O uso do microblog como ferramenta de interação da imprensa televisiva com o público

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Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), novembro de 2008 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ O uso do microblog como ferramenta de interação da imprensa televisiva com o público Marcelo Träsel 1 Resumo: O formato de publicação na Web conhecido como microblog está começando a ser usado para fins jornalísticos. Uma das primeiras iniciativas de uso no telejornalismo é para a cobertura dos bastidores do programa Roda Viva, da TV Cultura. Após a descrição do uso do serviço de microblog Twitter, apresentam-se os resultados de uma análise de conteúdo de um mês de cobertura do Roda Viva. Os dados mostram que a cobertura acrescenta informações relevantes à transmissão do programa de entrevistas e sugerem que a cobertura via microblogs permite integrar ao telejornalismo as características de memória e interação com o público, típicas do webjornalismo. Palavras-chave: jornalismo, telejornalismo, webjornalismo participativo, interação, blog O formato que se convencionou chamar de microblog, por ser um tipo de weblog que permite atualizações compostas de apenas uma ou duas frases, geralmente sem a possibilidade de formatação do texto ou inserção de imagens, começou recentemente a ser usado por veículos noticiosos na Web. O webjornal brasileiro G1, por exemplo, possui um cadastro no Twitter, em que publica chamadas para as últimas notícias2. A revista eletrônica Cyberfam, do estágio de jornalismo online da Famecos/PUCRS mantém um cadastro no serviço Twitter3, usado para relatos em tempo real de palestras ocorridas no campus da universidade, dos bastidores de coberturas jornalísticas empreendidas pelos alunos, ou para o acompanhamento de jogos de futebol. Durante os incêndios que assolaram a Califórnia em outubro de 2007, os microblogs foram uma fonte de alerta importante para os cidadãos e equipes de combate a desastres naturais4. As utilidades do microblogging para o jornalismo ainda estão sendo inventadas pelas redações e por não-jornalistas, visto que se trata de um formato surgido recentemente. 1 Jornalista, mestre em Comunicação e Informação (PPGCOM/UFRGS) e professor-assistente do curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS. Website: http://www.trasel.com.br. Contato: [email protected]. 2 http://twitter.com/g1. 3 http://twitter.com/cyberfam. 4 POULSEN, K. Firsthand reports from California wildfires pour through Twitter. Wired, 23 outubro/2007. Disponível em: http://blog.wired.com/27bstroke6/2007/10/firsthand- repor.html. Acesso em: 28/07/2008.

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O formato de publicação na Web conhecido como microblog está começando a ser usado para fins jornalísticos. Uma das primeiras iniciativas de uso no telejornalismo é para a cobertura dos bastidores do programa Roda Viva, da TV Cultura. Após a descrição do uso do serviço de microblog Twitter, apresentam-se os resultados de uma análise de conteúdo de um mês de cobertura do Roda Viva. Os dados mostram que a cobertura acrescenta informações relevantes à transmissão do programa de entrevistas e sugerem que a cobertura via microblogs permite integrar ao telejornalismo as características de memória e interação com o público, típicas do webjornalismo.TRÄSEL, Marcelo. O uso do microblog como ferramenta de interação da imprensa televisiva com o público. VI ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, 2008. São Bernardo do Campo. Anais... São Paulo: Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, 2008.

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O uso do microblog como ferramenta de

interação da imprensa televisiva com o público

Marcelo Träsel 1

Resumo: O formato de publicação na Web conhecido como microblog está começando a ser usado para fins jornalísticos. Uma das primeiras iniciativas de uso no telejornalismo é para a cobertura dos bastidores do programa Roda Viva, da TV Cultura. Após a descrição do uso do serviço de microblog Twitter, apresentam-se os resultados de uma análise de conteúdo de um mês de cobertura do Roda Viva. Os dados mostram que a cobertura acrescenta informações relevantes à transmissão do programa de entrevistas e sugerem que a cobertura via microblogs permite integrar ao telejornalismo as características de memória e interação com o público, típicas do webjornalismo. Palavras-chave: jornalismo, telejornalismo, webjornalismo participativo, interação, blog

O formato que se convencionou chamar de microblog, por ser um tipo de

weblog que permite atualizações compostas de apenas uma ou duas frases, geralmente

sem a possibilidade de formatação do texto ou inserção de imagens, começou

recentemente a ser usado por veículos noticiosos na Web. O webjornal brasileiro G1,

por exemplo, possui um cadastro no Twitter, em que publica chamadas para as últimas

notícias2. A revista eletrônica Cyberfam, do estágio de jornalismo online da

Famecos/PUCRS mantém um cadastro no serviço Twitter3, usado para relatos em

tempo real de palestras ocorridas no campus da universidade, dos bastidores de

coberturas jornalísticas empreendidas pelos alunos, ou para o acompanhamento de jogos

de futebol. Durante os incêndios que assolaram a Califórnia em outubro de 2007, os

microblogs foram uma fonte de alerta importante para os cidadãos e equipes de combate

a desastres naturais4. As utilidades do microblogging para o jornalismo ainda estão

sendo inventadas pelas redações e por não-jornalistas, visto que se trata de um formato

surgido recentemente.

