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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO: DIREITO PÚBLICO E TRIBUTÁRIO O TERCEIRO SETOR DO ESTADO GERENCIAL BRASILEIRO AUTORA: TANIA REGINA BARROS ORIENTADORA: PROFESSORA CLÁUDIA GURGEL Rio de Janeiro

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO: DIREITO PÚBLICO E TRIBUTÁRIO

O TERCEIRO SETOR DO ESTADO GERENCIAL BRASILEIRO

AUTORA: TANIA REGINA BARROS

ORIENTADORA: PROFESSORA CLÁUDIA GURGEL

Rio de Janeiro

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Julho de 2007

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO: DIREITO PÚBLICO E TRIBUTÁRIO

O TERCEIRO SETOR DO ESTADO GERENCIAL BRASILEIRO

TANIA REGINA BARROS

OBJETIVOS:

Monografia apresentada ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Cândido Mendes como

requisito para obtenção do Grau de

Especialista em Direito Público e Tributário sob

orientação da Professora Cláudia Gurgel

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AGRADECIMENTOS

....aos professores e aos colegas de

turma Mariana, Débora, Álvaro, Carlos

e Flávio.

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“Não pode haver Estado democrático que se afirme sem cidadania ativa e sociedade participante, mas a ausência do Estado reduz o social a mero mundo dos interesses, a território de caça e do mercado.” Marco Aurélio Nogueira

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RESUMO

Com a opção política do poder executivo de tentar se distanciar da

imagem de estado burocrata em favor do estado gerencial, as parcerias entre a

administração pública e o particular se intensificaram. Em nome do interesse

público, particulares atuam na prestação de serviços de utilidade pública e

gerem, embora sob a fiscalização estatal, verbas públicas. No presente estudo

faremos uma análise das entidades que compõem o chamado terceiro setor

abordando questões como a relação jurídica com a administração pública, o

regime de seus agentes e de seus bens, a obrigatoriedade ou não de licitar,

etc. As instituições denominadas Organizações Não-Governamentais (ONGs)

serão estudadas em capítulo a parte e não a consideraremos formalmente

como integrante do terceiro setor. Faremos, ainda, breves considerações

quanto à responsabilidade civil do Estado por atos praticados por entidades

pertencentes ao terceiro setor.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA 10

1.1 A Reforma Constitucional e a legislativa e as associações entre o Estado (1º setor), o Mercado (2º setor) e o Terceiro Setor

11

1.2 Os valores consolidados na reforma do Estado brasileiro 15

2 ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR 18

2.1 Serviços Sociais Autônomos 18

2.2 Organizações Sociais (OS) 19

2.3 Organizações Sociais da Sociedade Civil (OSCIP) 23

2.4 Entidades de Apoio 25

3 ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG) 28

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS PRATICADOS POR ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR

33

CONCLUSÃO 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38

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INTRODUÇÃO

Encontramos, na estrutura do Estado Gerencial Brasileiro, três setores

distintos. De modo geral, podemos dizer que o primeiro setor é o encontrado

sob o nome de Administração Pública, quer direta ou indireta. Existe uma

enumeração legal dos entes que compõem a Administração Pública,

subjetivamente considerada. Trata-se do artigo 4º do Decreto–lei nº 200, que

diz que a administração federal compreende a administração direta, que se

constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da

República e dos Ministérios e a administração indireta que compreende as

autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações

públicas. Embora esse decreto-lei seja aplicável obrigatoriamente apenas à

União, observamos sua aplicabilidade também em relação aos Estados e

Municípios.

O segundo setor é aquele onde encontramos a parceria entre o poder

público e a iniciativa privada com fins lucrativos. A expressão que melhor

identifica este setor é a Delegação de Serviço Público, que ocorre por meio de

concessão ou por meio de permissão, nos termos da Lei 8.987/95. Inserida no

segundo setor encontramos, ainda, a Parceria Público-Privada (PPP), espécie

de concessão, porém com peculiaridades, previstas na Lei 11.079/04, que a

distingue da concessão clássica. Como formas de pagamento pelo serviço

público temos a tarifa pública para os casos de concessão ou permissão e,

além desta, temos a contraprestação do poder público no caso da PPP.

Alguns doutrinadores associam a expressão “Estado” ao primeiro setor e a

expressão “Mercado” ao segundo setor.

No terceiro setor, objeto do nosso estudo, também encontramos uma

parceria do poder público com o particular, porém aqui, sem fins lucrativos.

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Sob o argumento de necessidade de mudança de Estado burocrático

para Estado gerencial, no início do governo Fernando Henrique elaborou-se o

denominado Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado. A caminhada

com destino a um Estado gerencial acabou por demandar um afastamento

direto do Estado de variadas atividades do domínio econômico e da prestação

direta de serviços de utilidade pública. Com isso o Estado passou a estimular a

atividade de particulares que colaboram com a Administração Pública,

ganhando força o terceiro setor.

