Ocorrência de Macrolobium longipes (Leguminosae) no Brasil · em área de savana, na Venezuela. O...

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Macapá, v. 6, n. 3, p. 22-25, 2016 Disponível em http://periodicos.unifap.br/index.php/biota Submetido em 16 de Fevereiro de 2016 / Aceito em 24 de Junho de 2016 ARTIGO Biota Amazônia ISSN 2179-5746 RESUMO. Macrolobium tem distribuição neotropical, com centro de diversidade na Amazônia. A última revisão do gênero foi realizada em 1953, sendo que muitas espécies foram descritas desde então para a Costa Rica, Colômbia, Venezuela e Brasil. Em levantamento realizado nos herbários IAN, INPA, MG, NY, RB e US foi identificada uma espécie de Macrolobium que constitui novo registro para o Brasil: M. longipes R.S. Cowan. Palavras-chave: Amazonas, campina, Detarieae, novo registro, savana. ABSTRACT. Macrolobium has a neotropical distribution with its center of diversity in the Amazon Basin. The last revision of this genus was in 1953, and many species have been described since then Costa Rica, Colombia, Venezuela and Brazil. During an inventory undertaken at the herbaria IAN, INPA, MG, NY, RB and US, one specie, M. longipes R.S. Cowan was found and reported for the first time in Brazil. Keywords: Amazonas; campina; Detarieae; new record; savanna. Occurrence of Macrolobium longipes ( ) in Brazil Leguminosae 1. Introdução Leguminosae inclui 751 gêneros e aproximadamente 19.500 espécies (LPWG, 2013a), amplamente distribuídas nas regiões tropicais (LEWIS, 1987), tradicionalmente dividida em três subfamílias: Caesalpinioideae, com 2.250 espécies constituindo um grupo parafilético, no qual está inserido Macrolobium; Mimosoideae com 3.270 espécies e Papilionoideae com 13.800, ambas monofiléticas (LEWIS et al ., 2005; LPWG, 2013b). Essa organização em três subfamílias e 35 tribos precisa ser revista, pois não representa adequadamente as relações dentro da família, sendo que no futuro, uma nova classificação será desenvolvida, a qual irá compreender um grande número de subfamílias (LPWG, 2013b). A família é considerada, depois de Poaceae, a segunda mais importante econômica e ecologicamente, por apresentar diversas espécies ricas em proteínas, carboidratos e óleos, muitas utilizadas na alimentação humana e animal, e outras, de beleza ornamental, além de espécies medicinais, forrageiras, madeireiras e algumas que promovem a fertilidade do solo através da fixação de nitrogênio, um fator fundamental ao desenvolvimento da agricultura sustentável (POLHILL et al., 1981; LEWIS et al., 2005; SOUZA; LORENZI, 2008; LPWG, 2013a). Macrolobium foi estabelecido por Johann C.D. von Schreber em 1789. Possui cerca de 80 espécies com distribuição exclusiva na região neotropical (ESTRELLA et al., 2012), ocorrendo em vários ambientes: campina, campinarana, savana natural (lavrado), praia, restinga, floresta de várzea, floresta de igapó e floresta de terra firme (FÉLIX-DA-SILVA et al., 2013; FERREIRA; FLORES, 2013). No Brasil, está representado