1 Jornalista, mestre em Comunicação e Informação (PPGCOM/UFRGS) e professor-assistente

do curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS. Website: http://www.trasel.com.br. Contato:

[email protected].

2 http://twitter.com/g1.

3 http://twitter.com/cyberfam.

4 POULSEN, K. Firsthand reports from California wildfires pour through Twitter. Wired, 23

outubro/2007. Disponível em: http://blog.wired.com/27bstroke6/2007/10/firsthand-

repor.html. Acesso em: 28/07/2008.

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Entre as inovações surgidas no ambiente dos microblogs está o uso proposto

pelo programa de entrevistas Roda Viva, da TV Cultura. Este estudo descreve o uso do

Twitter (http://twitter.com) para a interação com os telespectadores do Roda Viva,

gerando um debate paralelo atrelado ao programa e uma memória na forma de

comentários acessível a qualquer navegante da Web. Além disso, apresentam-se os

resultados de uma análise de conteúdo da cobertura do programa via microblog no

intervalo de um mês. Os dados indicam que o uso do serviço de microblogging Twitter

incentiva o consumo ativo e crítico do conteúdo veiculado no programa.

Microblog

Microblog é um formato de publicação de conteúdo que reúne características de

weblog e rede social. Assim como os weblogs − ou blogs −, o conteúdo é organizado

segundo uma ordem cronológica decrescente, com o material mais recente no topo. O

assunto das atualizações é focado em geral no cotidiano de uma pessoa física, mas

muitas empresas passaram a usar esse tipo de plataforma de comunicação para distribuir

mais rapidamente notícias importantes a respeito de seus produtos e serviços.

O fenômeno dos microblogs está inextricavelmente ligado aos dos weblogs,

podendo ser entendido como um novo formato desse tipo de publicação na Web.

Conforme RECUERO (2003a), os blogs se caracterizam pelo microconteúdo (blocos de

textos curtos ou apenas um arquivo de multimídia, denominados posts), atualização

freqüente (em geral, diária) e por serem pessoais (o autor de um post é conhecido dos

leitores e segue um estilo de redação subjetivo, que o diferencia de outros autores do

mesmo blog ou de outros blogs). Os microblogs compartilham essas características,

com a diferença de que a publicação apresenta uma freqüência de várias atualizações

por hora, assemelhando-se em alguns casos a uma narrativa minuto-a-minuto ou ao vivo

da rotina diária e de eventos dos quais o autor participa. Assim, pode-se propor que os

microblogs têm como característica diferencial em relação aos blogs a atualização

constante. O conteúdo, por outro lado, é em geral limitado a 140 caracteres pelas

próprias ferramentas de publicação, enquanto os posts em um blog, embora sejam em

geral menores do que textos publicados na imprensa, têm extensão livre. O

microconteúdo torna-se nanoconteúdo. A pessoalidade dos blogs se mantém nos

microblogs. Conforme JAVA et al. (2007, p.2), os microblogs diferenciam-se dos blogs

tradicionais pelo maior simplicidade de manutenção:

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Compared to regular blogging, microblogging fulfills a need for an even faster mode of communication. By encouraging shorter posts, it lowers users’ requirement of time and thought investment for content generation. This is also one of its main differentiating factors from blogging in general. The second important difference is the frequency of update. On average, a prolific bloger may update her blog once every few days; on the other hand a microblogger may post several updates in a single day.

A atividade de manter um microblog é conhecida como microblogging. Há

diversos serviços gratuitos de microblogging disponíveis, a maioria em inglês:

Pownce5, Tumblr6, Jaiku7, MySay8 (para mensagens de voz) e Hictu9 (para mensagens

em vídeo). O Frazr10 é destinado aos mercados de língua francesa e alemã. O principal

serviço em termos de reconhecimento e número de usuários, no entanto, é o Twitter.

O Twitter

O Twitter (http://www.twitter.com) foi lançado em outubro de 2006 pela

empresa americana Obvious. Trata-se de um serviço de rede social e microblog que

permite aos usuários cadastrados enviar atualizações em formato de texto com até 140

caracteres. As atualizações também são conhecidas como tweets ou piados (o símbolo

do serviço é um passarinho) e são apresentadas na página do usuário e nas páginas dos

outros usuários que se cadastraram para recebê-las, chamados de “seguidores”

(followers). Assim, a página inicial do perfil de um usuário é composta por seus

próprios tweets e pelos de todos os outros usuários em sua rede social dentro do Twitter.

