantum World, Oxford, Clarendon Pr., 1991, pp. 321 e segs.: «The Measurement Problem». Vide ainda a noção, a propósito de Leibniz, no estudo de Christiane FRÉMONT, Singularités,- Individus et relations dans le système de Leibniz, Paris, Vrin, 2003, pp. 32 e segs. ; cf. também Clément ROSSET, L’objet singulier, Paris, Minuit, 1979, pp. 33 e segs. 112Ou seja, na lógica da formalidade particular, já nem tangendo o parâmetro singular, nem a quantificação universal ou respectiva de um conjunto “cheio”. A temporalização da singularidade permite considerá-la a mesma já em termos particulares em repetidos momentos e não como numa efectiva lógica temporal (tal o exigíamos a propósito de Hegel…: cf. Carlos H. do C. SILVA, “A Dialéctica de Hegel e a Lógica temporal”, in: Várs. Auts., Ideia e Matéria, Comunicações ao Congresso Hegel, 1976 («XI Congresso da Internationale Hegel-Gesellschaft», 23-27 de Agosto, 1976), Lisboa, Livros Horizonte, 1978, pp.367-387), como várias instâncias, pluralidade de circunstâncias num único ou irrepetível momento. Nesta última hipótese, aliás implícita na complexidade extática do tempo em «O Marinheiro», a pluralização atinge a própria duração não apenas como tempo de tempos, mas como vários “relógios” (tema que tocámos introdutoriamente a um estudo sobre as provas de Deus e a causalidade: Carlos H. do C. SILVA, “Pensar o Infinito e sua Diferença – A reflexão crítica de António José de Brito em torno do argumento ontológico”, in: Maria Celeste NATÁRIO, António Braz TEIXEIRA e Renato EPIFÂNIO, (coord.), Harmonias e Dissonâncias – Estudos sobre o Pensamento Filosófico de António José de Brito, Lisboa, Zéfiro, 2008, pp. 77-131), numa perplexidade semelhante à que impossibilitou M. Heidegger de passar de Sein und Zeit, para Zeit und Sein, tão só aporeticamente tratado numa conferência com este mesmo título. Cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “O Mesmo e a sua indiferença temporal – O parmenidianismo de Heidegger perspectivado a partir de «Zeit und Sein»”, in: Rev. Port. de Filosofia, XXXIII- 4 (1977), pp. 299-349. 113 Ao contrário da envolvência simbólica de tudo num todo, e por um processo que analisamos como de símbolo do símbolo, tais as “bonecas russas”, a compreensão pessoana do simbólico abre-o, desdobra-o em sucessivos níveis, deixando-o aberto à intuitividade, também à inteligência, mas ainda à graça ou ao incógnito de uma parábola infinda. É, pois, preferentemente no andamento do que Maurice BLANCHOT, em L’Entretien infini, Paris, Gallimard, 1969, pp. 17 et passim: «La parole plurielle», também reflectiu que a pluralidade de instâncias do símbolo irradia, quiçá mesmo na momentânea inversão da unidade simbólica de referência pela potência diabólica da sua inconformidade… Cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “O Símbolo dentro do símbolo – ou do caminho impossível de diferenciação hermenêutica”, in: Várs. Auts., A Arte da Cultura – Homenagem a Yvette Centeno, Lisboa, Ed. Colibri, 2010, pp. 363-388. 114Não há «história pessoal» em F. Pessoa, como de acordo com o interseccionismo complexo de cada momento em todo o humano descido à transcendência do seu Ego, como se sugeriria a partir de Jean-Paul SARTRE, La Transcendance de l’Ego, (1934), Paris, Vrin, 1965, pp. 44 e segs., apenas o constructo de memórias várias que nem sequer se enumeram integrativamente. Em Pessoa há sim a “saudade da história” como desintegração da mesma sequência em tais ou quais recordações que, afinal, repetem um coração postiço, uma identidade auto-compassiva, ressentida… Seria neste teor de ter em conta as advertências de Max SCHELER, Die Idole der Selbsterkenntnis, (1912), in: Vom Umwurtz der Wertes: Abhanlungen und Afsätze, Berlin, Francke V., 1955, pp. 35 e segs., sobre os enganos da percepção de «si próprio»… 115 Já o salientámos na técnica de fazer tempo… Cf. Ricardo REIS, «Odes»: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio./ (…) Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas./ (Enlacemos as mãos)./ (…).” (in: F.P., Obra Poética, p. 256). Enlaçar, entrelaçar, como quem se entretém, …entre-tecer, dar nós…, quais letras primevas, como na grafia chinesa… Vide referências em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Dos signos primitivos: Preliminares etiológicos para uma

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reflexão sobre a essência da linguagem”, in: Análise, I- 2 (1984), pp.21-78; e Id., (Continuação), in: Análise, II -1, (1985), pp.189-275. 116 Perante o mundo social de deveres e a urgência de mecanizar o humano em emprego (Álvaro de CAMPOS, «Lisbon Revisited» (1932): “…Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?...”, in: F.P., Obra Poética, p. 357), longe da operação criativa que o distingue do trabalho assim forçado pela moral dos outros, este nada haver a fazer invoca não apenas a dignidade teorética de um otium philosophandi, mas sobretudo uma desocupação da mente face ao desmedido do sentir… Universos em colapso de infinitos sonhados, espelho quebrado no mínimo imenso de cada assomo de sensação e nada a fazer. Apenas este ofício de amar, como nos místicos, ou de calar como nos sábios… Ainda invocando Michel CAMUS, L’Arbre de vie du vide, Paris, Lettres Vives, 2001, p. 44 : « Le sage passe de la langue au silence (…)./Le saint, du silence à la langue/ par compassion ou par amour. » 117Sim, demiurgia por um deixar ser (como no lassen da verdade ontológica heideggeriana…), um fiat mariano mesmo que sem tal fé (cf. referências em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, “Mater misericordiae e mística mariana, ou da via espiritual feminina no sonho cristão” in: “IX Semana de Espiritualidade sobre a Misericórdia de Deus: «Maria, Mãe de Misericórdia», orgº. Padres Marianos da Imacª. Conceição, Convento de Balsamão, 18-23 de Abril de 2006 (em publicação)), ou o puro ver que, afinal, tudo muda por essa atenção ou lúcida consciência. (cf. Carlos H. do C. SILVA, “O Problema da Atenção no Vipassana, (Comun. ao “Colóquio: A Mente, a Religião e a Ciência”, promovido pelo Projecto de Investigação «A Filosofia e as Grandes Religiões do Mundo…», Centro de Filosofia da Fac. de Letras de Lisboa), in: Carlos João CORREIA, (Coord.), A Mente, a Religião e a Ciência, (Actas do Colóquio), Lisboa, Centro de Filosofia da Univ.de Lisboa, 2003, pp. 29-61. A Vida, pois, assim atendida. O aparente abulismo (é, outrossim, do excesso de vontade… cf. F. PESSOA, “Cartas a dois Psiquiatras franceses”, supra n. 5), a indiferença pessoana…, não são expressões de um quietismo sensual, outrossim reflectem este querer sentir até sentir o próprio querer, ou seja, até à pura inquietude criadora. Cf. nossa meditação: Carlos H. do C. SILVA, “O Homem em questão – Da quieta inquietude cultural à inquieta quietude espiritual”, in: Várs. Auts., Inquietação humana e Fé cristã, (Fev. 1995), Lisboa, Rei dos Livros, 1996, pp. 179- 207. 118Speculum, transparência visionária ou diafania… nestas imagens da transfiguração essencial de tal olhar da cega claridade na vibração audível e luminosa disso que assim tange primordialmente. Não a imaginação generosa de uma Origem… (cf. Gérard BUCHER, L’imagination de l’origine, ed. cit., pp. 141 e segs.) mas a presença iminente da re-velação como sruti, “escuta”, ainda sinérgica da visão não redutível à “memória” (smrti) da tradição. Cf. sobre este indicativo de ut-gîta ou da “palavra” inaugural da sabedoria védica: Sri AUROBINDO, Le secret du Véda, Paris, Fayard, 1955, pp. 53 e segs. 119 Parece não haver densidade vivida em Pessoa, tão bem é dito e logo assim aberta para outra subtil vivência o que era aparentemente carnal, ou habitualmente opaco. Mas se esta é a lucidez de um Bernardo SOARES: “Em mim todas as affeições se passam á superfície, mas sinceramente. Tenho sido actor sempre, e a valer. Sempre que amei, fingi que amei, e para mim mesmo o finjo.”( Livro do Desasocego, in: ed. crít., t. I, p. 407), outrossim tal hipertrofia do sentir não deixa de decair em cansaço extremo, tédio ou profunda acédia, como a pesadíssima (barýtatos)experiência do «demónio do meio-dia», (tal se refere a akedía segundo a ‘demonologia’ monástica…). Cf. EVÁGRIO PÔNTICO, Praktikós, § 36: ‘Ho dè [daímon] mesembrinós…’ (in: Antoine e Claire GUILLAUMONT, (eds.), Év. Le Pontique, Traité pratique ou le Moine, Paris, Cerf, 1971, t. II, p. 582). 120Faz parte ainda dos estados de hyper-arousal(cf. Roland FISCHER, “A Cartography of the Ecstatic and Meditative States”, in: Richard WOODS, Understanding Mysticism, London, The Athlone Pr., 1980, pp. 286-305) da ‘consciência alterada’ e espiritual em Pessoa, a «Mensagem» como livro e lema de um paradoxal anúncio, antecipador do que, como “acção mental” declina num pessimismo nevoento, um ‘nirvana’ pátrio, um exílio para fora de tal luz fátua. Ficará o número como figura mais simples da sensação irregular e só assim mensurável… A Kabbalah ‘portuguesa’ dos números e das letras de António TELMO, Filosofia e Kabbalah, Lisboa, Guimarães Ed., 1989, pp. 55 e seguintes: «Gramática secreta da língua portuguesa». 121 Cf. supra ns. 24 e 90. E fim, ou finalidade, não é o mesmo que resultado ou consequência… O dinamismo erótico transcende o âmbito da eficácia e dos resultados práticos… 122 O kairós sendo aquilo de que é caso, representa o que resulta oportuno, a tempo, mas mais do que isso o conjuntural, tanto na acepção também de abrupto e até efémero, quanto de vez, adveniência tal. É por isso que pode nem sempre constituir sinal de oportunidade do que vem a propósito, ou segundo a necessidade, outrossim como a vez inesperada, quer de outra vez distinta, quer de forma mais sibilina no próprio talvez dessa “ocasião”. Cf. Monique TRÉDÉ, Kairos, L’à-propos et l’occasion, Paris, Klincksieck, 1992. Esta última semântica está bem atestada no clima de pluralidade ocasional, de possibilidades múltiplas de tais momentos interseccionistas… Cf. no Jainismo a doutrina de syâdvâda ou do “talvez”, Vilas Adinath SANGAVE, Le Jaïnisme, Philosophie et religion de l’Inde, Paris, Guy Trédaniel, 1999, pp. 58 e segs. 123Falar para inventar como ‘Mytho nada de tudo’ o que aparentemente seja o desenho visível de tal experiência multiforme. Um contar histórias para tecer os números do destino… e de permeio o advento desse estado meditativo da própria pluralidade assim con-sentida. Cf. ainda Alain BADIOU, Essai d’une ontologie transitoire, Paris, Seuil, 1998…

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124Seria essa a derradeira pègada do divino na elisão dos Tempos modernos… A remota presença no mundo, como o organon do seu Corpus Mysticum… Panteísmo, afinal antigo, do divino bem patente e idolátrico por demais: «en tant que «croyants», nous pensons à un Dieu en termes humains. Nous lui attribuons des pensées, une volonté, des projets, un plan d’évolution, et toute une psychologie. » (Carlo SUARÈS, La Bible restituée, Genève, Mont-Blanc, 1967, p. 81 in : «Les pensées des hommes»).. 125O modelo ternário da frase tipo, mais propriamente da proposição, como expressão judicativa, une ou identifica sujeito e predicado pela cópula lógica: trata-se do paradigma apofântico e aristotélico que se explicita a partir da gramática categorial e das estruturas base da língua. Ora, seja no verso, seja na prosa fragmentada, nos tropos ante-predicativos (como se diria fenomenologicamente), não se verifica aquela unidade triádica, nem sequer o caso genitivo e diádico (de um isto de aquilo…), mas o atómico de signos sintáxicos, conectores variáveis ou até constantes, que não têm de se desdobrar numa meta-linguagem semântica. Lembraria, como já se aludiu (cf. supra n. 149), os minima dos “estados de coisas” na acepção assim atomista que lhes deu L. WITTGENSTEIN, Tractatus, ed. cit., Props. 2; 2.01… Porém, mais do que esta ainda “espartilhada” leitura, posto que possibilitante do plural dizer pessoano, os referentes sensíveis não se integram na linguagem ou na suposta paisagem do real: é, outrossim, a sensação a fazer cair consigo a paisagem… tal nas célebres telas de MAGRITTE, cf. Suzi GABLIK, Magritte, London, Thames & Hudson, 1985, pp. 75 e segs.: «The Human Condition». 126Vide neste sentido a “saturada” fenomenologia do dom segundo Jean-Luc MARION, Étant donné, Essai d’une phénoménologie de la donation, Paris, PUF, 19982, pp. 13 e segs. : «La donation – Le dernier príncipe». 127 Cf. supra n. 120… Vide ainda Carlo SUARÈS, Le Mythe judéo-chrétien, Paris, Arma Artis, 1950, pp. 7 e segs. 128Cf. Álvaro de CAMPOS, «Passagem das Horas»: “(…) Sentir tudo de todas as maneiras, / Viver tudo de todos os lados,/ Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,/ (…).” (in: F. P., Obra Poética,ed. cit., p. 344)… 129Filosofia da pluralidade, como reconhece ainda A. BADIOU, «Une tâche philosophique: être contemporain de Pessoa», in: Id., Petit Manuel d’inesthétique, Paris, Seuil, 1998, pp. 61 e segs., cf. pp. 73-74: «De sorte que nous lisons ce poète, et ne pouvons nous en déprendre, pour autant que nous y découvrons un impératif, auquel nous ne savons pas encore comment nous soumettre : emprunter la voie qui dispose, entre Platon et l’anti-Platon, dans l’intervalle que le poète a ouvert pour nous, une véritable philosophie du multiple, du vide, de l’infini. Une philosophie qui rende affirmativement justice à ce monde que les dieux ont pour toujours quitté. » (o recto é sublinhado nosso) ; e vide n. seg. 130 Cf. ainda Bernardo SOARES, “Sábio é quem monotoniza a existencia, pois então cada pequeno incidente tem um privilegio de maravilha. (…) Um homem pode, se tiver a verdadeira sabedoria, gosar o espectaculo inteiro do mundo numa cadeira, sem saber ler, sem fallar com alguem, só com o uso dos sentidos e a alma não saber ser triste. Monotonizar a existencia, para que ella não seja monotona.” (L.D., I, 354). 131Repetir a diferença não é diferenciar ainda que o repetitivo…; porventura, dimensão esta quase não reflectida em Gilles DELEUZE, Différence et répétition, Paris, PUF, 1968, (apenas em pp. 286 e segs., sobre a «synthèse assymétrique du sensible»: «La différence et le divers». A pluralidade do repetível catapulta-o para o milagre permanente do que se bifurca a todo o instante (J. L. BORGES, «El jardín de senderos que se bifurcan» (1941), in: id., Ficciones, Madrid/ Buenos Aires, Alianza Ed./ Emecé Ed., 1974, pp. 101 e segs.)… vário, diverso, multíplice. 132 O sentiente (Xavier ZUBIRI, Espacio, Tiempo, Materia, Madrid, Alianza Ed., 1996, pp. 589…) elide-se nos muitos sentires que, alheios, nos substituem de ser (cf. Émmanuel LÉVINAS, «La substitution», in: Id., Autrement qu’être ou au-delà de l’essence, Paris, Kluwer, 1974, pp. 156 e segs.). Uma consciência mais imediata, do sentir assim, explode em miríades de feixes e será tão pura como a tersa vidraça à luz evidente de tudo. Cf. Jacqueline CHAMBRON, «Le Vide chez st. Jean de la Croix», in: Várs. Auts., «Le Vide, expérience spirituelle en Occident et en Orient», Rev. HERMES, Paris, Deux Océans, 1981, pp. 144-156… 133Lógica do mundo que não forçosamente mundana, antes do sensível ainda na variada materialidade e segundo o realismo aristotélico… Cf. Jules VUILLEMIN, La logique et le monde sensible, Essai sur les théories contemporaines de l’abstraction, Paris, Flammarion, 1971, pp. 19 e segs. 134Vide G. BERKELEY, A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge, (1710), I, § 3 e segs.: “For as to what is said of the absolute existence of unthinking things, without any relation to their being perceived, that is to me perfectly unintelligible. Their esse is percipi; nor is it possible they should have any existence out of the minds or thinking things which perceive them.” (in: Alexander Campbell FRASER, (ed.), The Works of George Berkeley, London/ N.Y., Continuum, 2005, vol. I, pp. 258 e segs.) e o anti-surrealismo de Pessoa, já que não se trata de sondar nesta outra “realidade”, antes de tomar como plural em todos os níveis de ser e, em cada caso, como de uma natureza diversa. Ainda a lição de possível equivocidade segundo ARISTÓTELES, Metaph. IV, 2, 1003 a 33: ‘tò dè òn légetai mèn pollakhôs…’ [“o ente que se diz de muitos modos”]. 135 Enumeram-se as formas “receptivas” do sentir, como desde ARISTÓTELES, De an. II, 6, 418 a e segs., não apenas pelo diversos sentidos e respectivos órgãos diferenciados, mas pelas faculdades que ali se enumeravam (imaginação ou phantasía, também a memoria, o páthos emotivo e desiderativo, até a inteligência…). Porém, o que no variegado destas “cores” (também sânscr. varna) fica refractado não é a mesma luz assim pensada unitariamente, outrossim intervalos de outras fulgurâncias várias de sensações, cujos limiares de mútua exclusão são sintomáticos da sua irredutibilidade. Donde a heteroestesia pessoana… E, talvez se encontre apenas no ensinamento do yaqui D. Juan, (segundo Carlos

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CASTAÑEDA, Tales of Power, N.Y., Simon and Schuster, 1974, pp. 180 e segs.: «The Whispering of the Nagual»…), o indicativo para nomear o que de todo não está no âmbito tonal “deste mundo”, mas no nagual do poder do outro mundo, ou simplesmente do não-mundo…Quanto à alquímica “poesianegra”, cf. René DAUMAL, «Poésie noire et poésie blanche» (1941), reed. in : Id., Les pouvoirs de la parole, Essais et Notes, II (1935-1943), Paris, Gallimard, 1972, pp. 107-111, vide p. 108 : «La poésie noire est féconde en prestiges comme le rêve et comme l’opium. (…).» 136Por muito que a linearidade lógica se mantenha ainda que ao longo do escalonamento traçado por PESSOA, («Estética» [ms. 1925?] in: Obras em Prosa, ed. cit., p. 250: “… a repetição das sensações forma a memória… pela memória se vai tornando permanente. Esta permanência da sensação é o sentimento. (…)”, etc.) a propósito dessa sensação, depois como sensação da sensação em imagem, e desta em relação a si mesma, já em concepção, etc., há a consciência de sucessivos hiatos que põem em causa a aparente contínua descontinuidade do processo, já que se revela assim uma descontínua continuidade pluralizada a cada ressalto do esquema global. Cf. nossa reflexão sobre o tema, a propósito de Leonardo Coimbra: Carlos H. do C. SILVA, “O tempo e a «visão ginástica» em Leonardo Coimbra – Ambiguidades do continuísmo criacionista”, in: Várs. Auts., O pensamento filosófico de Leonardo Coimbra, Lisboa, ed. Didaskalia, 1989, pp. 129-143. 137 De facto, será Nietzsche quem neste célebre enunciado não acerta com a remotíssima primeira moção deste tema: que não deve ser glosado no contexto já ariano, sequer iraniano de um Zoroastro moralista, mas que remonta ao samsara dravídico ou anterior do gesto transmigrador e do devir em círculo tal Pessoa o revisita através da órfica, depurada, revelação da Natureza… Cf. nossa nótula: Carlos H. do C. SILVA, “O pseudo-paganismo de Nietzsche – Uma leitura de F. Pessoa sobre o filósofo germânico”, in: Boletim de Ciência das Religiões (Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias), I, nº 1, 2º Sem. (2000), pp. 19-20. 138Sim, o tempo fica por pensar em Pessoa, não porque não meditado, mas no seu intervalo sensível. Donde a solução poética que pauta de momentos, de pausas ou suspensões o que poderá ter outros contornos de instâncias criativas… Poesia, pois, ao nível de yetsirah ou “mundo da Transformação” como se diz na tradição cabalística dos vários (4) olam, “orbes” ou “mundos”…, em contraponto ao génio criador (não na técnica do tempo, mas na produção do seu momentum), tal se poderia, então, referir ao “mundo de Briah” ou da Criação. Cf. Z’evbem Shimon HALEVI, Adam and the Kabbalistic Tree, London, Rider, 1974, pp. 39 e segs.: «The Four Worlds». É no interface entre estes dois horizontes ontológicos – nesse simbólico Dragão do pórtico - que se “joga” o limiar temporão, a precocidade de um compreender Pessoa antes do tempo, ou de um protelar em tempo o que nele é sem hora e nunca a tempo de ser compreendido… 139Ao contrário da morallógica ‘maniqueia’ de L. WITTGENSTEIN, TractatusLogico-Philosophicus, ed. cit., Prop. 7: „Wovon man nicht sprechen kann, darüber muẞ man schweigen.“ (ed. D. F. Pears & B. F. McGuiness, London/ N.Y., Routledge/ Humanities Pr., 1961…, p. 150) – assim absoluta, – a estética pessoana aqui glosada, vive-se na música perdulária do sentir, que o verbo silenciado se limita a mimar em vão. Via paradoxal nem sequer permanente, mas cuja intermitência se reconhece na pausada pluralidade…

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luiz  pires  dos  reys  

nascer  do  dia  frag:  mentos  do  ermo  a  esmo    

A aparição das coisas, ao abolir-se no seu próprio aparecer, é um apelo silencioso que transparece nas palavras contíguas.

*

A minha pátria só a encontro na extrema redução da vigília, no abandono às potências elementares que povoam o sono

e o tornam a receptividade pura da branca integridade das energias tranquilas da terra inicial.

*

O sagrado é o retorno ao corpo como dimensão total e plenamente erótica e, por conseguinte, o regresso ao princípio do mundo como nascimento

no encontro entre a subjetividade e a ardente matéria da terra, entre o corpo e a totalidade do real.

António Ramos Rosa

I. As palavras que faltam são sempre as primeiras e as derradeiras.

II. Faz dos arcanos asas para o atravessar a floresta. Da alma sair-te-ão eles ecos dos Antigos que nela farão então ouvir a sua voz.

III. Caminho válido é aquele descaminho que te valida o caos e com ele te faz crisol e cinzas de certa fénix inumana.

IV. É da sombra, desde a sua treva, que vês a luz com a mais inteira clareza: ofuscantemente!

V. Do que se trata é de fazer pontes, do que se trata é da falta de pontes. Do que se trata é de haver ainda necessidade de pontes, do que se trata é de ter ainda de haver pontes sem se saber se haja sequer quem nelas entre: e não fique entre.

VI. Ainda que tudo o que dizes seja ressonância daquilo que jamais consegue ser

dito inteiramente, mais valerá não sê-lo, do que sê-lo e nisso não estares inteiro.

VII. Realidade é aquilo que tu consegues ver, ou é aquilo que tu não consegues ou

não queres ver? É aquilo que é não: de quanto consegues e segues.

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VIII. O eixo do mundo é o mundo fora dos eixos.

IX. Só não confundimos a rocha com a flor porque aquela tem o sangue cor do centro da terra e esta a seiva cor do centro do céu.

X. A nuvem que passa é a passagem do que fica.

XI. O silêncio está em toda a parte - exactamente onde tu estás: em parte alguma.

Aí precisamente te perdes, aí exactamente te encontras! XII. Usufrui e partilha: isso é indivisível. O segredo da partilha é que não se parte:

dá-se e recebe-se sempre o todo de tudo – e, ainda que não pareça, re-parte-se. É quando não te parece, que mais recebes; é quando mais dás, que menos perdes.

XIII. Cega-te, da força do que tem poder, e do que é firme e nobre e mais fecundo: como uma árvore, como uma flor, como a montanha, como o mar. Como a mulher.

XIV. Confia até ao fim, isto é, confia até ao verdadeiro começo. Mas não te fies em demasia, não vás tu acabar desconfiado - o que não é, de todo, bom começo.

XV. Por vezes, uma única árvore é toda a floresta; por vezes, a árvore é tão-só uma miragem que te distrai das tuas próprias raízes. Por vezes ainda, por vezes nem a árvore permanece. Aí, então, floresces...

XVI. Do olho escancarado do vulcão do nada, do êxodo dir-se-ia caótico das aves que confirmam os presságios indiferentes, brota a pulsação do nenhures: por toda a parte.

XVII. Cegueira é o estar da alma que em si não está: ou por defeito dos olhos, ou porque em défice do olhar, ou porque em superabundância de ambos. É então que se fica cego de vez: deslumbradamente, deslumbrantemente!

XVIII. Não existem momentos da verdade: há apenas momentos de verdade.

XIX. O que há por toda a parte é este haver, e este haver mistério de havê-lo, fulgurante da mais pura e mais simples veracidade e ocultação.

XX. Tal como as formigas nos parece viverem aceleradas em demasia, assim também nós a algum outro ser deveremos parecer formigas, apressadas e sem porquê. Quando formos esse ser, veremos o formigueiro.

XXI. Imenso é confim, não com fim; o enfim é incomenso.

XXII. Olhar é recta guarda de um além: desde o de fronte do sem rosto. Sem ida nem regresso. Puro habitar da casa, fora de portas.

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XXIII. Raro, o segredo do silêncio, e seu degredo do frívolo, sustêm-nos em sua mesma insuspensão.

XXIV. A voz sussurrante da sibila só se te fará ouvir quando a tua se silenciar, à proximidade da lâmina temível dos seus lábios.

XXV. A verdade é sempre tranquila, quase como o sussurro de uma boa mentira: a única diferença pode ser a tua indiferença.

XXVI. Para diante é já aqui: o nenhures é sempre de um qualquer algures.

XXVII. A tua verdadeira casa é o nenhures onde a tua pele parece estar em toda a parte.

XXVIII. Permanece sem palavras, para que o Antigo palavras do nunca agora te segrede.

XXIX. O som é anagrama do caos feito sentido do sem-sentido.

XXX. Lembras-te quando, num passado a haver, tu voavas? Não te esforces: voa apenas!

XXXI. Tudo é sem porquê, até lhe conferires o teu. Se o lograres, isso ferir-te-á a cada passo.

XXXII. Um dia - sem que possas dizer que hora seja essa, pois estarão ali todos os teus momentos -, um dia, a palavra em ti calar-se-á, a fala emudecer-se-te-á, e escutarás então certo silêncio que é o rei de ti: então, serás reino também. E serás guerra intérmina de uma paz inabalável!

XXXIII. A respiração é o que nos faz afins do oceano: como os habitantes do mar continuamos a engolir água, mas agora em vapor. Trabalhamos ainda ... a vapor.

XXXIV. O paraíso é ali onde estás (perdido) em ti: aí, tudo é sem ti. Em ti, que não serás mais tu.

XXXV. A tua morada é onde não precises de habitá-la: aí tudo habita em ti, aí em tudo habitas.

XXXVI. Alguma coisa haverá, em ti, em que tenhas sempre de cometer suicídio: para que, nessa morte, a todo o momento renasças!

XXXVII. O pizzicato é a pura ascese do som; o sal do silêncio, o sabor da ascese.

XXXVIII. Lâmina imperturbável, certo abraço rigoroso algo virá nalgum momento reclamar-te. Mas é isso que mais importa deixes evolar até ao repouso do pó, para que assim reapareças: com a nitidez do gelo jovem e a translucidez do diamante eterno.

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XXXIX. Diante do oceano, não existe relevância alguma em nós: o relevante é estarmos diante do oceano - e estar diante do oceano é ser engolido por si mesmo.

XL. Poderás ser harpejo lira dos dias, mas se não souberes escutar a melodia que neles emerge orfaico da alma, de nada te servirá, pois tais sons de tudo te serão dissonantes.

XLI. Apenas aceitando percorrer sozinho os locais abandonados da alma, poderás esperar o encontro com o que jamais te abandonou.

XLII. Quando corpo e alma são uma só coisa, para cantar nem quase é necessária voz: o corpo é a voz!

XLIII. Quando perdemos o sentido da hospitalidade, perdemos o sentido da casa e, nisso, o próprio direito a habitá-la.

XLIV. Só existe princípio e fim para o homem, pois só ele confere novidade àquilo que é apenas renovar dos ciclos e estações na natureza.

XLV. É verde como as folhas, o teu corpo e, como a fertilidade da terra, castanha a verdadeira cor do teu sangue. És homem verde, e desconhece-lo.

XLVI. Voamos inaparentes no vazio, na mais laboriosa alquimia dos sonhos, mas a cabeça temo-la em fogo, porque nos incandesce o sangue e Janus é o nome de guerra: eros e thanatos desdobrando Abraxas.

XLVII. Sonho? Realidade. Realidade? Sonho. Entre uma e outro, a ilusão que sustenta os mundos, com cujo insustento nos iludimos conscientes.

XLVIII. A intimidade da alma é a geografia do rosto afeiçoando-se à arquitectura de tropeços e afectos: mais sempre quando sem porquê...

XLIX. A verdade nunca vem de uma só vez. A sua ausência surge mais quando menos se espera.

L. E ag’Hora vou… daqui onde per’tenso.

Desenho de António Ramos Rosa

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photo  graphia|rte  

|poesia              

   

   

   

“coroemo-­‐nos\\:|  de  poesia”  

 josé    

valle  de  figueiredo        

 Cada  palavra  é  uma  abertura  para  o  insondável  

antes  de  ser  uma  relação  horizontal  com  as  outras  palavras.    *    

A  urgente  vocação  do  poema  é  o  espaço.  

