Observações sobre casamentos de escravos em treze localidades de São Paulo (1776_1804_1829)

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    OBSERVAES SOBRE CASAMENTOS DE ESCRAVOS EM TREZE

    LOCALIDADES DE SO PAULO (1776, 1804 e 1829).

    Francisco Vidal Luna 1

    LUNA, Francisco Vidal. Observaes sobre Casamento de Escravos em TrezeLocalidades de So Paulo (1776, 1804 e 1829), Anais do Congresso sobre Histriada Populao da Amrica Latina, So Paulo, ABEP/SEADE, 1989. Tambmpublicado como: Casamento de Escravos em So Paulo: 1776, 1804, 1829,In: NADALIN, Srgio et alii. Histria e Populao: Estudos sobre a Amrica Latina,So Paulo, ABEP/SEADE, 1990.

    Em trabalhos recentes de demografia histrica verifica-se a intensificao dosestudos referentes ao escravismo no Brasil. Dentre as vrias questes assim tratadas,merece realce o tema da famlia escrava, fundamental no entendimento da reproduodaquela populao ( ver, entre outros, GRAHAM, 1979; LUNA & COSTA, 1981 ; LUNA,1988 ; METCALF, 1983 ; COSTA & GUTIRREZ, 1984 ; COSTA et al., 1987 ;SCHWARTZ, 1986 ; RAMOS, 1986 ; SLENES, 1987 ; GUTIRREZ, 1987 e MOTTA,1988 ). O estudo ora apresentado, procura contribuir na questo, sem discutir a famliapropriamente dita, mas sim as caractersticas demogrficas dos escravos existentes em

    So Paulo em trs diferentes anos: 1776, 1804 e 1829.

    Nesses anos e para treze localidades, analisamos o sexo, a idade, a origem e asituao conjugal dos escravos, relacionando tais informaes com variveis de naturezaeconmica, como a atividade do respectivo proprietrio e o nmero de escravos que omesmo possua.

    Como fonte documental bsica, servimo-nos das Listas Nominativas dosHabitantes, manuscritos do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo2. Os anos de 1776e 1829 representam os extremos nas sries de censos disponveis; 1804 constituipraticamente o ponto mdio no perodo considerado e ao mesmo tempo corresponde a

    um ano para o qual existe ampla pesquisa demogrfica referente a Minas Gerais, o quepermitir , futuramente, uma comparao ou integrao dos estudos.

    A sociedade estabelecida em So Paulo concentrava-se essencialmente napecuria e no cultivo agrcola, tanto de produtos destinados exportao (acar, caf efumo) como aos gneros de subsistncia (milho, arroz, feijo e mandioca). Exceto nacidade de So Paulo, nas demais as mltiplas atividades comerciais ou artesanaisrepresentavam efetivamente um complemento ou apoio daquela mais importante, ouseja, a agricultura. Na cidade de So Paulo, com caractersticas mais urbanas,concentrava-se uma significativa variedade de servios, pouco frequentes nas demaislocalidades estudadas.

    1 Professor da Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de So Paulo

    2 Como fonte primria, servimo-nos das Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo doEstado de So Paulomanuscritos tambm conhecidos como Maos de Populao .

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    Caractersticas Demogrficas da Populao Escrava

    A populao estudada alcanava os seguintes nmeros para o conjunto das trezelocalidades: 2.263 proprietrios e 11.818 escravos em 1776; no ano de 1804 esses totaisalcanavam 3.759 e 21.689, respectivamente; por fim, em 1829 os nmeros encontradossituavam-se em 4.988 (senhores) e 32.695 (cativos).

    Pelos totais acima, v-se o marcante crescimento no nmero de escravos erespectivos proprietrios, particularmente entre 1777 e 1804. Os cativos apresentaramexpanso da ordem de 88% e os senhores, de 66%. Esse aumento deu-se de maneiradiferenciada entre as treze localidades, seja por questes puramente populacionais ou pordesmembramentos. Guaratinguet, por exemplo, ao longo do perodo, sofreu profundasredues em sua rea fsica, com a autonomia de Lorena, Areias e Cunha.

    Encontramos o maior nmero de proprietrios na cidade de So Paulo (entre 13 e18% dos senhores existentes nas treze localidades).Quanto aos escravos, em 1776 e1804, So Paulo e Itu representavam as reas mais populosas. Entretanto, em 1829,

    Areias, autnoma desde 1817, ultrapassava as demais, com 5.597 cativos. Em SoPaulo, contamos nesse ano 3.139 escravos; em Itu, 4.173.

    Nos trs anos, manteve-se o predomnio masculino, com marcantes diferenasentre anos e localidades. Em 1776, no agregado das localidades, encontramos 113,5homens para cada grupo de cem mulheres; em 1804 resultou 118,7; no ltimo anoconsiderado a razo de masculinidade elevou-se para 148,7.

    Entre 1804 e 1829 deu-se em todas as reas o aumento na proporo de homensentre a populao escrava. Em apenas uma, Curitiba, havia proporcionalmente maispessoas do sexo feminino, com razo de masculinidade de 96,6. Nas demais, este

    indicador mostrou-se acima de 100, e, em algumas, como Areias, Cunha, Itu, Jundia eLorena, ultrapassou a marca dos 160 ( Tabela 1).

    Tabela 1Total de Escravos e Razo de Masculinidade

    1776 1829

    1776 1804 1829Localidade

    Nmero Razo Nmero Razo Nmero Razo

    Total 11.818 113,5 21.689 118,7 32.695 148,7Areias (1) 5.597 217,8Cunha (1) 1.327 157,7 1.562 167,9Curitiba (2) 1.801 92,2 1.161 96,6Guaratinguet 2.691 140,0 1.560 114,6 2.209 147,1Iguape 1.078 104,5 2.367 122,1Itu 1.710 113,7 3.581 149,5 4.173 166,5Jacare 305 94,3 494 93,7 1.298 155,0Jundia 611 105,0 797 157,9 2.081 178,6Lorena (1) 1.867 128,0 2.546 167,7Mogi das Cruzes 991 106,0 1.749 84,8 2.138 112,5

    So Paulo 2.240 92,7 3.560 107,5 3.139 109,0So Sebastio 719 123,0 2.415 131,8 1.519 122,4Sorocaba 1.048 113,4 1.460 112,8 2.485 129,1

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    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Localidades criadas depois de 1776.(2) No constam informaes dos escravos nos documentos.

