Oficina de redação 09

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TEXTO I Muitos assuntos foram abordados nas campanhas políticas e debates nos últimos 20 anos. Se falou em educação, saúde, transporte, segurança, emprego etc. Mas no principal problema do Rio ninguém fala: favelas. Parece que nossas autoridades sempre tiveram medo de tocar no assunto. A questão é básica: não haverá solução enquanto a abordagem do tema estiver errada. É aquela frase que diz: "para que tanta pressa, se estão todos indo para o lado errado?". É isso mesmo. Todos que tocaram no assunto até hoje não conseguiram perceber que a solução do problema é muito simples: o fim das favelas. Parece difícil? Não acho, e acho que a sociedade não deve acreditar quando dizem: "é impossível", ou "não tem mais jeito". A conta é simples: Quanto custa uma casa popular? R$25.000,00, R$30.000,00? Pois bem, vamos pensar quanto custaria construir 100.000 casas por ano: uns R$ 3 bilhões? Agora pensem: quanto gastamos no Pan 2007? Uns R$ 4 bi? Quantos gastamos na Cidade do Samba? Uns R$ 500 milhões? E na Cidade da Música? Mais R$ 500 mihões? Só por aí, já foram uns R$ 5 bi. Agora, vamos imaginar que pudesse haver um pacto entre as três esferas de governo, com cada uma colocando R$ 1 bilhão por ano no projeto. Teríamos R$ 3 bilhões por ano tranqüilamente. Logo, removeríamos uma Rocinha/Vidigal por ano. Em oito anos, o Rio estaria limpo. E tem mais: nas áreas nobres, o custo seria praticamente zero, pois a prefeitura poderia leiloar as áreas, que seriam de grande interesse da iniciativa privada para construção de hotéis, condomínios etc. A arrecadação de IPTU aumentaria consideravelmente, trazendo mais recursos para o município. Soluções dadas, agora vamos falar de outro ponto: segurança. A remoção das pessoas para áreas urbanizadas não resolve o problema por si só. Há exemplos de locais no RJ que não têm características de favelas, mas que são dominadas por traficantes ou milicianos. O problema atual não está mais apenas no fato de determinadas áreas estarem em locais de difícil acesso como morros. Hoje, qualquer local em que haja abandono por parte das autoridades pode se tornar reduto de grupos armados. Logo, a pura e simples remoção das moradias irregulares não resolve o problema, mas apenas transfere o problema para outros locais. Com relação àqueles que se dizem contra o fim das favelas, ou seja, os que são a favor da manutenção das mesmas, tenho um recado: não acreditem neles! São contra porque ganham algo com isso. Seja com uma ONG, seja com um reduto político, seja com a exploração dos serviços. Lembrem da indústria da seca no Nordeste. Aqui no Rio o caso é semelhante. É a indústria da carência. Falta polícia, entra a milícia. Falta saúde, entra o político com "centro social". Falta o Estado, entra o candidato. Sem falar na tremenda hipocrisia utilizada quando dizem: "comunidade carente". O que é uma comunidade carente? Se for um lugar onde não se paga água, não se paga luz, não se paga IPTU e se tem TV a cabo por R$ 30, talvez quem não conheça não entenda o adjetivo "carente". Mas eu entendo: a carência é de cidadania. A carência é de ordem. A carência é de educação (nos dois sentidos). A carência é de organização. A carência é de paz. A carência é de tranqüilidade para criar os filhos. Os moradores das favelas terão que entender que vida não é isso. Vida normal numa cidade é morar numa rua, não numa viela, beco ou escadaria. Vida normal é sair de casa e andar no máximo 100 metros para tomar um transporte, e não descer o morro de Kombi ou numa garupa de moto para chegar no "asfalto". Vida normal é poder receber uma entrega em casa normalmente, e não ter que ouvir de alguma atendente a expressão "área de risco". Vida normal é poder saber que às 22h não haverá mais barulho que o incomode, e não ter que ouvir o som do baile funk até as 5 da manhã. Vida normal é sair de casa e cumprimentar o vizinho, e não, ter de dar de cara com um bandido vendendo droga. Chegará um momento em que as pessoas terão de escolher: ou a bagunça ou a ordem. PS: Ao contrário do que alguns podem estar pensando, não nasci no "asfalto". Morei numa favela durante 15 anos, e sei do que estou falando. (O Globo, 11/09/2008. Artigo do leitor Alexandre Fernandes Muniz Martins) TEXTO II Adriano está doente. É o que dizem. Não consegue ser feliz fora da favela, o lugar onde nasceu mas que já não deveria ser mais de seu gosto depois de tanto dinheiro e fama que conseguiu. É o que pensam. Pois mais doente que o craque está quem imagina que Adriano não pode ser feliz na favela. E, especialmente no Rio de Janeiro, esta doença é praticamente epidêmica. É a aversão a qualquer coisa que se relacione com as favelas, uma espécie de favelafobia. Durante uma semana, viveu-se na cidade uma comoção pelo sumiço do atleta. Ao se descobrir que ele esteve por três dias na Vila Cruzeiro, a sociedade de um modo geral foi tentar explicar seu "problema". E nas manchetes da maior parte da imprensa, verbalização do pensamento corrente, o que se viu foi um espetáculo de preconceito de quem acha que tudo relacionado à favela é ruim. O destaque era sempre para os fatos que levavam o leitor a imaginar que o atleta só estava envolvido com o que há de pior lá. Ainda que estas não fossem as informações passadas pelas fontes primárias de informações. Um delegado deu entrevista dizendo que Adriano esteve na favela e se encontrou com traficantes, mas que o jogador não era usuário de drogas ilícitas e não tem relação com eles. O destaque foi para o encontro com os criminosos do local que nasceu. Pois bem, se você, caro leitor, vai a um condomínio de luxo, senta na piscina ao lado de um conhecido da infância que virou bicheiro, político corrupto ou banqueiro fraudador e bate um papo com ele sobre o tempo, as crianças e o passado, isso o tornará criminoso? Pois se fosse na favela e o encontro com o criminoso de lá, você viraria traficante. A ex-atual-futuro caso do jogador diz que já foi várias vezes à favela onde Adriano estava, que dormiu com ele lá e que a Vila Cruzeiro é o lugar em que se sente o verdadeiro Imperador. E diz também que já o tirou da favela várias vezes. E o que ganha destaque é que ela já tirou Adriano da favela várias vezes, como se a garota estivesse fazendo um grande bem para o jogador mas que o pobre coitado não tem jeito: volta sempre para... aquele lugar. Estamos mal, caro leitor. Neste diapasão, a partir de agora a pelada, o carteado ou aquele chopinho do fim do dia - de onde não queremos sair e, vez por outra, somos tirados a fórceps por nossas parceiras - serão os grandes males do mundo para onde não poderemos voltar (sem preconceitos, a loja de roupa e o salão para as meninas têm a mesma função metafórica). 1 www.colegiocursointellectus.com.br Oficina de Redação 09 - 2011 Papel de madeira de reflorestamento Aprovação em tudo que você faz.

