O turismo na perspectiva da sustententabilidade

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1 O TURISMO NA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Por Fernando Zornitta* O TURISMO NA PESPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL aborda a questão do “desenvolvimento espontâneo” - sem planejamento; pondera sobre os princípios do turismo sustentável, apontando os corretos caminhos a seguir. Indica a necessidade de uma correta estrutura de gestão e contextualiza o problema recorrente da ocupação das áreas de praias. TURISMO INSUSTENTÁVEL O turismo destrói o próprio turismo e o ambiente que o faz viver, afirmou categoricamente o economista e professor da Universidade de Berna, Jost Krippendorf em seu texto O Devorador de Paisagens. Outro pesquisador, Miossec, após inventariar mais de 2.000 localidades turísticas, estabeleceu no seu estudo, a teoria da Dinâmica do Espaço Turístico, comprovando a evolução de toda e qualquer localidade em cinco distintas fases, que vão desde uma bela paisagem intocada, sem qualquer infraestrutura ou superestrutura turística, até tornar-se uma área polarizada, conurbada e depreciativa do mesmo espaço turístico; o que faz criar a aversão pelo turista, simplesmente porque acabaram-se os atrativos que motivavam e atraíam esses visitantes. Isso se dá em todas as localidades cuja evolução ocorre de forma espontânea; sem planejamento e sem uma correta gestão; o que faz o turismo destruir a paisagem de base e a si mesmo. Nessa pesquisa, Miossec observou a postura dos residentes, do poder público e do visitante e comprovou “que todos os espaço e localidades turísticas, passam pelas mesmas fases e tipos de problemas, assim como as diferentes posturas destas três categorias de pessoas durante essas fases”. Destacou que o poder público a tudo observa sem intrometer-se e incentiva as iniciativas empresariais, porque muitos investimentos são gerados durante o processo (o que aparentemente sempre parece ser bom) – até a quinta fase, que é quando torna inviável o próprio sistema e desmotivava a visitação. OS PRINCÍPIOS DA SUSTENTABILIDADE Milhares de boas e más experiências no trato do turismo já foram postas em prática no planeta; cientistas e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento e do mundo reúnem-se periodicamente para trocas de experiências, para apontar os problemas e indicar as boas soluções, as quais podem oferecer sustentabilidade ao desenvolvimento turístico e, também, para apontar as iniciativas que são perniciosas. Em uma destas reuniões, num congresso mundial promovido pela UNESCO na Ilha de Lanzarote na Espanha, foram promulgados os 18 princípios do desenvolvimento turístico sustentável (na CARTA DO TURISMO SUSTENTÁVEL); os quais indicaram as corretas posturas para manutenção e valorização das localidades com potencial turístico, assim como os caminhos para qualificá-las e garantir-lhes a sustentabilidade econômica, sociocultural e ecológico-ambiental. Hoje, embora o mundo já disponha de um vasto conhecimento, resultado do grande laboratório - das boas e más experiências de desenvolvimento turístico e sobre as suas corretas formas de condução - elas raramente são utilizadas pelos países mais atrasados, os quais a revelia do conhecimento promovem a barbárie, inviabilizando a própria atividade turística.

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O turismo é um processo. Suas formas de desenvolvimento podem ocorrer de forma espontânea ou planificada.

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O TURISMO NA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Por Fernando Zornitta*

O TURISMO NA PESPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL aborda a questão do “desenvolvimento espontâneo” - sem planejamento; pondera sobre os princípios do turismo sustentável, apontando os corretos caminhos a seguir. Indica a necessidade de uma correta estrutura de gestão e contextualiza o problema recorrente da ocupação das áreas de praias.

TURISMO INSUSTENTÁVEL

O turismo destrói o próprio turismo e o ambiente que o faz viver, afirmou categoricamente o economista e professor da Universidade de Berna, Jost Krippendorf em seu texto O Devorador de Paisagens. Outro pesquisador, Miossec, após inventariar mais de 2.000 localidades turísticas, estabeleceu no seu estudo, a teoria da Dinâmica do Espaço Turístico, comprovando a evolução de toda e qualquer localidade em cinco distintas fases, que vão desde uma bela paisagem intocada, sem qualquer infraestrutura ou superestrutura turística, até tornar-se uma área polarizada, conurbada e depreciativa do mesmo espaço turístico; o que faz criar a aversão pelo turista, simplesmente porque acabaram-se os atrativos que motivavam e atraíam esses visitantes.