por 35 espécies e 26 variedades, sendo a maior concentração das espécies na bacia amazônica (DUCKE, 1949; MARTINS-DA-SILVA; LIMA, 2016). Os principais estudos taxonômicos de Macrolobium foram os de Bentham (1870) e Ducke (1941), envolvendo espécies brasileiras, e Cowan & Berry (1998) com espécies da Venezuela. O trabalho mais completo e abrangente, taxonomicamente, para o gênero foi desenvolvido por Cowan (1953) que tratou 48 espécies, destas 27 ocorrentes no Brasil. Cowan (1957) descreveu Macrolobium longipes com base na coleção B. Maguire et al. 37590 (holótipo NY), coletada em área de savana, na Venezuela. O presente trabalho tem por objetivo divulgar a primeira ocorrência de Macrolobium longipes R.S. Cowan no Brasil. Desta forma, ampliando a distribuição geográfica e o conhecimento sobre a diversidade de espécies deste gênero. 2. Material e Métodos O trabalho está fundamentado em análise de exsicatas depositadas nos herbários IAN, INPA, MG, NY, RB e US (acrônimos segundo Thiers, continuously updated), em revisão bibliográfica (BENTHAM, 1870; DUCKE, 1941; COWAN, 1953) e nas informações das etiquetas das exsicatas. Terminologias de caracteres morfológicos seguem Lawrence (1951), Hickey (1973), Radford et al. (1974), Rizzini (1977) e Barroso et al. (1999). Os nomes dos autores estão abreviados de acordo com Brummitt e Powell (1992). A identificação da espécie foi baseada em material herborizado certificado por especialista, por comparação com o tipo, bem como diagnose e descrições existentes na literatura específica. As ilustrações foram confeccionadas com o auxílio de estereomicroscópio acoplado à câmara-clara. Analisaram-se amostras de folíolos, provenientes de material herborizado, seccionadas à mão livre, na região mediana da lâmina, que foram depositadas sobre suportes metálicos ( stubs ), com fita adesiva carbono dupla face, e metalizadas com ouro. Após o processo de metalização, as amostras foram analisadas em microscópio LEO 1450VP. 3. Resultados e Discussão Macrolobium longipes R.S. Cowan, Mem. New York Bot. Gard. 9(3): 344-345. 1957. TIPO: VENEZUELA: Território DOI: http://dx.doi.org/10.18561/2179-5746/biotaamazonia.v6n3p22-25 Ocorrência de Macrolobium longipes ( ) no Brasil Leguminosae 1 2 3 Maria Maricélia Félix-da-Silva *, Maria de Nazaré do Carmo Bastos , Ely Simone Cajueiro Gurgel 1. Engenheira Florestal e Mestre em Ciências Biológicas (Universidade Federal Rural da Amazônia, Brasil) - Parte da Tese de Doutorado em Biodiversidade e Conservação da Rede Bionorte. 2. Engenheira Agrônoma (Universidade Federal Rural da Amazônia). Doutora em Ciências Biológicas (Universidade Federal do Pará). Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Brasil. 3. Engenheira Agrônoma (Universidade Federal Rural da Amazônia). Doutora em Ciências Biológicas (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Brasil. *Autor para correspondência: [email protected] Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Attribution 4.0 Internacional