    Pelos resultados obtidos, torna-se possvel especular a respeito de umaassociao entre o tipo de atividade produtiva e a razo de masculinidade dos escravos.Onde e quando mais fortemente se efetuavam os cultivos de "exportao" (principalmentecaf e cana-de-acar) ampliava-se o peso masculino. Inversamente, nas reas de maiorconcentrao de atividades tpicas de agricultura de "subsistncia", ainda que comcomercializao de excedentes, caso da pecuria e cultivos de arroz, feijo, milho emandioca, ocorria maior equilbrio quantitativo entre os sexos, embora raramenteencontrssemos nmeros prximos a 100 ou maioria feminina.

    Ainda quanto ao sexo dos escravos, vejamos sua relao com a respectiva idade.Para o agregado de todas as localidades, em cada ano, nota-se a proporcionalidade entresexo e idade; a razo de masculinidade cresce ao passar-se para faixas etrias maiselevadas. A grande participao de nascidos no Brasil, entre as crianas e os jovens,menor nas idades mais avanadas, explica em parte esse resultado. Em 1829, quecorresponde, entre os anos estudados, ao de maior concentrao de africanos, enquantona faixa etria de 0-9 anos ocorria equilbrio quantitativo entre os sexos, na seguinte aproporo de homens para cada grupo de 100 mulheres alcanava 143,3; nvelultrapassado nas demais faixas etrias. Para verificar essa correspondncia entre faixaetria e razo de masculinidade, calculamos o coeficiente de correlao entre as duasvariveis. Para 1776 e 1804 o valor desse coeficiente ultrapassou 0,90. Em 1829, emboraainda positivo, o resultado encontrado reduziu-se para 0,47, possivelmente influenciadopelo peso dos africanos, com elevada razo de masculinidade e concentrados nas idadesde 20 a 39, 40 anos. Nessa faixa etria encontramos 56,3% dos africanos e 30,9% dosnascidos no Brasil (Tabela 2).

    Vejamos a representatividade dos casados e vivos entre a populao escravacom 15 anos e mais. Embora nos documentos utilizados a situao conjugal dosescravos de modo geral especificava-se claramente, com a identificao de "solteiro","casado" e "vivo", em nenhum deles encontramos explicitao a respeito do efetivosignificado dessa relao. No podemos determinar se representam relaessacramentadas pela igreja, nem o seu nvel de estabilidade.

    Tabela 2Faixa Etria e Razo de Masculinidade dos Escravos (1)

    1779 1829

    Faixa Etria 1776 1804 18290 - 9 108,8 96,9 98,0

    10 -19 95,4 111,5 143,320 - 29 109,4 125,3 184,230 - 39 114,0 126,7 173,340 - 49 117,6 134,2 148,150 - 59 147,0 155,7 143,860 - 69 150,5 151,4 156,770 - 79 186,9 144,4 171,1

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Os dados referem-se ao conjunto das informaes disponveis para o agregado das localidades

    consideradas.

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    Infelizmente, em 1776, apenas nos censos de Guaratinguet e Jundiaconstatamos dados referentes situao conjugal. Nesse ano, nas duas localidades,encontramos uma porcentagem relativamente elevada de indivduos casados e vivos(26,8% em Guaratinguet e 30% em Jundia).

    Nos anos de 1804 e 1829, para os agregados da populao escrava, resultaramos percentuais de 30,2% e 27,5%, respectivamente. Com os dados desagregados emnvel de localidade, nota-se grande diferena entre as mesmas. Em 1804, por exemplo,

    encontramos reas com menos de dos adultos identificados como casados e vivos(Curitiba, Iguape, Jundia, So Paulo e So Sebastio); em outras, como Cunha,Guaratinguet, Itu, Lorena e Sorocaba, esse nmero ultrapassava a marca dos 33%. Demodo geral, a situao se repete em 1829, com percentuais a variar de 16,3% (SoPaulo) a 37,9% (Sorocaba). Ao final do artigo, com o estudo das atividades econmicasdos proprietrios, o tamanho do plantel e a participao dos escravos africanos,poderemos avanar no entendimento destes resultados (Tabela 3).

    Tabela 3Participao dos Escravos Casados e Vivos (1)

    1776 1829

    Localidade 1776 1804 1829Total - 30,2 27,5Areias 22,9Cunha 33,7 27,1Curitiba 25,5 22,7Guaratinguet 28,8 36,4 33,8Iguape 25,8 25,7Itu 36,0 34,1Jacare 28,7 28,1

    Jundia 30,0 22,2 33,7Lorena 33,4 27,5Mogi das Cruzes 28,7 27,0So Paulo 22,2 16,3So Sebastio 25,0 22,8Sorocaba 42,8 37,9

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Participao em relao aos escravos com 15 anos e mais.

    Gostaramos de chamar a ateno para os nmeros obtidos na Tabela 3. Como na

    maioria das localidades existia significativa disparidade entre o peso de homens emulheres na populao, para uma parcela dos homens tornava-se praticamenteimpossvel obter companheira estvel. Por exemplo, se considerarmos a populao deJundia, em 1829, com razo de masculinidade de 178,6, a mxima proporo dehomens casados vivel, dada a menor disponibilidade de mulheres, seria de 60%. Ouseja, para cada grupo de 178,6 homens, apenas 100 poderiam encontrar parceira. Nessalocalidade, nesse ano, a porcentagem de homens casados atingia 18,3%. Essadisparidade quantitativa entre homens e mulheres explica tambm a diferena percentualentre a proporo de homens e mulheres casadas e vivas. Em 1829, por exemplo,encontramos 22,1% dos homens classificados como casados ou vivos e 36,7% dasmulheres.

