I.1 – Família Leguminosae - ULisboa · 2012. 4. 26. · I.1 – Família Leguminosae 1.1-...

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I.1- Introdução 3 I.1 – Família Leguminosae 1.1- Interesse histórico e económico das leguminosas As leguminosas têm sido cultivadas, e usadas na alimentação humana desde há milhares de anos. Delwiche (1978) sugeriu que a origem das leguminosas deverá datar do período Jurássico. Renfrew (1966) relata a existência de sementes de Pisum, Vicia e Lens, na Grécia, no período Neolítico. Zohari e Hopf (1973) citam que as lentilhas foram cultivadas entre 7000 a 6000 a.C. e que o grão de bico deverá ter sido inicialmente cultivado mais tarde volta de 5450 a.C. Sementes de várias espécies de Lupinus foram usadas como alimento por mais de 3000 anos, em torno do Mediterrâneo, e há mais de 6000 anos na região montanhosa dos Andes (Petterson, 1998). O cultivo do Lupinus albus deverá ter ocorrido, no velho Egipto, por volta de 2000 anos a.C. As plantas com fins alimentares desempenham um papel importantíssimo, fornecendo, dum ponto de vista global, cerca de 80% da energia e 65% das proteínas alimentares. São, cada vez mais, uma fonte alimentar a explorar, como suplemento na alimentação humana, ou mesmo como fonte alimentar principal, em continentes como o Africano e o Asiático. Na medida em que os recursos alimentares, e principalmente os cerealíferos, estão cada vez mais encarecidos, o número de pessoas que passam fome no mundo, passou de 850 para 925 milhões, em 2007. Estes são números da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, divulgados pelo director-geral da organização, Jacques Diouf. Segundo os dados da FAO, referidos pelo director-geral da ONU, os preços dos produtos alimentares sofreram um aumento de 12% em 2006 e de 24% por cento em 2007. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação teme que a crise mundial possa ter um impacto directo no número de pessoas que passam fome todos os dias no mundo, uma vez que se podem esgotar os recursos que são usados para comprar comida e alimentar milhões de pessoas no mundo. Teme-se, ainda, que haja falta de recursos para investir na agricultura dos países em desenvolvimento, para pôr em prática uma agricultura sustentável, com implementação de novas culturas e resolução do problema da fome, e que a ONU e a FAO acabem por ser esquecidas pelas regiões doadoras de recursos, como Estados Unidos e Europa.

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  • I.1- Introdução

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    I.1 – Família Leguminosae

    1.1- Interesse histórico e económico das leguminosas As leguminosas têm sido cultivadas, e usadas na alimentação humana desde há milhares de anos. Delwiche (1978) sugeriu que a origem das leguminosas deverá datar do período Jurássico. Renfrew (1966) relata a existência de sementes de Pisum, Vicia e Lens, na Grécia, no período Neolítico. Zohari e Hopf (1973) citam que as lentilhas foram cultivadas entre 7000 a 6000 a.C. e que o grão de bico deverá ter sido inicialmente cultivado mais tarde volta de 5450 a.C. Sementes de várias espécies de Lupinus foram usadas como alimento por mais de 3000 anos, em torno do Mediterrâneo, e há mais de 6000 anos na região montanhosa dos Andes (Petterson, 1998). O cultivo do Lupinus albus deverá ter ocorrido, no velho Egipto, por volta de 2000 anos a.C. As plantas com fins alimentares desempenham um papel importantíssimo, fornecendo, dum ponto de vista global, cerca de 80% da energia e 65% das proteínas alimentares. São, cada vez mais, uma fonte alimentar a explorar, como suplemento na alimentação humana, ou mesmo como fonte alimentar principal, em continentes como o Africano e o Asiático. Na medida em que os recursos alimentares, e principalmente os cerealíferos, estão cada vez mais encarecidos, o número de pessoas que passam fome no mundo, passou de 850 para 925 milhões, em 2007. Estes são números da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, divulgados pelo director-geral da organização, Jacques Diouf. Segundo os dados da FAO, referidos pelo director-geral da ONU, os preços dos produtos alimentares sofreram um aumento de 12% em 2006 e de 24% por cento em 2007. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação teme que a crise mundial possa ter um impacto directo no número de pessoas que passam fome todos os dias no mundo, uma vez que se podem esgotar os recursos que são usados para comprar comida e alimentar milhões de pessoas no mundo. Teme-se, ainda, que haja falta de recursos para investir na agricultura dos países em desenvolvimento, para pôr em prática uma agricultura sustentável, com implementação de novas culturas e resolução do problema da fome, e que a ONU e a FAO acabem por ser esquecidas pelas regiões doadoras de recursos, como Estados Unidos e Europa.

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    A introdução na agricultura de ″novas″ espécies de leguminosas, historicamente ainda não enraizadas nos hábitos alimentares mas que, pela sua riqueza nutritiva, possam ser uma opção alimentar, dará com certeza um contributo para diminuir o flagelo da fome, a nível mundial. As leguminosas englobam plantas com fins alimentares, que contribuem muito significativamente para a alimentação humana e animal. O termo ″leguminosa″, inclui, tipicamente, sementes dos seguintes géneros: ervilha (Pisum), ervilhaca (Vicia), lentilha (Lens), fava (Vicia), chícharo (Lathyrus), feijão (Phaseolus) vermelho, rosa, branco, manteiga, verde, soja (Glycine), amendoim (Arachys) e tremoço (Lupinus). Entre estas espécies a soja tem sido a mais estudada e a mais utilizada, quer na alimentação humana, quer em rações para animais. Apresenta um valor nutritivo elevado e um excelente teor lipídico e proteico, apesar da tradicional deficiência, encontrada para as leguminosas em geral, em aminoácidos sulfurados, Met (metionina) e Cys (cisteína). Estes aspectos têm levado à sua aplicação em alimentos tradicionais do Extremo Oriente, como os tofu, a yuba, o miso e os molhos de soja, sendo cada vez mais consumida no Ocidente. Desempenha ainda um papel fundamental na alimentação do gado. A nível mundial os cereais continuam a ser o alimento com maior produção (FAOSTAT), encabeçados pelo cultivo do arroz e trigo, com uma produção de cerca de 610 milhões de toneladas (MT), para cada uma das espécies (2005), sendo a China, a Índia, a Indonésia e o Bangladesch, os maiores produtores para a primeira espécie, e a China e a Índia, para a segunda espécie. Entre as leguminosas, a produção de soja encabeça a lista, com 190 MT em 2004, sendo cerca de 50% desta quantidade produzida nos Estados Unidos da América, seguida pelo Brasil (51 MT), Argentina (38 MT), China (16 MT) e Índia (8 MT). O tremoço tem uma representatividade bem menor (2005), sendo produzido principalmente na Austrália (0,952 MT), Alemanha (95 000 toneladas) e Bielorrússia (78 600 toneladas), tendo Portugal uma produção de 10 toneladas. A forrageira ervilhaca é produzida principalmente pela Federação Russa (388 629 toneladas), seguida da Etiópia (146 617 toneladas), Turquia (134 300 toneladas) e México (92 000 toneladas).

    1.2- Importância das leguminosas na alimentação humana e animal As plantas com fins alimentares são cada vez mais uma fonte a explorar, como suplemento e/ou constituinte da alimentação humana. Na medida que os recursos

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    alimentares estão cada vez mais centralizados, deixando milhões de pessoas com escassez alimentar, numa situação trágica de fome e pobreza, as leguminosas (associadas aos cereais), já o sendo, poderão, cada vez mais, ser uma alternativa de manutenção de vida. Além das propriedades nutricionais, as leguminosas contêm, factores antinutricionais, que poderão contrariar os benefícios da sua aplicação. O estudo destes factores, a sua aplicação prática e o modo de os eliminar (tecnologicamente), deverão ser tidos em consideração.