Isso se dá em todas as localidades cuja evolução ocorre de forma espontânea; sem planejamento e sem uma correta gestão; o que faz o turismo destruir a paisagem de base e a si mesmo.

Nessa pesquisa, Miossec observou a postura dos residentes, do poder público e do visitante e comprovou “que todos os espaço e localidades turísticas, passam pelas mesmas fases e tipos de problemas, assim como as diferentes posturas destas três categorias de pessoas durante essas fases”. Destacou que o poder público a tudo observa sem intrometer-se e incentiva as iniciativas empresariais, porque muitos investimentos são gerados durante o processo (o que aparentemente sempre parece ser bom) – até a quinta fase, que é quando torna inviável o próprio sistema e desmotivava a visitação.

OS PRINCÍPIOS DA SUSTENTABILIDADE

Milhares de boas e más experiências no trato do turismo já foram postas em prática no planeta; cientistas e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento e do mundo reúnem-se periodicamente para trocas de experiências, para apontar os problemas e indicar as boas soluções, as quais podem oferecer sustentabilidade ao desenvolvimento turístico e, também, para apontar as iniciativas que são perniciosas.

Em uma destas reuniões, num congresso mundial promovido pela UNESCO na Ilha de Lanzarote na Espanha, foram promulgados os 18 princípios do desenvolvimento turístico sustentável (na CARTA DO TURISMO SUSTENTÁVEL); os quais indicaram as corretas posturas para manutenção e valorização das localidades com potencial turístico, assim como os caminhos para qualificá-las e garantir-lhes a sustentabilidade econômica, sociocultural e ecológico-ambiental.

Hoje, embora o mundo já disponha de um vasto conhecimento, resultado do grande laboratório - das boas e más experiências de desenvolvimento turístico e sobre as suas corretas formas de condução - elas raramente são utilizadas pelos países mais atrasados, os quais a revelia do conhecimento promovem a barbárie, inviabilizando a própria atividade turística.

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O DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO ESPONTÂNEO

O Brasil é um país sem tradição em planejamento do desenvolvimento turístico; embora a sua vocação, o seu grande potencial e o seu imenso patrimônio ambiental. A falta de planejamento e de uma correta gestão do turismo nas localidades e regiões com potencial turístico - que em sua grande maioria se dá de forma espontânea e insustentável - têm oportunizado as mais bizarras e diferentes formas de empreendimentos, de gestão e das formas de evolução; em total dissintonia com esses princípios promulgados pela Carta do Turismo Sustentável.

O patrimônio turístico não é protegido e nem valorizado no país; as paisagens notáveis são encampadas pelas iniciativas empresariais, especialmente no nordeste brasileiro; praias, dunas e falésias servem de suporte aos empreendimentos.

Os focos vão sempre pelo viés da economia e dos negócios, que a princípio promulgam-se como benéficos - com geração de empregos e renda, de impostos, de investimentos - fazendo toda a máquina pública ficar a serviço de uma política capenga e omissa do amplo e correto contexto do turismo sustentável.

Quando essa atividade se desenvolve em cidades, a correta postura deveria ser a do “urbanismo defensivo” – da prevalência dos princípios de conservação ambiental, àqueles do crescimento, em função de oferecer sustentabilidade ao sistema – uma vez que a localidade visitada e tudo que nela ocorre, faz parte da destinação e da qualidade que sempre deve ter para atrair e bem servir ao visitante.

Grandes cidades do nordeste brasileiro, como Fortaleza, Recife, Natal e Salvador destacaram-se no cenário nordestino e brasileiro e, desde o início da década de 90, aceleraram o seu desenvolvimento turístico, num processo desassociado dos princípios e de outros elementos fundamentais à sustentabilidade. A seguir nesse ritmo, indubitavelmente estarão fadadas a frustrar inclusive os pesados investimentos empresariais, por não preocuparem-se com a preservação do seu patrimônio de base e por não orientarem de forma correta a evolução do turismo, que segue de forma aleatória e espontânea, alavancados pela iniciativa privada; sem uma preocupação ambiental, sem uma gestão compartilhada, coordenada e holística.

Existem no planeta milhares destinações com semelhantes características e centradas na fórmula: sol, mar e bom clima com um pouco de cultura diferenciada - as quais podem atrair os mesmos fluxos de turistas que hoje dão sustentação econômica a uma determinada localidade.

