Operacao Segredos de Familia - Frank Calabrese Jr

download Operacao Segredos de Familia - Frank Calabrese Jr

of 211

Transcript of Operacao Segredos de Familia - Frank Calabrese Jr

  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros, disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.Info ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • Frank Calabrese Jr.com Keith & Kent Zimmerman e Paul Pompian

    Operao Segredos de FamliaPai e filho se enfrentam na maior operao do FBI contra a mfia de Chicago

    Traduo:Georges Schlesinger

  • Sumrio

    1. Segredos de Famlia 2. Patch, Grand e Ogden 3. Quem no adoraria um cara como esse? 4. Tal pai, tal filho? 5. Rpido com as mos 6. A arte de se misturar e sumir 7. A Organizao, o reino do terror 8. Frankie & Johnnys 9. Um claro branco e uma forte onda de calor10. Manter as coisas em famlia11. Philly Beans12. Os rapazes l no oeste13. Matana dos Jivago14. Ah, no, voc no!15. At que ponto pode ser ruim?16. Vaca assustada17. Armao para uma queda18. Flrida19. Eu peguei o dinheiro20. O olhar de mil metros21. Detido22. Faculdade com armas23. O Centro de Correo Metropolitano24. Uma chance de subir25. Duas opes, nenhuma delas boa26. O momento em que mandei27. Scarpe Grande

  • 28. O grampo29. O algoz do meu pai30. Trs vidas secretas31. Mudanas nas ruas32. Um rgio p no nas costas33. A caixa de Pandora34. Vida no esquadro35. A Terrvel Toalha36. O que aconteceu com meu pai?37. O julgamento38. Cdigo quebrado39. O caminho para Justice40. Continuo achando que um sonho41. O efeito guarda-chuvaEplogo Lista de personagensAgradecimentos

  • 1. Segredos de Famlia

    EU ME INSTALEI NUM CANTO da biblioteca da priso, no Instituto de Correo Federal em Milan,Michigan, e detonei a carta para o agente especial do FBI Thomas Bourgeois numa velha edecrpita mquina de escrever Smith-Corona. Meu pai mafioso, Frank Calabrese quecumpria pena comigo na mesma priso , tinha me ensinado a ser resoluto. Ento, quandodatilografei a carta, a deciso j estava tomada.

    No toquei o papel diretamente. Usei minhas luvas de inverno para manusear a folha esegurei o envelope com um leno de papel para no deixar impresses digitais. No momentoem que postei a carta, em 27 de julho de 1998, eu sabia que tinha cruzado a linha. Cooperarcom o FBI significava no s que eu estava abandonando meu pai, mas que teria de implicarmeu tio Nick no assassinato de um mafioso da Organizao de Chicago chamado John BigStoop [Parrudo] Fecarotta. Abandonar meu tio era a parte mais difcil.

    Quando reli a carta uma ltima vez, perguntei a mim mesmo: Que tipo de filho se livra dopai pelo resto da vida? O Departamento Penitencirio Nacional havia me imposto um durogolpe ao me colocar na mesma priso que meu pai. Vinha ficando cada vez mais claro que seujuramento de cair fora da Organizao depois de ns dois cumprirmos nossas penas era umapromessa vazia.

    Eu sinto que preciso ajud-los a manter esse homem doente trancado para sempre,escrevi na carta.

    Devido a questes legais e de segurana, isso foi cinco meses antes de o agente ThomasBourgeois ter arranjado uma visita para se encontrar comigo no Instituto de Correo Federalem Milan. Ele veio sozinho no comeo do inverno de 1998. Em 1997, o FBI e os promotoresfederais de Chicago haviam sentenciado os Calabrese, condenando meu pai, tio Nick, meuirmo mais novo, Kurt, e eu por agiotagem. Bourgeois parecia confuso e quis saber o que euqueria.

    Tenho certeza de que Bourgeois se perguntou o mesmo que eu: que tipo de filho quer selivrar do pai pelo resto da vida? Talvez tenha pensado que eu estava mentindo. Talvez eutivesse arrumado confuso com algum e, como a maioria dos presos, estivesse tentandoreduzir a minha pena. Todavia, no encontro seguinte, eu disse a Tom que no pedia muito emtroca. Simplesmente no queria perder nada do tempo j cumprido e, uma vez terminada aminha misso, queria uma transferncia do Instituto de Correo de Milan.

    Tendo nos prendido sob acusaes de extorso, os federais pensavam ter destrudo anotria gangue Calabrese da zona sul de Chicago. Na verdade, mal tinham arranhado asuperfcie. Alertei Bourgeois de que eu no estava tentando destruir a mfia. Tinha um nicopropsito: ajudar o FBI a manter meu pai trancafiado para sempre, para que ele pudessereceber a ajuda psicolgica de que necessitava. O FBI no sabia de metade de seus outrosassuntos ou crimes.

    Quando Bourgeois perguntou se eu me disporia a usar um gravador no ptio da priso,imediatamente respondi que no. Trabalharia com o FBI, mas lhes daria somente informao

  • til, material que pudessem usar, contanto que ningum soubesse que eu estava cooperando, eno testemunharia abertamente no tribunal. Meu pai e os caras da Organizao chamam isso desalgar a carne. Frank Calabrese era um dos mais astutos criminosos da quadrilha, e fora umchefe de turma bem-sucedido e slido arrecadador para a mfia de Chicago por trinta anos.Era capaz de sentir o cheiro de um informante do FBI a um quilmetro e meio de distncia. Seno tinha falado de sua vida criminosa no passado, por que haveria de falar agora?

    Vasculhei meu corao para me assegurar de que no estava fazendo aquilo por despeito ouporque meu pai havia se recusado a cuidar financeiramente de mim e de Kurt em troca decumprir pena. Meu problema no era dinheiro!

    Aps a primeira entrevista comigo em Milan, o agente Bourgeois se reportou a Mitch Mars,um subprocurador e chefe da Seo do Crime Organizado de Chicago. Mars quis saber sehavia o bastante para apresentar o caso a um grande jri e formar um caso maior, maisabrangente, contra a Organizao, o multitentacular sindicato do crime organizado de Chicago,que remontava aos tempos de Big Jim Colosimo e Al Capone.

    NA CELA, DEITADO NO BELICHE , pensei na minha recusa em usar o gravador. Digamos que eupassasse informaes aos federais, mas meu pai tivesse sorte e conseguisse se safar? Euestaria ferrado, tio Nick ficaria encalhado no corredor da morte e, quando a sentena do meupai terminasse, ele estaria de volta s ruas para continuar seus negcios de agiotagem emtodos assassinos.

    E se fosse errado o que eu estava fazendo? Como poderia conviver comigo mesmo? Euamava muito meu pai, e o amo at hoje. Mas sentia repulsa por seu gnio violento econtrolador. Precisava decidir entre no fazer nada e cooperar com os federais, duas opesque eu detestava.

    Sabia que, se no fizesse nada, meu pai e eu teramos de ajustar nossas diferenas l fora,na rua. Um dos dois acabaria morto, enquanto o outro iria apodrecer na cadeia. Eu estaria meincriminando, e no queria um trato de imunidade. Se precisasse cumprir mais tempo paramanter meu pai preso para sempre, pacincia. Depois de mandar a carta, fiquei determinado aacabar o que havia comeado. Contatei o agente Bourgeois mais uma vez, para lhe dizer quetinha mudado de ideia. Eu usaria o gravador, afinal. Todas as trapaas que meu pai tinha meensinado eu iria agora usar contra ele.

    As prprias palavras do meu pai se tornariam seu maior inimigo.

  • 2. Patch, Grand e Ogden

    MEU PAI, FRANK CALABRESE, chefe da famlia e da gangue Calabrese, nasceu na zona oeste deChicago, numa rea de operrios italianos conhecida como Patch, que significa algoparecido com remendo. Esse bairro lendrio delimitado pelas avenidas Grand, Western eChicago, e pela Kennedy Expressway. O Patch, na Grand com a Ogden, foi lar de outrosfamosos chefes da Organizao, como Tonny Joe Batters Accardo e Joe the Clown[Palhao] Lombardo. L, os pais de Tony e Michael Spilotro, Pasquale e Antoinette, dirigiamo restaurante Patsys, onde frequentemente jantavam os chefes Salvatore Sam Giancana,Jackie the Lackey Cerone, Gus Slim Alex e Frank the Enforcer Nitti.

    Outro bairro italiano, Little Italy, corria ao longo da rua Taylor, da Halsted at a avenidaAshland. Cicero, Melrose Park e Elmwood Park se tornaram feudos suburbanos bsicos daOrganizao de Chicago. A gangue da rea da rua Taylor era parte do Primeiro Pavilho,comandado no incio pelo ex-vereador John DArco, depois por seu sucessor, Fred Roti,tendo como secretrio Pasquale Pat Marcy. Desde os anos 1930, o Primeiro Pavilhocontrolava um grande bloco de empregos na cidade, e tinha um brao forte no Departamentode Ruas e Saneamento.

    Frank Calabrese nasceu em 17 de maro de 1937, filho de James e Sophie Calabrese, nobolso urbano prximo s avenidas Grand e Ogden. Sua linhagem familiar provinha de Bari eda Siclia, e tanto os pais do meu av como da minha av imigraram para Chicago diretamentedo Velho Mundo. A famlia de James instalou-se de incio na rea da rua Taylor (Little Italy),enquanto Sophie raramente saa do permetro da Grand e Ogden (o Patch).

    Frank era o mais velho de sete irmos e irms. Em ordem decrescente de idade, eramMarie, Nick, James Jr. (j falecido), Christine, Joe e Roseanne. Embora a famlia tivesse sidocriada no catolicismo, os Calabrese no eram praticantes. Com tantos filhos, vov Sophieconduzia a famlia como um rgido sargento. Se as crianas no chegassem em casa na horadeterminada, com frequncia dormiam na casinha do cachorro no quintal, mesmo no rigor doinverno. Para italianos pobres da classe trabalhadora, a vida foi dura nas dcadas de 40 e 50.Meu pai dizia que a famlia era to depauperada que eles comiam polenta ou mingau de aveiade pobre no jantar.

    Aos cinco anos meu pai contraiu escarlatina e foi mandado para o Childrens MemorialHospital. Apesar de muito novo, mediante uma combinao de intimidao e carisma, eleassumiu o comando de todo o seu pavilho infantil, tornando-se o lder de facto. Devido doena, comeou tarde a escola primria Otis. Grande e corpulento para a idade, ele mandavano parquinho de brinquedos. Era conhecido por detestar aqueles que atormentavam osmenores, e sempre se posicionava ao lado do mais fraco. medida que foi crescendo, suasmos se tornaram rpidas e ele brigava por qualquer provocao. Depois de ser expulso daOtis, caiu nas ruas entre a Grand e a Ogden.

    Aos treze anos, montou uma banca de jornal com seu irmo mais novo, Nick, namovimentada esquina da Grand com a State. Embora meus avs trabalhassem duro, os garotos

  • Calabrese vestiam roupas de segunda mo e punham cartolina nos sapatos quando as plantasde seus ps sentiam o calamento. Com quinze anos, ele j ganhava dinheiro suficiente com abanca para que seus pais contassem com ele para sustentar toda a ninhada Calabrese. Por maisbaixo que o caixa domstico ficasse, vov e vov podiam recorrer ao filho mais velho paramanter a famlia.

    Durante o Natal de 1949, faltou aos meus avs o dinheiro da comida e dos presentes para afesta. Ainda um rapaz novo, Frank separou cem dlares da sua lucrativa banca de jornal.Entregou o dinheiro aos pais, autorizando-os a gastar em comida e presentes para seus irmose irms, mas com uma condio: que lhe comprassem uma vara de pescar. O dia de Natalchegou, e nada de vara de pescar. A desfeita o aborreceu profundamente, e ele jamaisesqueceu o incidente, recontando a histria muitas e muitas vezes para mim e meus irmos.