Diogo de Figueiredo destaca a despolitização, a pluralização dos

interesses, a subsidiariedade e a delegação social para assentar as bases do

modelo de estado de que necessita a sociedade.1

A eliminação do conteúdo político desnecessário de decisões relativas a

interesses públicos que podem ser tomadas com vantagem por entes técnicos

ou comunitários é o que o autor chama de despolitização. Esta se combina

com pluralização dos interesses que é a identificação de alguns específicos

interesses para o atendimento dos quais não há necessidade de instaurar-se

debate político, pois poderão ser mais bem atendidas com decisões exclusiva

ou predominante técnicas.

A despolitização se combina também com a subsidiariedade, que tem

como núcleo reconhecer a prioridade da atuação dos corpos sociais sobre os

corpos políticos no atendimento de interesses gerais, devendo estes últimos

atuar somente depois que a sociedade, em seus diversos níveis de

organização, vier a necessitar. Isto aponta para a delegação social como forma

de devolver à sociedade organizada todas as atividades que, não obstante

serem de interesse público, possam dispensar tratamento político-burocrático

nem demandem ordinariamente o emprego do aparelho estatal. O Poder

Público retrai-se a uma atuação subsidiaria da atividade gestora das entidades

1 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: 2001, p. 187.

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privadas, sempre que estas possam apresentar superiores condições de

eficiência.

É sabido que o Estado Brasileiro não consegue, sozinho, atender aos

anseios da população, sabe-se, também, que o sistema normativo deve, entre

outras coisas, promover a solidariedade. É forçoso reconhecer que as

entidades do terceiro setor podem desempenhar papel significativo nas lacunas

da ação estatal. Todavia, não devem agir de maneira substitutiva ou

excludente.

As entidades do terceiro setor são identificadas como entidades de

utilidade pública, que são títulos jurídicos que podem ser conferidos, suspensos

ou retirados. Estas entidades não compõem a Administração Indireta. São,

simplesmente, entes que, sem finalidade lucrativa, representam a iniciativa

privada e são fomentadas pelo Estado. Dizer de alguma entidade que ela é de

“utilidade pública” ou “organização social” significa dizer que ela recebeu e

mantém o respectivo título jurídico.

Di Pietro aponta traços comuns a todas as entidades que compõem o

terceiro setor, quais sejam: são entidades privadas, no sentido que são

instituídas por particulares; desempenham serviços não exclusivos do Estado,

porém em colaboração com ele; recebem algum tipo de incentivo do poder

público; por essa razão, sujeitam-se a controle pela Administração Pública e

pelo Tribunal de Contas. Afirma, ainda, que seu regime jurídico é

predominantemente de direito privado, porém parcialmente derrogado por

normas de direito público. Integram o terceiro setor, porque, nem se

enquadram inteiramente como entidades privadas, nem integram a

Administração Pública, direta ou indireta.2

Assim, o terceiro setor é composto por entidades privadas que cooperam

com o governo, prestam serviço de utilidade pública, são incentivadas pelo

2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 457.

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fomento estatal e se sujeitam ao controle direto ou indireto do Poder Público.

Estas entidades apresentam características inerentes ao direito privado,

contudo apresentam alguns aspectos que as vinculam ao Estado e, por estes

motivos, a doutrina moderna as insere na categoria de entidades paraestatais.

Estudaremos adiante, separadamente, as entidades que compõem o

terceiro setor. São elas: serviços sociais autônomos; entidades de apoio;

organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público.

Embora não compondo o terceiro setor, pretendemos, num capítulo à

parte, analisarmos a estrutura das chamadas Organizações Não-

Governamentais (ONGs), eis que se engendram no vácuo criado pela omissão

do Estado principalmente em setores sociais tais como: saúde, educação,

desenvolvimento comunitário urbano e rural.

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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

É impreciso o momento do aparecimento da sociedade civil. Também é

questionável quando surgiram as organizações representativas das sociedades

civis. Apenas nos séculos XV a XIX foram formadas as instituições de

beneficência, caridade e filantropia, quando no Brasil surgiram as Santas

Casas de Misericórdia e a Cruz Vermelha.

Há informação de que o terceiro setor surgiu no século XIX nos países

centrais, principalmente na Europa, como alternativa ao capitalismo, com

raízes ideológicas heterogêneas, do socialismo ao liberalismo. Entretanto, os

movimentos socialistas e comunistas abandonaram cedo os preceitos e

objetivos da chamada “economia social” em favor de outros considerados mais

avançados e mais eficazes na construção de uma alternativa ao capitalismo.