O cadastro para receber atualizações de um determinado usuário pode ser aberto a todos

os outros usuários do serviço, ou apenas àqueles que sejam aprovados pelo proprietário

do cadastro.

5 http://www.pownce.com.

6 http://www.tumblr.com.

7 http://www.jaiku.com.

8 http://www.mysay.com.

9 http://www.hictu.com.

10 http://www.frazr.com.

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Figura 1: Reprodução do perfil ao autor deste trabalho no Twitter. Fonte: http://twitter.com/trasel. Acesso: 24/07/2008.

O usuário pode receber as atualizações de sua rede social em sua página no

Twitter, via mensageiro instantâneo, correio eletrônico, SMS, RSS ou através de

aplicativos para outros serviços agregadores de conteúdo, como o Facebook11 ou

Netvibes12. Também é possível enviar atualizações para seu cadastro usando todos

esses canais.

Um usuário pode enviar respostas (replies) a outros usuários acrescentando em

algum ponto da mensagem o código “@username”. Por exemplo, se o nome de usuário

destinatário é “neuromancer”, o código para lhe enviar uma resposta seria

“@neuromancer”. Estas respostas ficam disponíveis no cadastro do remetente e o nome

de usuário do destinatário torna-se automaticamente um link, de modo que outras

pessoas possam ter acesso aos turnos anteriores do diálogo. Também é possível enviar 11 http://www.facebook.com.

12 http://www.netvibes.com.

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mensagens diretas (direct messages) a outro usuário, que são visíveis apenas para o

destinatário.

Conforme JAVA et al. (2007), os usos mais comuns do seviço de microblog

Twitter são: a) “tagarelice sobre o dia-a-dia” (sobre o campo em que o usuário escreve

as atualizações há a pergunta “o que você está fazendo?”, que incentiva repostas a

respeito da rotina diária); b) conversações; c) compartilhamento de links para páginas

consideradas interessantes pelo usuário; d) compartilhamento de informações (como no

caso dos incêndios na Califórnia, citado no início deste artigo).

Nos dois anos de uso do Twitter, emergiram padrões de formatação de

mensagens. No contexto deste trabalho, é importante o padrão usado para se referir ao

tema de uma discussão entre diversos “twitters”, como se autodenominam os clientes do

serviço. São palavras-chave inseridas antes do corpo da mensagem, antecedidas pelo

símbolo # (hash; é também o nome dado a esse código). Assim, no caso do programa

Roda Viva usa-se o hash “#rodaviva”. O rótulo serve a dois objetivos: avisar aos

seguidores que se trata de uma atualização referente a um assunto que está sendo

abordado por outros usuários e sinalizar para ferramentas de busca que se trata de uma

palavra-chave. Outros exemplos de etiquetas são “#beijing”, para atualizações sobre as

Olimpíadas de Pequim em 2008; “#prontofalei”, para confissões de pensamentos e

sentimentos considerados vergonhosos ou politicamente incorretos; “#batman”, para

comentários a respeito do filme Cavaleiro das Trevas durante o mês de julho de 2008.

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Figura 2: Atualizações do usuário Roxo no início do programa Roda Viva de 21/07/2008. Fonte: http://twitter.com/roxo. Acesso: 24/07/2008.

Os dados podem ser recuperados posteriormente através do sistema de busca do

Twitter (http://search.twitter.com), lançado em julho de 2008, ou de serviços de

terceiros, como Twemes (http://twemes.com), mais antigo e criado para suprir a

ausência de um sistema de busca oficial. Neste trabalho, serão analisadas as atualizações

contendo a etiqueta “#rodaviva” recuperadas pelo sistema de busca Twemes.

Interação com o público no Roda Viva

O Roda Viva é um programa semanal de entrevistas da TV Cultura de São Paulo,

apresentado no final das noites de segunda-feira, ao vivo ou gravado previamente, desde

1986. O entrevistado fica sentado no centro de um círculo formado por jornalistas e

especialistas no tema do programa, que fazem perguntas alternadamente,

supervisionados por um mediador − hoje, a jornalista Lílian Witte Fibe. O Roda Viva

também conta com uma platéia no estúdio, que não participa das entrevistas, e o

cartunista Paulo Caruso ilustra cenas do programa em tempo real.

