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Jurisprudência da Terceira Turma

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Jurisprudência da Terceira Turma

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 281

AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO NQ 1.012 - DF (Registro nº 98.0069569-9)

Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Agravantes: Estados Unidos da América, Griffin Corporation e Atta-Kill Indústria e Comércio de Defensivos Agrícolas Ltda

Agravada: M. L. Indústrias Químicas Ltda

Dec.Agrav.: O r. Despacho de fl. 1.105

Advogados: José Roberto D' Affonseca Gusmão e outro e Elton Calixto

EMENTA: Agravo regimental - Petição - Concessão de efeito suspensivo a agravo de instrumento - Prazo - Estado estrangeiro.

1. Contra decisão interlocutória de Juiz Federal em processo no qual seja parte Estado estrangeiro cabe a interposição de agravo de instru­mento, que deve ser protocolado diretamente na secretaria do Superior Tribunal de Justiça ou postado no correio dentro do prazo legal, a teor dos artigos 539 e 540 combinados com os artigos 524 e 525, todos do Có­digo de Processo Civil.

2. O prazo recursal do Estado estrangeiro não é interrompido ou suspenso pela apresentação, no decêndio legal, do agravo na secretaria

de tribunal incompetente para processá-lo e julgá-lo.

3. Na hipótese, sendo intempestivo o agravo de instrumento, não há como conceder-lhe efeito suspensivo.

4. Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, preliminarmente, por unanimidade, receber a petição como agravo regimental, mas negar-lhe provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Costa Leite, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro e Waldemar Zveiter.

Brasília-DF, 20 de outubro de 1998 (data do julgamento).

Ministro COSTA LEITE, Presidente.

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Relator.

Publicado no DI de 14.12.98.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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282 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDE JUSTICA

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Esta­dos Unidos da América, Griffin Corporation e Atta-Kill Indústria e Comércio

de Produtos Agrícolas Ltda opõem agravo regimental, inconformados porque

neguei seguimento à presente petição em despacho assim motivado:

"Vistos

Estados Unidos da América, Griffin Corporation e Atta-Kill Indús­tria e Comércio de Defensivos Agrícolas Ltda ingressam com a presente petição, com pedido de liminar inaudita altera pars, contra M. L. In­

dústrias Químicas Ltda, alegando, para tanto, que a requerida propôs ação anulatória de patente junto à 15ªVara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (Proc. nº 1997.34.00.023583-9) e,

incidentalmente, protocolou a Medida Cautelar nº 1997.34.00.029256-9, para suspender os efeitos da patente PI nº 8404556 e autorizá-la a fabricar e a comercializar a isca formicida à base de sulfluramida.

Concedida a liminar pelo Juiz Federal nos autos da cautelar (fls. 92 a 97), os requerentes ingressaram com agravo de instrumento perante a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1 ª Região (nº 1998. 01. 00.22020-2), tendo o Relator, Juiz Amilcar Machado, deferido

efeito suspensivo ao agravo, obstando o cumprimento da liminar (fls. 782/783).

A agravada, ora requerida, então, interpôs agravo regimental, argu­mentando ser incompetente o tribunal a quo para o julgamento do agravo

por estar envolvido Estado estrangeiro tendo sido provido em acórdão

assim ementado:

"Constitucional e Processo Civil - Competência recursal -

Estado estrangeiro - Incompetência da jurisdição federal de segun­do grau - Exceção - Competência do co lendo STJ - Decisão liminar concessiva de efeito suspensivo a agravo de instrumento - Cassação

- Declinação da competência.

1. O colendo STJ detém competência recursal, via recurso or­

dinário, para conhecer e julgar sobre decisões terminativas proferi­das por Juiz Federal de primeiro grau, e em agravo de instrumento julgar sobre as decisões interlocutórias, se integra a relação jurídica processual Estado estrangeiro (inteligência do art. 105, inciso lI, alí-

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 283

nea c, da CF, e art. 539, inciso II, alínea b, parágrafo único, do

CPC).

2. Tratando-se de competência constitucional de natureza ab­

soluta, declara-se ex officio a incompetência desta Corte Federal

para julgamento do agravo de instrumento interposto por Estado

estrangeiro.

3. A decisão liminarmente proferida que conectou efeito

suspensivo ao agravo, não pode prevalecer ante a constatação da

incompetência do juiz-relator que a proferiu, sendo sua eficácia

desconstituída.

4. Declinação de competência para a Corte competente, qual

seja, o colendo STl" (fl. 1.064)

A requerida opôs, em seguida, embargos de declaração, pendente

de julgamento, sustentando, dentre outros aspectos, que o agravo não

poderia ter sido remetido a esta Corte, mas indeferido o seu processa­

mento e arquivado, já que desrespeitados os artigos 522, 524 e 557 do

Código de Processo Civil (fls. 1.066 a 1.075).

Os requerentes, agora, pedem, verbis:

"( ... )

a) a concessão de liminar com o fim de restabelecer a decisão

proferida no Agravo de Instrumento nº 1998.01.00.022020-2-DF,

que concedeu efeito suspensivo a esse recurso, até que se remetam

aqueles autos a esse colendo Tribunal e aqui seja julgado o respec­

tivo agravo;

b) não sendo esse o entendimento de V. Exa., requerem as re­

querentes seja concedida decisão liminar, com o fim de suspender os

efeitos da decisão agravada proferida nos autos da Medida Cautelar

nº 1.977 .34.00.029256-9, da 15ª Vara da Justiça Federal de Brasília,

até decisão final nos autos do Agravo de Instrumento nº

1998.01.00.022020-2, que será futuramente remetido e julgado por

esse colendo SuperiorTribunal de Justiça;

c) num ou noutro caso, seja imediatamente oficiado o MM.

Juiz Federal da 15ª Vara Federal de Brasília da suspensão da liminar

por ele concedida, até o final do julgamento do agravo de instrumen­

to." (fls. 19/20)

RST], Brasília, a. lI, (119): 279-374, julho 1999.

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284 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTICA

Argumentam as requerentes estarem caracterizados o fumus boni iuris e o periculum in mora, já que o Juiz Federal, ao conceder a

liminar, 'inverteu a máxima jurídica pela qual considera-se presumida­

mente válido um título patentário outorgado pelo Estado, após 11 anos de processamento e exame, revisto em duas instâncias recursais, e mantida

sua validade integralmente' (fl. 09). Além disso, a patente das requeren­

tes expira em 3 de janeiro de 1999 e, a cada dia, estariam suportando

prejuízo incalculável face a esta liminar concedida, sendo certo, ainda,

que os embargos de declaração são meramente protelatórios.

Decido.

A presente petição não tem condições de prosperar, a teor do que decidiu a Terceira Turma, na Medida Cautelar nº 522-PB (AgRg), Rela­

tor o Sr. Ministro Costa Leite, DJ de 02.12.96, com a seguinte ementa:

'Medida Cautelar.

Se a causa ainda não se encontra sujeita à jurisdição do Supe­

riorTribunal de Justiça, porquanto não exaurida a instância ordiná­

ria, pendendo de julgamento embargos de declaração, não há lugar

para proteção cautelar. Agravo regimental a que se negou provi­

mento.'

A hipótese dos autos é semelhante à do precedente acima, eis que,

apreciado o agravo regimental pelo Tribunal Regional Federal da 1 ª Re­

gião, foram, do mesmo modo, opostos embargos de declaração, nos quais

a embargante apresenta questões relevantes a respeito do processamen­to correto do agravo e das conseqüências jurídicas decorrentes da incom­

petência do tribunal a quo, inconformando-se, também, com a determina­

ção de remessa dos autos a esta Corte ao invés do seu arquivamento.

Como se pode observar, há possibilidade, ainda, de que o agravo de

instrumento nem mesmo chegue a esta Corte, dependendo do resultado do julgamento dos embargos de declaração.

Ante o exposto, na forma do art. 34, inciso XVIII, do Regimento Interno deste Tribunal, nego seguimento à petição." (fls. 1.105/1.106)

Alegam os agravantes que os embargos não têm condição de prosperar no

que diz respeito à negativa de seguimento do agravo de instrumento pelas se­

guintes razões:

"( ... )

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 285

a) tal recurso estaria retomando matéria sobre a qual o egrégio

Tribunal Regional Federal entendeu, unanimemente, declinar a compe­

tência para esse colendoTribunal, remetendo-se o agravo de instrumento

para aqui ser julgado;

b) não compete a um tribunal que se dá por incompetente, negar seguimento a recurso da esfera de competência de outro tribunal.

Nesse sentido, a doutrina pátria, sem hesitações:

'Apresentado o agravo de instrumento junto a tribunal incom­

petente, caberá ao relator ou ao órgão coletivo declinar competên­cia. A referência do art. 524 do CPC, verbis 'tribunal competente',

não implica tornar inadmissível o recurso, quando houver equivo­cado endereçamento. O exame de admissibilidade, aliás, é de ser

procedido pelo tribunal competente, inclusive, quanto à tempestividade do recurso. Em sendo grosseiro o erro, a interposição será computada a partir da recepção junto ao tribunal competente'

(Sª conclusão do Cetars) (apud Theotonio Negrão, Código de Pro­

cesso Civil e Legislação Processual Civil em Vigor; Ed. Saraiva,

2Sª edição, São Paulo, 1997).

No mesmo sentido é a jurisprudência, conforme as ementas anexas

(doc. 1).

c) a questão da negativa do seguimento do agravo já foi tratada, sufi­

ciente e claramente, quando do julgamento do agravo regimental, não ha­

vendo ponto obscuro ou omissão que justifique os embargos. Nesse senti­

do, a simples leitura das notas taquigráficas que ora se juntam (doc. 2)

evidenciam a má-fé da embargante e o nítido caráter protelatório daquele

recurso." (fls. 1.109/1.110)

Sustentam, ainda, que, em caso idêntico, a Terceira Turma do Tribunal

Regional Federal da 1ª Região decidiu em embargos de declaração que o agravo

de instrumento já seria de competência do Superior Tribunal de Justiça, que deverá apreciar o efeito suspensivo nele requerido. Além disso, a medida plei­

teada não tem caráter satisfativo e está caracterizado o periculuIll in Illora,

posto que a patente regularmente registrada no INPI expirará em 04.01. 99 e as requerentes não estão gozando do seu direito de propriedade assegurado na

Constituição Federal e na Lei nº 9.279/96. Esperam, então, que se conceda

liminar para antecipar o pedido de efeito suspensivo do agravo de instrumento

(fls. 1.10S a 1.116).

RSTJ, Brasília, a.ll, (119): 279-374, julho 1999.

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286 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDE]USTIÇA

Em 19.10.98, os agravantes protocolaram petição informando que os embargos de declaração foram rejeitados em 13.10.98.Argumentam que, com isso, a jurisdição do Tribunal Regional Federal da 1 ª Região se encerrou, devendo o agravo regimental ser examinado à luz desse fato novo.

É o relatório.

VOTO

o SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (Relator): Primeiramente, recebo o presente requerimento de reconsideração como agravo regimental.

Os agravantes ingressaram com a presente Petição nº 1.012-DF para dar efeito suspensivo a agravo de instrumento interposto contra decisão concessiva de liminar em ação cautelar, no qual o Juiz Federal autorizou a ora requerida, M. L. Indústrias Químicas Ltda, a fabricar e comercializar a isca formicida à base de sulfluramida.

O agravo de instrumento foi protocolado perante o Tribunal Regional Fe­deral da 1 ª Região que, ao apreciar agravo regimental, declinou de sua compe­tência para esta Corte, tendo ora requerida ingressado com embargos de decla­ração.

Neguei seguimento à presente petição, basicamente, porque, pendente de julgamento os embargos de declaração, o agravo de instrumento ainda não estaria ao alcance desta Corte deixando consignado que "a embargante apre­senta questões relevantes a respeito do processamento correto do agravo e das conseqüências jurídicas decorrentes da incompetência do tribunal a quo" (fl.1.106).

Entendo que o presente agravo regimental não tem condições de ser aco­lhido por vários motivos, mesmo que já tenham sido julgados os embargos de declaração perante o Tribunal Regional Federal da 1 ª Região.

Há um fundamento poderoso, acredito, que afasta a pretensão da reque­rente, relativo à intempestividade do agravo de instrumento ao qual está a pre­sente petição vinculada.

O agravo de instrumento foi interposto contra despacho interlocutório por Estado estrangeiro, sendo competente esta Corte para processá-lo e deci­di-lo, conforme dispõe o artigo 539, inciso II, alínea b, e parágrafo único, do Código de Processo Civil, verbis:

"Art. 539. Serão julgados em recurso ordinário:

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 287

II - pelo Superior Tribunal de Justiça:

b) as causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou

organismo internacional e, do outro, Município ou pessoa residente ou

domiciliada no País.

Parágrafo único. Nas causas referidas no inciso II, alínea b, caberá

agravo das decisões interlocutórias."

O rito a ser seguido, nos termos do art. 540 do mesmo diploma, é o do

Capítulo III do mesmo Título (arts. 522 a 529 do Código de Processo Civil), relativo ao agravo de instrumento comum. Confira-se:

"Art. 540. Aos recursos mencionados no artigo anterior aplica­

se, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento no juízo de origem, o disposto nos Capítulos II e III deste Título, observando-se,

no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o dis­

posto nos seus regimentos internos."

Do mesmo modo dispõe o art. 253, caput, do Regimento Interno desta

Corte, assim:

"Art. 253. O agravo de instrumento obedecerá, no Juízo ou Tribunal

de origem às normas da legislação processual vigente."

Aplicando-se as regras do Código de Processo Civil, tem-se que o agravo

de instrumento, a teor dos artigos 524 e 525, deveria ter sido dirigido, direta­

mente, a este Tribunal Superior, competente para julgá-lo. Os agravantes, entre­

tanto, protocolaram a petição recursal perante a secretaria do Tribunal Regional

Federal da 1ª Região, em 13.04.98 (fi. 35).

Sobre o tema, escreveJosé Carlos Barbosa Moreira:

"É de 15 dias (art. 508, na redação da Lei nº 8.950) o prazo de interposição do recurso ordinário, seja nos casos de competência do

Supremo Tribunal Federal (art. 539, nº I), seja nos casos de competên­

cia do Superior Tribunal de Justiça (art. 539, nº II). Ressalve-se, nestes

últimos, o agravo (art. 539, parágrafo único): aí, o prazo é de 10 dias,

conforme resulta da conjugação do dispositivo ora sob exame com o art.

522, caput, situado no Capítulo III deste Título, ao qual faz o texto

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288 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

remissão expressa. Incidem as regras comuns sobre contagem, pror­

rogação, suspensão e interrupção.

No que tange aos outros requisitos de admissibilidade, o art. 540 remete às normas contidas 'nos Capítulos II e III'. Entende-se que as do

Capítulo III se aplicam ao agravo mencionado no art. 539, parágrafo único, que não é outro senão o regulado nos arts. 522 e seguintes. No

mais, a disciplina aplicável no particular é a da apelação. Convém adver­tir que a remissão aos Capítulos II e III não se afigura inteiramente

precisa: há normas sobre a matéria localizadas fora deles, que incidem

sem dúvida em qualquer das modalidades do recurso ordinário (ex.: art. 499). Pode-se afirmar que nenhuma peculiaridade ocorre aqui no tocante

à legitimidade, ao interesse em recorrer, à inexistência de fato impeditivo

ou extintivo." (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 7ª edição, 1998, voI. V, p. 560)

Mais adiante, na obra referida, completa:

"Determina o artigo ora sob exame que se aplique, quanto ao proce­

dimento no juízo de origem, 'o disposto nos Capítulos II e III deste Títu­lo'. O Capítulo II trata da apelação; o Capítulo III, do agravo.

Para começar pelo agravo, é induvidoso que, a partir da entrada em

vigor da Lei nº 9.139, já não há modelo procedimental 'no juízo de origem'

suscetível de ser rigorosamente observado para a modalidade de instru­mento: com efeito, interpõe-se orecurso diretamente perante o órgão ad quem (art. 524). O único episódio concebível na instância inferior é a

retratação do juiz, com a conseqüente comunicação ao tribunal (art. 529).

Só a isso, portanto, é que pode referir-se o dispositivo comentado." (p.561)

Da interposição do recurso em secretaria diversa da que manda a lei é que decorre a intempestividade do agravo de instrumento, apresentado contra des­pacho do qual os agravantes tomaram ciência em 02.04.98 (fi. 98). Assim, o

protocolo, ainda que dentro do decêndio, perante tribunal incompetente não tem o condão de interromper ou suspender o prazo recursal, conforme jurispru­

dência desta Corte, referente a casos análogos. Trago, a propósito, os seguintes precedentes:

"Processo no ST]. Pedido de reconsideração. Intempestividade.

Pedido recebido como embargos de declaração. O que assinala a tempes-

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 289

tividade do recurso é a sua entrada, dentro do prazo, no protocolo do

tribunal. Embargos não conhecidos." (EDcl no AgRg no Ag nº 162.751-

MG, Terceira Turma, Relator o Ministro Nilson Naves, DJ de 31.08.98)

"Processual Civil. Recurso especial. Petição protocolizada em foro

regional- Protocolo integrado - Recebimento na secretaria do tribunal de

origem fora do prazo legal.

I - Há de se ter como intempestiva a petição de interposição do

recurso especial que, embora protocolizada atempadamente no fórum re­

gional, deu entrada na secretaria do tribunal de origem, quando já esgota­

do o prazo estabelecido na lei (art. 542 do CPC).

II - Recurso não conhecido." (REsp nº 77.257-SP, Terceira Turma,

Relator o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 06.05.96)

"Recurso especial. Intempestividade.

O que define a tempestividade do recurso interposto é a entrega,

dentro do prazo, da petição no protocolo da secretaria do tribunal recor­

rido.

Agravo improvido." (AgRg no Ag nº 164.67 8-SP, Quarta Turma,

Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 04.05.98)

"Recurso especial. Protocolo integrado. Estado de São Paulo.

A data do recebimento da petição no sistema de protocolo integrado,

no Estado de São Paulo, não define a tempestividade do recurso especial,

que deve ser processado na secretaria do tribunal que proferiu o julgamen­

to recorrido.

Recurso especial não conhecido." (REsp nº 107 .496-SP, Quarta Tur­

ma, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 02.12.96)

Com efeito o agravo de instrumento somente seria tempestivo se

protocolado ou remetido pelo recorrente a esta Corte dentro do prazo legal.

Abro aqui um parêntese para argumentar que o regimento interno do pró­

prio Superior Tribunal de Justiça (art. 34, inciso XVIII) estabelece como atri­

buição do Relator negar seguimento a pedido ou recurso quando a incompetên­

cia da Corte foi evidente. Não impõe a remessa dos autos ao juízo ou tribunal

competente.

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290 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apenas para que não haja dúvida, a Resolução nº 1/96 - STJ impede a

formação do instrumento nesta Corte apenas em relação ao agravo previsto no

art. 544 do Código de Processo Civil, pertinente à inadmissibilidade do recurso

especial, o que não é a hipótese dos autos. E mesmo que se aplicasse ao caso, o

agravo deveria ter sido protocolado perante o Juízo Federal de primeira instân­

cia e não na secretaria do Tribunal Regional Federal da 1 ª Região.

Reconhecida a intempestividade do agravo, que ainda não chegou a esta

Corte, não há como conceder-lhe efeito suspensivo.

Por todo o exposto, nego provimento ao agravo.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

Advogados:

RECURSO ESPECIALN2 81.101- PR (Registro nº 95.0063170-9)

Ministro Waldemar Zveiter

Jane Carvalho Marquesi

Maurício Sagboni Montanha Teixeira e outro

Manoel Augusto Ribas Cavalcanti

Sérgio Botto de Lacerda e outro

EMENTA: Civil e Processual- Cirurgia estética ou plástica - Obri­gação de resultado (responsabilidade contratual ou objetiva) - Indeni­zação - Inversão do ônus da prova.

I - Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o ci­rurgião assume obrigação de resultado (responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não-cumprimento da mesma, decor­rente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade.

H - Cabível a inversão do ônus da prova.

IH - Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, retifica-se a decisão profe­rida na sessão do dia 6 de abril de 1999. Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, por maioria, vencido o Sr. Mi-

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 291

nistro Carlos Alberto Menezes Direito, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro. Não participou do julga­mento o Sr. Ministro Ari Pargendler (§ 2º, art. 162, RISTJ).

Brasília-DF, 13 de abril de 1999 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro WALDEMAR ZVEITER, Relator.

Publicado no Dl de 31.05.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: O acórdão impugnado

concluiu (fi. 106):

"A obrigação médica é de meio e não de resultado, depende, por­tanto, de prova daquele que se disser prejudicado.

Estando, desta forma, a responsabilidade civil dos médicos funda­da na teoria da culpa (art. 1.545 do CC), inaplicável à espécie o dis­posto no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VIII, mesmo porque o próprio Código em seu art. 14, § 4º, exclui a possibi­lidade da pretendida inversão do ônus probandi."

No especial de fi. 127, alega a recorrente que o aresto violou os arts. 6º, VIII, e 14, § 4º, da Lei nº 8.078/90, além de ter divergido de precedente do STJ.

Ao fundamento de que a controvérsia travada manifesta-se nítida - fi. 165, deferiu-se o seguimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTROWALDEMARZVEITER (Relator): Deduz o acórdão recorrido (fis. 108/110):

"A irresignação cinge-se à parte do despacho saneador que indeferiu

a pleiteada inversão do ônus da prova (xerocópia à fi. 79-verso).

Porém, antes de se apreciar o tema, é necessário tecer-se algumas considerações acerca da responsabilidade civil do médico. O ilustrado

RSTJ, Brasília, a. lI, (J 19): 279-374, julho 1999.

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292 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Professor Reynaldo Andrade da Silveira assim leciona (in RT, voI. 674,

dez/91,p.60),verbis:

'Impõe-se situar a responsabilidade civil do médico, como do

tipo de responsabilidade contratual. Muito já se discutiu na doutrina,

com reflexos na jurisprudência dos tribunais, sobre se a responsabili­

dade do profissional da medicina seria contratual ou extra contratual.

Hoje não mais pairam dúvidas a respeito dessa responsabilidade.

A despeito desse entendimento, que se rigorosamente aplicado levaria à conclusão de que haveria inexecução de uma obrigação, se

o médico não obtivesse a cura do seu paciente, ou se os recursos

empregados não satisfizessem, decorrendo daí o dever de indenizar todas as vezes que o doente não ficasse curado, posicionou-se contra­

riamente a tal entender Aguiar Dias, em clássica obra, respaldado

na doutrina francesa.

No sentir de insigne civilista pátrio, posto admita que a respon­

sabilidade médica seja contratual, a mesma 'não tem, ao contrário do

que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa'.

Com efeito, a responsabilidade contratual pode ou não ser pre­

sumida, e no caso do médico não o é.

Assim se tem entendido porque via de regra, o médico no de­

sempenho de suas funções não tem comprometido um determinado

resultado, mas apenas exige-se-Ihe que se conduza de certa forma.

No caso do médico, especificamente, não há o compromisso de

curar, mas tão-somente o de proceder de acordo com as regras e os

métodos da profissão.

Resta desse entendimento, que para o paciente a vantagem é

limitada para obter indenizações médicas, pois, ao contratar com este,

o paciente não obtém o compromisso de, ao final do tratamento/

cirurgia, ficar curado do mal que lhe aflige. E se não o fica, não pode

vir a imputar ao médico a pecha de inadimplente. Dessa forma, a

obrigação médica é de meio, e não de resultado, o que difere basica­

mente, sua responsabilidade dos demais contratuais, mesmo que per­

tença no modelo jurídico a esta espécie'."

E continuando com sua argumentação, consigna o eminente Relator (fls.

112/113):

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 293

"Com tais ponderações acerca da responsabilidade civil do médico,

fundada na ocorrência ou não de culpa, e portanto, de sua comprovação,

cabe averiguar se se torna possível a pleiteada 'inversão do onus probandi'.

A agravante funda seu pleito no inciso VIII do artigo 6º da Lei nº

8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, o qual, ao estabelecer os

direitos do consumidor, beneficiou-o com a inversão do ônus da prova

objetivando a facilidade da defesa dos seus direitos.

Por outro lado o artigo 14 do mesmo diploma legal, coloca o forne­

cedor de seus serviços responsável pelo dever de indenizar, baseando-se

na ocorrência de defeito, ou seja, na responsabilidade civil objetiva do prestador de serviço. Porém, tal norma não pode ser apreciada isolada­

mente, eis que, o Código criou uma exceção no tocante à responsabilida­

de dos profissionais liberais por acidente de consumo - o § 4º do artigo 14 estabelece 'a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será

apurada mediante a verificação de culpa'."

A tese acolhida pelo aresto, com arrimo em bons escólios doutrinários, é

válida e correta e, enfim, explicita a responsabilidade civil que resulta da ativi­

dade profissional.