Uma abordagem sistêmica de planejamento e de gestão; de proteção e qualificação do ambiente turístico é que pode oferecer a perspectiva de sustentabilidade de uma destinação. Se o turismo for uma potencial vertente para o desenvolvimento, deverá estar contemplando na política macro-econômica regional e local. Uma correta forma de gestão, poderá orientar o seu desenvolvimento de forma sistêmica e não conflitante com as demais atividades econômicas e conduzir o processo de forma tecnicamente correta.

GESTÃO DO TURISMO

Questões como a da ocupação do litoral por empreendimentos e da faixa de praia com edificações particulares ou para o turismo e lazer - como pelas barracas de praia – tema atual da ação do Ministério Público Federal e SPU na Praia do Futuro em Fortaleza e em Canoa Quebrada no município de Aracati no Ceará - é uma conseqüência da histórica ausência de uma política de macro-planejamento, da falta de correta gestão e de postura do poder público, que deveria ater-se à legislação, planejar o desenvolvimento e ações, limitando também as ocupações.

Embora sejam criadas Secretarias de Turismo, estas não são e nunca serão garantias de uma correta administração; menos ainda quando geridas com uma visão setorial – mormente incentivando a vertente empresarial – e como tem sido em quase todas as cidades do país; cujos gestores oriundos dos quadros políticos não têm conhecimento e nem competências nessa área.

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Não adianta uma estrutura pública que se coloque a serviço exclusivo das iniciativas empresariais; que empreste-se ao ufanismo dos gráficos e dos números, se a médio e longo prazo sabe-se que comprometerão todo o sistema. Uma correta estrutura de gestão do turismo deve ser aberta a tudo e compartilhada com todos, pois essa é uma atividade dinâmica e de difícil coordenação – diferentemente do setor público que é emperrado e descompromissado com o contexto global dessa atividade.

O turismo envolve diferentes vertentes e interesses – pessoais, empresariais, ambientais, sociais e da coletividade. Sendo conduzido unicamente pela esfera pública e, se essa não aplicar os princípios e os fundamentos da sustentabilidade; se esquecer-se dos essenciais colaboradores – da academia e os diversos segmentos da sociedade; se omitir-se dos necessários cuidados para com o meio ambiente, com a cultura, com as dinâmicas do espaço turístico, condicionará todo o sistema levando-o ao fracasso.

As estruturas públicas de gestão do turismo vêm se mostrando omissa dessas questões pertinentes, contribuindo para as situações insustentáveis e degenerativas do próprio patrimônio turístico que deveriam proteger e valorizar.

PRAIA, O ESPAÇO DE USO COLETIVO

Com os avanços da legislação brasileira, desde 1988 e segundo a Carta Magna, a praia passa a ser considerada como um bem de uso coletivo. Entretanto, contrariamente aos avanços da legislação, nosso litoral continuou sendo ocupado pelos mais estranhos tipos de empreendimentos – às vistas grossas do poder público local e regional; quando não incentivados.

A partir de legislações específicas como a que institui as áreas especiais e os locais de interesse turístico no país - Lei nº 6.513/77 (regulamentada pelo Dec 86.176/81) e iniciativas recentes como a do Projeto ORLA do Governo Federal, a retirada das edificações das faixas de marinha passa a ser exigida, como ocorreu recentemente com no litoral de Salvador - que obrigou a retirada de mais de 500 barracas de praia do seu litoral; também em Fernando de Noronha, em diversas praias e iniciativas semelhantes pelo sul e sudeste do país, que culminam com a demolição de casas, mansões e empreendimentos.

No litoral do nordeste brasileiro nas faixas de praia e pela necessidade dos serviços de alimentação dos freqüentadores, proliferaram as “barracas de praia”. Com o passar do tempo e por criar uma tipologia particular de empreendimentos, tornaram-se pontos tradicionais de freqüentação e de apoio.

Segundo o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União, elas ocupam a faixa de marinha - que é da União e de responsabilidade do SPU.

É tema atual de discussão pública essa ocupação da faixa de praia em Fortaleza e em Canoa Quebrada com esse tipo de estabelecimento comercial. Entretanto, afora a questão da ocupação da faixa de praia, outros aspectos têm sido levantados pela vertente da legislação em função da praia ser “bem de uso coletivo”. Em algumas localidades, como foram em Salvador e continua sendo em Fortaleza, as barracas é que têm dado o tom do tipo de lazer e recreação que todos podem usufruir nessas faixas do litoral, pois a única alternativa para a população e para os visitantes tem sido o proposto por elas.

