Operario Do Mar Poesia Em Prosa 17594

download Operario Do Mar Poesia Em Prosa 17594

of 3

description

mar

Transcript of Operario Do Mar Poesia Em Prosa 17594

Operrio do mar (Poema em prosa da obra Sentimento do mundo), de Carlos Drummond de Andrade

Centro de Educao a Distncia - CEAD

Tarefa de Tutoria para A2Teoria da Literatura III

Curso: Letras/Literatura - EAD 3 perodo 1 Semestre/2008

Silvnia Campos Puchetti - Matr.2007010062

Operrio do mar (Poema em prosa da obra Sentimento do mundo), de Carlos Drummond de Andrade.Na rua passa um operrio. Como vai firme! No tem blusa. No conto, no drama, no discurso poltico, a dor do operrio est na blusa azul, de pano grosso, nas mos grossas, nos ps enormes, nos desconfortos enormes. Esse um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significao estranha no corpo, que carrega desgnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim to firme? No sei. A fbrica ficou l atrs. Adiante s o campo, com algumas rvores, o grande anncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operrio no lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rssia, do Araguaia, dos Estados Unidos. No ouve, na Cmara dos Deputados, o lder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre gua, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operrio? Teria vergonha de cham-lo meu irmo. Ele sabe que no , nunca foi meu irmo, que no nos entenderemos nunca. E me despreza... Ou talvez seja eu prprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encar-lo: uma fascinao quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar lhe que suste a marcha. Agora est caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilgio de alguns santos e de navios. Mas no h nenhuma santidade no operrio, e no vejo rodas nem hlices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde esto nossos exrcitos que no impediram o milagre? Mas agora vejo que o operrio est cansado e que se molhou, no muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso mido. A palidez e confuso do seu rosto so a prpria tarde que se decompe. Daqui a um minuto ser noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstncias atmosfricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. nico e precrio agente de ligao entre ns, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas lquidas, choca-se contra as formaes salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperana de compreenso. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?O poema nmero 6 da obra Sentimento do mundo faz o autor escapar da linguagem potica material (versos) e se apropriar dessa linguagem potica sem versos, mas bastante poesia imaterial, em belo painel-definio explicita a grande diferena social entre operrios e no-operrios. Esta belssima crnica potica, de base surrealista, to em voga nos anos 30 e 40, serve bem para duas constataes:1) o sentimento socialista de Drummond que iria espraiar-se cinco anos aps Sentimento do mundo, na publicao de Rosa do povo, em 1945;2) a viso de mundo onrica e bem potica de um operrio universalizado em So Pedro; ele anda sobre guas por graa de Deus, enquanto burgueses se espantam por no poderem realizar a mgica; isto , aos humildes: a magia divina, aos prepotentes: a inveja.Esta crnica potica tambm pode permitir que se compare a "apreenso do mistrio da palavra" nos poemas explcitos de Drummond diante desta prosa potica; por exemplo: "minhas lembranas escorrem" ("Sentimento do mundo", estrofe 1, verso 4) e "feixes escorrem" (das mos do operrio, em "O operrio no mar", linha 26). O mistrio potico de lembranas escorrem bem mais profundo do que peixes escorrerem imaginariamente das mos do operrio."Operrio no mar" um texto discursivo em prosa, sem aparato versificatrio e de um grande sentido potico. No fundo aparece como uma grande parbola potica que mede a distncia entre o operrio e o burgus, e declara uma ntida separao de classes, como se percebe na passagem: Ele sabe que no meu irmo. Um poema em prosa carregado de smbolos: Esse um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significao estranha no corpo, que carrega desgnios e segredos no mar.Pela leitura fica clara a distncia entre o eu potico burgus e o operrio. Mas h uma mudana, uma ligeira metamorfose: em seu caminhar frontal e firme, a figura do operrio se impe. Caminha, insistente em suas lutas e transforma muita coisa, quase faz milagres. uma aluso luta trabalhista, a qual, com o tempo, conseguir suas vitrias, entre elas, o derretimento de gelos, a derrubada de preconceitos, e o milagre da aproximao, a humanizao.