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Macapá, v. 6, n. 3, p. 22-25, 2016Disponível em http://periodicos.unifap.br/index.php/biota

Submetido em 16 de Fevereiro de 2016 / Aceito em 24 de Junho de 2016

ARTIGO

Biota Amazônia ISSN 2179-5746

RESUMO. Macrolobium tem distribuição neotropical, com centro de diversidade na Amazônia. A última revisão do gênero foi realizada em 1953, sendo que muitas espécies foram descritas desde então para a Costa Rica, Colômbia, Venezuela e Brasil. Em levantamento realizado nos herbários IAN, INPA, MG, NY, RB e US foi identificada uma espécie de Macrolobium que constitui novo registro para o Brasil: M. longipes R.S. Cowan.

Palavras-chave: Amazonas, campina, Detarieae, novo registro, savana.

ABSTRACT. Macrolobium has a neotropical distribution with its center of diversity in the Amazon Basin. The last revision of this genus was in 1953, and many species have been described since then Costa Rica, Colombia, Venezuela and Brazil. During an inventory undertaken at the herbaria IAN, INPA, MG, NY, RB and US, one specie, M. longipes R.S. Cowan was found and reported for the first time in Brazil.

Keywords: Amazonas; campina; Detarieae; new record; savanna.

Occurrence of Macrolobium longipes ( ) in BrazilLeguminosae

1. IntroduçãoLeguminosae inclui 751 gêneros e aproximadamente

19.500 espécies (LPWG, 2013a), amplamente distribuídas nas regiões tropicais (LEWIS, 1987), tradicionalmente dividida em três subfamílias: Caesalpinioideae, com 2.250 espécies constituindo um grupo parafilético, no qual está inserido Macrolobium; Mimosoideae com 3.270 espécies e Papilionoideae com 13.800, ambas monofiléticas (LEWIS et al., 2005; LPWG, 2013b). Essa organização em três subfamílias e 35 tribos precisa ser revista, pois não representa adequadamente as relações dentro da família, sendo que no futuro, uma nova classificação será desenvolvida, a qual irá compreender um grande número de subfamílias (LPWG, 2013b).

A família é considerada, depois de Poaceae, a segunda mais importante econômica e ecologicamente, por apresentar diversas espécies ricas em proteínas, carboidratos e óleos, muitas utilizadas na alimentação humana e animal, e outras, de beleza ornamental, além de espécies medicinais, forrageiras, madeireiras e algumas que promovem a fertilidade do solo através da fixação de nitrogênio, um fator fundamental ao desenvolvimento da agricultura sustentável (POLHILL et al., 1981; LEWIS et al., 2005; SOUZA; LORENZI, 2008; LPWG, 2013a).

Macrolobium foi estabelecido por Johann C.D. von Schreber em 1789. Possui cerca de 80 espécies com distribuição exclusiva na região neotropical (ESTRELLA et al., 2012), ocorrendo em vários ambientes: campina, campinarana, savana natural (lavrado), praia, restinga, floresta de várzea, floresta de igapó e floresta de terra firme (FÉLIX-DA-SILVA et al., 2013; FERREIRA; FLORES, 2013). No Brasil, está representado por 35 espécies e 26 variedades, sendo a maior concentração das espécies na bacia amazônica (DUCKE, 1949; MARTINS-DA-SILVA; LIMA, 2016).

Os principais estudos taxonômicos de Macrolobium foram os de Bentham (1870) e Ducke (1941), envolvendo espécies brasileiras, e Cowan & Berry (1998) com espécies da

Venezuela. O trabalho mais completo e abrangente, taxonomicamente, para o gênero foi desenvolvido por Cowan (1953) que tratou 48 espécies, destas 27 ocorrentes no Brasil.

Cowan (1957) descreveu Macrolobium longipes com base na coleção B. Maguire et al. 37590 (holótipo NY), coletada em área de savana, na Venezuela.

O presente trabalho tem por objetivo divulgar a primeira ocorrência de Macrolobium longipes R.S. Cowan no Brasil. Desta forma, ampliando a distribuição geográfica e o conhecimento sobre a diversidade de espécies deste gênero.

2. Material e MétodosO trabalho está fundamentado em análise de exsicatas

depositadas nos herbários IAN, INPA, MG, NY, RB e US (acrônimos segundo Thiers, continuously updated), em revisão bibliográfica (BENTHAM, 1870; DUCKE, 1941; COWAN, 1953) e nas informações das etiquetas das exsicatas.

Terminologias de caracteres morfológicos seguem Lawrence (1951), Hickey (1973), Radford et al. (1974), Rizzini (1977) e Barroso et al. (1999). Os nomes dos autores estão abreviados de acordo com Brummitt e Powell (1992).

A identificação da espécie foi baseada em material herborizado certificado por especialista, por comparação com o tipo, bem como diagnose e descrições existentes na literatura específica. As ilustrações foram confeccionadas com o auxílio de estereomicroscópio acoplado à câmara-clara.

Analisaram-se amostras de folíolos, provenientes de material herborizado, seccionadas à mão livre, na região mediana da lâmina, que foram depositadas sobre suportes metálicos (stubs), com fita adesiva carbono dupla face, e metalizadas com ouro. Após o processo de metalização, as amostras foram analisadas em microscópio LEO 1450VP.