    Alm da disparidade quantitativa entre homens e mulheres, para o agregado dapopulao escrava, que por si influenciava negativamente as oportunidades de relaesconjugais estveis, a tendncia s unies dentro dos plantis (COSTA et al., 1987 :.254;

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    SLENES, 1987 :.223; METCALF, 1983) as dificultavam ainda mais, pois neste casotornava-se necessrio o equilbrio entre os sexos em nvel de fogo. Embora ocorressemcasamentos entre escravos e livres, principalmente livres forros, provavelmente o efeitoinibidor provocado pela preferncia na unies dentro dos plantis mais que compensavaesses casamentos de livres e escravos e reduzia a proporo de escravos queconseguiam uma relao conjugal estvel, comparativamente ao nmero potencialmximo calculado, quando se considera a populao escrava como um todo. Outro ajusteque poderia ser feito, tambm inibidor das possibilidades de casamento, diz respeito

    correspondncia entre as faixas etrias, em nvel do fogo entre os indivduos dos doissexos.

    Como exerccio, tomamos a cidade de So Paulo, em 1804, e verificamos asituao dentro dos plantis. Consideramos em cada plantel o nmero de adultos, entre15 e 49 anos. Dos escravos nessa condio, 1.188 encontravam-se em situao deequilbrio quantitativo quanto ao sexo oposto, dentro dos plantis, possibilitando aocorrncia de unies. Por outro lado, para 830 escravos, sendo 402 homens e 428mulheres, inexistia tal correspondncia. Por exemplo, em um plantel com cinco homens eduas mulheres, na faixa etria de 15 a 49 anos, dois homens e duas mulherespotencialmente poderiam estabelecer uma relao conjugal estvel, enquanto trs

    homens estariam em excesso e no teriam oportunidade de obter parceiras para si,admitida a hiptese extrema da ocorrncia de casamentos exclusivamente dentro doprprio plantel. Note-se que poderamos formular condies ainda mais restritivas,impondo para a classificao de um casal potencial uma relativa correspondncia emtermos de idade. Por exemplo, no caso extremo, um plantel com um homem de 15 anose uma mulher de 49, para nossos clculos, consideramos como representando um casalpotencial.

    Dentro dessas hipteses, o potencial mximo de escravos possvel de casamentoalcanava 58,9% da populao escrava existente em So Paulo, em 1804.

    A seguir, calculemos a relao entre as crianas de zero a quatro anos e de zero anove, respectivamente com as escravas existentes na faixa etria de 15 a 44 e 15 a 49anos. De modo geral, entre 1776 e 1829, para o agregado das localidades consideradas,tal proporo apresentou-se fortemente decrescente. Tal fato deve-se, provavelmente, intensificao na entrada de escravos africanos na rea. Entre estes predominavam osadultos, com reduzida participao de crianas, particularmente aquelas abaixo de 10anos. Alm do que, as africanas ao chegar possivelmente j haviam perdido parte de seuperodo frtil. A forma de registro, nos censos populacionais , das informaes referentess mulheres e s crianas, ao no associar mes e filhos, impede um estudo maisaprofundado quanto fertilidade das mulheres segmentadas por origem. As crianasnascidas no Brasil, quer originadas de mes africanas, quer de mulheres j nascidas noBrasil, qualificavam-se indistintamente como crioulas.

    Tal dificuldade de separar os indicadores dos dois segmentos populacionaisimpede avaliar com rigor as possibilidades de reproduo positiva na populao escravano seu todo ou segmentada por africanos e nascidos no Brasil. Os resultadosencontrados para a populao como um todo, na relao crianas-mulheres, feita aressalva quanto s distores que apresenta pela forma de exposio dos dados e pelaprpria limitao desse indicador demogrfico, parecem sugerir reduo na capacidadereprodutiva da populao escrava, particularmente a partir do incio do sculo XIX,perodo de maior afluxo de africanos para a regio paulista (Tabela 4).

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    Tabela 4Relao Entre o Nmero de Crianas e de Escravas

    ( Crianas por Mil Mulheres )1776 1829

    1776 1804 1829

    Localidade 0-4 Anos(1)0-9 Anos

    (2)0-4 Anos

    (1)0-9 Anos

    (2)0-4 Anos

    (1)0-9 Anos

    (2)

    Total 449,0 816,3 396,6 774,2 339,6 665,5

    Areias (3) 388,1 674,2Cunha (3) 441,2 847,5 335,2 645,9Curitiba (4) 537,2 1.103,7 472,4 993,3Guaratinguet 584,5 1.008,4 355,8 682,9 229,1 506,7Iguape (4) 555,6 1.025,4 503,5 964,8Itu 303,8 580,0 288,8 565,8 287,7 521,7Jacare 405,1 807,2 441,2 852,1 216,0 522,9Jundia 446,0 993,2 384,6 766,5 306,4 686,9Lorena (3) 591,1 1.106,6 329,8 673,5Mogi das Cruzes 662,3 1.116,2 319,3 607,5 329,7 634,2So Paulo 364,1 694,7 275,9 585,7 281,5 553,4So Sebastio 629,6 1.029,6 509,8 954,3 337,9 693,3Sorocaba 333,3 625,0 417,8 834,6 381,0 749,6

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Crianas de 0-4 anos, em relao a mulheres de 15-44 anos.(2) Crianas de 0-9 anos, em relao a mulheres de 15-49 anos.(3) Localidades criadas depois de 1776.(4) No constam informaes dos escravos nos documentos.