Os novos movimentos sociais e suas organizações não-governamentais

vinculadas apareceram nas décadas de 60 e 70 do século XX, sendo que no

Brasil estas organizações surgiram apenas com a redemocratização paulatina

nas décadas de 70 e 80. Nesta época os movimentos sociais e as ONGs

tinham estratégia de enfrentamento/negação ou de demanda/pressão dirigida

ao Estado, com financiamento externo condicionado. Com o fim das ditaduras

e a crescente retirada da ajuda das agências internacionais, muitos dos

movimentos entram em crise.

Mas apenas no final da década de 70 e início da década de 80, surgiu o

termo “terceiro setor” e conseqüentemente as entidades que o compõem, que

tomou força com o discurso de que o Estado Social não tinha mais condições

de executar diretamente determinados serviços à população. No Brasil, a

utilização do terceiro setor como prestador de serviços antes executados

diretamente pelo Estado ocorreu apenas na década de 90, com os Governos

de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, principalmente a

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partir da edição do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995.

Surgem as chamadas parcerias ou articulações com o Estado, com a busca de

financiamento nacional do Estado ou da “empresa cidadã”, incorporando uma

lógica gerencial e empresarial.

1.1 A Reforma Constitucional e a legislativa e as associações entre o Estado

(1º setor), o Mercado (2º setor) e o Terceiro Setor

A redefinição da noção de estado e de seus papéis, importando na

discussão de suas dimensões e relações com os agentes privados e o

denominado terceiro setor, fortalece-se, no Brasil, sobretudo com a falência do

modelo de Estado empresário que funcionou com relativo êxito até o início da

década de oitenta. A crise da dívida externa e a impossibilidade de acesso das

empresas brasileiras ao mercado financeiro internacional com a conseqüente

perda de fontes de financiamento e de capacidade de investimentos do

governo exigiram a revisão da participação do Estado na exploração da

atividade econômica, notadamente o atuar direto e autônomo, sem associar-se

aos agentes privados.

Neste país, a participação estatal direta na economia desenvolve-se

desde a colonização (com incursões da Coroa na produção de bens e na

prestação de serviços) passando pelo período imperial (em que os

investimentos estrangeiros atraiam a atuação estatal como garantia dos

negócios) e por toda a história da República Federativa do Brasil.

Embora em cada período tenha características diferentes e seja

fundamentado por ideologias diversas, fato é que essa intervenção do Estado

na economia sempre ocorre de forma direta e marcada pela criação de entes

autônomos, como as empresas estatais, as autarquias e as empresas de

economia mista.

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A partir da década de oitenta, depois de períodos de expansão e

estagnação econômica, passa-se a discutir e implementar a reforma do estado

brasileiro mudando-se a Constituição e a legislação infraconstitucional. Então,

no governo Figueiredo, começa a ser implantado um programa de

desestatização da economia. No governo Collor há abertura do mercado para

investimentos e comércio exteriores. Governos posteriores vão promover a

modernização das instituições econômicas, a privatização das estatais, a

regulação do exercício da economia de mercado e a reforma da administração

pública.

Desde o ano de 1988 o Brasil é regido por uma nova Constituição

Federal que sofreu inúmeras emendas objetivando a inserção do país no

cenário econômico internacional. Em 1990 inicia-se o Programa Nacional de

Desestatização instituído por meio de medidas legislativas que prevêem

modalidades operacionais e órgãos gestores, com funções definidas. Isso

requer ampla reforma legislativa.

O modelo implantado pressupõe o atuar conjunto dos agentes privados,

da administração pública e do terceiro setor. Constroem-se instrumentos

jurídicos para regular a participação dos agentes privados e do terceiro setor na

economia e na administração da coisa pública. Criam-se mecanismos de

associação entre os diferentes setores. A eficácia dos instrumentos jurídicos na

consecução do bem público depende da efetiva realização das políticas que

pretendem implementar, da consonância deles com o ordenamento vigente e

do respaldo social que tenham aquelas. O resultado deve confrontar-se com a

estruturação do modelo político.

Do ponto de vista da ordem constitucional, observa-se que as Cartas de

1824 e 1891 tiveram orientação liberal. A Constituição do Império buscou

garantir formalmente, junto com a plenitude do direito de propriedade, a

liberdade de indústria, comércio e trabalho e a liberdade de contratar,

constantes do Capítulo II, “Dos direitos individuaes ou naturaes” e do Título 8º,

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‘Dos direitos dos brasileiros “. A Constituição de 1891 fez a opção formal pelo

regime liberal ao estabelecer o afastamento do Estado da atividade

econômica”.

Explicam os estudiosos que, depois de a primeira guerra mundial,

tornou-se necessária, politicamente, a implantação de um modelo de Estado

alheio às relações socioeconômicas. A sociedade e o Estado viram ampliados

suas finalidades, e se obrigaram a dirigir suas ações informadas por valores

sociais.