Todavia, no caso específico, particular, isolado, na verdade, emana dos au­

tos que a responsabilidade decorreu do contrato. Neste, avençou-se como seu

objeto a perspectiva de uma plástica, com determinada imagem ou configura­ção. Daí que, nesta situação, a responsabilidade há de ser contratual, objetiva ou

de resultado, como delineado no precedente AgRg no Ag nº 37 .060-RS, Relator

eminente Ministro Eduardo Ribeiro, citado pelo recorrente e assim ementado (fi. 135):

"O profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando a melhorar

a aparência fisica do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a interven­

ção de fator imprevisível o que lhe cabe provar."

Ainda da Terceira Turma, nesse sentido, é o aresto REsp nº 1 0.536-RJ, cuja decisão unânime, foi assim sumulada:

"Civil- Cirurgia estética - Obrigação de resultado - Indenização -

Dano material e dano moral.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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294 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirur­gião assume obrigação de resultado sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quanto pelo dano moral, decorrente de deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito."

Esse entendimento já o mantinha quando desembargador no egrégio Tri­bunal de Justiça, como citados nas razões do recorrente assim:

"No mesmo diapasão, decisão oriunda do 2º Grupo de Câmaras Cíveis doTJRJ, reg. em 2l.06.88, EAp nº l.232/87, ReI. Des.Waldemar Zveiter, in ADV nº 42.124:

'Na cirurgia estética, ao contrário da reparadora, quando o mé­dico está lidando com paciente saudável que, apenas, deseja melhorar sua aparência e com isso se sentir psiquicamente melhor, havendo uma obrigação de resultado, dela não se excluem os princípios da culpa. Ina1cançado o resultado satisfatório, disso decorrerá a presun­ção de culpa contra o médico, competindo-lhe então ilidi-Ia com in­

versão do ônus da prova. Se, contudo, preponderantemente reparado­ra a cirurgia, realizada a prova e dela resultando que o ato cirúrgico realizou-se dentro dos padrões técnicos exigidos, não há suporte à indenização pretendida pelo paciente. EI recebidos para julgar a ação improcedente.' (grifamos)"

Forte em tais considerações, conheço do recurso pela divergência jurispru­dencial e lhe dou provimento para acolher o pedido, como formulado.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Cuida­se de agravo de instrumento contra despacho de saneamento do processo que indeferiu pedido da autora de inversão do ônus da prova, com apoio no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).A agravante subli­nhou em suas razões que sendo "a prova pericial técnico-centífica, na área espe­

cifica de atuação do próprio requerido e fornecedor dos serviços, resta óbvio que este tem maiores e melhores condições de prestá-la do que a suplicante, pois esta se trata de pessoa do povo, ignorante (no bom sentido) das especificações, características e outros, dentro da arte médica".

O Magistrado repeliu a inversão e determinou a realização da perícia,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 295

mantendo a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná a decisão

atacada, considerando ser a obrigação médica de meio e não de resultado e,

também, a inaplicabilidade do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumi­

dor, assinalando que o próprio Código, em seu art. 14, § 4º, excluiu a possibili­

dade da pretendida inversão do ônus da prova.

O voto do eminente Ministro Waldemar Zveiter provê o recurso sob o

fundamento de ser a cirurgia estética embelezadora uma obrigação de resultado

(responsabilidade contratual ou objetiva), destacando que, no caso, "avençou-se

como seu objeto a perspectiva de uma cirurgia plástica, com determinada ima­

gem ou configuração. Daí que, nesta situação, a responsabilidade há de ser

contratual, objetiva ou de resultado, como delineado no precedente AgRg no Ag

nº 37.060-RS, relator o eminente Ministro Eduardo Ribeiro", reproduzindo a

respectiva ementa, ademais de indicar outro precedente com decisão unânime.

Está, pois, delimitado o campo da controvérsia, assim o da inversão do

ônus da prova, pretendido pela autora, considerando a disciplina do Código do

Consumidor e, ainda, tratar-se a questão de responsabilidade civil em decorrên­

cia de cirurgia plástica.

Em estudo recente, o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar mostrou, com

muita claridade, o tema sob julgamento na seguinte passagem de seu estudo

sobre a responsabilidade civil do médico, verbis:

"Polêmica é a definição da natureza jurídica da cirurgia estética ou corretiva, quando o paciente é saudável e apenas pretende melhorar a sua

aparência; diferente da cirurgia reparadora, que corrige lesões congênitas ou adquiridas (Antônio Chaves, Responsabilidade Civil das Clínicas,

Hospitais e Médicos, Rev. Jurídica, 159/118).

A orientação hoje vigente na França, na doutrina e na jurisprudência,

se inclina por admitir que a obrigação a que está submetido o cirurgião

plástico não é diferente daquela dos demais cirurgiões, pois corre os mes­

mos riscos e depende da mesma álea. Seria, portanto, como a dos médicos em geral, uma obrigação de meios. A particularidade reside no recrudesci­

mento dos deveres de informação, que deve ser exaustiva e de consenti­mento, claramente manifestado, esclarecido, determinado (Penneau, La Responsabilité ... , p. 35). Duas decisões da Corte de Lyon e da Corte de

Cassação de 1981, comentadas por Georges Durry (Revue Trimestrielle de Droit Civil, p. 153), reafirmam que se trata de uma obrigação de meios,

porque em toda operação existe uma álea ligada à reação do organismo, e acentuam a existência de um dever particular de informação. Mais recen-

RSTJ,Brasília, a.11, (119): 279-374, julho 1999.

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296 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

temente, em 21.02.91, a Corte de Versailles, reconhecendo a existência de

uma obrigação de meios, condenou o cirurgião plástico que não comparou convenientemente os riscos e os benefícios de uma operação considerada

prematura, deixando de fornecer a exata informação de todos os riscos (Recueil Dalloz-Sirey, 1993, p. 29).

O eminente Professor Luís Adorno, após ter sido defensor da idéia

oposta, no último curso ministrado em Porto Alegre, assim se expressou:

'Se bem tenhamos participado durante algum tempo deste critério de situar a cirurgia plástica no campo das obrigações de resultado, um exame medi­

tado e profundo nos levou à conclusão de que resulta mais adequado não fazer distinções a respeito, colocando também o campo da cirurgia estética

no âmbito das obrigações de meio, isto é, no campo das obrigações gerais

de prudência e diligência. É assim porquanto, como bem assinala o bri­lhante jurista e catedrático francês e estimado amigo Prof. François Chabas,

de acordo com as conclusões da ciência médica dos últimos tempos, o

comportamento da pele humana de fundamental importância na cirurgia

plástica, é imprevisível em numerosos casos. Ademais, agrega dito jurista,

toda intervenção sobre o corpo humano é sempre aleatória' (La

Responsabilidad Civil Médica, Ajuris, 59/224)."

Para nosso eminente colega, após ressaltar a jurisprudência brasileira no

campo das obrigações de resultado, verbis:

"O acerto está, no entanto, com os que atribuem ao cirurgião esté­tico uma obrigação de meios. Embora se diga que os cirurgiões plásticos prometam corrigir, sem o que ninguém se submeteria, sendo são, a uma

intervenção cirúrgica, pelo que assumiriam eles a obrigação de alcançar o resultado prometido, a verdade é que a álea está presente em toda inter­

venção cirúrgica, e imprevisíveis as reações de cada organismo à agres­são do ato cirúrgico. Pode acontecer que algum cirurgião plástico, ou

muitos deles assegurem a obtenção de certo resultado, mas isso não defi­

ne a natureza da obrigação, não altera a sua categoria jurídica, que con­tinua sendo sempre a obrigação de prestar um serviço que traz consigo o

risco. É bem verdade que se pode examinar com maior rigor o elemento culpa, pois mais facilmente se constata a imprudência na conduta do

cirurgião que se aventura à prática da cirurgia estética, que tinha chances

reais, tanto que ocorrente de fracasso. A falta de uma informação precisa sobre o risco, e a não-obtenção de consentimento plenamente esclareci­

do, conduzirão eventualmente à responsabilidade do cirurgião, mas por

descumprimento culposo da obrigação de meios.

RST], Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 297

Na cirurgia estética, o dano pode consistir em não alcançar o resul­

tado embelezador pretendido, com frustração da expectativa, ou em agra­

var os defeitos piorando as condições do paciente. As duas situações devem

ser resolvidas à luz dos princípios que regem a obrigação de meios, mas

no segundo fica mais visível a imprudência ou a imperícia do médico que

provoca a deformidade. O insucesso da operação, nesse último caso, carac­teriza indício sério da culpa do profissional, a quem incumbe a contraprova

de atuação correta." (RT 718/33)

Na verdade, nos últimos tempos tem sido volumoso o noticiário sobre os

aspectos legais da prática da medicina sob variados ângulos, assim o do diag­nóstico, tratamento, apoio e acompanhamento dos pacientes, sem falar, é claro,

dos procedimentos cirúrgicos. E, de modo vigoroso, vem sendo posto em relevo

o direito dos pacientes e as obrigações dos profissionais de medicina. Esse mo­mento de exaltação no setor é conseqüência de longo período de obscurantismo

no que se refere à responsabilidade civil dos médicos. É chegado, agora, um

tempo de necessária reflexão para reconhecer que os pacientes também têm

obrigações e os médicos também têm direitos, tudo para permitir um equilíbrio imperativo para a administração da justiça, ainda mais nesse trânsito da huma­

nidade com novas descobertas e avanços da ciência médica.

Para bem enquadrar a responsabilidade no campo cirúrgico é preciso, pri­

meiro, ter um conceito claro do que seja a cirurgia, que parece ser tão antiga

quanto a própria humanidade, e como diferem entre si as especialidades cirúr­gicas.

É sabido que há milhares de anos, durante o período neolítico, pratica­vam-se trepanações e amputações, o mesmo ocorrendo entre os povos da Améri­

ca pré-colombiana. No Código de Hamurabi, cerca de 2.200 a.C., figuram es­

tritas prescrições quanto às penas aplicáveis no caso de mau procedimento ci­

rúrgico.

Em algumas civilizações antigas, a cirurgia alcançou considerável desen­

volvimento, como, por exemplo, na Índia, na China, no Egito e no período helenístico da civilização grega. Já nos textos hipocráticos são mencionados

numerosos procedimentos cirúrgicos e instrumentos a eles necessários, entre os

quais sondas, cautério, cureta, espéculo, bisturis convexo, curvo e pontudo.

Na Índia antiga já se praticavam cirurgias de reconstrução nasal, interven­

ções para cataratas e para retirada de cálculos vesicais e outras. Instrumentos cirúrgicos, tais como pinças, cânulas, sondas, agulhas de sutura, são menciona­

dos na literatura.

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298 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA

No Talmud encontramos referências às intervenções para tratamento de

fístulas anais, para redução de luxações, às operações depois denominadas cesa­

rianas e à circuncisão, nele reconhecida com velha prescrição.

Através dos tempos, os ferimentos são um evento central de toda a cirur­

gia, não só porque o tratamento das feridas acidentais são um aspecto importan­

te da atuação do cirurgião, como, também, porque a própria intervenção opera­

tória se inicia e prossegue por um tipo especial de ferimento, a incisão e dissec­

ção cirúrgicas. Nessas condições, o conhecimento de seu significado para todo o

organismo e os cuidados com seu manejo constituem importante conceito do pensamento cirúrgico.

Um eminente cirurgião inglês do século XIX, John Hunter, resumiu a

importância das lesões e incisões cirúrgicas ao perguntar: o que a ferida repre­

senta para o organismo? Como o organismo se protege dos danos que a cirurgia

causa de modo próximo ou remoto?

De fato, essas perguntas essenciais revelam, por inteiro, a realidade da

cirurgia e as suas conseqüências em todos os campos do conhecimento científi­co do ser humano.

Foi somente neste século XX que assumiu suas atuais dimensões o conhe­

cimento das complexas reações metabólicas e imunológicas relacionadas, em

maior ou menor grau, com todos os procedimentos cirúrgicos, e que, necessari­

amente, têm fortes implicações nas conseqüências do ato cirúrgico e, daí, no campo da responsabilidade civil médica.

A definição de cirurgia que consta da maioria dos dicionários diz ser ela o

ramo da medicina que lida com o diagnóstico e o tratamento de lesões, deformi­

dades e doenças por meios manuais e instrumentais. Na verdade, cirurgia é mais

do que isso. O cirurgião moderno conduz o paciente pelas fases de diagnóstico, preparo pré-operatório, intervenção cirúrgica propriamente dita, pós-operató­

rio e reabilitação.

Fundamentalmente, as cirurgias tratam condições agudas ou criam situa­

ções agudas para aliviar estados ou doenças crônicas e o fazem por meio de

manipulações no corpo do paciente. Sua denominação deriva de keirós, a mão, de modo diferente do tratamento de condições prolongadas, pertencentes às pro­

víncias da clínica, que vem de klínos, o leito.

Basicamente, existem três tipos de alteração que constituem apanágio da

atuação cirúrgica:

1 º) alteração, perda ou disrupção de tecidos ou órgãos;

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 299

2º) interferência com o fluxo normal do sangue e dos fluidos orgânicos;

3º) invasão do organismo por elementos patogênicos, exógenos ou endógenos.

Modernamente, são reconhecidas cinco categorias gerais de cirurgias:

1 ª) tratamento de ferimentos;

2ª) cirurgia extirpativa;

3ª) cirurgia reconstrutiva;

4ª) transplantes de tecidos e órgãos;

5ª) implantes de próteses e outros dispositivos.

As diversas sub especialidades cirúrgicas não apresentam entre si diferen-

ças essenciais. Derivam elas, na realidade, de alguns parâmetros, a saber:

a) do segmento corporal de sua atuação principal;

b) do uso e costume (cirurgia geral, cirurgia plástica, cirurgia dentária);

c) da faixa etária em que atuam (cirurgia pediátrica);

d) do instrumental utilizado (crio cirurgia, cirurgia laparoscópica);

e) das doenças tratadas (cirurgia oncológica, traumatocirurgia);

f) dos órgãos ou sistemas em que atuem (neurocirurgia, CIrurgia

endócrina) .

No tocante ao segmento corporal de sua principal atuação, cirurgiões de várias sub especialidades agem sobre o segmento encefálico, realizando in­tervenções de neurocirurgia, cirurgia buco-maxilo-facial, cirurgia de cabeça e pescoço, cirurgia oftalmológica e otorrinolaringológica. Endarterectomias carotídeas ou de by pass carotídeo são realizadas por cirurgião vascular. São ainda admissíveis sub especialidades de cirurgias da surdez e de neurocirurgia endovascular, esta última, quase na totalidade dos casos, não realizada por ci­rurgião, o mesmo ocorrendo com relação às intervenções de angioplastias

intraluminais várias, com ou sem inserção de stents, cuja realização é feita por um cardiologista especializado em hemodinâmica.

O tórax é a área de atuação da denominada cirurgia torácica que, em sua atual acepção, está adstrita às intervenções broncopulmonares, pleurais, mediastinais, esofagianas, e distinta da cirurgia cardíaca que lida com correções de defeitos congênitos ou adquiridos, substituição de válvulas do coração e, principalmente, intervenções de revascularização miocárdica.

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300 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o abdome é a principal área de atuação do cirurgião-geral, como também do ginecologista, do obstetra, do urologista, do colo-proctologista, do cirurgião

vascular.

A cirurgia plástica lida, por sua abrangência, com toda a superfície cor­poral. Esta denominação consagrada pelo uso faz menção apenas ao aspecto estético desta especialidade cirúrgica antiqüíssima, precedendo de muitos sé­

culos a própria cirurgia geral, não levando em conta o trabalho corretivo e reconstrutivo de deformidades congênitas e adquiridas nas fendas faciais, lábio leporino, seqüelas de queimaduras etc. Na verdade, procedimentos para recons­trução do apêndice nasal, do pavilhão da orelha e dos lábios são mencionados em escritos muito antigos, havendo referência, ainda no século XIII, de traba­lhos na Sicília e na Calábria de famosos cirurgiões da época como Branca e

Tagliacozzi.

Com esse panorama geral é possível, agora, anotar que as diversas subespe­cialidades cirúrgicas não apresentam entre si diferenças essenciais ou constitutivas. Toda cirurgia é uma forma de tratamento. As cirurgias bem pode­riam ser uma subdivisão da terapêutica, que é a arte e a ciência do tratamento.

E assim é, na medida em que as cirurgias são uma forma de tratamento do qual uma parte importante é um contrato para a obtenção do melhor resultado possível, acompanhado da mais competente e ampla informação sobre seus efei­tos e resultados previsíveis.

Em qualquer das subespecialidades cirúrgicas exige-se um profissional

habilitado, agindo com perícia, prudência e diligência em todas as etapas de sua atuação, de forma comparável a outro profissional atuando nas mesmas circuns­

tâncias.

Pela própria natureza do ato cirúrgico, cientificamente igual, pouco im­

portando a subespecialidade, a relação entre o cirurgião e o paciente está subor­dinada a uma expectativa do melhor resultado possível, tal como em qualquer

atuação terapêutica, muito embora haja possibilidade de bons ou não muito bons resultados, mesmo na ausência de imperícia, imprudência ou negligência, dependente de fatores alheios, assim, por exemplo, o próprio comportamento do paciente, a reação metabólica, ainda que cercado o ato cirúrgico de todas as cautelas possíveis, a saúde prévia do paciente, a sua vida pregressa, a sua atitude somato-psíquica em relação ao ato cirúrgico. Toda intervenção cirúrgica, qual­

quer que ela seja, pode apresentar resultados não esperados, mesmo na ausência de erro médico. E, ainda, há em certas técnicas conseqüências que podem ocor­rer, independentemente da qualificação do profissional e da diligência, perícia e prudência com que realize o ato cirúrgico.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 301

Anote-se, nesse passo, que a literatura médica, no âmbito da cirurgia plás­

tica, indica, com claridade, que não é possível alcançar 100% de êxito.

Na prestigiosa Plastic and Reconstructive Surgery (vol. 96, agosto de 1995,

pp. 255 a 266), está publicado artigo versando sobre complicações e resultados

a longo prazo de procedimentos para correção de fendas faciais baseado na

observação de 116 pacientes acompanhados durante sete anos. Os autores escla­

recem que os procedimentos usados são seguros e confiáveis, oferecendo aos

pacientes uma substancial melhora de sua qualidade de vida, com resultados

satisfatórios em, apenas, 89% a 92% dos casos.

Cento e sessenta e sete implantes mamários para reconstrução ou aumento

dessas glândulas, realizados em 77 pacientes e seguidos durante nove anos, so­

freram completa deflação em cerca de 25%, e contratura fibrosa em 37% dos

casos, como narrado no British Journal of Plastic Surgery (vol. 48, junho de

1995,pp.183 a 188).

A mesma Plastic and Reconstructive Surgery (vol. 95, junho de 1995, pp.

1.195 a 1.204) publica os resultados de reconstrução mamária obtidos por dois

cirurgiões em 111 pacientes, mostrando complicações importantes em cerca de

20% dos casos, observados ao longo de 18 meses.

No que se refere à plástica para redução do volume mamário (mamoplastia

redutora), o Annals of Plastic Surgery (vol. 34, 1995, pp. 113 a 116) divulga os

resultados obtidos por dois cirurgiões, indicando melhora clínica satisfatória

em não mais de 74%, 81 % e 88% dos casos, conforme o critério escolhido.

Também no British Journal of Plastic Surgery (vol. 48, outubro de 1995,

pp. 451 a 454), foram analisadas 218 plásticas nasais (rinoplastia), observando­

se não mais de 5% de complicações, mas cerca de um de cada dez pacientes

necessitou de revisão cirúrgica do procedimento realizado pela mesma institui­

ção, e um de cada cinco daqueles que haviam sido operados em outros centros.

J. Gérald Rheault, mostrando a realidade sob o regime legal do Canadá,

que segue o sistema do Common Law, a exceção de Quebec, que herdou as

tradições do Código Civil de Napoleão, destacou que a responsabilidade dos

médicos está limitada a uma obrigação de meios, não de resultados, na medida

em que os cirurgiões não estão obrigados a obter sempre bons resultados, mas

estão sim obrigados a fornecer competente informação e tratamento aos pacien­

tes. Assim, a responsabilidade do cirurgião depende da prova de ele não ter

agido prudentemente e diligentemente como um profissional razoavelmente

competente teria agido nas mesmas circunstâncias. E, em casos de cirurgia esté­

tica, esse princípio vem sendo desafiado até a Suprema Corte por algumas pessoas

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302 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que gostariam de imputar ao cirurgião plástico uma responsabilidade de resul­

tados e não de meios ("Professional responsibility of physicians is limited to an

obligation of means, not of results. "{.% do not have an obhgation of always obtaining

good results, but must provide competent information and treatment to our patients.

Briefly put, the existence of a fault on the physician 's part will be established if it can

be proven that he did not act as prudently and diligently as a reasonable competent

physician would have in the same circunstances. In cases of elective care such as in

aesthetic surgery, this principie is being challenged all the way to Supreme Court by

some people who would like to hold us responsible not only for means, but of results",

in The Canadian Journal of Plastic Surgery, 30, 1995, via Internet).

O mesmo Rheault anota que nas cirurgias eletivas a saúde do paciente

não está ameaçada, com o que deve haver uma informação completa de todas as

complicações que não são raras bem assim daqueloutras importantes que são. E

indica decisão da Corte de Apelações que considerou responsável um cirurgião

plástico por uma complicação muito rara de perda de visão em uma operação

plástica nas pálpebras, eis que não foi o paciente avisado dessa possibilidade

antes de dar o seu consentimento (loc. cit.).

O principal argumento para transpor a cirurgia estética ao campo das obri­

gações de resultado está assentado no compromisso do cirurgião de obter com o

ato cirúrgico um determinado resultado, que teria sido contratado, consideran­

do que não há patologia a ser enfrentada.

Todavia, esses dois pontos, o compromisso com determinado resultado e a

ausência de patologia, não servem para desqualificar a unidade científica do ato

cirúrgico que, como visto supra, tem a mesma natureza e depende da mesma

álea, não importando a sub especialidade.

Qualquer que seja o ato cirúrgico, o que determina a responsabilidade é a

constatação da existência do erro médico e não, diante da igual natureza cientí­

fica do ato, o compromisso de alcançar certo resultado. E o erro médico, como

ensina o Professor e acadêmico Júlio de Moraes, na medida em que o médico

não é infalível, é aquele que um profissional de média capacidade, em idênticas

situações, não cometeria.

Há erro médico tanto em uma colestase extra-hepática por lesão cirúrgica

do colédoco no decurso da dissecção necessária à realização de colecistectomia,

como na hidronefrose por lesão de ureteres no decurso de intervenção ginecoló­

gica, como na disfonia por lesão de nervo recorrente durante tireoidectomia,

como na paralisia facial resultante de traumatismo a um ramo do nervo facial

durante intervenção para correção de flacidez facial.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 303

Por um lado, mesmo a cirurgia meramente estética não significa, neces­

sariamente, a ausência de uma patologia. Pode ocorrer, por exemplo, que uma

paciente procure um cirurgião plástico para corrigir uma deformidade no apên­

dice nasal que, enfeiando-lhe o rosto, cause-lhe um transtorno da personalida­de, assim uma depressão: ou um outro que apresente uma ginecomastia acen­

tuada a causar-lhe comportamento neurótico; ou, ainda, outra, que busca uma

correção de mama diante de sobrecarga postural que lhe impeça o exercício

de certa atividade profissional.

Enfim, há uma variedade enorme de circunstâncias peculiares que não de­

vem ser vinculadas a um padrão imposto pela jurisprudência sobre a configura­

ção jurídica da cirurgia estética como obrigação de resultado, que pode levar, ademais, a absurdos gravosos como o conceito de aceitação do resultado diante

de determinado detalhe, assim, por exemplo, o exato tamanho da mama, ou sua

angularidade específica, ou o do nariz, ou, ainda, o tamanho exato da cicatriz

em uma cirurgia para eliminar a flacidez abdominal, ou, até mesmo, um contra­

to de garantia para a resistência das mamas ou do enrijecimento do abdome por

certo tempo.

Por outro lado, não é possível estabelecer, talqualmente em direito não o é, um padrão de resultado uniforme em todos os pacientes, mesmo em se tra­tando de cirurgia em subespecialidade diversa da estética, dependendo o re­

sultado, sempre, de muitos fatores, até mesmo do comportamento do paciente. O que o cirurgião contrata com o seu paciente é a realização de um ato cirúr­

gico com a melhor técnica possível, prestando-lhe detalhadamente todas as informações sobre as conseqüências da cirurgia, as comuns e as raras, para que

a decisão seja tomada com toda a consciência, cabendo ao médico, ainda, ava­

liar com o maior rigor possível as condições do paciente para submeter-se a

uma cirurgia. O que se não pode admitir é a repetição de um standard

juriSprudencial que está em desalinho, a meu juízo, com a realidade mais mo­

derna dos avanços da ciência médica e da ciência jurídica.

Finalmente, nesse patamar, é bom não esquecer que não se pode presu­

mir, como parece vem sendo admitido pela jurisprudência, que o cirurgião plás­

tico tenha prometido maravilhas ou que não tenha prestado as informações de­

vidas ao paciente, configurando o contrato de resultado certo e determinado. A

só afirmação do paciente em uma inicial de ação indenizatória não é suficiente

para acarretar a presunção de culpa do médico, invertendo-se o ônus da prova,

como no presente caso. O paciente deve provar que tal ocorreu, que não recebeu

informações competentes e amplas sobre a cirurgia.

