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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009
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O TRABALHO PEDAGÓGICO NA PERSPECTIVA
MULTI/INTERCULTURAL: EM BUSCA DE AÇÕES DIDÁTICAS
VICENTINI, Dalva Linda (UEM)
GASPARIN, João Luiz (Orientador/UEM)
A multiplicidade de culturas existentes na sociedade contemporânea evidencia a
necessidade cada vez mais urgente de promover uma educação que ultrapasse o
etnocentrismo.
A cultura escolar está impregnada pela perspectiva do comum, do aluno padrão, do ‘aqui todos são iguais’. No entanto, as escolas estão cada vez mais desafiadas a enfrentar os problemas decorrentes das diferenças e da pluralidade cultural, étnica, social, religiosa, etc, dos seus sujeitos e atores (CANDAU et al., 2000a, p. 14).
A instituição escolar parece encontrar dificuldades em reconhecer que grande parte de
seus alunos não se enquadram nos parâmetros determinados por uma concepção
universalista de cultura. As incipientes políticas públicas educacionais neste setor
demonstram, na prática, a urgência na implementação de uma educação escolar voltada
para a diversidade cultural.
Neste sentido, percebemos a necessidade de superação do caráter monocultural da
educação escolar em direção ao multi/interculturalismo, pois não havendo esta
superação, prevalece, nos currículos escolares, o pressuposto de que todos
compartilham igualmente de uma mesma cultura, ignorando ou calando as diferenças
culturais e reforçando as desigualdades sociais. O multi/interculturalismo é uma
dimensão fundamental no processo de ensino e aprendizagem.
Diante da possibilidade de romper com um paradigma de educação que exclui,
corrompe identidades e ignora diferenças e, visando a organização de um currículo que
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incorpore os múltiplos modelos culturais trazidos à escola pelos seus alunos, é que urge
necessidade da organização pedagógica numa perspectiva multi/intercultural.
Este trabalho faz opção pela perspectiva multi/intercultural, por um olhar para além da
oposição reducionista entre o multiculturalismo e o interculturalismo. Uma vez que a
nossa sociedade brasileira apresenta um cenário que contempla uma grande diversidade
cultural faz-se necessário compreender esse processo de interação entre essas culturas.
A educação é fundamental para a socialização do homem e sua humanização. Trata-se
de um processo que dura toda a vida e não se restringe à mera continuidade da tradição,
pois supõe a possibilidades de rupturas, pelas qual a cultura se renova e o homem faz a
história.
Enquanto o animal permanece inserido na natureza, o homem é capaz de transformá-la,
tornando assim, possível a cultura.
O homem existe – existere – no tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica. Porque não está preso a um tempo reduzido a um hoje permanente que o esmaga, emerge dele. Banha-se nele. Temporaliza-se. Na medida porém, em que faz essa imersão do tempo, libertando-se de sua unidimensionalidade, discernindo-a, suas relações com o mundo se impregnam de um sentido conseqüente. Na verdade já é quase um lugar comum afirmar-se que a posição normal do homem no mundo, visto como não está apenas nele mas com ele, não se esgota em mera passividade. Não se reduzindo tão somente a uma das dimensões de que participa – a natural e a cultural – da primeira, pelo seu aspecto biológico, da segunda, pelo seu poder criador, o homem pode ser eminentemente interferidor. Sua ingerência senão quando distorcida e acidentalmente, não lhe permite ser um simples expectador, a quem não fosse lícito interferir sobre a realidade para modificá-la. Herdando a experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se às condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo – o da história e o da cultura (FREIRE, 2005, p. 49).
A partir das relações do homem com a realidade, pelos atos de criação, recriação e
decisão, ele vai dinamizando seu mundo, vai dominando a realidade, vai humanizando-
a, vai lhe acrescentando algo como “o fazedor”, vai temporalizando os espaços
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geográficos e faz cultura. Os homens iniciam o processo de humanização, ao
conviverem com outras pessoas. O mundo cultural é, desta forma, um sistema de
significados já estabelecidos por outros, de modo que, ao nascer, a criança encontra um
mundo de valores dados, onde ela se situa. Assim, a língua que aprendemos, a maneira
de nos alimentar, o jeito de sentar, andar, correr, brincar, o tom da voz nas conversas, as
relações sociais, tudo enfim, se acha estabelecido em convenções.
Essas convenções são perpassadas por experiências educativas nas quais os seres
humanos inserem-se desde o nascimento. Este trabalho pretende abordar a temática
colocando como topo das discussões, a educação escolar. O objetivo é compreendê-la
como campo profícuo para a reconstrução de um novo cenário social, uma vez que por
meio desta, vamos calcando colunas de transformação no estabelecido socialmente.