*    

 Ser  dito  é  uma  sede  submersa    que  desejaria  beber  o  horizonte  do  mundo.  

 António  Ramos  Rosa  

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 josé    valle  de  figueiredo  

       

       Com  poemas  tudo  se  acende      

Tudo  é  composto  de  poemas,                                                                                                                                                          

do  que  muda  e  permanece,                                                                                                                

tudo  é  composto  de  verso  e  reverso,                                                                                      

do  que  é  vivo  e  falece.  

Mas  nem  tudo  o  que  é  mudança  

muda  como  acontece  

quanto  cresce  e  é  criança.  

Todo  o  mundo  é  composto  de  poesia,  

ora  se  esconde  e  falece,  

ora  se  vê  e  nos  tece.  

Com  tudo  se  acende:  

a  palavra  acesa  no  poema  

faz-­‐se  à  vida  

-­‐  e  vai  além  da  vida.  

   

 

 

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   Consoamentos  

 

   

I    

             Diria  de  outra  Idade,                dos  versos  Consoados                também  pela  manhã,                indo  mais  Além,                como  poemas  vivos                que  descobrem  outra  ânsias,                mais  altas,  sempre  mais  altas,                mas  que  já  são  de  outras  distâncias,                como  se  partíssemos  sempre  desta  vida                e  por  dentro  fossemos  a  navegar                -­‐  e  ao  chegar,                estivéssemos    já  de  partida.  

       II    

           As  aves  vêm  de  manhã.              Pousam  em  versos  encobertos.              Viajaram  de  céus  abertos,              vieram  com  a  esperança  vã              de  povoarem  lugares  abertos.              Encontraram  terra  chã              e  a  sombra  da  Ave              que  anunciava  o  Descoberto.              Voltaram.  Mas  não  voltaram.              Entre  o  Céu  e  a  Terra              andam  nos  versos  secretos              que  tão  cedo  nos  criaram.  

         

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     Bailia  

   

Acrescentam-­‐se  versos  e  poemas  ao  rosto  que  amanhece:  como  se  fossem  palavras  a  crescer  noite  e  dia  em  mais  poesia,  como  fogo-­‐posto  que  entretece  almas  e  corpos  que  já  não  pedem  nada  a  tanta  melancolia.  Como  se,  depois  de  se  saberem,  recolhessem  mais  sós  à  casa  que  renascia.  

         

Desvelamento    

Mudo  de  poema,  habito    outros  versos,  voam  aves  e  aves  tantas,  aguardo  e  espero  outro  universo.  Mudam-­‐se  os  tempos  e  a  vontade,  calo  e  esqueço,  vai  crescendo  a    Quinta  Idade,  e  destes  tempos  me  despeço.  

 

 

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 antónio  cândido  franco  

   

 

leonor  teles  

 

Eis  a  rola  real  no  esplendor  da  beleza!  

Eis  a  rosa  encarnada  na  graça  da  realeza!  

A  nora  de  Constança,  a  herdeira  de  Inês  

a  espiral  do  fogo,  a  roseira,  o  fulgor  da  luz  

cujo  rugido  de  Amor  é  tão  canoro  e  altivo  

qu’inda  agora  no  imo  do  Sol  se  vê.  

 

Foi  esta  leoa  de  cabelo  em  lume  

que  preferiu  dar  sete  voltas  ao  mundo  

e  morrer  de  fome  num  fojo  de  espinhos  

os  ossos  dando  às  pedras  do  caminho  

do  que  pôr  a  juba  na  mão  dos  domadores  

do  Portugal  feito  jardim-­‐zoológico.  

Eis  a  peregrina,  a  loba  do  fim,  a  rainha  maldita.  

Eis  a  Senhora  que  nunca  perdeu  o  anel  da  vida.  

   

     

12  de  Julho  de  2011    

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 retrato  de    

francisco  palma  dias    

 

       

Quem  é  este  homem  pintado  a  branco  e  tinto?  Um  cigano  de  camisa  preta  ou  Camões  no  Lusitânia-­‐Express  com  a  fúria  de  levantar  o  Mar  ao  espelho,  debaixo  da  Lua,  depois  de  cantar  o  Fado  e  de  gritar  Saravah  no  ardor  do  álcool  com  o  olhar  de  aço,  duas  sardas  de  prata  nos  cabelos  um  mover  de  águia  nos  lábios  finos.  

 

Esteve  este  homem  destinado  a  ser  o  varão  do  leme  do  Quinto  Afonso  e  a  olhar  de  frente  o  Adamastor.  Quis  o  Fado  que  não  e  fê-­‐lo  nosso,  sem  madre  Tethys  sem  Ilha  do  Amor,  sem  barco  à  vela  e  sem  monstro.  Ficou  o  tabaco  de  enrolar  e  o  furor  do  mosto.  Ei-­‐lo  sentado  à  mesa  do  deserto,  duplo  ás  a  falar  da  cobra  una  dos  Himalaias  e  do  degolado  de  Suassuna.  

 

11  de  Julho  de  2011  

 

 

 *  Na  fotografia,  da  esquerda  para  a  direita,  Paulo  Borges,  António  Cândido  Franco,  Francisco  Palma  Dias  e  José  Emílio  Calvário,  em  Évora,  em  Agosto  de  1992.  

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joão  raposo    

hora  de  névoa      (1990)  

     

 Intenso  nevoeiro  onde  o  olhar  penetra  o  desejo  de  alcançar  estrelas.    No  limiar  da  aurora  um  silêncio  grita:  É  a  Hora!  

 Quatro  mãos  sobre  o  piano  deslizam  como  almas  encobertas  de  Saudade.    A  Arrábida  espreita  com  seu  oráculo  de  terra  húmida.    Um  Verbo  que  é  um  rochedo  de  cilícios  penitentes.    Da  brancura  nasce  o  Poema  que  nunca  completará  a  Obra.    Hora  de  Névoa  em  que  se  verte  o  Sôma  e  se  atravessa  a  tragédia  incólume  no  Dharma.  

 

 

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 Suicídio  Ausência  tudo  o  silêncio  revela  em  poema  ou  prosa  juntando  as  extremidades  da  Obra.    Tão  longe  a  Índia  tão  Lusa  a  vontade  de  abrir  caminhos  de  Saudade.    Só  a  memória  cavalga  a  Cabala  em  que  se  perde  para  se  encontrar  a  Verdade.    

   

Na  busca  de  Deus  com  a  cruz  ao  alto  se  rompe  a  névoa.    E  não  há  desejo  mais  forte  do  que  retornar  à  vida  pelo  caminho  mais  curto  da  morte.    Língua-­‐Lusa  sacrifício    cósmico  de  navegar  estrelas  no  ofício  da  luz.    Tudo  despertará  no  Quinto  o  mar  se  metamorfoseará  em  deserto  e  as  areias  se  projectarão  no  espaço  até  que  se  descubra  o  Encoberto.  

   A  Lua  mergulhará  nas  águas  e  o  Sol  será  a  noite  mais  intensa  de  todas  as  sombras  e  de  todas  as  saudades.  

   

Os  braços  se  transformarão  em  asas  os  anjos  em  peixes  a  luz  cobrirá  de  negro  a    lembrança  e  o  futuro  deixar  é  de  ser    esperança.  

   

Um  sapateiro  coserá  as  solas  do  mundo  e  uma  criança  será  coroada  imperadora  da  sílaba  língua  extrema  do  Espírito  Santo  da  Poesia.  

   

   

Serão  visões  eterno  retorno  não  haverá  trono  nem  rei  nem  povo  tudo  será  de  novo    os  homens  voarão  no  espaço  Deus  habitará  a  terra  solitário  e  silente  sua  clausura  será  sem  sofrimento  nem  bem  nem  mal  apenas  guardião  do  Santo  Graal.  

   

 

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ethel    feldman  

         Esperei-­‐te  em  silêncio,  num  recanto  qualquer  da  minha  existência  Esperei  sem  descanso    Abriste  a  janela  Deixaste  entrar  o  vento  Tuas  mãos  pintaram  a  cor  no  meu  corpo  febril.  fosses  tu,  o  meu  desejo  eu  seria  o  compasso  em  que  respiras  vazio  que  se  completa  em  cada  beijo  um  sopro  suave  feito  da  vontade  de  outro  beijo  meu  corpo  suado  molhado,  em  ti  foz,  de  um  novo  rio.    Quando  o  nosso  olhar  vazio,  procurar  o  tempo  serei  tua  noite  quente    Deixa  que  o  rio  se  estreite  Conta-­‐me  tudo,  sem  pressa  Conta-­‐me  o  resto            

   Deixa-­‐me  agora  descansar  nesse  teu  estar.  Devagar,  estar  em  ti  No  cheiro  que  adormece  preguiçoso  em  teu  corpo  Deixa-­‐me  estar  entre  a  vontade  e  o  desejo  de  continuar  a  estar    Deixa-­‐me  agora  que  durmo  em  silêncio  enquanto  me  esqueço...  tantos  abraços  dei  enquanto  partias  beijos  vencidos  na  despedida  no  despertar,  entre  o  que  sou.  fosses  tu  de  pedra  inventava  o  amor  eterno  esse  que  o  tempo  gasta  sem  que  os  olhos  vejam    Divino  é  o  pó  em  que  tornas  ao  mundo  na  terra,  no  ar,  nos  oceanos  Multiplicas-­‐te  em  todos  em  cada  um    Esperei-­‐te  em  silêncio  num  recanto  qualquer  No  meu  corpo  salgado    Estás  em  tudo  e  em  todos  Eterno  é  o  nosso  descanso          

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benjamin  

Na partida, Benjamin avisou-me que teríamos de fazer uma paragem. Perguntei onde e porquê, mas Benjamin pediu-me paciência. - Há coisas que não se explicam, Hannah... O nosso destino era vago: alcançarmos o Extremo Oriente. Vi homens baixos, vi outros tão altos que mal lhes reconheci o contorno da cabeça. Dormi debaixo de árvores gigantes que me abrigaram nas noites chuvosas. Sem pressa, deixei que o corpo se adaptasse ao calor húmido da floresta e ao ar rarefeito das montanhas. Acompanhei o sol, e a noite foi sendo sempre noite no meu corpo viajante. Alguns dos nossos companheiros ficaram em Goa, outros seguiram caminho para oeste. Eu e Benjamin, continuámos a caminhar para leste. Benjamin acordou cedo. Retirou da mochila um pião rendado, em prata. - O que é isso, Ben? - É a encomenda que tenho de entregar... Já tinha esquecido. Há tantos meses a viajar, só agora dei conta que o meu amigo limpava a peça todas as manhãs. Lembro-me do pião que o meu pai me deu, num passe de mágica rodopiava, ganhava velocidade. Da pequena peça de madeira só vislumbrava o tempo que voava. Uma bruma fina envolvia o brinquedo que parecia imóvel, centrado em si mesmo. Depois, cansado, cambaleava como se estivesse bêbado, acabando por cair tombado de lado. Memórias que o tempo roubou e tu, Benjamin acabas de me devolver. - Ben, lembras do dreidel*? - Em cada face uma letra do alfabeto hebraico: Nun, Gimmel, Hehand Shin... - "Nes Gadol Hayah Sham" ("Um grande Milagre Aconteceu")... Benjamin é meu amigo infância. Na escola aprendemos a ler, cantámos as letras do alfabeto hebraico, uma a uma a formarem palavras encantadas. Na escola, cantou comigo no Pessah* - Ma Nishtaná halaila hazé micol haleilot? (Porque esta noite não é em nada igual a todas as outras noites?). - Lembras, Ben? Hailala hazé... Depois da escola primária, mudei de cidade, cresci longe de Ben. O yiddish foi sendo esquecido e do hebraico só sei escrever o meu nome: ַהנְנַה Um pequeno pião de prata lembrou-me criança. - Isto é um pião estranho, Ben... Benjamin sorriu. - Nem tudo que parece é, Hannah. Continuámos a viajar, agora junto ao mar. Em cada aldeia, um novo peixe. Nossa pele mudou de cor. Meu corpo salgou no corpo de Benjamin. Semente de um novo amor. - Por onde me levas, Ben? Silencioso, Benjamin calava meus lábios na sua boca sempre entreaberta.

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À noite casávamos as nossas vontades. De manhã, ríamos delas. - Para onde vamos, Ben? - Sempre a oriente, Hannah... Quando o corpo está apaixonado pede o corpo do amado. Sem ele, parece morrer. Com ele encontra a morte, feliz, num breve e longo instante. O dia encontrava a noite. A noite amanhecia. Benjamin, todas as manhãs, delicadamente limpava o pião de prata. Quinze minutos diários, focados na renda fina. - Que pião é esse, Ben? - Em breve, Hannah, vais saber. Quando a hora for hora... Benjamin nunca teve pressa com nada. Quando dança, rodopia, sempre centrado no eixo. Quando pára, tomba devagar. Um longo abraço marcou o reencontro com Leo, nosso companheiro de viagem. - Como vieste aqui parar, se seguiste para ocidente? - perguntei - Fiz um desvio e outro, pelo caminho. Perdi-me, encontrei-me. Entre um e outro, parei... Os meus amigos sempre foram assim. Entre o sim e o não … existem. Com Leo, fomos ficando na aldeia à beira-mar. De madrugada, acordavam e partiam com os pescadores. À tarde, regressavam com o jantar. Cansado Ben, salgava meu corpo, lentamente. - Está na hora de partir, Hannah... - Quando? - Amanhã. Não leves nada contigo, a não ser a roupa que trazes vestida. Uma mochila leve, com um pequeno agasalho... - Mas o que faço com o resto? - Dá a quem precisa, Hannah. Alivia o peso. Não precisas de mais nada, senão do teu corpo leve. Contrariada, deixei minha mala de viagem. Nela, meus sapatos novos, livros e roupas usadas. Enrolei meu diário velho no casaco que guardei na mochila. - Hannah, o que viveste está desenhado no teu corpo... - Tenho medo de esquecer, Ben. Nessa noite, adormecemos abraçados. Senti seu coração, ritmado com o meu. Um ar morno, manso, viajou entre as nossas bocas. Antes do sol nascer, despedimo-nos de Leo. Um abraço prolongado, silencioso, marcou o nosso adeus. Antes, Ben afagou de novo o pião. Desta vez, enrolou-o cuidadosamente num longo pano de linho branco. Deu voltas e voltas, até que o pião deixasse de ser a peça de prata rendada e não fosse mais que uma trouxa de pano. Em seguida, guardou-o na sua velha mochila. - É esta a tua única bagagem, querido? - Sim, Hannah... Sei quando Ben não quer falar. Aprendi com ele a gostar de cada intervalo pausado, dar espaço a todos ruídos, encontrar o som do vento, identificar o canto diferenciado de cada pássaro, ou simplesmente ouvir o som mudo do silêncio que se alonga no outro.

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Caminhámos calados, passo a passo, entre aldeias. Caminhámos de mãos dadas, sem nunca nos tocarmos. Ben seguia ao meu lado, tranquilo. Uma paz estranha tomou conta de mim. Poucas semanas antes, soube do falecimento da minha avó. Meu coração ficou pequeno. Apertado, encontrou a dor. Chorei de mansinho, junto com a noite - toda a noite. De manhã entreguei ao mar a saudade que sinto dela. Desembocou no oceano, espalhou-se por todos os mares, encontrou outras águas, doces e salgadas, irrigou o campo, semeou a terra. Até já, avó. O sol disse adeus antes do anoitecer. - Vamos descansar. Ainda temos umas horas de caminho. Ben sentou-se em cima de um pedaço de pedra. Eu sentei-me no chão, junto a ele. Com a cabeça em seu colo adormeci. - Acorda, Hannah. Temos de seguir... Em que instante mudamos? Uma dor estranha aparece no peito, como uma flor que desabrocha, a mesma que nos acolhe quando nascemos. Quantas vezes mudamos, antes de morrermos? Quanto mais rápido rodopia o pião, mais imóvel parece ao nosso olhar. - Ben, para onde nos levas? - perguntou meu coração baixinho. Uma nova flor desabrochava em meu peito. - Para um lugar sem nome, que te acolhe sem nada te perguntar. - respondeu-me, sem falar. Já passava da meia-noite quando chegámos a esse lugar, que nada pergunta, nem quer saber. Onde a lua nasce e volta a nascer, todas as noites. Dia após dia. Não me lembro se vi alguém. A aldeia é pequena. O chão de terra batida, vermelho. As casas pequenas, brancas. Em todas, chega-se à sala depois de descermos três degraus. Parece que nunca saímos do mesmo lugar. Como o pião, veloz. Imóvel. Benjamin entrou em três casas. De cada uma trouxe uma coisa. Na primeira, um cobertor, na segunda duas tigelas de arroz, na terceira ervas para o chá. Convidou-me a entrar na quarta casa da vila. - Descansa agora, Hannah. Vou ter de sair. Quieta, vi Benjamin abrir a mochila, e tirar a trouxa branca de linho. Antes de sair, abraçou-me carinhosamente. Calou meus anseios em seus lábios. Doce, cantou baixinho, Ma Nishtaná halaila hazé micol haleilot ... - Até já, pequena Hannah... Cansada, adormeci sem nada questionar. Meu corpo colava ao colchão de algodão. Um tapete vermelho, cobria o chão do ar fresco da noite. No ar, o cheiro da madrugada. Meu corpo cansado, fugia da dor anunciada. Não me lembro da cor do céu. Sei das estrelas a dançar de par em par. Não me lembro de nada até aquela manhã, quando acordei quase sem ar. Uma flor nascia no ventre, teimava em desabrochar. Com medo, eu não permitia. Saí de casa, apressada. - Ben, qual foi a casa que te abrigou nesta noite que não regressaste ao corpo da mulher amada? Como resposta, um silêncio profundo pesou no meu corpo. - Ben! - perguntei sem descanso, numa terra que nada questionava, sequer se

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importava em saber a resposta. Uma nuvem branca, saía da chaminé da casa que nos deu de comer: a casa do meio. Corri, sem pensar. Em algum lugar do meu ser, eu sabia a resposta. Essa que adivinhei desde o primeiro dia da nossa viagem. Alcançar o extremo oriente, era o nosso destino. Onde fica o extremo do nada? Caminhámos, sem destino sabendo dele, desde que partimos. Onde fica a chegada, se não existe o fim? Se nada existe, explica-me esta dor que dilacera o meu peito, Ben! A casa tinha a porta aberta. Três degraus levam o visitante à sala. Cheira ao ar manso, morno da boca de Ben. O vento entra e faz rodar um pião de prata rendada. O pião espalha pelo ar, um pó branco, fino, formando uma nuvem branca, por toda a sala. A mesma que vi sair da chaminé. Aspiro o ar. “Nes Gadol Hayah Sham” - Ben! - meus olhos choram, meu corpo treme entre a alegria e a tristeza, canto: Esperei-te em silêncio,  num recanto qualquer  da minha existência  Esperei sem descanso tantos abraços dei  enquanto partias  beijos vencidos  na despedida fosses tu de pedra  inventava o amor eterno  esse que o tempo gasta  sem que os olhos vejam

Divino é o pó em que tornas ao mundo na terra, no ar, nos oceanos Multiplicas-te em todos em cada um Esperei-te em silêncio num recanto qualquer No meu corpo salgado Estás em tudo e em todos Eterno é o teu descanso Até sempre, Benjamin.

_______________________ * Dreidel - (Yiddish; sevivon em hebraico) é um pequeno pião quadrado comummente dados as crianças durante Hanukkah (festa que dura oito dias e comemora a reedificacão do templo de Jerusalém feita por Judas Macabeu). * Pessach - também conhecida como Páscoa judaica celebra e recorda a libertação do povo de Israel do Egito, conforme narrado no livro de Shemot (Êxodo).  

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 fátima  vale    

     êxtase-­‐ganapatyas    

   

     aparece  desnuda  a  ilha  wali    na  magia  aquiescente  da  frágil  campina  liliputiana  folhagem    amarela  palha  fulgura-­‐se  nela    a  coroa  de  espuma  cósmica  sorriso  desdobrado  fios  de  ébano  no  peito  das  velas  dobam  o  descanso  rendilham  a  dádiva  ao  ouvido    oh  ganesha  ganesha  ganapati  om  vinayaka  om  vinayagar  om  pillayar  om  vinayakudu  om    

 entre  o  campo  da  tessitura  planam  as  aves      véu  livre  na  duna  do  silêncio    mimesis  da  memória  hermética  dissolvência  da  resenha  pura  palavra  erecta    brune  o  epicarpo  gogado    eira  de  sol  inflamada  plurificada  lavoura  fundente  que  abafa  de  caruma  a  brasura  da  soenga  olorante  incenso  venal  metamorfose  alotrópica  do  amor  gramática  híbrida  que  se  gera  

brunus  brunus  magnanima  sapientis  criatura  fumo  da  terra  erva-­‐moleirinha    tratado  teínico  dos  milagres  

 toda  a  mundanidade  se  pia  no    mergulho  nocturno  pelo  ósculo  tépido  das  águas  (circula  âmbar  cristalizado  dentro  do    olho)    a  arena  muda  afia  o  sorvo  embriagado  na  fonte  (carícia  que  desponta  da  língua  no  tablado  fértil  da  galeria  reservada)  vínica  vox  extensa  flammula    

 brunus  brunus    brincam  dois  sóis  no  leito  terracota    que  o  vento  embala    perfurando  as  luras  floridas  atinge-­‐se  a  dourada  cinza  do  sono    viagem  única    líquida  semente  dentro  do  nenúfar  que  alarga  pelo  calor  da  fricção  falo  sublime  fígulo  solar    pedestre  humildade    do  sonho  habitado  

 

nebulosa  vertebral  dos  dias  moços  dançarinos  com  paus  de  canela  no  jardim  festivo  do  algodão  

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 ec  li  

pse    

 no  colo  imaginário  funde-­‐se  o  tempo  e  o  sonho  porque  rasgas  a  fenda  do  espaço  sináptico  pai  o  antiquíssimo  impulso  dilacera  virás  partilhar  a  espuma  do  mar  na  palavra  inaudível  dos  olhos  pergunto  virás  as  mãos  cheias  de  mundo  soltarão  juntas  a  melíflua  dádiva  dá-­‐me  esse  dia  que  eu  entrego-­‐te  o  brilho  da  criação  que  sono  dormes  agora  na  inerte  inquietude  do  corpo  renasces  alado  na  curva  do  sopro  não  existem  pegadas  no  peito  celeste  das  aves  todos  nascem  quando  acordam  mestres  de  si  a  alegria  é  a  empresa  que  temos  adiada  desprivatiza  o  silêncio  e  o  pelourinho  do  sangue  a  madrugada  acende  o  canto  de  fogo  rego  a  horta  por  ti  crescem  teus  inéditos  risos  nas  folhas  que  todos  os  dias  se  alongam  verdejantes  guarda  o  sol  dentro  de  ti  ansiolítica  a  noite  quebrará  o  espelho  o  lago  renascentista  fluirá  suspenso  salgado  merífico  na  esfera  azul  vou  ajaezar  o  caracol  saio  de  coração  às  costas  já  te  abraço  principalmente  

   

   

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58  

 da  

árvore  que  caiu  da  

folha  corpo  lava  amamentado  pelo  fogo  da  cegueira  ex_corre  catabático  lembra  o  momento  em  que  a  árvore  cai  da  folha  confirma  que  o  parto  é  uma  partida  que  o  nado  vivo  é  uma  polínia  ardente  na  ilusão  do  glaciar  quando  o  olho  solar  desperta  regista-­‐se  descendente  de  nut  e  de  geb  ramificação  das  nuvens  e  do  vento  fertilidade  nómada  e  anarquista  

   

   

tens  danças    adiadas  no  salão  de  uma  estrela  

 tens  o  sorriso  cativo  e  torturado  –  na  masmorra  da  ausência  não  tentes  a  fuga  –  pois  a  parede  sangra  –  e  a  janela  é  um  grito  onde  não  cabes  incendiarás  as  vísceras  se  necessário  –  até  o  fogo  sair  pelo  olhar  a  grade  que  te  encerra  –  tornar-­‐se-­‐à  líquida  para  a  travessia  das  horas  –  portal  da  vida  –  onde  a  alegria  se  não  penhora  morres  tanto  na  margem  do  corpo  que  desmaias  –  subiu  tanto  a  maré  dos  teus  olhos  tens  nas  mãos  o  amor  absoluto  –  escolhe  o  caminho  pois  o  tempo  está  de  partida  –  o  eco  é  surdo  e  esconde-­‐se  no  horizonte  o  esqueleto  que  abandonas  à  superfície  –  entrega-­‐se  ao  vento  que  se  prega  vocal  o  espírito  vai  no  azimute  das  violetas  –  do  riso  multicolor  saudade  do  futuro  tens  danças  adiadas  no  salão  de  uma  estrela  seguirás  o  rasto  das  flores  de  sal  

   

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 agripinacosta  marques  

   

   

 

 

 

 

Voo  –vaivém  entre  diferentes  planos  

rápido  e  leve.  De  um  incêndio  breve  

nutre  os  espaços  os  espaços  de  passagem  

entre  nuvem,  montanha  

ou  a  rasa  planície  quase  opaca.  

Viagem  iniciática  se  no  letargo  

oráculos    vertem,  das  amplas  asas,  

as  predições  num  sonho.  

Facho  divinatório  se  no  silêncio  

a  linguagem  ecoa  sob  plumas  em  cântico.    

               

(in  “Ciclos,  Fragmentos,  Idades”)    

 

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O   primeiro   sinal   emanou   da   montanha,   ao   apelo   do   Profeta.  

Percorri   todo  um  trajecto  de  palavras   ininterruptas  até  ao  cume.  

Trajecto   verbal   alucinatório   cujo   verdadeiro   movimento   se   não  

sabe.  Se  é  escalada  nossa,  se  a  montanha  se  desloca  –  nos  visita  

passo  a  passo,  se  oferece  em  seus  múltiplos  patamares  e  em  seu  

cimo  nos  funde.  

 

Foi  um  momento  muito  breve,  porém  intenso  e  completo.  

Impor-­‐se-­‐ia   revelá-­‐lo   pela   escrita,   fixando-­‐o   pela   escrita   ao   ritmo  

da  própria  sequência  ou  visitação.  

Impor-­‐se-­‐ia  a  previsão  desta  viagem  que  antecedeu  o  sono  como  

um  sonho  deslocado  do  seu  espaço.  

O   inesperado   confinou-­‐me   à   passividade   de   protagonista-­‐

receptiva/narradora  fortuita  do  próprio  destino,  em  seu  momento  

único.  

Impossível  a  palavra  para  além  deste  espaço  privilegiado  onde  ela  

se  fez  viagem.  

A   busca   de   meios   para   a   fixar   (todo   o   movimento   exterior)  

quebraria  a  torrente  mágica.  

 

E  não  a  recuperei.    

 

 

 

24/11/82(in  “Sonhos”)  

   

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donis  de  frol  guilhade    

||  dois  poemas  de  “Uroboros  ou  o  Vaticinador  de  Chirico”  *  

 

 

 

 

 

seja  ou  a  não  ser  propício  o  enformar  da  linha  no  eco  evo  do  cânone,  dir-­‐se-­‐ia  ter-­‐lhe  a  limite  entrevisto  o  paradigma  adiado  

 

 

por  lei  loado  a  cnossos  

sê  sem  rota,  

 

se  hás  atida  à  dor  a  acção  

em  tal  inerme  vida:  

 

o  elo  aumente  e  exorcisme  rente  o  que  do  selo  

é  púrpura  ou  por  vício  doa  

*  (inédito,  1990)  

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exemplar,   o   restituir   da   cor   de   mãe   chove-­‐nos   neve   como   pólen  antárctico,   ao     consentimento     horizontal     que,     cúmplice,     a     planura  desverdece,    de  floco  em  floco  

pelos  vórtices  nativos  no  sob  

a  

orbe  te  heróiques.  

resvalem  cosenos  

e      

nos  proscritos  surtem.  

 

 

hei  sus  ao  sonhar  lasso  

o  

alagar  sangrado  

 

 

do  cor  ao  alto  se  com  

o  

dito  ouse  chão  e  bel’cante  

 

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 paz:    majestado    

sereníssimo      

eis  a  imensa  lucidez:  com  sentir  em  que  sempre  recém  chegue  à  janela  perfumada    dos  dias  o  que    em  sereno    bordado  só  nela  nasce  e  desagua,    como  bailando,  em  boda  eterna  na  linha  dos  gestos  infindos,  na  silenciosa,    espantosa  profecia  das  mãos.    sim,  mais  vale  o  quase    do  que  o  tudo  que  nada  vale,  ou  quase  -­‐  sereníssima  majestade  da  paz    sempre  inacabada  (mais  e  mais)  ao  aconchego  revisitante  dos  abraços    no  doce  remanso  ajardinado  dos  dedos,  em  cálice  e  plenitude  de  silêncio  em  seu  mais  táctil  horizonte  -­‐    como  repouso  de  pássaros  no  canto  da  boca  ao  encantar  silente  do  sorriso    quente  no  sem  fim  dos  afagos.    eis,  definitiva,  a  translucidez:  te  ser  os  frágeis  fios  das  margens  da  ternura  na  plácida  calidez  da  sua  mais  fresca  loucura  –    como  quem  sonhos  desenhasse,  brancos,  relembrados  então,  nos  veios  glaucos  e  primaveris    escorrendo  orvalho  pelas  alvas  nervuras    do  caminho  até  aos  lábios,  então  líquidos,    dos  tantos,  tantos  beijos  em  floco.  

 a  ti  e  a  ele,  

irmãos  perfumes  em  lótus  sa[n]grado –  aos  nove  de  Julho  de  2011  

 

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dom    diniz    

duas  cantigas  d’amor  de  meestria    (nos  750  anos  do  seu  nascimento)    

“o plantador de naus a haver” Fernando Pessoa

 Pero  muito  amo,  muito  des(ejo)  aver  da  que  amo  e  quero  gram  ben,  porque  eu  conheço  muyto  ben  e  vejo  que  de  aver  muito  a  min  non  m’en  ven  tam  grande  folgança  que  mayor  non  seja  o  seu  dano  d’  ela;  quen  tal  bem  deseja  o  bem  de  ssa  dama  en  muy  pouco  ten.    Mais  o  que  non  he  e  seer  poderia,    sse  fosse  assy  que  a  ela  vesse  bem  do  meu  bem,  eu  (muito)  desejaria  aver  o  mayor  (ben)  que  aver  podesse,  ca  pois  a  nós  ambos  hi  viinha  proveito;  tal  bem  desejando,  ffarya  dereyto  e  sandeu  seria  quen  o  nom  fezesse.    E  quem  d’outra  guisa  tall  bem  (desejar)  non  he  namorado,  ma(i)s  é  (um)  desfrom,  que  sempre  trabalha  por  cedo  cobrar  da  que  non  servio  o  mayor  galardom;  e  de  tal  amor  amo  (eu)  mays  de  cento  e  non  amo  hũa  de  que  me  contento  de  seer  servidor  de  boom  coraçon.    Pois  (d’ela)  m’eu  cham’e  sõo  servidor,  gram  treiçom  seria,  se  mia  senhor  por  meu  ben  ouvesse  mal  ou  senrazon.    E  quantos  bem  aman  assy  o  diram.  