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TEXTO I

Muitos assuntos foram abordados nas campanhaspolíticas e debates nos últimos 20 anos. Se falou emeducação, saúde, transporte, segurança, emprego etc.Mas no principal problema do Rio ninguém fala: favelas.Parece que nossas autoridades sempre tiveram medo detocar no assunto.

A questão é básica: não haverá solução enquanto aabordagem do tema estiver errada. É aquela frase quediz: "para que tanta pressa, se estão todos indo para olado errado?". É isso mesmo. Todos que tocaram noassunto até hoje não conseguiram perceber que asolução do problema é muito simples: o fim das favelas.Parece difícil? Não acho, e acho que a sociedade nãodeve acreditar quando dizem: "é impossível", ou "nãotem mais jeito". A conta é simples: Quanto custa umacasa popular? R$25.000,00, R$30.000,00?

Pois bem, vamos pensar quanto custaria construir100.000 casas por ano: uns R$ 3 bilhões? Agora pensem:quanto gastamos no Pan 2007? Uns R$ 4 bi? Quantosgastamos na Cidade do Samba? Uns R$ 500 milhões? Ena Cidade da Música? Mais R$ 500 mihões?

Só por aí, já foram uns R$ 5 bi. Agora, vamosimaginar que pudesse haver um pacto entre as trêsesferas de governo, com cada uma colocando R$ 1bilhão por ano no projeto. Teríamos R$ 3 bilhões por anotranqüilamente. Logo, removeríamos umaRocinha/Vidigal por ano. Em oito anos, o Rio estarialimpo.