    1.2.1- Valor proteico As leguminosas são uma excelente fonte de nutrientes, apesar de exibirem limitações nutricionais no que respeita ao seu equilíbrio aminoacídico, uma vez que têm um défice nos aminoácidos sulfurados, metionina e cisteína. 1.2.1.1- Reservas proteicas em sementes de leguminosas As sementes de leguminosas possuem um teor, tipicamente, elevado em proteínas. Mossé e Pernollet (1983) mostraram que este teor proteico varia entre as diferentes espécies de leguminosas, de 12 a 55 %, sendo, no entanto, mais vulgar encontrar valores de 20 a 40 %. No caso da soja e do tremoço foram, por exemplo, encontrados valores superiores a 38% e 40% (Derbyshire et al., 1976; Guéguen e Cerletti, 1994). Dentro das leguminosas, a soja é, sem dúvida, a mais importante, sendo utilizada, principalmente, como suplemento proteico e como oleaginosa. As proteínas de reserva, das sementes de leguminosas, não tem actividade metabólica, nem têm qualquer papel estrutural no tecido cotiledonário. Estão armazenadas em organitos especializados de reserva, os vacúolos de reserva proteica (PSV, do inglês ″protein storage vacuoles″), anteriormente conhecidos como corpos proteicos (Shewry et al., 1995; Ferreira et al., 2003). Além das proteínas de reserva, as mais representativas, existem ainda, muitas outras proteínas menores, incluindo proteases, inibidores da amilase, lectinas, lipoxigenases, e proteínas de defesa, que por várias razões são relevantes na qualidade nutricional e funcional da planta. Algumas destas proteínas podem adoptar o papel de reserva. Do ponto de vista fisiológico, as proteínas de reserva têm um papel trófico primordial, que é o de

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    fornecer aminoácidos e outros compostos azotados às jovens plantas, durante um período curto, mas crítico, até se tornarem autotróficas. Nesta situação, qualquer proteína que seja realmente mobilizada logo após a germinação, poderá ser considerada proteína de reserva. Em situações de deficiências drásticas de azoto, para além das proteínas de reserva, as plantas (como todos os organismos vivos) utilizam progressivamente proteínas estruturais ou funcionais para propósitos tróficos, de modo a fornecer aminoácidos para a reciclagem das proteínas vitais. As proteínas de reserva de sementes partilham, conjuntamente, numerosas características com as proteínas de reserva animais; por exemplo: são todas proteínas tróficas secretórias, têm capacidade de se associar entre si, exibem uma relativa multiplicidade e polimorfismo e a sua deposição parece-se com a das reservas de fosfato. As proteínas de reserva de sementes consistem em séries polimórficas de moléculas, codificadas por famílias de multigenes (Lycett et al., 1983; Pernollet e Mossé, 1983). 1.2.2- Classificação das proteínas de reserva de dicotiledóneas A classificação mais usada das proteínas de reserva de sementes data de 1924, quando Osborne classificou estes polímeros em quatro grupos, de acordo com as suas características de extracção e solubilidade. Albuminas - solúveis em água; Globulinas - solúveis em soluções salinas diluídas (insolúveis em água); Prolaminas - solúveis em misturas álcool/água (70-90% (v/v) (insolúveis nas soluções anteriores) Glutelinas - solúveis em soluções diluídas de ácidos ou bases (insolúveis nas soluções anteriores) Esta classificação, apesar de antiga, continua a ser utilizada, por ser bastante prática. As albuminas e as globulinas, constituem as duas classes proteicas mais representativas das leguminosas (dicotiledóneas), sendo as prolaminas e as glutelinas, as classes proteicas, com maior representatividade, ao nível dos cereais (monocotiledóneas).

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    1.2.2.1- Albuminas As albuminas, com funções de reserva são proteínas com o coeficiente de sedimentação 2S, a segunda fracção mais representativa das proteínas de reserva nas leguminosas. Algumas albuminas podem ser consideradas um grupo particular das proteínas, havendo autores que as considerem como proteínas de reserva (Shewry et al., 1995; Salmanowicz, 2000), ou como um grupo de proteínas com um papel metabólico. Na verdade, muitas das proteínas constituintes desta fracção desempenham funções bioquímicas como sejam, por exemplo, as actividades enzimáticas de lipoxigenases, glucosidases e proteases, envolvidas na degradação das proteínas de reserva. Outras albuminas, como os inibidores de proteases (factores anti-trípticos) ou lectinas, estão implicadas nos mecanismos de defesa (Gueguan, 1991). A grande maioria destas proteínas estão presentes em quantidades muito baixas - são as proteínas ″housekeeping″. A representatividade das albuminas nas sementes secas das leguminosas é variável, geralmente de 12 a 15%, dependendo principalmente da fracção 2S, podendo variar com o método de extracção, a espécie e o genótipo (Gueguen e Cerletti, 1994). 1.2.2.2- Globulinas

    As globulinas são as proteínas mais representativas das sementes de leguminosas (60% a 90%), encontrando-se presentes não só nas dicotiledóneas, mas também nas monocotiledóneas (incluindo cereais e palmeiras) e esporos de fetos (Templeman et al., 1987). Podem dividir-se em dois grupos baseados no seu coeficiente de sedimentação (S20w) (Danielson, 1949): globulinas do tipo 11S (valor médio 10 a 13S), denominadas globulinas do tipo legumina, e globulinas 7S (valor médio 6 a 9S), denominadas globulinas do tipo vicilina. O termo legumina data de 1827 (Braconnot), quando este investigador decidiu apelidar de legumina as proteínas que podiam ser extraídas das leguminosas. Em 1898, Osborne e Campbell separaram duas fracções das proteínas extraíveis com soluções salinas diluídas, das sementes de ervilha, a legumina e a vicilina, sendo a legumina menos solúvel que a vicilina. Assim, e em resumo, as globulinas, dividem-se em globulinas 11S, também chamadas leguminas, e em globulinas 7S ou vicilinas. A acrescentar a esta variedade de terminologias, alguns autores atribuíram ainda diferentes nomes a estas proteínas, de acordo com o nome

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    da espécie estudada, como a glicinina, legumina de Glycine max e a vicinina, legumina de Vicia sativa, entre muitos outros exemplos. No caso do género Lupinus, a globulina do tipo legumina recebeu a designação de α-conglutina e a proteína do tipo vicilina a de β-conglutina (Moriwiecka, 1961). A γ-conglutina é uma proteína característica do género Lupinus, havendo controvérsia quanto ao ser considerada, ou não, como proteína de reserva. i. Globulinas 11S As globulinas 11S são as proteínas de reserva maioritárias, não só da maioria das leguminosas mas também de muitas outras dicotiledóneas (por exemplo, compostas e cucurbitaceas). A proteína nativa consiste em seis pares de polipéptidos que interactuam de modo não covalente formando seis subunidades. Cada um destes pares ou subunidade consiste num polipéptido ácido, de massa molecular de ≈40 kDa , e num polipéptido básico, de massa molecular de ≈20 kDa, ligados por uma ponte dissulfureto. Cada subunidade é sintetizada sob a forma de um polipéptido precursor que, após a formação da ponte dissulfureto, sofre um processo de proteólise limitada, com a formação de dois polipéptidos ligados covalentemente. As leguminas não são glicosiladas, com excepção das proteínas 12S do Lupinus (Duranti et al., 1988). Este dado contrasta com as globulinas 7S, como veremos adiante. As α-conglutinas são proteínas 11S, constituídas por subunidades de elevada massa molecular, que variam, de acordo com cada espécie, em número de subunidades e massa molecular e em que as cadeias polipeptídicas de cada subunidade estão unidas por ligações dissulfureto. São proteínas hexaméricas, com uma massa molecular nativa de ≈300 kDa. i.i. Globulinas 7S São globulinas tipicamente triméricas, de massa molecular de 150 a 190 kDa, que não contêm resíduos de cisteína, não formando pontes dissulfureto. A sua composição detalhada em subunidades é bastante variável devido aos diferentes graus de processamentos pós-traducional, que estas proteínas podem sofrer, como proteólise limitada e glicosilação. Por exemplo, as subunidades da vicilina de ervilha são inicialmente sintetizadas como grupos de polipéptidos de massa molecular de ≈47 e ≈50 kDa, mas a proteólise pós-traducional e a glicosilação originam subunidades de massa molecular entre 12,5 e 33 kDa (Gatehouse et al., 1984; Casey et al., 1986,

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    1993). Estas subunidades são difíceis de purificar e caracterizar, mas a clonagem molecular dá-nos a sua origem e a identificação dos locais de clivagem proteolítica e de glicosilação. A β-conglutina do Lupinus albus é um membro da família das proteínas de reserva 7S, que são as globulinas glicosiladas mais representativas. Estas globulinas são constituídas por 10 a 12 subunidades principais (de 15 a 72 kDa) e por um número considerável de subunidades menores, sem ligações dissulfureto e com uma massa nativa de 185 kDa. A influência da espécie, da origem vegetal e das condições de cultura sobre a composição qualitativa e quantitativa das globulinas 7S e 11S, tem sido sobretudo estudada para as leguminosas. Sendo assim, e para o caso da soja e do tremoço, tem-se observado que as proteínas do tipo 7S se encontram numa proporção muito superior às proteínas do tipo 11S. A relação 7S/11S para estas duas espécies é de cerca de 1,6 (Thank e Shibasaki, 1976) e de 1,3, respectivamente (Duranti et al., 1981). No caso da ervilha e da fava, a fracção dominante é a legumínica, existindo para a ervilha resultados bastante variáveis para a respectiva relação, dependendo do genótipo da semente. Relativamente à ervilhaca (Vicia sativa ), o teor proteico das suas sementes também é elevado, da ordem dos 40% (teor em N), sendo a classe das vicilinas (globulinas 7S) menos representativa que a das leguminas (globulinas 11S) (Ribeiro et al., 2004). 1.2.2.3- Prolaminas e Glutelinas Enquanto que as albuminas e as globulinas são proteínas de reserva largamente distribuídas nas plantas com florescência, as prolaminas e glutelinas estão principalmente representadas nos cereais (monocotiledóneas). Dependente da sub-familia a que pertencem os cereais, assim as prolaminas estão mais ou menos representadas, 50% a 60% para a sub-família Panacoidea: milho, sorgo e milho miúdo ou, 40% a 50% para a tribo Triticeae que inclui trigo, cevada e arroz, seguindo-se em representatividade, as glutelinas (Pernollet e Mossé, 1983). As glutelinas, proteínas de reserva maioritárias em algumas espécies de leguminosas, como o arroz, assemelham-se estruturalmente às globulinas do tipo legumina, em vários aspectos: (i) contém polipéptidos ácidos (34 a 37 kDa) e básicos (21 a 22 kDa) (Zhao et al., 1983, Krishnan e Okita, 1986); (ii) o polipéptido mais leve