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O Roda Viva tem privilegiado a interação com o público desde antes do uso

comercial da Internet ter se disseminado no Brasil, permitindo que telespectadores

enviassem perguntas por fax ou telefone para as entrevistas da semana subseqüente e

também ao vivo. Com o surgimento do correio eletrônico, passou-se a aceitar

contribuições do público por e-mail e através de um formulário eletrônico que fica à

disposição no site do programa13 quando um novo convidado tem sua participação

confirmada. A apresentadora freqüentemente incentiva os telespectadores a enviar

perguntas e um repórter da emissora, também participante da entrevista, seleciona e

coloca questões enviadas no momento da transmissão ao vivo para o convidado.

O Roda Viva possui um cadastro no Twitter, que começou a ser usado apenas no

dia 18 de julho e serviu somente para distribuir informações, não para se comunicar

com os telespectadores durante o programa. Conforme Isabel COLUCCI, responsável

pelo setor de novas mídias da TV Cultura, este cadastro foi criado para evitar o uso do

nome “roda viva” por outra pessoa ou entidade e o objetivo nunca foi atualizá-lo, mas

devido ao grande número de seguidores que essa conta amealhou, passou-se a usá-la14.

Os anúncios até então eram feitos apenas pelo cadastro da própria emissora15.

Desde o dia 12 de maio de 2008, ocasião em que o entrevistado foi o ministro do

Desenvolvimento do Brasil, Miguel Jorge, a produção do programa convida três

usuários do Twitter para comentar as entrevistas. MARKUN (2008), um dos

idealizadores da inovação, afirma que o objetivo é mostrar os bastidores e dar uma visão

geral da entrevista:

...a idéia é simples, colocar os convidados do #rodaviva – aquele circulo de fora onde estudantes e interessados geralmente são chamados para assistir passivamente ao programa e quem sempre me causou um pouco de desconforto – para twittar comentários e pensamentos sobre a cena que esta se passando logo abaixo na arena.16

MARKUN afirma ainda que o uso do Twitter pretende ser um incentivo à

discussão da entrevista entre todos os espectadores do Roda Viva que usam o serviço de

microblog: “Ninguém precisa ser convidado para participar. [...] uma vez que o

programa é ao vivo e passa na TV aberta e na web, não existe tanta diferença entre

13 http://www.tvcultura.com.br/rodaviva.

14 Questionário respondido por correio eletrônico no dia 25 de julho de 2008.

15 http://twitter.com/tvcultura.

16 Documento eletrônico sem paginação.

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twittar do programa ou de casa, embaixo das cobertas, interagindo com outros twitters.”

COLUCCI expressa a visão da emissora sobre o uso do Twitter:

O que pretendemos é criar mais uma camada de informação sobre o Roda Viva, fazer com que outros olhares sejam vistos e registrados. Para fazer perguntas, todos podem participar, via e-mail. A contribuição do twitter, para nós, é a promoção do debate por pessoas que realmente estão interessados em discutir o programa (tanto que se dão ao trabalho de acompanhar e twittar).17

O critério para a seleção dos convidados é a produção de conteúdo que os

mesmos realizam para a Web e a afinidade com o tema da entrevista. A popularidade do

blog ou site da pessoa e o número de seguidores no Twitter não influenciam a escolha.

Qualquer usuário do serviço pode se candidatar a participar, expressando seu desejo via

correio eletrônico.

A equipe do Roda Viva não acompanha, porém, a cobertura via Twitter em

tempo real. Não é possível enviar perguntas via microblog, por exemplo, embora seja

tecnicamente viável, por meio da ferramenta de replies. O impacto na equipe de

produção também é limitado:

Por ser uma maneira nova e diferente de manifestação, o Twitter ainda tem pouco alcance na redação e na produção do programa. Alguns têm dificuldade para entender o mecanismo de funcionamento e de comunicação do Twitter, no entanto, a produção entra em contato com os posts dos twitters no dia seguinte ao programa, quando avaliam o conteúdo e a repercussão do programa no comunicador. Comentários, sugestões, críticas e avaliações são consideradas pela equipe. 18

Os convidados têm total autonomia e liberdade para se expressar durante a

transmissão do programa, sem nenhum tipo de controle ou censura por parte da

produção. Além disso, a emissora frisa se tratar de uma atividade experimental, cuja

função é informar uma discussão interna a respeito de novos formatos de participação.

De modo a verificar se o objetivo expresso pelos idealizadores do uso do Twitter

para enriquecer a experiência de consumo do programa Roda Viva, “criar mais uma

camada de informação”, está sendo atingido, foi realizada uma análise de conteúdo

dessas coberturas, cujo foco é identificar e quantificar as contribuições relevantes do

público.