    At hoje meu pai se ressente de sua falta de educao formal e da dificuldade que tem paraescrever uma simples carta. Apesar de no pensar em se juntar a gangues de rua organizadas,acabou se destacando como um sujeito duro. Aos dezesseis anos, comeou a acumulardetenes por roubos e assaltos. Tinha cabea quente, e era incapaz de controlar seutemperamento. Antes de se juntar Organizao, construiu pela Grand e Ogden uma reputaode dono do prprio nariz.

    Em 1953, meu av Calabrese chegou concluso de que no conseguia mais controlar ocomportamento rebelde do filho de dezesseis anos. Ento o levou a um centro de recrutamentoe o inscreveu para um perodo no Exrcito. Vov mentiu, afirmando que o filho era maior deidade e habilitado a servir. Contra a vontade do meu pai, ele foi enviado para treinamentobsico.

    No gostou do Exrcito e escapou do servio militar quase imediatamente depois de serinscrito. Enquanto a polcia militar tentava localiz-lo, ele retornou ao Patch e morou,secretamente, no viveiro de pombos no terrao do prdio de seus pais, que tinha quatroandares. Ningum o encontrou durante semanas. Aps ser mandado de volta para o Exrcito,meteu-se numa briga com um de seus comandantes no refeitrio e foi trancafiado na prisomilitar. Fugiu uma segunda vez. As autoridades o caaram pelos campos de Illinois, at queum peloto de fazendeiros e ces de caa conseguiu encontrar sua pista. Depois de ser detido,a polcia estadual acusou-o de roubar um carro. Em vez de voltar ao servio militar, elecumpriu sua primeira sentena numa priso federal, em Ashland, no leste do Kentucky. L,corpulento e duro, ele se dedicou ao levantamento de peso. Quando foi solto, passou umbreve tempo no ringue como boxeador semiprofissional, ganhando alguns trofus dehalterofilismo.

    Aps cumprir sua pena, meu pai teve uma srie de exaustivos trabalhos braais. Com ps,ele e meu av tiravam carvo da traseira de um caminho, ou levantavam e descarregavamblocos de gelo de carros frigorficos para a Companhia de Gelo Jefferson. Em pouco tempo,ele foi promovido a motorista de caminho na Jefferson, que pagava um ordenado decente.Todavia, seu lado violento fervilhava. Ele vivia discutindo com um colega de trabalho, umnegro enorme. Um no gostava do outro. Meu pai ento forjou uma falsa trgua com o sujeitoe, aps uma noite de bebedeira, nunca mais ningum viu ou ouviu falar do homem. Meu paino admitiu ter matado o cara, porm uma vez me disse que depois daquela noite, ningummais soube do homem.

  • Em meados da dcada de 50, Frank Calabrese, agora j perto dos vinte anos, estavanovamente perambulando pelas ruas, cometendo uma srie de assaltos mo armada empostos de gasolina e roubando carros. Foi quando resolveu se meter no ramo de casamentos.Averiguava onde havia casamentos e assaltava os convidados quando saam. Outras vezes, elee um parceiro assaltavam as festas, enfileirando todo mundo e aliviando as pessoas de suascarteiras, relgios e outros valores. Toda ao de rua feita por Calabrese era bem planejada, eele tomava o cuidado de atacar em bairros fora do Patch. Sendo um assaltante calculista, suaregra nmero um era simples: nunca roubar em nenhum dos bairros italianos especialmenteonde viviam os chefes.

    Entre um roubo em casamento e um assalto a posto de gasolina, aos 24 anos ele se casoucom minha me, Dolores Hanley, um moa americana de origem irlandesa. Em 1960, com umbeb a caminho eu , meu pai mudou sua nova famlia para um pequeno apartamento de doisquartos, entre as avenidas Grand e Menard, na zona oeste de Chicago. Depois de perder seuemprego como motorista de caminho de laticnios, meu av materno veio em salvao docasal. Ele tinha laos com a notria gangue ODonnell, da mfia irlandesa. Por meio de suasconexes irlandesas na prefeitura, conseguiu um emprego para o genro. Meu pai tambm faziaum bico com seu novo cunhado, Edward Hanley, no Hanleys, um bar de Chicago localizadona esquina da Laramie com a Madison, de propriedade do sogro. Na poca, tio Ed era umpromissor funcionrio sindical. Mais tarde, tornou-se um dos mais poderosos chefes sindicaisdo pas, presidente da Hereui, a Confederao Internacional dos Empregados em Hotis eRestaurantes, com 350 mil membros.

    Meu pai teve seu primeiro emprego fantasma na prefeitura de Chicago como membro daUnidade 150 de Operadores de Equipamentos Pesados. Ele se apresentava para o trabalhocomo engenheiro de operaes, vinculado ao Departamento de Esgotos. Chegava no serviode cala e camisa social para pegar seu cheque. Como fantasma, precisava descont-loimediatamente e devolver uma participao para o corrupto do sindicato que lhe arranjara otrabalho.

    Ao deixar o apartamento na Grand com Menard, se mudou comigo e minha me mais paraoeste, para a casa de sua recm-falecida av na West Grand, perto da avenida Natchez, ondeseu pai converteu o poro inacabado numa toca e o sto em dois dormitrios adicionais. Nocomeo dos anos 60, minha me e meu pai dividiram a casa e o espao reformado com meusavs e o restante dos irmos Calabrese.

    Entre 1961 e 1964, meu pai trabalhou como ladro e arrombador. Depois de juntar mais de10 mil dlares, investiu o dinheiro na regio de Chinatown e da rua 26, concedendoemprstimos para clientes desesperados a taxas altssimas os chamados juice loans, ouemprstimos suculentos. Fornecendo a clientes que no conseguiam crdito com seus bancoslocais, mas necessitavam de dinheiro com urgncia e sem ter de responder a nenhumapergunta, em pouco tempo ele montou um prspero negcio. A clientela imediata do meu paiinclua os jogadores da vizinhana, muitos dos quais estavam lisos e desesperados.

    Como um tubaro independente dos emprstimos, o negcio Calabrese cresceu rapidamentena rea de Chinatown e da rua 26. Isso foi antes de os Estados Unidos serem inundados dedinheiro fcil de financiadoras de cartes de crdito legtimos. Antes de Mastercard e Visa, aagiotagem era exclusiva do crime organizado. Hoje em dia os bancos praticamente assumiram

  • o negcio.Os juice loans funcionam da seguinte maneira: um emprestador, como meu pai, especifica

    uma porcentagem do valor que o cliente toma emprestado. Dependendo do grau de influnciado jogador ou do negociante, ele pode pagar algo em torno de 2,5% a 5% por semana, taxatambm conhecida como pontos. Tal emprstimo um empreendimento altamente lucrativo.Se algum toma emprestados 10 mil dlares a trs pontos, est agora comprometido a pagar3%, ou trezentos dlares, por semana. Esse rendimento chamado de vig uma abreviaturada gria idiche vigorish, que significa ganho, renda, comisso , ou, no jargo deagiotas como meu pai, de juice, o suco. Alm disso, quem tomou o emprstimo aindadeve o principal da dvida original. Por exemplo, se o cliente pagou a Frank Calabresetrezentos dlares por semana durante vinte semanas, temos a 6 mil dlares em suco. Mas ocliente ainda deve os 10 mil dlares do montante original. Se ele tem sorte o bastante paraabater 5 mil dlares da dvida (alm dos trezentos dlares relativos ao suco daquelasemana), ainda fica devendo 5 mil dlares, mas sua cota fica reduzida a 150 dlares porsemana.

    Tais emprstimos tornaram-se um grande negcio para a mfia, que atendia tanto a clientesda classe operria quanto a colarinhos-brancos. Um emprestador de rua, se fosse esperto eoportunista, veria-se capaz de, aos poucos, juntar uma boa fortuna nessa atividade, e o negciodo meu pai floresceu sem entraves por parte da Organizao. Mas isso em breve iria mudar.

    No incio de 1964, meu pai chamou a ateno dos chefes da mfia de Chicago quando foiintimado por Angelo the Hook [Gancho] LaPietra, um influente e temido subchefe, donode sua prpria e extensiva operao de emprstimos na rea de Chinatown/Bridgeport.LaPietra ganhou seu apelido pela forma com que assassinava suas vtimas. Se algum nopodia pagar o que devia ou se era suspeito de ser dedo-duro, Ang fazia seu pessoalpendurar a vtima num gancho de aougue e tortur-la com um ferro de marcar gado ou ummaarico. Quando o legista determinava a causa da morte, a maioria das vezes era asfixia porcausa dos prprios gritos. No comeo da dcada de 60, LaPietra e Jackie the Lackey Ceroneforam ouvidos nas escutas secretas do FBI, vangloriando-se de como tinham pendurado numgancho um cobrador concorrente de mais de 150 quilos, William Action Jackson.LaPietra e seus auxiliares o torturaram durante dias, mantendo-o vivo por meio de drogas.

    Meu pai, com 24 anos na poca, foi levado de carro a uma boate perto da avenida Harlempara encontrar-se com Angelo Gancho. O motorista era um soldado da Organizao, SteveAnerino. Ao chegar, LaPietra lhe disse que a nica forma de ele continuar com sua operaode emprstimos seria sob o olhar orientador da Organizao. Como incentivo, recebeu 60 mildlares adicionais para emprestar. Mais tarde, lhe deram outros 80 mil.

    Meu pai se associara a um gngster ativo chamado Larry Stubitsch, que fora criado emChinatown e conhecia bem o bairro. Ele e meu pai trabalharam longas horas juntos, e empouco tempo tinham espalhado 350 mil dlares por algumas dezenas de tomadores deemprstimos. Stubitsch era ambicioso. Queria se tornar um chefo da Organizao, ao passoque meu pai recomendava manter um perfil discreto.

    Tendo se tornado um arrecadador de fundos da mfia, meu pai se viu sob tremenda pressopara produzir receitas. Fracassar no era uma opo, e aqueles que usavam mal o dinheiro daOrganizao, ou no correspondiam s expectativas dos chefes, pagavam com a prpria vida.

  • Ele entendeu as vantagens de atuar discretamente, e optou por se tornar um arrecadador slidoem vez de um espertalho ambicioso e espalhafatoso.

    FRANK JAMES CALABRESE, o retrato de um gngster.Com um 1,75 metro de altura, ele forte, tem olhos castanho-esverdeados e um sorriso

    amigvel, do tipo sinta-se em casa. No parece ser uma ameaa. o que ele quer que aspessoas pensem. Mas o verdadeiro Frank tem a fora de um touro e um temperamentoexplosivo. Seu cdigo de vestimenta bsico e descontrado, favorecendo cores neutras,nunca vistosas. Durante os frgidos invernos de Chicago, ele prefere um bon de beisebol,camisas de moletom, jeans e jaquetas de esqui em lugar de roupas mais chiques. Para nochamar ateno, raramente frequenta os pontos badalados da Organizao, e tampoucocostuma ir aos seus encontros.

    Seus culos baratos de plstico escorregam pelo nariz quando ele observa algum do altode suas lentes. Se ele tira os culos, isto sinal de que uma conversa sria est prestes aocorrer, exigindo a ateno irrestrita do interlocutor. Nas ruas, Frank preocupa-se em servigilante e fala num tom monocrdio, um grau acima do murmrio. Seu jeito de falar oprottipo do valento, com tpico sotaque italiano:

    Cala bacana pra cacete, essa sua.Eu vou comer vocs dois de porrada.Ele no demonstra emoo; em vez disso, tira os culos e olha diretamente nos seus olhos.

    Fala numa voz baixa e firme, esperando a sua resposta. Em vez de gritar, ele se tensiona deraiva, sua mo direita treme enquanto o olhar fica vtreo. S ento ele comea a balanar eberrar.