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    tem 25% de homologia com o polipéptido básico da legumina de ervilha (Zhao et al., 1983); o percursor da glutelina tem 32% de homologia com o percursor A1aB1b da glicinina (Higushi e Fukasawa, 1987). As glutelinas, contrariamente às globulinsa 11S são geralmente glicosiladas. Apesar da similaridade estrutural, entre as glutelinas e globulinsa 11S, as diferentes solubilidades apresentadas, podem estar relacionadas com diferentes características de hidrofilia do terminal carboxilo do polipéptido ácido (Higushi e Fukasawa, 1987). Costa e colaboradores (1996), isolaram e caracterizaram um polipéptido básico, glicosilado, de 23 kDa (G23), proveniente do Lupinus albus, com características de solubilidade das glutelinas, e com quantidades apreciáveis de metionina (2,0%), cisteína (5,8%) e lisina 3,5%, comparativamente às proteinas de reserva do L. albus caracterizadas por Duranti et al., (1981), conferindo interesse nutricional a este polipéptido. Análises moleculares e bioquímicas recentes, feitas para as proteínas de reserva e os genes que as codificam, indicam que estas deverão ser divididas em globulinas, albuminas e prolaminas (Shewry e Casey, 1999), sendo as glutelinas (segundo a classificação Osborne, 1924) consideradas como um outro tipo de globulinas ou de prolaminas (Shewry e Tatham, 1999). Um estudo recente sobre 17 cultivares de Lupinus albus portuguesas refere, a importância das características de glicosilação das glutelinas no estabelecimento de grupos de cultivares, com a mesma origem geográfica e precocidade de florescência, importante característica agronómica (Vaz et al., 2004).

    1.2.3- Factores antinutricionais As sementes de leguminosas possuem reservas, que podem ser de origem proteica, ou não, reconhecidas como de defesa para a planta, mas nutricionalmente indesejáveis, ou mesmo tóxicas, para o homem e outros animais. Estes compostos antinutricionais podem dividir-se em compostos antinutricionais proteicos e compostos antinutricionais não proteicos:

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    1.2.3.1- Compostos antinutricionais proteicos . Inibidores de hidrolases Provocam a inibição irreversível de várias enzimas digestivas (Leterme et al., 1992). São exemplos os inibidores da tripsina, do tipo Bowman-Birk e do tipo Kunitz e, os inibidores da α-amilase (Moreno et al., 1990). . Lectinas São proteínas que exibem especificidade para açúcares, como as hemaglutininas que aglutinam as células sanguíneas (Etzler, 1985). A sua toxicidade manifesta-se pela inibição do crescimento em animais de laboratório e diarreias, vómitos e naúseas no homem. 1.2.3.2- Compostos antinutricionais não-proteicos . Alcalóides São um factor limitante na aceitação de várias sementes de leguminosas, entre as quais o Lupinus, devido ao seu sabor amargo e à sua toxicidade (Cuadrado et al., 1992). As sementes amargas de Lupinus, contém um valor superior a 2% em alcalóides, geralmente lupinina, citisina, esparteína, lupanina e anagirina (Wink, 1994). . Ácido fitico Responsável pela diminuição da biodisponibilidade de minerais essenciais, formando complexos insolúveis, que têm menor facilidade de digestão e de absorção no intestino delgado. Podem, ainda, inibir a actividade de diversos enzimas (Knuckles et al., 1989). . Compostos fenólicos São exemplo os taninos, que podem reagir com as proteínas, com os resíduos de lisina ou de metionina, tornando-as indisponíveis durante a digestão (Davies, 1981). . Saponinas Compostos isoprénicos que têm a capacidade de lisar eritrócitos e outras células, como as da mucosa intestinal, afectando a absorção de nutrientes (Hudson, 1979).

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    . Glicosidos Os glicosidos vicina e convicina, de Vicia faba, podem ser responsáveis por um tipo de anemia hemolítica, conhecida por favismo, em indivíduos com deficiência em glucose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) (Jalal e Mohammad, 2005). . Resíduos de α-D-galactosidos Quando ligados à glucose constituinte da sacarose. A ausência da enzima α-galactosidase, nos animais e no homem, impede a digestão destes oligossacáridos, induzindo a formação de gases intestinais (Fleming, 1981). Recentemente estes compostos têm sido encarados como fonte de pré-bióticos, contribuindo para o crescimento de bifidobactérias (Gibson e Roberfroid, 1995). A composição química das sementes é variável, por ser determinada, entre outras coisas, por factores genéticos; por este motivo, varia muito entre espécies, entre variedades e cultivares (Vaz et al., 2004). Algumas modificações da sua composição podem resultar de práticas agronómicas (aplicação de fertilizantes azotados ou datas de cultivo) ou podem ser impostas por condições ambientais prevalecentes durante o desenvolvimento e maturação da semente.

    1.2.4- Propriedades funcionais das proteínas de leguminosas A funcionalidade nutricional de uma proteína, refere-se às características nutricionais, que além da composição química, fazem com que, determinada proteína, neste caso de leguminosas, seja eficazmente utilizada, permitindo assim evidenciar a sua qualidade como proteína. As propriedades de estrutura/reologia, hidratação e de superfície, são exemplos de atributos que fazem com que as proteínas tenham comportamentos diferenciais nos sistemas alimentares, ao nível da sua solubilidade, tumefacção, absorção/desabsorção de água, gelificação e agregação, entre outras (Kinsella, 1979), podendo, ou não beneficiar as características nutricionais de determinada proteína.. O estudo da funcionalidade nutricional das proteínas iniciou-se com o estudo da composição em aminoácidos (AA), a proporção existente entre AA essenciais e AA totais (% E/T), a deficiência em determinados AA essenciais (metionina e cisteína nas leguminosas e lisina para os cereais), a existência de inibidores de proteases, o efeito

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    tóxico/antinutricional de algumas proteínas, como as lectinas, e a qualidade proteica (digestibilidade, % de utilização e valor biológico). 1.2.4.1- Composição aminoacídica A composição em AA típica das globulinas, as proteínas 7S e 11S, estão contempladas, para algumas espécies, nas Tabelas I-1.1 e I-1.2. Observando os resultados obtidos, por diversos investigadores, para a representatividade dos 19 AA estudados, verifica-se que existe variabilidade na composição aminoacídica e deficiência em aminoácidos sulfurados, tendo aparentemente as 11S um teor mais elevado em metionina (Jin et al., 2000). Ambas as proteínas 7S e 11S, contêm elevadas quantidades dos ácidos aspártico e glutâmico, o que atribui um carácter acídico a estas proteínas, tendo a maioria um ponto isoeléctrico (pI) compreendido entre 4 e 5. As quantidades de lisina e arginina variam consideravelmente. A variabilidade de AA existente, para as leguminosas, varia de acordo com a representatividade das fracções 7S e 11S. Com o advento da tecnologia de DNA recombinante, técnicas de transferência de genes e a engenharia genética, estabeleceram-se estratégias com o propósito de aumentar o valor biológico das sementes de leguminosas, de modo a contrariar as suas limitações, o que nunca se conseguiu com as técnicas convencionais de selecção (Müntz et al., 1998): (i) engenharia para aumentar os níveis de metionina livre; (ii) engenharia nas proteínas de reserva endógenas com aumento do número de resíduos de metionina; (iii) e transferência de genes externos codificantes de proteínas ricas em metionina, parecendo, esta última estratégia, ser a mais promissora. A soja, entre outras leguminosas, foi já manipulada geneticamente, mediante introdução de um gene da noz do Brasil, semente com um elevado teor em metionina (da ordem dos 18,8%), resultando, para a soja num aumento de 26% de metionina. 1.2.4.2- Qualidade nutricional das proteínas A digestibilidade e o valor biológico de uma proteína, são factores que estão relacionados com o comportamento da proteína no sistema alimentar e com a variabilidade alimentar. Num tipo de alimentação racional e equilibrada, dá-se uma complementação nutricional, que irá minimizar as deficiências aminoacídicas que

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  • I.1- Introdução

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  • I.1- Introdução .