17 Questionário respondido por correio eletrônico no dia 25 de julho de 2008.

18 Idem.

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Análise das interações referentes ao Roda Viva

O corpus de análise foram as atualizações contendo a hash “#rodaviva”

recuperadas pelo serviço de busca Twemes entre os dias 16 de junho e 17 de julho de

2008. Nesse período, duas entrevistas contaram com a presença de “twitters”: com o

presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, no dia 16 de junho; e com o

escritor e compositor José Miguel Wisnik, em 23 de junho. Os outros dois programas do

período foram gravados e por isso não contaram com cobertura via Twitter. O universo

de análise é composto de 1751 atualizações entre maio e julho de 2008, e o período

selecionado representa uma amostra de 323 atualizações para compor o corpus. Cabe

ressaltar que o Twemes somente recupera as palavras-chave no formato padrão, portanto

mensagens nas quais o autor porventura tenha esquecido o símbolo “#” não foram

consideradas. A partir dessa amostra, foi realizada manualmente pelo autor deste artigo

uma análise de conteúdo, buscando enquadrar cada atualização em uma das seguintes

categorias:

a) narração: textos cujo foco principal é relatar ações ocorridas dentro do estúdio ou as

reações de telespectadores (mudar o canal, por exemplo);

b) comentário: opiniões a respeito das manifestações dos entrevistadores e/ou do

entrevistado, links para páginas relacionadas ao tema, ou brincadeiras;

c) conversação: troca de mensagens entre usuários do Twitter sobre a entrevista;

d) institucional: atualizações com dados de serviço sobre o programa;

e) outros: textos que não puderam ser enquadrados nas outras categorias.

A análise de conteúdo realizada tem limitações. Primeiro, considerou-se

qualquer mensagem destinada a um usuário específico do Twitter como conversação,

sem levar em conta seu conteúdo. Assim, a categoria “conversação” agrupou muitas

unidades de análise às quais de outro modo seriam atribuídas as categorias “narração”,

“comentário” ou “institucional”. Isto gera uma distorção, porém considerou-se que o

uso de replies é uma característica importante desse tipo de microblog e que o sucesso

dessa iniciativa da TV Cultura será aferida pelo resultado conjunto das categorias

narração, comentário e conversação. Além disso, o corpus foi analisado sem

cotejamento com as entrevistas a respeito das quais os textos versam. No entanto, a

cobertura via Twitter se configura em uma memória do Roda Viva disponível na Web

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independentemente do programa. Acredita-se, então, que analisá-la dissociadamente das

entrevistas pode fornecer dados a respeito da inteligibilidade dessa memória para o

público que não teve a oportunidade de acompanhar os programas. Finalmente, essa

análise de conteúdo se pretende uma exploração para o desenvolvimento de uma técnica

de estudo de microblogs e, portanto, seus resultados são considerados indicadores de

tendências em um caso específico, não generalizáveis para todo o universo dos

microblogs.

A tabela 1 apresenta os resultados quantitativos da análise de conteúdo. Pode-se

verificar que as categorias “comentário”, “conversação” e “narração” se equilibram,

variando na faixa entre 20% e 30% do total de manifestações contendo a hash

“#rodaviva” no Twitter no intervalo de tempo analisado:

Tabela 1 - Distribuição de unidades de análise para cada um dos programas.

H. Meirelles J. M. Wisnik Outros Total %

Comentário 44 54 8 106 32,8

Conversação

18 47 4 69 21,4

Institucional 16 20 13 49 15,2

Narração 26 50 1 77 23,8

Outros 12 5 5 22 6,8

Total 116 176 31 323 100

Os dados sugerem que os usuários participantes se atém às entrevistas veiculadas

pelo Roda Viva e trazem contribuições relevantes. Atribui-se maior relevância a essas

três categorias mais freqüentes por fornecerem dados que não podem ser obtidos pela

audiência de outra forma, ao contrário das informações prestadas nas mensagens da

categoria “institucional”. As manifestações institucionais somaram apenas 15,2% do

total e as que não puderam ser categorizadas, 6,8%.

Os tweets da categoria comentário foram os mais freqüentes, com 32,8% de

ocorrência, e se dividiram quase sempre em três tipos: interpretações sobre declarações

do entrevistado, fornecimento de links para documentos na Web relacionados ao tema

do programa e brincadeiras ou ironias. Há também alguns que trazem informações

anedóticas sobre os participantes do Roda Viva, como esta mensagem do usuário

renatotarga:

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ #rodaviva o apelido que os programadores deram para a Lilian, quando ela trabalhava no mesmo andar que a gente, foi bruxa má. 07:37 PM June 23, 2008