Não bastasse tal fundamentação para afastar a cirurgia estética do campo

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304 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

das obrigações de resultado, o Código de Defesa do Consumidor estipulou,

expressamente, no art. 14, § 4º, verbis:

"§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apu­rada mediante a verificação da culpa."

Ora, tal regra não separa o ato cirúrgico em obrigação de meio ou de resultado, não destaca a cirurgia estética, nem, tampouco, explicita que destina­

se a incidir sobre a responsabilidade aquiliana, não sobre a responsabilidade

contratual. Com todo respeito, a interpretação que situa a questão neste ângulo

não tem lastro na lei, repetindo, apenas, a jurisprudência anterior ao Código que

enxergava a dicotomia. E não poderia fazê-lo, sob pena de grave disparidade na

própria lei que impõe ser a responsabilidade pessoal do profissional liberal apu­

rada mediante a verificação da culpa.

O dito contrato para melhorar a aparência física do paciente por meio de

cirurgia não depende, exclusivamente, da perícia ou diligência do cirurgião,

mas, de fatores idênticos aos de qualquer outra cirurgia, devendo a responsabi­lidade do profissional ser apurada, como prescreve o Código, mediante a verifi­

cação da culpa.

No presente caso, invocado que foi o Código do Consumidor, o Magistra­

do, o que foi mantido pela Corte Estadual, determinou a realização de perícia e

afastou a inversão do ônus. E o fez, a meu juízo e com todo o maior respeito aos

que entendem em sentido contrário, corretamente, sendo impossível, no sistema

do Código, presente a responsabilidade de um profissional liberal, autorizar-se

a inversão do ônus e negar-se a perícia.

Por tais razões, pedindo vênia ao eminente Relator, eu conheço do recurso

pela divergência, mas nego-lhe provimento.

RATIFICAÇÃO DE VOTO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): Sr. Ministro

Carlos Alberto Menezes Direito, ouvi com profundo deleite o voto de V. Exa. e louvo o cuidado que V. Exa. teve de trazer, no seu contexto, afirmações válidas e

pertinentes, notadamente dos países extremamente evoluídos, como o são a In­

glaterra, a França e o Canadá, de onde V. Exa. fez pesquisas pela Internet.

Agora, estamos no nosso país e decidindo para o nosso povo dentro de um

contexto especialíssimo, em que existem faculdades de medicina de fim de se­

mana, nas quais proliferam médicos que saem sem o preparo e sem a adequação

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 305

necessária e de cujas clínicas de cirurgias plásticas, em qualquer dos jornais das

grandes capitais que se abra, encontra-se propaganda médica, atraindo os pa­

cientes para esse tipo de cirurgia estética de embelezamento.

Cientificamente, estou de acordo com V. Exa. Até hoje, não consegui tam­

bém atinar por que não adotamos ainda, aqui, o que se adota nos hospitais dos

Estados Unidos, do Canadá e da Inglaterra. Quando alguém se interna para um

tipo de cirurgia, seja ela qual for, o médico faz preleção sobre todas as conse­

qüências, probabilidades de êxito e riscos cirúrgicos. Mais ainda. Exige do pa­

ciente a leitura de documento de autorização para que o assine. Isso não ocorre

no nosso país.

Embora reconhecendo que o voto de V. Exa., sob o ângulo científico, colo­

ca-se correto, há que se fazer distinção nessas cirurgias. Temo que, se abrirmos

a jurisprudência para tentar permitir, estas proliferem num povo como o nosso,

onde a massa ainda é ignorante, há deficiência da informação científica, certo

que temos assistido a vários casos de mortes de pacientes.

Acredito que nossa jurisprudência tem caminhado prudentemente, fazendo

a distinção entre a cirurgia reparadora, na qual tem que se apurar a culpa do

médico, e a cirurgia meramente estética e embelezadora, onde há de se presumir

em favor daquele economicamente mais fraco que seduzido pela intensa propa­

ganda pretende melhorar seu aspecto estético.

Peço vênia para ficar ainda com meu modesto pensamento e, não obstante

a erudição do voto de V. Exa., manter a minha posição que se afina com a

jurisprudência da Corte.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Disse a recorrente, na petição da

ação de indenização intentada contra o médico, que se submeteu "a uma cirur­

gia plástica de caráter meramente estético". Disse também que "o resultado

verificado no caso concreto foi extremamente aquém daquele desejado, prome­

tido e esperado". Pleiteando a indenização, postulou também fosse invertido a

seu favor o ônus da prova, invocou o disposto no art. 62, inciso VIII, do Código

de Defesa do Consumidor, segundo o qual "a facilitação da defesa de seus direi­

tos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,

quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele

hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;". Alegou o se­

guinte, lá na inicial, em resumo:

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306 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"28. Outra conseqüência prática do reconhecimento da cirurgia plás­tica como de resultado, encontra-se na presunção de culpa incidente sobre o médico, equipe e hospital, na hipótese de inadimplemento contratual via resultado não acorde com o pretendido/combinado. E, correlata a esta pre­sunção de culpa encontra-se a inversão do ônus probante, que fica ao en­

cargo do médico sobre quem paira a presunção culposa."

"57. Desde já requer pelo deferimento da inversão do ônus da pro­va, pelas razões expostas nos articulados 28º usque 35º supra, ficando

esta (a prova) a encargo do requerido, dada sua presunção de culpa bem como face o contido no inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.078/90."

Saneando o processo, entendeu o juiz que "A dilação probatória, sem inversão do ônus, conforme pretendido pela autora, terá início pela perícia, no­meado para sua realização o Dr. Carlos Eduardo Pires (te I. 232-0222/322-1880),

independentemente de compromisso". Ao agravo de instrumento oposto a esse despacho o Tribunal de Justiça negou provimento, pelo acórdão de fls. 106/116. Sobreveio então o presente recurso especial, que aqui está sendo conhecido pelo

dissídio, mas a que o Sr. Ministro Waldemar Zveiter dá provimento enquanto que o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito nega provimento.

A impressão que me vai ficando é a de que não existiria o dissídio, pois, no

acórdão recorrido, o tema é essencialmente o de que à espécie não se aplica "o disposto no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VIII, mes­mo porque o próprio Código em seu art. 14, § 4º, exclui a possibilidade da pretendida inversão do onus probandi", ao passo que, no acórdão de que foi

relator o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, tal não foi o tema central, até porque se

duvidou estivesse prequestionado o disposto no art. 14, § 4º, do Código de De­fesa do Consumidor. Vejo, no entanto, que a tendência é a de se conhecer do recurso, reputando-se comprovado o dissenso jurisprudencial. Sendo assim, não vou abrir divergência, relativamente à preliminar de conhecimento.

Pelo que dos votos já proferidos me foi possível perceber, a divergência aqui estabelecida quanto ao provimento do especial resultaria eminentemente do caso concreto, que, segundo o Sr. Relator, "Todavia, no caso específico, par­ticular, isolado, na verdade, emana dos autos que a responsabilidade decorreu

do contrato. Neste, avençou-se como seu objeto a perspectiva de uma plástica,

com determinada imagem ou configuração", ao passo que, segundo o Sr. Minis­tro Direito, "A só afirmação do paciente em uma inicial de ação indenizatória não é suficiente para acarretar a presunção de culpa do médico, invertendo-se o

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 307

ônus da prova, como no presente caso. O paciente deve provar que tal ocorreu, que não recebeu informações competentes e amplas sobre a cirurgia".

Isto posto, e como se impõe o conhecimento do recurso, adiro ao voto do Sr. Ministro Zveiter, que em boa verdade se reporta a precedente seu, quando

Desembargador, e a precedentes da Terceira Turma, sendo que, para a formação daqueles julgados da Turma, concorri com o meu voto. Portanto, peço vênia ao Sr. Ministro Direito, cujo magistral voto muito me impressionou, para acompa­nhar o Sr. Relator.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Colocada a questão em ter­mos de saber se a obrigação contratual, assumida pelo médico que executa ci­rurgia estética, é de meios ou de resultado, ingressa-se em terreno onde a con­trovérsia parece interminável. Em um e outro sentido se apontam opiniões, seja na doutrina, seja na jurisprudência.

Desta Terceira Turma há precedente, de que fui relator, constante dos au­tos e citado no voto do Ministro Waldemar Zveiter, onde admiti não infringir a lei o entendimento de que a obrigação do cirurgião plástico seria de fins e não apenas de meios.

O debate que se travou no presente julgamento levou-me a reflexão mais acurada sobre o tema.

Nos contratos em que a obrigação é de fins ou de resultado, esse o que importa e não o modo por que se atuou para a isso chegar. É o que sucede no

contrato de transporte, onde releva que a carga ou a pessoa seja conduzida incó­lume até o destino. O transportador responderá por esse resultado e, caso não ocorra, nasce o direito à indenização, sem necessidade de demonstrar-se que agiu culposamente. Para eximir-se, haverá de provar que o dano decorreu do fortuito, da força maior ou de fato de terceiro, estranho ao deslocamento e que

não poderia ser evitado. Em princípio, pois, basta o resultado não ter sido alcan­çado para que se caracterize o inadimplemento e o dever de ressarcir o dano.

Se a obrigação é de meio, o fato de não se ter chegado ao resultado que se buscava é obviamente indispensável, mas para que exista o dano. Não basta, entretanto, para que surja o dever de repará-lo. Verificar-se o dano não significa, por si, se tenha deixado de adimplir o pactuado. Mister se demonstre que o contratante deixou de agir do modo que seria exigível.

Admite-se pacificamente que, de um modo geral, a obrigação do médico é de meios. Tem o dever jurídico de agir de acordo com as recomendações da técnica, observadas todas as cautelas que se imponham. Não ter obtido a cura

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308 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

não significa descumprimento do contratado. O direito à indenização origina­se, não do dano, isoladamente, mas de que esse haja decorrido de comportamen­to culposo do médico, implicando desatendimento à obrigação assumida.

Se assim se entende tranqüilamente na imensa maioria dos casos, em al­guns outros. entretanto, colocam-se dúvidas, residindo o principal deles exata­mente na cirurgia estética.

Apresenta essa, em regra, peculiaridade que não se encontra ordinaria­mente nos demais tipos de cirurgia ou mesmo de tratamentos médicos. Quem apresenta estado patológico haverá de tratar-se porque dele poderão advir sé­rias conseqüências. É estreito o campo de opção do paciente. Diversa é a situação daquele que se encontra hígido e apenas deseja aparência mais agradável. Su­põe-se que ninguém se submeterá a essas intervenções, salvo com a razoável garantia de que não sofrerá danos capazes de, em lugar do aformoseamento, acarretar-lhe alguma lesão deformante. Admite-se, em conseqüência, que o médico, ao decidir-se pela intervenção, deverá ter condições de assegurar, com elevado nível de certeza, que o resultado pretendido será alcançado ou, pelo menos, não ocorrerá o inverso.

Creio, entretanto, que desde logo se há de observar que tais considera­ções são pertinentes também quanto a numerosas outras cirurgias e mesmo a tratamentos médicos em geral. Bem pode suceder que a moléstia apresentada não trouxesse mais que risco remoto à vida do paciente ou nenhum dessa natureza existisse, mas se recomendasse a cirurgia para corrigir alguma defi­ciência que obstava se levasse vida plenamente normal. Os azares a que sem­pre se sujeitam tais intervenções podem conduzir, entretanto, a que, em virtu­de de variados fatores, resultem graves lesões e até a morte. Também em tais casos se expõe a pessoa a riscos que hão de ser cuidadosamente avaliados.

Tratando-se de tais hipóteses, entretanto, aceita-se sem maiores discussões, que a obrigação do médico não tem natureza diversa. Refere-se aos meios e não ao resultado.

A questão está toda em um maior ou menor benefício que se pretende alcançar. Existindo a probabilidade de morte, facilmente se concorda com in­tervenção que envolva perigo. À medida em que menor o mal que se intenta remover, menores serão, também, os riscos que razoavelmente se haverá de cor­rer. Entretanto, e o douto voto do eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito bem alerta para isso, se a diferença é de grau, não se detecta diferença quanto à substância da obrigação em um e outro caso.

Não há realmente fugir a que toda intervenção cirúrgica, todo procedi­mento invasivo envolve uma álea. Não é dado oferecer garantia absoluta de que nenhum mal possa advir. Isso é da natureza das coisas.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 309

Revejo a posição doutrinária que anteriormente assumi. Do ponto de vista das conseqüências processuais, porém, não a altero significativamente.

A obrigação dos médicos em geral e do cirurgião em particular é de meio e não de resultado. A obrigação de indenizar não decorrerá diretamente de não ter sido esse atingido. Sucede, entretanto, que a questão em exame não é apenas

essa.

Discute-se sobre a distribuição do encargo de fazer a prova. Fosse a obri­gação de resultado, a circunstância de não haver sido alcançado daria nasci­mento ao dever de reparar e o médico só se eximiria com a prova do fortuito ou da força maior. Se a obrigação é de meio, aquele dever existirá se não adimplida a obrigação de usar da melhor técnica, de cercar-se de todas as cautelas reco­mendáveis. Outra coisa, entretanto, é a distribuição do ônus da prova. Viável invertê-lo, sem que isso signifique modificar a natureza da obrigação.

No plano do direito material pode-se ter como certo que a obrigação do

cirurgião plástico é apenas de utilizar-se da melhor técnica, mas isso não afasta que, no plano do direito processual, seja lícito atribuir-lhe o ônus de provar que assim procedeu.

Ter-se-á em conta para isso, o que acima ficou exposto. O que se pretende obter com a cirurgia estética é algo que se pode dispensar e certamente se dis­

pensará se os riscos forem grandes. Se o profissional dispõe-se a efetuá-la é

porque os avaliou e concluiu que não o são. Verificando-se a deformação, em lugar do embelezamento, goza de verossimilhança a assertiva de que a melhor

técnica não terá sido seguida, ensejando a aplicação do artigo 6º, VIII, do Códi­go de Defesa do Consumidor. N em haverá qualquer desatenção ao que estabele­ce o artigo 14, § 4º, do mesmo Código. A responsabilidade depende da culpa,

mas o ônus da prova se inverte. A incidência da norma que admite seja isso feito supõe exatamente que, em princípio, caberia ele à outra parte.

Pelas razões expendidas, peço vênia para conhecer do recurso e dar-lhe

provimento para inverter o ônus da prova, o que se negou em primeiro grau.

Relator:

Recorrentes:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL Nº 90.277 - RS (Registro nº 96.0015623-9)

Ministro Nilson Naves

Oneide Maria Fachin Guarda e outro

Elizeu Gomes Netto e outro

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310 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA

Recorrido: Generino Fachin (espólio)

Representado por: Generildo Fachin e outro

Advogado: Aldo Pedro Rossi

EMENTA: Prescrição - Ação entre descendente e ascendente - Cau­sa impeditiva ou suspensiva.

Durante o pátrio poder, não corre a prescrição entre ascendente e descendente. Trata-se de regra jurídica a favor de ambos. Extingue-se o pátrio poder pela maioridade, e esta começa aos vinte e um anos comple­tos. Código Civil, arts. 168, lI, 392, 11I, e 9º. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso espe­cial e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter, Carlos Alberto Menezes Direito e Costa Leite.

Brasília-DF, 24 de novembro de 1998 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro NILSON NAVES, Relator.

Publicado no DI de 08.03.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Pela sentença o juiz pronunciou a prescrição da ação de indenização proposta contra o espólio-recorrido, em suma nestes termos:

"Quando se deu a alienação das quotas sociais que supostamente pertenceriam à primeira requerente, Oneide era menor de idade. Assim, contando ela com poucos meses de vida, não estava correndo o prazo

prescricional.

O lapso prescricional somente começou a correr quando Oneide com­pletou 16 (dezesseis) anos de idade (art. 169, inc. I, c.c art. 5º, inciso I, ambos do Código Civil Brasileiro).

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 311

Nos termos do documento de fl. 56 Oneide nasceu em 11.10.53. Completou 16 (dezesseis) anos, portanto, em data de 11.10 :69.

O prazo de prescrição de 20 (vinte) anos teve início, pois, em 11.10.69 escoou em data de 11.10.89.

Ora, durante todo este período nenhum ato daqueles elencados no art. 172 do CC foi praticado, de forma que não houve interrupção ou suspensão do prazo prescricional."

"Consoante já fixado antes, tendo o prazo prescricional iniciado em 1l.1 O .69 (data em que a autora completou 16 anos de idade e ocasião em que iniciou a contagem da prescrição nos termos do art. 169, I, c.c art. 5º, inc. I, ambos do CC), restou esgotado em 11.10.89. Isto quer significar que Oneide habilitou-se no feito quando já transcorridos mais de 20 (vinte) anos, situação que leva ao reconhecimento da ocorrência da prescrição.

Diante do exposto, com fundamento no contido nos arts. 177 C.c 169, inciso I, e 5º, inciso I, todos do Código Civil Brasileiro, acolho a preliminar de mérito para decretar a prescrição e julgar improcedente a demanda."

O acórdão confirmou a sentença, segundo esta ementa: "A prescrição não

corre contra o menor absolutamente incapaz, mas corre contra o relativamente incapaz. Não interrompe prescrição uma citação decorrente de denunciação da lide promovida por outrem, que não aquele que invoca em seu favor a interrup­ção".

Alegou-se então que o acórdão atingira os arts. 7º, 9º, 168, lI, 177,384, V, e 392, lII, do Código Civil, e o recurso especial foi admitido pelo Desem­

bargador Furtado Fabrício, nos termos seguintes:

"O fato de o titular dos bens que ora constituem o espólio recorrido ter sido denunciado à lide, por iniciativa do réu, em ação na qual a supli­cante figurou como autora, não tem o condão de interromper a prescrição em benefício desta."

"Com relação ao início da contagem do lapso prescricional, razão socorre à parte.

Na análise da questão há que se considerar que, no período transcor-

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312 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE}USTIÇA

rido entre os dezesseis e vinte e um anos de idade, efetivamente, a supli­

cante Oneide se achava sujeita ao pátrio poder, exercido por seu genitor,

vivo à época. Como eventual ação para reclamar o seu quinhão teria que se voltar contra o pai da parte, o qual, em virtude da incapacidade relativa da mesma, necessitaria assisti-la, flagra-se a impossibilidade do ajuizamento da demanda, não havendo, assim, como se contar prescrição.

Desse modo, defensável a tese de afronta à lei federal, vez que o Código Civil, no artigo 168, inciso lI, prevê que não corre prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder, que, na forma do artigo 392 do mesmo diploma, extingue-se com a maioridade, que ocorre aos vinte e um anos, de acordo com o artigo 9º do citado diploma."

A Subprocuradoria Geral da República pronunciou-se favoravelmente ao conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Foi a ação proposta por descendente contra ascendente (espólio de Generino Fachin), na qual a filha­autora pleiteia "indenização em valor correspondente à área de 15.521,63 m 2".

Foi pelo juiz pronunciada a prescrição. Veja-se que a sentença se reportou ao art. 169, I, combinado com o art. 5º, I. O que se alegou na apelação foi que, durante o pátrio poder, não corre a prescrição entre ascendente e descendente, e que o pátrio poder se extingue pela maioridade, e que a maioridade começa aos vinte e um anos, completos, tal como dispõem os arts. 168, lI, 392, III, e 9º. Mas à apelação o tribunal negou provimento, nestes termos, no ponto pertinente:

"Equivocou-se o apelo ao raciocinar com a maioridade civil, atingi­da aos 21 anos. O art. 169 do Código Civil, em seu inciso I, é taxativo em dizer que não corre a prescrição contra os incapazes do art. 5º do mesmo diploma legal. Ora, o art. 5º, no respeitante aos menores, somente alude aos menores absolutamente incapazes: inciso I ('os menores de 16 (dezesseis) anos'); não tem a ver com os menores relativamente incapazes, estes colo­cados no art. 6º, inciso I (' os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos').

Novo equívoco dos apelantes quando argumentaram com interrup­ção da prescrição."

Ao que cuido, se entendo que se trata de questão ventilada, portanto não

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 313

cogito da falta de prequestionamento, entendo ainda que a regra jurídica aplicá­vel (segundo Pontes, Tratado ... , Tomo VI, p. 180, "é a favor do ascendente e do descendente, no que se diferencia da que se inseriu no art. 169, I, concernente aos absolutamente incapazes"), é a disposta no art. 168, lI, c.c o art. 397, lII, como igualmente observou o Subprocurador-Geral Morais Filho, em seu pare­

cer, verbis:

"9. O acórdão recorrido, bem como a sentença de primeiro grau, fulcraram-se no caráter pessoal da relação jurídica sobre o qual trata a ação, que tem o período de 20 anos como prazo prescricional de exercício, e pela ausência de qualquer ato que interrompesse a prescrição, hipótese em que o direito de ação da recorrente está prescrito. Para o acórdão, o marco inicial da prescrição iniciou-se quando a menor completou 16 anos de idade, nos termos do que dispõe o artigo 169, I, C.c o artigo 5 Q

, I, do Código Civil, isto é, em 11.10.89. Ocorrendo, portanto, a prescrição tem­

poral.

10. No entanto, com tal entendimento, não concorda o Ministério Público Federal. Quando a recorrente completou os 16 anos, achava-se, ainda, sob o pátrio poder do pai, não podendo, portanto, correr o prazo

prescricional entre os mesmos, na forma do artigo 168, inciso lI, do Códi­go Civil. Não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, na cons­tância do pátrio poder. Segundo o art. 392, inciso lII, do Código Civil, o pátrio poder extinguiu-se com a maioridade civil. Segundo o caput do artigo 9Q deste mesmo diploma legal, esta maioridade tem início aos 21 anos.

11. Desta forma, o prazo prescricional, ao contrário do que foi afir­mado no acórdão hostilizado, deveria ter iniciado quando a recorrente

completou os 21 anos de idade e terminado quando a mesma atingiu os 41 anos, o que veio a ocorrer no dia 11.10.94.

12. Como a petição inicial da ação de indenização foi protocolada ainda no ano de 1993, certo é não se poder falar em prescrição, tendo a ação sido ajuizada tempestivamente.

13. Não bastassem as razões acima esposadas, outro relevante moti­vo corrobora às pretensões da recorrente. Somente após a morte de seu genitor, em 28.03.87, a recorrente poderia ajuizar qualquer tipo de ação tendente à garantia de direitos hereditários. Antes do falecimento de seu pai, evidente que a recorrente não poderia pleitear direitos, total ou par­cialmente sobre os bens de propriedade do de cujus, sabido não existir

herança de pessoa viva.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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314 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

14. A ação de indenização proposta pela herdeira, que tem como suporte o direito hereditário sobre determinado imóvel outrora pertencen­

te ao pai, só poderia ter sido proposta como, de fato, o foi, após a morte daquele. Desta forma, maior razão assiste à recorrente. Qualquer prazo

prescricional incidente sobre direitos afetos à herança do de cujus, só

começaria a correr a partir de 28.03.87, data de seu falecimento, e que se considera aberta a sucessão ab intestato.

Assim sendo, considera o Ministério Público Federal haver, efetiva­

mente, ocorrido afronta aos dispositivos do Código Civil a que se negou vigência, merecendo, portanto, ser admitido e provido o recurso especial,

para que o acórdão guerreado seja totalmente reformado."

Malgrado tenha aqui deixado todo o parecer, o argumento que estou aco­

lhendo diz respeito aos arts. 168, lI, 397, III, e 9º, do Código Civil. Conheço, portanto, do recurso especial e lhe dou provimento, para afastar a pronunciada

prescrição.

RECURSO ESPECIAL Nº 91.983 - MT (Registro nº 96.0020248-6)

Relator: Ministro Nilson Naves

Recorrentes: Etelvina de Souza Josetti e outros

Advogados: José Joaquim Machado Filho e outros

Recorridos: Hilda Catharina Maria London e outros

Advogados: Éder Roberto Pires de Freitas e outros

EMENTA: Usucapião - Pode ser argüido em defesa (Súmula nº 237-

STF).

Alegada, pelo contestante de ação, posse velha, ainda que sem ex­pressa referência ao termo "usucapião", a alegação há de ser apreciada.

Caso em que corretamente se entendeu que "Os fundamentos jurídicos da resposta é que têm relevância jurídico-legal. Não a falta de utilização da locução técnico-legal adequada". Inocorrência de ofensa a texto de lei federal. 2. Ponto omisso, ou contraditório. Inexistindo omissão a ser supri­da, contradição a ser corrigida, impõe-se a rejeição dos embargos.

3. Súmulas nºs 282, 356-STF e 7-ST]. 4. Recurso especial não conhecido.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 315

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceirà

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Par­

ticiparam do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter, Carlos Alberto Menezes Direito e Costa Leite.

Brasília-DF, 24 de novembro de 1998 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro NILSON NAVES, Relator.

Publicado no DJ de 08.03.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Tratam os autos de ação declaratória de falsidade c.c reivindicatória, que foi julgada improcedente, tendo o juiz pro­nunciado a prescrição aquisitiva ("milita a favor da parte ré o usucapião"), e a

sentença foi confirmada por acórdão que contém esta ementa:

"Ação anulatória com fundamento no vício de falsidade, cumulada

com reivindicatória. Prescrição do direito de ação. Usucapião reconheci­do. Improcedência da demanda. Recurso de apelação desprovido.