    determinada proteína possa exibir. Será, por exemplo, a complementação registada quando da ingestão de cereais com leguminosas, em que por um lado, é suprimida a deficiência em lisina existente para os cereais, e por outro, a deficiência em aminoácidos sulfurados, tradicional das leguminosas. A digestibilidade de uma proteína é importante para a sua utilização mas, por si só, não chega para conferir um bom valor biológico à proteína. Por exemplo, as proteínas das sementes do Phaseolus vulgaris têm uma digestibilidade da ordem de 90%, mas um valor biológico de 43,0%. As sementes de leguminosas, devido à sua deficiência em aminoácidos sulfurados, deverão ser encaradas, do ponto de vista alimentar humano, na perspectiva da manutenção do equilíbrio, e não na perspectiva do crescimento. Este facto, faz com que a maioria das leguminosas, com algumas excepções, como no caso da soja, não sejam utilizadas na alimentação infantil. A digestibilidade e o valor biológico das proteínas de leguminosas são, tipicamente, inferiores ao das proteínas animais, pelo facto de que nas leguminosas existe uma ou duas fracções proteicas com elevada representatividade, constituindo mais de 50% do conteúdo proteico total. Dos diversos estudos feitos para racionalizar o facto das proteínas de leguminosas terem menor valor nutricional, relativamente às animais, resultaram uma série de factores ou possíveis razões explicativas (Sathe, 2002):

    1- Deficiência em aminoácidos sulfurados (principalmente metionina); 2- Natureza compacta da maioria das proteínas de reserva (globulinas 7S e 11S); 3- Presença de inibidores enzimáticos, particularmente inibidores da tripsina e

    quimotripsina; 4- Presença de compostos fenólicos; 5- Presença de lectinas; 6- Obstáculo espacial motivado pela presença de açúcares nas proteínas de

    reserva principais (as globulinas 7S são tipicamente glicosiladas); 7- Ligação de fitatos às proteínas, provocando uma diminuição da

    susceptilbilidade das proteínas à proteólise; 8- Interacções proteína-proteína. As albuminas (fracção solúvel na água)

    interagem com as proteínas de reserva mais representativas, diminuindo a velocidade de proteólise;

    9- Baixa digestibilidade das proteínas solúveis na água; 10- Diminuição da proteólise por interferência física devido à presença de fibras.

    16

  • I.1- Introdução

    17

    Para além destes, outros factores poderão influenciar os diversos mecanismos acima citados. Por exemplo, os minerais, podem mediar interacções entre fitatos e proteína, e os polifenóis podem ligar-se a proteínas, incluindo as digestivas, e influenciar a susceptibilidade destas à proteólise. Os taninos são compostos fenólicos que existem num teor entre os 2 a 3% (relativamente a 100 g de peso seco), nas sementes secas de leguminosas, e que por diferentes possíveis mecanismos, podem interferir com a utilização proteica do seguinte modo (Sathe, 2002):

    1- Diminuição da ingestão do alimento devido ao sabor adstringente dos taninos; 2- Diminuição da solubilidade proteica, devido à interacção proteína-tanino; 3- Inibição das enzimas proteolíticas; 4- Diminuição da susceptibilidade dos complexos proteína-taninos às proteinases; 5- Efeitos adversos dos taninos no tracto digestivo; 6- Efeito tóxico dos taninos absorvidos; 7- Combinação de um ou mais dos factores, de 1 a 6.

    Com a inclusão recente dos fenóis nas dietas alimentares, com o objectivo de beneficiar a saúde pública, e tendo em atenção o que já foi dito, convém avaliar cuidadosamente este tipo de intervenção, face ao seu potencial antinutritivo. Diversos estudos sobre a acção dos fenóis em proteínas de leguminosas (Aw e Swanson, 1985; Elkin et al., 1996) levam-nos a concluir que deverá ser feita uma avaliação critica e séria sobre a influência dos fenóis na digestibilidade proteica. As lectinas poderão ocorrer nas leguminosas em quantidades apreciáveis, dependendo do tipo de leguminosa. Valores entre 0 e 15% do teor proteico total poderão corresponder a lectinas. As lectinas exibem propriedades químicas interessantes como: aglutinação de eritrócitos, actividade mitogénica (indução da mitose em linfócitos), aglutinação de células malignas, ligação a açúcares, especificidade para grupos sanguíneos humanos e toxicidade para os animais. As lectinas são, por si só, resistentes à proteólise, pelo que poderão ter um efeito tóxico quando ingeridas (Putzai, 1987; Putzai et al., 1989).

    A ligação de fitatos às proteínas poderá originar perda de solubilidade das proteínas, diminuindo a sua digestibilidade ou, causar a inactivação das enzimas

  • I.1- Introdução .

    digestivas, reduzindo a digestão proteica e baixando a qualidade nutricional da proteína. Estudos in vitro (Vaintraub e Bulmaga,1991; Sathe e Sze-Tao, 1997) e in vivo, não foram, no entanto, conclusivos (Thompson e Serranio, 1986). 1.2.4.3- Propriedades físico-químicas das proteínas com utilidade na tecnologia de separação proteica e alimentar i. Solubilidade proteica A maioria das proteínas de reserva de leguminosas têm um ponto isoeléctrico (pI) ácido, devido à sua riqueza em ácidos aspártico e glutâmico. Uma vez que a maioria das proteínas de reserva são albuminas e globulinas, com pI num intervalo de pH ácido, são eficientemente solubilizadas em meios alcalinos (pH 8,5 a 10), sendo o meio aquoso eficiente para as para as albuminas. O ajuste do pH, das soluções proteicas solubilizadas, ao do intervalo de pH dos pontos isoeléctricos correspondentes, permite separar e concentrar a maior parte das proteínas. i.i. Capacidade de retenção de água A capacidade de retenção de água, por parte das proteínas de leguminosas, está dependente do tipo e da quantidade de proteína, bem como da presença dos componentes não-proteicos existentes na preparação. A maioria das preparações proteicas de leguminosas retém uma quantidade de água entre 5 a 6 vezes a sua massa (Sathe, 2002). Esta capacidade de retenção está parcialmente dependente do pH do sistema envolvente, uma vez que este controla a carga eléctrica da(s) proteína(s). Exibindo, as proteínas de leguminosas, dum modo geral, um pI acídico, os valores de pH neutros ou levemente alcalinos conferem à proteína uma carga negativa, enquanto que um pH ácido, confere uma carga positiva. Quando o valor de pH do meio é igual ao pI, a carga da proteína é neutra. A capacidade de retenção de água, é importante para as características finais de um produto, como a retenção de humidade ou o grau de secura.

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  • I.1- Introdução

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    i.i.i. Capacidade de retenção de óleo A capacidade de retenção de óleo é importante para o desenvolvimento de produtos alimentares fritos, assim como para a estabilidade durante a conservação dos produtos, i.e., impregnação de odores e desenvolvimento de ranço oxidativo. Muitas proteínas de leguminosas retêm um teor

  • I.1- Introdução .

    v. Actividade de superfície A actividade da superfície proteica, relaciona-se directamente com as propriedades coloidais da proteína, que, por sua vez, influenciam as propriedades de formação de emulsão e de espuma, que são importantes no desenvolvimento de produtos alimentares. A maioria das proteínas de reserva de sementes de leguminosas (por terem uma estrutura rígida), não tem uma boa capacidade de formação de espuma, nem confere estabilidade à espuma, quando comparada com as proteínas animais, as proteínas de ovo e leite, por exemplo. Parece, no entanto, que as proteínas glicosiladas conferem um aumento da solubilidade, da formação de espuma e das propriedades emulsionantes (Pedrosa et al., 1997).

    1.2.5- Propriedades nutracêuticas das leguminosas Os livros antigos, entre os quais o Velho Testamento (1º Capítulo do Livro de Daniel) (Kushi et al., 1999), são o testemunho de que o homem tinha já a noção de dieta alimentar, referindo que a saúde era beneficiada com a ingestão de pouca carne e alto teor de cereais. Registos antigos, de medicina tradicional chinesa e indiana, testemunham o emprego de espécies locais, no tratamento de doenças. Outras indicações do uso fitoterapêutico das leguminosas provêm de regiões do Mediterrâneo, em que as sementes de leguminosas têm sido consumidas desde há séculos, constituindo um dos elementos da chamada dieta mediterrânica (DeFeo et al., 1992; Guarrera, 2005), que já ganhou o seu lugar como uma dieta equilibrada e preventiva de doenças cardiovasculares. O termo ″nutracêutico″ resulta da fusão dos termos ″nutrição″ e ″farmacêutico″. Este termo foi dado por Stephen De Felice, fundador da ″Fundação para a Inovação em Medicina, USA″, em 1989. Ele definiu nutracêutico como qualquer ″alimento, ou parte de alimento, que forneça benefício médico ou de saúde, incluindo a prevenção e tratamento de doenças″. Entre os componentes alimentares reivindicativos desta acção, temos; lípidos, vitaminas, minerais, fibras, flavonóides e, menos frequentemente, proteínas e péptidos. A maioria destes compostos, biologicamente activos, provêm do reino plantae (Scarafoni et al., 2007). O efeito benéfico que os alimentos poderão ter na saúde do homem, pode ser apresentado em duas formas, a que se baseia na composição química do alimento em

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  • I.1- Introdução

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    questão (secção 1.2.4.1), e a que se baseia em estudos científicos e apresentação de resultados (secção 1.2.4.2), de modo a objectivar as conclusões e fazer uma relação científica com a sua composição química (Duranti, 2006). 1.2.5.1- Efeitos benéficos das sementes de leguminosas i. Doenças cardiovasculares A ingestão frequente de leguminosas secas, em paralelo com uma dieta pobre em gorduras saturadas, pode ajudar a controlar a homeostase lipídica e, consequentemente, reduzir o risco de doenças cardiovasculares (DCV). Parece que o elevado teor em fibra, o índice glicémico baixo e a presença de componentes menores como fitosteróis, saponinas e oligossacáridos, exibida pelas leguminosas, são os agentes responsáveis por estas propriedades. i.i. Diabetes Pelo facto de exibirem um índice glicémico baixo, associado a um alto teor de fibras não digeríveis, tem sido atribuído às leguminosas uma acção controladora nos indivíduos diabéticos. Além disso, as sementes de leguminosas contribuem para prevenir a resistência à insulina, característica da diabetes mellitus tipo 2. i.i.i. Doenças do tracto digestivo O aumento da velocidade do trânsito intestinal, provocado pelas leguminosas, tem efeitos benéficos, uma vez que diminui a absorção do colesterol, provoca a digestão incompleta do amido e a diminuição dos processos fermentativos. Estes factores têm sido considerados benéficos na prevenção do cancro, especialmente no cancro do colo do útero. i.v. Excesso de peso e obesidade Apesar do seu conteúdo lipídico, em amido e em proteínas, atribui-se às sementes de leguminosas o controlo do peso corporal, pelo seu efeito de satisfação da saciedade, que se traduz numa menor necessidade de ingestão de alimentos.