No Brasil, a partir da Revolução de 30 instituiu-se um modelo estatal de

superação das oligarquias, voltado à conquista da auto-suficiência nacional

pelo fortalecimento da economia interna. Fortalece-se a promoção do setor

industrial, agora caracterizado pelo surgimento de um núcleo de indústrias de

bens primários. Há a conscientização da escassez de capital e das deficiências

técnicas e culturais relacionadas às atividades econômicas, bem como da

necessidade de melhorias das condições sociais. A intervenção do Estado na

economia nesse período está fundamentalmente voltada à industrialização e à

emancipação socioeconômica.

A Constituição Brasileira de 1934 inspirou-se nas primeiras

Constituições econômicas do início do século passado, como a Mexicana de

1917 e a Alemã de 1919. Essa Constituição atendeu em maior grau aos

anseios das classes trabalhadoras dentro da ordem capitalista em que se

assegura a propriedade privada dos meios de produção, a liberdade de

iniciativa e de concorrência. Pretendia estabelecer um programa de

modificação da sociedade dentro da concepção de um Estado forte sensível às

questões sociais. Sob a égide dessa Carta não se chegou à elaboração de

instrumentos jurídicos para a concretização dessa postura interventiva

pretendida.

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Na década de quarenta, aumenta a intervenção direta do Estado na

Economia, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial (1940-1945). Nesse

período o Estado atua no setor produtivo, ressaltando-se nos setores de

segurança nacional, ou as denominadas “necessidades estratégicas”

Depois do Estado Novo as políticas adotadas visavam à implementação

da indústria como única possibilidade de desenvolvimento, viabilizada por um

Estado fornecedor de infraestrutura física e suporte financeiro. O Estado

reforça sua situação de empresário.

Na década de cinqüenta, estabelece-se um Plano de Metas cuja

proposta é a industrialização rápida financiada pela transferência de recursos

para os setores da indústria, por meio de capital estrangeiro e sob a forma de

investimento direto de capital de risco.

Entre 1961 e 1967, o país atravessa período recessivo. Após o Governo

de Goulart, seguido do golpe militar, enfatiza-se na política econômica a

iniciativa privada com atração do investimento estrangeiro. A presença

marcante do Estado na iniciativa privada continua com a criação de muitas

empresas estatais para atuarem na produção de bens e serviços.

A Reforma administrativa governamental, realizada em 1967,

estabeleceu procedimentos diferenciados para a administração direta e indireta

e criou normas para o funcionamento das autarquias, empresas públicas e de

economia mista. As empresas passam a ter por fim o lucro e aumento de

participação na economia. Segue-se a esse período o chamado “milagre

brasileiro” que perdura até meados da década de setenta e que tem origem

acima de tudo, na anterior ampliação de investimentos do Estado. Continua a

ampliar-se à intervenção econômica do Estado pela criação de empresas

estatais. Há uma expansão significativa no número de empresas federais,

estaduais e de subsidiárias dessas.

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O Estado, enquanto agente econômico, substitui o ente privado em

vários setores.

Na última década busca-se a redefinição da noção de Estado e de seus

papéis, importando na discussão de suas dimensões e relações com os

agentes privados e o denominado terceiro setor. Por outro lado a crise da

dívida externa e a impossibilidade de acesso das empresas brasileiras ao

mercado financeiro internacional, com a conseqüente perda de fontes de

financiamento e de capacidade de investimentos do governo, exigiram a

revisão da participação do Estado na exploração da atividade econômica,

notadamente o atuar direto e autônomo, sem associar-se aos agentes

privados. Revela-se aí campo propício para as privatizações e parcerias do

Estado.

1.2 Os valores consolidados na reforma do Estado brasileiro

A década de oitenta marca no Brasil um período de aberturas política e

econômica que anunciam uma nova era de relações internas e externas para o

país. Nos anos oitenta e noventa, produziram-se profundas mudanças

constitucionais, não só no Brasil, mas em muitos países da América Latina,

sobretudo nos países que viveram sob regimes de ditaduras militares fundadas

em doutrinas de segurança nacional. Houve reestruturação das bases

constitucionais tendo por fim não só sustentar a transição dos regimes

autoritários para governos democráticos como também a transição econômica

de modelos econômicos caracterizados por forte intervencionismo estatal e

economias amplamente regulamentadas para modelos neoliberais em que se

estabelece a desregulação e se revêem as relações Estado-mercado.