Neste sentido, a presente pesquisa buscará responder a questão central deste trabalho:
Quais as possibilidades e/ou limitações de sistematização das ações didáticas, para o
desenvolvimento de um trabalho pedagógico na perspectiva multi/intercultural?
Por meio da reflexão sobre a problemática central, a partir do aprofundamento das
leituras na literatura que aborda o tema, buscar-se-á amenizar a característica de
educação monocultural, vivenciada na maior parte das instituições escolares brasileiras
atualmente.
Na contemporaneidade, as sociedades são complexas, apresentando uma multiplicidade
de culturas em seu interior.Essa multiplicidade de culturas evidencia a necessidade,
cada vez mais urgente, de se promover uma educação que ultrapasse o etnocentrismo
cultural. Em nosso país, os Parâmetros Curriculares Nacionais recomendam o
atendimento às necessidades singulares dos alunos:
[...] a educação escolar deve considerar a diversidade dos alunos como elemento essencial a ser tratado para a melhoria da qualidade de ensino aprendizagem. [...] A escola, ao considerar a diversidade, tem como valor máximo o respeito às diferenças – não o elogio à desigualdade. As diferenças não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa; podem e devem, portanto ser fator de enriquecimento (BRASIL, 1997, p. 96-97).
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Porém, contraditoriamente, as políticas educativas estão fundadas no entendimento de
que existe uma identidade nacional, construída a partir da idéia de um Estado-Nação.
Daí, o caráter monocultural da educação universalista que prevalece nos currículos
escolares, e que pressupõe que todos compartilhem igualmente de uma mesma cultura.
[...] o problema é que deixa de ver que a suposta ‘cultura nacional comum’ confunde-se com a cultura dominante. Aquilo que unifica não é o resultado de um processo de reunião das diversas culturas que constituem uma nação, mas de uma luta em que regras precisas de inclusão e exclusão acabaram por selecionar e nomear, uma cultura específica, particular, como ‘a cultura nacional comum’(SILVA, 2007, p. 89).
No cotidiano de nossas escolas, o que realmente se vê, é muito mais uma invasão
cultural, onde não há respeito à diversidade cultural ali presente. E, neste sentido, Paulo
Freire contribui com um significativo esclarecimento quanto ao termo “invasão
cultural”
[...] a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos indivíduos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão (FREIRE, 1978, p. 178)
Essa atitude explicita a degeneração progressiva e desrespeitadora de uma cultura e de
suas riquezas. Esse processo remete a uma idéia de luta e de poder. A
escolarização tem uma função reforçadora do status quo, e neste sentido, Gimeno
Sacristán (1997, p. 97), acrescenta:
A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais; nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais e dos povos desfavorecidos (exceto como elementos de exotismo), o problema da fome, do desemprego ou maus tratos, o racismo e a xenofobia, as conseqüências do consumismo e muitos outros temas-problema que parecem ‘incômodos’. Consciente e inconscientemente produz um primeiro velamento que afeta os conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente.
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Portanto, a cultura escolar, apesar de seus esforços para atender seus alunos segundo
suas necessidades sociais e de origem, apresenta-se, predominantemente, monocultural,
e demonstra na prática, uma fragilidade quanto a organização desta instituição como um
todo. Há que se pensar na possibilidade de sistematizar ações que dêem conta da atual
carência de práticas efetivas e sólidas, que possam promover uma didática capaz de
responder às reais necessidades do trabalho pedagógico numa abordagem
multi/intercultural .
Há uma mudança estrutural visível que está transformando as sociedades modernas e
isso modifica as paisagens culturais de gênero, classe, sexualidade, etnia e
nacionalidade.
O resultado disso é o homem descentrado, resultando nas identidades abertas,
contraditórias, inacabadas, fragmentadas do sujeito pós-moderno que integrado num
contexto social de globalização enfrenta os riscos paradoxais do etnocentrismo: esse é
um dos maiores desafios dos dias atuais.
Na cultura e por ela os humanos atribuem à realidade significações novas por meio das
quais são capazes de se relacionar com o ausente. Isso se de dá por meio da linguagem,
do trabalho, da percepção do que é possível e do que é impossível, do permitido e do
proibido, do visível e do invisível, do sagrado e do profano.