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    1.2.5.2- Efeitos benéficos demonstrados para proteínas de leguminosas seleccionadas Numa revisão feita por Duranti (2006), salientam-se exemplos de estudos feitos com várias leguminosas, incluídas em dietas alimentares, e a sua repercussão sobre determinados parâmetros biológicos (teor de colesterol e teor de glucose no sangue), bem como estados fisiológicos como o excesso de peso e a obesidade. A Tabela I-1.3 resume o tipo de actividade biológica que se obteve para fracções peptídicas extraídas e purificadas de diversas sementes de leguminosas, entre as quais, a soja, o tremoço e a fava. No estudo do efeito das leguminosas em situações de prevenção e tratamento/minimização das consequências de uma doença, deve ter-se em atenção que estudar individualmente a actividade biológica dos nutrientes com acção nutracêutica é importante. Este estudo, permite elucidar os mecanismos de acção, desenhar protocolos de intervenção e calibrar o efeito dose/resposta. Não devemos, no entanto, esquecer que a ingestão do órgão, no seu todo, neste caso as sementes de leguminosas (principalmente), devido ao seu teor em proteínas, fibras, vitaminas, minerais e ainda outros constituintes (oligossacáridos, isoflavonas, fosfolípidos, saponinas e antioxidante), resultam, num efeito sinergístico, que contribui para uma maior protecção, por exemplo ao nível cardiovascular (Anderson e Mayor, 2002). i. Efeito hipocolesterémico e de controlo da homeostase lipídica pelas proteínas de soja A comprovação de que as leguminosas trazem efeitos benéficos, quando incluídas nas dietas alimentares, foi testemunhada em 1999, quando a FDA (Food and Drug Administration) Americana permitiu a rotulagem de alimentos que incluíam um valor ≥ 6,25 g de proteína de soja, por dose alimentar, como alimento preventivo de doenças coronárias. É do conhecimento científico que a substituição de proteína animal por proteína de vegetais, numa dieta para indivíduos hipercolesterémicos, reduz significativamente o teor de colesterol (Hodges et al,, 1967), estando ainda em estudo a identificação dos compostos responsáveis, que poderão incluir, por exemplo, fitoesteróis, fibras dietéticas e componentes proteicos. A primeira evidência, in vivo, do testemunho de que as globulinas 7S da soja, reduzia os níveis de colesterol plasmático nos ratos, foi feita por Lovati et al., (1992). Neste estudo, observou-se que

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    Tabela I-1.3- Actividade expressa de péptidos/proteínas bio-activos, provenientes de sementes de leguminosas

    Péptidos/proteína

    Semente de leguminosa

    Actividade intrínseca Actividade biológica

    Cadeia α´ da globulina 7S

    Soja n.d. -Regulação dos receptores-LDL - Redução do colesterol e dos triacilglicérois plasmáticos - Actividade anti-ateromatosa

    Proteínas de reserva não definidas

    Fava, tremoço e outras

    n.d. -Redução do colesterol e dos triacilglicérois plasmáticos

    Inibidor (Bowman-Birk) das proteases de serina

    Soja, ervilha e outras

    Inibidor da tripsina/quimotripsina

    - Anti-cancerígeno - Anti-inflamatório - Anti-obesidade -Anti-degenerativo e doenças auto-imunes

    Inibidor da α-amilase Várias fontes Inibidor da α-amilase - Controlo do peso - Obesidade - Diabetes

    γ-Conglutina Tremoço n.d. - Hipoglicémica - Hipocolesterémica

    Lectinas Várias fontes Ligação a grupos glicosilo

    - Anti-cancerígeno - Imuno-modulação

    ACE inibidor de péptidos

    Soja Tratamento com alcalase/fermentação das proteínas de soja

    - Hipotensivo

    n.d.: não disponível

    (adaptado de Duranti, 2006)

    além da redução da ordem dos 35% em colesterol plasmático nos ratos, também o teor dos triacilgliceróis, tinha uma redução. Estudos posteriores revelaram que era a subunidade α´ da globulina 7S que conferia esta actividade (Duranti et al., 2004), estando neste momento, os mesmos investigadores a testar a possibilidade de clonagem e expressão, desta subunidade, em organismos hospedeiros apropriados, que permitam obter a subunidade α´, com bioactividade. Estas evidências directas, que suportam a associação epidemiológica, entre a ingestão das proteínas de soja e a prevenção do risco das doenças cardiovasculares

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    (Anderson e Major, 2002) levaram, devido ao grande impacto na saúde do homem, ao estudo de outras sementes de leguminosas, com efeito na homeostase lipídica (Lasekan et al.,1995; Dabai et al., 1996). Sirtori e colaboradores (2004), relatam, pela primeira vez, o envolvimento de proteínas do tremoço (Lupinus), na redução do colesterol no plasma total, assim como dos níveis de LDL- colesterol no rato, tendo-se avançado a hipótese de ser a γ-conglutina, a proteína responsável. Outros estudos foram encetados, com a Vicia faba, tendo também sido promissores, devido à acção benéfica manifestada sobre os lípidos. Weck e colaboradores (1983), tinham já demonstrado que, em ratos hipercolesterémicos, a Vicia faba tinha uma eficácia comparável à da soja, na redução do colesterol. Este efeito, foi posteriormente confirmado por Macarulla et al., (2001). i.i. Controlo glicémico efectuado por alguns componentes químicos de Lupinus Alguns alimentos ricos em hidratos de carbono induzem, após ingestão, uns mais que outros, uma redução da hiperglicémia e hipercolesterémia (Lang et al., 1999). Estes alimentos de baixo índice glicémico (IG), originam na resposta pós-prandial, um baixo teor de glucose no sangue, quando comparado com um alimento de referência. As sementes de leguminosas exibem um baixo IG, que se pensa poder atribuir à sua constituição em amido, que actua por redução da absorção do colesterol e da glucose (Jenkins et al., 1988). Põe-se, no entanto, a questão seguinte: e as leguminosas que contêm menos amido, e exibem este tipo de actividade, como a soja e o tremoço? Vários autores dão a sua contribuição a esta problemática, indicando possíveis factores envolvidos. a) proteínas O tremoço é uma leguminosa rica em proteínas, em que as suas propriedades medicinais têm sido exploradas, tendo sido, particularmente descrita a actividade anti-diabética em sementes tostadas (Orestano, 1940). O estudo do princípio activo responsável por esta actividade de controlo da glucose, levou ao estudo de uma proteína específica, a γ-conglutina, em Lupinus albus (Scarafoni et al., 2007), que representa 5% das proteínas totais da semente e cuja função permanece desconhecida. Esta proteína, devido à sua semelhança de sequência aminoacídica (63%) com a proteína Bg7S da soja, que exibe ligação à insulina (Hanada e Hirano, 2004), revelou-se uma séria candidata como hipoglicemizante, tendo sido feito,