    Sempre que o Frank pai fala de negcios, cobre a boca com a mo e usa cdigos.Ardiloso e imprevisvel, ele introduz na conversa uma risada ou sorriso inesperado, paraconfundir quem quer que possa estar escutando. Preocupado com escutas eletrnicas, o localfavorito dele para conversar o banheiro, com o exaustor ligado e a gua correndo. Quandochega a certas palavras incriminadoras, gosta de fazer gestos com as mos, em vez deefetivamente pronunci-las. Raramente usa palavras como dinheiro, armas, facas,matar.

    EMBORA MINHA FAMLIA MORASSE num poro apertado, era uma poca despreocupada. Como filhomais velho, eu, Frank Calabrese Jr., era chamado de Frankie ou Junior, para me diferenciar domeu pai. Recordo-me das primeiras memrias vivendo na Grand com Natchez. Tive uma vidade famlia tpica, cercado pelos meus pais, tias, tios, primos, avs e bichos de estimao todos morando na mesma casa. Era uma vida comunitria, no muito diferente da que selevaria em um alojamento, porm mais divertida. Lembro-me com carinho do tempo quepassava sentado debaixo da escada com a minha boxer, Duquesa. A famlia inteira se vestiacom elegncia para aparecer em filmes caseiros. Tenho vvidas lembranas do meu paifazendo pardias bobas para a cmera. No feriado da Independncia, a famlia toda sempre sejuntava do lado de fora da casa e meu pai trazia caixas e mais caixas de fogos de artifcio parasoltarmos na rua.

    De todos os meus tios, meu padrinho, tio James, era o mais tranquilo. Ele e a namorada

  • muitas vezes me levavam para passear de carro, at que o tio Junior, como era chamado,morreu de cncer com 21 anos. Tendo morrido to jovem, tornou-se o santo padroeiro dafamlia Calabrese. Em 1965, a famlia adquiriu sua primeira casa nos subrbios, na regionoroeste de Chicago, em Norridge, na esquina da avenida Lawrence com a Cumberland.Finalmente tnhamos um lar s nosso.

    Em setembro de 1966, o negcio de emprstimos do meu pai teve o seu primeiro grandepepino. Stubitsch era um fanfarro que gostava de arrumar briga, inclusive uma rixa com umex-policial de Chicago, agora associado Organizao, Dickie DeAngelo.

    Dickie DeAngelo era amigo do temido e brevemente futuro chefo, Milwaukee PhilAlderisio. Exercendo seu ofcio desde os dias de Al Capone, trabalhando para GreasyThumb Jake Guzik, Alderisio era encarregado de execues, consumado chantagista,operador de emprstimos abusivos e estrategista. Viajava bastante para a Turquia, Grcia,Lbano e sia, intermediando grandes compras de herona.

    Milwaukee Phil (que na verdade era de Yonkers, em Nova York, e adquiriu o apelido porcausa de seu controle sobre a jogatina, prostituio e narcticos em Milwaukee) tinha um patrs tanto com Stubitsch quanto com meu pai, por causa das crescentes operaes deemprstimos. Phil era conhecido pelo enorme ego, e podia ser visto descendo a rua Rush, arua das boates de Chicago, como se mandasse no pedao.

    Embora meu pai tentasse manter o scio sob controle, Stubitsch confrontou DeAngelo.Iniciado o tiroteio, meu pai se refugiou atrs de um carro e viu seu confivel parceiro seratingido e derrubado pelos tiros de Dickie na frente do Bistro A-Go-Go, um clube noturno naHiggins Road. Stubitsch levou duas balas na altura do diafragma e foi declarado morto quatrohoras depois no Ressurrection Hospital. DeAngelo contou uma histria curiosa aosinvestigadores do homicdio: o tiroteio comeara quando quatro assaltantes armados oabordaram dentro da boate, e o entrevero continuou do lado de fora, na rua. A investigaochegou a um impasse quando no se encontrou a arma do crime, e as acusaes contra Dickieforam retiradas. Outra verso da histria que ocorreu uma briga entre meu pai e DeAngelopor causa de uma garonete. Meu pai comeou a bater em Dickie. DeAngelo agarrou uma armae comeou a atirar no meu pai, mas foi Stubitsch quem acabou levando os tiros.

    Aps esse incidente, Angelo LaPietra chamou seu jovem protegido de lado e lhe ordenou ano buscar vingana pelo assassinato do scio. Estas coisas acontecem, Frank. s vezes nsgostamos delas, outras vezes no. Meu pai devia deixar pra l, ou, como LaPietra continuou aexplicar: Enquanto voc estiver comigo, nada vai acontecer.

    J que meu pai no era oficialmente um mafioso, isto , um homem feito, precisava de umrabino ou algum com suficiente influncia para evitar futuros golpes contra ele. Seu nvelde arrecadao justificava que LaPietra interviesse a seu favor.

    Com seu sucesso, papai vendeu a casa em Norridge em 1970, e fez planos para mudar todoo cl Calabrese para Elmwood Park, um subrbio de Chicago. At recentemente, era tradiona cidade comprar o que se conhecia como trs-pisos, prdios de trs andares com umapartamento por andar, permitindo a famlias ampliadas morar juntas. Muitos trs-pisostinham pores reformados, e os proprietrios podiam ainda acrescentar um apartamento demeio andar no alto, ou um aposento em cima da garagem. Em 1970, os Calabrese se mudarampara seu trs-pisos na quadra 75 Norte, 2515, em Elmwood Park. Como a de outras famlias

  • da rua, a propriedade tinha uma passagem privada para a rua principal, permitindo ao meu paiir e vir a qualquer hora. Ele, minha me, eu e meus irmos ocupamos o apartamento do meio,enquanto meus avs mudaram para o de cima. Tio Nick, mais tarde, ocuparia o apartamentotrreo.

    O trs-pisos dos Calabrese foi apelidado de o Complexo, com papai atuando comopatriarca da famlia. Ele assumiu uma grande responsabilidade, fazendo-se cercar pelafamlia. Organizava passeios regulares e reunies em datas festivas, sempre bancando tudo.Quando seu irmo mais novo, Joe Calabrese, se casou, e sua esposa deu luz gmeos,concordou-se que tio Joe se mudaria para o poro do Complexo, o apartamento de doisquartos reformado na altura do jardim onde meu tio Nick moraria mais tarde. Em vez de pagaraluguel, ele ajudaria na casa. Joe idolatrava seu irmo Frank. Ele tinha dois empregos, de dianum banco e de noite num posto de gasolina do outro lado da rua. Como meu falecido tioJames, Joe e Nick me tratavam como um irmo mais novo. Ns trs jogvamos futebol juntos,e Joe e Nick apareciam nos meus jogos na escola.

    Um dia, quando meu pai desconfiou que tio Joe estava se encontrando com uma das moasdo banco, teve um acesso de raiva e deixou um bilhete na sua porta, mandando que ele semudasse imediatamente. Depois de ler o bilhete, Joe voou escada acima. Meu irmo Kurt e eupudemos ouvir tio Joe batendo na porta com fora, berrando:

    Frank! Frank!Kurt e eu corremos para o nosso quarto, esperando uma briga feroz, quando meu pai veio

    at a porta vestindo apenas ceroulas. Numa frao de segundo, imprensou Joe contra a paredee comeou a lhe dar uma surra e a estrangul-lo. Vov e tio Nick vieram correndo paraseparar os dois. Nunca tinha visto irmos brigarem com tanta brutalidade. Foi uma altercaodramtica. O incidente envenenou a relao entre meu pai e tio Joe durante anos. Meu avtornou-se o nico Calabrese que enfrentava seu filho mais velho. Os dois tinham discussesacaloradas e quase chegavam s vias de fato. Eu me encolhia todo quando um berrava com ooutro. Foi quando notei uma mudana no meu pai: ele estava se tornando cada vez maisparecido com Angelo.

    medida que passava mais tempo com seu mentor, Angelo o tio Ang, como eraconhecido em nossa casa , o pavio do meu pai ia ficando cada vez mais curto. Quandomorvamos em Norridge, a casa vivia cheia de familiares, amigos e parentes mais distantes.Depois que nos mudamos para o Complexo Calabrese, o temperamento do meu pai endureceu.Ele passou a ser cauteloso com as visitas, paranoico e rabugento. Pior, minha me percebeuque papai tornara-se explosivo com as crianas. A famlia atribuiu isso a tio Ang.

    Angelo LaPietra era um subchefe irascvel, capaz de berrar para manter sua tripulao nalinha. Todavia, era mais tolerante com meu pai, que seguia as ordens e fazia bem seu trabalho.Angelo podia confiar nele para trazer mais do que sua cota de rendimentos todo ms. E o maisimportante, no causava problemas ultrapassando o territrio da Organizao. Era o tipo desujeito de que ngelo gostava: um soldado e arrecadador de perfil modesto e satisfeito,trabalhando com seus emprstimos, com a jogatina, e cobrando taxas de segurana nas ruas.No estava buscando subir na hierarquia da mfia. Se promovido, timo. Se no, deixavaAngelo saber que no estava a fim de criar problemas.

    Depois da morte de Larry Stubitsch, o negcio estava em plena expanso, dando a meu pai a

  • possibilidade de pr mais dinheiro nas ruas. Embora suas aes fossem limitadas, e eletivesse de se reportar a vrios nveis de chefia, adotou uma postura simples: Comoarrecadador, voc tem seu valor. Se seguir as regras e trouxer a grana, ningum vai teincomodar.

    Com sua fortuna crescendo, em 1970 ele recrutou tio Nick, no qual podia confiar e a quempodia controlar. Aps uma experincia malsucedida na marinha, tio Nick estava deriva,sentindo-se inquieto e alienado.

    Nascido em 30 de novembro de 1942, Nicholas W. Calabrese passara a maior parte dosanos 60 no Exrcito. Depois de um turno de servio no Vietn, e de retornar vida civil, meupai convenceu tio Ed Hanley a achar para seu irmo um emprego bem remunerado comoorganizador sindical. Ele trabalhou em alguns projetos de construo para a cidade, sob osauspcios do Sindicato dos Metalrgicos, inclusive na construo do Centro de ConvenesMcCormick e no Edifcio John Hancock, com cem andares.

    Nick via o irmo mais velho como um sucesso, um cara duro na rea, que trabalhava porconta prpria e tinha uma grande conta bancria. Em torno de 1970, sentiu o fascnio dorespeito que meu pai exercia e expressou interesse em se juntar turma. Ele comeou comomotorista, fazendo algumas coletas, um cargo tpico de iniciantes. Trabalhando duro, meu tiose estabeleceu como um soldado fiel, que no questionava a autoridade. Meu pai gostavadisso.

  • 3. Quem no adoraria um cara como esse?

    EM QUALQUER MOMENTO, sempre havia uma dzia de membros da famlia Calabrese morando noComplexo, o trs-pisos perto da avenida Grand, na quadra 75 Norte, em Elmwood Park. Eraum tpico arranjo de vida comunal de italianos ps-imigrantes. Meus pais e os trs filhos Frank Jr. (eu, nascido em 1960), Kurt (dezesseis meses mais novo que eu) e Nick (nascido em1971) ocupvamos o apartamento principal no centro, espremido entre meus tios, tias eavs.

    Um anexo no andar superior inclua o escritrio pessoal do meu pai, uma cozinha extra, umarea para refeies com uma grande mesa para dez pessoas, uma lareira e um sof. Nossafamlia usava o recinto regularmente, mas ele era aberto para qualquer pessoa do Complexo.Ningum trancava a porta de seu apartamento. Se eu quisesse dar um pulo no tio Nick ouassistir televiso com meus avs, bastava entrar. Vov e vov, Nick e papai falavam italianoe ingls, ocasionalmente misturando as lnguas.

    Quando meu pai chegava em casa de bom humor, a mesa do jantar era um paraso onde afamlia Calabrese podia se sentar e conversar sobre o que se passava em suas vidas. A famliainteira se sentava e jantava diariamente s cinco da tarde, com a TV desligada. Esse momentocom a famlia era extremamente importante para o meu pai. Mais tarde, quando ele passou atrabalhar mais horas nas noites dos dias de semana, e medida que seus filhos foramcrescendo, a obrigatria ceia de famlia tinha lugar todo domingo s trs da tarde. Como emmuitos lares italianos, comer junto era uma celebrao.