Para Chauí (2006, p.113), “cultura é, pois, a maneira pela qual os humanos se
humanizam e, pelo trabalho, desnaturalizam a natureza por meio de práticas que criam a
existência social, econômica, política, social, religiosa, intelectual e artística. Assim,
para Forquin,
A cultura é considerada como o conjunto dos traços característicos do modo de vida de uma sociedade , de uma comunidade ou de um grupo, aí compreendidos os aspectos que se podem considerar como os mais cotidianos, os mais triviais ou os mais ‘inconfessáveis’ (FORQUIN, 1993, p.11).
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Conceber a cultura como um extenso e contínuo processo de seleção e filtragem de
conhecimentos e experiências, não somente de um indivíduo, mas de um grupo social,
nos leva ao entendimento de que cada grupo identifica-se a determinada cultura, com
diferentes características. Por isso, de acordo com Machado (2002), a teoria sobre a
cultura tem sido progressivamente substituída pela idéia de culturas. E é nessa
complexidade de relações de significados que surge a perspectiva multicultural:
O multiculturalismo desde sua origem aparece como princípio ético que tem orientado a ação de grupos culturalmente dominados, aos quais foi negado o direito de preservarem suas características culturais. Esta é, portanto, uma das condições que favoreceu a emergência de movimentos multiculturalistas. No inicío, esses expressavam, exclusivamente a reinvidicação de grupos étnicos. A partir da segunda metade de nosso século abarcam um universo cultural mais amplo. Contam com a aliança de outros grupos culturalmente dominados e, juntos, reagem por meio de suas organizações políticas, para serem reconhecidos e respeitados quanto aos seus direitos civis (GONÇALVES, 2002, p. 20).
Segundo McLaren (2001), o multiculturalismo originou-se na década de 60 como
produto do movimento de direitos civis. O multiculturalismo nasceu na confluência de
conflitos e de trocas entre diferentes grupos postos à margem da sociedade e aqueles
que se tinham por hegemônicos.
Enquanto em outros momentos culturais insistiu-se nas noções de igualdade, hoje, como
um dos traços característicos do pensamento contemporâneo, prevalecem as
características de multiplicidade, de diferença e pluralidade, bem como de rupturas.
O multiculturalismo expressa uma dimensão cultural heterogênea, onde além da cultura
da classe dominante busca a riqueza e a valorização também da cultura dos grupos
minoritários representados por sujeitos históricos que sendo massacrados, resistem e
tentam fortemente afirmar sua identidade na nossa sociedade numa situação de
subordinação e exclusão ainda muito acentuadas.
Cada vez mais verificamos que a sociedade neoliberal luta fortemente pela manutenção
da homogeneidade difundindo a negação do direito à diferença sem a percepção de que
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tratar igualmente desiguais pode, no entanto, agravar a desigualdade, em vez de reduzi-
la.
Abramowicz e Moll (2003) esclarece que a igualdade que todos nós desejamos só pode
ser atingida se forem mantidas e respeitadas as diferenças, pois a cidadania de alguns
não pode ser construída sobre a exclusão de muitos.
McLaren (2000a), um dos grandes expoentes nas pesquisas acerca do multiculturalismo,
enumera quatro grandes tendências. A quarta posição assinalada por McLaren (2000a) é
a tendência na qual ele se situa e à qual ele mesmo denomina de multiculturalimo crítico
e, mais recentemente, multiculturalismo revolucionário.
Esta perspectiva parte da afirmação de que o multiculturalismo tem de ser
contextualizado a partir de uma agenda política de transformação, sem a qual corre-se o
risco de se reduzir a uma outra forma de acomodação à ordem social vigente. Partindo
desse princípio, a cultura é compreendida como tensa, não como um estado de relações
culturais e políticas sempre harmonioso, suave e sem cicatrizes. O autor argumenta que:
A diversidade deve ser afirmada dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social. Ele tem de estar atento à noção de ‘diferença’. Diferença é sempre um produto da história, cultura, poder e ideologia (MCLAREN, 2000a, p. 123).
É a partir dessas idéias que esta pesquisa buscará a compreensão, ou seja, a clarificação
das questões que se fizerem pertinentes no desenvolvimento deste trabalho. O
reconhecimento e a valorização da diversidade cultural são fatores que podem conduzir
o indivíduo ou grupos de indivíduos a ter orgulho do que possuem e não a sentirem-se
inferiores porque são diferentes.
A globalização da economia mundial, caracterizada pela internacionalização das
economias locais e internacionais vem ocasionando um aumento na visibilidade das
diferenças nos modos de viver, nos costumes e nas crenças, tanto nas pequenas, quanto
nas grandes cidades e nações. Entretanto, é muito mais fácil chegarmos ao discurso
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sobre a necessidade do respeito às diferenças, do que termos, de fato, uma prática
cotidiana de respeito aos seres humanos que consideramos diferentes.