Os fundamentos jurídicos da resposta é que têm relevância jurídico­legal. Não a falta de utilização da locução técnico-legal adequada.

Desprocede a pretensão anulatória de um título de propriedade, cumulada com reivindicatória, em face da existência de posse centenária

exercida pelos réus por si e por seus antecessores."

Rejeitados os embargos de declaração, sobreveio recurso especial, admiti­

do por ambos os fundamentos, nestes termos:

"Veio então o inconformismo manifestado através do recurso espe­cial, nos termos expressos de fls. 328 a 358, com fundamento nas alíneas a e c, do art. 105, UI, da Constituição Federal.

Os recorrentes apontam como afrontados os artigos 2º, 128 e 219, § 5º, do Código de Processo Civil, e o art. 166 do Código Civil, objetivando a demonstração do alegado julgamento extra petita; indicam ainda contra-

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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316 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

riedade aos artigos 82, lII, 83, I, 246, 515, 516 e 535, do mesmo Códi­go de Processo Civil, aduzindo ainda o art. 524 do Código Civil, para sustentarem que a decisão foi manifestamente contrária às provas dos autos. Por fim, indicam o art. 359, lI, da citada lei instrumental civil, porque as decisões das instâncias a quo não levaram em conta a sone­gação do documento cobrado dos réus tanto no Juízo de 1 º grau quanto pela douta promoção de fi. 225.

Os recorrentes buscam, ainda, demonstrar a divergência jurispru­dencial com os julgados que citam no bojo do recurso.

V - Verifica-se que quanto aos artigos 2º, 128,82,83,246,515, 516 e 535, do Código de Processo Civil, e 524 do Código Civil não foram objeto de debate na esfera do Colegiado, pelo que lhes faltaria o indispensável prequestionamento como condição de admissibilidade do recurso especial, que encontraria, assim, óbice no enunciado das Sú­mulas nºs 282 e 356 do STF.

O mesmo, porém, não se poderá dizer em relação ao art. 219, § 5º, do CPC e ao art. 166 do Código Civil.

Estes serviram de fundamento para a improcedência da preliminar argüida nas razões do recurso de apelação, como se vê pelo douto voto do SI. Relator em fi. 303, admitindo-se como correta a aplicação desses dis­positivos legais com o reconhecimento da prescrição aquisitiva.

Nesse particular é irrelevante o desprovimento dos embargos decla­ratórios, pois em verdade tais dispositivos foram objeto de exame no ple­nário da Segunda Câmara Cível, a ponto de levar o Colegiado à rejeição da preliminar argüida quanto ao reconhecimento do usucapião não susci­tado expressamente pela parte.

Dessa forma, pela alínea a vislumbra-se a possibilidade de se admitir o recurso, máxime se for levada em conta a posição traçada pela jurispru­dência em torno do assunto."

"Sem dúvida, a prescrição que pode ser declarada de ofício pelo ma­gistrado é a extintiva e não a aquisitiva de direito patrimonial, como res­salta óbvio do texto legal (art. 219, § 5º, do CPC) e segundo a remansosa jurisprudência assim enunciada: ... "

Ouvida, a Subprocuradoria Geral da República emitiu parecer pelo não conhecimento.

É o relatório.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 317

VOTO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Feita a referência ao art.

535 do Código de Processo Civil, alegam os recorrentes que o acórdão local "deixou de corrigir a contradição existente e a falta de apreciação das provas

dos autos, regularmente questionadas nas razões dos embargos".

Sucede, no entanto, que não havia contradição a ser corrigida, nem omis­

são a ser suprida. O acórdão da apelação não foi omisso, e também não era contraditório: obviamente que a prescrição fora examinada, esclareceu-se outra vez que se tratava de falsidade de documento cumulada com reivindicatória, e

se fez constar que se não pedira a nulidade do processo por falta de intervenção do Ministério Público. Efetivamente, quando se apelou, não se alegou tal nuli­dade. Inexiste, portanto, ofensa ao art. 535.

A questão suscitada a título de julgamento extra petita, tem a ver com a prescrição aquisitiva. O que se alega é que dela não se poderia conhecer, porque não invocada pela parte. Neste ponto é que o especial foi admitido, conforme se

viu do relatório, a propósito dos arts. 219, § 5 Q, do Código de Processo Civil e

166 do Código Civil.

Seco e resumido foi o magistrado de primeiro grau, sentenciando assim, neste único tópico: "De fato, milita a favor da parte-ré o usucapião que neces­sita tão-somente seu reconhecimento por via própria, sendo que nestes autos é reconhecido tão-somente em função da apreciação da causa de pedir". No Tribunal, conquanto tenha observado que a "sentença poderia ter fundamenta­ção mais apropriada", o Revisor acompanhou o Relator da apelação, segundo

o qual

"1. Em outubro de 1979, portanto há mais de 15 anos, os apelantes aforaram demanda que titularam de 'ação declaratória de falsidade de

documento, cumulada com reivindicatória', tendo por objeto faixa de ter­reno urbano situado nesta Capital.

Reconheceu a sentença apelada militar a favor dos réus-apelados o usucapião, razão por que julgou improcedentes a pretensão anulatória e reivindicatória.

1.1. O fundamento exposto como preliminar é no sentido de que não poderia a sentença reconhecer o usucapião, visto que não fora alegado

pelos réus como defesa na contestação. A sentença, então, seria nula, a teor do que prescreve o art. 219, § 5º (a contrario sensu) do Código de Pro­

cesso Civil, porquanto ao juiz é vedada a faculdade de decretar de ofício a

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

prescrição, se se tratar de efeitos patrimoniais, em sintonia com o art. 166

do Código Civil. Não assiste razão jurídico-legal aos apelantes. O que tem

relevância, é a causa de pedir, e não a locução legal.

Os réus, ao contestarem a ação, não obstante não houvessem em­

pregado o vocábulo 'prescrição' ou 'usucapião' invocaram expressamen­

te, esse instituto como defesa, quando argumentaram in verbis: ... "

"lniludivelmente se deduz desses tópicos da contestação que os réus

invocaram a exceção de usucapião como defesa.

Rejeito, por esses fundamentos, a preliminar."

De fato, o usucapião não deixou de ser argüido, qual se vê dos termos

empregados quando da contestação. Ora, da nühi factum, dabo tibi ius. Ve­

jam-se esses precedentes da Segunda Seção do Superior Tribunal, por suas

ementas:

- "Usucapião. 1. Pode ser argüido em defesa. 2. Alegada, pelo

contestante de ação, posse velha, ainda que sem expressa referência ao

termo 'usucapião', a alegação há de ser apreciada. 3. Recurso especial co­

nhecido pelo dissídio com a Súmula nº 237-STF e provido, em parte"

(REsp nº 4.140, Ministro Nilson Naves, DJ de 17.12.90).

- "Usucapião. Alegação em defesa. Reivindicatória. Dissídio. Súmula

nº 237 do STF. Recurso provido.

Basta a parte alegar na contestação a aquisição originária do domí­

nio, com a demonstração do preenchimento dos requisitos do usucapião

do imóvel reivindicado, para que o julgador aprecie o fato e examine as

provas produzidas acerca daquela defesa indireta de mérito.

Recurso especial conhecido pelo dissídio e provido" (REsp nº 8.324,

Ministro Cláudio Santos, DJ de 23.09.91).

Dos outros dispositivos indicados não cuidou o acórdão mato-grossense, e

quanto a que se trata de decisão manifestamente contrária à prova, e da falta de

exibição de documento, trata-se de questões tipicamente de fato. Caso, portanto,

das Súmulas nºs 282, 356-STF e 7-ST].

Não conheço do recurso especial.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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Relator:

Recorrente:

Recorrida:

Advogados:

JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA

RECURSO ESPECIAL Nº 98.719 - SP (Registro n Q 96.0038726-5)

Ministro Nilson Naves

Julieta Ulisses Bacurau

Transportadora Itumbiara Ltda

Carlos Andrade Júnior e outro e Motomu Ohara

EMENTA: Responsabilidade civil- Acidente de veículo.

319

1. Indenização por dano moral. Tendo-se direito à indenização, deve­se fixá-la independentemente, de modo a distingui-la da indenização por

dano material. São cumuláveis, a teor da Súmula n Q 37.

2. "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual" (Súmula n Q 54).

3. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Ter­ceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e

das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especi­al e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduar­

do Ribeiro, Waldemar Zveiter e Costa Leite. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Brasília-DF, 19 de novembro de 1998 (data do julgamento).

Ministro NILSON NAVES, Presidente e Relator.

Publicado no DI de 08.03.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Pelo acórdão, deu-se provimento à

apelação, para condenar a ré a pagar à autora

" ... pensão correspondente a 2/3 dos vencimentos percebidos pela

vítima, correspondentes a 2,5 salários mínimos, a partir do evento e até

que a vítima atingisse a idade de 65 anos (RJTJESP, volumes 85/140,108/

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL

141, 129/203 e132/157). Na aludida pensão, inclui-se eventuais gratifi­

cações e parcela relativa ao 13º salário (RJTJESP, volumes 81/218, 94/153,108/142,129/203 e 132/157). As parcelas vencidas serão pagas de uma só vez, devidamente atualizadas, mês a mês. Para as parcelas venci­

das os autores serão incluídos na folha de pagamento da ré (RJTJESP,

132/157) ressalvado ao magistrado em execução, em face à eventual

inviabilidade material da medida, determinar a execução por quantia certa na forma do Código de Processo Civil. Deverá também a requerida

constituir um capital cuja renda assegure o pagamento das prestações

vincendas (artigo 602 do Código de Processo Civil), caso não haja viabi­

lidade material da inclusão em folha de pagamento. A condenação ao

pagamento da pensão vitalícia, ora determinada, engloba os pretendidos

lucros cessantes e dano moral. A verba honorária é fixada em 15% sobre

o valor da condenação a ser apurado na forma do artigo 20, § 5º, do

Código de Processo Civil. Incidem juros de mora desde a citação, arcan­do a requerida com as custas processuais corrigidas do desembolso."

Rejeitados os embargos de declaração que apresentou, a autora ingres­

sou com o especial, dando por ofendidos os arts. 159,1.538, §§ 1º e 2º, e

1.539, do Código Civil, e apontando dissídio, e o recurso foi em parte admi­

tido, nestes termos:

"A matéria legal controvertida é referente à indenização por da­

nos morais, que, segundo a Turma Julgadora, estava abrangida na inde­nização fixada em forma de pensão mensal, e foi satisfatoriamente ex­

posta na petição de interposição e devidamente examinada pelo acórdão, estando atendido, portanto, o requisito do prequestionamento.

Há expressa indicação do dispositivo legal tido como violado e de­

monstração da divergência juriSprudencial acerca dessa questão, não se

vislumbrando a incidência de qualquer veto regimental ou sumular."

É o relatório.

VOTO

o SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): A recorrente não deixou

de entrar com embargos de declaração: indicara ponto omisso quanto ao valor

da indenização pelo dano moral. Disse o tribunal, no julgamento dos

declaratórios: "Ocorre que ficou estabelecido de forma clara e expressa no jul-

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 321

gado que 'a condenação ao pagamento da pensão vitalícia, ora determinada,

engloba os pretendidos lucros cessantes e dano moral"'.

A meu juízo, a pensão a que se refere o acórdão diz respeito, por sua

natureza e finalidade, à indenização pelo dano material. É a perda, ou é o

prejuízo de um bem patrimonial. Daí que ficou sem arbitramento a indeniza­

ção pelo dano moral, embora se tenha na origem reconhecido que a autora a

ela faz jus. Sem dúvida que a essa indenização a autora tem direito, e jurispru­

dência do SuperiorTribunal de Justiça admite a cumulatividade: "São cumuláveis

as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato"

(Súmula nº 37).

De outro lado, os juros não fluem desde a citação, mas desde o evento, a teor da invocada Súmula nº 54: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual".

Conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para arbitrar a indeni­

zação pelo dano moral em cento e cinqüenta (15 O) salários mínimos, e para que os juros moratórios fluam a partir do evento danoso.

Relator:

Recorrente:

Advogado:

Recorrida:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL NQ 120.619 - RS (Registro nº 97.0012320-0)

Ministro Waldemar Zveiter

Bergamaschi Distribuidora de FiosTêxteis Ltda

Paulo Leopoldo Dahmer

Lanabella Têxtil Ltda

Agostinho Casarin e outros

EMENTA: Concordata - Pedido de restituição - Prova da alienação.

1. Configurada a venda a crédito, impõe-se a prova da alienação, nos termos do § 2º do art. 76 da Lei de Falências.

2 . Negado o direito de a concordatária realizar a prova da venda fere­se o direito de defesa, que merece ser restabelecido.

3. Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

RST], Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso espe­cial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Parti­

ciparam do julgamento os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Brasília-DF, 24 de maio de 1999 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro WALDEMAR ZVEITER, Relator.

Publicado no DI de 28.06.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Nos autos de pedido de -restituição de mercadorias postulado por Lanabella Têxtil Ltda contra a

concordatária Bergamaschi Distribuidora de FiosTêxteis Ltda, a sentença (fls. 32), acolhendo o pedido, condenou a ré a restituir as mercadorias descritas nas notas fiscais constantes dos autos, ou, não sendo aquelas encontradas, devol­

vê-las pelo valor estimado, segundo os ditames do § 2º do art. 76 da Lei nº 7.661/45 e a partir da data do vencimento dos títulos, com valor corrigido pelos

índices oficiais, até o efetivo pagamento.

A ré apresentou apelação, a qual foi julgada, nestes termos (fl. 62):

"Ação de restituição. Concordata. Cerceamento. Julgamento anteci­

pado.

O julgamento antecipado não representa violação ao preceito da ampla defesa ou do contraditório quando os elementos documentais elucidarem o conflito.

Venda dos produtos a serem restituídos

A venda dos produtos a serem restituídos não inviabiliza a pretensão,

que se positivará através do valor estimado em dinheiro, não sujeita ao

concurso.

Preliminar rejeitada e apelo desprovido."

Com arrimo nas alíneas a e c, no especial de fl. 68, alega a apelante

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 323

concordatária que o aresto teria violado os artigos 332 do CPC, 76, 77 e 147 da

Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45), bem como dissentido de preceden­

tes que colaciona.

O tribunal de origem (fl. 146), exceto quanto à suposta violação do art.

332 do CPC que, no caso, não foi matéria ventilada pelo aresto, nem

prequestionada pelo recorrente, deferiu o processamento do apelo, já que, to­

cante aos demais dispositivos legais, seu conteúdo merece apreciação pela Corte

Superior.

O Ministério Público Federal (fl. 169) opina pelo conhecimento e provi­

mento do recurso, atento a que seja dado ao recorrente ensejo a provar sua

alegação de cerceamento de defesa.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): Quanto ao ponto

suscitado pelo recorrente, tocante à eventual violação do artigo 332 do CPC e

ao cerceamento de defesa, por não lhe ter ensejado a prova da comercialização

ou não das mercadorias, já referira o eminente Relator que a matéria fática

resultava integralmente documental, e mesmo que demonstrada a comercialização

das mercadorias objeto da pretensão restituitória, existe tratamento legal para a

hipótese, e, assim, encontrava-se o feito maduro para o julgamento no estado em

que se achava, não representando cerceamento, violação à ampla defesa ou ao

contraditório à não-realização de audiência, rejeitando-se, pois, a preliminar.

De fato, como já demonstrara a douta Subprocuradoria Geral da Repúbli­

ca, com fundamentos hauridos em precedente da Corte (REsp nº 142. 734-RS),

negado o direito de a concordatária realizar a prova da alienação, ipso facto,

restou ferido o direito de defesa, o qual merece ser restabelecido.

É que, realmente, houve error in procedendo, na prolação dos decisórios

de que se cogita.

Na hipótese, como na espécie, objeto do precedente apontado, a exegese

correta é, iniludivelmente, a que se extrai do voto prolatado pelo eminente Mi­

nistro Carlos Alberto Menezes Direito no exemplo citado e assim transcrito:

"Pedido de restituição julgado procedente ao argumento de que 'tra­

tando-se de concordata preventiva, mercadorias entregues nos quinze (15)

dias anteriores ao pedido do favor legal, faz presumir má-fé por parte da

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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324 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

concordatária, que já deveria ter conhecimento do seu estado e do pedido

de benefício que ajuizaria'. A sentença considerou que 'nada aproveita a

invocação da Súmula nº 495 do STF, uma vez que para argüi-la é necessá­

ria prova indubitável da comercialização precitada, o que inocorreu no

caso em exame' . O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou a

sentença, considerando, contudo, inaplicável a Súmula nº 495 'porque não

incidente, no caso, a hipótese prevista na parte final da Súmula (alienação

a terceiro) venda judicial' .

Tem razão a empresa recorrente. A leitura de sentença e do acórdão

mostra com claridade que o direito foi negado por não ter havido prova da

comercialização pela concordatária. A Lei de Falências não comporta dúvida

de interpretação no que se refere ao § 2º do art. 76. O que ali está escrito

é que pode ser reclamada a restituição de coisas vendidas a crédito e entre­

gues nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de falência, se ainda

não alienadas pela massa. O entendimento alinhavado pelo tribunal de

origem interpreta a disciplina legal no sentido oferecido por Maxim.ilianus

Cláudio A. Führer (Roteiro de Falências e Concordatas, RT, 1991, p.

128), ou seja, na 'concordata preventiva impõe-se sempre a restituição, em

espécie ou em dinheiro. Não há indagar se a coisa foi ou não arrecadada

em poder do concordatário, pois não há arrecadação. Não há indagar-se se

a coisa, por ocasião do pedido de restituição já havia sido alienada pela

massa, vez que não há massa. O único ponto que interessa é saber se a

coisa foi vendida e (sic) crédito entregue ao concordatário nos quinze dias

anteriores ao requerimento da concordata. A eventual alienação da coisa

pelo concordatário em nada altera a existente presunção de má-fé'.

Mas, a meu juízo, não é essa a melhor orientação. Se houve venda a

crédito, e alegação pela concordatária de venda da mercadoria, não é pos­

sível entender que tal venda seja a venda judicial, e, assim, afastar a presen­

ça do § 2° do art. 76 da Lei de Falências. Neste caso, o que se verifica é que

a sentença afirmou que não houve prova da alienação e o acórdão afastou

a aplicação da regra legal em razão de uma interpretação restritiva, e, por

isso, entendeu ser e matéria exclusivamente de direito. Ora, não é assim.

A matéria está subordinada, como indicado na sentença, a uma efetiva

prova da alienação. Veja-se o precedente desta Corte de que foi Relator o

Sr. Ministro Eduardo Ribeiro (REsp n° 43.741-PR, DJ de 22.04.97),

destacando o voto-condutor o que se segue:

'Estabelece a lei, como requisito para que se viabilize o pedido

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 325

de restituição, que as coisas não tenham sido alienadas pela massa.

Por certo que não há falar em massa, quando se trate de concordata.

O texto será entendido com a necessária adaptação, não se justifican­

do a conclusão de que inaplicável à concordata, já que o artigo 166

faz expressa referência a pedido de restituição e ao dispositivo que o

regula.

Tendo havido a alienação pela massa, se o caso for de bem de

terceiro o reclamante haverá o respectivo preço. Isso resulta do dis­

posto no § 1 º do artigo 76, combinado com o § 2º do artigo 78.

Confrontando-se, entretanto, os §§ 1 º e 2º do artigo 76, evidencia-se

a diversidade de tratamento. Em um caso se consigna a possibilidade de restituição, ainda que já alienada a coisa; no outro se dispõe exa­

tamente em sentido contrário. Essa a orientação da Súmula nº 495 do

Supremo Tribunal Federal. Tendo ocorrido a alienação, não cabe a

restituição em dinheiro.

No caso em exame, o acórdão recorrido admitiu que a merca­

doria fora alienada, como se verifica de fi. 95. Malgrado isso, teve

como aplicável aquela súmula, o que se me afigura um equívoco,

fazendo-se incidir o direito quando não realizado o pressuposto fático

que o condicionava.

O Ministério Público entendeu que não seria o caso de co­

nhecimento porque o concordatário não provara a alienação. Isso

não importa, entretanto, pois afirmado pelo julgado recorrido. Em

verdade, aquela prova se tornara desnecessária em virtude da ad­

missão do fato pela requerente da restituição, como se verifica de fi. 47.'

Naquela oportunidade, acompanhei o eminente Relator, destacando

que estava evidenciado nos autos 'que a mercadoria foi alienada'.

Vê-se que a orientação é no sentido da prova da alienação, não co­

lhendo fruto a indicação doutrinária e juriSprudencial do acórdão recorri­

do, por mais respeitáveis que sejam as lições e os precedentes."

Outra não é a hipótese versada nestes autos.

Fortes em tais fundamentos e nos precedentes invocados, conheço do re­

curso pela dissidência e lhe dou provimento para que, anulando os decisórios,

seja colhida a prova, como pedida pelo recorrente.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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326

Relator:

Recorrente:

Recorrido:

Advogados:

REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL NQ 120.672 - MG (Registro nº 97.0012416-9)

Ministro Eduardo Ribeiro

CitibankN/A

PBM Picchioni Belgo Mineira Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S/A

Arnoldo Wald e outros e Romualdo Wilson Cançado

Sustentação Oral: Vinícius Ribeiro de Figueiredo Teixeira (pelo recorrente)

EMENTA: Contrato de depósito bancário.

Não havendo elllissão de título, lllas silllples lançalllento escrituraI, não há cogitar da aplicação das norlllas pertinentes às notas prolllissórias. Hipótese elll que, aliás, nelllllleSlllO era legallllente possível a elllissão de certificado, COlll características call1biais, dado o prazo do depósito.

Quitação. Inexistência, se houve apenas o depósito elll favor do cre­

dor, ausente qualquer lllanifestação de sua parte.

Obrigações COlll coneção pós-fixada. Entendilllento da Seção no senti­do da inaplicabilidade do artigo 15 da Lei nº 7.730/89 aos contratos celebra­

dos antes de sua edição, COlll previsão de reajuste correspondente à inflação.

Honorários. Não se pode considerar lllínillla a parcela de que decaiu o litigante, se o próprio acórdão deterlllinou que o autor arcasse COlll trin­ta por cento do valor das custas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento. Participaram do julgamento os Srs.

Ministros Waldemar Zveiter, Carlos Alberto Menezes Direito, Costa Leite e Nilson Naves.

Brasília-DF, 18 de agosto de 1998 (data do julgamento).

Ministro COSTA LEITE, Presidente.

Ministro EDUARDO RIBEIRO, Relator.

Publicado no DI de 21.06.99.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 327

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: PBM Picchioni Belgo Minei­

ra Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários SI A propôs ação, visando a

obter diferença de correção monetária relativa a aplicações financeiras CCDBs),

efetuadas junto a Citibank NI A, com taxas pós-fixadas.

A sentença julgou totalmente procedente o pedido, apelando o réu.

Alegou ilegitimidade passiva, pois não teria causado prejuízo à autora,

simplesmente obedecendo à legislação vigente. De qualquer sorte, haveria pres­

crição, que é trienal, por aplicarem-se aos CDBs as normas relativas a notas promissórias, nos termos do § 5º do artigo 30 da Lei nº 4.728/65 e, por tal razão,

a ação própria não seria a de cobrança, mas a de locupletamento. Sustentou que inepta a inicial, por não haver demonstrado enriquecimento ilícito do réu em

detrimento da autora. Afirmou, ainda, que fora dada quitação, o que conduziria à carência da ação. Por fim, inexistiria direito ao IPC de janeiro de 1989.

A Quarta Câmara Cível do Tribunal deAlçada de Minas Gerais deu par­

cial provimento à apelação, concedendo o IPC de janeiro de 1989, mas com

aplicação do índice de 42,72 e não de 70,28, pretendido pela autora. Arbitrou os

honorários em 70% para o apelante e 30% para a apelada.

Opostos embargos de declaração, por ambas as partes, o tribunal estabele­

ceu que o IPC incidiria sobre o valor de resgate dos títulos e fixou os juros a

partir do vencimento desses.

Tendo havido voto-vencido, a autora interpôs embargos infringentes que

foram rej eitados.

Recorreram tanto a autora quanto o réu. A primeira interpôs recurso ex­

traordinário e recurso especial, ambos não admitidos. O segundo apresentou

dois recursos extraordinários e dois especiais. Somente ao especial interposto

contra a parte unânime do acórdão foi dado seguimento.

No recurso especial, alvo do presente julgamento, sustentou o banco-re­corrente que ocorrera prescrição, por aplicarem-se aos CDBs as normas perti­

nentes a notas promissórias, conforme dispõe o artigo 30, § 5º, da Lei nº 4.7281

65. Dessa forma, a ação só poderia ser de locupletamento e a autora não teria

demonstrado o enriquecimento ilícito. Alegou, também, que dada quitação, e que violados os artigos 252, 432, 434 e 435 do Código Comercial. Em relação

aos juros, requereu a reforma do julgado, com base nos artigos 1. 061 e 1. 536, §

2º, do Código Civil. Apontou violação ao artigo 15 da Lei nº 7.730189, susten­

tando ter agido de acordo com a lei, nos termos do artigo 160, I, do Código

RST}, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Civil. Por fim, o acórdão não teria obedecido aos critérios do artigo 20, § 1 º, do CPC quando da fixação dos honorários.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO (Relator): Observo, de início,

que objeto de exame será o recurso especial apresentado em seguida ao jul­

gamento da apelação, não havendo cuidar de aditamentos feitos após a decisão dos embargos infringentes, apresentados pela outra parte, e que foram rejeita­

dos.