A Carta constitucional brasileira de 1988, como não poderia deixar de

ser, serviu à reestruturação do Estado e à democratização, rompendo com o

autoritarismo legado pelo poder militar. Assegurou ela direitos sociais, coletivos

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e individuais. Como resultado de transição de regimes políticos abrigou valores

advindos de ideologias diversas, o que se evidenciou sobremaneira no capítulo

que trata da ordem econômica. Viabilizou a coexistência de valores do

liberalismo e do socialismo econômicos que têm repercussão no sistema

econômico que se instaura com o artigo 170.

No modelo vigente ganham autonomia e poder os entes associativos

que estruturam a sociedade civil.

Nessa nova ordem política, o Estado segue regulando muitos campos

por métodos de intervenção que pressupõem economia de mercado, dever de

aperfeiçoamento dos processos democráticos e novas relações com a

sociedade civil, por meio de seus entes organizativos. Impõe-se a reforma

administrativa que se consolida por mudança de paradigmas na administração

pública.

Uma nova concepção de Estado tem-se a partir dos valores

consolidados na Constituição Brasileira de 1988 e suas emendas. O exercício

da democracia nesse novo Estado pressupõe, além da estrita observância da

norma jurídica por esse sujeito, da criação pela sociedade civil de órgãos de

colaboração, controle e intervenção na vida estatal.

Em 1995 foram divulgados os ideais gerenciais a serem implantados no

aparelho estatal brasileiro com a elaboração do Plano Diretor do Aparelho do

Estado. Nos últimos anos o discurso dominante na Administração Pública é de

que o Estado deve ser apenas regulador das relações sociais, pois está falido e

não tem mais condições de executar diretamente os serviços públicos,

cabendo a ele financiar; fomentar o terceiro setor, para que este passe a

prestar os serviços sociais, de forma gerencial, com muito mais eficiência,

longe da burocracia e corrupção existente na esfera estatal, e, portanto, com

mais controle social.

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O Plano Diretor da Reforma administrativa propôs a participação da

sociedade civil em diferentes esferas, consolidando quatro núcleos de atuação

do Estado, entre os quais o estratégico, das atividades exclusivas, dos serviços

não exclusivos e o de produção de bens e serviços para o mercado. O núcleo

estratégico é encarregado das funções estatais fundamentais (elaboração de

leis, definição de políticas públicas, coerção legal), as agências executivas

incumbem-se das atividades exclusivas e as organizações sociais das não

exclusivas.

As organizações sociais ganham autonomia enquanto mecanismos de

transferência de atividades do Estado. Reconhecem-se procedentes as críticas

à legislação no que diz respeito à discricionariedade do poder público para

proceder à qualificação das entidades, a possibilidade de absorção da

atividade de atividade pública extinta, considerado privatização dos espaços

públicos, dispensa de licitação para contratação com a Administração direta e

indireta entre muitas outras. Há evolução no que diz respeito ao regime

jurídico, que, embora de direito privado informa-se por princípios de direito

público, como o da publicidade, da moralidade, da impessoalidade. O prestígio

das associações, das organizações não governamentais e de outros entes

representantes da sociedade civil, evidencia-se, notadamente a partir da

Constituição de 1988, na autonomia para defesa dos direitos de seus

representados e no poder de interferência em setores de interesse do país.

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2 ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR

2.1 Serviços Sociais Autônomos

São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, destinadas

a propiciar assistência social, médica ou ensino à população ou a certos grupos

profissionais. Elas não prestam serviços públicos, mas realizam atividades

privadas de interesse público, de interesse da coletividade.

Essas entidades podem revestir-se das mais variadas formas:

associações, sociedades civis, fundação, criadas segundo o modelo ditado

pelo Direito Civil, mas distinguem-se pelo poder de exigirem contribuições de

certos obrigados (industriais comerciantes), são instituídas por lei conforme

previsto no art. 149 da Lei magna. Não devem ter uma finalidade lucrativa.

Podem gerar lucros, mas eles devem ser investidos na própria entidade. A lei

autoriza a criação dessas pessoas e elas podem ser efetivamente criadas até

mesmo por entidades privadas, como, por exemplo, pela Confederação

Nacional do Comércio.

O SENAI, o SENAC, o SESI, e o SESC, a par de outros como SEST,

SENAR e SEBRAE, são entidades que por força de legislação específica foram

criadas e organizadas e ainda são dirigidas pelas respectivas confederações.

Essas entidades, entes privados de cooperação da Administração Pública,

genericamente denominadas Serviços Sociais Autônomos, foram criadas

mediante autorização legislativa federal, mas não prestam serviços públicos,

nem integram a Administração Pública Federal direta ou indireta, ainda que

dela recebam reconhecimento e amparo financeiro. Exercem, isto sim,

atividades privadas de interesse público. São dotadas de patrimônio e

administração próprios. Não se subordinam à Administração Pública Federal,

apenas se vinculam ao Ministério cuja atividade, pela natureza, mais se

aproxima das que desempenham, para controle finalístico e prestação de

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contas. Sobrevivem essencialmente com o recebimento de receitas tributárias

instituídas com fulcro no art. 149 da Constituição da República. A arrecadação

é feita pelo INSS, mas nada impede que, mediante lei, outra pessoa jurídica

passe a ter capacidade tributária para promover essa cobrança. É interessante

observar que qualquer ente da Federação pode criar serviço social autônomo,

porém, por força do art. 149 da Constituição, somente a União pode instituir

contribuições sociais utilizadas no custeio desses serviços. Assim, para que

outro ente crie um serviço social será necessário criar outra forma de custeio.