    Ainda com referncia aos indicadores demogrficos, calculamos a relao entre a

    soma das crianas (0-14 anos) e dos velhos (65 e mais) com os adultos (15-64 anos).Nos trs anos, obtivemos nmeros tambm decrescentes: 52,6 (1776), 50,0 (1804) e 41,0(1829). A relativa mudana verificada pode ser explicada pela expanso dos cultivosdestinados ao mercado, particularmente os voltados para exportao - inicialmente oacar e posteriormente o caf. As reas onde tais produtos mais intensamente eramcultivados apresentaram os menores ndices, como por exemplo em Areias, Cunha,Guaratinguet, Itu, Jacare e Lorena. Inversamente, Curitiba, Mogi das Cruzes, So Pauloe So Sebastio resultaram os maiores valores, a refletir a predominncia de atividadespouco voltadas para o mercado externo, e portanto com menor capacidade de compra denovos escravos adultos, em idade produtiva, servindo-se, provavelmente, de uma maiorparcela de cativos nascidos na prpria regio ( Tabela 5).

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    Tabela 5Razo Entre a Soma de Crianas ( 0 a 14 Anos ) e Velhos ( 65 Anos e Mais )

    com Adultos ( 15 a 64 Anos )1776 1829

    Localidade 1776 1804 1829Total 52,7 50,0 41,0Areias 32,2Cunha 42,4 36,3

    Curitiba 81,6 72,3Guaratinguet 55,6 47,2 33,6Iguape 78,5 56,5Itu 40,9 30,3 33,5Jacare 54,8 74,6 35,5Jundia 57,2 46,5 42,6Lorena 59,0 38,6Mogi das Cruzes 67,4 52,2 47,9So Paulo 51,5 45,9 46,7So Sebastio 62,2 51,5 43,8Sorocaba 46,4 55,2 45,4

    Fonte : Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.

    Indicadores Demogrficos e Origem

    Nesta seo retomaremos os indicadores j analisados, agora com adesagregao dos cativos por sua respectiva origem: nascidos no Brasil e africanos.Desse modo ser possvel entender melhor alguns dos resultados anteriormente obtidos.

    Infelizmente, em 1776, nos censos utilizados, essa informao somente existia emSo Sebastio. Nessa localidade, no ano de 1776, encontramos 494 indivduos nascidosno Brasil e 212 africanos. Em 1804, para o agregado das localidades, computamos10.061 escravos nascidos no Brasil e 4.994 africanos; em 1829, alcanavam 11.464 e13.414, respectivamente. Ou seja, neste ltimo ano evidenciava-se franca maioriaafricana. Entre 1804 e 1829 ocorreu na regio estudada marcante crescimento nocontingente africano (168%), fruto da intensa atividade agrcola ento desenvolvida,particularmente o cultivo do caf, forte demandante de novos braos.

    Vejamos inicialmente a razo de masculinidade desses dois segmentos. Enquantopara os indivduos nascidos no Brasil obtiveram-se valores prximos a 100, a demonstrarequilbrio quantitativo entre os sexos, para os africanos resultaram nmeros elevados, da

    ordem de 180, nos dois primeiros anos considerados, e 248,6, em 1829. Apesar deexistirem diferenas entre as diversas localidades, manteve-se o comportamento geralidentificado, com excees, como Jacare e Mogi das Cruzes. Nessas localidades, a

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    razo de masculinidade dos africanos resultou abaixo de 100, no ano de 1829, enquantopara as demais esse indicador situou-se entre 200 e 300 (Tabela 6).

    Tabela 6Relao Entre Origem e Razo de Masculinidade dos Escravos

    1776 1829

    Nascidos no Brasil AfricanosLocalidade 1776 1804 1829 1776 1804 1829Total 94,3 101,6 189,5 248,6Areias 107,0 284,5Cunha 100,3 104,0 428,4 288,6Curitiba 109,0 150,0Guaratinguet 90,9 115,9 232,1 214,9Iguape 97,5 96,5 170,5 186,1Itu 100,1 259,4Jacare 99,4 71,1 88,3 261,4Jundia 134,5 98,4 324,2 263,8Lorena 102,5 104,8 198,2 275,4

    Mogi das Cruzes 82,3 92,6 94,7 197,9So Paulo 85,7 106,2 175,4 120,5So Sebastio 106,7 100,3 98,1 171,8 187,5 218,2Sorocaba 97,8 106,9 272,7 191,5 312,5

    Fonte : Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.

    A participao de crianas na populao representa outro indicador demogrficoimportante para comparar as duas populaes. Neste caso a diferena revela-se aindamais marcante. Enquanto entre os nascidos no Brasil as crianas participavam com cerca

    de 15,7%, 31,5% e 45,8%, respectivamente, nos segmentos de 0-4, 0-9 e 0-14 anos, paraos africanos tais porcentagens mostraram valores bastante inferiores, particularmente nasduas faixas de menor idade (0-4 e 0-9 anos), com 0,6% e 1,4%; para as crianas de at14 anos resultou o nmero 11%. Embora represente um peso de crianas relativamentereduzido, particularmente se comparado quele verificado na populao nascida noBrasil, essa porcentagem demostra que cerca de um dcimo da populao trazida dafrica para a regio paulista ao iniciar-se o sculo XIX, constitua-se de pessoas entre 10e 14 anos.

    Note-se que o indicador de crianas entre a populao nascida no Brasil, conformeexpusemos anteriormente, provoca distores pela impossibilidade de separar as

    crianas nascidas no Brasil quanto origem dos pais. Quando computamos as crianasnascidas no Brasil, em relao ao total da populao nascida no Brasil, sabemos que umaparte daquelas crianas foi gerada por indivduos africanos existentes no Brasil. (Tabela7).

    A preferncia pela importao de indivduos adultos da frica, refletia-se naestrutura etria da populao africana, dando-lhe uma feio diferente daquelaapresentada pelo conjunto dos nascidos no Brasil. Em 1829, por exemplo, os ltimosmostravam uma estrutura relativamente equilibrada, com 45% de crianas, cerca de 50%na faixa de 15-49 anos e pouco mais de 5% de pessoas com 50 anos e mais. Entre osafricanos, os cativos na faixa etria de 15-49 anos compareciam com mais de 80%, comapenas 11% de crianas e 5% de indivduos com 50 anos e mais. A mdia de idade dosdois segmentos mostrava significativa diferena. Enquanto para as pessoas nascidas no

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    Brasil resultaram mdias de idade de 21 e 19,5, respectivamente, em 1804 e 1829, paraos africanos, nos mesmos anos, esses valores alcanaram 30,9 e 26,5.