    Papai adorava refeies preparadas em casa: comida tipo fiel s origens. Comer eragrande parte do seu dia. No havia uma viagem de carro ou uma sada em que ele no parassepara comer. Minha me era excelente cozinheira e preparava timos pes e bolos. Um dospratos prediletos do meu pai galinha ao limo com batatas Vesvio, alm de ravili caseiro,calzone, bombas de creme e biscoitos feitos na hora.

    Papai no usava guardanapo, nem de pano nem de papel, quando se sentava mesa.Limpava e enxugava o rosto num pano de prato que mame obedientemente colocava sobre seuprato. Ele exigia que os filhos observassem boas maneiras mesa: nunca pegue o ltimopedao de uma travessa, a menos que o tenha oferecido antes a todos na mesa. No se debrucenem estenda o brao sobre o prato de outra pessoa. No fale de boca cheia, e no estale oslbios enquanto estiver mastigando. Era rigoroso no que se referia a lavar as mos antes decomer, e no usava chapu na mesa!

    O Complexo estava situado no lado norte dos trilhos ferrovirios de Elmwood Park. Oschefes moravam no lado sul do bairro, onde ficavam as casas mais bonitas. Outros bairrositalianos na rea incluam Grand e Harlem, Riis Park, Amundsen Park e Galewood.

    Elmwood Park era predominantemente italiano quando a famlia Calabrese se mudou paral. Sua populao de 20 mil habitantes vivia num denso emaranhado de pequenos sub-bairros.A regio tinha uma bela quantidade de delicatessens, padarias e restaurantes italianos.Imigrantes sicilianos abriram seus pequenos e aconchegantes cafs. Alm dos italianos (e

  • alguns gregos) morando em Elmwood Park, havia poloneses, irlandeses, alemes e pessoas dedescendncia europeia mista. Eu era meio irlands e meio italiano.

    Melrose Park ficava a apenas alguns quilmetros a sudoeste. As duas comunidades tinhamlaos estreitos. A Reserva Florestal do Condado de Cook separava as duas reas, e a maioriados filhos de gngsteres frequentava a Escola Secundria Holy Cross em River Grove.Crianas proletrias frequentavam a escola pblica em Elmwood Park High. Os jornais locaisalimentavam uma rivalidade regional entre italianos e irlandeses sempre que a Holy Cross e ocolgio Saint Pat da avenida Belmont jogavam futebol, nas noites de sexta-feira.

    A maioria dos residentes sabia quem eram os gngsteres de reputao. Para os habitantes deElmwood Park, eram gente comum. Todo mundo parecia ter conexes. A despeito de suareputao, Elmwood Park era um ambiente seguro e protegido para se crescer. Ali, quandoalguma ajuda era necessria, todo mundo estava sempre pronto a cooperar.

    Durante a dcada de 70, os bairros estavam inundados de crianas. Havia grupos de duasou trs dzias de adolescentes saindo juntos. Vestiam calas baggy, tnis, jaquetas de couro ecamisetas com inscries em lnguas latinas. Reuniam-se nas caladas ou nos parques dacidade. Havia brigas entre os rapazes quando vizinhanas rivais se encontravam. Outrosjovens vinham de Berwyn, Cicero, da rea da rua Taylor e das velhas e agitadas origens domeu pai, Grand e Ogden.

    Havia um bom nmero de chefes, subchefes e capos da Organizao que morava nossubrbios de Chicago, em Elmwood Park e Melrose Park. No lado leste da avenida Harlemficava a rea de Galewood/Montclare; no lado oeste ficava River Forest. Alguns dos chefesque viviam em River Forest incluam Tony Joe Batters Accardo, Paul the Waiter Ricca, eJoe the Builder Andriacchi. Eu cresci junto com os netos do chefo da mfia Sam Giancana,que vivia em Oak Park, uma comunidade de classe mdia alta. Frequentei a escola com osobrinho de Joe Aiuppa e com o filho de Louie the Mooch Eboli. Se o velho de algumestivesse na cadeia e se perguntasse O que houve com o pai do Joey?, a resposta era: Eleest fora, na universidade.

    EU ESTAVA NO ENSINO FUNDAMENTAL quando notei pela primeira vez agentes do FBI estacionados emseus carros no identificados na frente do Complexo. Eu tinha uma vaga ideia do que estava sepassando entre meu pai e a lei. No ouvia falar muito disso, mas sabia da existncia demafiosos. Uma vez, quando era muito novo, cheguei perto do meu pai: Hoje na escola meperguntaram como voc ganha a vida.

    Diga que sou maquinista.Como um maquinista de trem?No, um maquinista de guindaste. Papai me mostrou sua carteirinha do sindicato. Eu

    trabalhei para a prefeitura como operador de guindaste. Unidade 150.Os Calabrese sabiam que meu pai no era exatamente um operrio com horrio de servio

    de nove s cinco. Assim como muitos outros italianos, era rgido com os filhos. Se Kurt ou eusassemos da linha, tomvamos surra de cinto. Tnhamos nossos deveres a cumprir antes edepois do jantar. ramos ensinados a ter boas maneiras. Abrir a porta para os mais velhos.No responder de forma malcriada nem falar palavro na frente das senhoras.

    Um dia tive um pega com um garoto que morava a algumas casas da nossa, na mesma rua.

  • Estava brincando com os outros meninos da minha idade quando esse garoto mais velho veioprovocar. Ele estava no segundo ano do ensino mdio, enquanto eu tinha apenas treze anos eestava na stima srie. Mesmo assim, nos atracamos. Quando ele estava aplicando umatesoura no meu pescoo com as duas pernas e me socando, mordi a perna dele com toda forae no soltei.

    Quando o marmanjo comeou a berrar de dor, pulei e dei alguns socos nele. A corri paracasa. Um pouco depois, a me dele tocou a campainha do Complexo Calabrese. Estavaextremamente aborrecida com o que eu tinha feito a seu filho. Minha mordida deixaria umacicatriz indelvel. Meu pai deu de ombros e foi pegar a carteira para lhe oferecer umacompensao caso ela precisasse levar o filho para o hospital.

    Bom trabalho, ele me disse depois. Em vez do tapa com as costas da mo que euesperava, ganhei uma batidinhas tranquilizadoras nas costas. No se preocupe com isso. Pelomenos voc se defendeu.

    Depois que tio Junior morreu, ainda jovem, grudei nos meus tios Nick e Joe e seu grupo deamigos porras-loucas, sempre buscando divertimentos imprudentes. Uma vez fomos ao parquede diverses em Melrose Park, o Kiddie Land, e liberamos o acesso aos carrinhos bate-bate.Enquanto orientamos todo mundo a guiar no mesmo sentido, dirigamos no sentido oposto,batendo em todos os outros carros, at que o operador saiu gritando com Nick e Joe. Foda-se!, eles berravam para o sujeito. No vero me levavam para Riis Park para nadar na piscinamunicipal. Agarravam-me pelo calo e me jogavam no fundo, como fariam irmos maisvelhos. Agora nade!

    Eu tinha doze anos em 1972, quando vi pela primeira vez O poderoso chefo, no cineMercury, esquina das avenidas North e Harlem. O filme criou uma bela agitao entre mim emeus amigos. De repente o crime organizado tinha virado cultura popular em meio a umacomunidade discretamente versada nos modos da Organizao. O fascnio popular com amfia gerou controvrsias em Elmwood Park quando um artigo sobre a Organizao apareceuno Chicago Daily News, mencionando Frank Calabrese com uma foto do Complexo e uma fotodele com seu mentor, Angelo Gancho.

    A lenda da Organizao era bem conhecida em Chicago. Em abril de 1973 um bom amigomeu estava com o pai numa loja de departamentos em Galewood quando ouviram no rdio queo mafioso psictico Mad Sam DeStefano tinha sido encontrado morto em sua garagem. Meuamigo e seu pai sabiam que DeStefano morava a apenas dois quarteires da loja em queestvamos. Pegaram o carro e foram at a casa da morte. Parecia um evento de celebridade,com uma pequena multido aglomerada na calada. Dentro da garagem estava o ensanguentadocorpo de Mad Sam com dois tiros de espingarda no peito e um na lateral do tronco, quearrancou seu brao esquerdo. O FBI e os detetives da diviso de homicdios do Departamentode Polcia de Chicago determinaram que Tony Spilotro tinha visitado Mad Sam.

    Um dia, quando Kurt e eu estvamos brincando no beco perto de casa, olhamos para oestacionamento ali perto e vimos dois detetives paisana sentados num dos carros nooficiais. Quando andamos em direo ao carro, os detetives, tendo sido identificados, nosouberam o que fazer. De repente, baixaram as cabeas e fingiram estar dormindo. A polciageralmente ficava estacionada do outro lado da rua, perto do telefone pblico na lanchoneteKentucky Fried Chicken. Durante os meses de inverno um carro ficava estacionado com o

  • motor funcionando. Dentro, dois detetives paisana tentavam se manter aquecidos. O telefonedo Complexo tocava:

    Ei, garoto, seu pai est em casa?Pera que eu vou ver.Eu sabia se devia dizer que ele estava em casa ou no.Quando meu pai recebia um telefonema de um de seus amigos da Organizao, era o

    clssico cdigo deixa-tocar-uma-vez-depois-desliga-e-liga-de-novo. Se fosse algum comquem ele precisasse falar, eu saberia. Quando o telefone tocava duas vezes, parava, ecomeava a tocar de novo, era uma ligao diferente da quadrilha. Devido ocupao do meupai, era uma questo de hbito da famlia Calabrese deixar o telefone tocar muitas vezes antesde atender. Todo mundo tinha certeza de que a linha estava grampeada.

    Eu aproveitava tanto as minhas razes italianas como irlandesas. Em feriados longos, um diaera de celebrao italiana e o dia seguinte de celebrao irlandesa. Quando fiquei mais velho,notei que sempre que a famlia ia a um evento italiano do lado do meu pai, era organizado efestivo, com muita comida. Havia um protocolo de lugares para sentar, de acordo com ahierarquia. Quando ia s festas irlandesas do lado da minha me, eles eram muito maisrelaxados, com pouca comida mas uma boa quantidade de bebida. A atmosfera era barulhentae todo mundo se divertia muito.

    Para os Calabrese, a mistura das culturas italiana e irlandesa foi uma experincia positiva.Do lado do meu pai, eu era o mais velho dos meus primos. Do lado da minha me, Kurt e euramos os mais jovens.

    Papai tinha uma personalidade dominadora que atraa ambos os lados da famlia. Osparentes irlandeses gostavam dele em especial, e ele era hbil em conquistar as atenes numasala. Com exceo do tio Ed, o lado irlands da famlia tinha pouco dinheiro. Eram tiras oufuncionrios pblicos municipais. Os filhos frequentavam escolas catlicas e eles viviam emcasas modestas. Sempre que havia um funeral, punham algumas garrafas de usque na mesa euma caixa de cervejas na geladeira. Meu pai ia ento at o armazm e voltava com caixas dedestilados, de cerveja e uma bela quantidade de comida. Jogava as coisas em cima da mesacom um enorme sorriso. Para seus parentes irlandeses, Frank Calabrese era um cavalheirogentil e cheio de considerao, que tratava todo mundo com o mximo respeito e igualdade.Parecia no ter outro motivo alm de prover a famlia de minha me.

    Quem no adoraria um cara como esse?

  • 4. Tal pai, tal filho?

    DURANTE OS ANOS 70, quando a Organizao controlava quatro cassinos em Las Vegas, a famliaCalabrese ficava no Hotel Stardust e obtinha quase tudo como cortesia da casa. Meu pai eseus amigos ficavam sentados beira da piscina jogando cartas. O Stardust tinha um sistemade pager, e se precisssemos falar com ele bastava enviar a mensagem para seu nome fictcio,Frank Mauro. No comeo eu no entendia, mas logo percebi que era importante manter adiscrio caso os agentes da lei estivessem de olho nele ou em membros da famlia.