(C.V. 208 / C.B.N. 605/606)

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Oy mais quer'eu já leixá ‘lo trobar e quero-me desenparar d'Amor,

e quer'ir algũa terra buscar

u nunca possa seer sabedor

ela de mí, nen eu de mha senhor,

poys que lh'é d'eu viver aquí pesar.

Mays Deus! que grave cousa d'endurar

qu(e) a min será hir-me d'u ela for,

ca sei mui ben que nunca poss'achar

nen hũa cousa ond'aja sabor,

se non da morte, mays ar hei pavor

de mh-a non querer Deus tan cedo dar.

Mays sefez Deus a tan gram coita par,

come a de que serey sofredor,

quando m'agora houver d'alongar

d’aquesta terra, hu ést'a melhor

de quantas son e de cujo loor

non sse pode per dizer acabar.

(C.V. 81 / C.B.N. 498)

   

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©  bruno  miguel  resende  

quatro  degraus    aos  quais  falta  o  primeiro  

   

bruno    miguel  resende  

         

pórtico  da  desnatalidade  trigésima  quarta  

 ©  bruno  miguel  resende  

 

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67  

 

entre  vês  o  segundo  ©  bruno    

miguel  resende  

   

     

©  bruno  miguel    resende  

               

sonata    em  locomoção  interior  

 

 

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68  

   

rui    miguelfélix  

   

Indefinível  definiendum                        

       muralhas  de  Ávila  ©  rui  miguel  félix  

 

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69  

©  rui  miguel  félix                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                mar∆o  

   

the  unveiled,  between  space  and  time  ©  rui  miguel  félix  

   

convolução    

Inventa  um  trespasse  que  em  parte  alguma  te  toque.  

Tecida  a  filigrana,  ausente  na  forma  da  imobilidade  

em  que  te  vês  inominável,  recrias-­‐te  nu,  

despido  do  Universo.  Todo  esse  espaço  onde  não  és,  

onde  a  existires  é  dizeres  que  esse  ser-­‐se  não  existe,  

é,  nesse  vazio,  o  mais  que  se  te  abrilhanta,  

O  GRANDE  NADA,  onde  nunca  te  encontrarás  à  tua  espera.  

 

 

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 Nada  pode  ser  levado  ao  extremo  

 

 ©  rui  miguel  félix  

Barco  juncado,  vela  arrosta  Extremo  o  destino,  falsa  embarcação  Onde  embarco,  Canto  Leste  verbo  sem  canção    

   

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dossier:

antónio ramos rosa

 

|a voz inicial

     

                     

“se  encontro  a  palavra/”|:  encontro  o  muro  antes  da  palavra”  

António  Ramos  Rosa      

recolha  

e  organização    |  Luiz  Pires  dos  Reys    Gisela  Ramos  Rosa  

 

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ana  paula  coutinho  mendes  António  Ramos  Rosa  ou  a  respiração  poética  do  mundo   Com quase uma centena de livros publicados, António Ramos Rosa não é apenas o poeta português mais prolífico da segunda metade do século XX, é também aquele que, de modo singular, se tem mantido fiel a uma entrega absoluta à Poesia, entendida esta como trabalho concentrado sobre algumas palavras que se erguem com a solenidade de uma revelação ontológica. Nascido no Algarve (Faro, 1924), mas radicado há quase cinquenta anos em Lisboa, António Ramos Rosa cedo se resgatou a si mesmo do quotidiano de um simples “funcionário”, sujeito a rotinas e superficialidades, que muito facilmente poderiam tê-lo afastado da criação de um imaginário poético à altura da mais plena e radical liberdade e dignidade humanas. Embora o seu primeiro livro de poemas (O Grito Claro)tenha vindo a lume apenas em1958, para trás tinham já ficado muitos anos de dedicação intensa à poesia, quer como autor esparso em publicações periódicas, quer como leitor, crítico e co-editor daquelas que viriam a impor-se como as mais fecundas revistas literárias no Portugal dos anos 50e dos inícios de 60 (Árvore, Cassiopeia, Cadernos de Poesia). A Poesia como “diálogo com o universo”, propósito que reuniu alguns dos principais colaboradores da Árvore, e cuja formulação ficara a cargo do próprio António Ramos Rosa que se destacava, já então, pela sua informada consciência crítica sobre o fenómeno poético, viria a tornar-se o centro irradiador do seu próprio “caminho das palavras”. Entretanto, como intenso leitor que sempre foi, António Ramos Rosa acabaria por impregnar esse dialogismo cósmico de uma profunda cumplicidade intersubjectiva, que se foi transformando em múltiplas “afinidades electivas” com outros criadores. Com efeito, no panorama da cultura portuguesa germinadora nas décadas de 50 e 60, ninguém como o autor de Versões/ Inversões viria a revelar uma abertura tão descentralizada, espontânea e continuada a diferentes propostas de poesia (e pintura) modernas, tanto portuguesas como estrangeiras, levando essa permeabilidade ao ponto da mais estreita e declarada cumplicidade de escrita a quatro (ou mais mãos). Esse processo seria sempre assumido sem excesso de ludismos provocatórios, como aconteceu nalgumas experiências vanguardistas, mas antes com a solenidade de um dialogismo poético a partir das fontes comuns (vd. por exemplo, Rotações (1991), em interacção com Agripina Costa Marques e Carlos Poças Falcão ou Meditações Metapoéticas/ Méditations Métapoétiques (2003), escrito a meias com o poeta e ensaísta francês, Robert Bréchon). Entretanto, António Ramos Rosa foi acompanhando o seu trabalho poético com uma também intensa actividade crítica, ora reunida em livros de ensaios (Poesia, Liberdade Livre; A Poesia Moderna e a Interrogação Real I e II ; Incisões Oblíquas, A Parede Azul), ora dispersa por numerosas recensões na imprensa literária e por colaborações nos mais diversos projectos editorais. Por isso mesmo, ficaram a dever-se à sua curiosidade voraz e generosa muitas das revelações ou das primeiras análises da poesia de diversos autores portugueses, bem assim como a divulgação em Portugal de poetas estrangeiros, sobretudo francófonos (Paul Éluard, Henri Michaux, René Char, Jean Tortel, Yves Bonnefoy, Roger Munier, Fernand Verhesen…), mas também espanhóis (Juan Ramón Jimenez, Vicente Aleixandre, Pedro Salinas, Jorge Guillén, Carlos Edmundo d’Ory) e

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hispano-americanos (Vicente Huidobro; Roberto Juarroz, Eugénio Montejo, Octavio Paz, Olga Orozco, Ulalume González de León). Se nos seus primeiros poemas, prevaleciam as inquietações existenciais de quem não pode “adiar o coração”, o poeta passaria depois, nos anos 60 e 70, por uma fase bastante centrada num universo tendencialmente descarnado de auto-reflexão textual. Já a partir de meados dos anos 80, a poesia de Ramos Rosa tornar-se-ia cada vez mais receptiva a uma mística da imanência, à adesão sensorial e sensual ao mundo, radicada em alegorias particularmente luxuriantes que, por sua vez, traduzem toda uma dinâmica genesíaca de amorosa integração do sujeito poético no cosmos. Mas, antes mesmo desse mais declarado sensualismo efabulatório, já se encontrava na sua poesia vários sinais da entrada na “secreta idade da ignorância”, que nos faz lembrar a “quietude perfeita” da sabedoria oriental. Embora o poeta, ao contrário da filosofia zen, nunca chegue a prescindir das palavras, e prolongue até com “Três adágios” a “Investigação do Silêncio em Forma de Koans”, que lhe apresenta outro poeta (Casimiro de Brito, no livro também conjunto Duas Águas, Um Rio), existe em António Ramos Rosa uma contínua demanda de plenitude e de coincidência com o âmago do real. Estas, por sua vez, vão ao encontro da “redondez profunda do intacto”, da “fulguração tranquila” que acaba por unir todos aqueles que, tanto a Oriente como a Ocidente, anseiam por (con)fundir-se com a respiração do mundo ou com a “facilidade do ar”. Desde sempre entusiasmado por um conhecimento errante que atravessa as imagens da poesia, da filosofia e da pintura, o poeta de Estou vivo e escrevo sol construiu e divulgou uma “biblioteca viva” de poesia e poética modernas, de raiz fraterna e transfronteiriça, isto é, cujas demarcações imaginárias apontam não para limites estritamente linguísticos, nacionais ou disciplinares, mas para uma comunhão de cosmovisões demiúrgicas que desencadeiam visões outras, transfiguradas, do mundo. O universo poético de António Ramos Rosa traduz, por conseguinte, uma existência que é também uma forma de resistência à uniformização paralisante dos tempos modernos, na exacta medida em que o poeta acaba por envolver os seus leitores num compromisso partilhado de construção de uma sempre nova, liberta e libertadora, realidade sígnica, naturalmente integrada numa mais vasta ordem cósmica:

“Escrevemos ainda palavras para que cintile o muro da separação para que respire ainda a sede que em nós se levanta numa coluna quase exausta e quer abrir-se extensa sobre o verde harmónio do mar”

(in Génese, 2005)

______________________________ * Salvo explícita indicação em contrário, todo o material fotográfico constante deste dossier dedicado a António Ramos Rosa é da autoria de Gisela Ramos Rosa., a quem aqui se agradece a generosidade de disponibilizá-lo. (Nota da Direcção)

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Poemas  inéditos    (ou  quase  éditos)

 

A  José  Machado  Pais  

 

O  poema  é  a  nascente  de  uma  nascente  todo  o  poema  é  a  estrela  de  uma  nascente  iluminada  como  uma  lágrima  O  poema  é  mulher  e  ilha  de  um  jardim  na  sua  violência  de  abstracção  inviolável  Abstracto  como  um  pássaro  árabe  na  sua  lenta  harmonia  No  seu  jardim  há  o  perfume  de  um  paraíso  remoto  e  em  toda  ela  a  adolescência  de  uma  pedra  incalculável  a  virgindade  fremente  de  um  desejo  sem  dimensão    o  lugar  de  um  deus  sem  altar  na  sua  identidade  imaginária  e  verdadeira  na  sua  respiração  de  terra  o  poema  é  a  mulher  na  sua  linguagem  de  dádiva  oriental  sempre  e  estranha  mediterrânica  O  poema  é  um  puro  gesto  de  música  intraduzível  como  um  fruto  na  língua  que  se  dissolve  com  o  sabor  límpido  do  seu  ser  como  um  rio  fruto  da  música  da  essência  materna  da  mulher  O  que  é  ainda  sagrado  é  esse  aroma  de  janela  que  dá  para  um  deserto  ou  para  um  jardim  do  mar  o  que  é  ainda  sagrado  é  o  arco  originário  para  o  qual  não  há  caminho  na  música  nua  do  poema  É  o  pássaro  que  canta  as  coisas  mesmas  Pelo  ritmo  de  uma  nascente    que  tem  a  forma  de  uma  estrela  E  é  a  mulher  no  seu  jardim  de  Outono  Na  inocência  do  seu  saber  silencioso  

   

 4  de  Setembro  de  2005  

 

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75  

             

Qui  hay  detrás  de  los  números?  Qué  hay  delante?  

(…)  El  simulacro  de  la  medida  

Y  las  máscaras  de  los  signos  Roberto  Juarroz  

   

   

 Há  uma  substância  dos  números.  Quem  é  que  a  conhece?  Os  números  são  suficientes?  Praticamente  eles  servem  para  o  que  servem  são  mais  simples  do  que  as  palavras  são  mais  inúmeros  do  que  as  palavras?    Alguém  poderá  dizer:  os  números  são  úteis,    nada  mais  devemos  dizer    Mas  não  será  um  crime  suspender  a  interrogação  do  pensamento,  será  um  crime  pensar?    O  homem  começa  a  pensar  ainda  em  criança  e  a  criança  é  o  primeiro  filósofo  antes  de  ser  adulto,  quando  começa  a  pensar    Poder-­‐se-­‐á  por  exemplo  perguntar  o  que  é  que  há    no  interior  dos  números?  

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76  

   Terá  esta  pergunta  uma  razão  de  ser?  Têm  os  número  um  interior  como  se  diz  de  um  homem  ou  animal  ou  de  qualquer  objecto  como  um  copo  por  exemplo?    Quem  criou  pela  primeira  vez  os  números  teria  sido  um  número  só  a  criar  todos  os  números  que  existem?  Numa  totalidade  finita  ou  infinita    Há  um  mistério  nos  números?  O  que  é  certo  é  que  não  foi  o  número  que                                                                                              inventou  os  números  nem  um  banqueiro  nem  um  mendigo    Os  números  não  nos  fazem  mal,  não  são  bons  nem  são  maus  nem  serão  condenados  por  Deus  nem  pelo  diabo.    Mas  quem  viu  ou  leu  alguma  vez  os  números  como  linhas  ou  desenhos  sem  o  valor  de  números?    Não  têm  os  números  um  valor  poético  ou  musical?  Não  têm  vida  própria?  Não  podem  saltar  ou  dançar?    São  puramente  abstractos  e  práticos  ou  são  seres  vivos  que  nos  dizem  o  que  dizem  sem  falar?    

   Abril  de  2009      

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77  

     

   

 

 

 

 

 

 

 

O  seio  de  uma  mulher,  não  qualquer  

na  nuvem  de  um  silêncio  

noiva  

de  que  instante  escuro  

em  que  o  amor  não  poderia  ser  estrela  

e  nocturno  geme  

como  um  anjo  que  cegou  

 

pela  mão  que  se  adianta  e  treme  

sem  licença  

nem  o  valor  de  um  perdão    

e  dessa  mulher  de  um  jardim  branco  

dormindo  numa  cama  como  uma  mulher  comum  

-­‐  Como  podia  ser  ela  

6  Março  2009  

   

 

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78  

 Contemplação  das  árvores    Se  disser  a  verdade  mais  triste  que  não  quero  dizer  Se  a  disser                                Como  poderei  dizê-­‐la?    Eu  já  soube  dizer  azul  e  é  o  verde  que  respiro  agora  no  arvoredo  de  um  jardim  vendo  as  grandes  árvores  que  nada  dizem  aos  passageiros  apressados  árvores  de  labaredas  sombrias  não  dizem  sonhos  ascendem  entre  a  terra  e  o  céu  não  prometem  glória  mistério  verde  árvores  amantes  desconhecidas  

 

 

   

Mulher,  tu  cabes  num  soneto  se  o  fizer  perfeito  e  imperfeito  

Se  o  abrir  tanto  como  se  abre  o  teu  peito  ao  respirar  

Com  as  tuas  ancas  balanças  inseguras  para  a  dança  

Mulher  tu  não  tens  par  para  parar  contigo  

A  tua  dança  não  nivela  entre  os  teus  braços  ao  alto  

Mulher  amiga  eu  desisto  do  soneto  não  porque  não  o  mereças  

....  

se  desisto  é  porque  corres  como  um  rio  em  raios  de  música  

e  na  caixa  simétrica  de  um  soneto  serias  uma  boneca  branca  fixa  

              ou  uma  estampa  

   

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79  

Os  poetas  cantam  o  eterno  feminino  divino  

nada  me  pertence  no  teu  corpo  nem  uma  unha  nem  um  lábio  

nos  movimentos  do  teu  cérebro  no  teu  íntimo  nada  é  meu  

nas  largas  superfícies  nas  ruas  visíveis  e  nos  lagos  da  tua  pele  

o  que  sinto  é  o  rumor  de  um  brilho  o  vapor  de  uma  inundação  

não  posso  enlaçar-­‐te  não  és  sereia  nem  ninfa  mas  tentadora  serpente  

surpresa  sempre  inteira  sob  o  teu  vestido  te  ofereces  à  distância  

fugidia  flor  de  um  rio  que  se  eleva  nos  teus  braços  

e  no  meu  sangue  se  consuma  e  no  meu  peito  respira  nos  meus  lábios  sorri  

 

os  poetas  cantam  o  eterno  feminino  divino  

viva  mulher  moradora  numa  casa,  trabalhadora  que  sua  e  sangra,  

mulher  real  do  dia  e  do  mistério  do  mar  noturno.  

delicada  passageira  tudo  em  ti  me  dá  vida  luz  e  alegria  

a  vida  que  talvez  mereço  e  só  por  amor  te  agradeço  

e  não  há  amor  que  não  seja  da  terra  e  dádiva  celeste  

 

 

 

 

 

 

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80  

 

Uma  nova  interpretação  do  mito  de  Narciso  

 

Quero  aconchegar-­‐me  nos  meus  braços  nocturnos  

sou  o  meu  próprio  berço  maternal  e  musical  

inteiramente  prolongando-­‐se  redondo  

como  um  cavalo  de  veias  nuas  

numa  vagarosa  torrente  cálida  

no  radioso  tremor  do  meu  corpo  nascente  

pertenço-­‐me  numa  onda  que  vai  morrendo  

numa  ilha  numa  nuvem  numa  teia  tecendo-­‐me  

pela  minha  língua  pelas  minhas  mãos  pela  saliva  

do  meu  sol  embriagado  

pelo  sabor  do  meu  corpo  que  se  dilata  como  um  fruto  branco  

como  um  rio  que  enrola  e  desenrola  numa  contínua  onda  

sou  o  que  só  a  si  se  pertence  e  de  um  útero  verde  desponta  

numa  fuga  amorosa  

sou  Narciso  aquele  a  que  se  dá  esse  nome  puro  

de  flor  e  adolescente  de  solidão  amada  

no  berço  da  sua  extasiada  fonte  

 

e  me  pertenço  na  dádiva  de  me  dar  

o  que  vem  do  fundo  de  um  sim  de  um  princípio  divino  

e  é  uma  mulher  na  sua  origem  de  irmã  incestuosa  

de  virgem  pródiga  na  primitiva  nudez  de  Eva.  

 

   

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81  

   

Se  estou  vivo  

é  porque  já  morri  e  não  pude  morrer  

é  porque  quero  morrer  

sem  a  ilusão  de  poder  morrer  

é  porque  hei-­‐de  morrer  

sem  poder  morrer  

 

Se  quero  libertar-­‐me  

é  porque  ainda  sou  eu  

sem  ter  encontrado  o  meu  contrário  

o  antípoda  do  verdadeiro  início  

 

Toda  a  minha  vida  passou  

como  passa  um  pássaro  no  seu  voo  

sobre  a  indemne  transparência  do  dia  

o  que  passou  passou  como  se  extingue  um  voo  

ou  uma  dinastia  

de  tudo  o  que  fui  o  que  sou  já  não  sou  

nem  o  pó  que  voou  dos  meus  errantes  passos  

 

Em  que  mundo  vivo  que  horizonte  é  o  meu  

és  tu  ainda  para  um  apelo  ou  ilusório  adeus?  

 

 

 

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82  

 

Para Agripina

Amanheceu  a  minha  vida  no  teu  rosto  

de  uma  doçura  intensa  e  tão  suave    

como  se  um  divino  fundo  nele  brilhasse    

Eu  era  o  que  nascia  soberanamente  leve    

e  encontrava  na  limpidezo  centro  do  equilíbrio  

Só  em  ti  cheguei  amanhecendo  na  minha  madurez    

Entrei  no  templo  em  que  a  luz  latente  era  a  secreta  sombra    

Foste  sonhada  por  meus  olhos  e  minhas  mãos    

por  minha  pele  e  por  meu  sangue    

Se  o  dia  tem  este  fulgor  inteiro  é  porque  existes    

E  é  porque  existes  que  se  levanta  o  mundo    

em  quotidianos  prodígios    

em  que  ao  fundo  brilha  o  horizonte  certo    

 

(in “O Teu Rosto”)

     

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83  

                             

O  verdadeiro  segredo,  o  único  segredo  ...          

   

Em  baixo:poema-­‐muralexistente  na  Universidade  do  Algarve.  

                 

 

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84  

   Gisela    O  poeta  conhece  a  tua  graça  e  na  sombra  cai  desde  quando                                                desde  sempre?    Não  foste  para  mim  uma  alma  perdida  num  sonho  uma  árvore  vazia...    Não  te  teria  perdido  no  meu  coração  submerso  Não  teria  sido  um  náufrago  não  seria  um  náufrago  que  chorava  todas  as  lágrimas  do  mundo  ao  acordar  numa  margem  de  areia    O  poeta  que  canta  a  tua  graça  não  poderia  chamar-­‐te  uma  leitora  anónima  desde  o  primeiro  dia  nos  seus  passos  vãos  no  seu  coração  a  primeira  mulher  abriu-­‐se  na  sua  sede  em  flor  inundando  os  seus  olhos  e  o  sangue  e  não  eras  tu  com  a  tua  graça  e  o  teu  encanto?    Se  não  conhecesse  o  teu  andar  e  os  teus  gestos  vivos,  perdida  noutro  século  azul  e  cintilante  como  uma  estrela  ter-­‐te-­‐ia  perdido,  minha  amiga,  nem  poderia  sonhar  contigo!    24  de  Maio  de  2009  

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88  

       

                 

           

Fotografia do manuscrito © João Silva

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“Dizem  que  a  morte  se  engana  Quem  se  engana  somos  nós”  

 António  Ramos  Rosa

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90  

 agripina  costa  marques*  

 

in Ciclos, Fragmentos, Idades, 1988

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91  

casimiro  de  brito  

 eros  &  thanatos  

   

(para  o  António  Ramos  Rosa,  lembrando  os  nossos  55  anos  de  amizade)  

 

1 Os mestres antigos

ensinaram-me a cantar — soubesse eu amar

2 O sol no corpo nu

lembra-me que sou um bicho da terra

3

Talvez ela exista, a suprema serenidade — bebendo-te, amando-te

4

Eu gostava de morrer na casa da minha amada:

lagoa sagrada 5

Não grites, amor — deixa-me escutar os teus rios

subterrâneos 6

O meu corpo afoga-se nas águas do teu corpo —

morte amorosa

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92  

7

O amor tem-me todo em seu poder. E agora?

Cantar. Sofrer 8

O amor não distingue a luz nua das estrelas

da sombra delas 9

Obra inacabada. Até quando se afasta

a mulher começa

10 Nascem águas do chão ou do templo em ruínas

do teu coração?

11 Vou morrendo à mão de mulheres — fontes

violadoras

12 Quantas vezes chorei.

Agora já não choro, meus olhos estão molhados

13

Ardem-me os olhos — a beleza do mundo ferida

pela mão dos homens

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93  

14 Que me dás tu

quando cantas? Um fio de lágrimas ou notas de música

15

O mundo não posso mudar — deixa-me sacudir a areia

das tuas sandálias

16 Amando, escrevendo, sou o aprendiz eterno

do saber essencial

17 Ferimos a ferida.

Que amor é este, esta glória, este rio sangrento?

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94  

 maria  joão  fernandes  

 O amoroso virá numa cascata de silêncios lettera  amorosa iluminando a brancura, jóias maduras, A António Ramos Rosa, frutos do olhar enamorado. René Char e Georges Braque Bálsamo indiviso, vapor acidulado de amores-perfeitos, oferta das palavras que não digo, e das horas de âmbar que não vivi contigo. Palavras aflorando os cumes da doçura, celebração adormecida, véspera da alegria do corpo, alma benfazeja que perfuma as abelhas e lhes rouba o seu mel, para deleite dos amantes. Pássaros fulgurantes, traços da aurora, pássaros amorosos de um esplendor maior, azuis, de vulcão extinto, com a sua dança perfumada de espirais e de absinto. O amoroso virá no seu corcel de espuma e solar delírio, semeando rosas e lírios nas alamedas do amor ferido e da calma e do repouso nascerão flores vermelhas, gritos felizes, a voluptuosidade do ar.

O amoroso virá resplandecente de furor amanhecido e libertará da noite a lua para amar o sol.

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95  

Sentir-me-ei tua, a fome terá o seu fim e os rios e os mares, o seu fogo, tudo correrá para mim. Esse calor eu o bendigo, essa perfeição absoluta que ninguém esperava, essa benção da noite à alvorada, prodigiosa ovação. O reino das metáforas abriu-se e delas nasceu uma laranja, sol do coração a irradiar a madura celebração do infinito. A amorosa despirá o seu manto de trevas e coberta de estrelas subirá ao lado do amoroso a crista de todas as vagas, uma após outra rebentando em luz e nessa claridade pousará o espaço e pousarão os olhos e os beijos e as carícias e o abraço, lenta, saborosa, confissão de amor. Alquimia dos pássaros, das flores de todas as cores, das maçãs ardendo com chamas redondas, ah, o tempo bem pode ir-se e o espaço recolher as suas redes cheias de prodígios e de lágrimas. Doces sílabas voam, casal de pássaros escrevendo nas nuvens a sua liberdade. Doce migração do sentido, dos seus traços, da sua breve, agreste cintilação, na obscuridade maravilhosa do jogo das maravilhas e das palavras. O amoroso virá com a palavra.

   *Do  livro  a  publicar:  Lettera  Amorosa,  Iluminações  e  Sombras.    

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96  

maria  teresa  dias  furtado    

 as  palavras  que  António  me  deu  

Não  foram  sombras  nem  enseadas  ou  fortes  em  baías  longas.  Não  foi  o  movimento  veloz  por  uma  ou  outra  estrada,  junto  De  casas  distraídas  na  sua  cal,  no  seu  salitre,  no  seu  silêncio,  Perfumado  pelas  flores  do  verão.  As  palavras  que  me  foram  dadas  têm  nome,  poesia  e  amizade,  Têm  cor  e  sabor,  intensidade,  vibram  nos  reflexos  e  nas  árvores.  O  poeta  ignora  e  sabe  o  que  vai  escrever,  É  o  branco  da  folha  que  acolhe  A  carga  de  sentido  e  de  sílabas,                                                                                                                  (Fotografia  de  Maria  José  Palla)  As  imagens  imprevistas  e  súbitas,  Os  barcos  que  surgem  no  horizonte  azul.  

As  palavras  movem-­‐se  como  as  águas  de  uma  ria  Que  procura  o  mar  onde  se  mistura  e  funde,  As  palavras  tornaram-­‐se  um  caminho    Com  todas  as  suas  lâmpadas,  suas  lâminas,  Toda  a  terra  que  ainda  a  elas  se  agarra,  O  viço  de  uma  folha  vegetal,  a  evidência,  Os  dedos  que  incertos  traçam  os  traços  inapagáveis,  A  voz  precisa,  antes  e  depois  do  grito,  da  noite,  do  meio-­‐dia.  A  água  do  planeta  verde  escorre  entre  a  inocência  das  plantas  E  dos  seres,  tudo  se  perfila  e  esbate  entre  vento  e  monte.  É  tempo  de  dizer  o  que  não  foi  dito,  o  que  não  tem  contornos,  O  que  os  olhos  do  poeta  vêem  e  sem  saber  porquê  escrevem  Ondulando  todos  os  sentidos  como  numa  barca  oscilante,  Captando  a  mensagem  do  vento  e  da  terra,  sabendo  línguas  inexistentes,  inexoravelmente,  improvavelmente  Tornando  o  impossível  possível,  a  verdade  transparente.  Num  leque  de  luz  repousa  a  sua  vista,  o  coração  inquieto  Buscando  o  infinito,  o  invisível  escondido  nas  coisas  mais  visíveis.  O  poeta  nunca  escreve  o  poema  que  quer,  livro  a  livro  tenta  e  não  Consegue,  as  palavras  que  tacteia  parecem-­‐lhe  cegas  em  relação  Ao  que  vislumbrou  e  amou  sem  poder  deixar  de  amar,  A  Poesia  é  pobre,  ignorância  sábia  que  persistentemente  busca,  Insatisfação  crónica  e  incurável,  mas  não  doentia,  impulso  De  chegar  um  pouco  mais  perto  do  poema,  aquele  que  ele  sabe  impossível  mesmo  que  escrever  lhe  deixe  as  mãos  a  sangrar.  As  palavras  dadas  são  diamantes,  sementes,  inícios  Para  o  tempo  sem  tempo  em  que  a  poesia  se  torne  rosa  inteira.  

 Lisboa,19  de  Julho  de  2011  

   

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97  

 paulo    

borges    

Do  imediato,  da  palavra,  do  silêncio  e  do  vazio  em  António  Ramos  Rosa    

“O que procuramos será real? Ou será o impossível fruto do desejo sempre latente e indefinível? Ou não será imediata presença e só a nossa distracção a perde ou turva o seu cristal? Talvez tenhamos perdido o dom da simplicidade e da tranquila conivência com as coisas Se pudéssemos coincidir o movimento com a suspensão o vazio seria a plenitude e a palavra não trairia o silêncio nem a evidência solar de cada coisa Só esta presença nos daria o túmido equilíbrio de pertencer ao mundo como uma haste de trigo e de possuir um corpo com a turgência nova de uma primavera vagarosamente ingénua vagamente indolentemente luminosa”

António Ramos Rosa, As Palavras, Porto, Campo das Letras, 2001, p.68.