3. Resultados e DiscussãoMacrolobium longipes R.S. Cowan, Mem. New York Bot. Gard. 9(3): 344-345. 1957. TIPO: VENEZUELA: Território

DOI: http://dx.doi.org/10.18561/2179-5746/biotaamazonia.v6n3p22-25

Ocorrência de Macrolobium longipes ( ) no BrasilLeguminosae

1 2 3Maria Maricélia Félix-da-Silva *, Maria de Nazaré do Carmo Bastos , Ely Simone Cajueiro Gurgel

1. Engenheira Florestal e Mestre em Ciências Biológicas (Universidade Federal Rural da Amazônia, Brasil) - Parte da Tese de Doutorado em Biodiversidade e Conservação da Rede Bionorte.2. Engenheira Agrônoma (Universidade Federal Rural da Amazônia). Doutora em Ciências Biológicas (Universidade Federal do Pará). Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Brasil.3. Engenheira Agrônoma (Universidade Federal Rural da Amazônia). Doutora em Ciências Biológicas (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Brasil.*Autor para correspondência: [email protected]

Esta obra está licenciada sob uma LicençaCreative Commons Attribution 4.0 Internacional

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Amazonas, Rios Pacimoni-Yatua, 100-140 m elev., 07.II.1954, B. Maguire et al. 37590 (holótipo NY!; isótipos: NY!) Parátipo: Venezuela: Territorio Amazonas, Rios Pacimoni-Yatua, Casiquiare, on right bank of Rio Pacimoni 50 km, above mouth, 29.XI.1953, B. Maguire et al. 36676 (NY!).

Figuras 1-3

Arbusto 2-3 m alt., ramos acinzentados com manchas esbranquiçadas ou enegrecidos, lenticelados, cilíndricos, glabros. Estípulas não observadas. Pecíolos 0,5-2 cm compr., glabros. Folhas com 1-3 pares de folíolos; raque 0-1,5 mm compr., canaliculada; folíolos 4-10 cm compr., 1-3,4 cm larg., oblongos a oblongo-elípticos, oblongo-obovados, glabros, base aguda, ápice rotundo, truncado ou emarginado, raramente mucronado, discolores, margem plana, às vezes revoluta, face adaxial geralmente lustrosa, abaxial opaca, nervura principal da face adaxial plana a levemente impressa, abaxial proeminente; nervuras secundárias conspícuas na face abaxial, às vezes em ambas as faces. Inflorescência 5-6,5 cm compr., terminal, eixo glabro; pedúnculo 1,5-3 mm compr.; brácteas não observadas; pedicelos 10-15 mm compr., glabros; bractéolas 7-15 mm compr., 3-6 mm larg., elípticas, agudas, vermelhas, glabras. Hipanto 2-3 mm compr., glabro. Sépalas 5, com 5-6,5 mm compr., 2-3,5 mm larg., lanceoladas, ápice ciliado, duas parcialmente unidas. Pétala 4-6 mm, vermelha ou branca, glabra; unguícula 6-9 mm compr. Estames 3, férteis, filetes 18-25 mm compr., hirsutos na base; anteras oblongas, rimosas, dorsifixas. Ovário 2-2,5 mm compr., 1-1,5 mm larg., elíptico, glabro, 3-4-óvulos; ginóforo 3-4 mm compr., glabro; estigma capitado. Legume deiscente, 6-7 cm compr., 2-2,5 cm larg., oblongo, apiculado, glabro, verde a verde-amarelado quando maduro, superfície venosa, estípite 0,5 cm compr., fissurado, castanho-escuro.

Distribuição geográfica: segundo Cowan (1957), Funk et al. (2007), ILDIS (2015) e Tropicos (2016) esta espécie era conhecida apenas na Venezuela, sendo este o primeiro registro para o Brasil.

De acordo com Martins-da-Silva e Lima (2016) não há registro de Macrolobium longipes no Brasil.