Por acreditar nas inovações conceituais propostas pelo multiculturalismo crítico que
podem gerar a transformação social é que se busca uma visão onde a idéia é
desacomodar, ou seja, incentivar o abandono do “sempre foi e é assim mesmo” e
alcançar o objetivo que pode ser atingido utilizando como ponto de partida as
experiências sociais com as quais as pessoas se identificam por meio da diversidade
presente em seu cotidiano.
Os seres humanos são diferentes porque expressam diferentes identidades, ou seja,
formas diferenciadas de serem humanos com necessidades e concepções diferentes.
Neste sentido, vemos que o multiculturalismo crítico responde de forma satisafatória a
questão das diferentes identidades, pois, conforme a posição teórica de McLaren
(2000a) fica claro, que as diferenças são produzidas de acordo com a produção
ideológica e a recepção de signos culturais. Diferença não é “obviedade cultural”, em
vez disso, diferenças são construções históricas e culturais.
Ao considerarmos que os seres humanos dependem do reconhecimento que lhes é dado
estamos aceitando que a identidade do ser humano não é inata ou predeterminada. Isso
nos torna mais críticos e reflexivos sobre a maneira como estamos construindo nossa
identidade.
Uma sociedade democrática será constituída com base no desenvolvimento de
consciências críticas. É preciso desconstruir formas de privilégio que têm impedido
pessoas de falar em locais onde aqueles que são privilegiados assumem a autoridade e
as condições para a ação humana.
O que torna o multiculturalismo uma leitura necessária é o fato de que ao desnudar a
complexa teia de uma ideologia dominante ele nunca se deixa levar por uma forma de
fatalismo paralizante, mas busca o respeito, a tolerância e a solidariedade. Rejeita a
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construção social que desumaniza o outro e ensina que, por meio da desumanização do
outro, desumanizamos a nós mesmos. As pessoas para serem iguais devem ser
diferentes. Por paradoxal que pareça ser, a igualdade se constrói com a diversidade. Este
pensamento Boaventura Santos (1999), explicita quando diz que “temos o direito de ser
iguais, sempre que as diferenças nos inferiorizam. Temos o direito a ser diferentes
sempre que a igualdade nos descaracteriza”. A visão da prática educativa, nessa ótica:
Deixa de ser fragmentária e binária, para recuperar a diversidade na unidade e vice-versa, numa visão sistêmica, complexa, ecológica, do conhecimento. Assim, nosso conhecimento, para ser capaz de perceber o complexus – o tecido que junta o todo -, deve desconstruir estruturas de pensamentos mecanicistas (paradigmas que separam e absolutizam as partes) por estruturas de pensamentos complexos (paradigmas que articulam a separabilidade e inseparabilidade das partes) por meio de uma visão sistêmica a relação das partes com o todo e do todo com as partes) [...] (FLEURI, 2003, p. 75).
O multiculturalismo reconhece que cada povo e cada grupo social desenvolvem
historicamente uma identidade e uma cultura própria e considera que cada cultura é
válida em si mesma uma vez que corresponde às necessidades e às opções de uma
coletividade. Ao enfatizar a historicidade e o relativismo inerentes à construção de
identidades culturais, o multiculturalismo crítico permite pensar alternativas para as
minorias, uma vez que dá um passo à frente ao assumir que todas as representações são
os resultados de lutas sociais sobre significantes e seus significados.
O respeito às culturas, porém, não é possível a não ser que não esteja encerrado em
nenhuma como sendo a “melhor”, a “verdadeira”, a “ideal” para todos Isso exige a
capacidade de um pensamento, ou seja, de uma concepção que esteja em acordo com a
perspectiva multi/intercultural, uma vez que, a partir da idéia de que o único
fundamento possível de um multiculturalismo reside no reconhecimento de uma
dimensão humana normativa que transcende às distinções e separações culturais, há que
se perceber a diversidade cultural como enriquecedora.
Com relação ao “interculturalismo” Sedano (1997 apud CANDAU, 2005), traz uma
importante contribuição ao esclarecer que o termo faz referência à inter-relação entre
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diferentes culturas. Esclarece que este termo expressa a relação com a diferença, ao
enfatizar, pelo prefixo inter, o sentido de interação e troca, e não apenas de diversidade.
Segundo Fleuri (2000), para além da posição reducionista entre o monoculturalismo e o
multiculturalismo surge a perspectiva intercultural, que emerge num contexto de lutas
contra o processo crescente de exclusão social. Reconhece-se o sentido e a identidade
cultural de cada grupo social. Mas, ao mesmo tempo valoriza-se o potencial educativo
dos conflitos, buscando desenvolver a interação e a reciprocidade entre diferentes
grupos como fator de crescimento cultural e de enriquecimento mútuo.