Algumas alastram-se, implantam piscinas, toboáguas e outros equipamentos, como se o espaço lhes pertencesse.

A principal praia ainda balneável de Fortaleza – a Praia do Futuro – traz a tona novamente a questão do direito coletivo e do futuro dessa faixa de litoral para a população que, em função de atender-se aos preceitos constitucionais e legais dessa e de todas as faixas de praia destinadas ao turismo, deverão atender-se também às outras motivações de lazer e recreação da população e do visitante, além daquela estrutura de comércio e serviços oferecidos e que serão permitidos; sejam pelas barracas ou por qualquer outro tipo de serviços.

Para programar-se o futuro de forma sustentável e em sintonia com a vocação daquela ou de quaisquer outras áreas, deve-se conhecer as expectativas e motivações da população e dos visitantes antes de se propor as adequações e, não ater-se apenas aos olhos da

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legislação. A unanimidade dos depoimentos e encaminhamentos por parte dos empresários, políticos e interessados está sendo no sentido da assinatura de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta – instrumento jurídico do Ministério Público). Mas pergunta-se: a que conduta ajustar-se, vez que sequer se conhece as verdadeiras expectativas da população e dos visitantes, que devem ser os grandes beneficiários ?

Motivações simples como a de contemplação da paisagem, de atividades esportivas diversas, de expressão das artes, de excursões e de manifestações públicas sem a obrigatoriedade do consumo e do pagamento por isso; não encontram hoje os necessários espaços e nem os equipamentos básicos indispensáveis. As barracas também não estão completamente acessíveis às pessoas com mobilidade reduzida – principalmente aos idosos e às pessoas com deficiências e tudo hoje gira no entorno do comércio e serviços prestados por aqueles comerciantes que ocupam absolutamente toda essa faixa da orla.

O que hoje é tradição; pode amanhã ser parte de um novo contexto e a comunidade poderá então beneficiar-se de outras formas de lazer e de diversão ainda não contempladas atualmente.

Embora o que aí está para muitos possa parecer bom e cômodo, o futuro certamente será bem melhor se assim pensado.

A HORA OPORTUNA

Para que venham a ser ponderados e oferecidos outros espaços e equipamentos, em sintonia com a vocação do território e as necessidades de lazer, o turismo não pode mais estar atrelado e nas mãos de estruturas públicas descompromissadas e alienadas das corretas formas de gestão dessa atividade, nem tão pouco delegado à iniciativa privada.

O turismo, além dos efeitos benéficos, tão alardeados, também pode trazer efeitos nefastos ao sistema – território e ambiente, à sociedade e à cultura local. O conhecimento profundo dessa atividade humana e das suas inter-relações é que pode dar os indicativos dessa necessária, premente e correta forma de gestão, assim como os corretos rumos e caminhos para o turismo - fortalezense; da Praia do Futuro, de Canoa Quebrada e de tantas outras praias do litoral brasileiro.

Agora, no momento em que a sociedade debate sobre o futuro das suas faixas de praia, pode ser também a hora oportuna para absorver outras e novas propostas de gestão e de condução do turismo, as quais deverão ser mais abertas, colaborativas e holísticas; serem absorvidas e aplicadas – mesmo com remédios amargos - antes que seja derradeiramente tarde para salvaguardar o patrimônio e oferecer sustentabilidade - na verdadeira acepção da palavra.

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* Fernando Zornitta, Ambientalista, Arquiteto e Urbanista, Especialista em Lazer e Recreação (Escola Superior de Educação Física da UFRGS) e em Turismo (Organização Mundial de Turismo/ONU-Governo Italiano). Período presencial do no Curso de Doutorado em Planejamento Físico-espacial e Desenvolvimento Regional junto à Universidade de Barcelona (Projeto de pesquisa na América Latina e Caribe). Participou de Estagio de Aperfeiçoamento em Planejamento Turístico na Universidade de Messina – Itália; concluiu o Curso de Técnico de Realização Audiovisual e desenvolve atividades como artista plástico e designer. Há anos vem desenvolvendo e participando de diversas iniciativas, projetos e entidades de proteção do meio ambiente; de promoção do lazer e recreação, dos esportes, do turismo; das artes e dos direitos das pessoas com deficiências.

E-mail: [email protected] * Fica autorizada pelo autor a reprodução e a publicação do texto O TURISMO NA PESPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL para fins didáticos em quaisquer veículos, desde que sempre citada a fonte, feita a referência e citada a autoria do mesmo