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    recentemente, o seu estudo molecular e metabólico. A γ-conglutina isolada revelou, in vitro, ligar-se à insulina e, em ensaios de actividade biológica realizados em ratos, em que se ministrou a proteína na dieta, demonstrou reduzir os níveis de glicemia, dum modo semelhante à droga anti-diabética a metformina (biguanida) (Magni et al., 2004, Morrazoni e Duranti, 2004). As dietas terapêuticas à base de proteínas/péptidos, são dietas particularmente complexas devido às várias transformações que estes nutrientes sofrem desde a produção da formulação até à sua digestão. No estudo dos péptidos e proteínas biologicamente activos deve-se ter em atenção todo o caminho metabólico e alterações fenotípicas sofridas, incluindo: - estabilidade da estrutura do polipéptido e da conformação nativa, durante o percurso gastro-intestinal; - modalidades de absorção ao nível da barreira intestinal; - destino metabólico e eliminação; - efeitos tópicos versus efeitos sistémicos; - identificação do modo de acção: direccionado para células marcadas (receptores?); - acção indirecta (veiculação e/ou interacção com outros componentes); - número de variáveis, que incluem resposta individual, modo de administração (formulação), efeito da matriz, processo de produção e potencial alergenecidade. Como se pode prever, perante tantas variantes, é difícil controlar a biodisponibilidade de uma proteína/péptido e estabelecer dosagens apropriadas, sem antes efectuar um estudo concertado envolvendo estes parâmetros. b) alcalóides quinolizidínicos A lupanina e a esparteína são alcalóides quinolizidínicos. Estes alcalóides reduzem os níveis de glucose no sangue, actuando por inibição dos canais de K+ e Na+ ao nível do pâncreas (Paolisso et al., 1985; Körper et al., 1998) e aumentando a secreção de insulina, dum modo semelhante à droga anti-diabética glibenclamida (sulfonilureia). A acção controladora do ATP, ao nível dos canais de K+, desempenha um papel crucial na secreção da insulina (Fig.I-1.1). Quando os níveis de glucose aumentam no sangue, as células dos ilhéus de Langerhans libertam insulina, o que vai aumentar a utilização de glucose em muitos tecidos. A glucose sanguínea vai ser transportada activamente, por um transportador de glucose (GLUT2), para as células dos ilhéus de Langerhans. Esta glucose é metabolizada na glicólise e ciclo do ácido cítrico, sendo

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    convertida em CO2 e H2O, com a formação de ATP ao nível da cadeia respiratória. Na membrana celular, o ATP formado vai bloquear os canais de KATP, o que vai alterar o potencial de membrana de -65 para -30 mV, promovendo a sua despolarização. Esta despolarização vai activar os canais de Ca2+, que são voltagem dependente, permitindo que os iões Ca2+ entrem na célula. O sinal de Ca2+ conduz ao aumento da exocitose das vesículas que armazenam a insulina, promovendo posteriormente a entrada da glucose nas células do organismo e baixando, a circulação da glucose sanguínea. Se os canais de KATP forem bloqueados externamente, por exemplo, com uma droga como a glibenclamida, a insulina é libertada, baixando os níveis de glucose no sangue. Parece que os alcalóides do Lupinus (lupanina, 13-hidroxilupanina e 17-oxolupanina) actuam do mesmo modo (Garzia-Lopez et al., 2004). A aplicação tradicional de sementes de Lupinus amargo (com um teor de alcalóides > 0,04% (m/v)) na medicina tradicional parece, assim, ter o seu lado racional. Não se pode, no entanto, fazer um uso sem controlo, porque convém não esquecer que estes constituintes são neurotoxinas fortes, e que nas doses testadas (1 mM, para revelar a actividade anti-diabética) são tóxicos (Wink, 2005).

    Transportador de Glucose

    Bloqueio do canal de K+ pela esparteína

    Insulina excretada das vesículas

    Canal de Ca2+

    Canal KATP+

    AQ

    Glucose

    Fig.I-1.1- Regulação da insulina libertada dos ilhéus de Langerhans, pela glucose. (adaptado de Wink, 2005)

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    c) hidratos de carbono e fibras não digeríveis As sementes são ricas em oligossacáridos que não são digeridos pelo nosso organismo, assim como em fibras, indo influenciar a digestão. Estes dois grupos de compostos vão actuar por redução da absorção dos açúcares e do colesterol, ajudando a reduzir o peso corporal. Como a obesidade é um factor de risco na diabetes mellitus do tipo 2, este tipo de acção contribuirá, assim, para o controlo desta doença. i.i.i. Acção anti-carcinogénica das sementes de leguminosas a) proteínas de leguminosas (inibidores de proteases e de lectinas) Entre os potenciais micro-componentes com acção protectora contra o cancro, que poderão estar presentes em concentrações variáveis nas sementes de leguminosas, estão incluídos os inibidores de proteases, as saponinas, os fitosteróis, as lectinas e os fitatos (Mathers, 2002). Segundo Mathers (2002), de 58 estudos feitos (revisão até 1997), os resultados obtidos não foram conclusivos acerca da protecção conferida pelas leguminosas para o risco de cancro. Continuam, no entanto, a realizar-se estudos sobre a acção de determinadas classes de proteínas de leguminosas, que parecem ter um papel protector; são os casos dos inibidores de proteases e das lectinas. As proteases são consideradas peças-chave em muitos processos biológicos, estando relacionadas com diversas doenças, incluindo a progressão do cancro (Clemente et al., 2004). A acção dos inibidores enzimáticos, poderá prevenir ou bloquear certas patologias tumorais. Estudos com inibidores das proteases de serina, da família do inibidor Bowman-Birk (IBB), provenientes da soja (Glycine max), mostraram uma acção de sustentação, impedindo a progressão de determinados tumores de mamíferos (Kennedy, 1998). Mais recentemente, Clemente e colaboradores (2004), relatam o efeito anti-proliferativo do IBB da ervilha (Pisum sativum) em células de cancro do colo do útero, com um efeito muito mais intenso que o exercido pelo IBB da soja. O IBB é um duplo inibidor, que pode inibir simultaneamente as proteases tripsina e quimotripsina, tendo sido proposto que a actividade anti-quimotríptica é a mais efectiva na supressão da transformação por indução carcinogénica.

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    Além dos efeitos anti-carcinogénicos, os IBBs também mostraram actividade anti-inflamatória mediada por proteases, como por exemplo, a redução da colite ulcerosa no rato (Ware et al., 1999). De Freitas e colaboradores (2003) relatam o emprego dos IBBs em doenças degenerativas autoimunes, incluindo a esclerose múltipla, o síndrome de Guillain Barré e a atrofia muscular esquelética (Sweeney, 2005). As lectinas são moléculas biologicamente activas, desde sempre, consideradas promissoras. Quando da sua aplicação, observaram-se numerosos efeitos negativos, incluindo indução de hiperplasia do intestino delgado, alterações da flora intestinal, actividade imunomoduladora, interferência com secreções hormonais e acesso à circulação sistémica (Pusztai et al., 1996), que impediram a sua utilização directa. De qualquer modo, experiências em animais modelo têm sido conclusivas de que as lectinas podem limitar o crescimento tumoral, promovendo hiperplasia do epitélio dos intestinos (Pryme et al., 1998, 1999). b) Isoflavonas Comum às outras leguminosas, o Lupinus acumula vários isoflavonóides, ao nível das folhas, raízes e sementes. Algumas isoflavonas actuam como estrogénios, podendo ligar-se a receptores do estrogénio ou a outras hormonas sexuais (Jury et al., 2000). O exemplo melhor estudado é o da genisteína, presente no Lupinus, ao nível das sementes e partes aéreas. Esta molécula mimetiza a estrutura do estradiol, uma hormona sexual feminina dos vertebrados. Diferentes extractos de sementes germinadas de L. albus, dos quais se isolaram vários compostos, foram ensaiados e testados comparativamente com uma droga, o tamoxifeno, que se usa na terapêutica contra o cancro, devido à sua ligação aos receptores do estrogénio. Verificou-se que extractos etanólicos de L. albus, que continham isoflavonas, exibiam uma actividade estrogénica semelhante à do tamoxifeno. As isoflavonas têm, ainda, outras propriedades farmacológicas, além das fitoestrogénicas. A genisteína inibe a tirosina cinase (activa os genes responsáveis pela divisão celular), que é fortemente activada em alguns tumores. A inibição da tirosina cinase é um factor importante, especialmente em tumores do tipo linfoma (Wink, 2005). Estudos epidemiológicos sugerem que humanos, consumidores de produtos à base de soja, ricos em genisteína e outras isoflavonas, têm uma baixa incidência de certos cancros, especialmente da mama, cólon e próstata (Birt et al., 2001; Osoki e Kennely, 2003).

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    As isoflavonas, mas também outros compostos presentes no Lupinus (flavonóides e taninos), podem actuar como antioxidantes. Os antioxidantes são provavelmente importantes na prevenção da aterosclerose e doenças cardiovasculares relacionadas, da inflamação crónica e do cancro (Yamakoshi et al., 2000). i.v. Controlo do peso/obesidade A obesidade é uma doença complexa, com consequências médicas sérias. Tem vindo a aumentar, principalmente nos países ricos, ao nível da população jovem e adulta, podendo, em algumas regiões, os obesos representarem 50% da população adulta. A dieta associada a um estilo de vida saudável poderá resolver parte do problema. Vários estudos indicam que as proteínas dão uma maior satisfação e saciamento, aquando da sua ingestão, superior à dos hidratos de carbono e gorduras (Anderson et al., 1999). A ingestão de proteínas de leguminosas poderá trazer benefícios, provocando perda de peso. Foi já demonstrado que o inibidor proteico da α-amilase do trigo, retarda a absorção dos hidratos de carbono e reduz a máxima concentração de glucose plasmática, obtida no pós-prandial, sem dependência de malabsorção (Lankisch et al., 1998). O uso dos inibidores da α-amilase têm sido usados como moléculas nutracêuticas, estando já algumas formulações provenientes de várias fontes, patenteadas, para o exercício do controlo da obesidade e da prevenção da diabetes (Suzuki et al., 2003; Muri et al., 2004). v. Veiculação de micronutrientes minerais As sementes de leguminosas, apesar de serem uma fonte bastante boa de minerais, contêm alguns componentes de carácter antinutricional, os fitatos, que poderão complexá-los, e, por isso, diminuír a sua biodisponibilidade, não sendo absorvidos (Messina, 1999).Também os polifenóis são dos inibidores mais potentes da absorção dos metais. Os minerais necessitam, ainda, de terem um veículo de transporte, que os leve através do tracto intestinal, que poderão ser proteínas. Um exemplo é a γ-conglutina de Lupinus albus, que além de ter propriedades hipoglicemizantes, tem também capacidade de interagir com vários minerais (Zn2+, Cu2+ e, em menor extenção, da proteína aos metais Cr3+, Fe3+, Co2+, Ni2+, Cd2+ e Sn2+. Foi demonstrado que a capacidade de ligação está relacionada com os numerosos resíduos de histidina, concentrados no polipéptido maior da subunidade proteica da γ-conglutina (Duranti et al., 2001).