    Quando estava com treze anos, Kurt, eu e alguns outros filhos de gngsteres fazamos osnossos prprios cambalachos.

    Pai?, eu dizia de modo que seus colegas ouvissem. D pra voc me arranjar algumdinheiro para jogar nas barraquinhas do Circus Circus?

    Ele me dava vinte dlares, e quando eu me virava para ir embora, cada um dos seus amigosme chamava.

    Pega a, garoto. Voil! Eu conseguia mais de cem dlares. O mesmo truque funcionavapara os outros garotos. Uma das filhas de Tony Centracchio levava o dinheiro para jogar noscaa-nqueis, enquanto os recepcionistas e guardas do cassino fingiam olhar para o outro lado.

    Numa outra vez, vov Sophie e eu fomos ver Wayne Newton no Hotel Aladdin. Meu pai eFrankie Bella, chefe dos seguranas do Stardust, nos levaram para o show com antecedncia,pegando um atalho por um salo que ainda no estava aberto. Na volta do show para oStardust, vov e eu cortamos caminho pelo mesmo salo, agora atulhado de clientes edanarinas de peito de fora. Vov teve de me arrastar dali.

    Companheiros de mfia como Tony Centracchio ocupavam as sutes maiores e maisprximas da piscina. Uma vez cheguei cedo ao voltar para o quarto. Papai, estou de volta!

    L em cima das escadas em espiral que levavam ao dormitrio, ouvi o som abafado dealgum arrastando os ps ao correr para o banheiro. Comecei a subir quando ele gritou:Fique a! Eu j deso!

    Meu pai desceu as escadas correndo. Eu e Tony estvamos l em cima assistindo TV decueca. Ele ficou sem graa e correu para o banheiro.

    Minha me tinha ficado para trs, e apesar de estar s na stima srie, eu sabia que eleestava aprontando alguma, e no era com Tony e suas cuecas. Senti-me desconfortvel mascalei a boca sobre o incidente.

    Os gostos pessoais do meu pai em termos de msica refletiam seu amor por Las Vegas. Elegostava do cantor Jimmy Roselli, um crooner de segunda linha que vivia na sombra de FrankSinatra. Seus favoritos incluam Dean Martin, Louis Prima, Nat King Cole, Billie Holiday,Barbra Streisand e Connie Stevens. Ele conhecia pessoalmente o comediante Pat Cooper, queabria os shows de Sinatra e Roselli.

    Papai era amigo de Gianni Russo, o ator que interpretara Carlo Rizzi em O poderosochefo e que, no filme, se casou com Connie, a filha de Don Vito Corleone. Russo veio a

  • nossa casa algumas vezes para comer. Aparecendo num programa de entrevistas tarde da noitena televiso, mostrou uma faca que disse lhe ter sido presenteada por um mafioso deverdade.

    Papai riu para a TV. Fui que dei essa faca para ele.Meu pai no era preconceituoso. Falava muito bem das gangues negras de Chicago, que

    dirigiam loterias clandestinas nos seus bairros conhecidas como a poltica ,impressionado com o volume de dinheiro que conseguiam espremer de suas comunidades.Todavia, desprezava todos os traficantes de drogas, negros e brancos. Ficava impressionadocom a maneira como os judeus, assim como os italianos, se mantinham unidos. Ele os viacomo astutos negociantes, citando como a Organizao e suas contrapartes judias haviamtrabalhado bem em conjunto, e como, historicamente, respeitavam-se uns aos outros.

    Como muitos filhos que tentam imitar os pais, aos catorze anos cometi meu primeiro assaltocom arrombamento.

    Invadindo a casa de um vizinho enquanto os ocupantes estavam de frias, sa com cerca decinquenta dlares em dinheiro trocado mais uma penca de bijuterias sem valor. Sem saber oque fazer com minha pesca, levei para o poro do Complexo e escondi dentro de uma velhasecadora de roupas desligada. Dentro da secadora havia um saco de pano preto com algunspapis. Pus as coisas roubadas debaixo do saco preto e fui para a cama.

    Algumas horas depois, tio Nick me acordou e me chamou para a grande sala, onde meu paime esperava com as luzes acesas. Ele me empurrou pelos ombros, forando-me a sentar.

    Voc quer me contar onde arranjou aquelas coisas l embaixo?Eu sabia que tinha sido descoberto e no perdi tempo em confessar. Invadi a casa l de

    baixo aqui na rua.Por qu?No sei. Acho que s pela emoo.Filho, isso no se faz. Voc sabe o que eles fazem nesta cidade se voc rouba?Eu tinha uma ideia de quem eram eles. Esperei pelo tapa na minha tmpora. Mas o tapa

    nunca veio.No roube de ningum aqui do bairro. No quero que voc volte a fazer isso. As pessoas

    perdem os dedos por arrombar as casas de outras pessoas. Voc est uma semana de castigo.Era a primeira vez que ele me punha de castigo.Quero que voc v para a cama e pense no que fez. Sinalizou para o meu tio. Voc sabe

    o que fazer com tudo aquilo.Havia um acordo tcito entre os caras da Organizao de no roubar em certos bairros,

    especialmente Elmwood Park, River Forest e na rea da rua Taylor, onde moravam oschefes. Se voc fosse um ladro conhecido e descobrissem a sua identidade, era um homemmorto.

    No consegui imaginar como meu pai descobriu o roubo to depressa. Acabei sabendo queo saco preto continha os relatrios dos emprstimos dele e do tio Nick, e canhotos de apostasem jogos de futebol americano. Eu tinha escolhido o mesmo esconderijo que meu pai.

    Se por um lado no gostei de ter sido apanhado, por outro fiquei grato por ele ter falado

  • comigo como um verdadeiro pai. Estranhamente, foi bom v-lo agir no papel tradicional deum pai que se preocupa. Eu tinha vivido um importante rito de passagem, mesmo tendoescolhido a vizinhana errada.

    Alguns meses depois, um rito similar porm mais confuso entre mim e ele no terminaria deforma to calorosa e delicada.

    Sentado no poro vendo TV, meu pai me perguntou se a camisa que eu estava usando eranova. Sim, de fato era. Exceto que, num ato de ousadia, eu a tinha afanado numa loja de roupaspara jovens na Grand com Harlem. Mais uma vez, fiquei perplexo. Como ele tinhadescoberto? Estaria me testando?

    Quanto voc pagou pela camisa?Vinte dlares, menti.Num sbito momento de raiva, ele me deu um tapa forte e rasgou a camisa nas costas. Ca

    no cho e me encolhi todo, esperando uma surra por ter roubado a camisa. Em vez disso, elegritou comigo.

    Quem diabos voc pensa que ? Uma porra de um grado que paga vinte dlares numacamiseta? De agora em diante voc compra suas camisas na Sears, como eu!

    Anos depois, enquanto percorria uma loja de equipamentos, meu pai de repente me instruiu:Fique na minha frente.

    Para meu horror, eu o observei surrupiar um punhado de pregos e parafusos. Assim quesamos, dei a ele um par de dlares.

    Para que isso, Frankie?Da prxima vez, eu pago. Por que arriscar tudo que voc tem por umas merdas de uns

    parafusos?Constrangido, ele riu e deu de ombros. No sei. Acho que fiz pela emoo de fazer.

  • 5. Rpido com as mos

    UM DIA, ENQUANTO ESTAVA LAVANDO O Buick Park Avenue Limited do meu pai, ergui o tapetinho dolado do passageiro e l estavam trs mil dlares em notas soltas. Subi correndo para contara ele o que tinha encontrado.

    Voc pegou alguma coisa?, ele perguntou em tom casual.No.Ele sabia que eu encontraria. S no sabia se podia confiar em mim lidando com grandes

    somas de dinheiro.Havia muita gente nas ruas da zona sul de Chicago que jogava conforme as regras impostas

    pelo meu pai. Mas se voc o trasse ele era rpido e furioso. Meu pai tinha mltiplaspersonalidades, e o que dificultava as coisas que eu nunca sabia com qual delas estavalidando. Ele era um camaleo e podia se transformar num instante. Uma poro de genteconhecia sua personalidade dupla, mas apenas um nmero reduzido sabia da terceira, apersonalidade mortal.

    A primeira era o provedor amoroso e cheio de cuidados, o patriarca. A segunda, o paicontrolador e abusivo, exigente e rigoroso, o membro da Organizao com experincia dasruas e que dirigia uma equipe perversa e lucrativa. E a terceira era o matador, cujo mtodo deassassinato era o estrangulamento, seguido de uma faca na garganta.

    Somente suas vtimas e associados da Organizao viram a nmero trs em primeira mo.As pessoas prximas a ele a sentiam. Os chefes da Organizao estes sabiam. Ele sesentava aos ps do patro, Angelo Gancho. Meu pai era cabea-quente e traioeiro. Eraintenso at mesmo pelos padres da Organizao. No era preciso muito para faz-lo ficarcom os olhos vidrados.

    Podamos estar tendo bons momentos, rindo, conversando, nos divertindo, quando algumacoisa na conversa acionava o boto.

    Meu pai tinha a fora de um furaco em termos de presena. Era um negociante habilidoso eno gostava de acuar um cliente a menos que fosse necessrio. Procurava no fazer ameaas,mas sua pessoa metia medo. Se quebrasse a cara de algum, provavelmente no era a primeirainfrao. Nos olhos do meu pai, podia-se ver o castigo chegando, ou ento voc tinha ignoradotodos os avisos que haviam precedido sua tomada de atitude fsica. Ele tinha um problema deraiva recorria violncia depressa e era rpido com as mos. Muitos sentiam que era porcausa desse temperamento que ele no conseguia obter uma posio de liderana naOrganizao.

    Papai no era de berrar. No enchia o peito nem apontava o dedo ou rugia acusaes. Masestava sempre beira de explodir. A eram suas mos que falavam. No dava socos na cara,mas um golpe calculado na lateral da cabea com a mo em concha acertando estrategicamenteem volta do olho, a tmpora e a orelha. Vinha rpido e inesperadamente, como um gancho deesquerda de Tyson, primeiro desequilibrando a vtima, acabando com seu ponto de equilbrio,

  • e a ela ia ao cho. Se algum atrasasse o pagamento ou a taxa das ruas, ou se o enganasse,ignorando as vrias advertncias, a segunda personalidade dele entrava em ao e as coisaspodiam ficar feias rapidamente. Aps alguns minutos numa sala vazia com a porta trancada,muita gente se perguntou se sairia de l com vida.

    Frankie Ciccio Furio, um associado de longa data j falecido, trabalhou prximo a meupai depois que Larry Stubitsch foi assassinado. Foi um dos sujeitos que viu os primeirossinais de personalidades mltiplas. Ciccio colocou a coisa da melhor forma, dando ao meupai, seu patro, o melhor conselho que algum na sua posio podia dar: Nunca traga a ruapara dentro de casa. Era um cdigo implcito da Organizao que jamais devia ser quebrado.Todavia, para mim, papai era o salvador e mentor da famlia, e um templo de sabedoria.Tanto tio Nick quanto eu olhvamos para ele como superior, admirando sua fora e seustalentos como provedor e lder.

    Eu tinha passado meus ltimos dias de escola em Elmwood Park. A vizinhana era cerca de60% italiana. Eu ia escola com crianas cujos pais trabalhavam para a Organizao.Sabamos o que nossos pais faziam, mas ningum falava nada sobre isso.

    Para mim e meus colegas, ir s escolas no bairro significava obter educao e se manterlonge de problemas. Fui ensinado (da mesma forma que muitos dos meus amigos) a nuncabancar o importante, nunca insinuar algo como sabe quem o meu pai?. Se de fatochegssemos a nos meter em apuros, as pessoas que mais temamos eram os nossos pais. Elesnos foravam a ficar longe de confuso, a estudar duro e fazer alguma coisa de nossas vidas.V universidade. Arranje um emprego respeitvel.