Talvez o que procuramos seja real, mas não a procura, nem o que julgamos procurar,

nem quem procura, nem o que temos por “real”. Talvez tudo isto seja sim “o impossível fruto do desejo sempre latente e indefinível”, isso que sempre se distancia do que busca por imaginar carecer do que em si superabunda.

“O que procuramos” é na verdade “imediata presença” e por isso toda a procura e seu projectado objecto é “distracção” que a “perde”, esquecendo e turvando o seu “cristal”. Mas essa transparência, esse “fulgor puro” 1 obscurecido pelo desejo que o pro-jecta e ob-jecta, transparece ainda no que a encobre. Basta que a busca e o desejo reconheçam habitar e ser afinal isso mesmo que distante de si concebem. Basta que vislumbrem ser a superficial agitação do claro fundo sem fundo que a demandá-lo turvam. Então a superfície se descobre fundo efundo e superfície se desvanecem. Então se renova o afinal nunca alienado “dom da simplicidade” e na serena “conivência” com cada coisa cedemos à múltipla presença do

                                                                                                                           

1 Cf. António Ramos Rosa, “Não queiras mais que a gratuita lucidez”, As Palavras, Porto, Campo das Letras, 2001, p.32.

Nesta página: fotografia de António Ramos Rosa por Danilo Pavone.

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imediato. Pois as “coisas”, todas as “coisas”, interiores ou exteriores – a pedra, a lua, a caneta, a flor, o homem, o animal, o pensamento, a imagem, a emoção - , são desde sempre, sem interior nem exterior, a “imediata presença” que se procura e, por ser “imediata”, coincide com a íntegra plenitude de cada uma dessas coisas, não se ocultando nem atrás nem além delas nem ainda na sua secreta intimidade. Ser conivente com as “coisas” é assim estar de conluio com o que elas imediatamente são e transparecem, não as reduzir a meios para um além ou aquém, conspirar com a “imediata presença”, respirar o mesmo sopro que a tudo bafeja e anima. Não importa que a busca e o desejo cessem, basta que se detenham em pleno voo, suspensos no vislumbre do espaço onde cegam e arremessam asas, vendo-o como o seu mesmo espaço, a sua natureza íntima, primordial e profunda. Desejo e busca desvelam-se então essa “casual aragem” que nada mais é “do que o voluptuoso fluir de um puro vazio” 2, plenitude imensa onde tudo acontece. Agora a palavra, “transparente e nua” 3, não mais trai “o silêncio / nem a evidência solar de cada coisa”. Não porque se cale, mas porque não diz senão a clara e fulgurante indizibilidade de tudo 4. Não teme então incendiar-se nessa cumplicidade com as coisas que lança o fogo às “nossas coordenadas”, lhe sopra as chamas e as deixa arder, por mais que não suportemos esse apocalipse e intentemos “reconstruir o nosso círculo quotidiano” 5.

Pertencemos então ao mundo como primaveril e túrgida “haste de trigo”, frágil e úbere de possíveis, sem querer mais que o que já somos, “a gratuita lucidez do instante sem caminho” a pairar na “transparência” e “graça flexível de pertencer ao ar”, esse “voluptuoso fluir de um puro vazio”, “fulgor puro” sem fundo oculto. Aceitamos a “dádiva gratuita” dessa preciosidade nula, “tão essencial como o ar que se respira” 6, pois, na infinita generosidade do real, o fundamental é sempre o mais íntimo, simples e disponível. Só a distracção do desejo o imagina alheio, complexo e remoto. Respiramos no coração de todas as coisas.

Respiramos na imensa vastidão, pois a “imediata presença” que há na “evidência solar de cada coisa” é aberta, insubstancial, ilimitada e inapreensível como o espaço. Por isso as “coisas”, onde a “presença” fulgura, “só na aparência têm limites / e cada uma é uma rede inextricável / e silenciosamente vertiginosa” 7. Entretecidas no espaço e de espaço, por dentro e por fora sem dentro ou fora, todas as coisas, materiais-mentais, interligam-se, interpenetram-se e prolongam-se ao infinito, sem fronteiras ou formas precisas que lhes confiram princípio ou fim. Bem-aventuradas a visão e a palavra que se despojam da humana e falaz “necessidade de limites” e abdicam de lhes conferir “contornos” que as “harmonizem com as nossas coordenadas” 8. Sábias as palavras que mostram não ser moradas onde se domestiquem significados e sentidos, mas antes fulgores onde sobretudo “brilha […] a sua ausência / ou o seu silêncio” 9.

                                                                                                                           

2 Cf. Ibid. 3 Cf. “A palavra é o desejo do espaço e o espaço do desejo”, Ibid., p.30. 4 “Mesmo quando a palavra é transparente e nua / nunca elimina esse silêncio de montanha imersa / e assim o que nunca foi dito ficará não dito / tão inatingível como a monótona claridade do dia” – Ibid. 5 “Às vezes a realidade abre um rasgão / e nós vemos o clamor da derradeira cal / ou o incêndio das nossas coordenadas / Mas nós não suportamos essa visão do fim / e procuramos reconstruir o nosso círculo quotidiano” – “Às vezes a realidade abre um rasgão”, Ibid., p.51. 6 Cf. “Não queiras mais que a gratuita lucidez”, Ibid., p.32. 7 Cf. “As coisas só na aparência têm limites”, Ibid., p.75. 8 Cf. Ibid. 9 Cf. “O que são as palavras”, Ibid., p.74.

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Nas palavras ressoa a “ausência” ou “silêncio” de si mesmas, pois, se é pelo seu uso coisificante que tudo se pode coisificar, as próprias palavras são “coisas” incoisificáveis, incomensuráveis, sem referências, puro espaço vibrátil e sonoro, livre dos sentidos e significados que a humana insegurança e inerente vontade de domínio lhes conferem: “Elas são sempre abertas / na sua cintilante nudez / e vibram / como um corpo do espaço” 10. Incandescente ressonância do infinito sem determinações, em cada uma delas a “abertura para o insondável” prima a “relação horizontal com as outras palavras” 11: mais do que inserida numa sequência lógica e causal que a explique pela precedente e pela subsequente, cada palavra inventa-se no “vazio” 12. Sem um “núcleo” interno que as defina e isole, as palavras, tal como tudo, movem-se sempre para além de si mesmas 13. Sem “um centro um fundo ou um princípio”, as palavras nascem do insubstancial “frémito de algo que é sem ser”. E talvez não seja “em vão” que aspiramos a essa “transparência nua” ou “extremo em que a palavra seja a sua abolição / no silêncio para que tende e de onde vem” 14, pois, afinal, se as palavras “algo dizem é o olvido branco em que desaparecem” 15. Esse “puro vazio” matriz do mundo que se abre no imaculado e imaculável branco da página e em toda a palavra que nele e dele se entretece: “Ela não interrompe o silêncio da brancura / porque ela própria é uma indolente forma do silêncio” 16; “Assim a palavra anuncia a sua aparição / e o que aparece é o vazio cintilante / que é ela própria […]” 17; “Mas a palavra irrompe / do oriente que contém em si e é o vazio magnético / que transmuda o nada em pulsação azul” 18.

A palavra salvaguarda, em si e em seu dizer, a inviolável virgindade e indizibilidade do indizível: “Mesmo quando a palavra é transparente e nua / nunca elimina esse silêncio de montanha imersa / e assim o que nunca foi dito ficará não dito / tão inatingível como a monótona claridade do dia” 19. É o ilimitado desse indizível, todavia, que a todo o limite do dizível polariza e atrai – “o que não pode ser dito é uma sede submersa / que desejaria beber o horizonte do mundo” - , pois no próprio dizer se pressente “a fragilidade de uma nudez incomparável /em que flui o ouro que o mundo desconhece” 20. Em verdade é para isso que se escreve, quando em verdade se escreve. Para que no imo da palavra ressoe o inefável e as coisas se recolham à íntima mudez: “Tu escreves para que no fundo de cada palavra / vibre o que não pode ser pronunciado / e que as coisas se retraiam / sob a forma do seu silêncio” 21.

Escrevemos para que mais esplenda o branco do ser e da página.                                                                                                                                  

10Ibid. 11 “Cada palavra é uma abertura para o insondável / antes de ser uma relação horizontal com as outras palavras”; “É o inconcebível infinito o seu puro nada / que nas palavras ressoa com a incandescência do ser” - “Nós não podemos dominar a móvel rede do sentido”, Ibid., p.17. 12 Cf. “A palavra não é uma consequência necessária”, Ibid., p.38. 13 Cf. “Nem as palavras nem as coisas nem o espaço nem o corpo nem o silêncio”, Ibid., p.67. 14 Cf. “Para que a palavra tivesse a consistência”, Ibid., p.70. 15 Cf. “Escreve-se para começar não se sabe o quê”, Ibid., p.103. 16 “A palavra só pode surgir se houver um fundo de repouso”, Ibid., p.21. 17 “Não é possível imaginar o que é real”, Ibid., p.45. 18 “A liberdade é o saber que ninguém ouve ou vê”, Ibid., p.61. 19 “A palavra é o desejo do espaço e o espaço do desejo”, Ibid., p.30. 20 “O que se deseja escrever talvez nunca se escreva”, Ibid., p.40. 21 “Talvez tenhas de colocar uma pedra junto a uma árvore”, Ibid., p.76.

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Ao  lado:  Desenho  de  Gonçalo  Salvado                                                                                                                                                                                maria  do  sameiro  barroso    

a  palavra  tributária  e  solar    

(a  António  Ramos  Rosa)  

Bebi da sua luz, como ave estonteada. Na sua ébria fonte, bebi os vestígios plenos, a palavra vazia, Com ele, regressei à coerência antiga, apoiada na janela nítida de um pórtico solar. Fui sacerdotisa do seu culto, aprendi nas salas brancas dos seus templos de sol e, submersa na noite do silêncio e do tempo, emergi na luz radiosa da sua palavra azul e pura.

Atravessei, com os seus cavalos míticos, os ciclos da terra, as clareiras do vento. Regressei do mais recôndito ardil do mundo e tentei decifrar as suas árduas falésias de luminoso granito.

O real nunca foi um reduto exacto. Quem disse que o verde é um lugar seguro? Quem inscreveu nas pedras a fluidez dos rios, o âmbar das profundezas, o espelho dos mares, e abriu às teias da criação, as lâmpadas marinhas dos insectos da volúpia?

Quem disse que a palavra é silêncio, reflexo e reduto aberto, incêndio de névoa, sentiu também o fulgor, a sede e a exactidão com que se ascende à pulsação do infinito. Quem desafia o abismo das palavras, sabe que a transgressão é o lugar do poema, envolto em sombras frágeis. A boca, estridente ou suave, escava, nas páginas, o deserto da sua íntima sede, na sombra que escava, entre a linha e o verso, a inanição informulada da sua luminosidade última.

Quem disse que o corpo é verbo, desenlace e substância, recolheu na profecia o sopro extremo e dedilha, na negra obsessão, o jorro de uma harpa, vinda da terra impura, absoluta, recolhida na ousadia suprema como ramagem circular, diáfana flor, rasto cintilante. Quem disse que a palavra é centro e segredo, lavra, na prata insolúvel, o pão e as ondas, consumadas na voracidade dos nomes.

Artesão do fogo e do silêncio, mineiro obscuro, trabalha as pedras e o desejo, tornando o mundo habitável e próximo o universo. Apoiando-se nas estrias e nos muros, impele a lua e os séculos, ferindo-se nos rasgões da agonia surda, dando espaço à palavra extrema e libertária.

Na sua figura em contra-luz, guarda a origem das palavras nulas, a consciência do negro que o abandono designa, no combate corpo a corpo a corpo entre o ser e o nada, expressando o nascimento primordial e nu dos novos lugares sagrados. Chamam-se árvores, aves, deuses, água, fogo, chamas, entre imagens de uma mitologia obscura, momentos de uma vivência poética total, marcas de uma estrela frágil, instantânea e quotidiana.

O sol nunca sobra no dorso imortal dos torsos de água. Como intacta folha, regressa ao vocábulo esquecido, à recôndita voz, à face inteira. O sol nunca se esquece de acordar a noite. Dionísio a ele muitas vezes me conduziu, com suas ébrias quadrigas, nas verdes planícies onde também resfolegavam os prodigiosos cavalos de Apolo. Em Delfos, ou nos seus poemas, respirei o ritmo da sóbria proporção da beleza.

Na solidão dos enigmas, com ele aprendi que as estrelas moram o interior dos relógios, que a liberdade habita a transgressão, que a alegria é uma pedra compacta, uma anca de música, uma vertigem de cinza.

Na sua palavra, vi nascer os gérmenes da cal e do silêncio, os nomes despenhando-se num frémito de argila. Na exaltação do corpo, nasce a vertigem, a sombra, e o abandonado rumor das ervas ascende, pelos signos plenos, à melodia intacta das potências de luz.

 

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fernando  esteves  pinto  

 para  António  Ramos  Rosa    

 1. Está agora em sua casa. Escreve para que o ouçam. O que nós sabemos dele não pode constituir uma ameaça ao modo como adaptou a sua vida. Tudo vai ficar assim: imperturbável e limpo. O seu jogo será sempre o mesmo. Todos os dias as suas palavras ecoando por todo o nosso corpo. Numa tentativa de criar um espaço estranho que nos possua, nos reserve ao nível do seu pensamento. 2. Há uma linha que divide a casa. É uma ideia que sempre o acompanhou. É um fio que corta os objectos, o separa na sua compreensão. Os objectos foram postos ali por ele. De um lado existe tudo o que é familiar, pessoal e permanente. Do outro lado está o que é suspenso, ilegível, completamente indecifrável. Ele olha à sua volta. Atravessa estas coisas, divide o seu pensamento. Há uma espécie de magia no outro lado daquilo que pensa. Há uma divisão em tudo o que escreve. Ele é um compartimento da própria casa. Ele divide a casa. 3. Nunca pensou ser possível pertencer tanto a uma coisa. Quase desaparecer na sua luz, na sua substância. É o que acontece quando ele escreve. Quando rodeia um qualquer objecto do seu pensamento. A atenção também divide, separa. É capaz de ignorar tudo o que não considera interessante. É mais a forma de uma magia do que certamente o conhecimento o que o leva a abrir portas nas coisas, subir degraus nas palavras, atravessar corredores na sua escrita. 4. Pegar numa coisa, fazê-la rodar, tentar descobrir-lhe uma abertura, entrar no seu interior. As palavras existem para provocar essa construção. É uma felicidade. É como caminhar pelo campo. Sente-se uma paisagem dentro da própria paisagem. Quando nos afastamos, temos o sentimento de dependência entre o que estava e o que continua a estar num sentido mais diluído. Como quando saímos de um poema, de uma pintura, e continuamos a fazer parte dos seus elementos. 5. Quando não escreve, o seu rosto é a expressão viva de quem procura impacientemente outro lugar. A sua fuga é sempre um regresso. Um início em si mesmo. A sua atitude em confronto com o resultado que desperta nessa solidão permite-nos sentir a opacidade que existe nas suas palavras. 6. Aceitamos a obscuridade do que ele nos diz. Ele escreve e as palavras testemunham a ausência de tudo o que ficou escrito. Aceitamos as suas palavras sempre de uma forma indefesa, não reconhecida, como quem está para partir. 7. Ele curva-se perante os materiais do seu trabalho. Procura nas palavras uma arte que o fará perdoar o vazio temporal desse instante. Toda a sua poesia é o resultado de uma masturbação a nível da linguagem. O comportamento que ele desenvolve durante a escrita cria uma situação de fechamento em relação à sua própria matéria humana. A fragilidade e o medo fazem o poeta.

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gisela  ramos  rosa  

 

 

Oiço-­‐te  como  se  acabasse  de  nascer  

© gisela ramos rosa

nas  mãos  da  palavra  onde  bordo  o  meu  ser  

© gisela ramos rosa

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Só existe uma única alma para todas as coisas

Píndaro

Quando há já largos anos me aproximei estreitamente do poeta António Ramos Rosa levava uma rosa que pretendia unir os ramos do seu nome, os inscritos no sangue e os que o Sol reclama quando a palavra vida atravessa a noite e se dilata ao ponto de só a poesia poder revelar o mundo. Foi assim que reencontrei o meu tio poeta que conhecia desde criança através de meu pai, seu irmão. Das histórias que este me contava, pois na época vivíamos em África onde a família paterna distava.

Naturalmente a palavra foi crescendo em mim e a imagem do poeta também. Cresceu, igualmente, o meu gosto pela linguagem poética. Desde cedo que lia a poesia de António Ramos Rosa.

Ao reencontrar o poeta ergui uma rosa que no sangue transportava, ergui um rosto, ergui a voz. Nas mãos do poeta encontrava um rio infinito, nelas havia a paz da palavra e todos os caminhos da palavra paz me encaminhavam ao poeta. Nas mãos do poeta havia silêncios e palavras que se multiplicavam nos poemas, nos textos, nos livros, nos desenhos.

Nas mãos do poeta há o poema cujo traço extravasou as margens e se elevou na página projectando o rosto das palavras, os rostos de uma escrita que transcenderam os limites do caderno para se projectar na criação de figuras poéticas femininas. Figuras que foram ganhando outras formas com o exercício cada vez mais fluído do traço, do sopro. Imagens não figurativas, imagens de bichos, imagens de rostos e bichos, imagens de números, imagens de palavras e de alfabetos indecifráveis. Em António Ramos Rosa palavra, pintura e desenho dialogam entre si e com o mundo, tocam a condição humana, tocam-nos.

Em 2006 escrevi um poema a meu tio que foi publicado na Revista Textos e Pretextos, onde lhe dizia “As tuas imagens foram guarida do meu ser/ quando naquelas manhãs a intempérie era um muro roxo/ e o horizonte dormia nas mãos de Ariadne (Gisela Ramos Rosa, 2006). Hoje, continuo a dizer versos do mesmo poema “com os fios da tua cabeleira branca teço a nascente da rosa libertada” (idem).

De tanto ver e sentir António a ler, a escrever, a desenhar, os meus olhos fixaram no olhar o elemento do visto (Bernard Noel). A paz de um secreto e aberto silêncio manteve-me na esfera poética de António Ramos Rosa. Em cada traço, verso, ou desenho seu um arco aumentou e uniu-nos. A linguagem dos traços estendia-se na página revelando os rostos possíveis do mundo e o mundo possível dos rostos. “Em poesia a liberdade é livre” dizia-me o poeta inventando nomes poéticos para a minha cabeleira mostrando-me como soltar as amarras da imaginação com a escrita.

António é a imagem mesma da palavra que os homens e as mulheres lançam ao mundo para atravessar a escuridão e os demónios com a chave do Sol e do Amor. Consigo experimento o início dos tempos a dádiva e a consistência do humano. Obrigada António. Gisela Ramos Rosa 15-09-2011

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 josé  machado  pais  

 r  o  s  a  l  u  m  e  

     

Querido amigo, queria dar-lhe conta da minha enorme satisfação pelo encontro de sábado passado [29-08-2011]. As mais de três horas de convívio – na boa companhia de Agripina e Gisela – sumiram como se fossem manualmente rodadas em ponteiros de um mostrador de relógio. Lamento que a sua hora de jantar quase tivesse sido atropelada por esse tempo desalmadamente em fuga. E, no entanto, como que por artes de magia, esse tempo evadido tornou-se terna e eternamente presente em sua ausência, assim a modos da presença- ausência que aparece no seu belo poema «A palavra é frágil» (Génese).

Se bem se lembra – sim, também andámos à volta de lembranças de Vitorino Nemésio – levei-lhe, em fotocópia, uma carta que Henri Lefebvre escreveu a Octávio Paz, infelizmente nunca enviada, ainda que publicada como preâmbulo do seu livro La Présence et l’Absence. Nela, o sociólogo lançava interrogações à sensibilidade do poeta que muito o intrigavam. A dado passo, perguntava-lhe: «?Cómo nace para el poeta esa doble presencia, él con su verbo, y ante él el mundo?». Esta, querido poeta, é daquelas perguntas que não me atrevo a fazer-lhe, assim de repente. Por isso deixei-a, sorrateiramente, em cima da mesa redonda dos seus aposentos, na fotocópia da carta de Lefebvre, limpinha de sublinhados.

No cume da pilha de livros que se alojam na mesa redonda da sua habitação vi, por mero acaso, um livrinho de Octavio Paz, Al Paso. Que surpreendente coincidência! Até aqueles outros livros que repousavam tranquilamente no sofá se agitaram, tombando alguns para o chão, al paso que o de Octavio Paz viajava pelas nossas mãos, ávidas de palavras e de tudo o que elas nos dão em seu trânsito. Depois surgiu a oportunidade de, a páginas tantas (não foi por acaso a página 185?), comungarmos do «brinde ao prémio Nobel». Não espanta que tivéssemos derivado a nossa conversa para os acasos do acaso, tendo vindo à baila Picasso («Yo no busco, encuentro»). Como sociólogo, frequentemente me questiono: que caminhos levam ao nascimento das descobertas científicas? Sem dúvida, caminhos árduos, de caminhadas disciplinadas, feitas por caminheiros cansados de buscas acumuladas. Eis senão quando, inesperadamente, ao virar de qualquer esquina da descrença ou da desmotivação, o deslumbramento da descoberta. Como por acaso.

Em nossas divagações, vimos que o acaso é feito de trânsitos. Creio que é nesses trânsitos que as palavras adquirem vida. Por isso mesmo, Octavio Paz dizia que «les mots font l’amour». Como o meu querido amigo escreveu num sábio poema («As palavras juntam-se e juntando-se separam-se», Animal Olhar), «as palavras «atravessam o vazio do tempo e são formas do tempo que flui no exterior e no íntimo de nós». Teremos aqui o filão da matriz de pensamento que permitirá dar resposta às inquietações lefebvrianas?

Entretanto, viajámos por um livrinho de poemas de Ulalume González de León, poetisa uruguaia, naturalizada mexicana que, bem reparei, deixou-lhe uma simpática dedicatória. Já não me lembro é do nome do livro (será que estou a ficar com aquela maleita do esquecimento de cujo nome não me quero lembrar?). Ao ler-nos alguns versos do livro, de viva voz, fazendo dançar as palavras com o silêncio, percebi melhor o sentido de um poema seu: «Não se pode viver sem», (Relâmpago de Nada): «A palavra deverá apagar as lâmpadas eloquentes e precisas e esperar a vaga do silêncio para que de si mesma possa partir como o navio branco da sua própria essência».

A tertúlia em volta das palavras fez-me compreender que elas são boas não apenas para comunicar, mas também para pensar, sentir e até jogar. Viu como cantámos, em diferentes melopeias, Ulalume?

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Que musicalidade tem a palavra! Depois fizemos rotações de palavras, insólitos jogos entre o sentido e o som, num idioma de metamorfoses que nos fez aportar em palavras inimagináveis, como rosalume. Sílabas que se unem entre si, formando unidades sonoras: mantras, sem significado conceptual, mas ricas em sentidos emotivos, mágicos, religiosos: amuletos verbais, talismãs linguísticos, escapulários sonoros que Octavio Paz tão bem soube identificar na sua vasta obra. E descobrimos, como aquele nosso presidente da República que em Espanha se confessava embarassado [engravidado] por não dominar bem a língua espanhola, que há palavras que também se embaraçam de significados briguentos ou então trazem no ventre outras palavras: os trânsitos, por exemplo, podem dar à luz o transe. E não é que os literatos estão grávidos de ratos? Volto a recordar-me de Octávio Paz quando, discorrendo sobre a Nueva Picardia Mexicana, de Armando Jiménez, logo sobrevoou os múltiplos significados da picardia: do acto real de picar à picada imaginária. Creio que por essa via chegámos aos chistes e às anedotas, retratando ocorrências bem reais. «Esta é a última!» – mas havia outra mais, só mais uma para terminar. Assim perdemos a noção do tempo. Enfim, rimo-nos de outros e de nós mesmos e, desse modo, descobrimos a nossa dualidade: nós nos outros, os outros em nós.

Por fim, e voltando à presença-ausência. A sua exposição – Rostos da Escrita – que em boa hora se realizou no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no passado mês de Junho, deixou marcas. Os seus desenhos – com muitos rostos femininos – já não estão em exposição mas, imaginariamente, continuam, para quem quer, a interpelar-nos o olhar, o pensamento, o sentimento. É que há rostos que, mesmo na sua ausência, nos olham com a profundidade de um poema, da mesma forma que há traços, marcas e palavras que nos permitem abarcar tudo o que se possa imaginar.

Em Las Palabras Andantes, Eduardo Galeano sustentava: «Tudo tem, todos temos, rosto e marcas. O cão e a serpente e a gaivota e tu e eu, quem vive e quem viveu e todos os que caminham, se arrastam ou voam: todos temos rostos e marcas. Os Maias acreditam nisso. E acreditam que as marcas, invisíveis, são mais rosto que o rosto invisível». A sua exposição continua presente na sua ausência, à sua sombra teceram-se memórias. Por nos ter dado oportunidade de desvendar as marcas invisíveis dos rostos que desenha. Por não termos deixado de nos sentir olhados pelas miradas invisíveis dos rostos da sedução. Por nos termos descoberto no poema de cada um dos seus desenhos porque de poesia são feitos os rostos que nos continuam a olhar, na sua ausência. Simplesmente porque os podemos imaginar.

Agora sim, vou mesmo de abalada. Como Agripina manifestou interesse em ter acesso ao livro Sousa Martins e suas Memórias Sociais. Sociologia de uma Crença Popular é com muito gosto que lhe envio um exemplar. Quer saber de outra coincidência? José de Souza Martins – não o nosso «santo» mas aquele que é um dos expoentes máximos da sociologia brasileira – convidou-me para, em Outubro próximo, participar numa «mesa redonda» sobre Lefebvre, a realizar em Caxambu. Suspeito que a mesa nada tenha de redonda, costumam ser quadradas. Terei saudades da mesa redonda dos seus aposentos, qual estuário de rio em maré cheia de barcas de palavras.   Gisela conhece Souza Martins, que este mês acabou de publicar mais um livro apaixonante: Uma Arqueologia da Memória Social. Autobiografia de um Moleque de Fábrica. Ele é também um grande admirador da obra do meu querido poeta. Em Maio de 2006, se bem me lembro, esteve na Casa Fernando Pessoa, no lançamento de Vasos Comunicantes. Já agora, aproveito para lhe enviar um exemplar do meu mais recente livro, Lufa-lufa Quotidiana. Ensaios sobre Cidade, Cultura e Vida Urbana. Não, não trata tanto daquele tempo benfeitor que nos presenteia quando foge sem dar-mos conta – esse é o tempo dos encontros gratos, como o que tivemos no sábado passado, gerador de memórias que o tornam presente em sua ausência. Há outro tempo, o que nos embaraça e consome em seus contratempos. No «correr de vida» que, como dizia Guimarães Rosa, «embrulha tudo».

Um abraço amigo deste que muito o admira. José Machado Pais Lisboa, 30 de Agosto de 2011

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josé  bivar      

A  mão  que  canta  os  pássaros…          Foi  em  2008  inaugurada  no  museu  coleção  berardo  pelo  então  ministro  da  cultura  francês  Jack   Lang   a   exposição   "Desenhos   de   Escritores",   com   cerca   de   300   desenhos   de   uma  centena  de  autores  consagrados,  que  pretendeu  promover  uma  reflexão  em  torno  do  que  une  e  separa  a  escrita  do  desenho  e  da  pintura.  Esta  exposição  inédita  reuniu  uma  grande  diversidade  de  escritores  que  também  desenham,  de  George  Sand  a  Bernard  Heidsieck,  do  romantismo   à   poesia   sonora,   passando   pelos   surrealistas,   até   à   "beat   generation",  representada,  por  exemplo,  por  Jack  Kerouac  e  William  Burroughs.  Coube   agora   a   honra   à   Associação   de   Artistas   Plásticos   do   Algarve   de   apresentar   uma  colecção  de  desenhos  inéditos    do  nosso  mais  ilustre  poeta  vivo,  na  sua  terra  natal  -­‐  Faro.  Mas  ouçamos  o  que  nos  diz  o  poeta  deste  seu  acto  criador:    

"Eu   faço   uns   desenhos   que   são   rostos   e   faço-­‐os   com   uma   grande  espontaneidade:  são  automáticos  e  confluentes,  quer  dizer,  não  estou  a  pensar  se  faço  uma  linha,  que  vou  fazer  aquela   linha:  depois  é  que  sai  o  meu  trabalho  -­‐  e  por  isso  é  que  eu  faço  em  segundos  um  desenho."  

 A  obra  poética  de  António  Ramos  Rosa,  como  a  de  Henri  Michaux,  escreve  a  crítica  de  arte  Maria   João   Fernandes,   «não   é  mero   contraponto   verbal   do   seu  discurso  de   sinais   vivos,  que   hoje   nos   apresenta,   fugazes,   densamente   coloridos,   ou   de   um   negrume   palpitante  que   duplica   os   enigmas   que   lhe   estão   subjacentes.   Mas   uma   voz   que   torna   audível,  compreensível,  o  maravilhoso  que  preside  a   toda  a  experiência  estética,  estado  que  nos  devolve   "o   jardim   exaltado"   (Henri   Michaux)   do   paraíso,   sublimando   um   terror,   um  espanto  originários  e  inseparáveis  da  condição  humana».  De  acordo  com  Maria  João  Fernandes,  a  contaminação  entre  as  linguagens  da  poesia  e  da  pintura   na   modernidade   vem   de   uma   tradição   europeia   que   passa   pelos   gregos,   Idade  Média,  Barroco  e  pelos  pioneiros  que  renovaram  esta  tradição  Mallarmé  e  Apollinaire.  No   caso   de   Ramos   Rosa,   o   desenho   tem   vindo   a   acompanhar   a   sua   obra,   como   sinal  caligráfico  evocando  a  fragilidade  da  poesia.  Parafraseando  uma  poetisa  que  dedica  um  poema  aos  desenhos  de  Ramos  Rosa,  Maria  do  Sameiro  Barroso,  

 “  (…)Nos  olhos  de  um  Poeta,  a  dança  do  mundo,    os  seus  desenhos  festivos  acariciam  a  luz,    os  seus  bailados.(…)”  

Acrescentaria  que  esses  bailados  são  a  expressão  deste  Algarve  andaluz  que  transparece  nos  rostos  femininos  e  no  trinar  dos  pássaros  que  a  sua  mão  solta  para  o  canto  amoroso  e  fugaz  num  gesto  que  é  todo  uma  filosofia  do  Ser  deste  lugar  ao  Sul.  