O vínculo que celebram com seus empregados é o celetista e não são

selecionados por concurso público. Di Pietro defende que essas entidades, por

gozarem de uma série de privilégios, deveriam realizar algum tipo de processo

seletivo para a escolha de seu pessoal. Para fins penais, os funcionários são

equiparados aos funcionários públicos, nos termos do § 1º, do art. 327, do

Código Penal. Os atos de seus dirigentes, conforme a natureza, podem ser

atacados por mandado de segurança. Esses atos e os contratos celebrados, se

lesivos ao patrimônio da entidade, podem ser contestados por ação popular. As

ações judiciais são apreciadas pela Justiça Estadual, conforme previsto na

Súmula 516 do STF. Os serviços sociais estão subordinados ao controle do

Tribunal de Contas e, embora não estejam sujeitas aos procedimentos

específicos da Lei 8.666/93, devem observar os princípios da licitação.

2.2 Organizações Sociais (OS)

Conforme a Lei 9.637/98, o Poder Executivo federal poderá qualificar

como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins

lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao

desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à

cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos no art. 2º da mesma Lei.

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Nenhuma entidade nasce com o nome de organização social; a entidade

é criada como associação ou fundação e, habilitando-se perante o poder

público, recebe a qualificação que é um título jurídico outorgado e cancelado

pelo poder público.

O ato de qualificação é discricionário, pois cabe ao Ministro ou titular do

órgão superior ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto

social da entidade privada passível de ser organização social, e da autoridade

indicada em substituição ao Ministro de Estado e da Administração Federal e

Reforma do Estado. A Administração Pública que qualificou a associação civil

ou a fundação privada como organização social pode desqualifica-la em razão

do descumprimento das cláusulas do contrato de gestão.

Maria Sylvia aponta as seguintes características na organização social3:

a) é definida como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos;

b) criada por particulares, deve habilitar-se perante a Administração Pública, para obter a qualificação de organização social; ela é declarada pelo artigo 11 da Lei nº 9.637/98, como “entidade de interesse social e utilidade pública”;

c) ela pode atuar nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde;

d) seu órgão de deliberação superior tem que ter representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral;

e) as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social são definidas por meio de contrato de gestão, que deve especificar o programa de trabalho proposto pela organização social, estipular as metas a serem atingidas, os respectivos prazos de execução, bem como os critérios objetivos de avaliação de desempenho, inclusive mediante indicadores de qualidade e produtividade;

f) a execução do contrato de gestão será supervisionada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada; o controle que sobre ela se exerce é de resultado;

g) a ajuda pelo Poder Público poderá abranger as seguintes medidas: destinação de recursos orçamentários e bens necessários ao cumprimento do contrato de gestão, mediante permissão de uso, com dispensa de licitação; cessão especial de servidores públicos, com ônus para a origem; dispensa de

3 DI PIETRO. op. cit., p. 462

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licitação nos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Administração Pública e a organização social;

h) a entidade poderá ser desqualificada como organização social quando descumprir as normas de contrato de gestão.

A relação jurídica entre a organização social e a Administração Pública é

regida por um contrato de gestão. A utilização da expressão “contrato de

gestão” para ilustrar o instrumento que regerá a relação entre o estado e a

organização social tem sido severamente criticada. Isto porque, enquanto

“contrato administrativo” deveria observar princípios como os da licitação e

impessoalidade. Na realidade, não existe um autêntico contrato, há sim um

pacto envolvendo interesses comuns em regime de cooperação. Para alguns

doutrinadores a natureza jurídica dos contratos de gestão se aproxima do

convênio e do termo de parceria.

Contratos de Gestão

O contrato de gestão entre a Administração Pública e as organizações

sociais é regulado pela Lei 9.637/98, que o define como “o instrumento firmado

entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com

vistas à formação de parceria entre as partes para o fomento e execução de

atividades”.

O objetivo maior dos contratos de gestão é a observância do princípio da

eficiência introduzido no artigo 37 da Constituição Federal pela Emenda

Constitucional nº 19.

Precipuamente, todos os contratos de gestão deverão conter, no

mínimo: 1- a forma como a autonomia será exercida; 2- metas a serem

cumpridas pelo órgão ou entidade no prazo estabelecido no contrato; 3-

controle de resultado.