    Tabela 7Participao de Crianas e Origem 1829

    Em porcentagemCrianas Nascidas no Brasil (1) Crianas Nascidas na frica (1)Localidade 0-4 Anos 0-9 Anos 0-14 0-4 Anos 0-9 Anos 0-14 AnosTotal 15,69 31,47 45,81 0,60 1,39 10,98Areias (2) 27,81 50,51 62,12 0,66 1,26 11,65Cunha (2) 16,99 33,10 47,61 0,29 0,59 6,32CuritibaGuaratinguet 9,61 22,22 36,04 0,12 0,81 6,21Iguape 17,44 33,31 46,63 2,56 6,82 14,13Itu 13,66 26,08 42,79 0,55 0,65 10,60Jacare 14,61 34,24 47,18 0,00 0,74 12,28Jundia 16,10 37,04 54,58 0,15 0,83 15,15

    Lorena (2) 14,97 31,24 46,62 0,23 0,69 9,50Mogi das Cruzes 14,45 30,08 43,87 0,35 0,35 13,29So Paulo 13,47 25,28 39,38 0,84 2,70 11,30So Sebastio 11,98 27,00 40,73 1,54 2,42 5,71Sorocaba 11,22 23,76 37,62 0,00 0,00 4,55

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Porcentagem de crianas em relao ao total de escravos da mesma origem.(2) Localidades criadas aps 1776.

    Para aprofundar a questo, vejamos a estrutura etria das escravas. Quandoconsideradas no agregado da populao, nota-se uma estrutura relativamenteequilibrada, com cerca da metade da populao jovem at 20 anos e cerca de 60% nafaixa de 15 a 49 anos. Entretanto, ao segmentarmos as escravas pela origem,encontramos diferenas marcantes, a condicionar o prprio processo de reproduo dapopulao escrava. As mulheres nascidas no Brasil mostram uma estrutura jovem,quando comparadas s africanas. Naquelas, as escravas de 20 anos ou menoscompareciam com aproximadamente 45%. Nas africanas, esse percentual resultavaabaixo de 15%. Em contrapartida, no segmento de 15 a 49 anos, as africanas revelavammarcante concentrao, com porcentagem acima de 80%; nesse segmento encontramosa metade das mulheres nascidas no Brasil.

    Tais resultados significam que provavelmente as africanas chegaram adultas noBrasil. Como, provavelmente, uma reduzida proporo das crianas por elas geradas nafrica acompanhava as mes, ao ampliar-se o afluxo de africanos no incio do sculo XIX,modificava-se a estrutura da populao escrava e reduziam-se as probabilidades dereproduo positiva dessa populao (Tabela 8).

    Tabela 8

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    10/1810

    Faixa Etria e Origem das Escravas (1)1804 1829

    Em porcentagemTotal Escravas Nascidas no Brasil Africanas

    Faixa Etria 1804 1829 1804 1829 1804 1829Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,000 - 9 22,64 20,06 29,51 32,11 2,03 2,2610 - 14 11,67 13,35 12,86 14,41 8,12 11,7815 - 19 12,11 14,50 10,87 11,08 15,83 19,5520 - 29 23,38 25,23 19,42 18,80 35,25 34,7430 - 39 13,91 13,90 12,14 11,75 19,19 17,0840 - 49 8,69 7,54 8,10 6,32 10,43 9,3350 - 59 4,34 3,48 3,83 3,51 5,86 3,4360 - 69 2,23 1,39 2,38 1,50 1,80 1,2270 e mais 1,04 0,56 0,89 0,53 1,51 0,60

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Os dados referem-se ao conjunto das informaes disponveis para o agregado das localidades

    consideradas.

    Ainda no sentido de comparar as duas populaes, analisamos a participao decasados e vivos em cada uma. Para os indivduos com 15 anos e mais, no agregadodas localidades, nota-se equilbrio entre africanos e nascidos no Brasil. Enquanto para osprimeiros em 1804 e 1829 resultaram percentuais de 28,3% e 29%, respectivamente,para os ltimos tais nmeros situaram-se em 30,3% e 27,6%, respectivamente (Tabela 9).

    Tabela 9

    Origem dos Escravos e Participao dos Casados e Vivos( Escravos com 15 Anos e Mais )1804 1829

    Em porcentagemNascidos no Brasil Africanos

    Localidade 1804 1829 1804 1829Total 28,3 29,0 30,3 27,6Areias 34,1 21,2Cunha 35,8 32,4 32,6 27,8Curitiba

    Guaratinguet 35,4 31,9 38,5 35,8Iguape 25,9 29,0 27,4 22,5Itu 33,1 34,9Jacare 22,4 23,7 39,3 29,6Jundia 23,3 30,0 22,3 34,8Lorena 27,8 27,0 39,0 27,6Mogi das Cruzes 27,7 30,5 30,9 37,5So Paulo 21,4 23,0 23,9 20,5So Sebastio 25,1 21,2 24,9 22,0Sorocaba 46,2 22,6 51,2 41,9

    Fonte : Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.

    Para aprofundar a anlise, estudamos a participao de casados e vivos dapopulao segmentada por origem, e por faixa etria, para o agregado das localidades.

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    No se evidencia, para cada uma das faixas, diferenas significativas. Para as duaspopulaes notou-se uma reduzida participao de casados e vivos (6 a 9%) na faixaetria de 15-19 anos, elevando-se significativamente a partir da, situando-se nos 40 e50% a partir dos 40 anos (Tabela 10).