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luís  filipe  pereira    

Como  leitor  de  António  Ramos  Rosa,  esta  impressão  breve  não  será  mais  que  a  fantasia  de  um  pássaro/preso  na  ténue  rede  das  palavras  oblíquas  

   (Génese  seguido  de  Constelações,  2005)  

          Da obra ramos-rosiana elejo a centralidade do espaço como pórtico de uma poética que, infatigavelmente, assume como função primeira a abertura de um espaço e sua sucedânea inscrição no endoespaço - que não é o espaço convencional, antes o da invenção de uma cosmologia da visibilidade por onde zarpa o Navio da Matéria (1994) rumo à interrogação do Ser e à reabilitação das nuas e lídimas matrizes do mundo, por via de um caminho de palavras, quais escopros de sal - do poema. A criação de um espaço, que acolhe e transfigura os emblemas do ser, sincroniza-se com a instauração de uma arquitectónica criativa cuja geografia nómada oscila entre a disforia de um círculo de cal e a euforia de um espaço de festa, conjugando-se sob o signo solar, porquanto O Sol é Todo o Espaço (2002), a convocar-nos para uma lógica, eminentemente heliocêntrica, para uma dinâmica originária comandada pelo Volante Verde (1986) da língua e levando-nos ao cerne do mundo que, no seu alvor transmudado na habitação aberta do poema, exibe a infinidade de possíveis para que tudo possa ser reinventado no corpo oblíquo da palavra poética, mediadora de horizontes incomensuráveis. Eis como no corpo do poema irradia um novo espaço, aquém ou além de quaisquer sistemas de referência, através da ficção da sutura da Intacta Ferida (1991) – aquela de que brota o vaivém imóvel do perpétuo, e sempre principiante, questionamento ontológico: intrépido vagabundear em núpcias com o espaço. Assim, a viagem – princípio de desejo – da obra de Ramos Rosa acompanha, alusiva ou obliquamente, a eclosão, sem porquê nem finalidade, e irradiação do Ser, as suas solares incidências para que, no âmago do poema, o mundo repouse no seu próprio ser. Leio: A energia secreta do poema não chega a constituir o rosto do invisível mas a pulsação das suas sílabas identifica-se com o ritmo do inominado ser que é a origem e o horizonte da palavra e de que a palavra é o início e o motor que o instaura na sua trama obscura e incandescente (Relâmpago de Nada, 2004). Concêntrica com a invenção do espaço é a fundíssima exigência de um questionamento do Logos poético, já que a vertente metapoética é omnipresente na obra ramos-rosiana e torna este Poeta-filósofo (também na acepção heideggeriana reportando-se aos filósofos pré-socráticos) constante construtor de um espaço em génese, constituinte e não constituído, de um espaço sempre em estado nascente, aberto e relacional, interpelando-nos para a criação de uma ocupação, para a ars inveniendi de uma habitação susceptível de cumular o anelo do ser por mais ser: reabilitação da fonte e reinstauração da sede. Na linha de Heidegger, a poesia pensante – sendo-a, eminentemente, a de Ramos Rosa, traço aliás que a torna ímpar, pois nenhuma outra a levou tão longe como esta aventura militante do autor de Ocupação do Espaço (1963) – é topologia do Ser, facultando-nos o poeta um espaço genésico, processual,

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desmultiplicando-se em intensidades matizadas de desejo e afecto: um espaço organicamente erótico, de abertura ao informulado, ao ilimitado: espaço do possível à revelia do espaço objectivo, efectivo. Uma espacialidade que o poema escava na falante concavidade da página para nos dar a ver a respiração de uma matéria espacial que, ab ovo, reflui até ao campo do proto-Ser - o já do ser, com o sol de permeio, em que somos animais marinhos de uma delícia verde (Dinâmica Subtil, 1984) – fazendo-nos mergulhar no mais extreme canto aéreo, excessivo de leveza e de lume, em que reverberam as palavras sempre ao rés do silêncio, porquanto são elas o órgão da luminosidade que, respigando-se aqui o mito de Leandro, permite ao poeta atravessar o Helesponto e a árida escuridão para encontrar no irisado espaço da poesia (como se Hero) a fugitiva plenitude por entre as cruzadas margens do corpo e do mundo, para incorporar no espaço a dimensionalidade universal da sua existência: Estou vivo e Escrevo Sol (1966). Deste modo, se em Ramos Rosa estamos condenados ao sentido (Maurice Merleau-Ponty) não é todavia o poeta que, sobrevoando-o, cria o sentido do mundo, antes abre-nos um espaço onde o mundo vem soletrar, como se index sui, o poema mudo que possui e que requer do poeta a despossuição da tirania do eu como criador do sentido, uma vez que na poesia ramos-rosiana a relação ao mundo faz-se do interior, na comunhão com o mundo: no átrio de olhá-lo de dentro. Daí que os poemas sejam superfície de uma profundidade inesgotável, como se tudo começasse à boca do poema (Boca Incompleta, 1977) sendo tarefa continuada da criação poética a de restabelecer a intimidade de uma afectuosa sintonia/libertando-o [o homem] do peso obscuro da alteridade do nada (O Sol é Todo o Espaço, 2002). Num tal espaço, que a poesia de Ramos Rosa instaura e nos oferenda para que nele erijamos um germinativo habitar, de envolvimento – que é intensivo e não extensivo, afectivo e não efectivo -, a um tempo sinestésico, carnal, cósmico e estesiológico, entrevemos um infrene apelo do Uno em que, libérrima, advém a fulgurante presença do mundo, a sua materialidade rediviva e disseminada pela palavra amotinada pelo frémito amante e mediadora de entre-espaços, alcandorando-se o dialogismo a canto do mundo, por via de uma dança centrífuga de permanente aproximação à misteriosa integralidade do ser e que ressurge na voz sempre inicial do poeta, essa que clamava já, embrionária e urgente, nos primeiros poemas de António Ramos Rosa, em 1958, coligidos no caderno titulado como O Grito Claro e também já tornada fruto no ensaio do poeta na revista Árvore com o título A poesia é um diálogo com o Universo.

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         Manuela  Justino  “orquestração”  

(aguarela  sobre  papel)  

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joão  pedro  silva    

António  Ramos  Rosa,  a  poesia  desenhada  *  50  desenhos,  50  poemas      

Revelar este lado menos conhecido do Poeta foi o ponto de partida para a selecção dos desenhos expostos no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no passado mês de Junho. Dividida em rostos, essencialmente femininos, animais e não figurativo, esta mostra reuniu 50 desenhos da vasta produção que tem vindo a ser desenvolvida pelo Poeta desde a década de 80. São desenhos de traço rápido, fluido e essencial, denotando uma grande jovialidade, uma energia inicial das coisas, que nega o lado mais racional da sua criação. Fugindo para um lado intuitivo forte e sentido, o desenho tenta captar momentos intensos e carregados de afectos. É sobretudo de afecto e de desejo que estes desenhos nos falam. Interpelam-nos não só pela força do traço, mas pela palavra que pontualmente surge entre as linhas suaves e fortes de alguns desenhos. Frases como elogio de um desejo dançando expressam uma enorme vontade de poetizar a realidade. Se este desenho lhe diz alguma coisa, o que é que lhe diz? Uma coisa ou outra coisa? - esta é a interrogação levantada pelo Poeta num desenho. Esta fuga à realidade visível e palpável é uma constante na linguagem de António Ramos Rosa. Ele sugere-nos que vejamos para além das linhas, para além da forma, e que sintamos o que as linhas nos transmitem, que vislumbremos um mundo que desejamos. A Poesia de Ramos Rosa não nos revela as coisas do mundo. Simplesmente, ajuda-nos a descobri-las e a sentir o horizonte para onde apontam, nem que seja o nosso próprio desconhecido. Da mesma forma, também os desenhos nos ajudam a descobrir expressões, afectos e universos imaginados, revelados em rostos, alfabetos e animais que nos parecem familiares. Criar é isso, é esquecer e recordar simultaneamente. Desenho em Ramos Rosa é liberdade, é criar um espaço de libertação, de tranquilidade, de sensação absoluta, de bem-estar, de intensidade. É também simplicidade, quase inocente, semelhante à que podemos encontrar em pintores como Pomar, Matisse ou Picasso. E estas são provavelmente as coisas mais difíceis de conquistar na vida. * Texto de apresentação da exposição de desenhos/poemas de António Ramos Rosa “Rostos da escrita. Desenho e Poesia”, que esteve patente entre 7 e 28 de Junho de 2011 no ICS (Instituto de Ciências Sociais), e de que o Arqtº João Pedro Silva foi comissário. (Nota da Direcção)

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joão  rui  de  sousa    

o  relógio  da  amizade*  (réplica  a  um  poema  de  há  44  anos  que  me  era  dedicado)  

Para  um  amigo  tenho  sempre  um  relógio    esquecido  em  qualquer  fundo  de  algibeira.    Mas  esse  relógio  não  marca  o  tempo  inútil.    São  restos  de  tabaco  e  de  ternura  rápida.    É  um  arco-­‐íris  de  sombra,  quente  e  trémulo.    É  um  copo  de  vinho  com  o  meu  sangue  e  o  sol.    António  Ramos  Rosa,  in  "Viagem  Através  de  uma  Nebulosa"  

Em cada relógio há sempre um amigo  que nos acorda, que suavemente nos percorre os interstícios da alma, que nos assombra com sinais discretíssimos de fraterna luz ou que nos deixa, mesmo em minuto frágil, um arco triunfal com tâmaras de afecto.

Nesse relógio há um lírio comestível ou uma plena árvore com seus braços de deslumbre, ou a mais ínfima erva que por ele sobrevive à estrondosa queda do granizo, à dissolução (inevitável) de casas e areias, e mesmo ao advento da loucura.

É sempre tal relógio um rio profundo onde a cor dum sol cheio, tantas vezes reposto, tantas vezes presente em acenar de címbalos e de búzios, pode acordar em tons de uma aridez sombria, pode deixar-nos tristes, sós e desolados, numa gruta de horror frente ao deserto - num recanto de sono e desalento.

Nesse amigo de sempre, um tal relógio - com seus ponteiros de murta ou de veludo, que saltam como lebres sobre as horas ou são nichos de abrigo e cestos de avelãs – é puro movimento e azul que estremece o fio de cada dia, o voo do coração.

Mesmo em zonas de fogo e exaltação, nesses lugares de praia mais sensíveis (como o esplendor do corpo em combustão, como o fremir da vaga e do desejo), existe tal relógio, ó engrenagem mágica, ó tiquetaque nítido, tão cúmplice.

*Poema que integra o conjunto de dez incluído na caixa Sete Livros Sete Desenhos, editada em 2004, para comemorar os oitenta anos de António Ramos Rosa.

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tiago  nené    

                                           o  bom  poeta  para  António  Ramos  Rosa  

 

o poeta inventa um leitor abstracto,

a sua extensão lível.

o poeta não consegue ler os seus poemas.

o bom poeta apenas escreve os seus poemas.

escrever poemas sem ler os poemas que se escreve

é perfeitamente possível

se o poeta estiver demasiado perto de cada palavra.

o grande poeta dorme dentro de cada palavra.

e eu não me conheço quando escrevo isto.

dentro de que palavra estarei?

que sílaba servirá de travesseiro aos meus sonhos?

creio que as primeiras palavras que escrevi

diziam que o poeta inventa um leitor abstracto.

não me lembro da versificação certa.

não importa.

apenas exponho permissões em cada sentimento.

e é isto o poema.

um grande sentimento amplificando

a inconfundível prosa de toda a vida.

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donis  de  frol  guilhade    

Aqui  é  para  sempre  o  estar-­‐se  fixo  e  perdido  com  as  palabras  só  sem  palavras  porque  nada  dizem  não  dizem  o  nada  deste  lugar  ausente  onde  a  diferença  é  nula  de  palavra  a  palavra.  [António  Ramos  Rosa]  

cal: al qui

mia es pir

al do sol’ o

a António Ramos Rosa,

a gratidão por seu tão sublime silêncio

\1| vertigem lazúli, o incêndio da aurora [oiro que sangra o sagrado] é céu vertical do mais rente à pele [a senciente raiz] \ flor de véu intáctil nas entranhas insuspeitas [princesas da perfeição em sua feliz incerteza] que o evo glauco dos clímaxes espirala [acorde em Si, qual pitagórica armadura] no tom sustenido: esta, a escada arturiana em demanda de suas notas, tons e degraus do grifo e graal do enigma que de nós triunfa. \2| eis – fausto ofício da mais exangue incalmia– os trabalhos e as noites: da alma dos mundos [acesa brancura] o fogo e a raiz são, da nervura que nos seiva, o mais fátuo de mefisto. \3| o coração [alvo carvão do cetim de sentir] arde nisso, qual lava de ínfima fulguração, incan’descendo ao rosto na raiz das achas insurrectas: quem há que as não perca entre os dedos do sentido, dédalo-teclado da comoção bem temperada no odor dos cravos já indolores? \4| reclinado na quase impura cegueira dos nós que desentrançam, manuelinos de tamanha solidão, a sedosa aspereza [retorno, ai, a certo náutilus uterino] é de lava, é de larva fértil, é de íntima lavoura - sarracena balança dos equilíbrios infiéis. \5| no infindor genesíaco, a cal do olhar devolve ao interstício [puro purpúreo fascínio] o seu céu inconfinado, confiando ao ventre recurvado quanto ao umbigo dos mundos reconduz - outra margem dos êxodos, outro mesmo desterro e terror: a saudade que nos tem saudada, sim... Até que [s]em fim nos percamos de ser vãos labirintos, claustros antros do ilimite virgulando viciosa a variegada fronteira das sebes da sapiência alfim inútil. \6| na lâmina do lábio, paramitado finiscéu – sepultada a alma-ourives de ouriques e de quibires– faz-se, das indescobertas índias, regresso: sem occidente que ouri’entre – geografa-se simples o estagnar extreme das margens, em pura detença de rilke rutilando os mais tácteis ecos.

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bibliografia  [in]completa  de  antónio  ramos  rosa  

 

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A Poesia Moderna e a Interrogação do Real - 1, Lisboa, Arcádia, 1979. A Poesia Moderna e a Interrogação do Real - 11, Lisboa, Arcádia, 1980. Incisões Oblíquas - Estudos sobre Poesia Portuguesa Contemporânea, Lisboa, Ed. Caminho, 1987. A Parede Azul - Estudos sobre Poesia e Artes Plásticas, Lisboa, Ed. Caminho, 1991. Prosas seguidas de Diálogos, Faro, 4Águas Editora, 2011. ANTOLOGIAS (organização de António Ramos Rosa, salvo outra indicação) Horizonte Imediato, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1974. A Palavra e o Lugar, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1977. Matéria de Amor Porto, Ed. Presença, 1983 (prefácio de Arnaldo Saraiva). A Mão de Água e a Mão de Fogo, Coimbra, Fora do Texto, 1987, (prefácio de Maria Irene Ramalho de Sousa Santos). Poemas Escolhidos (selecção de Maria Felipe Ramos Rosa), Lisboa, Civilização /Contexto, 1997. Antologia Poética, (pref, biblio. e sel. de Ana Paula Coutinho), Lisboa, Círculo de Leitores, e Publicações Dom Quixote, 2001. O Poeta na Rua - Antologia Portátil, (sel. e org. de Ana Paula Coutinho Mendes), Vila Nova de Famalicão, Quasi, 2004. Animal Olhar (org. e prefácio de Rosa Alice Branco e Rodrigo Petrónio), São Paulo, Escrituras Editora, 2005. COLABORAÇÃO POÉTICA EM OBRAS COLECTIVAS 10 Poemas para Che Guevara (org. e ed. de Egito Gonçalves e Armando Alves), Porto, 1972. 12 Poemas para Vasco Gonçalves, Porto, Editorial Inova, Col. «O Oiro do Dia», 1977. As Coisas Mínimas, Ed. “exercício de dizer”, 1983. Eunice, Porto, Árvore, Col. «Moinho de Vento», 1990. Incurso, Orquestra de Câmara «La Folia» (com patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian), 1991. Poesia do Mundo, Lisboa, Edições Afrontamento, 1995. Arte e Poesia, Manuela Justino - serigrafias e António Ramos Rosa - poemas, Lisboa, Centro Português de Serigrafia, 1995. Uma Rã que Salta (Homenagem a Bashô), Porto, Limiar, 1995. Cântico em Honra de Miguel Torga (coord. de António Arnaut e Rui Mendes), Coimbra, Fora do Texto, 1996. Eros de Passagem - Poesia Erótica Contemporânea, sel. e pref. de Eugénio de Andrade, Porto, Campo das Letras, 1997, pp. 78-81. COLABORAÇÃO CRÍTICA EM OBRAS COLECTIVAS “Eugénio Andrade ou a Energia da Pureza”, in 21 Ensaios Sobre Eugénio de Andrade, Porto, Ed. Inova, s/d. “A relação poética na poesia moderna”, A Phala - Um Século de Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 1988. SELECÇÃO E ORGANIZAÇÃO Líricas Portuguesas, IV Série, (selecção, prefácio e notas), Lisboa, Portugália, 1969. PREFÁCIOS José Terra, «A visão paradisíaca», Para o Poema da Criação, Lisboa, Edições Árvore, 1953. Alberto de Lacerda - Exílio, Lisboa, Portugália Editora, 1963. Carlos Nejar, Armindo Trevisan - Dois Poetas Novos do Brasil, Lisboa, Moraes Editora, 1972. Casais Monteiro, Lisboa, Assírio & Alvim, Col. Documenta Poética 1, 1973. José de Augusto Seabra - Fragmentos do Delírio, Ponta Delgada, Signo, 1990. Laureano Silveira- Os Secretos Felinos, Porto, Limiar, Col. «Os Olhos e a Memória», 1991. Taheer Scoor Saiyad e Yasser Scoor Saiyad - Eu, Adolescente, Lisboa, Viragem, 1993 Préface a Al Berto - La Peur et les Signes (trad. de Michel Chandeigne), Bordeaux, L'Escampette, 1993. TRADUÇÕES DE POESIA (publicadas em livro) Paul Eluard - Antologia de Poesia (apresentação, selecção e tradução de António Ramos Rosa), Lisboa, Edições Tempo, 1963. Paul Eluard - Algumas das Palavras (antologia e prefácio de António Ramos Rosa; Tradução de António Ramos Rosa e Luísa Neto

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Jorge), Lisboa, Publicações Dom Quixote, Colecção Poesia Século XX, 1969 (2ª edição, 1977). Arquitectura dos Signos - Poemas de Ulalume González de León, Porto, O Oiro do Dia, Col. «O aprendiz de feiticeiro», 1983. Edwin Honing - Dádivas de Luz, Lisboa, Editorial Caminho, 1992. Poemas de Bernard Noël e de Anne Portugal in Sud-Express - Poesia Francesa de Hoje (Antologia coordenada por Guilhermina Jorge, Jean-Pierre Léger e Etienne Rabaté), Lisboa, Relógio d 'Água, 1993, pp.173-180 e pp.191-199. TRADUÇÕES DE TEXTOS POÉTICOS (em revistas ou jornais) Poemas de René Char («Presença Comum»; «Jacquemard e Júlia»; «O junquilho»; «Comunhão Formal»;«O Fogo dos Matinais»), Árvore, 1o Fascículo, Outono de 1951, pp.48- 52. Poemas de Paul Éluard («Para nunca mais sermos sós»; «A Pablo Picasso»; «A poesia deve ter por fim a verdade prática»), Árvore, 3o Fascículo, Primavera-Verão de 1952, pp.236-238. Poemas de Henri Michaux («Os Emanglons»; «Que repouse em revolta»; «A passo de boi»), ibidem, pp.239-243. Poemas de Christian Gali («Com um barco na mão»; «As raízes da água»; «A alegria de nos compreendermos»), Diário Ilustrado, 15 de Abril de 1958, p.22. Poemas em Prosa de André Liberati, Vértice, 181, Outubro 195 8  Verão crispante de André Verdet; «Sim, eu sou» de Pierre Boujut; «O operário» de Jean Robles, Diário Ilustrado, 20 de Junho de 1959, p.10. «Paisagem de criança a caminho do colégio»; «O teatro dos quadros vivos» de Jean Follain, Diário Ilustrado, 25 de Julho de 1959, p.8 «O XLI beijo de amor» de Quirinus Kuhlmanna", Poesia Experimental, Lisboa, 1964, p.49. «O Uso da Palavra» de Jean Rousselot, Diário de Notícias, 5 de Novembro de 1964, pp.14-15. «Precisaríamos de ser ainda mais simples» e «As Toupeiras» de Jean Rousselot, Jornal de Letras e de Artes, 163, 11 de Novembro de 1964, pp.9 e 12. «Homenagem a Marco Polo» de Jean Tortel, Jornal de Letras e Artes, 258, Dezembro de 1967. «O poema do retomo (fragmento)» de Claude Vigée, A Capital, Lisboa, 21 de Junho de 1972, p.5. «Terra e Poesia» de André Chédid, ibidem  «Vieira da Silva» de Jean Tardieu, A Capital, Lisboa, 23 de Novembro de 1973, p.12. «Arpad Szenes» de Jean Tardieu, ibidem, 30 de Novembro de 1973, p.12-Extra. «O Espírito na Carne» de Kenneth White, O Ponto, 9 de Julho de 1981, p.21. «Amo uma mulher de longa cabeleira» de Carlos Edmundo de Ory, ibidem, 23 de Julho de 198 1, p.20. «A poesia de Fernand Verhensen», ibidem, 30 de Julho de 198 1, p.21. «A festa e a cinza (Lamento em quatro partes) de Jean Tardieu», ibidem, 6 de Agosto de 1981, p.21. «Beijos de Tomás Segovia», ibidem, 13 de Agosto de 1981, p.19  «A descoberta da vida de Cesar Vallejo», ibidem, 27 de Agosto de 1981, p.21. «Maior esplendor de Jorge Guillen», ibidem, 3 de Setembro de 1981, p.19. «Dois poemas de Uffe Herdar», ibidem, 10 de Setembro de 1981, p.20. «Dois poemas de Roberto Juarroz», ibidem, 17 de Setembro de 1981, p.20. «Poemas de Vasto Fone», ibidem, 1 de Outubro de 198 , p.19. «Um poema de Pedro Salinas», ibidem, 15 de Outubro de 1981, p.19. «O discurso dos olhos de Jean Tortel», Diário Popular, 3 de Junho de 1982, p.1 do Suplemento Letras e Artes. «A poesia de Henri Michaux», O Ponto, 22 de Julho de 1982, p.22. «Túmulo do poeta de Octavio Paz», ibidem, 29 de Julho de 1982, p.22. «Aproximações de Alfredo Silva Estrada»', ibidem, 5 de Julho de 1982, p.19. «Canto do milho (fragmento) de Alejandro Carrión», ibidem, 12 de Agosto de 1982, p.22. «Vozes de Antonio Porchia», ibidem, 2 de Setembro de 1982, p.18. «Angela Davies» de Nicolas Guillen, ibidem, 9 de Setembro de 1982, p.23. «No século vinte» de Sami al-Qassim, ibidem, 23 de Setembro de 1982, p.7. «Canções Russas» de Johannes Bobrowski, ibidem, 14 de Outubro de 1982, p.22. «A Luz da Lâmina» de André du Bouchet, ibidem, 21 de Outubro de 1982, p.24. «Queimar os barcos» de Mario Benedetti, ibidem, 4 de Novembro de 1982, p.22. «A sós com a terra» de Olga Orozco, ibidem, 18 de Novembro de 1982, p.15. «A Terra (Extractos)» de Yves Bonnefoy, ibidem, 25 de Novembro de 1982, p.16. «René Char não nos engana» de Octavio Paz, Jornal de Letras, Lisboa, 1 de Março de 1988, p.16. «Um poema de Roberto Juarroz», ibidem, Lisboa, 26 de Março de 1988, p.6. «Três Poemas de Robert Bréchon», ibidem, Lisboa, 26 de Julho de 1988, p.12. «Nove agradecimentos a Vieira da Silva», Vieira da Silva Arpad Szenes nas Colecções Portuguesas, Porto, Casa de Serralves - Secretaria do Estado da Cultura, 1989, pp.54-55. «Quatro poemas de Roberto Juarroz», hífen, 5, Porto, Março de 1990, pp.33-36. «Vinte e seis poemas» de Jean-Louis Giovannoni, Jornal de Letras, 4 de Abril de 1990, p.5. «Quatro poemas de Eugenio Montejo», ibidem, 8 de Janeiro de 1991, p.17.

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«Três poemas de Michel Camus», ibidem, 12 de Março de 1991, p.17. «Um poema de Arthur Haulot», ibidem, 30 de Abril de 1991, p.15. OUTRAS TRADUÇÕES Korolenko, Vladimir Galaktjonovitch, As árvores têm medo, Lisboa, Portugália Ed., s/d. Korolenko, Vladimir Galaktjonovitch, Em má companhia, Lisboa, Ed. Paulistas, 1966. Faure, Edgar, «Actualidade do espírito concordatário», (Encontros Internacionais de Genebra), Lisboa, Publicações Europa-América, 1965, pp.155-180. Biggers, Earl Derr, Atrás da cortina, (Tradução de Alfredo Ferreira, revista por António Ramos Rosa), Lisboa, Ed. Livros do Brasil, s/d. Camus, Albert, Cadernos III, Lisboa, Ed. Livros do Brasil, s/d. Barjon, Louis, Leroy, Pierre, A carreira científica de Teihard de Chardin, (em colaboração com Arnaldo Saraiva), Lisboa, Livraria Morais Ed., 1965. Gide, André, A confidência imperfeita, Lisboa, Livros Brasil, s/d. Siddheswarananda, Swami, «A consciência humana e a angústia da civilização», Progresso Técnico e Progresso Moral, Lisboa, Publicações Europa-América, 1963, pp.153-177. Spoerri, Théophile, «Elementos de uma moral criadora», ibidem, pp.131-151.   Masson, Loys, Entre o pavor e a esperança, Lisboa, Círculo de Leitores, s/d., (Publicações Europa-América, 1959). Myrivilis, Stratis, Esmeralda, Lisboa, Publicações Europa-América, 1962. Pury, Roland de, «O espírito e as suas exigências», Debate sobre a Arte Contemporânea, (Encontros Internacionais de Genebra), Lisboa, Publicações Europa-América, 1963. Louis, Michel, Espiritualidade e Literatura, Lisboa, Ed. Paulistas, 1965. Church, Richard, Excursão acidentada (Em colaboração com Agripina Costa Marques), Lisboa, Portugália Ed., 1964. Toynbee, Arnold J., Guerra e Civilização, Lisboa, Ed. Presença, 1963. Roy, Claude, O Homem em questão, Lisboa, Publicações Europa-América, 1967. Lyon, Jean, A Igreja do nosso tempo, (Em colaboração com Luiza Neto Jorge), Lisboa, Ed. Paulistas, 1966. Morgan, Charles, «A independência dos escritores», Debate sobre a Arte Contemporânea, (Encontros Internacionais de Genebra), Lisboa, Publicações Europa-América, 1963, pp.151- 166. Waelhens, Alphonse de, «Vida interior e vida activa», ibidem, pp.33-44  Potter, Simeon, A Linguagem no mundo moderno, Lisboa, Ed. Ulisseia, 1965. Mounier, Emmanuel, Manifesto ao serviço do Personalismo. O Tempo e o Modo, Lisboa, Livraria Moraes, 1967. Pasternak, Boris Léonidovich,Os Livros das três abelhas. Melodia interrompida (Em colaboração com Fernando Moreira, Lisboa, Publicações Europa-América, 1959. Gilot, Françoise, Lake, Carlton, A minha vida com Picasso, (Em colaboração com Carmen Gonzalez), Lisboa, Publicações Europa-América, 1965. Brecht, Bertolt, Os negócios do Sr. Júlio César (Em colaboração com Ana Maria Marques de Almeida), Lisboa, Portugália Ed., s/d. Boudoin, Charles, «No princípio era a acção», Debate sobre a Arte Contemporânea, (Encontros Internacionais de Genebra), Lisboa, Publicações Europa-América, 1963, pp.13-40. Baiducci, Ernesto, Papa João XXIII (Em colaboração com Nunes Martinho), Lisboa, Portugália Ed., 1969. Soldati, Mário, Os Livros das Três abelhas. Pecado mortal, Lisboa, Publicações Europa- América, 1958. Soldati, Mário, Os Livros das três abelhas. O verdadeiro silvestre, Lisboa, Publicações Europa-América, 1960. Gusdorf, Georges, Professores para quê?, Lisboa, Morais Ed., 1967. Pratolini, Vasco, Uma história italiana I. Um rapaz de Florença, Lisboa, Publicações Europa- América, s/d. Vérité, Marcelle, Saladelle (a égua selvagem), Lisboa, Sampedro Ed., s/d. Fouchet, Max-Pol, «Significado da arte contemporânea», Debate sobre a Arte Contemporânea, (Encontros Internacionais de Genebra), Lisboa, Publicações Europa- América, 1963, pp.87-101. Malraux, André, A tentação do Ocidente, Lisboa, Livros do Brasil, s/d. Gaibraith, Jonh Kenneth, O Triunfo. Romance da diplomacia moderna por John Kenneth Gaibraith, Lisboa, Edições 70, 1970. Daco, Pierre, Os Triunfos da Psicanálise, Vol. II, Lisboa, Portugália Ed., 1970. Bart, André Schwartz, O último justo, Lisboa, Publicações Europa-América, 1960. Stendhal, Vida de Henry Brulard (Em colaboração com Luiza Neto Jorge), Porto, Ed. Inova, 1971. Bach, Richard, A História de Fernão Capelo Gaivota, Lisboa, Moraes Ed., 1a Ed. 1972. Roy, Claude, A China num espelho, Porto, Inova, 1972. Foucault, Michel, As palavras e as coisas, Lisboa, Edições 70, 1991.