A maioria, porém, faz considerações sobre o conteúdo da entrevista, por vezes

de forma irônica, como no caso da mensagem abaixo, de uma telespectadora

decepcionada com o fato de a entrevista com J. M. Wisnik ter abordado principalmente

o assunto futebol, quando a audiência esperava uma discussão sobre música:

ladyrasta: #rodaviva isso é um feitiço do tempo e estamos no domingo a noite vendo uma mesa redonda? 07:44 PM June 23, 2008

Um dos usos mais interessantes do Twitter é o compartilhamento de informações

durante o Roda Viva. Na entrevista com H. Meirelles, na qual surgiram muitos

conceitos da Economia e discussões técnicas, os participantes constantemente forneciam

links para artigos sobre o assunto que estivesse sendo discutido, como no exemplo a

seguir, que aponta para um texto de um especialista19:

RicardoPereira: #rodaviva descomplicando o regime de metas de inflação http://tinyurl.com/64hwd4 07:28 PM June 16, 2008

A segunda categoria mais freqüentemente identificada nos dados coletados foi

narração, com 23,8% das ocorrências. Analisando-se o conteúdo dessas atualizações,

fica evidente o sucesso da cobertura via Twitter em relatar ao público o que ocorre nos

bastidores da TV Cultura. A maioria dividiu-se em dois tipos: narração das ações dos

jornalistas, equipe de produção e entrevistado; ou narração das impressões e sensações

dos indivíduos convidados para fazer a cobertura. A série de atualizações narrativas a

seguir mostra exemplos dos dois tipos20:

trabalhosujo: #rodaviva wisnik comenta q o tempo eh curto pra responder perguntas longas.. e a lilian avisa q "o entrevistado eh q eh a estrela" 07:27 PM June 23, 2008

rzouain: #rodaviva to tomando agua que nem louca pra controlar minha tosse. e ainda falta um tanto pro fim do programa, ai ai ai 07:27 PM June 23, 2008

trabalhosujo: #rodaviva a laura q tah acompanhando a entrevista e foi apresentada como "artista plastica" eh a mulher do wisnik 07:24 PM June 23, 2008

19 PEREIRA, Ricardo. Que tal o regime de metas de inflação?. Dinheirama, 16/10/2007.

Disponível em: http://dinheirama.com/blog/2007/10/16/que-tal-o-regime-de-metas-de-

inflacao/. Acesso em: 25/07/2008.

20 A ordem cronológica reversa na qual as atualizações são apresentadas no Twitter foi

mantida.

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ rzouain: #rodaviva o messenger dos entrevistadores é um sucesso, até logo customizado tem 07:24 PM June 23, 2008

musicadebolso: #rodaviva a Lilian e os entrevistadores se comunicam por intranet. 07:24 PM June 23, 2008

Nesta série há diversas informações indisponíveis para o público via televisão.

Todas essas atualizações ocorreram durante o intervalo do programa. Descobre-se que

existe um sistema eletrônico de troca de mensagens entre os jornalistas, que podem usá-

lo para combinar estratégias de acossamento do entrevistado. A apresentadora também

pode usá-lo para controlar as ações dos entrevistadores. Fica-se sabendo que a esposa do

entrevistado foi apresentada como uma integrante normal da platéia. Há ainda

informação anedótica sobre o Roda Viva, na manifestação do usuário rzouain sobre o

fato de estar consumindo água para evitar a tosse durante a transmissão ao vivo, bem

como o tweet do usuário trabalhosujo relatando um diálogo entre entrevistado e

apresentadora ao qual o público não pôde ter acesso.

Conversação foi a terceira categoria a apresentar maior freqüência no corpus,

21,4% do total de atualizações no período analisado. Em sua maioria, as conversas entre

os “twitters” convidados do Roda Viva e o público que acompanhava a cobertura foram

trocas de impressões e chistes sobre o programa ou mesmo sobre a cobertura. Um

exemplo de conversação típica:

rzouain: #rodaviva @musicadebolso e também porque "pega mal" falar de quem já bateu as botas. 07:21 PM June 23, 2008

musicadebolso: @ladyrasta #rodaviva mais do que "saudosista", é coisa de gente acomodada mesmo. 07:19 PM June 23, 2008

ladyrasta: #rodaviva @musicadebolso concordo com vc - esse papo "antes era muito mais legal" é conversa fiada e coisa de saudosista 07:17 PM June 23, 2008

Pode-se considerar as participações conversacionais irrelevantes do ponto de

vista jornalístico, porém, elas são importantes do ponto de vista da dinâmica de redes

sociais. Os diálogos entre “twitters” e audiência dão vida à cobertura, geram laços entre

os participantes que, com o tempo, podem evoluir para a formação de um webring de

seguidores do Roda Viva no serviço de microblogging. Em outras palavras, a

conversação é o cimento social que favorece a manutenção de uma audiência para as

coberturas das entrevistas via Twitter. Este fenômeno se reproduz nas redes sociais

formadas por blogs, como mostra RECUERO (2003b), cuja definição de webrings é

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Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), novembro de 2008

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“um círculo de pessoas que interagem com alguma freqüência através de seus blogs e

comentários”21. Considerando-se os microblogs como um tipo de blog simplificado,

em que os comentários são substituídos pelo sistema de replies, é possível transpor essa

definição e suas implicações para o Twitter.