    Tabela 10Origem dos Escravos , Faixa Etria e Participao de Casados e Vivos (1)

    1804 1829

    Nascidos no Brasil Africanos

    Faixa Etria 1804 1829 1804 182915 - 19 5,8 7,6 7,6 9,020 - 29 19,3 25,1 23,3 22,830 - 39 37,3 39,7 38,4 39,540 - 49 44,3 49,5 45,0 48,650 - 59 46,7 48,4 46,4 50,860 - 69 52,8 49,3 41,3 46,170 - 79 50,9 38,5 44,6 36,7

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Participao em relao aos escravos com 15 anos e mais. Os dados referem-se ao conjunto

    de informaes disponveis para o agregado das localidades consideradas.

    Como vimos, as caractersticas demogrficas dos escravos nascidos no Brasil eafricanos mostravam profunda diferena, quer em termos de estrutura etria, quer na suadistribuio por sexo. Ao intensificar-se o afluxo de africanos para a regio paulista,modificaram-se de forma marcante as condies reprodutivas de tal populao. Istoporque criava-se profundo desequilbrio com o aumento na razo de masculinidade; apopulao envelhecia, com significativa reduo no peso das crianas; alm disso,perdia-se parte da capacidade reprodutiva das mulheres, pelo peso das africanas, medida que parte de seu perodo frtil ocorria antes de sua transferncia para o territriobrasileiro. Nessas condies, se eventualmente ao longo do sculo XVIII se haviam criadocondies para a reproduo natural dos escravos em So Paulo, tal possibilidadereduzia-se fortemente com o intenso afluxo de africanos para a regio.

    Variveis Demogrficas e Escravos Possudos

    Nesta seo pretendemos aprofundar a anlise com a varivel tamanho do plantel.

    Objetiva-se verificar a eventual relao entre as caractersticas dos escravos e o nmerode cativos de seu respectivo proprietrio.

    Tomemos inicialmente a razo de masculinidade. Torna-se evidente a relaoentre o nmero de escravos possudos e a participao de homens no plantel. Em 1776,naqueles de at cinco escravos, resultou equilbrio quantitativo entre os sexos (100,1).Nos segmentos seguintes ocorria maioria masculina, com a razo de masculinidadeestabilizada ao nvel de 130, a partir do segmento de 21 escravos. Em 1804, repetia-se oequilbrio nos menores plantis; acima dos 20 escravos o indicador situava-se no patamarde 140. Por fim, em 1829, para todos as faixas de nmero de escravos, a razo demasculinidade mostrava predominncia masculina e crescente com o respectivo tamanho:

    114 at cinco cativos e mais de 170 nos segmentos superiores.

    Assim, o resultado anteriormente encontrado, no qual se deparou com maioriamasculina na populao escrava, foi fortemente influenciado pela composio dos

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    12/1812

    grandes plantis, cujo peso suplantou o dos pequenos proprietrios, este com maiorequilbrio na razo de masculinidade de seus escravos (Tabela 11).

    Note-se que, ao concluirmos por maior equilbrio entre os sexos dos escravospertencentes aos pequenos proprietrios, estamos a nos referir aos cativos pertencentesa esse segmento de senhores no seu agregado. Isso no significa que em cada plantel semantenha o equilbrio. Quando estudamos o caso especfico de So Paulo, ficou evidentea diferena entre a situao agregada e ao nvel de plantel.

    Conforme discutido anteriormente, pela tendncia aos casamentos dentro dosplantis, evidenciava-se menor potencial de casamentos nos de menor porte, poisreduzia-se a possibilidade de encontrar parceiro ou parceira do sexo oposto e na faixaetria compatvel. No caso da cidade de So Paulo, em 1804, encontramos os seguintesresultados : 5% dos escravos, na faixa de 15 a 49 anos, pertenciam a proprietrios comapenas um escravo, com potencial de casamento nulo, dentro do plantel; nos constitudospor at cinco cativos, o potencial de casamento, levando em conta a distribuio efetivados escravos por sexo e faixa etria dentro dos plantis, alcanava 38,2%; j nossegmentos seguintes, acima de cinco escravos, esse percentual de casamentos saltavapara nveis acima de 60% e nos plantis acima de 40 escravos alcanava a porcentagem

    de 79% (Tabela 12).

    Tabela 11Tamanho do Plantel e Razo de Masculinidade dos Escravos (1)

    1776 1829

    Tamanho do Plantel 1776 1804 1829

    Total 113,5 118,7 148,71 - 5 100,0 98,6 114,36 - 10 110,2 110,9 135,5

    11 - 20 118,9 126,0 158,821 - 40 137,2 145,5 176,4

    41 e mais 131,7 141,6 187,4

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Os dados referem-se ao conjunto de informaes disponveis para o agregado das localidades

    consideradas.

    Tabela 12

    Tamanho do Plantel e Potencialidade de CasamentosCidade de So Paulo 1804

    Tamanho do Plantel Escravos 15-49Anos (a)Sem Potencial

    CasamentoCom PotencialCasamento (b) Relao (b) / (a) (%)

    Total 2.018 830 1.188 58,91 - 5 685 423 262 38,26 - 10 445 165 280 62,911 - 20 519 155 364 70,121 - 40 260 64 196 75,4

    41 e mais 109 23 86 78,9

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.

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    Analisemos a relao entre o tamanho do plantel e a participao de casados evivos entre os escravos com 15 anos e mais. Em 1804 e 1829, para os quais talinformao mostrou-se completa, encontramos relao entre o nmero de escravospossudos e a porcentagem de casados e vivos. Nos plantis de at 10 escravos, nosdois anos, observou-se porcentagens de 17 a 27%, enquanto para os segmentosseguintes tais valores situaram-se entre 33 e 40% (Tabela 13).