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COLABORAÇÃO POÉTICA EM JORNAIS E REVISTAS PORTUGUESES E ESTRANGEIROS * «O que diz o realejo», Seara Nova, 1096, 13 de Novembro de 1948, p. 213. «Contra a Poesia Pura»; «A vida seria bela ...»; «Hipocrisia», Vértice, 67, Coimbra, Março de 1949, pp.131-132. «Lamentação», Vértice, 80, Coimbra, Abril de 1950, p. 206. «As Musas», Sísifo, 2/3, Lisboa, 1951, pp. 21-23. «Cântico sobre o muro», Vértice, 108, Coimbra, Agosto de 1952, p. 413-414. «À Morte dum Poeta», Árvore, 2o Fascículo, Inverno de 1951-52, p. 94. «Queda»; «Estreia de Gritos», Europa, 4, Abril de 1957, p. 9. «Despertar», Vértice, 165, Coimbra, Junho de 1957, pp. 299-300. «Humildade», Diário Ilustrado, 7 de Janeiro de 1958, p. 20. «Páginas arrancadas a um diário imaginário», Vértice, 173, Coimbra, Fevereiro de 1958, pp. 78-80. «A Paz que não cantaram», Diário de Notícias, 9 de Julho de 1959, p.13. «Nove Poemas Breves», Vértice, 199, Coimbra, Abril de 1960, pp.185-187. «Sementes Livres»; «O Homem de Abril»; «Presente Futuro», Gazeta Literária, Lisboa, Abril-Maio de1960, p.3. «A Contingência no Tempo», Diário de Notícias, 18 de Agosto de 1960, p.9. «Presença», Seara Nova, 1378-79-80, Agosto-Setembro-Outubro de 1960, p.264. «Solidão no Outono», Diário de Notícias, 2 de Fevereiro de 1961, p.13. «Três poemas seguidos»; «A Pedra»; «Qualquer Frase»; «Um Fruto Verde Amarelo»; «Árvore»; «Desocupado, Livre», Bandarra, 3, Inverno de 1961, pp.26-28. «A vã subsistência», ibidem, 24 de Agosto de 196 1, p.7. «O Corpo Harmonioso», ibidem, 17 de Maio de 1962, p.13. «Ensaio de esperança»; «Contradição»; «Comunicando», Seara Nova, 1402, Agosto de 1962, p.186. «Homenagem em forma de teorema a Théophile Gautier»; «Poema ananafórico (sic)», Diário de Lisboa Lisboa, 1 de Setembro de 1960, p.14. «Para me prolongar com Braque», Diário de Notícias,11 de Outubro de 1962, p.13. «Como se...», ibidem, 21 de Março de 1963, p.13. «A Terra aquém da terra», ibidem, 9 de Maio de 1963, p.13. «Pequeno madrigal em forma de adivinha», ibidem, 18 de Julho de 1963, p.13. «Fragmento», idem, 22 de Agosto de 1963, p.13. «Um ganho só de pedras», ibidem, 12 de Março de 1964, p.13. «Escrevo sobre um muro», ibidem, 18 de Junho de 1964, p.15. «Campo de acção», «À altura do rosto», O Tempo e o Modo, 32, Novembro de 1965, pp.1108-1109. «Com o papel da terra», Diário de Notícias, 19 de Maio de 1966, p.15. «Inverno», ibidem, 20 de Outubro de 1966, p.16. «Textos no Espaço», Hidra, Porto, 1966, p.59. «A criação do livro (de um romance-poema)», Diário de Lisboa, 8 de Junho de 1967, p.7. «Circuito», Diário de Notícias, 10 de Agosto de 1967, p.15. «Entre o poço e o muro», Colóquio, 47, Fevereiro de 1968, p.52. «Diante do papel», Diário de Notícias, 13 de Fevereiro de 1969, p.17. «Impenetrável não ascende», ibidem, 22 de Outubro de 1970, p.17. «Não sei se...», ibidem, 5 de Novembro de 1970, p.17. «Como urna planície na cidade...», ibidem, 14 de Janeiro de 197 1, p.17. «Momentos ou Espaços», ibidem, 28 de Janeiro de 197 1, p.17. «Qualquer coisa de elástico...», ibidem, 25 de Fevereiro de 1971, p.17. «Ao sol desta janela», ibidem, 18 de Março de 1971, p.17. «Não sei que luz», ibidem, 15 de Abril de 1971, p.18. «Pedra Harmoniosa», A Capital, Lisboa, 19 de Maio de 1971, p.1. «Sem o fogo do espaço», ibidem, 20 de Maio de 1971, p.18. «Eu vi um gato caminhar..», ibidem, 15 de Julho de 1971, p.18. «No trabalho da folha ou na falha», Colóquio/Letras, 2, Lisboa, Junho de 1971, pp.62-63. «Afirmações sobre a pedra», Diário de Notícias, 9 de Setembro de 1971, p.17. «E será agora e será quando?», A Capital, Lisboa, 3 de Novembro de 1971, p.2. «Houve um silêncio no sorriso», ibidem, 9 de Dezembro de 197 1, p.18. «Mão longe / da mão», ibidem, 22 de Dezembro de 1971, p.7. «Eu estou com a pedra...», Diário de Notícias, 16 de Março de 1972, p.17. _______________ * Apenas se menciona os artigos não publicados posteriormente em livro, ou que sofreram algumas alterações.

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«Entre o Silêncio e o Espaço», Fevereiro - Textos de Poesia, Lisboa, 1972, pp.7-17. «Círculo Recomeçado», Diário de Notícias, 29 de Junho de 1972, p.17. «Na lentidão», ibidem, 28 de Julho de 1972, p.17. «Até à face inteira», A Capital, 2 de Agosto de 1972, p.6. «A travessia do personagem (fragmento)», Movimento - Cadernos de Poesia & Crítica, 1, Funchal, 1973, p.16. «A cidade que não somos», ibidem, 15 de Fevereiro de 1974, p.6. «Campo e mar», ibidem, 18 de Fevereiro de 1975, p.7. «Conjunturas no Espaço», Colóquio/Letras, 38, Julho de 1977, pp.72-73. «Exercícios do Deserto», Arco-Íris, IV, Porto, A Regra do Jogo, 1977, pp.18-19. «Instituição da árvore no poema», Arco-Íris, V, Porto, 1978, p.5. «A Pedra transparente», Sema, 3, Lisboa, Outono de 1979, pp.93-94. «Do branco ao branco», Cadernos de Literatura, 7, Coimbra, 1980, pp.8-10. «A complexidade da poesia «simples»: «Arte Poética»; «Vida e Poesia», Sílex, 3, Lisboa, Julho de 1980, p.31. «Poema experimental», O Ponto, 20 de Novembro de 1980, p.25. «O desejo do espaço o espaço do desejo», ibidem, 22 de Outubro de 198 1, p.20. «A branco e negro», ibidem, 19 de Novembro de 1981, p.21. «A metamorfose branca», Colóquio/Letras, 65, Lisboa, Janeiro de 1982, pp.51-53. «Para dizer as palavras anteriores», Sema, 4, Lisboa, Maio de 1982, pp.226-227. «Canto à aparecida desaparecida», O Ponto, 1 de Julho de 1982, p.19. «Através das palavras», Jornal de Letras, 5 de Junho de 1984, p.4. «A vossa luz silenciosa»; «Aparição de uma forma»; «Terra», ibidem, 82, Lisboa, Novembro de 1984. «O excesso e a carência», Logos, 2, Lisboa, Dezembro de 1984, pp.17-19. «Regard sans regard» (à Jean Tortel), Trad. de Filipe Jarro, Action Poétique, 96/97, 1984, p.60. «En la gloria inmóvil»; «Hablo de un desequilibrio»; «La cosa sin nombre»; «Contacto con el centro»; «El gran animal verde», 12 Equívalencías (Equívalences), Revista Internacional de Poesía (International Journal of Poetry), (edição bilingue: espanhol/inglês), Versíones al español: José L. García Martín, Translated by: David G. Murray, Madrid, Editorial POE’S, Octubre 1985, pp.8-17. «A Cesário Verde», Colóquio/Letras, 93, Lisboa, Setembro de 1986, p.99. «Somos uma Pulsão da Terra», Casendo, Janeiro/Fevereiro de 1987. «Tanta ausência envolve a chama obscura», Lugar Comum - Cadernos de Poesia, Segunda Série, Braga, Maio de 1987, p.5. «Quatro sonetos díspares», Colóquio/Letras, 98, Lisboa, Julho-Agosto de 1987, pp.75-76. «O olhar de Murilo Mendes», Jornal de Letras, 12 de Outubro de 1987, p.13. «6 poemas inéditos», ibidem, 26 de Abril de 1988, p.11. «Rápida maravilha em que os olhos respiram», hífen, 2, Porto, Abril-Setembro de 1988, p.5. «Para Fernando Pessoa», Jornal de Letras, 18 de Outubro de 1988, p.13. «Doze Canções para Betânia», ibidem, 15 de Novembro de 1988, p.32. «As palavras», ibidem, 28 de Fevereiro de 1989, p.47. «Observação e louvor de um quadro», hífen 3, Porto, Outubro 88 - Março 89, p.17. «Dez poemas inéditos», Jornal de Letras, 6 de Março de 1990, pp.30-31. «Para Eduardo Lourenço», Letras & Letras, Março de 1990, p.27. «Duas cerimónias numa cratera», Cadernos do Tâmega, 3, Amarante, Junho de 1990, pp.11-13. «Mais silêncio mais sombra», Jornal de Letras, 14 de Agosto de 1990, p.7. «Soneto Imperfeito para Natália Correia - Depois de ter lido os seus Sonetos Românticos», ibidem, 11 de Fevereiro de 1991, p.9. «Para Sophia de Meio Breyner Andresen», ibidem, 25 de Junho de 1991, p.13. «Para Teixeira de Pascoaes», Cadernos do Tâmega, 6, Amarante, Dezembro de 1991, p.26. «Sete sonetos», Colóquio/Letras, 123/124, Janeiro-Junho de 1992. «Poema», Público, Porto, 9 de Junho de 1992, p.31. «Sorri ó voluptuosa terra», Jornal de Letras, 9 de Novembro de 1993, p.32. «As metamorfoses de Orfeu -I (elogios a oito poetas portugueses)», ibidem, 3 de Agosto de 1994, pp.18-20. «Deambulações oblíquas», Cadernos do Tâmega, 12, Amarante, Dezembro de 1994, pp.11-16. «Deambulações Oblíquas», Jornal de Letras, 7 de Junho de 1995, p.10  «Convite ao Mar», Atalaia - Revista Internacional de Exegese Contemporânea, 1/2, Lisboa, Edições Colibri, 1995, pp.137-138. «Do lado da melancolia com as árvores das estrelas», Spacio Scrito, 11/12, Badajoz, Otoño- Invierno 1995, pp.5-8. «Não tenho nenhum pássaro na cabeça»; «Eu não quero compreender perfeitamente o que escrevo»; «Embora não acredite em anjos»; «Nunca o poeta vê o poema que escreve»; «Esta mão não poderá tocar o teu pulso que estremece»; «É o fogo, diz-se. É a verdade», Limiar, 7, 1996. «Que a palavra seja um volume ardente e preciosamente nu», Tabacaria, 2, Lisboa, Casa Fernando Pessoa e Contexto Editora, Inverno de 1996, p.71. As Palavras, 9 Folhas soltas, PEN Clube Português, Dezembro de 1996. «Em nós se desgasta a têmpera primitiva», La Centena, Colección «La Centena», Mérida (Badajoz), Editora Regional de Extremadura,

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1996, p.67. «O Livro», Brevíssima recolha de textos sobre o Livro, Lisboa, Libernet, 15 Outubro 1996, s/p. Poemas - «É um leque às vezes solar»; «Sentir»; «Um vazio de nunca»; «É algo diferente»; «Eu não sei»; «O meu espaço é uma nuvem» -, Anto - Revista Semestral de Cultura, 1, Primavera de 1997, pp.9-13. Poemas, O Escritor, 9, Março de 1997, pp.53-55. «Homenagem a Vicente Aleixandre», Hablar/Falar de Poesia, 1, Revista Hispano/Portuguesa de Poesia, Tabacaria, Casa Fernando Pessoa, Outono de 1997, s/p. «Não, o paraíso nunca foi actual mas é uma reminiscência do desejo», Retratos e poemas, Fotografias de Luísa Ferreira, Lisboa, Casa Fernando Pessoa, 1998, p.45. Poemas, Orion, Revista de Poesia do Mundo de Língua Portuguesa, 1, Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes, Dezembro de 1998, pp.18-20. COLABORAÇÃO CRÍTICA/ENSAÍSTICA EM JORNAIS E REVISTAS PORTUGUESES ARTIGOS ENSAISTICOS «À margem duma leitura de René Char», Árvore, 1o fascículo, Outono de 1951, pp.45-47. «A poesia é um diálogo com o universo», Árvore, Vol.II, 1o Fascículo, 1952, pp.5-9. «Christian Gali - um jovem poeta francês», Diálogo - Suplemento de Cultura, Letras e Artes do Diário Ilustrado, 15 de Abril de 1958, pp.21-22. «Brevíssimo apontamento sobre poesia francesa», Diário Ilustrado, 20 de Junho de 1959, pp.6 e 10. «Poesia «figurativa» de Jean Follain ou a eternidade no quotidiano», Ibidem, 18 de Julho de 1959, p.3. «Uma lógica contraditória e um verso de Éluard», Diário Popular, 4 de Fevereiro de 1960, pp.6 e 11. «Nem confusões nem misturas», ibidem, 18 de Fevereiro de 1960, pp.6 e 11. «Crítica de Poesia», Seara Nova, Nov/Dez. 1960; Jan/Fev 1961; Maio-Junho 1961; Nov. Dez. 1961. «Um poesia da imanência da condição humana», O Comércio do Porto, 23 de Maio de 1961, p.5. «Rimbaud e a modernidade», Diário de Notícias, 8 de Junho de 196 1, p.13. «Uma nova reestruturação do real», Colóquio, 16, Dezembro de 1961, p.56. «A Altitude e a Profundidade em Reverdy», Jornal de Letras e de Artes, 22, 28 de Fevereiro de 1962, pp.1 e 10. «Comentário a uma antologia da nova poesia argentina», O Comércio do Porto, 27 de Março de 1962, p.6. «A nova poesia argentina - II», ibidem, 10 de Abril de 1962, p.6. «A unidade contraditória da poesia» Colóquio, 19, Julho de 1962, pp.54-55. «Equivalência e liberdade em Poesia», Diário de Notícias, 19 de Julho de 1962, p.13. «René Char e a crítica - Trecho de um ensaio», ibidem, 16 de Agosto de 1962, p.13. «André Frénaud ou um novo sentido da fraternidade e da esperança», O Comércio do Porto, 20 de Setembro de 1962, p.15. «A Penetração Poética no real ou a possível comunicação», ibidem, 23 de Outubro de 1961, p.5. «Jean MaIrieu e Roberto Juarroz», ibidem, 13 de Dezembro de 1962, p.17. «Algumas considerações sobre poesia e arte modernas», Colóquio, 22 de Fevereiro de 1963, pp.44-46. «Liberta em Pedra ou a vitória da poesia sobre a «distância», Diário de Notícias, 19 de Março de 1964, p.13. «A poesia de Jean Rousselot», Jornal de Letras e de Artes, 163, 11 de Novembro de 1904, pp.9 e 12. «Notas sobre a poesia», Diário de Notícias, 21 de Julho de 1966, p.16. «Jorge de Sena Poeta», O Tempo e o Modo, 59, Abril de 1968, pp.313-317. «A criação do sentido na obra literária», O Comércio do Porto, 13 de Agosto de 1968, p.16. «Incerteza e angústia da condição humana em Casais Monteiro», Diário Popular, 11 de Dezembro de 1969, p.1 e p.5. «Uma tendência na nova poesia portuguesa», Diário de Lisboa, 15 de Janeiro de 1970, pp.4-5. «A relação eu-outro», O Comércio do Porto, 24 de Novembro de 1970, p.16. «Uma nova linguagem poética - Uma nova percepção do real (I)», A Capital, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1971. «A génese do instante criador em O Ciclo de Elsa de Vasco Miranda», A Capital, 29 de Março de 1972, pp.1 e 3. «A Arte Moderna ou urna nova estruturação do real», ibidem, 15 de Junho de 1973, p.14 «Poesia e Linguagem», ibidem, 14 de Setembro de 1973, p.10. «O conceito de criação na poesia moderna - tópicos para um itinerário», Colóquio/Letras, 56, Julho de 1980, pp.5-11. «Os poetas do deserto», Cadernos de Literatura, 11, Coimbra, 1982, pp.35-36. «Michaux: a palavra como exorcismo», Jornal de Letras, 30 de Outubro de 1984, p.4. «Fernando Guimarães - A Perda e a Continuidade»,Colóquio/Letras, 95, Janeiro-Fevereiro, 1987, pp.102-105. «Ruy Belo ou a incerta identidade», Estrattoda: Rassegna Iberistica, 30, Cisalpino- Golliardica, Roma, Dezembro de 1987, pp.21-28. «René Char: um instante essencial», Jornal de Letras, 1 de Março de 1988, p.16  «O indeterminável e o desconhecido na poesia moderna», Revista Crítica de Ciências Sociais, 24, Março de 1988, pp.187-189. «A obliquidade solar na poesia de Albano Martins», Letras & Letras, Janeiro de 1989, p.9. «A revolta absoluta e sem esperança» (Sobre Al Berto), Jornal de Letras, 20 de Junho de 1989, p.5.

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«O diálogo entre a palavra e o real» (Sobre Jean-Luis Giovannoni), Jornal de Letras, 24 de Abril, 1990, p.5. «O Mundo como evidência» (Sobre Octavio Paz), ibidem, 16 de Outubro de 1990, p.6. «A experiência erótica ou a dança dionísica», ibidem, 27 de Novembro de 1990, p.5. «Um grande poeta hispano-americano» (Sobre Eugenio Montejo), ibidem, 8 de Janeiro de 199 1, pp.16- 17. «Michel Camus ou a transfiguração do impossível», ibidem, 12 de Março de 1991, p.15. «A filosofia da imanência radical», Letras & Letras, Porto, 3 de Abril de 1991, p.13. «Isabel de Sá ou o horizonte de um naufrágio», Jornal de Letras, 16 de Abril de 199 1, p.13. «Arthur Haulot ou a força do ser», ibidem, 30 de Abril de 1991, p.15. «Rimbaud, o filho do Sol», ibidem, 21 de Maio de 1991, p.10. «A experiência negativa do poema em Isabel de Sá», Letras & Letras, Porto, 1 de Maio de 1991, p.4. «O «Grito Puro» de Sophia», Jornal de Letras, 5 de Junho de 1991, pp.12-13. «A impossibilidade da construção (Sobre Analogia das Folhas de Fernando Guimarães)», ibidem, 7 de Maio de 1991, p.19. «A Arte contra o sistema (Uma moral do instante?)», ibidem, 16 de Julho de 1991, p.5. «Eles sabiam que Deus não existe», ibidem, 27 de Agosto de 1991, p.9. «Pedro Tamen, poeta do imediato», ibidem, 22 de Outubro de 1991, p.11. «O poema como lugar precário e inseguro» (Sobre João Miguel Fernandes Jorge), ibidem, 12 de Novembro de 1991, p.7. «Sonetos de Alberto de Lacerda, um livro de amor», ibidem, 24 de Dezembro de 1991, pp.10-11. «A primazia da livre imaginação originária»', ibidem, 10 de Março de 1992, p.7. «Espontaneidade recriada», ibidem, 28 de Abril de 1992, p.10. «A infatigável superficialidade da existência», ibidem, 7 de Julho de 1992, pp.6-7. «Sou um poeta extremamente influenciável e um pouco plagiador», ibidem, 25 de Agosto de 1992, pp.12-13. «Sei apenas que és um espaço», ibidem, 4 de Fevereiro de 1992, p.9. «Vergílio e eu», ibidem, 15 de Setembro de 1992, p.11. «Deus é aquele que não é para nós», ibidem, 29 de Setembro de 1992, p.7. «O Eros e o Uno», ibidem, 20 de Outubro de 1992, p.7. «A metáfora e o pretensiosismo realista», ibidem, 22 de Dezembro de 1992, p.15. «A máquina de escrever e a linguagem», ibidem, 19 de Janeiro de 1993, p.19. «As nádegas não são neuróticas», ibidem, 2 de Fevereiro de 1993, p.17. «Pascoaes, poeta ingénuo?», ibidem, 9 de Março de 1993, p.20. «A dor como revelação (Sobre Transe de Gastão Cruz)», ibidem, 23 de Março de 1993, p.11. «Tenho dó das estrelas», ibidem, 13 de Abril de 1993, p.32. «Poderá o Marxismo sobreviver?», ibidem, 20 de Abril de 1993, p.18. «Fernando Pessoa ou o trágico irredutível», ibidem, 4 de Maio de 1993, pp.6-7. (Trad. francesa: «Fernando Pessoa ou le tragique irréductible», Courrier du Centre International d'Études Poétiques, 199, Juillet-Septembre 1993). «O instante da eternidade» (Sobre Octavio Paz), ibidem, 15 de Junho de 1993, p.11. «O espaço da morte (a propósito de O Livro dos Mortos de Fernando Echevarría), ibidem, 22 de Junho de 1993. «Deus e a natureza humana», ibidem, 29 de Junho de 1993, p.31. «O Deus Imanente de Juan Ramón Jiménez», ibidem, 21 de Setembro de 1993, p.7. «O espaço da solidão da matéria (Sobre o pintor Rui d'Oliveira)», ibidem, 28 de Setembro de 1993, p.25. «O erotismo e o sagrado», ibidem, 19 de Outubro de 1993, p.14. «Vergílio Ferreira perante o incognoscível», ibidem, 23 de Novembro de 1993, p.4. «A poesia perante a contradição da existência», ibidem, 28 de Dezembro de 1993, p.26. «Agripina Costa Marques - A procura do absoluto», ibidem, 11 de Janeiro de 1994, p.13. «Mimetismo ou contracriação?», ibidem, 18 de Janeiro de 1994, p.13. «A impossibilidade de ser o que se é e a possibilidade de ser o que não se é», ibidem, 8 de Março de 1994, p.25. «A ambiguidade e os equívocos da existência», ibidem, 11 de Maio de 1994, p.30. «Poesia e Liberdade», ibidem, 22 de Junho de 1994, p.25. «O paradoxo do acto poético», Limiar, 4, Porto, 1994, p.50. «A projecção dos escritores no mundo social, Jornal de Letras, 12 de Outubro de 1994, p.26. «O segredo da morte», ibidem, 7 de Dezembro de 1994, pp.42-43. «Poésie et Liberté», Trad. do próprio autor, Post-Scriptum, 5, La Culture Portugaise en France d'Avril à Juin, 1994, pp.24-26. «Une Lumière dans l'Eclypse» (Trad. de J. de Almeida Monteiro), Estuaires, Revue Culturelle, Luxembourg, 1994, pp.6-7. «Ver e não ver para ver», Jornal de Letras, 2 de Agosto de 1995, pp.38-39. «Éluard ou la facilité heureuse», Qu'est-ce que la Poésie ?, (Textes réunis par Bernard Noël), Ville de Saint-Denis et Jean Michel Place, 1995, pp.52-53. RECENSÕES CRÍTICAS Posse (Carlos Camposa);

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Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (Mário Cesariny de Vasconcelos); Os Olhos e o Silêncio (Vasco de Lima Couto), Ler - Jornal de Letras, Artes e Ciências, Outubro de 1952, pp.4 e 7. Horizonte dos Dias (Vítor Matos de Sá), O Coração e a Espada (Antónío Couto Viana) e Arquipélagos (conjunto de diferentes autores), ibidem, Abril de 1953, p.4. Hora Cinzenta (Manuel Correia Marques), ibidem, Maio de 1953, p.3. Defeito - Sonetos (Álvaro Leitão), ibidem, Junho de 1953, p.4. Esta Riqueza que o Senhor Me Deu (João Brás), ibidem, Julho de 1953, p.6. Pólo Negativo (Carlos Vale), ibidem, Outubro de 1953, p.3. Poemas Quotidianos (António Reis), Seara Nova, Fevereiro de 1959, p.50. Poema para Anne Franck (António Rebordão Navarro) e A Cidade Longínqua (António Pinheiro Guimarães), ibidem, Maio de 1959, p.168. Lázaro e Job (António Porto-Além) e a Voz Velada (Arquimedes da Silva Santos), ibidem, Junho de 1959, p.196. Recôndito (António Salvado); Náufrago sem Mar para Morrer (Augusto Barreiros) e Oito Poemas para a Nova Madrugada (Mário Dias Ramos), ibidem, Setembro de 1959, p.291-292. Charneca do Monte Agreste (Domingos Carvalho), ibidem, Outubro de 1959, p.327. O País dos Outros (Rui Knopfli) e Telegramas (Casimiro de Brito), ibidem, Novembro de 1959, p.364. Espelho do Invisível (José Terra), ibidem, Dezembro de 1959, p.392. Os Habitantes do Amor (Fernando Guimarães), ibidem, Janeiro de 1960, pp.38-39. Poesias Escolhidas (Natércia Freire), A Condição Angélica (Nuno Sampayo) e Aqueloutro (António Pinheiro Guimarães), ibidem, Março de 1960, pp.82-83. A Estrela Rutilante (Manuel de Castro) e O Dia dentro da Noite (António Rebordão Navarro), ibidem, Abril de 1960, p.114. Primeiro Livro de Lapinova (Pedro Tamen), ibidem, Maio de 1960, pp.152-153. As Vozes e os Muros (Álvaro Manuel Machado); A Hipérbole na Cidade (João Rui de Sousa); Futuros ou Não (António José Maldonado); Canções para a Primavera (José Carlos de Vasconcelos), ibidem, Junho/Julho de 1960, pp.206-207. Água-Memória (Maria Alberta Menéres), Memória de Setembro (Egipto Gonçalves); Espelho Inicial (Maria Teresa Horta), ibidem, Agosto/Set/Outubro de 1960, pp.290-291. Cantata (Carlos de Oliveira), ibidem, Jan.-Fev. de 1961, pp.27-29. «Poesia Francesa» (ÉIuard, Joyce Mansour, Pierre Seghers, Nicole C. Bresson, Jean Bancal), Bandarra, 2, Verão de 1961, pp.48-51. L'Homme Inhabitable (Pierre della Faille), Forêts (André Verdet), Diário de Notícias, 2 de Novembro de 1961, pp.7-8. «O Verbo e a Vertigem» - Como se escreve um poema moderno?» Verbe et Vertige (Alain Bosquet), Jornal de Letras e Artes, 7, Novembro de 1961, pp.1 e 4. Quatro Quartetos (T.S.Eliot), O Spleen de Paris (Baudelaire), Memória e Ritual (Helena Cidade Moura), Poemas Completos (Manuel da Fonseca) e Amizade (António Pinheiro Guimarães), Colóquio, 25, Outubro de 1963, pp.69-71. Poemas (Edmundo de Bettencourt), Mar de Setembro (Eugénio de Andrade), Sobre as Horas (Fernando Echevarría), Metamorfoses (Jorge de Seria) e Polígono do Soneto (E.M. de Melo e Castro), ibidem, 29, Junho de 1964, pp.69-71. Poesia Programa para o Concreto (Alexandre Pinheiro Torres) e O Seu a Seu Tempo (Luísa Neto Jorge), ibidem, 41, Dezembro de 1966, pp.50-52. A Escola Nocturna (António Magalhães), Colóquio/Letras, 90, Março de 1986, pp.97-98 Órgão de Luzes e a As Leis do Caos (Gastão Cruz), ibidem, 120, Abril-Junho de 1991, pp.205-206. Poesia (1956-1979) e Poesia (1980-1984) (Fernando Echevarría), ibidem, 135/136, Janeiro-Junho de 1995, pp.236-239; Silabário (José Bento), ibidem, pp.241-244. ENTREVISTAS/DEPOIMENTOS «Entrevista com António Ramos Rosa», Diário Ilustrado, 25 de Abril de 1959, pp.3 e 8. «Depoimento sobre o «Encontro Internacional de Poetas em Berlim», O Tempo e o Modo, 22, Dezembro de 1964, p.10-19. «Diálogo com Eugénio de Andrade», Diário de Lisboa, 15 de Dezembro de 1966, p.1 Resposta a «Inquérito sobre a jovem poesia portuguesa», Rumo, 64, Junho de 1961, pp.480- 481. Resposta a uma leitora, Diário de Lisboa, 17 de Agosto de 1961, p.19. «António Ramos Rosa responde ao questionário de Proust», Jornal de Letras e de Artes, 15, Janeiro de 1962, p.16. «Talvez os poetas de hoje anunciem uma inserção livre no espaço vivo do mundo - diz-nos António Ramos Rosa», ibidem, 27 de Junho de 1962, pp.12 e 13. «Contraponto com António Ramos Rosa», ibidem, 145, 8 de Julho de 1964, pp.1 e 6 Resposta ao Inquérito «Está a poesia portuguesa em crise?», Diário de Lisboa, 12 de Agosto de 1965, p.4. Depoimentos (vários) in Situação da Arte (Volume organizado por Eduarda Dionísio, Almeida Faria e Luís Salgado de Matos), Lisboa, Publicações Europa-América, 1968.