    Kurt e eu cursamos a Holy Cross, a escola secundria catlica do local. Durante o ensinomdio, de forma geral, no me meti em problemas, tinha talento para o futebol americano e obasquete e era um estudante mediano. Na cidade de Nova York, o poder da mfiatradicionalmente passa de pai para filho, mas a Organizao encarava seu legado familiar deoutra maneira. Com poucas excees, os filhos dos membros eram empurrados para seremlegais. Como resultado, muitos se tornaram advogados, mdicos e outros profissionais,como se a maioria das famlias da Organizao levasse o conselho de Frankie Furio a srio.No passe o estilo de vida da Organizao adiante para seus filhos. Ainda que houvessealguns irmos trabalhando juntos nas ruas, no havia muitos filhos envolvidos nos negcios daquadrilha.

    Meu pai continuou me testando. Um dia teve uma altercao com o vizinho do lado, quetinha o hbito de estacionar bloqueando a entrada de carros do Complexo. Quando papaiabordou o homem, ele retrucou com uma resposta obscena. Era um homem enorme, umacabea mais alto que meu pai. Eu corri at a garagem e agarrei um taco de beisebol. Enquantoos dois trocavam palavras, sa da garagem com o taco, pronto para bater.

    Vendo-me com o canto do olho, meu pai ficou encarando o homem at ele recuar.Fale direito comigo, explicou ao vizinho diplomaticamente, e no me ameace nem me

    xingue. Eu falo com voc como homem, voc fala comigo como homem, e no h problema.Depois que o cara se foi, botei o taco no cho. Meu pai sorriu, vendo o potencial que eu

    tinha, sabendo que havia um senso de lealdade que ele podia alimentar e controlar.Um dos meus primeiros empregos em horrio parcial foi como pizzaiolo no Armands, na

    avenida Grand, ponto de encontro de uma poro de gente da rea. Agora o local est

  • arrendado, aps cinquenta anos de atividades, mas houve uma poca em que, se algumentrasse no Armands, havia uma boa chance de ver ali proeminentes gngsteres daOrganizao jantando nas mesmas do fundo. No seu auge, o Armands pagava taxa de proteoao chefo Jackie Cerone.

    Em 1975, cerca de trs meses antes do meu 16 aniversrio, eu estava terminando aautoescola para tirar minha carteira provisria de motorista. Naquela poca tio Nick moravano trs-pisos e me levava para guiar mesmo sem a licena.

    Um dia, depois da aula, papai me chamou l embaixo na garagem. Entregou-me uma cartado colgio que deveria ser assinada e devolvida. Confrontou-me numa tpica situao mafiosa,obrigando-me a sentar.

    Que isso?Era um aviso de deficincia alertando meus pais de que eu estava defasado em matemtica,

    e que ainda tinha tempo de aumentar a nota antes de o semestre terminar. Numa reao rpida,meu pai, zangado, jurou me tirar da autoescola; se eu no passasse no exame de habilitao,teria de esperar at os dezoito anos para tirar minha carteira. Senti um aperto no corao eimplorei a ele: se me deixasse terminar as aulas de direo, eu melhoraria minha nota no fimdo semestre.

    Ele foi inflexvel. A resposta era no. A escola era mais importante. Mas na respiradaseguinte, ele tinha um estranho pedido.

    Ele me deu um carto de saudaes Para Frank e me disse que se mame perguntasse se ocarto era meu, eu devia dizer que sim. Olhei para o carto, e era uma mensagem de Eu teamo da sua amante. Foi bizarro. Num instante, ele me pune pelas minhas notas, no instanteseguinte quer que eu minta para minha me sobre um carto de sua amante que ele acha quetalvez ela tenha visto.

    Quando chegou a hora do exame de conduo, ele me levou a um de seus amigos quetrabalhavam para o Departamento de Trnsito, que me deu todas as respostas. Sempre quepossvel, ele me mostrava a melhor maneira de burlar o sistema.

    Quando terminei o ensino mdio em 1978, meu pai estava saindo com Diane Cimino, suaamante de longa data, nas costas da minha me.

    Ele comeou a misturar negcios com famlia. Escondia bagulhos em casa e me escalavapara cumprir pequenas incumbncias. Se por um lado eu no tinha a menor vontade de fazerparte da Organizao, de outro queria trabalhar com meu pai e gozar da mesma independnciaque ele tinha. Meu pai no me sentou numa cadeira e me perguntou o que eu queria fazer daminha vida. A possibilidade de participar da Organizao tampouco era aventada. Em vezdisso, ele foi me preparando lentamente.

    Fui me pondo a par do que ele fazia. Eu deveria ser sua arma secreta, seu cara atrs dosbastidores, de perfil discreto como ele. Com base na lealdade pai-filho, estava sempre prontoa fazer o que quer que ele me pedisse.

    Eu realmente nunca o vi matar algum, mas uma noite ele chegou em casa com a adrenalinaa toda. Conversava no banheiro com o exaustor e com a gua correndo na pia. Eu podia ver obranco dos seus olhos enquanto ele divagava sobre um assassinato que acabara de cometer.Estava quase sem flego enquanto cuspia fora as entranhas.

  • Acabamos de pegar ele e foi assim que ns fizemos nosso cara no tava prestandoateno nas regras ento chumbamos ele.

    E a eu pensei, o que ser que os pais dos meus amigos esto contando a eles nestemomento sobre o seu dia de trabalho?

    CERTO DIA, EM 1976, papai chegou em casa carregando uns pesados sacos de pano. Fomos at oquarto dos fundos onde ele e eu levantvamos peso juntos, perto da lavadora e da secadora, eele me disse: Quero que voc monte a mesinha de dobrar, conte essas moedas e as ponha devolta nos sacos. Eu obedeci s ordens com muito prazer.

    Depois de contar as moedas, vieram as viagens de carro, esperar no carro, ir a restaurantes,passar na casa de vrias pessoas, encontrar sujeitos na rua. Eu raramente escutava o que sedizia ou quais eram as transaes envolvidas. No comeo eu no sabia por que estava indojunto, o que ele estava fazendo. Era simplesmente, Vamos l, filho, vamos dar um passeio decarro comigo. Ao crescer, fui me tornando seu favorito, e ele me levava um bocado com ele.

    Descobri que as moedas de um quarto de dlar vinham de uma rede de livrarias paraadultos que tio Joe estava administrando para o meu pai. Quando tio Joe se cansou do servioe das regras inflexveis do meu pai, tio Nick e eu assumimos como coletores. Uma vez porsemana pegvamos o carro para fazer o circuito, esvaziando as moedas das mquinas defilmes porns, contando o dinheiro antes de escond-lo em outra garagem. A arrecadaoprovinha de seis lojas no centro de Chicago e uma stima pertinho da fronteira em Indiana.

    Numa operao de livraria um interessado pagava dois dlares para entrar na loja(restituveis no caso de uma compra). Podia vagar at a sala dos fundos, iluminada com luznegra, e alimentar a mquina com moedas para assistir a um filme pornogrfico. Anos atrs, asmquinas de filmes eram verdadeiras vacas leiteiras de dinheiro e as livrarias adultas, osnicos lugares aonde depravados sexuais podiam ir. Era uma atmosfera grosseira, que nemmeu tio nem eu aprecivamos. Os pervertidos urinavam nas mquinas ou, pior, defecavam nocho.

    Descobrimos que o horrio de menor movimento da semana, a melhor hora para fazer acoleta, era das sete s oito da noite de segunda-feira. Eu sabia que, quando entrvamos numaloja, meu tio estava arriscando. Podamos acender a luz e ver um cara chupando outro nocho.

    Sendo um rapaz de dezenove anos que recolhia moedas e encomendava com frequnciaartigos erticos, como consolos, bonecas inflveis e revistas, na sombra do meu tio gngstermalicioso, eu tive uma viso privilegiada desse spero submundo.

    Meu pai comeara lentamente a fazer presso nos negcios. Estava sempre esperando umaentrada maior de dinheiro. Se trazamos 8 mil dlares por semana, queria saber por que noeram 9 mil. Sempre que pegvamos dinheiro para comprar filmes novos e estoque de artigos,ele se agitava: Por que to caro?

    Tnhamos uma loja em Mishawaka, Indiana, pertinho de South Bend, que apresentavagarotas engraxates nuas. Tinham uma sala com dois grandes bancos onde os clientes sesentavam e uma moa nua vinha e engraxava seus sapatos. Custava sete dlares no caixa. Oque mais a garota fazia para o fregus, no queramos saber, contanto que tivssemos osnossos sete paus pela engraxada nua.

  • O que aconteceu com a rede de livrarias sintomtico de como a Organizao operava osnegcios to logo os assumia. O que a Organizao fazia era sangrar um negcio at nosobrar nada. Se tivssemos cuidado daquelas lojas, elas poderiam ter gerado uma poro derendimentos passivos. Quando meu pai inicialmente abordou o proprietrio para pagar umataxa de proteo, acho que ele estava pagando 3 mil dlares semanais pela rede toda. Depoisde algum tempo assumimos a contagem das moedas e comeamos a acompanhar os negciosporque meu pai queria mais. Era a clssica ganncia da Organizao. Faziam 3 mil porsemana enquanto o dono tinha uma receita de, digamos, 20 mil. Mas o sujeito estavasimplesmente gerindo seus negcios e trabalhava duro. Tinha contatos na prefeitura que oajudavam a obter as licenas necessrias. Se ns o tivssemos mantido no lugar, meu paipoderia ter feito milhares de dlares por semana sem incomod-lo, e receberia uma somarazovel por pouqussimo esforo.

    Mas to logo meu pai se envolve num empreendimento, ele quer ver os livros. A seguir,manda seus homens como ns para contar as moedas. Estvamos roubando uma fortuna emmoedas em cada loja para o meu pai, e o proprietrio sabia. A meu pai quebrou o cara. Eradisso que se tratava, mais controle e sugar a mxima grana possvel.

    Ele foi apertando mais e mais, at que uma noite o dono encheu duas sacolas de mercado dedinheiro, jogou-as no porta-malas do carro e se mandou para a Califrnia, para pegar umemprego como funcionrio pblico. Assim foi minha entrada oficial na equipe do meu pai.Mantive meu trabalho nas lojas porns escondido dos meus amigos do bairro.

    Ele estava aos poucos me preparando e, desse ponto em diante, eu estava apto a levar duasvidas: a minha e a que meu pai tinha programado para mim.

  • 6. A arte de se misturar e sumir

    ANTES DE NICHOLAS CALABRESE ser dispensado com honras da Marinha dos Estados Unidos nofinal dos anos 60, ele obedecera s ordens sem questionar. Uma noite, durante uma tempestadeno mar, o jovem marinheiro foi instrudo a fazer uma amarra entre o destroier de msseis USSBainbridge e o porta-avies USS Enterprise para reparos na comunicao entre as duasnaves. Encapsulado numa minscula gaiola de arame entre os dois navios, com as ondasestourando numa altura de sete metros, poderia facilmente ter sido arrastado e se afogar. TioNick mais tarde contou famlia e aos amigos que foi o momento mais apavorante da sua vida.Mas obedientemente cumpriu as ordens sem uma nica falha. Tal era a lealdade de NickCalabrese.

    Quando meu tio se juntou tripulao do meu pai no vero de 1970, muitos imaginaram queseria um mero lacaio do irmo. Era um cara de boa aparncia, cabelo escuro e de compleiomenor que a do irmo mais velho e no era to intimidante na coleta dos juros dosemprstimos. Alguns comparavam Nick com o manso Fredo de O poderoso chefo.