E tem mais: nas áreas nobres, o custo seriapraticamente zero, pois a prefeitura poderia leiloar asáreas, que seriam de grande interesse da iniciativaprivada para construção de hotéis, condomínios etc. Aarrecadação de IPTU aumentaria consideravelmente,trazendo mais recursos para o município.

Soluções dadas, agora vamos falar de outro ponto:segurança. A remoção das pessoas para áreasurbanizadas não resolve o problema por si só. Háexemplos de locais no RJ que não têm características defavelas, mas que são dominadas por traficantes oumilicianos. O problema atual não está mais apenas nofato de determinadas áreas estarem em locais de difícilacesso como morros. Hoje, qualquer local em que hajaabandono por parte das autoridades pode se tornarreduto de grupos armados. Logo, a pura e simplesremoção das moradias irregulares não resolve oproblema, mas apenas transfere o problema para outroslocais.

Com relação àqueles que se dizem contra o fim dasfavelas, ou seja, os que são a favor da manutenção dasmesmas, tenho um recado: não acreditem neles! Sãocontra porque ganham algo com isso. Seja com umaONG, seja com um reduto político, seja com a exploraçãodos serviços. Lembrem da indústria da seca no Nordeste.Aqui no Rio o caso é semelhante. É a indústria dacarência. Falta polícia, entra a milícia. Falta saúde, entrao político com "centro social". Falta o Estado, entra ocandidato. Sem falar na tremenda hipocrisia utilizadaquando dizem: "comunidade carente".

O que é uma comunidade carente? Se for um lugaronde não se paga água, não se paga luz, não se pagaIPTU e se tem TV a cabo por R$ 30, talvez quem nãoconheça não entenda o adjetivo "carente". Mas euentendo: a carência é de cidadania. A carência é deordem. A carência é de educação (nos dois sentidos). Acarência é de organização. A carência é de paz. Acarência é de tranqüilidade para criar os filhos.

Os moradores das favelas terão que entender quevida não é isso. Vida normal numa cidade é morar numarua, não numa viela, beco ou escadaria. Vida normal ésair de casa e andar no máximo 100 metros para tomarum transporte, e não descer o morro de Kombi ou numagarupa de moto para chegar no "asfalto". Vida normal époder receber uma entrega em casa normalmente, enão ter que ouvir de alguma atendente a expressão"área de risco". Vida normal é poder saber que às 22hnão haverá mais barulho que o incomode, e não ter queouvir o som do baile funk até as 5 da manhã. Vidanormal é sair de casa e cumprimentar o vizinho, e não,ter de dar de cara com um bandido vendendo droga.Chegará um momento em que as pessoas terão deescolher: ou a bagunça ou a ordem.

PS: Ao contrário do que alguns podem estarpensando, não nasci no "asfalto". Morei numa faveladurante 15 anos, e sei do que estou falando.

(O Globo, 11/09/2008. Artigo do leitor Alexandre Fernandes MunizMartins)

TEXTO II

Adriano está doente. É o que dizem. Não consegueser feliz fora da favela, o lugar onde nasceu mas que jánão deveria ser mais de seu gosto depois de tantodinheiro e fama que conseguiu. É o que pensam. Poismais doente que o craque está quem imagina queAdriano não pode ser feliz na favela. E, especialmente noRio de Janeiro, esta doença é praticamente epidêmica. Éa aversão a qualquer coisa que se relacione com asfavelas, uma espécie de favelafobia.

Durante uma semana, viveu-se na cidade umacomoção pelo sumiço do atleta. Ao se descobrir que eleesteve por três dias na Vila Cruzeiro, a sociedade de ummodo geral foi tentar explicar seu "problema". E nasmanchetes da maior parte da imprensa, verbalização dopensamento corrente, o que se viu foi um espetáculo depreconceito de quem acha que tudo relacionado à favelaé ruim. O destaque era sempre para os fatos quelevavam o leitor a imaginar que o atleta só estavaenvolvido com o que há de pior lá. Ainda que estas nãofossem as informações passadas pelas fontes primáriasde informações.