    Esses resultados ocorreram apesar da elevada razo de masculinidade existente

    nos plantis acima de 20 cativos. E no podem explicar-se pela diferena nas estruturasetrias dos escravos possudos por grandes e pequenos proprietrios. Os dois segmentosapresentaram perfil similar quanto s idades, com cerca de 30% de crianas, 65% deindivduos de 15-49 anos e cerca de 5% de pessoas com 50 anos e mais. A causaprovavelmente relaciona-se com a prpria composio dos plantis. Retomando ahiptese da tendncia s relaes conjugais internas aos plantis, ampliavam-se asoportunidades de unies na proporo do aumento no nmero de escravos, conformeanteriormente exposto. Frente aos maiores plantis, nos pequenos era reduzida aprobabilidade de existir um homem e uma mulher, com faixas etrias compatveis, apesarde mostrarem no agregado maior equilbrio entre os sexos.

    Tabela 13Tamanho do Plantel e Participao de Escravos Casados e Vivos (1)

    1804 1829

    Em porcentagemTamanho do Plantel 1804 1829

    Total 30,4 27,81 - 5 18,7 17,06 - 10 27,4 26,011 - 20 34,2 29,7

    21 - 40 40,2 35,541 e mais 42,0 33,7

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Participao entre os escravos de 15 anos e mais.Os dados referem-se ao conjunto de informaes disponveis para o agregado das localidadesconsideradas.

    Por fim, vejamos a relao entre o tamanho do plantel e a participao de crianas.Nota-se, para o agregado das localidades, nos trs anos considerados neste trabalho,

    uma relativa estabilidade nesse percentual, embora com tendncia levementedecrescente em 1829, quando resultou 28%, contra pouco mais de 31% nos dois anosanteriores (1776 e 1804). Na sua relao com o tamanho do plantel, nota-se nos maioresum peso pouco inferior aos demais. Em 1829, quando tal diferena mostrava algumasignificncia, enquanto entre os escravos possudos pelos proprietrios de menor porteas crianas compareciam com percentual de aproximadamente 30%, nos maioresplantis, ou seja, naqueles acima de 20 cativos, resultou um valor pouco superior a 25%( Tabela 14).

    Tabela 14

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    14/1814

    Tamanho do Plantel e Participao de Crianas1776 1829

    Em porcentagemTamanho do Plantel 1776 1804 1829

    Total 31,7 31,4 28,21 - 5 31,4 31,1 28,66 - 10 33,4 34,8 31,511 - 20 32,0 32,7 28,621 - 40 29,1 28,8 25,8

    41 e mais 30,3 27,6 25,5

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Os dados referem-se ao conjunto de informaes disponveis para o agregado das localidades

    consideradas.

    Atividades Econmicas e Caractersticas dos Cativos

    Nesta ltima parte do trabalho consideramos novamente as caractersticas

    demogrficas dos cativos, agora na sua relao com as atividades econmicas de seusrespectivos proprietrios. As informaes apresentadas referem-se a sete localidades:Curitiba, Iguape, Itu, Jacare, Mogi das Cruzes, So Paulo e So Sebastio, para os anosde 1804 e 1829. Infelizmente, nos censos de 1776 no constava nenhuma refernciaquanto atividade dos proprietrios ou dos escravos.

    Como entendemos ser a agricultura a atividade econmica preponderante,efetuamos dois tipos de cortes. O primeiro segmenta os escravos entre os possudos porsenhores vinculados agricultura e os pertencentes aos proprietrios dedicados sdemais atividades, como o comrcio, o artesanato, os transportes e outras comoprofisses liberais, magistratura, Igreja, etc. A segunda segmentao corresponde

    partio da agricultura entre caf e acar, de um lado, e todas as outras atividadesagrcolas, inclusive a pecuria.

    Vejamos inicialmente a atividade econmica e a razo de masculinidade. Noagregado das sete localidades, resultou a maior razo de masculinidade na agricultura.Para 1804 encontramos 118,7 na agricultura e 101,2 nas demais; em 1829 temos,respectivamente, 137,7 e 108,4. Em duas localidades, no ano de 1804, essa tendnciano se confirmou: Curitiba e Iguape, duas reas tipicamente de subsistncia (Tabela 15).

    Tabela 15Atividades dos Proprietrios e Razo de Masculinidade dos Escravos

    1804 1829

    LocalidadeAgricultura Outras

    1804 1829 1804 1829Total 118,7 137,7 101,3 108,4Curitiba 87,7 98,4 107,8 98,0Iguape 100,0 122,1 126,0 124,8Itu 159,1 177,8 101,8 112,8Jacare 100,5 165,3 67,1 88,6Mogi das Cruzes 87,4 114,6 71,7 105,0So Paulo 114,5 117,2 101,2 107,6

    So Sebastio 131,1 133,2 123,8 121,6

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.

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    15/1815

    Quanto s relaes conjugais entre os cativos de 15 anos e mais, os plantis cujossenhores dedicavam-se agricultura apresentavam maior participao de casados evivos. Em 1804 o peso desse segmento alcanava 31,2% contra 21,2% das outrasatividades. Em 1829 as porcentagens encontradas situaram-se em 30,5% e 13,9%,respectivamente. Resultados obtidos apesar da agricultura caracterizar-se por maiorrazo de masculinidade. A causa deve ser a mesma anteriormente apontada quandoestudamos o tamanho do plantel. Como na agricultura se situava um conjunto desenhores com maior nmero de escravos, comparado s demais atividades (mdia de

    escravos por proprietrio acima de sete, contra menos de quatro para as outras), aelevada porcentagem de casados e vivos explica-se, possivelmente, pela maioroportunidade de encontrar parceiros, conforme se ampliava o tamanho do plantel,suplantando inclusive a restrio de uma maior razo de masculinidade encontrada napopulao escrava possuda por mdios e grandes senhores. (Tabela 16).

    Tabela 16Atividades dos Proprietrios e Participao de Escravos Casados e Vivos (1)

    1804 1829

    Em porcentagem

    LocalidadeAgricultura Outras

    1804 1829 1804 1829Total 31,2 30,5 21,2 14,0Curitiba 27,6 25,5 29,1 19,1Iguape 27,6 29,2 24,1 16,4Itu 38,4 35,7 26,5 18,3Jacare 29,2 29,8 28,3 15,5Mogi das Cruzes 26,8 28,9 33,3 16,1So Paulo 31,3 28,9 18,0 10,0So Sebastio 25,2 24,6 15,5 8,7

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Participao entre os Escravos com 15 anos e mais.