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«Fica-me sempre o desejo de dizer mais alguma coisa», Diário Popular, 19 de Abril de 1979, «A Poesia é sempre subversiva», O Ponto, Lisboa, 9 de Abril de 1981, p.25. «Os poetas escolhem o poeta (sobre Fernando Pessoa)», Jornal de Letras, 26 de Novembro de 1985, p.19. «António Ramos Rosa, a alta sedução», Jornal de Letras, 19 de Janeiro de 1987, p.5 «Depoimento - Ramos Rosa: uma relação feliz com o universo», O Jornal, Lisboa, 16 de Janeiro de 1987. p.28. «Ramos Rosa: café e poesia», O Jornal Ilustrado, 3 de Abril de 1987, pp.18-19. «Uma poesia que se abre ao obscuro», Diário de Notícias, 18 de Outubro de 1987, pp.IV-V (do Suplemento Literário). «Entrevista a Fernando J. B. Martinho», Revista da Faculdade de Letras, 8, 5a série, Lisboa, Dezembro de 1987, pp.121-124. «Queimei poemas de adolescência», Jornal de Letras, 11 de Outubro de 1988, pp.16-17. «Fui sempre descrente de mim mesmo», Expresso, 19 de Novembro de 1988, pp.46-49 «Fernando Pessoa e a poesia portuguesa contemporânea - depoimentos de poetas portugueses», Vértice, II, série, no 8, Novembro de 1988, p33. «Entrevista», O Primeiro de Janeiro, 1 de Fevereiro de 1989, p.4. «O mundo aberto», Ler, Edição Internacional, Lisboa, Círculo de Leitores, Agosto-Setembro 1990, p.18. «Da dificuldade da autobiografia», Diário de Lisboa, 8 de Novembro de 1990, p.28. «O poeta e a respiração do desejo - (Agradecendo a Medalha de Ouro da Câmara de Faro)», Jornal de Letras,13 de Novembro de 1990, p.5. Resposta a: «Porque é que escreve?», (Sobre Deus Nu(lo)), Público, (Leituras), Porto, 11 de Novembro 1990. «A poesia é universal (Aquando da recepção do Prémio da A.P.E.)», ibidem, 15 de Janeiro de 1991, p.13. «Um espaço indispensável à poesia» (Depoimento sobre a revista A Árvore), Letras & Letras, Porto, 2 de Outubro de 1991, p.13. «O Autor fala do Livro: A Parede Azul», Jornal de Letras, 15 de Outubro de 1991, p.13. «Os poetas não se evadem da existência», ibidem, 19 de Novembro de 1991, p.31. «António Ramos Rosa: uma poesia que fala até ao fim de cada palavra», O Jornal, Lisboa, 19 de Março de 1992, p.40. «António Ramos Rosa: uma poesia que fala até ao fim de cada palavra», ibidem, Lisboa, 19 de Março de 1992, p.40. «A necessidade de escrever não se satisfaz» - Resposta ao Inquérito «Porque é que escreve?», Público (Leituras), Porto, 17 de Setembro de 1994, p.7. «Só a poesia», Diário de Notícias (Especial), Lisboa, 4 Julho de 1998, pp.10-15. «Conversación con António Ramos Rosa», (Entrevista conduzida por Clara Janés), Hablar/Falar de Poesia,1, Revista Hispano/Portuguesa de Poesia, Tabacaria, Casa Fernando Pessoa, Outono de 1997, s/p. TRADUÇÕES EM LÍNGUA FRANCESA DE LIVROS DE POESIA ANTÓNIO RAMOS ROSA Un Astre: un poème (trad.de Michel Chandeigne, Le Muy, Unes, 1987. Animal Regard (anthologie), trad. et présentation de Michel Chandeigne, Le Muy, Unes, 1988. Le Dieu Nu(l), (pref. de Roger Mutiler e trad. de Michel Chandeigne), Paris, Lettres Vives, 1990. Douze Poèmes, (trad. de Michel Chandeigne), l'Autre, 11, juin 1991. Le Livre de l'Ignorance, (pref. de Robert Bréchon e Trad. de Michel Chandeigne), Paris, Lettres Vives, 1991. Trois Leçons Matérielles, (trad. de Michel Chandeigne), Chatelineau, Le Taillis Pré, 1992. Clameurs, (trad. de Michel Chandeigne), Paris, Lettres Vives, 1993. Le Cycle du Cheval, (trad. de Michel Chandeigne), Le Muy, Éditions Unes, 1993. Stries, Pully, Suisse, PAP, 1993 (ed. bilingue). À la Table du Vent, (trad. de Patrick Quillier. Pref. de Robert Bréchon), Nantes, Le Passeur-Copfr, 1995. Le cycle du cheval suivi de Accords, (trad. Michel Chandeigne e Pref. Robert Bréchon), Paris, Poésie/Gallimard, 1998. Respirer l`ombre vive, trad. Michel Chandeigne, Paris, Lettres Vives, 2000. L’Apprenti Secret (trad. Magali Montagué de Carvalho), Mazamet, Babel Éditeur, 2005. TRADUÇÕES EM LÍNGUA ESPANHOLA DA POESIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Poemas de António Ramos Rosa, trad. e nota de Rodolfo Alonso Caracas, Fundarte (Venezuela), 1980. Ciclo del Caballo, (vérsion de Ángel Campos Pámpano), Pre-Textos/Poesia, (edición bilingue), Valencia, 1985. El Arco de Hojas - António Ramos Rosa, (tradução de Poemas e Entrevista de Eugenio Montejo), Palimpsesto, Colección de Poesía, Carmona (Sevilla), Área de Cultura y Deportes del Excmo. Ayuntamiento de Carmona, 1990. Tres Lecciones Materiales, (vérsion de Ángel Campos Pámpano), Mérida, Editora Regional de Extremadura, 1990. Lampara con algunos insectos (sel. e trad. de Eugenio Montejo), Caracas, Pequena Venecia: 48, 1996. Facilidad del Aire, (vérsion e prólogo de Clara Janés), Guadarrama (Madrid), Edicciones del Oriente y del Mediterráneo, 1998. Patria Soberana, Nueva Ficción, (trad. Miguel Ángel Flores), Mexico, Ediciones Sin Nombre, Juan Pablos Editor, S.A., Col. Traducciones «El Arca de Babel», 1999. El Aprendiz Secreto (trad. Clara Janés), Madrid, Visor Libros, 2001.

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Acordes (trad. Clara Janés), Zaragoza, Olifante, 2003 (ed.bilingue). Antologia Poética (trad. Alberto Cáceres), Bogotá, Colombia, Común Presencia, 2004. La Herida Intacta (trad. Luis González Platón), Madrid, Edicciones Sequitur, 2009. TRADUÇÕES EM LÍNGUA ALEMÃ DA POESIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Non Zwei Gewässer, Ein Fluss (trad. Juana & Tobias Burghardt), ed. bilingue, Stuttgart, Delta, 2008. Genesis & Constellationen (trad. Juana & Tobias Burghardt), ed. bilingue, Stuttgart, Delta, 2008.

TRADUÇÕES EM LÍNGUA ITALIANA DA POESIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Non posso rimandare l’amore (sel. e trad.e Vicenzo Russo), San Cesario di Lecce, Pero Manni, 2007. TRADUÇÕES EM LÍNGUA BÚLGARA DA POESIA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA Antologia (Trad. Georgy Mitzkov), Sofia, Karina Marina Todorova, 1999. À Mesa do Vento - antologia (Trad. Georgy Mirtzkov), Sofia, Karina Marina Todorova, 2002. Omaginação do Real – antologia (Sel e trad. de Sidónia Pojarlieva), Sofia, Slavyani, 2007.

PRÉMIOS RECEBIDOS Prémio Fernando Pessoa, da Editora Ática (2º lugar ex-aequo, atribuído a Viagem através duma Nebulosa), 1958. Prémio Nacional de Poesia, da Secretaria de Estado de Informação e Turismo (recusado pelo autor)atribuído a Nos seus Olhos de Silêncio), 1971. Prémio Literário da Casa da Imprensa, atribuído a A Pedra Nua, 1971. Prémio da Fundação de Hautevilliers para o Diálogo de Culturas (Prémio de Tradução), atribuído a Algumas das Palavras: Antologia de Poesia de Paul Éluard, 1976. Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia, atribuído a O incêndio dos Aspectos, 1980. Prémio Nicola de Poesia, atribuído a Volante Verde, 1986. Prémio Jacinto do Prado Coelho, do Centro Português da Associação. Internacional de Críticos Literários, atribuído a Incisões Oblíquas,1987. Prémio Pessoa, 1988. Grande Prémio de Poesia APE/CTT, atribuído a Acordes, 1989. Prémio da Bienal de Poesia de Lige, 1991. Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia traduzido em França, 1992. Prémio Municipal Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa (Prémio de Poesia), atribuído a As Armas Imprecisas, 1992. Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen (Prémio de Poesia), São João da Madeira, atribuído a O poeta na rua. Antologia Portátil, 2005. Prémio P.E.N. Clube Português. atribuído a Génese, 2006.

Fontes principais:

Ana Paula Coutinho Mendes Paula Cristina Costa Agripina Costa Marques                    

António Ramos Rosa, com Murillo Mendes (1956)

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/;|.    

   

   

|    vozes  d’outro  nenhures  *                  

           

Nesta página: Tradução árabe do poema de António Ramos Rosa “Não posso adiar o amor para outro século”, in Ana Paula Coutinho Mendes (org.), “Poesia do século XX com António Ramos Rosa ao fundo”, 2005.

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stephen  batchelor  

“Mitologias  paralelas”e  “Tédio  e  violência”  

Este livro é para aqueles que, como eu, vivem nos intervalos de diferentes e por

vezes incompatíveis mitologias – narrativas épicas que ajudam a conferir sentido à nossa breve vida na terra. Algumas destas mitologias tiveram a sua origem em lugares e tempos remotos, enquanto outras são uma criação do mundo moderno.

Estes mitos que herdámos do passado, independentemente de terem tido a sua origem numa religião monoteísta, como o judaísmo ou o cristianismo, ou numa tradição não teísta, como o budismo, partilham a visão que a vida humana só é totalmente inteligível quando encarada como parte de um vasto drama cósmico que a transcende. Ambos comunicam uma crença fundada em poderes ocultos – o serem divinos ou kármicos é irrelevante –, responsável por nos terem lançado neste mundo para enfrentarmos a tarefa intimidadora de nos redimirmos para toda a eternidade.

Os mitos da modernidade são de tal modo tangíveis que é difícil reconhecê-los como mitos. À semelhança das pessoas que vivendo em sociedades pré-modernas, cristãs ou budistas não encararam o seu mundo de forma mitológica, também nós somos incapazes de reconhecer as mitologias que sustentam o sentido da nossa existência e a natureza do universo em que vivemos. Um mito dominante da modernidade, que se impôs no Ocidente nos últimos dois séculos, é o que é fornecido pelo conhecimento científico do mundo. Tão completa é a sua explicação sobre as origens do universo e da vida, tão extraordinária é a sua capacidade de predição, tão espectacular é a tecnologia decorrente da compreensão física do mundo, que somos levados a rejeitar que haja algo de mítico nessa forma de conhecimento.

Mesmo que aquilo em que acreditamos, com base no conhecimento científico, possa ser empiricamente verificável, tal não impede que não opere como mito. Por mais “verdade” que contenha a moderna visão do mundo, ela desempenha, presentemente, nas nossas vidas, uma função semelhante à visão dominante pré-científica das pessoas que viveram em culturas pré-modernas. Também a visão científica explica como é que a vida humana só se torna totalmente inteligível se a encararmos à luz da sua participação num vasto drama cósmico que a transcende. Também ela se fundamenta em crenças. Cremos que o universo explodiu a partir do nada há quinze biliões de anos; cremos que os humanos evoluíram a partir de formas primitivas de vida por efeito de uma selecção fortuita de mutações genéticas; cremos na existência de electrões e de quarks. Mas seremos capazes de demonstrar a verdade subjacente a qualquer uma destas proposições a alguém que não acredite nelas?

O conhecimento humano é invariavelmente limitado e parcial. Por mais inteligente e melhor informada que uma pessoa seja, é muito pouco o que ela pode razoavelmente conhecer com total certeza. Tudo o que conhece é necessariamente mediado pelas suas faculdades, os seus sentidos, a sua razão, o seu cérebro. É-lhe impossível aceder a um estado não mediado, independentemente dos seus instrumentos de percepção e do seu organismo, a partir do qual possa verificar se o seu conhecimento não imediato corresponde à realidade em si. Por mais perfeita que seja a sua explanação, a realidade

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permanece essencialmente misteriosa. E acerca das perguntas fundamentais, qual o sentido de nascer e morrer, de fazer o bem e o mal, as ciências naturais nada dizem.

Os mitos ancestrais têm, porém, raízes profundas. E continuamos a sondá-los para responder a essas perguntas. O ateísta e o materialista confessos sentem-se desconfortavelmente agitados por passagens da Bíblia. O budista converso descobre mais sentido do sagrado numa igreja em ruínas duma aldeia em Inglaterra do que em todos os mosteiros que visitou no Tibete. Em momentos de desespero, não deixam, porém, os dois de invocar o deus que abandonaram.

Estou ciente, enquanto cidadão ocidental que tem praticado o budismo ao longo dos últimos trinta anos, das mitologias paralelas que no meu íntimo disputam a minha atenção. Não tive uma educação cristã, mas reconheço que interiorizei os mitos e os valores do cristianismo do meio pós-cristão, liberal e humanista em que me situo. O meu temperamento inclina-se mais para as artes do que para as ciências, mas não deixo de me entusiasmar com a emergente visão científica do mundo que informa a sociedade de que faço parte. A minha vida adulta tem sido dedicada a traduzir textos budistas, a ensinar meditação e filosofia budistas, a escrever livros que apresentam uma interpretação contemporânea do budismo. E enquanto me debato por compreender e articular os ensinamentos e os mitos da fé que abracei, não deixo porém de prestar atenção a outras vozes que também me animam.

No âmago do despertar do Buda está o reconhecimento contra intuitivo de que a experiência humana é radicalmente transitiva, insegura e contingente. Siddhattha Gotama (o Buda histórico) compreendeu, pela atenção firme e não sentimental que votou à sua vida e à vida em seu redor, que nenhum “Eu” essencial se sustenta ou permanece em si, e apercebeu-se da sequência integrada de cores, formas, sons, sensações pensamentos e sentimentos que aparecem e desaparecem a cada instante na consciência. Esta surpreendente intuição revolveu-o até ao âmago daquilo que achava que ele próprio era. A convicção instintiva de ser um eu imutável e isolado extinguiu-se. A vida passou a ser apenas uma surpreendente experiência encadeada de processos contingentes, manifestando-se mediante complexas sequências de causas e efeitos, sem nenhum princípio discernível e sem nenhum poder divino que as orientasse para um fim pré ordenado.

Para Gotama esta revelação de uma realidade que para ser entendida não precisava de um eu intrínseco ou de um deus foi profundamente libertadora. Libertou-o das compulsões e dos medos auto centrados que o tinham aprisionado em infindáveis e aparentes ciclos de tédio e angústia. Gotama referiu-se a esta libertação como “nirvana” – literalmente um “extinguir” dos “fogos” daquele descontentamento existencial. Noutro contexto, referiu-se a essa libertação como um “vazio”, um espaço aberto em que a ideia de um “Eu” permanente e isolado deixa de poder exercer a sua ilusão. Este vazio é “a morada de uma nobre pessoa”1 donde se pode ir ao encontro e responder ao mundo numa perspectiva despojada mas cuidadosa. Um vazio gélido e niilista em que o sentido e o valor tivessem sido extintos é o exacto oposto do que o Buda quis dizer com “vazio”. Para ele, uma compreensão do vazio significou transformar um ciclo compulsivo de

                                                                                                                           

1 MN 151. 2, p.1143.

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medos e anseios num caminho de sabedoria que catalisou a liberdade interior e a compreensão sensível. Em vez de uma ausência de significado e de valor, o vazio é uma ausência do que limita e do que impede as capacidades de uma pessoa realizarem o devir potencial da vida humana.

Pensar o vazio como uma dimensão subtil da realidade ou como um estado mental místico é correr o risco de o converter num outro fetiche ou num objecto de raras virtudes religiosas. Nagajurna, o grande pensador indiano do século II, estava profundamente ciente deste problema:

Os Budas dizem ser o vazio Uma opinião a renunciar. Os crentes no vazio São incuráveis2

O vazio não é algo sagrado em que se tem de acreditar. É um “esvaziar”, é um abrir

mão dos estados compulsivos de fixação que nos encerram num eu que, qual célula fechada, aparenta existir isolado e separado do turbulento fluxo da vida. Este esvaziar leva a que se abandonem hábitos mentais constrangedores e embaraçantes, permitindo – qual barreira removida de um rio – que a corrente represada da vida flua livremente.

Abrir mão, mesmo momentânea e initencionalmente, daquela desesperada e obsessiva fixação ao eu não te aniquila, mas abre-te para um mundo essencialmente fugaz e contingente que partilhas com outras criaturas ansiosas como tu. É algo que pode ser assustador, porque a única certeza que se tem neste mundo é que nalgum momento nele morrerás. Compreendes que o teu eu não é algo invariável ou uma essência pessoal, mas uma história confusa e errante que avança para a sua conclusão. Isto pode fazer com que regresses precipitadamente às crenças, percepções e rotinas familiares em que te sentes seguro. Mas, uma vez iniciado o processo de te esvaziares, agarrares-te a tais consolos é impedir que te sintas inteiramente vivo. Tornar-se vazio, como repete Nagarjuna, é ir ao encontro da contingência nua e crua da própria vida. O desafio do vazio é mergulhares na corrente da vida, em vez de vagueares pelos seus contornos.

“Contingência” é uma tradução concisa e razoavelmente fiel do conceito budista paticasamuppada (geralmente traduzido por “origem dependente”). Tudo o que é contingente depende de algo para existir. Como tal, podia não ter acontecido. Bastava que uma dessas condições não se tivesse materializado e algo de diferente teria ocorrido. Fazemos planos de “contingência” porque a vida é cheia de surpresas e, frequentemente, por mais minuciosos que sejam os nossos preparativos, as coisas não correm como o previsto. A complexidade diabólica dos sistemas vivos torna difícil prever como um dado sistema (seja ele uma pessoa ou um bando de pássaros) se comportará no próximo momento, menos ainda no próximo mês ou no próximo ano. A contingência revela uma liberdade caótica no seio de acontecimentos ordenados por uma dinâmica causal. Por mais tentador que seja invocar a mão de Deus, o karma, ou o destino para atribuir uma ordenação oculta ao que parece aleatório, abraçar a

                                                                                                                           

2 MMK 13.8.

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contingência requer a vontade de aceitar o inexplicável e o imprevisível em vez da complacência de buscar a anestesia confortável da metafísica.

O oposto da “contingência” é a “necessidade”. Por mais efémera e insignificante que eu reconheça ser esta minha vida humana, não consigo desembaraçar-me da convicção intuitiva que, em última instância, a minha existência é necessária no esquema geral das coisas. Ao prestar cuidadosa e fundada atenção à natureza contingente da experiência, a prática de meditação budista desafia o sentimento instintivo que somos, nas palavras do Satanás de Milton, “auto-gerados, auto-realizados / Pelo nossos ágeis poderes.”3 Ao erodir este sentido de que somos seres necessários, acabamos por intuir como a pessoa irrepetível e sem precedentes que nós somos emerge de uma matriz sublime de múltiplos acontecimentos contingentes – nenhum dos quais necessitava de facto ter sucedido. Obtém-se um profundo entendimento do vazio do “Eu” não por eliminação deste, mas por se entender que ele é contingente, antes de ser necessário.

Quando, na perspectiva do vazio, se dissolve a obstinada e rígida solidez dos eus e das coisas, abre-se um mundo contingente, fluido e ambíguo, fascinante e aterrorizador. Esse mundo não só se projecta diante de nós apenas com temível beleza, complexidade e majestade, mas um dia devorar-nos-á no seu rasto tumultuoso com tudo o que nós estimamos. A infinita e tocante beleza da criação é inseparável da sua diabólica destruição. Como viver num mundo assim, turbulento, com sabedoria, tolerância, empatia, disponibilidade e não-violência é o que, ao longo dos tempos, santos e filósofos, se empenharam em articular e realizar. O que impressiona na proposta budista é que, em vez de postular um “Eu” imortal e transcendente, imune às vicissitudes do mundo, Buda insistiu em que a salvação consiste em abdicar dessas fantasias consoladoras e, em vez delas, abraçar a própria essência da vida que nos destruirá.

Este livro é uma meditação sobre algumas destas antigas interrogações. Grande parte dele é uma interpretação da visão budista, dos seus mitos, doutrinas, filosofia e prática. No entanto, por eu ser alguém que se reconhece a viver nos intervalos entre culturas e tradições, as ideias budistas justapõem-se e entrelaçam-se com material de fontes tão diversas como a Bíblia, Baudelaire, Roland Barthes ou a biologia evolucionista. Muito embora cite as escrituras monoteístas, eu não acredito em Deus mais do que acredito em Hamlet. Mas isto não quer dizer que Deus e Hamlet não tenham nada de válido a dizer. As páginas deste livro estão povoadas de figuras míticas e históricas de várias tradições que me são familiares. O caminho que traço segue pelos intervalos entre diferentes religiões e mitologias seculares que me ajudam a dar sentido à minha vida. Quanto mais avanço, mais suspeito que este caminho não é senão a anarquia dos próprios intervalos.

Tédio e Violência

O génio de Charles Baudelaire foi o de ter reelaborado o mito cristão do demónio à luz da emergente situação crítica duma consciência humana alienada e céptica. Ao fazer o luto resignado pelo fim da era clássica que inspirara Dante e Milton, Baudelaire antecipou

                                                                                                                           

3 Milton, Paradise Lost, Book V, vv. 860-1.

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uma modernidade que se cristalizava na sua pessoa. Compreendeu a presença do diabo como uma intrusão perturbadora no seio de uma cultura secular, auto-centrada. De entre “os monstros que grasnam, rosnam, rastejam e uivam”, ele identifica “um bem mais feio, mais cruel, imundo!”

“Que mesmo recusando gestos ou clamores Facilmente faria da terra um destroço E num simples bocejo engoliria o mundo.”4

É o tédio [l’Ennui], escreve Baudelaire, “aquele monstro sensível”, um composto de

frustração e fastio que se agita entre o sentimentalismo auto-piedoso e o devaneio ausente. Trata-se de uma variação moderna do que o Buda designou por dukkha; a temível angústia inerente à nossa condição mortal.

O livro de poemas de Baudelaire Les Fleurs du Mal (AsFlores do Mal, 1857) deu o tom à angústia contemporânea que marca muita da literatura e filosofia produzidas desde então. Em Kafka e Beckett, Kierkegaaard e Sartre encontramos a mesma inquietação reflexiva. Os poemas de Baudelaire são o primeiro passo no caminho que leva ao niilismo estilhaçado de The Waste Land e American Psycho.

Em meados do século XIX, o conceito do Mal comportava ainda ecos da distinção teológica entre o mal “natural” e o mal “moral”. O “mal natural” referia-se a todas as calamidades e catástrofes que ocorrem na vida, enquanto que o “mal moral” denotava os pensamentos, palavras, e acções associados com o pecado, sofrimento e morte. Nos princípios do século XXI, perdeu-se por completo o significado do mal natural. Soa a forçado e a arcaico definirem-se as doenças ou as inundações como “males”. Mesmo no seu sentido moral, o “mal” transformou-se num termo que comporta uma reacção moralista de condenação a quem comete acções abomináveis. A originalidade do discurso de Baudelaire está em que os seus versos iluminam a concepção moderna do mal como um deficiência do eu em vez de o tomar como um traço da própria realidade.

“O erro, a mesquinhez, o pecado, a tolice”, escreve o poeta, “excitam-nos o corpo e ocupam-nos o espírito.”5 Os ímpetos do mal impelem-nos portanto a agir, sombria e furtivamente, a partir das profundidades obscuras do nosso ser. Satanás deita-se ao nosso lado à noite, com a cabeça “na almofada do mal.” Julgamo-nos indivíduos livres e independentes, mas Baudelaire insiste que o diabo “Embala devagar a nossa alma encantada. E até o metal rico da nossa vontade / Vai sendo evaporado por esse alquimista.”6 “Os cordéis que nos puxam, prende-os o Diabo!”, escreve. “Como um milhão de vermes, nas nossas cabeças / Enche-se até fartar um povo de Demónios.”7 Os conceitos teológicos sobre “o mal” e “demónios” adquirem aqui um significado psicológico. São cifras de algo sinistro e perturbador que intuímos obscuramente em nós, mas que não compreendemos.

                                                                                                                           

4 Baudelaire, Charles, As Flores do Mal. Trad. Fernando Pinto do Amaral. Assírio e Alvim, “Ao leitor”, p. 47. 5 Idem, p.45. 6 Ibidem 7 Idem., p.47.

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Apesar disso, persiste um sentido impessoal do mal. No seu poema “Destruição”, escreve Baudelaire:

“Sem parar, ao meu lado, o Demónio agita-se; Nada em torno de mim como um ar impalpável; Vou-o engolindo, queima-me os pulmões e sinto-o Enchê-lo de um eterno desejo culpado.”8

O poeta suspeita que a fonte deste perturbante, mas irresistível sentimento é algo de

dinâmico, mas insubstancial, que existe independentemente dele (“um ar impalpável”), sobre o qual não tem controle e que não pode deixar de respirar. Embora o “desejo culpado” pareça irremediavelmente o “meu” desejo culpado, eu não escolhi sentir uma tal emoção. Ocorre em mim, irrompe na minha consciência vindo de algures. Submeto-me ao potencial destrutivo do demoníaco quando me disponho a acolher este género de ataques fortuitos dirigidos ao âmago da minha alma. “E quando respiramos”, escreve Baudelaire, “desce-nos a Morte / Aos pulmões, como um rio de surdos lamentos.”9 Ao colocar em maiúsculas a “Morte”, Baudelaire relaciona-a com o “Diabo” e o “Demónio”, recuperando assim a identificação teológica da Morte com Satanás e antecipando a luta freudiana entre eros (desejo) e thanatos (morte).

O iluminismo europeu do século XVIII inaugurou uma era em que o demoníaco perdeu a sua identidade, deixando-nos sem saber o que ele passou, se é que passou, a representar. A alma do homem do início da era moderna viu-se cindida, em conflito entre a razão autónoma cartesiana e a emoção romântica wordsworthiana. Os racionalistas, crentes no progresso sistemático do homem e no estabelecimento de uma ordem racional mundial, diabolizaram as explosões caóticas de emoções irrefreadas que punham em risco as suas concepções. Os românticos, por seu lado, afirmaram o primado do sentimento e encararam qualquer tentativa de impor regras abstractas, controles ou medidas na fluida espontaneidade da vida como uma forma de inibição demoníaca. Nietzsche encarou o estado moribundo da civilização europeia como o legado de uma repressiva e asfixiante tradição apolínea que carecia ser revitalizada pelo ressurgimento da energia e da paixão dionisíacas.

Ao longo dos últimos cem anos, a gestão deste conflito no interior das mentes individuais humanas tem sido fundamentalmente prosseguida por psicólogos e psicoterapeutas. Freud compreendeu que o sentido angustiado do nosso eu (ego) derivava, em grande medida, de duas forças irreconciliáveis: os impulsos cegos da biologia (o vasto inconsciente do id), e as restrições morais da sociedade (o superego). Estas duas forças são características de Mara: os anseios e medos violentos que nos assolam, e os pontos de vista e opiniões que nos limitam. Sucumbir a irresistíveis impulsos e vícios ou ficar paralisado por obsessões neuróticas são duas formas psicológicas de articular a nossa contínua coabitação com o diabo.

Ao identificar o tédio como o mal primordial, Baudelaire encara o demoníaco mais como constrangimento e inibição do que como compulsão violenta ou erótica. Porque

                                                                                                                           

8 Idem , “Destruição”, p.279. 9 Idem , p.47.

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ao transgredirmos conscientemente fazemo-lo sempre com sentido de culpa. “Colhemos, ao passar, clandestino prazer / Que como uma laranja moída esprememos”, escreve Baudelaire10. Esta perturbação da consciência, de se estar psicológica e moralmente enredado em forças que mal se percebem, surge tematizada nos romances de Franz Kafka. “Alguém deve ter caluniado Joseph K.”, lê-se no início de O Processo, “visto que uma manhã o prenderam, embora ele não tivesse feito mal algum.”11 O infeliz K. nunca saberá porque foi feito prisioneiro, não conseguirá penetrar no labirinto do sistema judicial e, por fim, será executado. O diabo, tido como um “mentiroso” e “um assassino desde o princípio”12, que bloqueia o nosso caminho (nos aprisiona), assume aqui o disfarce de poderes sinistros e invisíveis que, sem aparente razão, invadem e destroem a vida de uma pessoa comum. Este subtil aprisionamento secular é registado na prosa minimalista, hesitante, de Samuel Beckett: “Bruscamente, não, com o tempo, com o tempo, não pude mais, não pude continuar. Alguém diz, Você não pode ficar aqui. Não podia ficar e não podia continuar.”13

Ao confrontarem o demoníaco com fracas expectativas de redenção, estes escritores praticam curiosamente uma forma civilizada de niilismo. Ao mesmo tempo que parecem distanciar-se de qualquer expectativa de salvação religiosa, asseguram, pelo menos momentaneamente, uma forma secular de redenção pela actividade transformadora da sua arte. Redimem o seu desespero, fazendo dele um desespero belo. Num dos projectos de prefácio que escreveu para as Flores do Mal, Baudelaire admite: “Pareceu-me agradável, e tanto mais aprazível quanto mais difícil era a tarefa, de extrair a beleza do Mal.”14 (o itálico é da autoria de Baudelaire). O poeta frui de um prazer estético no próprio acto de se confrontar com os demónios que o atormentam. Assim como o conhecimento de Mara liberta o Buda das garras de Mara, reimaginar o diabo enfraquece as cadeias com que o demoníaco prende o poeta. O sufocante desespero evocado nos seus poemas contrasta com a fluidez fácil do ritmo dos seus versos. Ao descrever a sua difícil situação às mãos do diabo, Baudelaire parece deixar-se ir na “brisa impalpável” que o envolve:

Vai-me guiando assim, longe do olhar de Deus Quebrado de cansaço, ofegante, no meio Das planícies do Tédio, profundas, desertas, E lança nos meus olhos cheios de confusão Roupas emporcalhadas e feridas abertas E a sangrenta mecânica da Destruição.15

                                                                                                                           

10 Idem , p.45. 11 Kafka, O Processo. Trad. Gervásio Álvaro. Livros do Brasil, p.5. 12 João. 8:44. 13 Beckett, Novelas e Textos Para Nada. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio e Alvim, p.85. 14 Baudelaire. Les Feurs du Mal. Galllimard, p.229. (Versão do tradutor). 15 Baudelaire, Charles, As Flores do Mal. Trad Fernando Pinto do Amaral. Assírio e Alvim, “Destruição”, p. 279.