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Qualificada a entidade como organização social, esta poderá firmar

contrato de gestão com o Poder Público qualificador, de comum acordo, para a

formação de parceria para o fomento e execução das atividades de ensino,

pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do

meio ambiente, cultura e saúde.

Para o cumprimento do contrato de gestão, poderão ser repassados à

organização social recursos orçamentários e bens públicos. Estes bens

públicos, segundo o art. 11, § 3º, da Lei 9.637/98, serão repassados à entidade

qualificada por dispensa de licitação, mediante permissão de uso, conforme

clausula do contrato de gestão. Além disso, o Poder executivo poderá ceder

servidores para as organizações sociais, com ônus para os cofres públicos.

Egon Bockmann Moreira esclarece que tem “gerado sérias dúvidas quanto à

constitucionalidade de tais ‘transferências’ [de bens e servidores]: afinal, trata-

se da utilização de bens públicos por pessoas privadas e da disponibilização de

servidores públicos para o exercício de atividades exteriores à Administração

Pública, colocando-se-os numa situação de subordinação hierárquica em

relação aos particulares”.4

Caso descumpra o contrato de gestão, a entidade qualificada como

organização social poderá ser desqualificada, após o processo administrativo,

assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Algumas inconstitucionalidades nas organizações sociais são apontadas

pela doutrina, tais como: a) desnecessidade de demonstração de habilidade

técnica ou econômico-financeira, de uma entidade que receberá bens públicos,

recursos orçamentários, servidores custeados pelo Estado, conforme a

discricionariedade da autoridade responsável, o que possibilita favorecimentos,

desdenhando-se dos princípios da isonomia e da licitação; b) a lei específica

das organizações sociais regula a matéria de forma diversa do artigo 175 da

Constituição Federal, que determina que os serviços públicos serão prestados 4 MOREIRA. Egon Bocckmann. Organizações Sociais, organizações da sociedade civil de interesse público e seus “vínculos contratuais” com o Estado. p. 266

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diretamente pelo poder público ou mediante concessão ou permissão, sempre

através de licitação; c) saúde e educação são deveres do Estado. Assim as

organizações sociais só poderiam existir complementarmente, sem que o

Estado se demita de encargos que a Constituição lhe irrogou; d) não podem, as

organizações sociais, receber bens públicos e servidores públicos, a custa do

erário, sem um processo regular em que se assegure igualdade a quaisquer

interessados em obter tais benesses; e) não pode o servidor ser obrigado a

trabalhar nas organizações sociais e, mesmo descartada tal compulsoriedade,

não se admite que o Estado seja provedor de pessoal de entidades

particulares.

No dizer de Maria Sylvia5:

“Para que a organização social se enquadrasse adequadamente nos princípios constitucionais que regem a gestão do patrimônio público e que existem exatamente para proteger esse patrimônio, seria necessário, no mínimo: a) exigência de licitação para a escolha da entidade; b) comprovação de que a entidade existe, tem sede própria, patrimônio, capital, entre outros requisitos exigidos para que uma pessoa jurídica se constitua validamente; c) demonstração de qualificação técnica e idoneidade financeira para administrar o patrimônio público; d) submissão aos princípios da licitação; e) imposição de limitações salariais quando dependam de recursos orçamentários do Estado para apagar seus empregados; f) prestação de garantia tal como exigida nos contratos administrativos em geral, exigência essa mais aguda na organização social, pelo fato de ela administrar patrimônio público.”

2.3 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

As organizações da sociedade civil de interesse público foram instituídas

e reguladas pela Lei federal nº 9.790/99, que dispõe sobre a qualificação de

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público e disciplina o Termo de Parceria.

5 DI PIETRO. op. cit., p. 464

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O ato estatal de deferimento da classificação como OSCIP caracteriza-

se como ato vinculado. Uma vez preenchidos os requisitos legais para o seu

deferimento, a Administração Pública não a poderá negar. Ao Ministério da

Justiça cumpre tão-somente avaliar o cumprimento dos requisitos legais, sendo

descabida qualquer avaliação de conveniência ou oportunidade para o

consentimento estatal em relação à qualificação. Com isso, também não se

admite a revogação da qualificação por conveniência ou oportunidade. A

desqualificação somente deve ocorrer se houver descumprimento dos

requisitos legais para a manutenção da qualidade de OSCIP.

O artigo 2º da Lei 9.790/99 veda expressamente a qualificação de

determinadas pessoas jurídicas como OSCIP, tais como: sindicatos,

organizações sociais, organizações partidárias, cooperativas, escolas privadas,

dentre outras. Já as atividades a serem desempenhadas pelas OSCIPs

encontram-se previstas no artigo 3º, como por exemplo: promoção de

assistência social, da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e

artístico, da educação, da segurança alimentar e da paz.