    Quando tio Nick falava, era em tom baixo, respeitoso. Lia constantemente, e gostava de sesentar no sof para fazer as palavras cruzadas do New York Times . Era ele quem pegava asroupas que meu pai mandava para lavar a seco. Era o desajeitado capaz de tropear, cair eprender os dedos ao mudar algum mvel de lugar para o irmo. Quando tomavam uns drinquesa mais virava um pateta, e ocasionalmente, por diverso, dava um ou dois socos para mostrarcomo era duro. Criava uma filha, Michelle, com sua primeira esposa, Joy, e um filho e umafilha, Franco e Christina, com a segunda mulher, Noreen.

    A iniciao de Nick na turma de Chinatown do meu pai, em julho de 1970, foi um fatoarrepiante. Quando ele entrou, como motorista e faz-tudo, meu pai estava se esquivando deuma intimao emitida pela Comisso de Investigao Criminal de Illinois, que averiguavaextorso por emprstimos ilcitos e atividade mafiosa nas ruas de Chicago. Michael Bonesou Hambone Albergo, um ex-companheiro de jornada do falecido Larry Stubitsch, foidesignado coletor para a turma Calabrese. Mas Albergo era visto como o elo fraco que podiaser dobrado para cooperar com os agentes da lei. Quando veio a ordem de cima, de TonyAccardo e Angelo LaPietra, para aposentar Albergo, meu pai disse ao tio Nick queprecisavam achar um lugar adequado para cavar um buraco de um metro e vinte deprofundidade.

    De incio meu tio pensou que ele estava lhe pregando uma pea, mas, aps cobrir toda azona sul, ficou claro que no era brincadeira. Depois de passar em um ou dois lugares, a duplase fixou num local entre a rua 36 e a Shields, na frente do Comiskey Park. Pegando uma p, osdois se revezaram cavando o buraco numa rea s escuras, cobrindo o produto final com umagrande tbua de compensado.

    Em agosto de 1970, Ronnie Jarrett, um membro da turma Calabrese, roubou um Chevy (paraservir de carro de trabalho) e combinou de pegar Albergo sob o pretexto de ir a uma reuniorpida. Aps uma tentativa frustrada, Jarrett apanhou sua futura vtima. Com Albergo no

  • banco do carona, Jarrett parou o carro onde meu pai e Nick estavam esperando. Meu paientrou no banco de trs, do lado do motorista, enquanto tio Nick se sentou atrs de Albergo.Ambos disfaradamente calaram as luvas enquanto Jarrett estacionava perto da cova da 36com a Shields. Ronnie desligou o motor e Nick, ao ser ordenado, agarrou o brao direito deum Albergo atnito, segurando-o com fora atrs do corpo, enquanto Jarrett fazia o mesmocom o brao esquerdo. Meu pai, como carrasco, passou uma corda sobre a cabea de Albergoe puxou-a com fora at o corpo ficar flcido. Albergo foi arrastado para fora do carro e odeixaram apenas com a roupa de baixo. Suas roupas foram jogadas nos trilhos da ferrovia, epara se assegurar de que o golpe estava completo meu pai cortou a sua garganta. Sob o abrigoda noite, ele, Ronnie e tio Nick empurraram Albergo no buraco e cobriram seu corpo comdetergente.

    Mais tarde tio Nick admitiu ter se mijado todo durante sua primeira ao, e que escondeu ofato por medo de que meu pai debochasse dele impiedosamente. Com um assassinato mafiosonas costas, em menos de um ms ele j estava totalmente por dentro, tanto com a turma doirmo quanto com a Organizao.

    Muitos anos depois, passando de carro perto do campo de treinamento dos Chicago WhiteSox, papai me apontou uma rea perto da rua 36 com a Shields, junto ao trem elevado.

    Ali est um, ele me disse, fazendo o sinal da morte, um dedo cruzando a garganta, comouma faca.

    Da mesma maneira que nos seus dias de Marinha na gaiola de arame, Nick cumpriu amisso sem questionar. Cumpriu sua obrigao. Fiel aos desejos do irmo, ele dominava aarte de se misturar para sumir, e nos trinta anos seguintes, Nick operaria abaixo do radar dosagentes da lei.

    AO CONTRRIO DA TRANSIO SBITA do tio Nick de motorista para executor, a minha ascenso datripulao de rua do meu pai foi um processo gradual. Quando seu pai lhe pede para fazeralgo, voc presume que o que ele est lhe dizendo o melhor para voc e para a famlia. Eleera mestre em usar as pessoas naquilo que elas faziam bem. Era capaz de l-las depressa.Podia perceber suas foras e suas fraquezas. A fora do meu tio era sua dependncia ecomprometimento. Mas sob presso, havia vezes em que meu tio no pensava com a clarezaque meu pai gostaria. Papai sabia que eu pensava como ele, e que era capaz de lidar comigomesmo.

    Como meu tio, tambm aprendi a arte de me misturar para sumir, por meio de uma srie deregras cotidianas, com a astcia das ruas. Muito poucas turmas de rua eram to cuidadosas ecircunspectas quanto as do meu pai. Suas regras variavam do uso do senso comum at tticassutis que mantinham os agentes da lei confusos e distantes. Ele prprio servia de exemplo parasua regra bsica: mantenha a discrio.

    Fui instrudo a nunca tirar um mao de dinheiro em pblico. No banque o importante umspaccone , e se estiver lidando com ou trocando uma grande soma de dinheiro, conduza atransao debaixo da mesa. Aprendi a falar com as mos na frente da boca, um hbito queainda pratico. Quando falava numa cabine telefnica, eu me assegurava de estar de costas parao fundo dela, com uma viso de 180 graus da rua. Levava uma pequena pistola calibre 22 decinco tiros no bolso, que podia dispensar caso os tiras chegassem inesperadamente. Se

  • suspeitasse que estava sendo seguido, guiava devagarzinho e fazia um monte de curvas com aseta ligada. Se um carro parasse ao meu lado, eu olhava de volta intensamente, como foraensinado a fazer. Se o outro motorista no olhasse para mim, provavelmente estava meseguindo.

    Quando era seguido por agentes disfarados, meu pai, para despist-los, visitava lugaresaonde no ia normalmente. Uma vez acabou num restaurante grego, sentou-se no balco epediu um prato. Pediu para falar com o proprietrio e, quando este chegou, deu-lhe um apertode mo.

    Tenho de dizer, eh este o melhor restaurante que j comi, e agradeo muito.Depois de sair do restaurante, os tiras entravam correndo e apertavam o dono.Sabemos que voc est pagando a ele. O que foi que ele disse? Disse que a minha

    comida boa.Por causa do meu pai, ao deixar um quarto de hotel, sempre deixo as luzes acesas, ligo a

    televiso e, quando estou saindo, digo: Pessoal, vejo vocs depois.Embora adorasse e tivesse uma poro de automveis, meu pai guiava Fords e Chevrolets

    em vez de Mercedes, e esperava o mesmo de seus scios. A seu ver, um Chevrolet, Ford ouBuick top de linha era prefervel a um Mercedes ou Cadillac. Era uma questo de percepo.

    Suas outras regras incluam misturar os locais de reunio e coleta na base de uma vez porsemana, mesmo que estivessem a apenas uma ou duas quadras de distncia. Os membros daturma encontravam seus clientes em ruas laterais que continham uma poro de rvores earbustos. Evitavam o cenrio gngster clich de dois caras parados numa esquina olhando emvolta com as mos nos bolsos.

    Enquanto andava pelas ruas, eu deixava as mos fora dos bolsos. Quando me encontravacom colegas membros da turma ou com clientes, havia duas coisas que era preciso ter. Aprimeira era o dinheiro e a segunda, a papelada. O dinheiro era dobrado e enfiado numenvelope tamanho padro, a menos que fosse uma quantia extraordinariamente grande.Caminhvamos lado a lado enquanto fazamos a troca. Depois da transferncia, apertvamosas mos e dvamos um abrao.

    As quantias dos emprstimos entravam nos livros com um cdigo. Um sinal de verificaorepresentava cinquenta dlares, um crculo, dez dlares, um trao, cinco dlares. Trs marcasde verificao, um crculo e um trao representavam um pagamento de 165 dlares emdinheiro. Se um cliente quisesse dinheiro, quanto? Se um cliente estivesse atrasado nopagamento, por qu? Eu me inteirava da informao e a passava adiante para o meu pai empequenas reunies semanais.

    Por ser prefervel trabalhar sob a cobertura do escuro, a maior parte das transaesmonetrias era feita noite. Nos meses de vero, nos encontrvamos mais tarde, e nos mesesde inverso, mais cedo. Muitos negcios eram conduzidos em caminhadas ao ar livre. Outradas regras do meu pai era nunca ficar parado no mesmo lugar, em caso de haver por pertoalgum com dispositivo de escuta. Depois de se encontrar numa esquina e dar uma voltinha,ns nos separvamos e amos em sentidos opostos. Se um membro da turma estivesse sobvigilncia, o FBI teria de decidir quem deveria ser seguido, uma vez que os agenteshabitualmente trabalhavam em pares.

  • Outra de suas regras era que conversar demais com um cliente era fatal. Tinha sido isso quederrubara o temido executor Frankie Schweihs. Ele no conseguiu se conter e foi gravado segabando ostensivamente para o operador pornogrfico William Red Wemette, a quemestava extorquindo.

    Cobrar uma taxa de proteo no balco da frente na presena da clientela de umestabelecimento era inaceitvel. Os pagamentos eram coletados num local discreto, apenas napresena do gerente. O abrao era um gesto importante. Ele conclua a transao ou coleta eservia para confundir os agentes da lei, dando a impresso de que aqueles que se abraavameram amigos. E ainda podia dizer ao abraador se sua vtima, o abraado, estava usandoalgum aparelho de gravao ou carregando uma arma. Meu pai se preocupava com grampos,um dos motivos pelos quais preferia falar com a televiso ligada no volume mximo, oucaminhar ao ar livre onde houvesse bastante barulho ambiente.

    COMO A MAIORIA DOS CHEFES , meu pai proibia sua turma de negociar drogas, que ele sentia seremum m para os agentes da lei. Se um traficante fosse pego operando com dinheiro de umemprstimo ilcito Calabrese, a turma podia enfrentar srias acusaes de conspirao, comrgidas sentenas de priso.

    Um de nossos associados certa vez trouxe uma penca de novos clientes de duzentos asetecentos dlares por semana cada. Trinta sujeitos para tirar o suco. Mas quando papaidescobriu que negociavam ou faziam drogas, em vez de confront-los com o assunto, nossoassociado engoliu o dinheiro, limpou as dvidas e os mandou passear com um recado: noapaream de novo por aqui.

    As pessoas que buscavam aqueles emprstimos eram ou negociantes ou proletrios quejogavam e tinham sofrido algumas semanas ruins. Mas a maioria dos clientes era denegociantes que ganhavam a vida decentemente e precisavam de um financiamento rpido.Para evitar as dificuldades de lidar com um banco e o processo de aprovao de emprstimos,procuravam a turma Calabrese, que cobrava 25 dlares por milhar por semana, ou seja, 2,5%.

    A turma podia emprestar 10 mil ou at 20 mil, sabendo que a devoluo seria mais queprovvel. Como garantia, mantnhamos ttulos (e chaves) de carros e casas. Os clientesassinavam notas promissrias, o que era o padro. No auge do negcio de emprstimosilcitos, a equipe tinha mais de 1 milho de dlares na rua. Meu pai era considerado um dosmaiores tubares de emprstimos em Chicago. E de fato era.

    A turma Calabrese tinha um modelo empresarial simples. Meu pai ficava no topo com apalavra final, seguido de Ronnie Jarrett (quando no estava em cana). Tio Nick e euorganizvamos e fazamos as coletas. Mais tarde, quando a famlia se foi, Ronnie Jarrettsupervisionava as operaes de rua da equipe. Aproximadamente quinze homens ou agentes cuidavam das coletas de emprstimos, jogatina e extorses. Durante a temporada de futebolamericano profissional e durante os vrios jogos da fase final (os playoffs ou mata-mata) eoutros torneios, a equipe acrescentava mais agentes para coletar maiores rendimentos.Apostas no futebol americano universitrio e profissional, parte das mais importantes nomundo das apostas, eram altamente lucrativas.