Sustenta-se haver ocorrido a prescrição. E que a hipótese diz com certifi­cado de depósito bancário, a que se aplicam, no que couber, as disposições

legais relativas a notas promissórias, consoante o disposto no artigo 30, § 5º, da Lei nº 4.728/65.

Cumpre se realce ponto relevante, para acentuar distinção, ainda que ób­via essa possa parecer. Não há confundir o contrato de depósito bancário, a prazo fixo, e o certificado que em virtude desse se pode emitir. O citado dispo­sitivo legal, para os depósitos com prazo superior a dezoito meses, admitiu a

emissão do certificado, com características de título cambial, passível de endos­

so em branco.

No caso em exame, não seria possível a criação daquele título, uma vez que o prazo do depósito não atende ao estabelecido em lei. E no sentido de que, em tal circunstância, se afasta a possibilidade de incidência da norma invocada já decidiu a colenda Quarta Turma deste Tribunal ao apreciar os Recursos Especiais nºs 77.006 (ReI. Sálvio de Figueiredo, DJ de 19.08.96) e 69.742 (ReI. Barros Monteiro, DJ de 16.05.98).

A mim se me afigura, ainda, que inexistente o título cambial, suscetível,

como dito, de endosso, quando não se consubstancia em instrumento adequado, consistindo simplesmente em um registro. Tenho como certo que, não importan­

do o que em tal lançamento escrituraI conste, tem-se, no caso, tão-só um contra­to de depósito a prazo fixo, cuja natureza é de mútuo.

Adotado tal entendimento, fica afastada a alegação de prescrição e não se

faz necessário o exame dos temas pertinentes aos requisitos da ação de locupletamento, não relevando o enquadramento jurídico que tenha sido dado pela instância ordinária de segundo grau. Nem há demonstração de dissídio,

pois não se indicou paradigma, de cuja leitura se evidenciasse tratar-se de hipó­tese com as características da ora em apreciação.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 329

Prossegue o recurso, afirmando ter havido quitação, o que importa libera­

ção total do devedor.

Não tem razão. O pagamento se efetivou por meio da Cetip, fazendo-se o

crédito à recorrida. Não se trouxe qualquer documento, por ela firmado, que

significasse quitação do débito. A essa não se equipara o fato de o credor não

haver recusado o depósito a seu favor.

Nenhum dos dispositivos do Código Comercial, apontados no recurso, foi

violado. Dos artigos 252 e 435 não há cogitar, exatamente por não ter havido

quitação. Ademais, referem-se a juros, que constituem acessório, e não a corre­

ção monetária que visa a fazer íntegro o principal. O artigo 434, antes desfavorece

o recorrente. Entrega do título não houve, nem poderia haver, se se tratava de

simples registro escrituraI. E recibo não foi dado. O artigo 432 exige conta

corrente assinada pelo credor, o que não se verificou na espécie. Acresce que ali

se cuida de prova do pagamento efetivamente realizado e não de quitação de

todo o débito.

Divergência jurisprudencial, quanto ao ponto, não se demonstrou. O pre­

cedente invocado diz respeito a caso em que houve a entrega do título, não

guardando com a espécie em julgamento a necessária identidade ou mesmo

similitude bastante.

Em relação aos juros, o acórdão limitou-se a dizer que fluiriam do venci­

mento dos títulos, invocando o disposto no artigo 1 º, § 1 º, da Lei nº 6.899 que

certamente não guarda pertinência com a questão.

No especial, invocam-se os artigos 1.061 e 1.536, § 2º, do Código Civil. O

primeiro deles, entretanto, não exclui a possibilidade de convenção a respeito

de juros. No que diz com o segundo, não se pode ter como ilíquida a dívida,

cujo cálculo dependia simplesmente de operação aritmética.

Em relação à questão de fundo, diz o recorrente que, conforme o disposto

no artigo 160, l, do CC, enquanto não declarada a inconstitucionalidade do

artigo 15 da Lei nº 7.730/89, ele tinha de agir de acordo com seus preceitos.

Esta Corte vem entendendo que se deve aplicar a correção monetária, ten­

do em vista a inflação efetivamente verificada. Assim, no REsp nº 57.390, deci­

diu-se nos termos da seguinte ementa:

"Direito Econômico. CDB pós-fixado. Parâmetro contratualmente

eleito posteriormente congelado. Perda da feição de indexador. Preserva­

ção da comutatividade contratual. Adoção do índice que refletiu a variação

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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330 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTICA

inflacionária do período. Art. 15 da Lei nº 7.730/89. Inaplicabilidade aos contratos firmados anteriormente a sua edição sem previsão infla­cionária projetada para o futuro. Inconstitucionalidade. Apreciação incidental. Desnecessidade. Recurso acolhido.

I - Nos contratos de CDB, com taxas pós-fixadas, o congelamento do fator de indexação, posteriormente imposto, lhe retira essa feição, pro­vocando alteração significativa na comutatividade contratual, impondo-se a adoção de índice que reflita a variação inflacionária no período da apli­

cação.

II - O art. 15 da Lei nº 7.730/89 não se aplica aos contratos cele­brados antes de sua edição com previsão contratual de efetivo reajuste

monetário compatível com a inflação decorrida no período de sua exe­cução."

Não participei da tomada dessa decisão, uma vez que me encontrava na Presidência da Seção. E devo dizer que, em relação a ela, já expressei discor­

dância. Firmou-se, entretanto, a jurisprudência. Assim, desta Turma, podem ser citados os Recursos Especiais nºs 48.703 (DJ de 24.03.97) e 61.819 (DJ de 20.05.96). Da Quarta, o REsp nº 111.644 (DJ de 24.02.97).

Por fim, quanto a honorários, justificou-se, no julgamento dos decla­ratórios, a condenação imposta, com base em que maior a sucumbência do ora recorrente. Nesse ponto tem esse razão em parte. O § 1 º do artigo 21 do Código de Processo Civil cuida da hipótese em que um dos litigantes decaia de parte mínima do pedido. No caso, os votos prevalentes atribuíram à autora

a responsabilidade pelo pagamento de trinta por cento das custas, o que mos­tra não se tratar de parte mínima.

Conheço do recurso parcialmente, apenas para impor à autora a condena­ção a pagar honorários, calculados em vinte por cento sobre o valor da diferença entre o que pediu e o que obteve.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTROWALDEMARZVEITER: Sr. Presidente, com relação

aos títulos pós-fixados, a posição adotada aqui na Turma ficou vencida, como bem lembrado pelo eminente Ministro-Relator que presidia a nossa Seção.

Consoante expresso no relatório e no voto, também a distribuição das

custas pareceu-me equivocada.

Acompanho o nobre Ministro-Relator.

RSTJ, Brasília, a. lI, (119): 279-374, julho 1999.

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Relator:

Recorrentes:

Recorridos:

Advogados:

JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA

RECURSO ESPECIAL NQ 125.670 - SP (Registro nº 97.0021652-7)

Ministro Waldemar Zveiter

José Álvaro Gonçalves Júnior e outro

Maria Cecília Cristiano Padovan e outros

Hermenegildo Ulian e Vitório Mauro Crosara

331

EMENTA: Processual Civil - Prova testemunhal - Contrato

Admissibilidade.

I - A prova testemunhal é admissível quando se cuide de provar, não

a existência do contrato, mas uma peculiaridade desse.

II - Se o acórdão recorrido, analisando os fatos da causa entendeu

suficiente a prova testemunhal produzida, que procurou demonstrar acor­

do verbal de prorrogação de prazo de entrega de bem imóvel, rever tal

posicionamento implicaria reexaminar provas, inviável em sede de espe­

cial (Súmula nº 7-STJ).

III - Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e

das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso

especial. Sustentou oralmente, o Dr. Hermenegildo Ulian, pelos recorrentes.

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito,

Costa Leite, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Brasília-DF, 26 de maio de 1998 (data do julgamento).

Ministro COSTA LEITE, Presidente.

Ministro WALDEMAR ZVEITER, Relator.

Publicado no DI de 01.07.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: José Álvaro Gonçalves

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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332 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Júnior e outro e Maria Cecília Cristiano Padovan e outros celebraram compro­misso particular de permuta de imóveis. Um deles, o apartamento da Avenida Nove de Julho deveria ser entregue até o dia 4 de setembro de 1992, sendo que tal prazo foi prorrogado, por escrito, para o dia 19 do mesmo mês e ano.

Como na data ajustada o imóvel não foi entregue, ajuizou a primeira ação de cobrança de multa, conforme previa o contrato.

A r. sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido pela existên­cia de acordo verbal entre as partes prorrogando o prazo de entrega do imóvel, afastando a incidência do art. 401 do CPC "uma vez que não se trata de de­monstrar a existência do contrato através de prova exclusivamente testemunhal, mas sim de provar fato conseqüente e decorrente do contrato que, aliás, está provado nos autos (fls. 517)" (fl. 124).

O acórdão recorrido, confirmando tal posicionamento, aSSIm dispôs, por sua ementa (fl.158):

"Prova - Contrato escrito - Admissibilidade da prova testemunhal para fatos decorrentes do contrato - Prazo de entrega do imóvel- Prorro­gação verbal- Inaplicabilidade da vedação do art. 401 do CPC - Cobran­ça de multa improcedente - Recurso improvido."

Inconformado, interpôs o autor José Álvaro Gonçalves Júnior e outro recurso especial, com fulcro em ambas as alíneas do permissivo constitucio­nal. Argúi violação ao art. 401 do CPC, além de divergência jurisprudencial (fls. 164/174).

Afirma não haver qualquer prova de acordo verbal no sentido da prorroga­ção da data de entrega do bem imóvel e que a alteração de prazo de cumprimen­to não é decorrência mas modificação do contrato.

Em contra-razões pugna a recorrida pela manutenção do decisório, afir­mando que a prova oral produzida veio acompanhada de documento escrito, acostado às fls. 12 dos autos, enquadrando-se a hipótese no art. 402 do CPC (fls. 184/195).

O eminente Terceiro Vice-Presidente do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo admitiu o apelo (fl. 191), por ambas as alíneas do permis­sivo constitucional.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): Cuidam os au-

RSTJ, Brasília, 3. lI, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 333

tos de ação ordinária de cobrança de pagamento de multa pelo não cumprimen­

to de cláusula de contrato de permuta de imóveis, quanto à data de entrega da posse do bem, pelos réus.

A questão controvertida é relativa à admissibilidade de se provar, exclusi­vamente por testemunhas, a alteração no prazo de entrega de imóvel permutado.

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, examinando a con­trovérsia, assim se manifestou (fls. 159/160):

"O recurso não comporta provimento.

Perfeitamente admissível a prova testemunhal produzida nos autos,

além de não violado o artigo 401 do Código de Processo Civil.

A prova testemunhal não visou demonstrar a existência do contrato, comprovado documentalmente às fls. 5/7, mas apenas os fatos dele decor­

rentes.

Além disso, os elementos constantes no processo, inclusive a prova

oral, demonstraram cabalmente a existência de acordo verbal realizado entre as partes a fim de prorrogar o prazo previsto no contrato para a entrega do imóvel situado na Avenida Nove de Julho.

Por fim, como já salientado na sentença recorrida, a primeira prorro­gação do prazo para a entrega do imóvel em questão consta do adendo na prova documental de fls. 5/7 e a segunda, que não necessariamente preci­sava ser escrita, resultou de tratativas verbais entre os corretores envolvi­dos no negócio.

A sentença apelada, portanto, bem valorizou a prova colhida nestes autos e deve ser integralmente mantida por seus judiciosos fundamentos.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso."

Em seu apelo especial sustenta o recorrente que "inexiste qualquer prova no sentido de ter sido prorrogado o prazo nele avençado, salvo de natureza oral, testemunhal, que encontra óbice no art. 401 do Código de Processo Ci­vil" e que "a alteração do prazo de cumprimento do contato não é decorrência do contrato, mas modificação no mesmo e como tal, não pode ser provada somente através da prova oral."

Sem razão, todavia.

Com efeito, o art. 401 do Código de Processo Civil estatui que:

"Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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334 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vi­gente no País, ao tempo em que foram celebrados."

Destarte, a melhor interpretação para essa norma é a que admite que a restrição ao uso da testemunhal dizia respeito apenas à prova dos contratos e não de seus efeitos.

In casu, o que está em discussão não é o objeto da avença em si, ou seja, a permuta do imóvel ou a validade do contrato mas, sim, o prazo para a entrega do bem. A multa que se pretende cobrar decorre de alegada infração à cláusula que o estipulou.

Portanto, possível comprovar sua prorrogação através de testemunhas, mesmo em contratos que ultrapassem o limite previsto no art. 401 da LeiAdjetiva.

Esta Terceira Turma, em acórdão da lavra do Sr. Ministro Eduardo Ribei­ro - REsp nº 41.7 44-9-GO, apreciando o tema, assim se manifestou, em prece­dente julgado no ponto:

"A prova testemunhal é admissível quando se cuide de provar; não a existência do contrato, mas uma peculiaridade desse." (DJ de 20.06.94).

Tenho como correta, assim, a exegese dada ao mencionado artigo pela sentença e acórdão recorridos. Se estes, analisando os fatos da causa, entende­ram suficiente a prova testemunhal produzida, que demonstrou a existência de acordo verbal da segunda prorrogação do prazo para a entrega do imóvel per­mutado, rever tal posicionamento implicaria reexaminar provas, inviável em sede de especial (Súmula nº 7-STJ).

O dissídio, por sua vez, não restou comprovado. Não observou o recorren­te os ditames regimentais do art. 255 e parágrafos do RISTJ quanto ao cotejo analítico das teses em confronto, além de não se verificar similitude de bases fáticas.

Forte em tais lineamentos, e na linha do precedente desta Turma, não conheço do recurso.

Relator:

Recorrente:

RECURSO ESPECIAL Nº 137.544 - SP (Registro nº 97.0043424-9)

Ministro Waldemar Zveiter

Adere Indústria e Comércio de Adesivos Ltda

RSTJ,Brasília,a.ll, (119): 279-374,julho 1999.

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Advogados:

Recorrido:

Advogados:

JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA

Paulo Caram e outros

Irmãos Jurgensen e Companhia Ltda

José Eduardo de Souza e outros

335

EMENTA: Comercial- Rescisão de compra e venda de mercadorias - Cerceamento de defesa inexistente - Art. 211 do Código Comercial -Dissídio não comprovado.

I - Inexistente cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, se o juiz acolhe a preliminar de decadência suscitada pela ré, com base no art. 211 do Código Comercial.

II - Admite-se o abrandamento da citada norma do Código Comer­cial, dependendo das circunstâncias peculiares de cada caso concreto, quando verificada que não se poderia, no exíguo prazo ali estabelecido, fazer a conferência da mercadoria recebida ou descobrir seus vícios, em virtude de sua própria natureza. No caso concreto, entretanto, ante a falta de elementos do acórdão recorrido, para se verificar a procedência do recurso, imprescindível o reexame de matéria fática, insuscetível na via eleita, a teor da Súmula nº 7-STJ.

III - Dissídio jurisprudencial não caracterizado eis que diferentes as bases fáticas dos paradigmas colacionados.

IV - Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso es­pecial. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Brasília-DF, 15 de abril de 1999 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro WALDEMAR ZVEITER, Relator.

Publicado no DJ de 31.05.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Cuidam os autos de ação ordinária de rescisão de compra e venda de mercadorias, cumulada com anula-

RST], Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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336 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE}USTIÇA

ção de duplicatas ajuizada por Adere Indústria e Comércio de Adesivos Ltda em

desfavor de Irmãos Jurgensen e Companhia Ltda afirmando o autor, em síntese,

que as mercadorias entregues estavam fora das especificações, não servindo para os fins a que se destinavam e foram devolvidas à ré, não sendo legítima a co­

brança dos valores referentes às faturas que especifica.

A demandada ofereceu contestação e reconvenção. Na primeira, sustenta,

preliminarmente, a ocorrência de decadência do direito da autora em reclamar

eventuais defeitos, pois ultrapassado o prazo de dez dias previsto no art. 211 do Código Comercial e, no mérito, que os tecidos entregues estavam no padrão

contratado. Na reconvenção alegou que tendo cumprido sua parte no ajuste, tem

o direito de receber o crédito representado pelas duplicatas.

Apreciando o feito, o MM. Juiz de Direito acolheu a preliminar levantada

na contestação da ré-reconvinte aduzindo que "Não observado o prazo de dez

dias previsto no art. 211 do mesmo diploma legal, para a devolução da mer­

cadoria, prescreveu o direito da autora de agir contra a ré." (fl. 151), julgando

improcedente a ação e procedente a reconvenção, para declarar válida a venda,

exigíveis as duplicatas e devidas as importâncias por elas representadas (fl. 152).

Apelou a autora, sustentando cerceamento de defesa e a não-ocorrência

da decadência, tendo a Segunda Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, por unanimidade, negado-lhe provimento (fls. 202/204).

Inconformada, ainda, interpôs a vencida recurso especial, com fulcro em

ambas as alíneas do permissivo constitucional, por ofensa ao art. 330, I, do

Código de Processo Civil e dissídio jurisprudencial quanto ao alcance da norma

do art. 211 do Código Comercial (fls. 209/214).

Sem contra-razões (fl. 220), o nobre Vice-Presidente do egrégio tribunal a quo admitiu o apelo, somente pela alínea c (fls. 222/223).

É o relatório.

VOTO

o SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): O acórdão re­corrido, apreciando a controvérsia, assim decidiu (fls. 204/205):

"Improcedem as preliminares de nulidade do processo, por ausência de despacho saneador, bem como de existência de cerceamento de defesa.

Realmente, veio a Juíza de Direito a acolher a alegação de decadên­

cia, de sorte que o caso era de julgamento antecipado da lide.

RST}, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 337

É certo ter sido designada audiência (fi. 137), mas, como esclarecido no despacho de fi. 145, tratava-se de mera audiência de conciliação.

N o que diz respeito ao mérito, foram as mercadorias recebidas pela

autora em 15 e 18 de outubro de 1985 (fis. 38 e 39).

Somente em 27 de novembro, contudo, cuidou a autora de reclamar

de defeitos das mercadorias, ou seja, muito além do prazo de 10 (dez) dias

previsto no art. 211 do Código Comercial.

É certo ter tentado devolver os bens através de transportadora em 5

de dezembro (fi. 10), mas como a ré não concordou em recebê-los, inviável

é a aplicação do art. 212 do Código Comercial.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso."

Sustenta, em síntese, a recorrente: não poderia ter havido o julgamento

antecipado da lide, pois foi feito pedido de produção de prova pericial não

apreciado pelo juiz de primeira instância, ocorrendo cerceamento de defesa, a

teor do art. 330, l, do CPC; não foi caracterizada claramente a ocorrência da

decadência, pois os tribunais têm dado interpretação mais abrangente à norma

do art. 211 do Código Comercial, no sentido de que o prazo ali estabelecido conta-se a partir da constatação do defeito da coisa ou da negativa do vendedor

em solucionar amigavelmente a divergência, eis que nem sempre possível detec­

tar as irregularidades no tempo fixado no dispositivo legal em comento.

E acrescenta:

"No caso presente temos que os tecidos foram entregues em fardos

fechados, recobertos com um pano externo, somente tendo sido constatada

a sua irregularidade no momento em que a empresa recorrente foi deles se utilizar.

De tal forma que, conforme a jurisprudência acima citada, bem como

o Código de Defesa do Consumidor, a empresa-recorrente agiu da manei­

ra correta ao ter entrado em contato com a ré-recorrida assim que verifi­

cou não estarem os tecidos de acordo com o especificado em seu pedido."

Primeiramente, quanto ao alegado cerceamento de defesa, estou em que não ocorreu.

Ora, era de rigor o julgamento antecipado da lide, pois a prova pericial

requerida só teria serventia caso ultrapassada a preliminar de decadência susci­tada pela ré-reconvinte, o que não ocorreu.

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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338 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA

No mérito, melhor sorte não lhe socorre.

Registre-se que a controvérsia não foi decidida com base no Código de Defesa do Consumidor, inservível a argumentação em torno de seu art. 26, § 3Q

Quanto ao dissídio jurisprudencial em relação à interpretação do art. 211 do Código Comercial, embora os acórdãos paradigmas tenham efetivamente dado maior elastério aos seus termos, abrandando o rigor para a contagem do prazo decadencial, as situações ali retratadas diferem daquela posta nos presen­

tes autos.

No primeiro precedente, Apelação Cível n Q 23.807-2, julgada pelo Tri­bunal de Justiça de São Paulo, restou consignado que a venda era condicional e as partes haviam estabelecido cláusula no sentido de que a aceitação da merca­doria deveria ser manifestada por escrito, após satisfeitos todos os testes de

qualidade e de funcionamento.

No segundo, Apelação n Q 53.920-1, também do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, cuidava-se de mercadoria destinada à exportação, com comprova­

ção de que somente no destino final (Holanda) ficou constatado o vício, haven­do, também, tentativa de conciliação amigável que, contudo, restou infrutífera, daí por que o tribunal entendeu que o prazo previsto no art. 211 do Código Comercial só poderia ser contado da data em que houve a negativa formal do vendedor em solucionar a divergência.

Já se decidiu, nesta Corte, no julgamento do REsp nº 61.051-PR, Rela­tor Ministro Carlos Alberto Menezes Direito que "A estrutura das regras jurí­dicas do Código Comercial (artigos 210 e 211) está ancorada na proteção ao contrato de compra e venda para que o comprador não seja ludibriado, mas, igualmente, considerando as circunstâncias peculiares da entrega da coisa e da não-exigência de verificação anterior. Isso quer dizer, que se não pode impor interpretação nesse campo sem levar em conta as condições concretas do caso para que se avalie corretamente a possibilidade da reclamação e, em conse­

qüência, os meios e modos para o seu exercício".

Portanto, admite-se o abrandamento da citada norma do Código Comer­cial, dependendo das circunstâncias peculiares de cada caso concreto, quando verificada que não se poderia, no exíguo prazo ali estabelecido, fazer a confe­rência da mercadoria recebida ou descobrir seus vícios, em virtude de sua pró­

pria natureza.

No caso concreto, entretanto, ante a falta de elementos do acórdão recor­rido, para se verificar a procedência do recurso, imprescindível o reexame de matéria fática, insuscetível na via eleita, a teor da Súmula nº 7-ST}.

Se, como dito, são as circunstâncias especiais de cada situação que de-

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 339

terminam o início da contagem do prazo decadencial, não há como estabelecê­

lo sem adentrar no terreno probatório.

Nos próprios paradigmas colacionados, foi a peculiaridade, ou do contra­

to, ou da mercadoria e das circunstâncias que envolveram sua comercialização que justificaram a solução adotada assim como no precedente desta Corte, aci­

ma citado.

Forte em tais lineamentos, não conheço do recurso.

Relator:

Recorrente:

Advogado:

Recorrido:

Advogada:

RECURSO ESPECIAL Nº 160.307 - SP (Registro n Q 97.0092596-0)

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

AmilAssistência Médica Internacional Ltda

Luís Henrique Silva Corigliano

Paulo Roberto de Arantes Machado (espólio)

Rita de Cássia Carvalho Pimenta

EMENTA: Plano de saúde - Cobertura - Exclusão elll aberto da aids - Fundalllento inatacado.

1. Estando o acórdão recorrido alllparado na interpretação da sen­

tença sobre a peculiaridade do caso concreto, ou seja, a lllanifestação da doença não ser decorrente da aids, ou, ainda, haver rOlllpilllento do equi­

líbrio contratual sobre a exclusão, elll aberto, da aids, diante da possibili­dade de alcançar doenças cobertas, até llleSlllO, pelo plano, fica flácido o especial que não desafia estes aspectos particulares, que resultaralll na aplicação do art. 47 do Código de Defesa do Consulllidor.

2. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso es­

pecial. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves e Eduardo Ribeiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Waldemar Zveiter.

Brasília-DF, 16 de março de 1999 (data do julgamento).

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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340 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 17.05.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Amil­Assistência Médica Internacional Ltda interpõe recurso especial, com funda­mento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela 4" Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

"Apelação - Juntada de novas peças - Admissibilidade - Inexistência de empecilho para a juntada de peças complementares, em fase recursal.

Plano de Saúde - Contrato - Nulidade de Cláusula - Admis­sibilidade - Diagnóstico de portador de HIV positivo - Insuficiência para liberação da demandada da obrigação de reembolso de despesas­Paciente acometido de sintomas não excluídos das cláusulas de cober­tura - Caracterização de desequilíbrio contratual- Incidência das nor­mas do Código de Defesa do Consumidor, pertinentes às cláusulas abusivas - Recurso não provido." (fl. 287)

Houve embargos de declaração (fls. 304 a 313), rejeitados (fls. 333 a 337).