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    1.2.6- Modificações genéticas das sementes de leguminosas e propriedades nutracêuticas A complexidade e o desconhecimento de muitos dos mecanismos de acção da maioria das proteínas/péptidos bioactivos e dos seus requerimentos moleculares, para uma administração apropriada, fazem com que a modificação genética de organismos ainda esteja longe de ser aplicada ao campo nutracêutico. O interesse nesta área está, no entanto, a suscitar grande atenção para a produção de proteínas recombinantes com alto valor nutricional/valor terapêutico. Dos poucos exemplos, que se podem citar, é o da introdução de um péptido bioactivo numa proteína de reserva canónica. A ovoquinina, um potente péptido hipotensivo (desenhado com base num péptido, com actividade vasorelaxante derivado da ovalbumina), foi introduzido em locais homólogos do domínio da subunidade α´ da globulina 7S da soja (Matoba et al., 2001), a mesma proteína que mostrou ter actividade hipocolesterémica. O resultado foi um aumento de 800 a 2000 vezes da actividade da ovalbumina. Esta aproximação ilustra as enormes potencialidades desta técnica, como ferramenta, para introduzir péptidos heterólogos em alimentos tradicionais à base de plantas.

    1.3- Estudo das espécies Lupinus albus e Vicia sativa 1.3.1- Características botânicas e distribuição geográfica Durante muito tempo, atribuiu-se uma importância acescida ao estudos da domesticação e difusão de plantas cerealíferas, cultivadas no ″Mundo Antigo″, comparativamente ao estudo das leguminosas. Alguns autores propõem que a domesticação das leguminosas, se deu primeiro que a dos cereais, enquanto outros, dizem que deve ter sucedido a par (Blumler, 1991). Estudos arqueológicos realizados no Próximo Oriente, e pertencentes ao Período Neolítico, confirmaram a existência de quatro leguminosas; ervilha (Pisum sativum), ervilhaca amarga (Vicia ervilia), lentilha (Lens culinaris Med.) e grão-de-bico (Cicer arietinum L.) (Zohary e Hopf, 2000). O género Lupinus L., pertence à tribo Genisteae, à divisão Angiospermae e à sub-classe Dycotyledoneae, sendo um membro da família Leguminosea (Fabaceae) (Kurlovich, 2002). Apesar de taxonomicamente ser mais correcto o emprego de Fabaceae, para a designação da família, a que pertence o género Lupinus L., o

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    ″International Code of Botanical Nomenclature″ considera igualmente correcto, a aplicação de Leguminosae para a denominação desta família, tendo sido acordado, nas convenções de ST Louis (1999) e de Viena (2005). Segundo o artigo 18.5 do ″International Code of Botanical Nomenclature″, o nome Leguminosae é validamente publicado, devido a ser considerado válida a conservação de nomes de família, pelo uso muito generalizado e enraizado. Os tremoceiros existiram originariamente, em três linhagens filogenéticas distintas: os tremoçeiros originários do Mediterrâneo e da África, aproximadamente 12 espécies; os tremoceiros originários da América do Norte, Centro e Sul, aparentemente 200-400 espécies, dependente dos autores, e os tremoceiros da América do Atlântico Sul (principalmente Brasil), aproximadamente 30 espécies (Wink, 2005). O cultivo do tremoço, a nível mundial faz-se tradicionalmente com incidência sobre quatro géneros: L. albus, L. angustifolius, L. luteus e L. mutabilis. Muitas espécies de tremoceiros têm uma adaptabilidade boa a terrenos arenosos e inférteis, possuindo nódulos de Rhizobium de crescimento lento. A bactéria Bradyrhizobius sp. permite a fixação de azoto e a sua transformação em formas utilizáveis pela planta. Este sistema de fixação de azoto é um aspecto importante do ponto de vista de produção agrícola, porque permite a utilização de menores quantidades de adubos azotados. A adaptabilidade das plantas do género Lupinus tornou-as importantes, quer para fertilizar solos anteriormente áridos, quer para associar a sua cultura a outras espécies. As plantas da espécie Vicia sativa L., pertencem à subdivisão Angiospermae, à classe Dicotyledoneae, ordem das Fabales, sendo um membro da família Leguminosae (termo escolhido em vez de Fabaceae, pelos motivos já explicados anteriormente) e da tribo Vicieae. Conhecidas com o nome comum de ervilhaca-comum, ou ervilhaca-mansa, são plantas forrageiras, nativas da região mediterrânica, sendo actualmente sub cosmopolita, e cultivadas extensivamente para produção de forragens (Papastylianou, 2004). Esta planta fez sempre parte da alimentação animal, e talvez da humana, o que foi atestado perante os achados de restos de sementes, pertencentes ao período Neolítico (de há 6000 anos) encontrados no Sul de França, na Síria, Turquia, Bulgária, Hungria e Eslováquia. Existem ainda registos fósseis, relativos ao antigo Egipto, e à Idade do Bronze, encontrados na Eslováquia. Evidências da seu cultivo, só existe contudo, na era românica (Zohary e Hopf, 1973 e 2000; Bouby e Léa, 2006). Achados arqueobotânicos, encontrados no Sul de França (de há 6000 anos), testemunham que a cultura da ervilhaca era associada com a de outras plantas, como: cevada (Hordeum vulgare L.), trigo (Triticum aestivum L.) e

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    chícharo miúdo (Lathyrus cicera L.), entre outras (Bouby e Léa, 2006), à semelhança das práticas actuais. Hoje, em dia, a ervilhaca usa-se, principalmente na alimentação animal, como forragem, tal como há 6.000 anos, e em práticas de melhoramento do solo. A utilização da Vicia sativa, na alimentação animal, quando associada aos cereais, aumenta a qualidade das forragens, devido ao seu elevado teor proteico (Lithourgidis et al., 2006), quando comparado com o dos cereais. A associação da cultura da Vicia sativa, com a de monocotiledóneas, como a cevada (Hordeum vulgare L.), o trigo (Triticum aestivum L.) e aveia (Avena sativa L.), aumenta a qualidade da forragem (Thompson et al., 1992) , o rendimento da colheita, diminui a invasão por infestantes, facilita a apanha mecânica e aumenta a conservação do solo (Vasilakoglou et al., 2005). A competição entre espécies, parece ser um dos factores que diminui a qualidade e o rendimento das forragens, no entanto, para a associação entre cereais e leguminosas, não existe descrição de tal situação.

    1.3.2- Breve revisão bibliográfica para as espécies Lupinus albus e Vicia sativa 1.3.2.1- Lupinus albus Para a espécie Lupinus, há já cerca de aproximadamente seis décadas que vários autores se dedicam a investigar a constituição e caracterização das suas proteínas de reserva. Por comparação com outras leguminosas, algumas espécies do género Lupinus possuem sementes com o teor proteico mais elevado. Estudos sobre 99 genótipos de L. angustifolius revelam que o teor de proteína bruta dos extractos obtidos, a partir do seu teor em N, variam de 30 a 50%, em que somente, 5 a 10% representam as albuminas (Blagrove e Gillespie, 1978) (convém lembrar que, todavia, este método de calculo sobrestima o teor de proteína, devido à grande quantidade de aminoácidos livres que existem nas plantas e ao facto destas proteínas terem muitos aminoácidos com vários átomos de azoto). A fracção albumínica, em termos aminoacídicos, contém dos níveis mais elevados de muitos AA, incluindo cisteína, lisina e particularmente metionina (esta particularidade relaciona-se directamente com o papel fisiológico destas proteínas que é essencialmente metabólico, contrariamente ao das globulinas, que é de reserva).