As atualizações da categoria institucional, com 15,2%, são um serviço

importante para o público dessas coberturas, por sinalizar quando haverá esse tipo de

atividade e fornecer dados sobre os “twitters” envolvidos e o próprio entrevistado.

Servem ainda como um lembrete do programa para os usuários do serviço que

acompanham o cadastro criado pela equipe do Roda Viva ou da TV Cultura, nos quais

se costuma avisar quando o formulário de perguntas da audiência está aberto, quando

um programa será gravado, ou são fornecidos dados sobre o entrevistado de cada

segunda-feira. Exemplo desse tipo de lembrete é a mensagem abaixo, da equipe da

emissora:

tvcultura: Letras também no #rodaviva. O programa de hoje é com o escritor e dramaturgo inglês Tom Stoppard, gravado na FLIP. Às 22h40 06:19 AM July 14, 2008

Há ainda as atualizações dos público consideradas institucionais, por fornecerem

informações de serviço. No mais das vezes, esses textos dizem quem são os

participantes e marcam os momentos de início, intervalo e fim do programa, como nos

exemplos a seguir, obtidos em duas datas diferentes:

musicadebolso: #rodaviva faltam 15 min pra começar o programa ... 06:30 PM June 23, 2008

tdoria: #rodaviva ao meu lado @analucia e @ricardopereira 06:35 PM June 16, 2008

Vê-se que os convidados a fazer a cobertura do programa acabam assumindo

algumas tarefas da equipe de produção, como prestar informações de agenda. No

entanto, pode-se inferir que não o façam tendo em vista a audiência geral do Roda Viva

no Twitter, mas sim seus próprios contatos na rede social, daí a necessidade de

redundância nas informações institucionais. Esse tipo de atualização acaba funcionando

também como uma divulgação espontânea para a emissora.

Na categoria outros foram enquadradas apenas 6,8% das manifestações, o que é

um número baixo e indica alta relevância da participação geral durante as entrevistas. 21 Documento eletrônico sem paginação.

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As categorias conversação, narração e comentário são responsáveis por quase 80% das

participações na cobertura do Roda Viva via Twitter, criando um mosaico informativo

que complementa a experiência de assistir às entrevistas via televisão.

As 323 atualizações contendo a hash “#rodaviva” foram publicadas por 38

usuários diferentes no total, dentro do intervalo analisado. Embora esse número pareça

desanimador, a cobertura via Twitter do Roda Viva é provavelmente acompanhada por

um grupo maior de pessoas. Estudos mostram que em média apenas 10% dos

participantes de fóruns, listas de discussão e outros tipos de redes sociais se manifestam,

enquanto os outros 90% permanecem inativos (NIELSEN, 2006). Como esperado, a

imensa maioria das atualizações teve origem nos seis usuários convidados para os dois

programas que tiveram cobertura desse tipo. O convidado rzouain, o mais participante,

publicou 72 atualizações. O convidado menos participante foi RicardoPereira, com 16

mensagens, apenas três a mais do que o espectador mais ativo, dasilvaorg, com 13

tweets. Dentre os 38 participantes no intervalo estudado, 18 se manifestaram apenas

uma vez.

A contribuição do microblogging para o jornalismo televisivo

O webjornalismo não rompe completamente com o jornalismo produzido para

meios de comunicação de massa como a televisão, o rádio e a imprensa, mas apresenta

evolução em certos aspectos das etapas de produção e consumo. PALÁCIOS (2003,

p.12) entende que há potencialização de determinadas características, em lugar de

ruptura. Para o autor, a característica mais potencializada no webjornalismo é a

memória, ou seja, a capacidade de armazenamento e recuperação de materiais

jornalísticos, que tende a ser cada vez mais disponível a custo cada vez menor.

Outra característica extremamente potencializada, propõe-se aqui, é a

interatividade22. Também neste ponto há uma ruptura entre o webjornalismo e o

jornalismo em meios tradicionais. A potencialização da interação como uma das

características mais salientes do webjornalismo é sugerida na definição de jornalismo

digital de GONÇALVES (2003, p.22):

O jornalismo digital inclui todo produto discursivo que re-produz a realidade pela singularidade dos fatos, tem como suporte de circulação as redes telemáticas ou qualquer outro tipo de tecnologia que transmita sinais

22 Em que pese o termo “interação” ser o termo favorecido neste trabalho, conforme

proposta de PRIMO (2003), optou-se por manter a preferência do autor citado.