Sustenta a recorrente violação aos artigos 1.432 e 1.434 do Código Ci­vil, eis que o contrato firmado entre as partes é um plano individual, que prevê em suas cláusulas os riscos futuros e as exclusões, não havendo qualquer ilicitude em excluir-se da cobertura do seguro de saúde doenças de notifica­ção compulsória, como a aids, impondo-se, assim, o respeito aos limites esta­belecidos para a cobertura do plano de saúde contratado. Para demonstrar a divergência jurisprudencial, indica precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Foram oferecidas contra-razões (fls. 352 a 357) e o recurso especial foi admitido (fls. 359 a 362).

É o relatório.

VOTO

O SR.MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (Relator): O recorrido ajuizou ação de nulidade de cláusula contratual, que foi julgada

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 341

procedente, em parte, acolhida a nulidade da cláusula 6a, deixando de deter­minar a continuação do contrato pelo óbito do autor. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença.

O acórdão recorrido assentou-se em dois aspectos: o primeiro, sobre a prevalência do Código de Defesa do Consumidor, em se tratando de um con­trato de adesão, que cria restrições à validade de cláusulas que não guardam o necessário equilíbrio entre os contratantes; segundo, neste feito, cobriu o pris­ma adotado pela sentença, ou seja, o "da impossibilidade de compreensão pelo leigo da exclusão de moléstia relativamente à qual talvez sequer tenha chega­do a cientificar-se de que estava por ela afetado, correspondentes às manifesta­ções sintomáticas a outras doenças menos nocivas e menos ameaçadoras", para asseverar que a "certidão de óbito alude às causas próximas e remotas do falecimento", mas, o quadro" da internação não se apresentava com a nitidez pretendida, de tal modo que se tivesse como regular a imediata exclusão do atendimento pela apelante".

O especial, porém, veio apenas com a impugnação da parte relativa à

liberdade contratual, assim a possibilidade de exclusão de doenças nos contra­tos do tipo, amparado, até mesmo, em precedentes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Não tratou do segundo aspecto.

Não bastasse tal aspecto, a sentença, mantida incólume pelo acórdão re­corrido, também relevou que a "febre, tosse seca que acometeram o autor à época da denegação da cobertura, não se encontram excluídas das cláusulas de co bertura", prosseguindo para considerar que a "inclusão da aids no âmbito das restrições contratuais, olvidando-se que se trata de imunodeficiência, de modo que a condição orgânica de cada paciente poderá ou não desenvolver sintomas sob múltiplas formas, o que sempre possibilitaria a suplicada eximir-se da obriga­ção de reembolso contemplada nos riscos cobertos (problemas gastrointes­tinais, pancreatite, problemas cerebrais, até mesmo simples febre), seria ex­cluída em face do nexo com a condição ressaltada, desnaturando o equilíbrio contratual". E, por isso, diante de tais circunstâncias, aplicou a interpretação mais favorável, agasalhada pelo art. 47 do Código de Defesa do Consumidor.

Vê-se, portanto, que a fundamentação do julgado combatido não se limi­tou a questionamento da possibilidade, ou não da exclusão de determinada do­ença, mas sim, considerou que, no caso, a patologia estaria coberta, ou, ainda, não comportaria interpretação desfavorável ao consumidor a exclusão em aber­to da aids, diante da possibilidade de manifestações outras que não seriam dela

decorrentes, até uma simples febre. E esse particular aspecto, no caso, é sufi­ciente para condenar a cláusula impugnada e reafirmar a cautelar deferida.

Por tais razões, eu não conheço do especial.

RST], Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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342

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Advogado:

REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA

RECURSO ESPECIALNQ 173.024-MG (Registro nº 98.0031203-0)

Ministro Nilson Naves

Banco do Estado de Minas Gerais S/A - Bemge

Haroldo Pimenta e outros

Sandro Lucas de Mendonça e outro

Antônio Ferreira Lopes

EMENTA: Citação por Oficial de} ustiça - Pessoa jurídica (agência) -

Gerente.

Segundo a atual orientação da Terceira Turma do ST}, admite-se que

se faça a citação na pessoa do gerente, "quando o litígio se refira a contra­

tos firmados na agência ou sucursal em que exerce suas funções, encon­

trando-se em outra comarca a sede da empresa" (REsp nº 161.146, sessão

de 05.11.98). Recurso especial conhecido pelo dissídio, mas desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Ter­ceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial,

mas lhe negar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduar­

do Ribeiro, Carlos Alberto Menezes Direito e Costa Leite. Ausente,

justificadamente, o Sr. Ministro Waldemar Zveiter.

Brasília-DF, 14 de dezembro de 1998 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro NILSON NAVES, Relator.

Publicado no DJ de 29.03.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Tomo por relatório o despacho do

Vice-Presidente do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Carreira Machado, nos

termos seguintes:

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 343

"Formalizam os autos embargos de terceiro em ação de execução de

título de crédito extrajudicial (nota promissória).

Em primeira instância o pedido foi julgado procedente.

A egrégia 5B Câmara Civil deste Tribunal confirmou a decisão, com

votos-vencidos (acórdãos de 12.06.97 e 27.11.97).

o banco-embargado interpõe, agora, recurso especial, com funda­

mento no art. 105, lU, c, da Magna Carta.

São as seguintes as alegações recursais: dissídio jurisprudencial com

o STJ, por ter o acórdão admitido a revelia do embargado, havendo nuli­

dade de citação, eis que esta é inválida quando o citado não tem poderes de

representação.

Julgo haver condições para a admissibilidade deste recurso. Extrai-se

da decisão ora recorrida:

'O apelante foi citado na pessoa de seu preposto, gerente de

negócios de sua agência em J anaúba, exatamente aquela de onde se

originou o contrato executado. Ao colocar sua assinatura e carimbo

no mandado, o gerente não fez qualquer espécie de ressalva, donde se

presume que foi recebida a citação por pessoa com poderes para recebê-la' (fi. 57).

O entendimento supra diverge da orientação atual do Superior Tri­

bunal de Justiça.

Confira-se:

'É nula a citação feita por quem não tem poderes de repre­

sentação do citando, nada importando que tenha a aparência de

ser seu representante e haja admitido, sem protesto, a prática do

ato. - Irrelevante, para esse fim, tratar-se de gerente da agência

em que concluído o contrato a cujo propósito se litiga ( ... )' (STJ,

REsp n Q 118.415-SP, reI. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 23.06.97,

p.28129).

Admissível o recurso, portanto, pelo permissivo da alínea c da previ­

são constitucional."

É o relatório.

RSTJ,Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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344 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

VOTO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Nestes embargos, quem

foi citado foi o gerente de negócios. Quando do ato de citação por Oficial de Justiça, não se fez ressalva alguma e, por isso, segundo a maioria que se formou

no tribunal estadual, presume-se "que foi recebida a citação por pessoa com poderes para recebê-la". Porém, de acordo com a minoria, a citação se fez "na pessoa de quem não estava habilitado a representá-lo em juízo".

Alegou o recorrente, por ocasião da interposição do especial, que "O en­

tendimento adotado pelo tribunal a quo discrepa da orientação iterativa e pa­

cífica dos tribunais, mormente do colendo Superior Tribunal de Justiça espelhada no recente julgamento do Recurso Especial nº 118.415-SP, proferido em 20.05.97 pela colenda Terceira Turma, figurando como Relator o eminente Ministro Eduar­

do Ribeiro". A ementa se encontra no despacho que tomei por relatório.

Acontece, no entanto, que recentemente, a Turma fez revisão do seu enten­dimento, "tendo em vista a marcante evolução na jurisprudência da Segunda Seção, no que diz com a citação pelo correio". Sobre a Segunda Seção, ver o

REsp nº 119.818, sessão de 14.10.98.Aqui na Turma, entendeu-se que, segundo a ementa do acórdão:

"Citação. Pessoa jurídica. Gerente. Agência. Admissibilidade de

que se faça na pessoa do gerente, quando o litígio se refira a contratos firmados na agência ou sucursal em que exerce suas funções, encontrando­se em outra comarca a sede da empresa. Revisão do entendimento da Turma" (REsp nO 161.146, Ministro Eduardo Ribeiro, sessão de 05.11.98).

Conheço do recurso mas lhe nego provimento.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

Advogado:

RECURSO ESPECIAL Nº 176.543 - GO (Registro nº 98.0040223-3) - (6.136)

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Banco do Brasil S/A

Nelson Buganza Júnior e outros

João Bosco de Oliveira

Antônio Donizete de Oliveira

RST], Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 345

EMENTA: Ação de depósito - Prisão civil - Sentença com trânsito

em julgado - Agravo para impedir o decreto de prisão por incabível em

depósito de coisa fungível - Art. 524, III, do Código de Processo Civil -

Precedentes da Corte.

1. Já assentou a Corte que a ausência do nome e do endereço comple­

to dos advogados das partes não veda o curso do agravo, quando presentes

nos autos por outra forma, assim no timbre da petição de recurso e da

procuração outorgada pelos advogados.

2. Transitada em julgado a sentença que julgou procedente a ação de

depósito e determinou a entrega da coisa ou do seu equivalente em di­

nheiro, sob pena de prisão, não é possível mais rever o dispositivo no mo­

mento em que o juiz determina o cumprimento da decisão judicial defini­

tiva, sob o argumento de ser inaplicável o procedimento especial da ação

de depósito de coisas fungíveis, afastando a prisão civil. Decisão assim

tornada viola os arts. 467 e 468 do Código de Processo Civil.

3. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e

das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso espe­

cial e dar-lhe provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson

N aves e Eduardo Ribeiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Waldemar

Zveiter.

Brasília-DF, 18 de março de 1999 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente e

Relator.

Publicado no DI de 17.05.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Banco

do Brasil S/A interpõe recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do

permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela 3" Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado:

RST], Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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346 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA

"Ementa: Agravo de instrumento. Falta de certidão de intimação da decisão agravada. Prisão civil do devedor. Ação de depósito. Inadmis­sibilidade.

1. A regra do art. 525, I, do CPC, que impede o conhecimento do agravo pela falta da certidão de intimação da decisão agravada, não deve ser aplicada, se o agravante só teve ciência da decisão no momento em

que foi efetuada a sua prisão.

2. Incabível a decretação da prisão civil do devedor, se comprovado que o contrato de depósito refere-se a coisa fungível, que pode ser subs­tituída por outra da mesma qualidade e quantidade.

Provido por unanimidade" (fl. 138).

Houve embargos de declaração (fls. 140 a 142), nos quais aduz o embargante que o acórdão foi omisso quanto à alegação de que "a petição recursal não preencheu o requisito exigido pelo inciso UI do art. 524 do Có­digo de Processo Civil, de que nela "deve constar o nome e o endereço com­pleto dos advogados das partes" (fl. 146). Alega, também, que não foi analisa­da a argüição de trânsito em julgado da decisão proferida na ação de depósito, tendo em vista o que dispõe o artigo 904, parágrafo único, também do CPC.

No voto, o relator reconheceu a omissão argüida, todavia entendeu que o descumprimento daquela formalidade não deve ser motivo para o não-conheci­mento do recurso, tendo em vista que o advogado compareceu aos autos, ofere­cendo as contra-razões do recurso no prazo legal, não acarretando, assim, qual­quer prejuízo ao agravado. Além disso, entendeu que, "embora tenha transitado em julgado a sentença que julgou procedente o pedido do autor na ação de depósito, ainda assim, não houve a alegada ofensa à coisa julgada material" (fi. 148), eis que o dispositivo da sentença não foi modificado e a prisão civil não é essencial à ação de depósito.

Sustenta a recorrente contrariedade aos artigos 467, 468,524, inciso lU, e 904 do Código de Processo Civil, assim como divergência jurisprudencial com decisões de outros tribunais; primeiro, porque o descumprimento de re­quisito essencial à formalidade do ato é razão que impõe o não-conhecimento do recurso. Segundo, porque a sentença proferida na ação de depósito transi­tou em julgado, sendo incabível a sua modificação por decisão em agravo de instrumento. Terceiro, porque é de clareza meridiana o dispositivo de lei que prevê a decretação de prisão para o depositário infiel.

Não foram oferecidas contra-razões (fl. 143/verso) e o recurso especial foi admitido (fls. 164 a 166)

É o relatório.

RSTJ, Brasília, a. I I, (I 19): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 347

VOTO

O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

(Relator): Recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás que, em agravo de instrumento, conheceu do recurso, embora faltando elemento es­

sencial (art. 524, UI, do Código de Processo Civil), e, no mérito, considerou incabível o decreto de prisão sendo o depósito irregular, "já que se refere a coisa

fungível, que pode ser substituída, conforme previsão contratual". Os declaratórios

foram recebidos, em parte, para afastar o óbice do processamento do agravo em

razão da ausência do nome e do endereço dos advogados das partes, consideran­do que o advogado do agravado compareceu aos autos, dentro do prazo legal,

para oferecer contra-razões, e, ainda, com relação à coisa julgada, seja porque o dispositivo da sentença não foi modificado, sendo reformada, apenas, a decisão

do juiz que decretou a prisão, seja porque a prisão civil não é essencial para a

ação de depósito.

Quanto ao art. 524, lII, do Código de Processo Civil, esta Corte já assen­

tou em precedente que a "desatenção à regra do art. 524, lII, do CPC, não é causa de denegação de processamento do agravo quando o nome e o endereço

dos advogados constam do timbre da petição de recurso e da procuração outor­gada pelos advogados" (REsp nº 165.261-SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 29.06.98; no mesmo sentido, REsp nº 145.883-SP, do mesmo

Relator, DJ de 08.06.98).

Quanto à alegação de coisa julgada, não se controverte sobre a mesma. A

sentença julgou procedente a ação e determinou seja intimado o requerido para fazer a reposição do produto defasado ou seu equivalente, no caso, 4.200.000

litros de álcool hidratado carburante, ou seu equivalente em dinheiro, sob pena de prisão (parágrafo único do art. 902 do Código de Processo Civil). O réu

apelou. O recurso, porém, foi julgado deserto por falta de preparo.

No julgamento do recurso que dá ensanchas ao presente especial, o tri­

bunal de origem afirmou que a hipótese é de depósito irregular, como já visto

supra, sendo, portanto inadmissível a aplicação do procedimento especial da

ação de depósito, com o que incabível a prisão civil.

A meu juízo, está presente a violação aos arts. 467 e 468 do Código de Processo Civil. O que o Magistrado fez foi determinar a execução da sentença, expedindo oficio (fi. 303) para que o réu entregasse o produto ou o equivalente

em dinheiro, sob pena de ser decretada a prisão. O réu não tomou providência

alguma. Só despertou quando, descumprido o despacho foi ordenada a prisão.

A sentença transitou em julgado e a decisão que entendeu incabível, no

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348 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTICA

caso, a ação de depósito, com a revogação do decreto prisional, que foi efetiva­

do, teria de ser objeto da apelação, não sendo possível renovar em outra fase. A

substância do decreto de prisão, se possível, ou não, estava no âmbito da apela­

ção. O que o tribunal fez invadiu o dispositivo da sentença, mudando-o para

afastar a prisão em caso de descumprimento da entrega da coisa ou do seu

equivalente em dinheiro.

Com essas razões, eu conheço do especial e dou-lhe provimento para res­

tabelecer o despacho agravado.

Relator:

Recorrente:

Advogada:

Recorrido:

Advogado:

RECURSO ESPECIAL Nº 194.866 - RS (Registro nº 98.0084082-6)

Ministro Eduardo Ribeiro

(O:missis)

Mary Miranda Lemos

(O:missis)

Leonel Machado de Freitas

EMENTA: Paternidade - Contestação.

As normas jurídicas hão de ser entendidas, tendo em vista o contexto

legal em que inseridas e considerando os valores tidos como válidos em

determinado momento histórico. Não há como interpretar-se uma dispo­

sição, ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade,

desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as altera­

ções de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos.

Nos tempos atuais, não se justifica que a contestação da paternidade,

pelo marido, dos filhos nascidos de sua mulher, se restrinja às hipóteses

do artigo 340 do Código Civil, quando a ciência fornece métodos notavel­

mente seguros para verificar a existência do vínculo de filiação.

Decadência. Código Civil, artigo 178, § 3º.

Admitindo-se a contestação da paternidade, ainda quando o marido

coabite com a mulher, o prazo de decadência haverá de ter, como termo

inicial, a data em que disponha ele de elementos seguros para supor não

ser o pai de filho de sua esposa.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 349

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e

das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso

especial. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Waldemar Zveiter,

Carlos Alberto Menezes Direito e Nilson Naves. Não participou do julgamen­

to o Sr. Ministro Ari Pargendler (§ 2º, art. 162, RISTJ).

Brasília-DF, 20 de abril de 1999 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro EDUARDO RIBEIRO, Relator.

Publicado no DJ de 14.06.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: (Olllissis) aJUIZOU ação

declaratória, contestando a legitimidade da filha de sua ex-mulher, nascida na constância do casamento, (olllissis) requerendo a anulação do registro de nasci­mento e o cancelamento da obrigação de prestar alimentos.

A sentença extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, entendendo, com base nos arts. 337 e 343 do Código Civil, ser o pedido juridicamente im­

possível, uma vez que não embasado em alguma das hipóteses do art. 340, I ou

lI, do Código Civil.

Apelou o autor.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria de votos, deu

provimento ao recurso. A ementa do acórdão bem sintetiza seus principais fun­

damentos:

"Ação negatória de paternidade. Filiação. Decadência.

As regras do Código Civil precisam ser adaptadas ao novo sistema jurídico brasileiro de direito de família, implantado pela Constituição Federal de 1988 e diplomas legais posteriores. Isto implica revogação de

vários dispositivos daquele Código, como, por exemplo, os arts. 340, 344

e 364, em matéria de filiação. Tornou-se ampla e irrestrita a possibilidade

investigatória da verdadeira paternidade biológica, que prevalece sobre a

verdade jurídica (três estágios na filiação: verdade jurídica - verdade bio-

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL

lógica - verdade sócio-afetiva). Destarte, não há que opor obstáculos le­

gais superados à demanda negatória de paternidade proposta pelo pai con­

tra o filho matrimonial. Da mesma forma, não podem persistir os prazos

exíguos de decadência contemplados no art. 178, §§ 3º e 4º, inc. I, do

Código Civil. Apelo provido. Voto- vencido."

Com base no voto-vencido, apresentou a menor, representada por sua mãe, (on1issis) embargos infringentes. O recurso, também por maioria, foi rejeitado,

mantendo-se, embora por fundamentos diversos, a conclusão da apelação. En­

tendeu-se que a ação negatória de paternidade seria cabível apenas enquanto

não reconhecido o filho. Após o seu registro, própria a ação de anulação ou nulidade de registro por vício de manifestação de vontade ou por falsidade, que

não se submeteria ao curto prazo decadencial da negatória.Acrescentou, ainda,

o voto-condutor do acórdão, que não se poderia aceitar que "em razão de algum

texto legal, se devesse impedir que um homem, que supostamente não é o pai da

criança, não possa investigar essa questão e tenha que ser o pai para o resto da

vida, quando, nos autos, existe o exame do DNA dizendo que ele não é pai. Até

pode ser que seja. Até é possível que esse exame tenha sido feito com fraude,

mas essa é uma questão de mérito, e não podemos confundir questão de mérito

com a preliminar" .

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Interpôs a menor recursos especial e extraordinário. No primeiro, alegou,

além de dissídio com diversos acórdãos, violação aos arts. 178, § 3º, 338, I, e

340, I e II, do Código Civil e 535 do Código de Processo Civil. Sustentou que

"a decisão do Tribunal violou lei federal, negando-lhes vigência por dar cabi­

mento à ação de anulação ou nulidade de registro sem esta ser precedida de ação negatória de paternidade, além de negar o prazo de caducidade estabelecido".

Afirmou que "a interpretação do TJRS, data venia, emanada pelo acór­

dão recorrido não é correta, uma vez que inverte os princípios gerais e atesta

contra a integração de normas co gentes, contrariando o direito solidificado

nos arts. 338, 340 e 178, § 3º, do CC, e tornando tais textos sem eficácia

legal". Asseverou, ainda, que só poderá ser contestada a legitimidade do filho

nascido durante o casamento, "provando o marido se achar impossibilitado de

coabitar com sua mulher à época da concepção, ou legalmente separados, como

expressa as exigências do art. 340 do CC, taxativamente enumeradas". Posto

isso, salientou que "o pai em momento algum trouxe aos autos qualquer prova

de impossibilidade, exigida no art. 340, CC, ou mesmo de impotência, requi­

sito do art. 342, CC, sendo-lhe vedada a alegação, mesmo que ingressasse em

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 351

juízo contra a legitimidade da filha dentro do prazo de dois meses do art. 178, § 3º, CC, o que somente veio ocorrer cerca de um ano depois que ele mesmo a

registrou, decaindo-lhe o direito".

Observou, também, que "a propositura de uma ação dessa natureza, ne­

gando a filiação jurídica existente, trará à criança, então, ré, reais prejuízos aos

direitos de personalidade, como o nome, a honra, a integridade psíquica e físi­ca", ponderando, ao final, que "a legitimidade do filho não pode estar sujeita

indefinidamente às instabilidades humanas e, exatamente por isso, é que o legis­

lador estabeleceu prazo exíguo para abertura da discussão a respeito".

Em contra-razões, o recorrido apresentou jurisprudência, corroborando a

tese do acórdão recorrido. Sustentou que não pode arcar com os alimentos, com o nome e com a sucessão patrimonial da recorrente, apenas porque estava casa­

do com a sua mãe à época do nascimento. Salienta que o problema não é desu­

mano apenas para a recorrente, mas também para o recorrido, "que teria que

levar ao túmulo essa terrível dúvida".

Negado trânsito ao especial, a recorrente apresentou agravo de instrumen­

to, ao qual dei provimento, convertendo-o em recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO (Relator): O Ministério PÚ­blico opinou pelo não-conhecimento do agravo de instrumento, em parecer pa­

dronizado, onde genericamente se afirma faltarem peças, mas não se esclarece

quais seriam elas. Em verdade, todas se acham nos autos. O acórdão recorrido,

proferido nos embargos infringentes, está às fls. 144/161, não faltando, ainda, o

relativo a pedido de declaração (fls. 163/5) e o que decidiu a apelação (fls. 16/

33). A petição de recurso especial e as respectivas contra-razões vieram às fls.

34/58. A decisão agravada está às fls. 179/183 e a ela se segue a certidão de

intimação (fl. 184). A procuração outorgada pela agravante pode ser encontrada à fl. 13 e a firmada pelo agravado à fl. 15. Por fim, nem mesmo falta a certidão

de intimação do acórdão, de que a lei não cuida, mas que a jurisprudência tem exigido (fl. 166).

No julgamento dos embargos infringentes prevaleceu o entendimento de

que a hipótese seria de desconstituição do registro e não de ação negatória de

paternidade. Para essa última haveria o prazo de decadência; não para a pri­

meira.

Afigura-se-me, com a devida vênia, inaceitável esse entendimento. Não se

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352 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE}USTIÇA

trata de simplesmente retificar um dado equivocado do registro, mas de negar a

existência de uma relação, fática e jurídica, refletida naquele. A admitir-se essa

orientação, seria mais difícil, para o marido, contestar a paternidade de filho de

sua mulher, antes que se fizesse o registro, que após ser esse efetuado.

Tenho como certo que a ação há de ser examinada como negatória de

paternidade, talo foi no julgamento da apelação.

Duas questões se colocam. A primeira diz com a possibilidade de o marido

afastar a presunção, decorrente da regra pater is est, com fundamento que não

se contém na previsão do artigo 340 do Código Civil. A segunda, com o prazo

de decadência.

O sistema instituído pelo Código Civil, fiel às concepções e à organização

social da época em que editado, visava a resguardar rigidamente a chamada família legítima. Várias disposições criavam empeços a que se pudesse atribuir,

a pessoas casadas, filhos havidos fora do matrimônio. Entre elas avultava o dis­posto no artigo 358, a vedar o reconhecimento de filhos adulterinos e incestuo­

sos, regra não mais subsistente. Igualmente o artigo 364, que impedia a investi­gação de maternidade quando pudesse resultar atribuir-se prole ilegítima a

mulher casada.

Em relação especificamente à apontada presunção de paternidade, previu­

se, não apenas que privativo do marido o direito de contestá-la, como se pro­

curou restringir as hipóteses em que isso poderia ocorrer.

À sociedade de então importava evitar o reconhecimento de que muitas

pessoas deviam sua existência a relações tidas como ilícitas. Como não era pos­

sível impedir o fato, afastavam-se as conseqüências jurídicas. "Olhando com

desfavor os bastardos", observa Arnoldo Medeiros, "procurava, tanto quanto

possível reduzir o seu número" (cf. citação no voto do Desembargador Stangler

transcrita no acórdão, fl. 129).

As leis estabelecem padrões de comportamento tendo em vista os valores

da época em que editadas. Submetidos esses últimos a profunda revisão, as nor­mas jurídicas hão de ser entendidas em consonância com as novas realidades

sociais. E creio poder-se afirmar que os costumes sexuais e as relações de famí­

lia constituem um dos territórios em que maiores as modificações que a socie­

dade conheceu nesses oitenta anos de vigência do Código Civil.