Um delegado deu entrevista dizendo que Adrianoesteve na favela e se encontrou com traficantes, masque o jogador não era usuário de drogas ilícitas e nãotem relação com eles. O destaque foi para o encontrocom os criminosos do local que nasceu. Pois bem, sevocê, caro leitor, vai a um condomínio de luxo, senta napiscina ao lado de um conhecido da infância que viroubicheiro, político corrupto ou banqueiro fraudador e bateum papo com ele sobre o tempo, as crianças e opassado, isso o tornará criminoso? Pois se fosse nafavela e o encontro com o criminoso de lá, você virariatraficante.

A ex-atual-futuro caso do jogador diz que já foi váriasvezes à favela onde Adriano estava, que dormiu com elelá e que a Vila Cruzeiro é o lugar em que se sente overdadeiro Imperador. E diz também que já o tirou dafavela várias vezes. E o que ganha destaque é que ela játirou Adriano da favela várias vezes, como se a garotaestivesse fazendo um grande bem para o jogador masque o pobre coitado não tem jeito: volta sempre para...aquele lugar. Estamos mal, caro leitor. Neste diapasão, apartir de agora a pelada, o carteado ou aquele chopinhodo fim do dia - de onde não queremos sair e, vez poroutra, somos tirados a fórceps por nossas parceiras -serão os grandes males do mundo para onde nãopoderemos voltar (sem preconceitos, a loja de roupa e osalão para as meninas têm a mesma função metafórica).

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O fato é que depois de todos os boatos, Adriano foi apúblico e contou sua história. Estava deprimido, tristecom suas escolhas, sentia-se pressionado pela profissãoque escolheu. Decidiu se isolar em um lugar para chutaro balde. Este lugar é onde ele encontra paz de espírito,se sente bem. O lugar onde é conhecido pelo apelido,onde não é necessário usar as máscaras que precisamospara encarar os desafios da vida profissional.

Este lugar é a Vila Cruzeiro. Adriano queria soltarpipa, conversar com amigos, andar de chinelo ebermuda, culturas típicas e saudáveis da favela. Sim,favela tem cultura (entendida aqui como modos defazer, agir e pensar) boa e cultura ruim, gente boa egente ruim, como em qualquer área da cidade. Porquefavela é um lugar da cidade, como é o condomíniofechado, a rua com cancela, o prédio de 20 andares, obairro. Sem aceitar isso, nunca esquecendo que elaspodem se integrar de forma muito melhor que hoje àcidade, vai restar apenas o delírio onírico de que num diatodas elas vão desaparecer do mapa.

Profissional da bola desde os 11 anos, quando amaioria de nós ainda não deixou os carrinhos e a bola deborracha, Adriano, aos 27, estava querendo recuperar otempo que trocou por treinos, concentrações e viagens.Pois bem. Quando um grande empresário, executivo ouartista resolve largar tudo - pelos mesmos problemas doatleta - e vai para a fazenda do avô ou para uma praiadeserta, o máximo que consegue-se expressar sobreeste fato é que o personagem é excêntrico. Mas Adriano,o da favela que volta à favela, é doente.

Se Adriano quiser voltar a ser profissional de futebol,terá realmente que fazer um tratamento. Ele terá queaprender a ser feliz na Vila Cruzeiro e fora dela também.Mas, certamente, não estará em seu receituárioabandonar a favela para ficar curado. Se a escolha delefor por ser peladeiro e abrir uma birosca na favela, queseja feliz. O lugar onde cada um encontra a paz deespírito não deve ser motivo de crítica de ninguém. Epara a clínica que muitos recomendaram a Adriano deveseguir cada um que não admite que alguém possa serfeliz na favela.

1) No oitavo parágrafo do texto I, qual é o objetivo doautor, ao repetir a palavra “carência” tantas vezes?

2) Qual é a tese do autor do texto II?

Os textos acima demonstram opiniões diferentesacerca de um assunto que é discussão há muitos anos eque, ao que tudo indica, parece longe de terminar. Apartir da leitura e das suas próprias reflexões sobre oassunto, redija um texto dissertativo-argumentativoonde você se posicione quanto à seguinte questão:

Favelas no Brasil: problema ou solução?

2Aprovação em tudo que você faz. www.colegiocursointellectus.com.br

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