    Segmentemos agora a agricultura; de um lado o caf e o acar e de outro asdemais lides agrcolas, inclusive a pecuria.

    Com referncia razo de masculinidade dos escravos de 15 anos e mais,configura-se significativa diferena entre os dois segmentos, em especial em 1829. Nesseano, enquanto os senhores dedicados ao caf e ao acar possuam plantis com razode masculinidade de 204,2, para os demais agricultores esse indicador situava-se em129,9. Apesar de menos marcante, em 1804 tambm identificamos tal diferena: 118,2para o acar e o caf e 96,7 para as demais.

    Esses resultados confirmam a expectativa: os proprietrios dedicados s culturaseconomicamente mais importantes detinham um conjunto de trabalhadores, na forma deescravos, em sua maioria homens adultos, aptos ao duro trabalho da agricultura, em umapoca na qual essa atividade contava com reduzidos recursos materiais na forma deequipamentos e instrumentos (Tabela 17).

    Isso se confirma tambm no menor peso das crianas entre os escravospossudos pelos proprietrios dedicados ao caf e ao acar: em torno de 25%, contra35% nas demais atividades.

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    16/1816

    Com relao ao peso de escravos casados e vivos entre os cativos de 15 anosou mais, nota-se tambm maior participao de tais elementos nos plantis dos senhoresdedicados ao cultivo do caf e do acar, apesar de sua elevada razo de masculinidade.Em 1804 e 1829 a porcentagem mantinha-se praticamente estvel, com 36% e 35,7%,respectivamente. Nas demais, nesses dois anos, verificava-se tambm uma porcentagemestvel, embora menor: 26,2% e 25,3%, respectivamente. Esse resultado no significaadmitir-se uma postura diferenciada, em relao s unies dos escravos nessas duascategorias de proprietrios. Entendemos que tais nmeros refletem as consequncias de

    plantis de tamanhos mdios diferentes (Tabela 18).

    Tabela 17Tipo de Atividade Agrcola dos Proprietrios e Razo de Masculinidade

    dos Escravos com 15 Anos e Mais.1804 1829

    LocalidadeCaf e/ou Acar Outras

    1804 1829 1804 1829Total 118,2 204,2 96,7 129,9

    Curitiba 85,8 95,6Iguape 95,3 135,2Itu 205,5 221,7 113,8 154,5Jacare 96,6 230,4 92,1 109,9Mogi das Cruzes 110,1 151,7 84,4 144,3So Paulo 114,1 131,1 109,3 119,0So Sebastio 167,9 166,3 105,1 155,9

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.

    Tabela 18Tipo de Atividade Agrcola dos Proprietrios e Participao de Casados

    e Vivos entre os Escravos com 15 Anos e Mais1804 1829

    Em porcentagemCaf e/ou Acar Outras

    Localidade 1804 1829 1804 1829Total 36,0 35,7 26,2 25,3

    Curitiba 27,9 25,5Iguape 54,6 62,5 26,9 28,9Itu 40,8 38,1 25,5 21,8Jacare 22,8 32,8 30,8 19,0Mogi das Cruzes 38,0 34,5 23,7 24,5So Paulo 30,1 27,2 31,9 29,2So Sebastio 27,8 30,6 18,8 19,6

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.

    Para finalizar este trabalho, vejamos, ainda com referncia agricultura, a relaoentre o tipo de atividade, o tamanho do plantel e algumas caractersticas demogrficasdos escravos.

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    Considerando o agregado das sete localidades estudadas nesta parte do artigo,verifica-se relao entre o tamanho do plantel e a razo de masculinidade, tanto para osdedicados ao caf e ao acar, como s demais lides agrcolas, mantendo-se para osprimeiros um nvel sistematicamente maior do que o observado para os ltimos (Tabela19).

    Tabela 19Tipo de Atividade Agrcola do Proprietrio, Tamanho do Plantel e Razo deMasculinidade dos Escravos (1)

    1804 1829

    Gneros de Subsistncia Caf e/ou AcarTamanho do Plantel 1804 1829 1804 1829

    1 - 5 86,9 103,0 138,8 122,86 - 10 93,7 116,3 134,9 140,0

    11 - 20 116,1 124,8 133,6 193,221 - 40 133,1 132,0 164,4 181,2

    41 e Mais 90,0 97,8 158,9 176,7

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Os dados referem-se ao conjunto de informaes disponveis para o agregado das localidades

    consideradas.

    Por fim, quanto ao peso de casados e vivos entre os escravos com 15 anos oumais, ocorria maior participao medida que aumentava o nmero de escravos, nosdois segmentos produtivos aqui considerados. Nos anos de 1804 e 1829, para tamanhosde plantel equivalentes, o conjunto dos escravos pertencentes aos produtores de caf e

    acar apresentaram porcentagens de casados e vivos semelhantes s observadas nosegmento dos cativos possudos pelos senhores dedicados aos demais produtosagrcolas (Tabela 20).

    Tabela 20Tipo de Atividade Agrcola do Proprietrio, Tamanho do Plantel e

    Participao de Escravos Casados e Vivos1804 1829

    Em porcentagem

    Gneros de Subsistncia Caf e/ou AcarTamanho do Plantel 1804 1829 1804 1829

    1 - 5 15,9 16,1 19,5 23,56 - 10 23,5 27,0 22,4 32,8

    11 - 20 24,0 28,8 32,7 27,721 - 40 32,6 31,0 37,2 42,6

    41 e Mais 41,3 29,8 39,1 46,4

    Fonte: Listas Nominativas dos Habitantes, do acervo do Arquivo do Estado de So Paulo.(1) Os dados referem-se ao conjunto de informaes disponveis para o agregado das localidades

    consideradas.

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