A própria regulamentação legal tem sofrido sensíveis modificações e, ao lado disso, já há décadas se assiste a paciente trabalho pretoriano de adaptação

dos textos.

Assim é que, em relação à contestação da paternidade, muito antes de que

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 353

houvesse alteração legal de relevo, já o Supremo Tribunal Federal mitigara o

rigor da regra contida no artigo 344 do Código Civil, admitindo que qualquer

tipo de contestação seria bastante, ainda que implícita, não sendo indispensável

o ajuizamento de ação negatória.

Igualmente, não há mais quem sustente, com esperança de êxito, que o

reconhecimento da paternidade se condicione às estritas hipóteses do artigo 363

do Código Civil.

Acentue-se, ainda, que, nesse campo, não houve, de relevante, apenas a

mudança dos valores socialmente tidos como válidos. Verificou-se, também, enor­

me avanço científico, trazendo um grau de certeza, na pesquisa da paternidade,

de que não se poderia sequer remotamente suspeitar ao se elaborarem as normas

em questão.

As hipóteses que faziam admissível a contestação da paternidade, de ma­

neira a ensejar a presunção firmada na regra pater is est, tinham em vista o

acima exposto. Intolerável a bastardia, cumpria evitar, quanto possível, o reco­

nhecimento de filiações ilegítimas, e a dificuldade de prova estava a recomendar

não se arriscasse fosse a existência de uma dessas proclamada, salvo quando o

marido não pudesse ter tido relações sexuais com a esposa, já que com ela não

coabitava ou era absolutamente impotente.

Constituiria chocante absurdo que, nos tempos atuais, quando a ciência

propicia métodos ensejadores de notável segurança na pesquisa da paternidade,

ainda estivesse adstrito o julgador a restringir-se a negá-la tão-só quando reali­

zadas as hipóteses do artigo 340. Admitindo a amplitude dos meios probatórios,

decidiu a egrégia Quarta Turma ao apreciar o REsp nº 4.987 (reI. Min. Sálvio

de Figueiredo, DJ de 28.10.91). Pelas razões expostas, filio-me também a esse

entendimento e passo ao exame da questão pertinente à decadência.

Dois precedentes localizei sobre a matéria, ambos desta Terceira Turma.

Primeiro deles, o REsp nº 37.588, de que relator o Ministro Nilson Naves (DJ

de l3.11. 95). Consignou-se que o prazo de decadência era o do artigo 178, § 3º,

do Código Civil, mas não se cuidou especificamente de seu termo inicial. Afir­

mara-se imprescritibilidade da ação, o que se teve como inadmissível. Outro, o

acórdão relativo ao REsp nº 89.606, de que relator o Ministro Waldemar Zveiter

(DJ de 09.07.97), em que concorria circunstância peculiar. O marido contraiu

casamento tendo ciência da gravidez da mulher.

No julgamento do REsp nº 37.588 assinalei parecer-me aceitável a cons­

trução jurisprudencial, admitindo que o termo a quo seria a data em que o

marido soubesse ou tivesse razão para supor não ser o pai. Não era isso, en-

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354 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

tretanto, O que ali se discutia. Examinando agora essa questão, convenci-me de

que outra não poderá ser a solução, adaptando-se a letra da lei aos tempos

atuais.

Cumpre assinalar, inicialmente, o distinto quadro normativo em que hoje

está inserida a disposição em exame. Não mais vigem diversas normas que,

prestigiando a chamada família legítima, estabeleciam dificuldades para que

fosse considerada em sua realidade fática e não apenas jurídica. A Constituição

em vigor afastou a possibilidade de distinguir entre filhos havidos dentro ou

fora do casamento. Reconheceu-se a união estável entre homem e mulher, mere­cedora de tratamento que a equipara, para a maioria dos efeitos, ao casamento.

Surgiu um novo sistema que dá ênfase à verdade, ao que efetivamente ocorre nas

relações humanas e não a uma ficção criada pelo Direito. A família passa a ser encarada como existe, como algo natural, e não criação das leis. Às normas,

velhas de oito décadas, mister se dê um novo sentido.

O questionado prazo decadencial justificava-se no contexto social e jurídi­

co em que inserido. Limitadas as hipóteses de contestação da paternidade ao

constante do artigo 340 do Código Civil, não havia razão para tolerar-se a delonga do marido em contestar a paternidade. Com efeito, se não coabitava

com a mulher ou era absolutamente impotente, não seria dado ter dúvida algu­

ma de que a paternidade não lhe poderia ser atribuída. E essa certeza não come­

çava com o nascimento, mas a partir do momento em que soubesse da gravidez da mulher. O prazo de dois meses era perfeitamente suficiente para que propu­

sesse a ação e inconveniente que se prolongasse, fazendo perdurar situação que

poderia ser fonte de constrangimentos.

Admitindo-se, como acima admiti, que inaceitável se persista em afastar o

uso de seguros métodos científicos, atualmente disponíveis para afirmar ou ne­

gar a paternidade, a situação se modifica radicalmente. Ainda convivendo com a

mulher, com ela tendo relações sexuais, será ensejado ao marido demonstrar

que não é seu o filho dela. Muitíssimo explicável, entretanto, que ignore tal

circunstância, supondo que sua a paternidade. Exigir-lhe que proponha desde

logo a ação consistirá em alguma coisa de inteiramente irreal. Algo que se cho­

ca com a própria razão de ser dos prazos de decadência e prescrição, que su­

põem a inação do titular do direito, deixando de agir quando o poderia fazer.

Ter-se como aplicável o disposto no artigo 178, § 3u, em sua literalidade,

significará o esvaziamento da construção jurisprudencial, ampliativa do que

se contém no artigo 340. Teoricamente, o marido terá alargada a possibili­

dade de contestar a paternidade; na prática, dificilmente escapará do prazo de

decadência.

RSTI, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 355

Vale notar que não se percebe a quem possa interessar se tenha como intocável a situação de falsidade. A criança é que certamente não receberá carinho e apoio de alguém que sabe não ser seu pai, não deseja como tal ser tido e se vê compelido a sustentar o filho de outrem, fruto de infidelidade

conjugal. Nada disso se modifica com uma certidão de registro civil que con­tém, substancialmente, uma falsidade ideológica. Poderá o filho receber ali­

mentos, mas é profundamente injusto que a esse pagamento se veja obrigado quem não tem com ele vínculo algum verdadeiro. A pretensão deve ser dirigida ao pai biológico.

Tudo isso sopesado, considero se deva eleger solução análoga à do Direito alemão. Se o marido coabitava com a mulher, quando da provável concepção, o

termo inicial do prazo de decadência será o momento em que toma conheci­mento dos fatos passíveis de conduzir a fundada suspeita de ilegitimidade do filho.

No caso em julgamento, o nascimento ocorreu em 19 de julho de 1994. O exame de DNA é de 20 de junho do ano seguinte e a ação foi ajuizada a 28 do mesmo mês. Dificilmente se poderia exigir maior diligência. Por todo o expos­to, conheço do recurso, em virtude do dissídio, mas nego-lhe provimento.

VOTO-PRELIMINAR

O SR. MINISTROWALDEMARZVEITER: Sr. Presidente, feitas as pon­

derações, vou-me curvar às razões que são jurídicas e fundamentadas. Realmen­te, se devolvemos pontos ao Ministério Público, o próprio Procurador insiste que faltam peças, teremos que julgá-lo ainda assim.

Com essas considerações, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator.

VOTO-PRELIMINAR

O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Srs. Ministros, também acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator.

É idéia que combato e sempre combati. Há, é certo, um precedente com relação ao mandado de segurança, em que se exige que o Ministério Público dê um parecer sobre o mérito. Não há o menor sentido nisso, porque ele opina sobre o que ele quiser. Não posso obrigá-lo a opinar dessa ou daquela forma.

Entendo que, quando se manda o agravo de instrumento para o opinamento do Ministério Público, ele pode opinar sobre a questão preliminar da falta de peças e sobre o mérito. Se, apenas, der parecer sobre a preliminar, nada pode a Corte fazer.

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356 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE}USTIÇA

Acompanho o voto do Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, pedindo vênia ao Sr. Ministro Nilson Naves, mas entendendo a ponderação de S. Exa. diante da rele­vância da matéria.

VOTO-PRELIMINAR

O SR. MINISTRO COSTA LEITE: Sr. Presidente, pelo que foi exposto, acompanho o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, pedindo vênia ao Sr. Ministro Nilson Naves e à ilustre Procuradora.

VOTO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: A orientação que, no momento, quero adotar é a oriunda de precedentes da Turma, no sentido de que há dois procedimentos: um para o agravo e outro para o recurso especial. A meu ver, no momento em que o agravo se converte em recurso, ele deixa de ser agravo e torna-se recurso especial.

Por isso é que penso que os autos devem voltar ao Ministério Público, para manifestação de mérito.

VOTO-MÉRITO

o SR. MINISTROWALDEMAR ZVEITER: Sr. Presidente, trata-se de um caso interessante, novo, mas penso que as ponderações e os argumentos do eminente Sr. Ministro-Relator são irrespondíveis. Realmente, estamos vivendo uma outra realidade. O avanço da ciência e a tecnologia posta a serviço do homem impõem que essas leis se reinterpretem adaptadas ao momento social em que estamos existindo. A própria Constituição de 1988 ampliou esses direi­

tos. Não vejo uma forma de se impedir que esse, que sabidamente não é o pai, se mantenha nessa situação apenas por amor à norma jurídica, anteriormente edi­

tada.

Acompanho o voto do nobre Sr. Ministro-Relator.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: O re­

corrido ajuizou ação declaratória de negativa de paternidade cumulada com anu­lação do registro de nascimento e revogação de alimentos, alegando que a sua

filha reconhecida não é realmente sua filha conforme exame de DNA que foi

RSTJ, Brasília, a. 11, (119): 279-374, julho 1999.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 357

feito. O juiz considerou que os artigos 337 e 343 do Código Civil vedam o

pedido do autor, "pois está dizendo o mesmo que a sua filha foi concebida

durante o casamento, mas é filha de outro homem, sendo que não embasa o

pedido nas exceções do artigo 340, incisos I e II, do Código Civil". Julgou

inepta a inicial por impossibilidade jurídica do pedido. Em apelação, o Tribunal

de Justiça do Rio Grande do Sul proveu o recurso, por maioria. Em embargos

infringentes, o tribunal de origem, também por maioria, rejeitou os embargos, merecendo destacado o trecho que se segue do voto-vencedor:

"Ora, o direito de qualquer ser vai até onde começa o direito do

outro. Seria inconcebível que, em nome da proteção da criança e do ado­lescente, se viesse a impor a alguém, que não é pai, a paternidade, no

sentido de lhe impor encargos, de lhe exigir um fato, de lhe exigir, inclu­

sive, o sustento dessa criança.

Por isso, Sr. Presidente, o meu voto é no sentido de rejeitar os em­

bargos e dar provimento ao apelo e cassar a decisão recorrida, para que prossiga essa ação, e, no mérito, evidentemente, decida-se a respeito da

veracidade, ou não, do registro público. Se for o caso, evidentemente, far­

se-á judicializada prova técnica. A prova de DNA excludente da paternida­de, que está nos autos, é um indício fortíssimo de que houve erro quando o

embargado compareceu ao registro e registrou essa criança como seu fi­lho. E se há indício de erro, esse erro é motivo suficiente para dar a possi­

bilidade jurídica ao pedido inicial, que o juiz negou."

O voto do Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, Relator, acompanhado pelo voto

do Sr. Ministro Waldemar Zveiter, conheceu do especial pelo dissídio, mas ne­

gou-lhe provimento, alinhavando lúcidas razões, das quais destaco as contidas

nas passagens que se seguem:

"As leis estabelecem padrões de comportamento tendo em vista valo­

res da época em que editadas. Submetidos esses últimos a profunda revi­são, as normas jurídicas hão de ser entendidas em consonância com as

novas realidades sociais. E creio poder-se afirmar que os costumes sexuais e as relações de família constituem um dos territórios em que maiores as

modificações que a sociedade conheceu nesses oitenta anos de vigência do Código Civil.

Assim é que, em relação à contestação da paternidade, muito antes

que houvesse alteração legal de relevo, já o Supremo Tribunal Federal

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358 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

mitigara o rigor da regra contida no artigo 344 do Código Civil, admitin­do que qualquer tipo de contestação seria bastante, ainda que implícita, não sendo indispensável o ajuizamento da ação negatória.

Igualmente, não há mais quem sustente, com esperança de êxito, que o reconhecimento da paternidade se condicione às estritas hipóteses do

artigo 363 do Código Civil.

Acentue-se, ainda, que nesse campo, não houve, de relevante, apenas,

a mudança dos valores socialmente tidos como válidos. Verificou-se, tam­

bém, enorme avanço científico, trazendo um grau de certeza, na pesquisa da paternidade, de que não se poderia sequer remotamente suspeitar ao se elaborarem as normas em questão.

Constituiria chocante absurdo que, nos tempos atuais, quando a ciência propicia métodos ensejadores de notável segurança na pesquisa da paternidade, ainda estivesse adstrito o julgado a restringir-se a negá-la tão-só quando realizadas as hipóteses da artigo 340. Admitindo a amplitu­

de dos meios probatórios, decidiu a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o REsp nº 4.987 (Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DI de 28.10.91).

o questionado prazo decadencial justificava-se no contexto social e

jurídico em que inserido. Limitadas as hipóteses de contestação da pater­

nidade ao constante do artigo 340 da Código Civil, não havia razão para tolerar-se a delonga do marido em contestar a paternidade. Com efeito, se não coabitava com a mulher ou era absolutamente impotente, não seria dado ter dúvida alguma de que a paternidade não lhe poderia ser atribuída.

E essa certeza não começava com o nascimento, mas a partir do momento em que soubesse da gravidez da mulher. O prazo de dois meses era perfei­tamente suficiente para que propusesse a ação e inconveniente que se pro­longasse, fazendo perdurar situação que poderia ser fonte de constrangi­

mentos.

Admitindo-se, como acima admiti, que inaceitável se persista em afastar

o uso dos seguros métodos científicos, atualmente disponíveis para afir­mar ou negar a paternidade, a situação se modifica radicalmente. Ainda

convivendo com a mulher, com ela tendo relações sexuais, será dado ao

marido demonstrar que não é seu o filho dela. Muitíssimo explicável, en­tretanto, que ignore tal circunstância, supondo que sua a paternidade. Exi­

gir-lhe que proponha desde logo a ação consistirá em alguma coisa de

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 359

inteiramente irreal. Algo que se choca com a própria razão de ser dos prazos de decadência e prescrição, que supõem a inação do titular do di­reito, deixando de agir quando o poderia fazer.

Vale notar que não se percebe a quem possa interessar se tenha como intocável a situação de falsidade. A criança é que certamente não receberá

carinho e apoio de alguém que sabe não ser seu pai, não deseja .como tal

ser tido e se vê compelido a sustentar o filho de outrem, fruto de infideli­dade conjugal. Nada disso se modifica com uma certidão de registro civil

que contém, substancialmente, uma falsidade ideológica. Poderá o filho receber alimentos, mas é profundamente injusto que a esse pagamento se veja obrigado quem não tem com ele vínculo algum verdadeiro. A preten­

são deve ser dirigida ao pai biológico.

Tudo isso sopesado, considero se deve eleger solução análoga à do Direito alemão. Se o marido coabitava com a mulher, quando da provável concepção, o termo inicial do prazo de decadência será o momento em que toma conhecimento dos fatos passíveis de conduzir a fundada suspeita

de ilegitimidade do filho."

Como se sabe, a regra do art. 340 do Código Civil estabelece que em

apenas duas situações é possível contestar a legitimidade do filho concebido na

constância do casamento, ou presumido tal: 1 a) a impossibilidade física do ma­rido de coabitar com a mulher nos primeiros cento e vinte e um dias, ou mais, dos trezentos que houverem precedido ao nascimento do filho; 2a) que a esse

tempo estavam os cônjuges separados. Clóvis Bevilaqua, dando base teórica ao dispositivo mostra que a presunção legal "cede diante da realidade contrária.

Mas o Código não permite destruí-la se não por fatos taxativamente determina­

dos. A moralidade das famílias e a conformidade entre a presunção legal e o que ordinariamente acontece justificam essa restrição" (Código Civil Comentado,

voI. lI, 12a ed., Ed. Francisco Alves, 1960, p. 237). E o art. 344 impõe obediên­cia ao prazo de dois meses previsto no § 3º do art. 178 do mesmo Código, para a ação de contestação da paternidade, privativa do marido.

Mestre Caio Mário compreende que a ação é personalíssima com as limi­

tações legais para o seu início. É certo, anota o civilista, que com a "disposição da prova hematológica, deve-se admitir como negativa da paternidade a que resulta do confronto dos grupos sangüíneos do filho e do contestante. Se a perí­cia excluir a paternidade, deve-se adotar o resultado conclusivo como a de­

monstração científica da impossibilidade física da concepção". Todavia, adverte

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360 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que tal não é possível no atual quadro legal brasileiro, "o que, de lege ferenda, haverá de ser incluído no nosso direito positivo". Caio Mário assinala que no "interesse da paz doméstica, a ação de contestação é duplamente restrita", sen­do a primeira restrição o prazo curto e a segunda restrição o conhecimento da gravidez da mulher ao casar e o do parto "sem se opor a que fosse o filho

registrado como seu", para afirmar:

"Em qualquer caso, porém, não é aceita a prova do adultério, para ilidir a presunção de paternidade, se o marido com ela convivia; nem se tolera para o mesmo efeito a confissão materna, que pode vir mal inspira­da no propósito de ferir ou magoar o marido, percutindo no filho." (Insti­tuições de Direito Civil, Forense, vol. V, 11 ª ed., pp. 178/179)

No Projeto do Código Civil que está em tramitação no Congresso Nacio­nal, desde o inicial (art. 1.606) até o texto consolidado aprovado no Senado Federal (art. 1.605), algumas alterações foram feitas. Manteve-se o critério das presunções, acrescido dos filhos "havidos por inseminação artificial, desde que tenha prévia autorização do marido" (art. 1.602, IIl), e criou-se a contestação da paternidade provando-se a impossibilidade da filiação, mediante exame peri­cial. Por outro lado, incluiu-se o prazo de decadência do direito se a contestação não for ajuizada nos sessenta dias, presente o marido à época do nascimento, ou, ainda, se ausente, ou lhe ocultaram o nascimento, o prazo será de noventa dias, "contado do dia de sua volta ao lar conjugal, no primeiro caso, e do de conheci­mento do fato, no segundo". O que se verifica é que o Projeto abriu a porta para a contestação da paternidade mediante a prova da impossibilidade da filiação por exame pericial, mas segurou o prazo de decadência curto.

Luiz Edson Fachin anota que os "tribunais, ao decidirem sobre o estabe­lecimento da paternidade, começam a informar, progressivamente seus pronun­ciamentos com valores diversos daqueles que inspiraram o legislador", para destacar:

"Diversamente do sistema codificado, mostra-se visível preocupa­ção com a verdade da filiação, não seguindo estritamente os rigores im­postos pelo legislador. Assim, recolhem dos fatos circunstâncias ausentes do sistema do Código. Nessa recepção, a jurisprudência revela, em diver­sos momentos, elementos de fato que coincidem justamente com aqueles

que caraterizam a posse de estado.

Mesmo sem tê-la explicitamente assumido, a idéia de posse de es­tado de filho se faz presente em inúmeros acórdãos, exercendo um im-

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 361

portante papel. Nesse aspecto, a jurisprudência mostra flagrante distân­

cia do texto codificado."

Mais adiante ensina:

"A posse de estado de filho é recuperada no âmbito de diversas refor­mas. Para citar alguns exemplos, a legislação francesa, portuguesa e belga aplicam a idéia da posse de estado de filho num patamar de indisfarçável importância, embora em graus diferentes.

A mais larga utilização desse conceito está na lei francesa de 1972: a

presença ou ausência da posse de estado de filho exerce papel decisivo em estabelecimento da filiação. Pela reforma, a existência de título (diga-se, termo ou registro de nascimento) mais posse de estado de filho perante o marido da mãe tornam a filiação inatacável. Cabe examinar essa reto­

mada.

A reforma francesa, além de aproveitar tal conceito como instrumen­to de prova, o tornou meio para dirimir conflitos de filiação.

Segue esse mesmo caminho a reforma do direito de filiação em Por­tugal. A ausência da posse de estado de filho há de ser, pela reforma portu­guesa, constatada em contencioso (que inexiste na lei francesa), podendo o marido opor-se.

A legislação belga também vale-se da mesma realidade; de um lado,

para provar a filiação; de outro para fazer cessar os efeitos da presunção pater is est. A ausência da posse do estado de filho perante o marido da mãe é elemento decisivo, ao lado da separação de fato, para permitir o reconhecimento da paternidade por terceiro, fazendo, com isso, tombar,

implicitamente, a presunção legal da paternidade que toca ao marido da

mãe.

Em face dessa recuperação da posse de estado de filho, parece ra­zoável que a primeira questão a ser respondida é a de saber a razão pela qual esse conceito vem impregnado de tamanha relevância.

Entre nós, apesar das observações feitas anteriormente sobre o siste­ma do Código Civil, em face da perspectiva que pode ser aberta pela ju­risprudência, e, mais acentuadamente, do mister que pode apresentar-se

diante da necessidade de organizar um novo sistema de estabelecimento da filiação via reforma legislativa, é oportuno encontrar aquela resposta."

E, em seguida, aduz:

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"A posse de estado começa a exercer um papel decisivo para o esta­

belecimento da paternidade. É preciso, então, verificar o que a elevou a

esse patamar.

O sistema clássico de estabelecimento da filiação vinha assentado na direção protetiva da instituição familiar matrimonializada e calcado, por isso, numa visão patriarcal e hierarquizada da família. O estabeleci­

mento da filiação, seguindo essas diretivas, chancelava um conjunto de

normas para dar abrigo jurídico à defesa superior da família, sacrifican­do outros valores que podiam parecer incongruentes com esse mister.

Muitas vezes, não passava pelos muros da verdade jurídica a busca

da verdade biológica, menos ainda a da verdade sócio-afetiva, a não ser

nos limites estreitos previstos pelo próprio sistema no seio da 'contesta­

ção' privativa da paternidade.

A superação desse sistema leva em conta precisamente a verdade da filiação, permitindo-se perquirir a verdadeira descendência genética. Mas,

além disso, expressivo movimento legislativo percebeu uma realidade

marcante: a verdadeira paternidade não pode se circunscrever na busca de

uma precisa informação biológica; mais do que isso, exige uma concreta relação paterno-filial, pai e filho que se tratam como tal, donde emerge a verdade sócio-afetiva.

Balanceando a busca da base biológica da filiação com o sentido sócio-afetivo da paternidade, o legislador valeu-se da conhecida noção de posse de estado.

Não é propriamente à verdade biológica da filiação que a posse de

estada de filho serve prioritariamente. Depreende-se que ela se dirige mais

a valorizar o elemento afetivo e sociológico da filiação, posto que sua ausência pode pôr em dúvida o vínculo da filiação." (Da Paternidade -

Relação Biológica e Afetiva, Del Rey, 1996, pp. 61 e ss.)

No presente caso, o acórdão da apelação entendeu que tornou-se ampla e

irrestrita a possibilidade de investigação de paternidade verdadeira, isto é, da

paternidade biológica, com o que não se poderia opor obstáculos a uma ação de negativa de paternidade, sendo inaplicáveis os prazos exíguos contemplados nos

artigos 178, §§ 3Q e 4Q, do Código Civil. Mas, no acórdão dos embargos

infringentes, ora recorrido, o voto-condutor modificou a natureza da ação pro­

posta ao afirmar que não se trata de ação de contestação da paternidade, nos

termos do art. 340 do Código Civil, mas, sim, de desconstituição de registro,

alegando-se erro, fraude ou dolo, porque a paternidade não pode mais ser nega-

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 363

da pelo pai. De fato, a ação estaria amparada pelos arts. 348 do Código Civil vigente e 1.612 do Projeto, com o que concluiu o voto-vencedor: como visto, pelo prosseguimento do pedido concernente ao registro público.

A ementa do acórdão recorrido reflete a decisão tomada, entendendo cabí­vel "a ação negatória de paternidade apenas enquanto não reconhecido o filho. Após seu registro, cabe ação de anulação ou nulidade de registro por vício de manifestação de vontade ou por falsidade, que não se submete ao curto prazo

decadencial da negatória".

Esse voto foi o que prevaleceu, isto é, admitiu o acórdão recorrido que havia possibilidade jurídica do pedido de anulação do registro, mas não da con­testação de paternidade.