Material examinado: BRASIL. AMAZONAS: Mun. São Gabriel da Cachoeira, Alto Rio Negro, Igarapé Tuari, do lado oposto à Ilha de Aparecida, campina, 06.XI.1987, fl., W.A. Rodrigues 10875 (INPA, MG); São Gabriel da Cachoeira, Alto Rio Negro, Rio Uaupés, igarapé Tibuari, acima do Seringal Pago, campina inundável, 22.XI.1987, fl., fr., H.C. de Lima et al. 3279 (NY, RB).

Material adicional. VENEZUELA. TERRITORIO AMAZONAS: Depto. Río Negro, sabana, margen del bajo río Pacimoni, alt. 125 m, 08.II.1981, fr., O. Huber & E. Medina 5849 (INPA, VEN).

Etimologia: O epíteto específico refere-se ao comprimento dos pedicelos.

Figura 1. Holótipo de Macrolobium longipes R.S. Cowan (NY). / Figure 1. Holotype of Macrolobium longipes R.S. Cowan (NY).

Figura 2. Macrolobium longipes R.S. Cowan: A. ramo com botões orais; B. or; C. ovário; D. bractéolas; E. Fruto. Desenho: A. Carlos Alvarez; B-E. Maria Félix. / Figure 2. Macrolobium longipes R.S. Cowan: A. branch with ower buds; B. ower; C. ovary; D. bracteoles; E. Fruit. Drawing: A. Carlos Alvarez; B-E. Maria Félix.

A

B C D E

2cm

1cm

1cm

1cm

2cm

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24Biota Amazônia

Macrolobium longipes diferencia-se de M. discolor Benth., com a qual é morfologicamente semelhante, inflorescência glabra, menor número de pares de folíolos 1-3 (vs. 3-7 pares de folíolos), ovário elíptico (vs. linear a oblongo) e ramos glabros (vs. ramos pubérulos a pubescentes). A espécie é semelhante também à M. multijugum, da qual se diferencia por apresentar menor número de pares de folíolos 1-3 (vs. 3-9 pares de folíolos), raque menor 0-1,5 mm compr. (vs. 3-15 cm compr.), maior número de óvulos 3-4 (vs. 1-2 óvulos), forma do fruto oblongo (vs. oval a suborbicular).

A espécie foi primeiramente descrita por Cowan (1957: 344), a partir do material coletado em área de savana no Território Amazonas, na Venezuela, em 1954. As savanas amazônicas são caracterizadas pela vegetação aberta (BRAGA, 1979; EITEN, 1986; HUBER, 1987) e xeromorfa (VELOSO et al., 1991), ocorrentes na Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Brasil e Bolívia, sendo compostas, predominantemente, por um estrato herbáceo (MAGNUSSON et al., 2008).

No Brasil, o material foi colecionado em 1987, em área de campina no município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, nas coleções esse material encontrava-se identificado até gênero ou como Macrolobium rubrum R.S. Cowan. As campinas amazônicas são caracterizadas pela vegetação de porte baixo, 1-5 m, aberta, sempre em solos arenosos de baixa fertilidade e escleromórfica (TAKEUCHI, 1960; SIOLI, 1960; FERREIRA, 1997, 2009), sendo comum ocorrer o afloramento do lençol freático no período chuvoso

(VICENTINI, 2004), e o aprofundamento do lençol no período seco (OLIVEIRA et al., 2005; PAROLIN et al., 2010).

Segundo Cowan (1957) Macrolobium longipes possui pétala vermelha, mesma característica encontrada por Rodrigues 10875, no material coletado em São Gabriel da Cachoeira, Estado do Amazonas-Brasil, porém o espécime coletado por Lima et al. 3279, no referido município, apresenta pétala branca.