    A turma Calabrese remunerava a Organizao com uma parcela predeterminada, e se tornouscia nas redes de apostas e seus subagentes, reivindicando direitos a agentes que operavam

  • em certos territrios na rea de Chicago. A equipe Calabrese dividia os lucros meio a meiocom o chefe do circuito de apostas, ou ento o circuito podia pagar uma taxa de proteo oualavancar os agentes de apostas com emprstimos dos Calabrese.

    Emprestando dinheiro, meu pai construiu uma rede de conhecidos importantes polticos,celebridades e empresrios que estavam a apenas um telefonema de distncia. Membros dafamlia, primos, tias e tios podiam esconder dinheiro para ele em contas em seus nomes. Odinheiro era do meu pai, mas eles podiam ficar com os juros da conta. Se precisasse doprincipal de volta, ali estava, pois ningum consideraria a possibilidade de roubar dele.

    Se um empresrio pegasse um emprstimo de 40 a 60 mil dlares a cada tantas semanas edevolvesse o dinheiro, isto iava uma bandeira vermelha. Meu pai precisava saber mais sobreessa pessoa. Poderia ser um futuro alvo de oportunidade? Que soma de dinheiro ele estavaganhando? Quanto era seu valor lquido? Qual era seu calcanhar de aquiles? Se ele gosta demulheres, mande piranhas. Se gosta de jogar, oferea uma linha de crdito. A ideia eracorromper o negcio legtimo e abrir a porta para uma possvel extorso.

    Alm dos emprstimos abusivos, da jogatina e da coleta de taxas de proteo nas ruas, aextorso era outra das fontes de dinheiro da turma de Chinatown. Um exemplo foi a maneiracomo a equipe extorquiu a rede Connies Pizza, adicionando o nome de Frank Calabrese, pai, folha de pagamento da empresa durante muitos anos, como consultor de entregas. Oproprietrio da Connies Pizza, Jimmy Stolfe, era cunhado do primeiro scio do meu pai,Larry Stubitsch.

    Estabelecer um esquema de extorso bem-sucedido exigia tempo e dependia da solidezpsicolgica do membro da equipe e da habilidade de apresent-lo como uma propostacomercial. Eu era instrudo a fazer programas sociais com os filhos de clientes que deviamdinheiro ao meu pai, de modo a poder me inteirar de sua situao familiar. Uma tcnica deextorso tpica comea implantando medo na mente da vtima. Sem que a vtima saiba, osmembros da equipe desempenham o duplo papel de predador e protetor. Eis um tpicoesquema de extorso:

    Digamos que voc e eu estejamos saindo juntos socialmente. Eu me torno ntimo de voc ete levo a alguns lugares. Apresento voc aos caras que so donos dos restaurantes, pessoasque j temos presas no nosso abrao. A esta altura j conheo o seu perfil e sei que voctem muito dinheiro ou que seu negcio est indo muito bem. Enquanto estamos bebendo juntos,voc confia em mim e eu tambm lhe conto alguma coisa a meu respeito.

    Voc sente que me conhece; a uns caras aparecem no seu negcio e dizem: Voc vai ter denos pagar 200 mil dlares, ou vamos dar um jeito de fechar a sua firma. Com base na maneiracomo os caras se vestem e falam, voc sabe quem so. Voc vem correndo para mim: Estoucom um problema. Eu pergunto: O que voc andou fazendo? Andou se gabando por a? Vocfez algo de errado? Pisou no calo de algum? Deixa eu perguntar um pouco por a e ver o queconsigo descobrir. Eu volto a procurar voc. A maioria das pessoas alvo fcil. Todomundo tem segredos guardados no armrio, coisas obscuras.

    O tempo inteiro estou trabalhando dos dois lados da jogada.O tempo inteiro sou eu. Volto a procurar o sujeito e digo: Veja, no sei o que voc fez,

    mas tem algum puto da vida. Eles querem dinheiro, mas como voc meu amigo, possoconseguir uma reduo para cem mil, e se voc me pagar duzentos por ms, ningum mais vai

  • incomodar voc. So caras violentos. A escolha sua. No me importa o que voc decidir.Voc me pediu ajuda, ento estou s lhe dizendo.

    No demorou muito para eu captar do meu pai e do meu tio os truques do negcio decoletas: erguer a voz um ou dois tons, s como nfase, ou simplesmente encarar a pessoa. Elessentiam que se voc machuca o devedor, prejudica sua capacidade de pagar. Tambmacreditavam que no era necessrio machucar ningum a menos que recebessem ordens dealgum chefe nesse sentido. Se voc machucar um cliente, como vai voltar a ter acesso aodinheiro dele? A regra era: as pessoas merecem uma chance enquanto estiverem tentandopagar. s vezes tudo que se precisa um ajuste nos termos, a favor do meu pai, claro. Porexemplo, pague apenas dez dlares por semana, e basicamente faa um emprstimo de 2 milem vez de mil. Certifique-se de no falhar nenhuma semana ou o principal sobe mais mil.

    E esse era o gnio do meu pai, temvel mas razovel. Hoje, os bancos e firmas de cartesde crdito adotaram um mtodo similar. chamado de pagamento mnimo.

  • 7. A Organizao, o reino do terror

    LEMBRO-ME DA MANH DE DOMINGO, no outono de 1983, quando meu pai e tio Nick iam seriniciados. Eu estava lavando o carro na calada e ambos estavam ali parados de terno.Raramente os via de terno, mas lembro-me do meu pai dizendo: Agora estamos dentro.Somos parte do grupo e estamos indo para o jantar. como uma cerimnia.

    As turmas de rua fizeram milhes de dlares para a Organizao. Elas so o sangue vital dosindicato. Embora as equipes mafiosas dominantes sejam designadas para as reas-chave emtorno de Chicago, elas no operam necessariamente conforme fronteiras geogrficas estritas.As equipes-chave da Organizao Elmwood Park, Melrose Park, rua Rush, rua26/Chinatown (domnio Calabrese), Cicero, Chicago Heights e avenida Grand manobramseus tentculos, que incluem emprstimos abusivos, jogatina, imoralidade, taxas de proteo,extorso, bens roubados e desmanches de carros.

    Havia muitos gngsteres temveis trabalhando paralelamente ao meu pai que faziam parte dogrupo da rua 26/Chinatown. Incluam o lugar-tenente da zona sul, Johnny Apes Monteleone,o encarregado de punies disfarado de lder sindical John Fecarotta, Jimmy LaPietra (irmomais novo do Gancho), o soldado das ruas Frank Santucci, e o aterrorizante carrasco e coletorRonnie Jarrett. Quando o capo de Chinatown, Angelo LaPietra, recebia uma ordem doschefes Joseph Joey Doves Aiuppa e James Turk Torellos, o subchefe da zona oeste,dizendo que algum precisava ser morto, ele tinha um impressionante leque de talentos ao qualrecorrer.

    Aps o assassinato do cobrador de emprstimos Michel Hambone Albergo, a turma derua Calabrese passou de emprstimos e extorso a assassinatos. No incio dos anos 70, osirmos Calabrese se tornaram membros de sangue da fraternidade composta pelo esquadrode executores de elite de LaPietra e Aiuppa. O outro time favorito era o Wild Bunch [Turmaselvagem] de Butchie Petrocelli. Com planejamento meticuloso e habilidades de espreita, eauxiliada por escudeiros leais como Johnny Apes Monteleone, John Parrudo Fecarotta,Ronnie Jarrett, Frankie Furio e a massa de quase duzentos quilos Frank Gumba Saladino, aequipe do meu pai tornou-se uma das favoritas de Angelo para ajeitar as coisas. No que sereferia a Angelo, quanto mais discreto um executor, melhor. E o Gancho valorizava o fato deque nem meu pai nem meu tio vestiam a carapua ou falavam merda como Fecarotta ePetrocelli. Se de um lado papai e Nick eram ambiciosos e organizados, de outro no subiamnas costas dos seus subchefes para uma escalada rpida. Petrocelli era audacioso epublicamente aclamado, e dizia-se que um dia ele seria o lder da Organizao. Estavamarcado para morrer, porque passara de cobranas para extorses sem aprovao. Petrocellitambm violou o protocolo da Organizao como anfitrio de festas com prostitutas no HotelAmbassador East, tornando-se visvel demais.

    EM JUNHO DE 1976, Paul Haggerty, um ladro de 27 anos, tornou-se suspeito de assaltar umajoalheira suburbana de Chicago ligada Organizao. Depois que Turk Torello e Angelo sereuniram com meu pai para tratar do assunto, um plano foi colocado em ao. Meu pai avisou

  • tio Nick que ambos estariam ocupados por algum tempo. Eles identificaram a casa derecuperao de South Loop na avenida Indiana onde Haggerty estava morando depois decumprir pena na priso. Ele e meu tio monitoraram a rotina de Haggerty. Observaram seushbitos, onde trabalhava, que nibus tomava e onde ia para se divertir. Ento a turmaCalabrese entrou em ao. Gumba Saladino agarrou Haggerty na frente da casa derecuperao, deu-lhe alguns socos e meteu-o no banco traseiro de um Ford Mustang comRonnie Jarrett ao volante. Levaram o estarrecido Haggerty para a garagem da sogra de Jarrett,em Bridgeport.

    Aps uma sesso particularmente violenta, tio Nick foi encarregado de vigiar Haggertyenquanto Jarrett e meu pai voltavam com Angelo e Turk, que fez algumas perguntas aHaggerty. Quando meu pai e Jarrett foram embora novamente com Angelo e Turk, tio Nickficou novamente encarregado de Haggerty, que estava algemado, os olhos e a boca tapadoscom fita. Meu tio trouxe gua para ele e o ajudou a ir ao banheiro.

    Acho que agora s Batman e Robin podem me salvar, disse Haggerty a Nick.Quando meu pai e Jarrett retornaram com um carro que haviam roubado do estacionamento

    de um cinema prximo, o tempo de Haggerty tinha se esgotado. Enquanto Nick e Ronnieseguravam Haggerty no cho, meu pai passou uma corda em volta do seu pescoo e oestrangulou at a morte. Assim como fizera com Albergo, cortou a garganta de Haggerty paraassegurar-se de que estava morto. Em 24 de junho de 1976, uma semana aps odesaparecimento de Haggerty, o carro roubado foi encontrado com o corpo do ladro de joiasenfiado no porta-malas. Seu assassinato no seria solucionado nos anos seguintes.

    O sombrio senso de humor de Angelo LaPietra (bem como sua admirao por meu pai) veio tona em 1977, durante a execuo do gngster Sam Annerino. Suspeitava-se que Annerinofosse um informante, e da sua eliminao foram encarregadas duas equipes de execuo, oWild Bunch de Petrocelli e o grupo constitudo por meu pai, meu tio, Ronnie Jarrett e GumbaSaladino. A tarefa de Shorty LaMantia era atrair Annerino a um local predeterminado, poracaso um edifcio vazio que mais tarde viria a se tornar o Clube talo-Americano do VelhoBairro na rua 26. Quando Shorty no conseguiu trazer Sam ao local, apareceu com AngeloLaPietra. Tendo Shorty e Angelo passado pela porta, um dos membros da equipe agarrouShorty pelo pescoo. Shorty ficou branco como leite, achando que era ele o destinado eliminao. Angelo riu, assegurando-lhe que estava tudo bem, eles estavam simplesmentetreinando com ele.

    Mas apontando para a postura do meu pai, Angelo comentou com Shorty: D uma olhadanesses caras e lembre-se; eles so homens de verdade.

    Depois de algumas horas esperando a chegada de Sam, a equipe do meu pai desistiu e seretirou para a casa da sogra de Ronnie em South Lowe, aguardando a ordem seguinte.