É sempre fascinante acompanhar a vitalidade da interpretação construtiva dos tribunais. A hermenêutica ganha hoje sempre mais vigor diante da rapidez com que a realidade social se transforma. Um mestre alemão, Peter Hãberle vem cuidando da interpretação constitucional mostrando que o juiz não é o único intérprete da Constituição porque os cidadãos e todos aqueles que parti­cipam da sociedade, indivíduos e grupos, a opinião pública, são forças podero­sas de interpretação, partindo do pressuposto que não existe norma jurídica, mas norma jurídica interpretada (Hermenêutica Constitucional- A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e "Procedimental" da Constituição, Sérgio Antônio Fabris Editor,

Porto Alegre, 1997). Na mesma linha, Benjanlin Nathan Cardoso, o grande Juiz da Corte Suprema americana, em livro admirável, A Natureza do Pro­

cesso, enfrentou o problema da criação das regras de direito pelos juízes, desen­

volvendo raciocínio que merece ser reproduzido:

"Se perguntardes como saberá o juiz que um interesse sobrepuja ou­tro, poderei responder-vos, apenas, que o seu conhecimento deverá provir das mesmas fontes que inspiram o legislador, a experiência, o estudo e a reflexão; em resumo, da própria vida. Aqui, na verdade, encontra-se o pon­to de contato entre o trabalho do legislador e o do juiz. A escolha de métodos, a estimativa de valores, tudo deve ser guiado, no fim, por con­

siderações semelhantes, seja no caso de um, seja no caso do outro. Cada um deles, realmente, está legislando dentro dos limites de sua competên­cia. Não há dúvida de que os limites para o juiz são mais estreitos. Ele legisla apenas para suprir lacunas e encher os espaços vazios no direito positivo. Até onde pode ir sem ultrapassar os confins dos interstícios, eis o que não pode ser rigorosamente delimitado em um mapa para seu uso. Deve aprendê-lo por si próprio, à medida que adquire o senso de conve-

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niência e de proporção, proveniente dos anos de hábito na prática de uma arte. Mesmo no que se refere às lacunas, há restrições não facilmente definidas, mas sentidas por todos os juízes e juristas; apesar de serem

extremamente sutis, atalham e circunscrevem sua ação. São estabelecidas pelas tradições dos séculos, pelo exemplo de outros juízes, seus prede­cessores e colegas, pelo julgamento coletivo da classe e pelo dever de aderir ao espírito difundido do direito." (A Natureza do Processo e a Evolução do Direito, Coleção Ajuris, Porto Alegre, 1978)

Realmente, o trabalho de interpretação, por maior amplitude que possa ter, não tem, na minha avaliação, condições de ultrapassar a lei. A lei impede que o juiz julgue como se fosse livre o direito ou como se estivéssemos sob o regime da equity. É claro que poderá haver em muitas ocasiões necessidade de compatibilizar a realidade com a lei, particularmente quando a lei está envelhecida no tempo. E, nesse momento, o limite da lei deve ser aferido com a presença do princípio da razoabilidade. Veja-se, por exemplo, o caso da chamada interpretação corretiva. José de Oliveira Ascensão adverte ser possível que o resultado da interpretação acarrete um sentido nocivo para a lei. Para o doutrinado r português é preciso cautela para que não se afaste a lei; mas é preciso saber que o juiz pode e deve utilizá-la "quando a aplicação

da lei a certas hipóteses, compreendidas no seu âmbito mas que não perten­cem ao núcleo de casos que justificaram a norma, produz resultados infensos ao bem comum" (O Direito - Introdução e Teoria Geral, Renovar, Rio, 1 ª ed., 1994, p. 340).

Na velha lição de Henry CaInpbell Black, "se a linguagem da lei é ambígua, ou se enseja duas construções, o tribunal pode e deve considerar os efeitos e as conseqüências de uma e de outra para adotar a que torne a lei efetiva e produza os melhores resultados" (Blach on Interpretation of Laws, Wést Publishing

Co., 2ª ed., 1911, p. 100).

A meu sentir, no presente caso, não me parece possível interpretar além do limite da lei, que é expressa e tem motivação certa. O sistema de presun­ções em matéria de filiação está arraigado no Direito positivo brasileiro e tem como substância a preservação da vida familiar, a tanto conduz a discipli­na que comanda não bastar sequer "o adultério da mulher, com quem o mari­do vivia sob o mesmo teto, para ilidir a presunção legal de legitimidade da prole" (arts. 343 do Código Civil e 1.608 do Projeto). Diante do Direito positivo brasileiro não há sustentação legal para admitir-se a possibilidade de contestação da paternidade nos termos postos pela parte autora, ora recorrida,

esgotado, ademais, o prazo decadencial. O que o legislador brasileiro estipu-

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 365

lou foi a proteção do núcleo familiar, presente o cuidado com o filho nascido na constância do casamento, que não deve ficar exposto a uma tal situação de

ameaça por um tempo indefinido. Não tratou o legislador com a rígida disci­

plina legal de assegurar, neste caso, a paternidade biológica, mas, sim, de garantir a estabilidade da filiação, após o esgotamento de curto período para o ajuizamento da ação negatória pelo pai.

Mas, o certo é que essa posição foi também a do acórdão recorrido. O que o voto majoritário admitiu foi a possibilidade jurídica do pedido de anula­

ção de registro de nascimento, que está, ainda cumulado com o pedido de revogação dos alimentos. Não há, tecnicamente, como afirmar presente a im­

possibilidade jurídica do pedido de anulação do registro ou do pedido de re­vogação de alimentos. Possibilidade jurídica há. E é esse o ponto que se está enfrentando neste voto, diante dos termos do acórdão recorrido.

Estou, portanto, divergindo do eminente Relator, o culto e lúcido Minis­

tro Eduardo Ribeiro, por quem tenho tão grande estima e admiração, no que

se refere à possibilidade jurídica do pedido de negatória de paternidade. Mas, não vejo como deixar de reconhecer a possibilidade jurídica dos demais pedi­

dos, a tanto limitou-se o acórdão recorrido.

Com essas observações, eu não conheço do recurso especial.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Advogados:

RECURSO ESPECIALNQ 197.329 - SP (Registro nº 98.0089840-9)

Ministro Eduardo Ribeiro

Centrais Elétricas de Santa Catarina SI A - Celesc

Roberto V Calvo e outros

Celso Pedro Senise Júnior e outros

JoséAdriano MarreyNeto e outros

Sustentação Oral: Luiz Leonardo Cantidiano (pela recorrente) e José Adriano MarreyNeto (pelos recorridos)

EMENTA: Sociedade anôniIna - Direito de recesso - Lei nº 6.404/7 6,

artigo 137.

O direito de recesso visa a garantir a posição do sócio minoritário, quando ocorram modificações substanciais no estatuto da sociedade, ou

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que possam afetar o significado econômico das ações de que seja titular. Não merece essa proteção o simples propósito de auferir lucros injustificados como se verifica com a aquisição das ações após a convoca­ção da assembléia que objetiva introduzir as modificações estatutárias de que pode resultar o direito de retirada. Entendimento que se justifi­cava antes mesmo da modificação introduzida pela Lei nº 9.457/97, ten­do em vista a norma de interpretação constante do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso espe­cial e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Wa1demar Zveiter, Costa Leite e Nilson Naves. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Brasília-DF, 2 de fevereiro de 1999 (data do julgamento).

Ministro NILSON NAVES, Presidente.

Ministro EDUARDO RIBEIRO, Relator.

Publicado no DI de 17.05.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Centrais Elétricas de Santa

Catarina SI A - Celesc ajuizou ação, objetivando ver declarada a inexistência de relação jurídica de débito e crédito, oriunda de direito de recesso exercido por

Celso Pedro Senise Júnior, José Antônio Alvarez Morales, Siomara Regina

Dragoni da Costa e Valdir Massari.

Em 15 de abril de 1994, o Conselho de Administração da autora fez

publicar edital, convocando os seus acionistas a deliberar, entre outros assun­tos de interesse geral, sobre aumento do capital social por meio de emissão de

ações de quaisquer espécies ou classes de ações preferenciais, sem guardar proporção entre as mesmas, até o limite legal. Em 19 de abril do mesmo ano, os réus adquiriram um total de dois milhões de ações preferenciais da classe "B". No dia 25 subseqüente, foi realizada a assembléia e autorizado o preten­dido aumento de capital. A autora, entendendo que "os réus não pretendiam

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 367

participar do quadro acionário da Celesc, objetivando apenas, com aquela com­

pra, obter vantagem econômica indevida", negou-se a reconhecer-lhes o direi­

to de recesso e propôs a presente ação.

O pedido foi julgado improcedente, por sentença confirmada por acórdão

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujos trechos a seguir transcri­

tos, bem resumem os seus fundamentos:

"( ... ) a Lei das Sociedades Anônimas não veda a conduta adotada

pelos apelados, que também não encontra qualquer outro obstáculo no

ordenamento jurídico.

O fato de terem os apelados adquirido as suas ações após a publi­

cação do primeiro edital de convocação para a assembléia, não lhes retira

o direito de recesso, se dissidentes da deliberação que veio a ser adotada

na reunião.

( ... )

À época da aquisição das ações pelos apelados, ainda não havia ne­

nhuma deliberação eficaz a respeito da matéria susceptível de gerar o di­

reito de recesso.

O que havia era a mera convocação de assembléia para deliberar

sobre o tema, que poderia ser aprovado ou não, razão pela qual, e ao con­

trário do que sustenta a apelante, não se identifica nenhuma abusividade

ou ilegalidade na conduta dos apelados.

( ... )

Também não se exige prova de prejuízo concreto do acionista, como

pressuposto para o exercício do direito de retirada.

Tal requisito não consta da lei, nem há notícia de que essa exigência

tenha sido identicamente formulada nos pedidos de recesso de outros aci­

onistas."

Manifestados embargos de declaração, foram rejeitados. Declarou-se, ex­

pressamente, todavia, para fins de prequestionamento, que o acórdão não ferira

os dispositivos legais apontados pela autora.

A autora interpôs recurso especial, alegando violação aos arts. 5º da Lei

de Introdução ao Código Civil, 160, I, do Código Civil e 136, I, e 137 da Lei

das Sociedades Anônimas. Sustentou que a interpretação conferida aos arts. 136,

I, e 137 dessa Lei, pelo tribunal paulista, não se coadunava com as origens e

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pressupostos do direito de recesso que exige "uma deliberação majoritária rele­vante, que prejudique interesse de acionista minoritário que, discordando da vontade da maioria, decide retirar-se da sociedade mediante o reembolso do

valor de suas ações". Asseverou, também, que "uma vez adquiridas as ações quando já se tinha conhecimento pleno das mudanças que poderiam ser efetiva­das no pacto societário, deixaria de ser preenchido um dos requisitos, na medi­da em que inexistiria prejuízo a interesse do adquirente das ações." Acusou os réus de nunca terem pretendido ser acionistas da autora, possuindo, apenas, interesses especulativos, pois, em seis dias, "embolsariam a alta diferença entre o valor dê mercado e o valor patrimonial contábil das ações da companhia, pelo fato de ser o último muito maior que o primeiro". Lembrou, ainda, recente alteração introduzida na Lei das Sociedades Anônimas pela Lei nº 9 .457/97, que passou a exigir, para o exercício do direito de retirada, a comprovação, pelo acionista, de que "era titular, na data da primeira publicação do edital de convo­cação da assembléia, ou na data da comunicação do fato relevante objeto da deliberação, se anterior". Tal dispositivo, ponderou, veio para especificar prin­cípio já contido no art. 160 do Código Civil, do qual se extrai ser ilícito o

exercício irregular de um direito. Defendeu que os dispositivos em discussão fossem interpretados à luz do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, estando superada "a idéia do direito absoluto", daí por que não se pode permitir

que o direito de recesso seja usado como "instrumento útil para a percepção de ganho fácil, lesivo aos interesses da comunidade".

Trancado o recurso na origem, apresentou agravo de instrumento, do qual,

a princípio, não conheci, por falta de peça essencial. Interposto agravo regimen­tal, reconsiderei a decisão, dando provimento ao agravo e determinando a sua conversão em recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO (Relator): A aplicação, em ter­mos literais, da norma contida no artigo 137 da Lei das Sociedades por Ações, com a redação anterior à introduzida pela Lei nº 9.457/97, conduziria, por cer­

to, a que se houvesse de manter o decidido pelas instâncias ordinárias. Com

efeito, estabelecia aquele dispositivo que o direito de recesso poderia ser exerci­do por quem fosse titular de ações na data da assembléia de que resultasse a modificação capaz de autorizar a retirada. Não se espera, entretanto, que os

tribunais se limitem a entender o texto da lei, tal como se apresente isoladamen­

te e em sua expressão literal. Cumpre seja compreendido no contexto em que se

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 369

encontre, atendidos os princípios que informam o ordenamento onde inserido. A lição de Celsus, velha de milênios, continua a inspirar os hermeneutas,

concitados a que atentem para a exortação: "scire leges non est earum ver­ba tenere sed vim ac potestatem". E contraria a lei, de maneira a justificar o especial, a decisão que viola seu espírito, ainda que pareça conformar-se a

sua expressão verbal.

Examinar-se teleologicamente a norma é o melhor procedimento para

buscar-lhe o sentido e tenho como certo que a razão de ser do direito de

recesso não se compadece com situações como a ora em exame. Assegura-se a retirada, como proteção ao minoritário, cuja participação na sociedade seria substancialmente ãfetada, com modificações introduzidas em pontos relevan­

tes de seus estatutos. Quem se associou a uma empresa tem o direito de não a ver alterada no que tem de mais relevante, bem como de que não seja diminu­ído o significado econômico resultante da titularidade das ações. Para acomo­dar os interesses e não engessar a sociedade, garante-se ao dissidente que dela se retire, recebendo seus haveres na forma prevista em lei.

Trata-se de instituto que visa a evitar prejuízos que pudessem ser impos­tos, pelos sócios majoritários, aos demais. Não haverá de servir para propiciar ganhos especulativos, agasalhando situações inteiramente estranhas aos moti­vos que levaram à edição da norma.

Certo que o texto foi alterado exatamente para explicitar que o direito em questão só assistirá a quem já seja sócio quando convocada a assembléia.

Bom que assim se tenha feito, pois espancam-se as dúvidas. Não se retire daí, entretanto, que da interpretação da norma anterior já não se pudesse concluir de modo idêntico.

Cumpre se coloque em relevo que a disposição do artigo 5 Q da Lei de

Introdução ao Código Civil não haverá de ser tomada como simples sugestão

ao juiz. Bem ao contrário, trata-se de determinação legal, com a mesma força de qualquer outra e que haverá de informar as decisões. Se o julgador houves­

se de limitar-se à leitura de um artigo de lei, para aplicá-lo em sua literalidade,

de escassa ou nenhuma valia seria aquela disposição.

Considero, pois, que o disposto no artigo 137 da Lei n Q 6.404/76, ainda mesmo antes da reforma introduzida pela Lei n Q 9.457/97, não poderia ser entendido como abrangente de situações em que o propósito é meramente

especulativo, agindo o interessado apenas com o objetivo de lucro injustificado,

em detrimento da capitalização da companhia.

Em vista do exposto, considero que violado o citado artigo 5Q•

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370 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Afirma-se que faltaria o prequestionamento. Examino o argumento. Na apelação invocou-se o contido naquele dispositivo. Como a ele não se houvesse feito referência no acórdão, apresentaram-se declaratórios, em que se consig­nou:

"Observa que as razões recursais centravam-se, basicamente, em três dispositivos legais, a saber, o art. 160, I, do Código Civil (que veda o abuso de direito), e os arts. 137, § 1 º, e 136, I, da Lei nº 6.404/76, Lei das Sociedades Anônimas (a respeito do direito de recesso do acionista; quan­to à interpretação destes últimos, as razões de apelação invocaram o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil).

Muito embora o v. acórdão tenha, a rigor, pelo que se colhe de sua fundamentação, versado implicitamente a respeito da matéria disciplinada por tais dispositivos, é bem de se ver que as Súmulas nºs 282 e 356 do STF impõem à apelante, ora embargante de declaração, vir à presença dos eminentes Desembargadores que julgaram seu recurso com pedido de ex­pressa sobre eles, pena de ter sobremodo dificultada a admissibilidade de recurso especial constitucional que pretende interpor."

Os embargos foram rejeitados, com a seguinte fundamentação:

"O v. acórdão enfrentou diretamente as razões do recurso oferecido e deu o enfoque que a questão merecia, à luz dos dispositivos legais que a embargante sustenta terem sido violados, o que por óbvio não ocorre e que fica aqui expressamente declarado, para efeito do prequestionamento desejado."

Considero que esse trecho do julgamento importa afirmar que das nor­mas invocadas não resultava conclusão diversa e que eles foram tidos em conta. De outra forma não se pode entender a afirmação de que a questão foi decidida "à luz dos dispositivos legais que a embargante sustenta terem sido violados". Como, a meu ver, a exata aplicação do mencionado artigo condu­zia a outra conclusão, foi ele infringido.

Conheço do recurso e dou-lhe provimento para julgar procedente a ação, arcando os réus com as custas e honorários, arbitrados esses em cinco por cento sobre o valor da causa.

VOTO

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Sr. Presidente, a dúvida

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 371

que me assaltava, quando da leitura do voto feita pelo eminente Ministro Eduar­do Ribeiro, era a respeito da questão sobre o prequestionamento.v. Exa. aca­bou de demonstrar que prequestionamento houve, até de forma explícita, fazendo o acórdão alusão expressa nas razões dos embargos dos dispositivos legais em que se assentaram. Esta questão, é, realmente, interessante. Trata-se da aplicação do art. 137 da Lei das Sociedades, que se remete aos dispositivos do art. 136, ou seja, aqueles motivos através dos quais seria permitido o reces­so não em caso idêntico - parece-me que este caso é o primeiro que estamos examinando -, mas em casos assemelhados em que a Corte já teve várias opor­tunidades de decidir. Aqui, a dúvida, se houvesse no meu espírito, estaria resi­dindo na aplicação de uma norma posterior a um fato anterior sobre ela resol­vido. É evidente, como deixou claro o Sr. Ministro-Relator, que o espírito da norma, neste caso, foi contrariado. Aqui, não se cuida de ações postas em bolsa de sociedade aberta para o comércio livre em que pelo melhor lance pode adquirir-se e vender-se ações. Houve um edital, e, por isso, a lei posterior veio disciplinar e caracterizar aquilo que já se encaminhava, conforme interpreta­ção dos tribunais, inclusive deste Tribunal. Quais as razões pelas quais pode o acionista minoritário exercer o direito de recesso? A lei expressa quais são as razões. Dir-se-á: essas mesmas razões servem àquele que se constitui acionista no momento do exercício da aquisição da ação, para, depois, dizer-se que as resoluções, que foram deliberadas já pertencentes ao edital anterior, seriam motivo bastante para que ele dela se retirasse? Parece-me que isso feriria pelo menos o princípio da lógica do razoável que temos nesta Corte, invocado tantas vezes, para podermos decidir causas que tais.

Posta a questão de fato, assim, esse exercício de recesso por um acionista que já não integrava a sociedade, passou a integrá-la no momento em que adqui­riu as ações para invocar aquilo que já se sabia, porque, publicado o edital, ...

O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: ... que essa seria a razão ou motivo para exercitar o recesso, parece-me afrontar o texto da lei no seu espíri­to e até na sua forma pela interpretação jurisprudencial que temos dado a esses dispositivos que, aparentemente, deixavam algumas lacunas na Lei das S/A.

Assim, presente o prequestionamento, que, como disse, no início do meu voto, seria o ponto sensível para o conhecimento do recurso, dele conhecendo, não tenho dúvida em acompanhar o voto do eminente Ministro-Relator que deu à espécie o trato que, segundo a minha compreensão, também lhe daria.

Conheço do recurso especial e dou-lhe provimento.

VOTO

O SR. MINISTRO COSTA LEITE: Sr. Presidente, tal como acaba de

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372 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA

salientar o eminente Ministro Waldemar Zveiter, o ponto nodal deste caso se relaciona com o conhecimento do recurso. Impressionou-me, sobremodo, a ale­gação contida no memorial que me chegou às mãos a propósito da falta de prequestionamento e que foi tão bem posta também por ocasião da sustentação oral produzida da tribuna pelo eminente advogado. Entretanto, o eminente Mi­nistro-Relator cuidou de demonstrar que aqui não se cuida em absoluto em aplicar-se a Súmula nº 211 desteTribunal. Quanto à questão de fundo, tam­bém, não há a menor dúvida de que se impõe a interpretação teleológica. Não se pode ficar preso à literalidade, agredindo o senso comum e a razoabilidade.

Com a devida vênia, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator. Conheço do recurso e lhe dou provimento.

VOTO

O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Acompanho o Relator.

Também a lei possui corpo e alma, e atinge-se a lei, não só quando se fere a sua letra, mas, também, quando se fere o seu espírito. Numa passagem

expressiva, diz Ferrara que a interpretação literal é apenas a interpretação pos­sível da lei. Certamente, a melhor das interpretações é a teleológica. Se não

fosse assim, o juiz poderia facilmente ser substituído. Demonstrou-se aqui luci­damente que o espírito da lei foi atingido. Deixou-se de aplicar uma disposição, que era aplicável.

A minha preocupação era quanto ao conhecimento. Parece-me, no entanto, que a questão foi devidamente prequestionada. Conheço do recurso e lhe dou provimento.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL NQ 204.066 - RJ (Registro nº 99.0014106-7)

Ministro Eduardo Ribeiro

Pedro da Rocha Gomide

Luiz Bernardo Rocha Gomide e outros

Jean Omar Aleksandrowicz e outro

WalterWigderowitz Neto e outros

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 373

EMENTA: Com.issão de leiloeiro - Im.penhorabilidade.

Na expressão "salários", em.pregada pelo artigo 649, IV, do CPC, há

de com.preender-se a com.issão, percebida por leiloeiros, não se justifi­cando exegese restritiva que não se com.padece com. a razão de ser da

norm.a.

Im.penhorável aquela rem.uneração, não se adm.ite seja colocada à

disposição do juízo, com. a finalidade de garantir a execução.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e

das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Waldemar

Zveiter, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nilson Naves.

Brasília-DF, 27 de abril de 1999 (data do julgamento).

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.

Ministro EDUARDO RIBEIRO, Relator.

Publicado no DI de 31.05.99.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Jean Ornar Aleksandrowicz e

Ary Ferreira Feitosa propuseram ação, visando ao recebimento de importância que entendem devida por Pedro Rocha Gomide. Julgado procedente o pedido,

deu-se início à execução. Discute-se sobre a possibilidade de penhora das co­

missões do réu, que atua como leiloeiro, estando o acórdão, que negou provi­mento ao agravo de instrumento, assim ementado:

"Execução. As comissões de leiloeiro, agente auxiliar do comércio, que podem originar-se de fontes diversas, não se identificam às de mero trabalhador. Possível penhora que deve ser discutida em embargos."

Foram rejeitados os embargos de declaração apresentados pelo executado.

Em suas razões de especial, alegou que, embora não deferido o pedido de

penhora das comissões, determinou-se a sua retenção e o seu depósito em banco

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374 REVISTADO SUPERIORTRIBUNAL DE JUSTIÇA

oficial. Afirmou que essa decisão violaria o artigo 649, IV, do Código de Pro­

cesso Civil e o artigo 33, f, do Decreto nº 21.981/32. Ademais, não haveria

diferença prática entre retenção e penhora, pois o réu estaria privado de sua

única fonte de renda.

Negado seguimento ao recurso, interpôs agravo de instrumento, ao qual

dei provimento, determinando a sua conversão em especial.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO (Relator): Prende-se a ques­

tão ao entendimento que se deva dar à expressão "salários", constante do inciso

IV do artigo 649 do Código de Processo Civil. Teve-a o acórdão por não

abrangente das comissões, recebidas por leiloeiro.

Com a devida vênia do julgado recorrido, não se me afigura haja abraçado

a melhor orientação. Injustificável tratar-se de modo distinto situações que se

identificam, no que interessa para a aplicação da norma. Presume a lei que o

salário se destina à manutenção de quem o aufere; daí fazê-lo impenhorável.

Não haverá de servir de critério a circunstância de alguém receber contraprestação

por seu trabalho, em virtude de vínculo empregatício, conceituando-se como

salário, enquanto um outro, por inexistente esse liame, perceber remuneração que não tem a mesma característica. Não pode residir nisso o parâmetro para

discriminar, pois nenhuma relação tem com a finalidade do dispositivo.

Note-se, aliás, que a tendência dos tribunais é no sentido de ter-se como

impenhorável toda a remuneração devida ao trabalhador e não apenas a que

tecnicamente se qualifica como salário. A razão é a mesma: não se apresentar

motivo que justifique diversidade de tratamento.

Salientou o acórdão, ainda, que se trataria apenas de uma das fontes paga­

doras do réu, podendo ser possível, portanto, a sua retenção. Esse argumento

não é válido. A lei não faz essa exceção, determinando a impenhorabilidade de

toda e qualquer remuneração dessa natureza.

Acrescente-se que o fato de não ter ocorrido, na prática, a penhora, não

altera a circunstância de estar-se cerceando o direito do réu, impedindo-se que ele tenha acesso às comissões.

Entendo, portanto, que contrariado o artigo 649, IV, do Código de Proces­

so Civil, razão pela qual conheço do recurso e dou-lhe provimento, para que

cesse a restrição imposta sobre a renda auferida pelo réu.

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