Por meio das imagens obtidas por microscopia eletrônica de varredura (MEV), observou-se que o folíolo de M. longipes apresenta epiderme papilosa na face abaxial e cera epicuticular recobrindo toda a superfície, é hipoestomático e os estômatos do tipo paracítico, circundados por papilas, dispersos na superfície. A localização dos estômatos na face abaxial é uma estratégia para reduzir a transpiração (RASMUSSEN, 1987), e a presença de epiderme papilosa associada à cera epicuticular, torna a superfície foliar antiaderente e livre de contaminantes (NEINHUIS; BARTHLOTT, 1997), visto que, as ceras formam uma barreira protetora contra perda de água por transpiração excessiva, ação de patógenos, radiações solares e entradas de produtos químicos (HEREDIA et al., 1998). Ferreira e Flores (2013) estudaram a anatomia foliolar de várias espécies de leguminosas ocorrentes na savana de Roraima, dentre estas, M. multijugum (DC.) Benth. e Macrolobium acaciifolium (Benth.) Benth., e concluíram que ambas apresentam estômatos paracíticos e epiderme papilosa na face abaxial, entretanto, nesta última os estômatos foram encontrados em ambas as faces. Ressalta-se que a savana de Roraima faz parte do complexo “Rio Branco-Rupununi”, que abrange Brasil, Guiana e Venezuela (EDEN, 1970; BARBOSA et al., 2007).

O espécime encontrado no Brasil possui inflorescência menor 5-6,5 cm comprimento, axilar e terminal (vs. 8-12,5 cm compr., terminal). Na Venezuela, os espécimes encontrados medem de 0,5-4 m altura, no Brasil, de 2-3 m altura. No isótipo depositado no herbário US (US2174058), pode-se observar a presença de inflorescências solitárias ou até três partindo do ápice do ramo.

Observou-se que alguns folíolos ficam com a nervura principal fissurada, no ápice, após a secagem; uns são obovados e falcados, outros podem apresentar a superfície adaxial enegrecida e opaca. Os frutos podem ficar com as valvas contorcidas, após a deiscência.

4. ConclusõesMacrolobium longipes apresenta caracteres com funções

adaptativas a ambientes xéricos, como folíolos com epiderme papilosa na superfície abaxial, recoberta por cera epicuticular e hipoestomática, com estômatos do tipo paracítico circundados por papilas.

As ilustrações associadas à descrição ampliam o conhecimento sobre a espécie e fornecem caracteres que auxiliam a sua identificação.

5. AgradecimentosÀ FUNAPE, pela bolsa de doutorado concedida a primeira

autora (PPG-Bionorte/UFPA), e ao Museu Paraense Emílio Goeldi por disponibilizar a infraestrutura necessária para o

A

abab

adad

B

250µm250µm

C D

E F

np(mib)np

(mib)

ststns(sv)ns(sv)

0,5 cm0,5 cm 130µm130µm

stst

pppp8µm8µm ce (ew)ce (ew) 20µm20µm

Figura 3. Macrolobium longipes R.S. Cowan: A. folíolos faces abaxial e adaxial; B. detalhe da face adaxial; C-D. detalhe da nervura principal face abaxial; E-F. detalhe dos estômatos circundados por papilas e da cera epicuticular face abaxial. ce: cera epicuticular; ab: face abaxial; ad: face adaxial; np: nervura principal; ns: nervura secundária; st: estômato. / Figure 3. Macrolobium longipes R.S. Cowan: A. leaets abaxial and adaxial surfaces; B. detail of the adaxial surface; C-D. detail of the principal vein abaxial surface; E-F. detail of stomata, papillae and epicuticular wax abaxial surface. ew: epicuticular wax; ab: abaxial surface; ad: adaxial surface; mib: mibrid; sv: secondary vein; st: stomata; pp: papilla.

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desenvolvimento deste estudo. Aos curadores e funcionários dos herbários estudados, pela solicitude durante as visitas aos acervos; ao ilustrador Carlos Alvarez a confecção do hábito da espécie.

6. Referências BibliográficasBARROSO, G. M; MORIM, M. P.; PEIXOTO, A. L; ICHASO. C. L. F. Frutos e

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