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Esta “mecânica da Destruição” é a violência que sistematicamente permeia e contamina a totalidade dos acontecimentos contingentes. Porque tudo o que é criado está sujeito ao colapso, à corrupção, ao engano e a se extinguir. Em última instância não se pode contar com nada. Não importa quanto zelemos por este complexo organismo de carne, nervos e sangue, um dia ele soçobrará. “O incondicional senhor da morte”, adverte Shantideva, “não espera pelas coisas para serem feitas ou desfeitas. Enferma ou saudável, não se pode confiar nesta vida fugidia.”16 A natureza de que somos feitos, que favorece a possibilidade da consciência, do amor, da liberdade, também nos destruirá, aniquilando a identidade vivaz de uma criatura sensível com uma história irrepetível, que se tornou uma interrogação para si mesmo.

Doença, envelhecimento e morte são formas de uma violência interna que atormenta todas as criaturas; doenças naturais, infecções virais, ataques terroristas são exemplos de uma violência externa que ameaça eclodir em qualquer lugar. O mundo globalizado e interconectado tornou-se num corpo sujeito a este tipo de erupções imprevisíveis. De uma maneira que Baudelaire não conseguiu imaginar, apercebemo-nos da instabilidade e da vulnerabilidade do sistema vivo de que fazemos parte e de que dependemos. Seja um vírus, o buraco na camada de ozono ou um avião sequestrado, tais acontecimentos são veloz e intensamente comunicados pelos meios de comunicação. Não precisam de invadir a nossa existência pessoal nem de ocorrer com frequência para nos intimidarem. A arma mais eficaz de Mara é a sustentação de um clima geral de medo.

Células cancerígenas e bombistas suicidas têm a capacidade comum de violarem o espaço do corpo de uma pessoa sem o seu consentimento. Todo o acto de violência é uma violação à integridade do meu ser físico. Um acto violento, seja sob a forma de um golpe na minha pele, seja no meu sistema imunitário, seja no meu direito a viver ao abrigo de um estado de direito sem ser molestado, é uma intrusão no espaço íntimo que cuido como meu. Quem quer que seja ou o que quer que seja que me prive do meu direito a esse espaço, viola-me. A violência é uma forma de violação, algo que está implicado significativamente no radical das palavras portuguesas “violação” e “violar”. Sempre que os humanos recorrem à violência, há homens que são violentados e mulheres que são violadas. O espaço do corpo inviolável que cada qual encara como seu é penetrado contra a vontade própria, seja por uma bala ou por um pénis.

Actos de genocídio, abuso de crianças e terrorismo são perpetrados por pessoas educadas, civilizadas e religiosas. A vontade de violar o outro, furtivamente, entre paredes, ou abertamente, em nome de um bem maior (a sobrevivência de um nação ou a verdade de uma religião), é prontamente dissimulada atrás de um sorriso piedoso. Quando estes malfeitores são denunciado, o mundo inteiro lança desprezo e ódio sobre eles, aparentemente sem ter consciência dos impulsos violentos subjacentes às suas próprias reacções.

“É mais difícil amar Deus do que acreditar Nele”, escreveu Baudelaire algures no seu projecto de prefácio.

                                                                                                                           

16 BCA 2.33.

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“Por contraste, é mais difícil para as pessoas deste século acreditarem no Diabo do que o amarem. Todos o servem e ninguém crê nele. Sublime subtileza do Diabo.”17

Posso com toda a sinceridade crer fazer o bem e renunciar a fazer o mal, mas os meus pensamentos e acções mostram-me com frequência que não me empenho verdadeiramente nisso. No silêncio da solidão da alma coexistem pulsões inadmissíveis e desejos profundos de agir com bondade e com justiça. Ambos exercem as suas prerrogativas e ambos disputam a minha atenção. Oscilo entre os dois, consumido num dado momento pelo auto-desprezo para me deixar levar, no momento seguinte, por uma onda de compaixão. É aqui, no âmago deste espaço interior, que pela primeira vez encaramos o desafio de vivermos com o diabo. * Extractos dos capítulos 1 e 5 de “Living with the Devil. A Meditation on Good and Evil. New York, Riverhead Books, 2004.

(Tradução de José Eduardo Reis)

Desenho de António Ramos Rosa

                                                                                                                           

17 Baudelaire. Les Feurs du Mal. Galllimard, p.228. (Versão do tradutor).

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|)./  colaboradores        

notasbio-­‐bibliográficas      

Maria do Sameiro BARROSO, nascida em Braga, licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Lisboa, é poeta, tradutora, ensaísta e investigadora. Integra os Corpos Sociais do P.E.N. Clube Português, desde 2009. Vencedora do Prémio Internacional de Poesia Palavra Ibérica 2009, com o original Uma Ânfora no Horizonte, o seu último livro Poemas da Noite Incompleta foi publicado no Brasil, 2010. Stephen BATCHELOR nasceu em Dundee, na Escócia, em 1953. Escritor budista, conhecido pela sua abordagem laica e agnóstica ao budismo. Através dos seus escritos, traduções e ensinamento, tem desenvolvido uma exploração crítica do papel do budismo no mundo moderno, o que lhe valeu tanto a condenação como herege, como os louvores enquanto reformador. Obras publicadas: The Jewel in the Lotus: A Guide to the Buddhist Traditions of Tibet, 1986; The Tibet Guide, 1987; The Faith to Doubt: Glimpses of Buddhist Uncertainty, 1990; Alone with Others: An Existential Approach to Buddhism, 1994; The Awakening of the West: The Encounter of Buddhism and Western Culture, 1994; Buddhism without Beliefs.,1998; Living with the Devil: A Meditation on Good and Evil. 2005; Confession of a Buddhist Atheist, 2010. http://www.stephenbatchelor.org José BIVAR. Presidente da APAA- Associação Portuguesa de Artistas Plásticos do Algarve. Paulo BORGES. Professor de Filosofia na Universidade de Lisboa. Últimas obras: O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia), 2005; Agostinho da Silva. Uma Antologia,

2006; Tempos de Ser Deus. A espiritualidade ecuménica de Agostinho da Silva, 2006; Línguas de Fogo. Paixão, Morte e Iluminação de Agostinho da Silva, 2006; Folia. Mistério de Pentecostes em três actos, 2007; O Buda e o Budismo no Ocidente e na Cultura Portuguesa (com Duarte Braga), 2007; Princípio e Manifestação. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes, 2 vols., 2008; A Cada Instante Estamos A Tempo De Nunca Haver Nascido, 2008; Da Saudade como Via de Libertação, 2008; A Pedra, a Estátua e a Montanha. O V Império no Padre António Vieira, 2008; O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, 2008; Uma Visão Armilar do Mundo. A vocação universal de Portugal em Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, 2010. Descobrir Buda, 2010; Olhares Europeus sobre Fernando Pessoa (org.), 2010; Agostinho da Silva: Penseur, écrivain, éducateur (org., com Idelette Muzart-Fonseca dos Santos e José Manuel Esteves), 2010. O Teatro da Vacuidade ou a impossibilidade de ser eu. Estudos e ensaios pessoanos, 2011. Presidente da União Budista Portuguesa e da Associação Agostinho da Silva. www.pauloborges.net Casimiro de BRITO. Poeta, romancista, contista e ensaísta. Nasceu no Algarve, em 1938, onde estudou (depois em Londres) e viveu até 1968. Após uns anos na Alemanha, passou a viver em Lisboa. Teve várias profissões, mas actualmente dedica-se exclusivamente à literatura. Começou a publicar em 1957 (Poemas da Solidão Imperfeita) e, desde então, publicou mais de 40 títulos. Dirigiu várias revistas literárias, entre elas Cadernos do Meio-Dia (com António Ramos Rosa), os Cadernos Outubro/ Fevereiro/ Novembro (com Gastão

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Cruz) e Loreto 13(órgão da Associação Portuguesa de Escritores). Actualmente é responsável pela colaboração portuguesa na revista internacional Serta. Esteve ligado ao movimento Poesia 61, um dos mais importantes da poesia portuguesa do século XX. Ganhou vários prémios literários, entre eles o Prémio Internacional Versilia, de Viareggio, para a "Melhor obra completa de poesia", pela sua Ode & Ceia (1985), obra em que reuniu os seus primeiros dez livros de poesia. Colaboração em revistas de poesia, tendo obras suas incluídas em mais de 190 antologias, publicadas em vários países. Foi director de festivais internacionais de poesia de Lisboa, Porto Santo (Madeira) e Faro. Foi vice-presidente da Associação Portuguesa de Escritores, presidente da Association Européenne pour la Promotion de la Poésie, de Lovaina e presidente do P.E.N. Clube Português. Tem obras suas gravadas para a Library of the Congress, de Washington. Agraciado pela Academia Brasileira de Filologia, do Rio de Janeiro, com a medalha Oskar Nobiling por serviços distintos no campo da literatura — entre outras distinções, nomeadamente, em Portugal, a Ordem do Infante. Conselheiro da Associação Mundial de Haiku, de Tóquio. Nomeado “Embaixador Mundial da Paz” (Genebra, 2006). A Académie Mondiale de Poésie (da Fundação Martin Luther King), galardoou-o em 2002 com o primeiro Prémio Internacional de Poesia Leopold Sédar Senghor, pela sua carreira literária. Ganhou o Prémio Europeu de Poesia Aleramo-Mario Luzi, para o “Melhor Livro de Poesia Estrangeiro publicado em Itália em 2004” e o “Poeteka” na Albânia. Tem traduzido poesia de várias línguas, sobretudo do japonês, e está traduzido em vinte e cinco língua. http://casimirodebrito.no.sapo.pt Maria João FERNANDES, Crítica de arte (A.I.C.A. Associação Internacional de Críticos de Arte), ensaísta e poeta tem desenvolvido, há já mais de vinte anos, um diálogo com a obra de arte. Como professora universitária, dedicou-se ao

estudo da antropologia do imaginário, aplicada tanto à literatura, como às artes plásticas, duas expressões sempre presentes na sua reflexão e na sua escrita. O seu livro de poesia Dias de Seda - Jours de Soie, (2003), que inclui catorze originais de Júlio Resende, foi prefaciado por Robert Bréchon e Eugénio Lisboa. Prepara a publicação dos livros de poesia: Lettera Amorosa e Deusa da Transparência, ambos com prefácio de Robert Bréchon. Em 2010 foi proposta para o Prémio Pessoa, pela Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes, Emília Nadal, representando esta associação, e por Eduardo Lourenço. António CÂNDIDO FRANCO editou no final do século XX obras de Francisco Palma Dias, Paulo (Alexandre Esteves) Borges, Paulo Brito e Abreu e João Carlos Raposo Nunes. Projectou com o poeta Fernando Botto Semedo uma antilogia da “Finistérrica Geração”, que não se concretizou. Retomava no agora a actividade, e com gosto redobrado, se para tanto houvesse atenção e meios, com vistas a dar à luz a poesia de Donis de Frol Guilhade. Quanto aos livros que escreveu e escreve, não atribui ao acto em si, de escrever, mais importância, mas também não menos, do que ao acto de respirar (ao qual se pode e deve acrescentar todos os outros que lhe são vitais). Reconhece a verdade da verdade do Velho da Palhavã: a única estrada de fortuna é a vagabundagem social, moral e política. Maria Teresa DIAS FURTADO é Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Concluiu a Licenciatura em Filologia Germânica com uma tese sobre Paul Celan e doutorou-se em Literatura Alemã com uma dissertação sobre Hölderlin. Lecciona Literatura Alemã e Tradução Literária do Alemão. Tem publicado artigos da sua especialidade, bem como sobre Poesia Portuguesa Contemporânea. Deu à estampa várias traduções de algumas obras de Hölderlin e Rilke, acompanhadas de prefácios de sua

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autoria. Publicou em 2002 um diálogo poético com António Ramos Rosa intitulado O Alvor do Mundo e, em 2007, a colectânea de poesia Livro de Ritmos. Rui Miguel FÉLIX. Professor freelancer na área das Ciências da Terra e da Vida, Ajudante de Veterinária, Actor profissional de Teatro e Projeccionista, tem vindo a desenvolver uma abordagem de cariz experimental no campo das artes visuais. Autodidacta nesta área específica de criação, explora ambientes virtuais e desenho digital, fotografia de instinto, fotografia documental e, em apoio panorâmico, composições fotográficas de grande formato. Também a Poesia e a Escrita livre são o que considera ser os grandes parceiros para o seu projecto, à descoberta da 'forma misteriosa que se estabelece e se revela sob a pele das formas visíveis'. http://www.banhosdecinza.blogspot.com http://www.behance.net/rmfelix José VALLE DE FIGUEIREDO. Nasceu em Tondela (1942), licenciado em História, publicou: As Cinco Regras do Equilíbrio (1959); A Poesia Animada (1969); Poemavra (1970); Antologia da Poesia Brasileira (org.) (1970); Gradual (1974); Portuguesimentos (1977); O Provedor de Vivos (1988); As Três Perfeições (2002); O Seu a Seu Poema (2006). É director do Centro de Estudos Tomaz Ribeiro (Tondela) e dos Cadernos de Cultura "Dom Jaime", órgão do CETR. Donis de FROL GUILHADE não existe. Ainda não nascera, e já não era: alguém não é, que alguém conheça. Ele, ninguém - o coisa nenhuma que algo seja no que se chame ele - nada anuncia e despede-se de tudo: por um tudo nada. Dum nada de que ninguém sabe tudo, nem nada. Ninguém verá, e a ninguém verá, quem de si não viu o que ninguém lhe veja. Há um ausir como de aceno de que n’alguém, que pode ter sido ou não, esteja em alguma qualquer parte, apenas porque assim é o que não é: sem já nem ainda – quando muito, nunca. O que

dele se leia, há-de tresler-se-lhe: para que, quando se nos lesse, tal qual se não leia. Quando pareça aparecer, tão-só se lhe vê uma brisa - que lhe afaga e esbofeteia quanto incontém - deixada antes de haver passado, e de passado haver fé assim. Não publica: força-se ao avesso – é disso que há rasto, onde haja havido anverso e um verso disso. É sempre des-terro do que não tem terra natal, nem afinal final. O futuro persegue-lhe a saudade, o passado há-de ser-lhe. O presente parece não ser-lhe, nem outra coisa qualquer. Quando nem se der alguém conta - que ninguém dará - será ido: que não veio. Sem agora que o haja ou que o valha. Para nunca: desde sempre. Qual nunca foi, jamais não será. Qual nunca veio, sempre nunca virá. Qual rocha, de vento e mar: por defeito e, outrossim, de feito. Qual de-functo: de frol será. Guilhade, guilha de: d’Onix, donis. O mais - que é (o) menos, se o haja - silêncio é. E mais não há d’O que seja. (H)ei-l’O: ali, ond’Eli, Uax’Allah. Om Iaô. Donis é tão-só nome de cego. De tanto (não) ver. E pede se lhe perdoe tão mudo falar. Dirk-Michael HENNRICH, nascido na Alemanha, é Mestre em Filosofia, tradutor e autor de artigos, ensaios, aforismos e poesia em alemão e português. Vive em Lisboa onde é doutorando em Filosofia na Universidade de Lisboa. Tem várias publicações em diários e revistas na Alemanha, Suíça, Portugal e Brasil. Manuela JUSTINO Nasceu em Castelo Novo/ Castelo Branco. Em 1975 licenciou-se em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Desde 1970 que se dedicou à investigação e prática de tapeçaria. Executou peças de grandes dimensões, quer por encomenda, quer na prática lectiva, uma das quais serviu, em 1981, de tema para o cartaz de divulgação da XII Conferência Permanente dos Ministros Europeus de Educação. Em 1970, iniciou a sua carreira de docente. Em 1987- 1988, esteve destacada no Ministério da Educação - Centro de Recursos do Ensino

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Integrado, onde participou em projectos para crianças do ensino especial. Actualmente, é professora efectiva de Educação Visual, 3º Ciclo, na Escola Maria de Sá Carneiro. A sua carreira como artística plástica, no campo da tapeçaria, fotografia, desenho e pintura tem mais de 30 anos. http://manuelajustino.no.sapo.pt Agripina COSTA MARQUES (n. 1929), poetisa portuguesa, mulher do poeta António Ramos Rosa. Publicou: Rotações (em colaboração), 1991; O Centro Interno, idem, 1993; Ciclos, Instantes Permanência, 1993; Diário Intermitente, Fragmentos, 1996; Ciclos, Fragmentos, Idades, 1998, Sonhos, 2000; Participação na Antologia Os dias do Amor, 2009. Ana Paula COUTINHO MENDES. Nascida no Porto, em 1965, é Professora Associada no Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Românicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem publicados vários artigos em Portugal e no estrangeiro tanto sobre questões de literatura comparada como sobre poesia contemporânea. Sobre a Obra de António Ramos Rosa, além de estudos vários em revistas, publicou os seus livros: Antologia Poética de António Ramos Rosa, António Ramos Rosa – Mediação Crítica e Criação Poética; O Poeta na Rua – Antologia Portátil de António Ramos Rosa; Poesia do Século XX com António Ramos Rosa ao Fundo, FLUP-edita, 2005; António Ramos Rosa, Voz Consonante. Traduções de Poesia [Prefácio, organização e notas de Ana Paula Coutinho Mendes]. É também autora de uma Fotobiografia do poeta com título: António Ramos Rosa: Imagens do Caminho das Palavras e dos Afectos, 2005.

Tiago NENÉ (Tavira, 1982) é um poeta e tradutor de poesia português. Publicou em 2007 o livro Versos Nus (Magna) e em 2010 lançou Polishop. Está representado em numerosos jornais, revistas e antologias literárias. Criou a associação Linguagem de

Cálculo com o escritor Fernando Esteves Pinto, instituição que se dedica à produção cultural, nomeadamente a edição de livros. Licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, exerce advocacia no Algarve.

José MACHADO PAIS. Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Convidado do ISCTE/IUL. Foi Professor Visitante em várias universidades europeias e sul-americanas. Tem dirigido projectos internacionais europeus em vários domínios das Ciências Sociais. Coordenou o Observatório Permanente da Juventude Portuguesa e o Observatório das Actividades Culturais. Foi Director da revista Análise Social e da editora Imprensa de Ciências Sociais. Página Pessoal: http://www.jose-machado-pais.net

Luís Filipe PEREIRA. Licenciado em Literatura Francesa; Licenciado e Pós-Graduado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Pós-Graduado em Criações Literárias Contemporâneas; Mestre em Teoria da Literatura; em 2007 defendeu a dissertação de mestrado, na Universidade de Évora, com o título: A Invenção do Espaço em António Ramos Rosa. Para uma intra-ontologia poética da espacialidade em diálogo com Maurice Merleau-Ponty. Como escritor, tem colaborado (com poemas, contos, ensaios, recensões críticas) em variegadas publicações nacionais e estrangeiras; tem prefaciado e posfaciado obras literárias; em 2008, publicou o livro de poesia A Tela do Mundo. Fernando ESTEVES PINTO nasceu em Cascais em 1961. Colaborou no DN Jovem (Diário de Notícias) e no Jornal de Letras. Em 1990 recebeu o Prémio Inasset Revelação de Poesia do Centro Nacional de Cultura. Em 1998 obteve uma bolsa de criação literária pelo Ministério da Cultura/Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Livros publicados: Na Escrita e

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no Rosto(poesia). Siete Planos Coreográficos (poesia). Ensaio Entre Portas (poesia). Conversas Terminais (romance). Sexo Entre Mentiras (romance). Privado (novela). Área Afectada (poesia). Brutal (romance). O Tempo que Falta (poesia). Luiz PIRES DOS REYS está convencido que é por uma infelicidade do acaso, ou por uma felicíssima coincidência, que existe rosto e rasto que de si persistam. Mais provável é não havê-los. Mas já que os há, apresenta-se de cabeça descoberta, olhar encoberto e de braços não caídos em si. Para não se apresentar desmazelado, apresenta-se sem mazelas /*/ Diz que estudou filosofia, até onde a suportou universitária, o que nós fazemos por acreditar; mas porque mais a encontrou, diz insistente e i-reverente, fora da escola e de certo escol, acabou alhures(um tanto distraidamente diga-se) urdindo apofasias, teologuismos e teologomenas de mais orientais – presume-se que mais orientadas –ortodoxias, o que serve igualmente para nada, como é mais do que demasiado evidente, mas, ainda assim, parece, não faz mal à saúde. Ainda bem. Mais vale a pena coisas inofensivas que se faz sem saber (porque, alfim, nada se sabe), do que ingenuamente fazer coisas que não valem nem a pena – ainda que se pense imaginar sabê-las. /*/ Após (um tanto esquecido de si) esquecíveis anos por outras (outramente laboriosas) paragens onde logrou dirigir, com marketing e tudo, um indigesto departamento numa multinacional de sujar papel para lixo publicitário, vê-se metido no embrulho deste assado de dar desígnio e design a uma exdrúxula revista com um nome agudamente grave. Bem feito! Para inteiro (des)tempero do caso, vai daí, o temerato director intima-o, incorrigível e plácido (como se ele se tratasse de um ser senciente de/da verdade), a aceitar conferir marca de alguma arte a cada página da dita. Que desdita, valha-nos Deus (que sabemos que não existe, mas Há)! /*/ Porque tem a mania que tem tisna judaica no sangue nalguma das guelras, e porque tem a certeza

de haver em si moura e moçárabe miscigenia, farta-se de chorar a rir com os desaguisos entre irmãos abraâmicos. /*/ Anda desconfiado de que, apesar de tudo, é cristão (se bem que ainda demande saber o que isso lá seja), mas também de que ainda há-de ser o budista que sempre se achou, para (como um que se preze) vir dizer-nos que sê-lo é o não de nãosê-lo. Fez o mesmo com aquilo da orto-doxia, e não se deu mal – nem bem, aliás. /*/ Como lhe pediram seis linhas, fez mais do quíntuplo – só para ser o maçador do costume. Por igual motivo, fez esta nota disparatada: quanto ele, estará boa, portanto! /*/ Querem fazê-lo acreditar que seja Donis de Frol Guilhade. Mas ele – que mais acredita no que se não pode sequer acreditar – mais crê que tal seja verdade por ser tão quase impossível. Vozes do sem-tempo dizem-no outrossim sacer-dotado, mas sabe ele que isso é coisa de que não há antes e depois de sê-lo: é-se de sempre, para nunca – o que assim o retira de tal suspeita, posto sabe ele sê-lo de nunca, para sempre nunca chegar a tal ser. Está, por fim, convencido de que o melhor é convencer-se de que é um humilde pretensioso, ao escrever uma nota desta extensão e jaez. Bem nos parecia! António RAMOS ROSA (Faro, 1924) viveu a sua juventude em Faro e radicou-se em Lisboa em 1962. Auto-didacta, o poeta foi professor e tradutor até se consagrar a tempo inteiro à poesia. A sua intensa actividade poética e crítica foi-se disseminando em projectos editoriais como as revistas de poesia Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia (de que foi co-director), bem como em diversos Jornais e revistas destacando-se os suplementos do DN, de A Capital, do JL e da Colóquio Letras. Distinguido com vários prémios literários nacionais e internacionais, o seu percurso e rigor poético foram reconhecidos com a atribuição do Prémio Pessoa em 1988, tendo-lhe sido ainda atribuídas as condecorações de Grande – Oficial da Ordem de Sant´iago de Espada e da Grã-Cruz da Ordem do Infante D.

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Henrique, em 1984 e 1997, respectivamente. Em 2003 foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Algarve e em 2005 recebe o Prémio Sophia de Mello Breyner, pela Câmara Municipal de São João da Madeira. A partir de 1980, inicia uma nova expressão do traço, para lá da escrita, o desenho de rostos e outros desenhos não figurativos, contando já diversas exposições individuais em várias galerias do país. Gisela Maria Gracias RAMOS ROSA (Maputo, 1964). Licenciou-se em Relações Internacionais e é Mestre em Relações Interculturais. A sua tese com o título Olhar a Diferença - Percurso antropológico pelas margens sociais, centrou-se na análise dos discursos sociais presentes nas imagens de um filme português para grandes audiências. Tem um livro publicado em conjunto com António Ramos Rosa - Vasos Comunicantes (diálogo poético) de 2006, e tem colaborado com poemas em várias antologias e revistas de poesia. É Perita em Documentos no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, em Lisboa. João RAPOSO (João Carlos Raposo Nunes) nasceu em Lisboa em 1958. Livreiro e alfarrabista. Publicou: Todo o Voo (que termina) Neste Corpo,1976; É Esta a Nossa Onda Gigante, 1977; 30 Haiku, 1977; O Rolar da Pedra, 1980; Flores Dispersas, 1986; Enviado ao Abandono, 1988 e Bulbul − Cânticos Arrábidos, 1990. A sua livraria, a Uni-Verso, em Setúbal, foi palco de memoráveis tertúlias poéticas, nas tardes de sábado. Dirigiu a página “Arca do Verbo” no jornal O Setubalense, que foi uma nova lufada de ar fresco na cultura da cidade sadina, durante vários anos. Foi deixando de publicar: não se sabe (ele também não) se deixou de escrever. Bruno Miguel RESENDE. 1981, escritor, dramaturgo, desenhador gráfico, co-fundador com Fátima Vale dos “Spabilados Teatro Hedonista”. Bibliografia: subterfúgios, khaos poeticum, esquilia divinorum,

descravidades. Digiografia: transmorphosys, porticulares, abysmo humano, revolta das palavras, molduríade, entre vês, varzea divinorum. Dramaturgia: elogios da embriaguez. http://www.spabilados.net

Gonçalo SALVADO nasceu em 1967, em Lisboa. Licenciado em Filosofia, tem vindo a afirmar-se como um poeta exclusivo do amor. Publicou os seguintes livros de poesia: Quando (1996), Embriaguez (2001), Iridescências (2002), Duplo Esplendor (2008), Entre a Vinha (2010) e Corpo Todo (2010). Como antologiador publicou a transcriação: Camões Amor Somente (1999) e foi co-autor, com Maria João Fernandes, de Cerejas - Poemas de Amor de Autores Portugueses Contemporâneos (2004) e de Tarde Azul - Poemas de Amor de Saúl Dias Desenhos de Julio (2008).

Carlos H. do Carmo SILVA, formação em Filosofia, Professor Associado da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa - Lisboa, tendo dado colaboração em outras Universidades, autor de numerosos estudos em áreas de Ontologia e Filosofia da Linguagem, também da Filosofia da Cultura, da Religião e da Mística.

João Pedro SILVA. Comissário da Exposição Rostos da Escrita, organizada no Instituto de Ciências Sociais, em Lisboa (Junho 2011). Nasceu em Lisboa, em 1977. Desenvolve uma actividade profissional que passa pela Arquitectura, Escultura e Design. Licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa. Vive a trabalha em Lisboa.joao-pedro-silva.blogspot.com João Rui DE SOUSA. Nasceu em Lisboa em 1928 e licenciou-se em Ciências Históricas e Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Co-dirigiu a revista Cassiopeia (1955), onde fez a sua estreia literária. Com colaboração poética, ensaística ou de crítica de poesia dispersa por jornais, revistas e volumes colectivos, estreou-se em livro em 1960. Integrou

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vários júris literários, tendo apresentado livros de poesia de diversos autores, por vezes sob forma prefacial, tendo tido também responsabilidade na organização e apresentação de alguns volumes, entre os quais Fotobiografia de Fernando Pessoa (Biblioteca Nacional e Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988), com prefácio de Eduardo Lourenço, e, com colaboração de Luís Amaro, Poesias Completas de Adolfo Casais Monteiro (Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1993). Publicou as seguintes obras: Poesia – Circulação, 1960; A Hipérbole na Cidade, 1960; A Habitação dos Dias, 1962; Meditação em Samos, 1970; Corpo Terrestre, 1972; O Fogo Repartido (poesia reunida, com o inédito Respirar pela Água); Palavra Azul e Quando, 1991; Enquanto a Noite, a Folhagem, 1991; Sonetos de Cogitação e Êxtase, 1994; Obstinação do Corpo, 1996; Ensaio – Fernando Pessoa – Empregado de Escritório, 1985; Este Rio de Quatro Afluentes, 1988; António Ramos Rosa ou o Diálogo com o Universo, 1998. Estando incluído em

inúmeras antologias, reuniu a sua Obra Poética em 2002, à qual foram atribuídos os prémios da Associação Portuguesa de Críticos Literários e do Pen Clube Português. A um seu livro de poesia posterior, Quarteto para as próximas Chuvas (2008) foram atribuídos os prémios Teixeira de Pascoaes (CMA) e António Ramos Rosa (CMF). Fátima VALE. 1975, escritora, encenadora, actriz, co-fundadora com Bruno Miguel Resende dos “Spabilados Teatro Hedonista”. Bibliografia: azimute. Encenações: elogios da embriaguez; sexo, sim obrigado, carmen, a pequena notável; auto do curandeiro, etc. Actriz: milena de praga, teatro cómico, bodas de sangue, burguês fidalgo, elogios da embriaguez, frei luís de sousa, pranto de maria parda, etc. http://www.spabilados.net

   

       

       

É urgente inventar a simplicidade extrema de uma palavra viva e nua,

a palavra do silêncio. *

Não sentia necessidade de escrever. A [...]preocupação essencial era manter na presença a esfera do silêncio.

*

Às vagas de silêncio sucediam-se as vagas de silêncio e o corpo abria-se a si mesmo

abrindo-se ao mundo e abrindo o mundo.

António Ramos Rosa