A perspectiva multicultural reconhece as diferenças étnicas e culturais entre grupos que
coabitam no mesmo contexto. Todavia, faz-se necessária a distinção entre os termos
diversidade cultural e diferença cultural, a fim de que possamos justificar nossa opção
pelo multi/interculturlismo. Fleuri contribui significativamente com relação à definição
destes termos:
A diversidade cultural refere-se ao conhecimento da pluralidade de culturas presente em sociedades complexas. Ou, seja, admite e ressalta a multiplicidade de práticas, valores, costumes, significados. Esses significados plurais, entretanto, por vezes têm sido entendidos, em sua diversidade, como pré-dados, desde sempre existentes, concebidos, assim, como naturais, inerentes, essenciais, intocados pelas inter-relações. Tal concepção de diversidade cultural apresenta uma tendência à folclorização dos costumes e tradições, considerando a miscigenação, o sincretismo, como uma fatalidade a ser, tanto quanto possível, evitada, ou ao menos postergada. Já o conceito de diferença cultural, captura o processo mesmo de constituição e hierarquização desses significados múltiplos. As diferenças culturais, nesse sentido, não são entendidas como dados ou evidências, que se manifestam naturalmente como antagonismos, mas como construções histórico-culturais, que decorrem de relações de poder, nas quais os diferentes grupos sociais, particularmente os subalternos, podem redescobrir o valor positivo de suas culturas e experiências específicas – ressignificando-as (FLEURI, 2003, p. 92- 93).
Podemos concluir, de acordo com o autor, que se passa da perspectiva multicultural
(diversidade), para a intercultural (diferença), quando se constrói um projeto intencional
para promover a relação entre pessoas de culturas diferentes. Assim, ao entendermos as
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diferenças culturais, não como dadas, mas como relações de força que estão sendo
permanentemente constituídas e/ou reinstituídas, cria-se o espaço, o entrelugar, em que
os preconceitos e os estereótipos podem ser desfeitos e/ou ressignificados por meio de
um projeto intencional.
Desta forma, este é o espaço que este trabalho visa demonstrar como propício para a
educação escolar, pois uma vez que nossos alunos convivem anos após anos interagindo
em nossas salas de aula, há que se considerar que via um projeto intencional abre-se
caminhos para a efetivação de novas relações sociais que podem e devem ser veiculadas
pela instituição escolar.
Neste sentido, demonstra-se de grande importância a sistematização de ações didáticas
que atendam as reais necessidades de um projeto educativo que vislumbre a abordagem
multi/intercultural para a busca de respostas coerentes, no exercício da ação docente.
Vivenciamos um período histórico caracterizado, entretanto, pela decadência das velhas
certezas e pela produção de novas formas de posicionamento.
Um dos fenômenos mais comuns no mundo moderno talvez seja o contato interétnico,
entendido como as relações entre indivíduos e grupos de diferentes procedências
nacionais, raciais ou culturais.
O Brasil constitui-se, historicamente, como uma sociedade multiétnica, tomando-se por
base uma imensa diversidade de culturas. Reconhecer nossa diversidade étnica significa
ter clareza de que os fatores constitutivos de nossas identidades sociais não se
caracterizam por uma estabilidade. As identidades culturais – aqueles aspectos de
nossas identidades que surgem de nosso pertenciamento a culturas étnicas, raciais,
lingüísticas, religiosas – sofrem contínuos deslocamentos ou descontinuidades. As
sociedades modernas segundo Stuart Hall, “não tem nenhum núcleo identitário
supostamente fixo, coerente e estável”.
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A identidade, sendo definida historicamente, é formada e transformada continuamente
em relação às formas pelas quais somos representados nos sistemas culturais em que
estamos envolvidos. À medida que os sistemas culturais se multiplicam, somos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante de identidades possíveis, com cada
uma das quais poderíamos nos identificar, pelo menos temporariamente.
Na maioria das vezes, as relações entre culturas diferentes são consideradas a partir de
uma lógica binária: sul x norte, dominante x dominado, homem x mulher; dificultando a
compreensão da complexidade das relações subentendidas em cada pólo, a
reciprocidade das inter-relações, a pluralidade e a variabilidade dos significados
produzidos nessas relações. O conceito de dominação cultural, se compreendido numa
lógica binária, leva a supor que os significados produzidos por um sujeito social são
determinados unidirecionalmente pela referência cultural do outro sujeito, obscurecendo
o hibridismo das identidades.
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