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    A caracterização das proteínas de reserva, da semente, do Lupinus foi feita inicialmente por Joubert (1955a,b; 1956), evidenciando duas globulinas nos extractos de sementes de Lupinus luteus (tremoçeiro amarelo) e Lupinus albus (tremoçeiro branco) e três no Lupinus angustifolius (tremoçeiro de folhas estreitas), determinando ainda o seu comportamento electroforético e de sedimentação. Ainda para o género Lupinus, Gillespie e Blagrove (1975a) separaram três globulinas (α-conglutina, β-conglutina e γ-conglutina) do Lupinus angustifolius e, constataram que a terceira fracção, o componente menor, era muito rico em AA sulfurados, contrastando com as outras duas fracções. Os mesmos autores realizaram estudos sobre diferentes espécies de Lupinus e verificaram que o Lupinus albus era dos mais ricos em γ-conglutina (Gillespie e Blagrove, 1975b). Estudos mais recentes categorizaram as globulinas do Lupinus albus em quatro classes de proteínas de reserva denominadas conglutinas: α-conglutina, β-conglutina, γ-conglutina e δ-conglutina (Melo et al., 1994). A análise proteómica, comparada, do L. albus, para as fracções 11S (α-conglutinas), 7S (β-conglutinas), e proteína básica 7S (denominada pelos autores como γ-conglutina), com um extracto total proteico de L. albus, foi feita por Magni et al. (2007). Este estudo e, os resultados obtidos, permitiram compreender o polimorfismo existente ao nível das proteínas de reserva do Lupinus albus. 1.3.2.1.1- Globulinas 11S As α-conglutinas são proteínas 11S, constituídas por subunidades de elevada massa molecular (SDS-PAGE), que variam, de acordo com cada espécie, em número de subunidades e massa molecular e, em que as cadeias polipeptídicas estão unidas por ligações dissulfureto. São proteínas hexaméricas, de ≈300 kDa. Para o L. albus estas proteínas são glicosiladas e, são constituídas por quatro tipos maioritários de subunidades (53, 60, 66 e 70 kDa), assim como um número menor de subunidades. É possível observar alguma heterogeneidade, como consequência da glicosilação diferenciada (Restani et al., 1981). Após redução, cada uma destas quatro subunidades, divide-se numa cadeia polipeptídica, maior, glicosilada (cadeia-α; 31, 36, 42 e 46 kDa, respectivamente), e numa cadeia menor, não glicosilada (cadeia-β; 19 kDa), que é comum a todas as outras quatro subunidades. A presença única de um resíduo serina na sequência Asn-Xaa-Ser , da subunidade 44 kDa da α-conglutina, quando comparada com todas as outras tipo-leguminas ou globulinas 11S de outras

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    espécies, faz com que esta seja a única proteína, desta classe, a ter um hidrato de carbono ligado covalentemente. A α-conglutina, do L. albus, é uma proteína hexamérica, de 314 kDa e, o oligómero tem um coeficiente de sedimentação de 12S. Existe, igualmente um oligómero 7S, em reunião trimérica. Ambos estão num equílibrio reversível associação-dissociação, com a molécula 12S (Duranti et al., 1988). A α-conglutina representa o produto de genes codificantes de percursores contíguos, processados proteoliticamente, a nível pós-traducional, durante o desenvolvimento da semente em α e β polipéptidos, ou seja, os α e β polipéptidos, da α-conglutina, têm o mesmo percursor polipéptidico, o qual durante o desenvolvimento da semente é convertido, por clivagem pós-traducional, nas cadeias α e β maduras com continuidade polipéptidica (Jonhnson et al., 1985). Quatro percursores polipéptidicos glicosilados de massas moleculares entre 64 a 85 kDa, resultam num número de α polipéptidos de diferentes tamanhos (Gayler et al., 1989; Duranti et al., 1992). A conversão proteolítica dos percursores do tipo-legumina, do tremoço, afecta grandemente a capacidade de associação dos oligómeros: somente é possível a reunião trimérica para os percursores polipeptídicos, prolegumina; as associações triméricas e hexaméricas são permitidas para os polipéptidos de legumina madura (Cerletti et al., 1993). A legumina isolada de sementes de lupinus em desenvolvimento, contém oligómeros, quer de percursores, quer polipéptidos maduros. Os oligómeros heterogénios, representam intermediários no processamento da prolegumina em legumina madura. Para a reunião em hexâmero parece ser condição necessária uma baixa concentração em prolegumina (Duranti et al., 1992; Cerletti et al., 1993). 1.3.2.1.2 - Globulinas 7S As β-conglutinas, são globulinas 7S, tipicamente triméricas de massa molecular de ≈150 a 190 kDa, que não contêm resíduos de cisteína, não formando pontes dissulfureto. A sua composição detalhada em subunidades é bastante variável devido ao diferente processamento pós-traducional, como proteólise limitada e glicosilação, que estas proteínas podem sofrer. Estas globulinas são compostas por 10 a 12 tipos de subunidades maiores (de 15 a 72 kDa), e um número considerável de polipéptidos menores, sem pontes dissulfureto (Petterson, 1998). Nas sementes em desenvolvimento, a β-conglutina é sintetizada como percursor o qual sofre processamento proteolítico. O percursor da β-conglutina consiste numa

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    série de polipéptidos de massa molecular de 66 a 72 kDa, no L. angustifolius (Gayler et al., 1984) e, de 43 a 68 kDa para o L. luteus (Deckert e Gwozdz, 1991). Tem sido demonstrado que estes propolipéptidos se reúnem em formas multiméricas de massa molecular de ≈190 kDa (Gayler et al., 1984). Os cotilédones em desenvolvimento do L. albus, 35 dias após a florescência, contêm um polipéptido maior de 64 kDa, que é o percursor da β-conglutina. Este polipéptido desaparece durante a maturação da semente. O oligómero percursor, de 190 kDa, consiste numa associação de três subunidades de 64 kDa, que contêm hidratos de carbono ligados covalentemente (Duranti et al., 1992). Durante a germinação, 3 a 5 dias após, a β-conglutina sofre uma enorme alteração, em estrutura e concentração, que envolve o aparecimento de novos polipéptidos. Um grupo de polipéptidos aumenta entre os 5 e 11 dias, após germinação, com acumulação, particularmente evidente, de um polipéptido de 20 kDa (Ramos et al., 1997). O estudo de actividade e caracterização bioquímica do polipéptido de 20 kDa, revelou a sua importância, pela acção tóxica exercida contra insectos e fungos. Parece, que este polipéptido, resulta de uma acção de defesa da planta, que visa a adaptação do Lupinus, ao ambiente, do modo a minimizar, os efeitos dum ataque por fungos e insectos (Ferreira et al, 2003). 1.3.2.1.3- Globulinas características das sementes do género Lupinus a) γ-Conglutina A γ-conglutina, é uma glicoproteína da semente do tremoço, de massa molecular nativa de 115 kDa e de coeficiente de sedimentação de 9.8S (Franco et al., 1997), oligomérica, cuja função ainda continua desconhecida. Esta proteína característica das sementes do género Lupinus, foi isolada do L. albus, L. angustifolius e L. luteus (Elleman, 1977; Citharel e Delamarre, 1989; Deckert e Gwózdz, 1991; Melo et al., 1994). Não existe exclusivamente nos cotilédones, mas também no eixo embrionário da semente e nas raízes (Duranti et al., 1996). É uma proteína com características únicas, em que a sua sequência não encontra homologia com qualquer outra proteína canónica, da família das leguminosas (Scarafoni et al., 2001). Apresenta características comuns às leguminas (α-conglutina) como sejam: - presença de AA sulfurados na molécula;

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    - formação de pontes S-S; - constituída por um polipéptido básico (o maior) e um polipéptido ácido de menor massa molecular (ao contrário do que acontece para as leguminas).

    Para o L. luteus e, segundo Esnault et al. (1991), esta proteína apresenta uma massa molecular de 41 kDa que, por acção do β-mercaptoetanol, se subdivide nos polipéptidos de 33 e 17 kDa, cujos pontos isoeléctricos (pIs) são respectivamente de 7,5 e 6,0. Relativamente ao L. angustifolius, Blagrove e Gillespie (1975) e Blagrove et al. (1980) relatam, os primeiros, uma massa molecular de 40 kDa que, por acção redutora, origina dois polipéptidos de 28 a 30 kDa e 16 a 17 kDa. Os segundos autores referem para a proteína isolada uma massa molecular de ≈43 a 45 kDa, quando estimadas por SDS-PAGE e, de 47 kDa quando a determinação é feita por equilíbrio de sedimentação. No que diz respeito ao L. albus, Cerletti (1983) regista, para a γ-conglutina, uma massa molecular de ≈43 a 45 kDa que, após redução das pontes S-S, é divisível em dois polipéptidos de 28 e 16 kDa. Ainda para a mesma espécie, o fraccionamento e estudo da γ-conglutina foi realizado por Citharel e Delamarre (1989) e Melo et al. (1994), que reportaram massas moleculares semelhantes, de 43 e 40 kDa, respectivamente, tendo-se obtido, para cada uma destas proteínas, os polipéptidos de 30 e 17 kDa, para a fracção de 43 kDa e, de 26 e 18 kDa, para a fracção de 40 kDa. O estudo da γ-conglutina tem ainda sido feito a vários outros níveis: ao nível da germinação, tendo alguns autores concluído não ser proteína de reserva por só se degradar 15 dias após o início da germinação, Esnault et al. (1996), enquanto outros autores assinalam uma degradação, lenta, entre o 3º e o 11º dia de germinação (Ferreira et al., 1995), sendo no entanto bastante resistente à proteólise in vitro pela tripsina