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------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ numéricos e que incorpore a interação com os usuários no processo produtivo.

O público pode usar o mesmo meio em que os webjornais são publicados para

contestar o trabalho dos jornalistas, muitas vezes anexando observações diretamente às

notícias. Os serviços de hospedagem grátis e ferramentas para blogs tornam os custos de

produzir um website infinitamente mais baixos do que os de publicar mesmo um jornal

artesanal, com a possibilidade de atingir a muito mais pessoas. Além disso, não é

necessário ter uma concessão governamental para publicar conteúdo na Web, como

ocorre com o rádio e a televisão. A própria navegação pelo hipertexto construído pelo

noticiário de determinado webjornal implica em interação (SANTAELLA, 2004),

embora seja um tipo de interação que se mantém no nível reativo.

O jornalismo televisivo tem ensaiado uma interação mais profunda com o

público na esteira do webjornalismo, embora essa interação tenha se mantido

geralmente no nível reativo, passando no mais das vezes por “pesquisas interativas” nos

telejornais e programas esportivos ou formulários de envio de sugestões de pauta nos

sites dos programas. O Fantástico, da Rede Globo, manteve por algum tempo a

possibilidade de o espectador escolher qual reportagem preferia assistir, votando por

telefone ou via site, mas as opções eram limitadas a três alternativas. Conforme a

classificação de PRIMO (2007), interações reativas são aquelas interações que precisam

estabelecer-se conforme determinam as condições iniciais definidas pelo programador

de um sistema informático e se repetem infinitamente com os mesmos resultados. As

interações mútuas, por outro lado, têm origem em uma relação estabelecida entre dois

ou mais agentes:

Na interação mútua, os interagentes reúnem-se em torno de contínuas problematizações. As soluções inventadas são apenas momentâneas, podendo participar de futuras problematizações. A própria relação entre os interagentes é um problema que motiva uma constante negociação. Cada ação expressa tem um impacto recursivo sobre a relação e sobre o comportamento dos interagentes. (PRIMO, 2007, p.228)

Em termos de interação mútua via Web, o recurso até agora mais disseminado

nos programas televisivos ao vivo é a leitura de mensagens de telespectadores recebidas

via correio eletrônico. Nesses casos, porém, mantém-se o controle do jornalista sobre as

manifestações, o que evita abusos, mas pode levar à supressão de pontos de vista

contrários à linha editorial da emissora. De qualquer forma, o espaço para esse tipo de

manifestação é muito limitado, dada a escassez do recurso tempo que caracteriza o

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jornalismo televisivo (SCHLESINGER, 1993). O espaço é um recurso abundante na

Web, que pode ser usado pelas emissoras para agregar as impressões do público sobre

os temas abordados na programação jornalística.

Como foi estabelecido em trabalho anterior (TRÄSEL, 2007), o comentário

adicionado pelo público aos conteúdos veiculados pela imprensa é um grande avanço

para a democratização da comunicação, na medida em que pluraliza os pontos de vista

necessariamente limitados pelas rotinas de produção das redações. No caso do Roda

Viva, o fornecimento de informações oriundas de outras fontes e questionamentos dos

convidados e telespectadores permite melhor contextualizar os pontos abordados e

corroborar ou colocar em xeque as declarações do entrevistado. Como sugerem os

resultados, há também interação mútua entre os próprios espectadores, através do

sistema de troca de mensagens do Twitter, resultando em um verdadeiro diálogo entre

os integrantes do público e desse público com a emissora.

Trata-se de um modelo que merece ser levado em conta pelas organizações,

empresas e indivíduos preocupados em equilibrar a lógica emissor→receptor da

televisão com uma lógica mais participativa através da Web – sobretudo no momento

em que a propalada TV digital, cuja aparição traria finalmente a “interatividade” para os

lares brasileiros, resulta em um retumbante fracasso de adesão, ao passo em que o

acesso à Internet torna-se mais pervasivo a cada ano, chegando a 34% da população

(CETIC, 2008). Ao integrar a um programa de televisão as características de memória e

interatividade, típicas do webjornalismo, a iniciativa da TV Cultura reverte a

atomização provocada pelos meios de massa, transformando-a em rede social e assim

atendendo a demandas históricas de democratização da comunicação.

Referências Bibliográficas

CETIC. Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil 2007. Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2008. Disponível em: http://www.cetic.br/tic/2007/indicadores-cgibr-2007.pdf. Acesso: 31/07/2008.

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