Um termo de parceria é celebrado para regular a relação entre a

Administração e a OSCIP. Diversamente do que ocorre com as organizações

sociais, o Poder Público não tem necessariamente representantes na direção

da OSCIP, a participação é apenas facultativa. Além da previsão contida no

parágrafo único do artigo 4º da Lei 9.790/99, que admite a participação de

servidores no conselho da OSCIP, o referido diploma legal não trata

expressamente da cessão de servidores, o que não impossibilita que o termo

de parceria autorize a cessão com ônus para a instituição de origem.

Termo de Parceria

O termo de parceria é o instrumento firmado entre a Administração

Pública e as OSCIPs, que forma vínculo de cooperação entre ambas, para o

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fomento e a execução das atividades de interesse público definidas na Lei

9.790/99.

Nele devem constar os direitos, responsabilidades e obrigações dos

parceiros, sendo cláusulas essenciais: a do objeto com todas as especificações

do programa de trabalho proposto pela OSCIP; a de estipulação das metas e

dos resultados a serem atingidos e os prazos de execução ou cronograma; a

de previsão dos critérios de avaliação de desempenho a serem utilizados,

mediante indicadores de resultados; a de previsão de receitas e despesas a

serem utilizadas em seu cumprimento, inclusive pagamento de pessoal, a

serem pagos com recursos advindos da parceria; a que estabelece as

obrigações da OSCIP, entre as quais a de apresentar relatório sobre a

execução do objeto da parceria, com o comparativo de metas/resultados

alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e receitas

efetivamente realizados; a de publicação, na imprensa oficial, da esfera de

alcance das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a OSCIP, do

extrato do termo de parceria e de demonstrativo da sua execução física e

financeira, conforme modelos constantes dos anexos I e II do Decreto nº

3.100/99, sob pena de não liberação dos recursos previstos no termo.

A natureza jurídica dos termos de parceria, como ocorre em relação aos

contratos-de-gestão, é tema divergente na doutrina. Há quem os classifiquem

como contrato, outros os têm como semelhantes ao convênio e há quem diga

que podem comportar inúmeras figuras jurídicas dependendo do caso

concreto.

2.4 Entidades de Apoio

Além dos serviços sociais autônomos e das entidades previstas nas Leis

9.637/98 e 9.790/99, existem outras pessoas jurídicas que também apóiam a

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Administração Pública no exercício de suas atividades primordiais,

principalmente as de ensino.

Em relação a essas pessoas não há um tratamento consolidado como

aquele existente para as demais integrantes do terceiro setor. Essas entidades

vêm sendo criadas na prática pelos particulares sem uma regulamentação

precisa.

No âmbito federal, a Lei 8.958/94 dispõe sobre a relação jurídica entre

as instituições de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as

fundações de apoio. As fundações de Apoio são pessoas jurídicas de direito

Privado, regidas pelo disposto a respeito no Código Civil (arts. 62 a 69) e na lei

federal mencionada. Não fazem parte da Administração Pública direta ou

indireta. São entidades sem fins lucrativos, e os membros de sua diretoria e de

dos conselhos não podem ser remunerados pelo exercício dessas atividades.

Os cargos da diretoria e dos conselhos das fundações de apoio podem ser

ocupados por servidores da instituição apoiada, sem prejuízo de suas

atribuições funcionais, se devida e previamente autorizados.

O vínculo jurídico criado entre a Administração e a entidade se dá

normalmente mediante convênio, que terá, entre outras funções, a de dispor

acerca da utilização de bens públicos e da cessão de servidores.

O patrimônio das entidades de apoio é patrimônio privado. Seus bens

não se confundem com os bens públicos, muito embora as entidades de apoio

comumente utilizem bens públicos no desempenho de suas funções.

As entidades de apoio, como entidades privadas que são, não precisam

observar o procedimento da Lei 8.666/93. Porém, no âmbito federal, a Lei

8.958/94 limitou a liberdade das entidades nesse ponto. As entidades de apoio

previstas nessa lei deverão, na execução de convênios, contratos, acordos ou

ajustes que envolverem a aplicação de recursos públicos, observar a legislação

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federal que instituiu normas para licitações e contratos da Administração

Pública, ou seja, a Lei 8.666/93. Os contratos celebrados pelas entidades que

envolvam recursos públicos estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas

da União e pelo órgão de controle interno competente.

Convênio

O convênio é uma ferramenta da qual pode o poder público lançar mão,

com o objetivo de unir esforços com outras entidades públicas ou privadas para

buscar um bem comum. No convênio procura-se otimizar o potencial de cada

conveniado participante, para alcançar uma meta de maneira mais qualificada

possível, reduzindo-se tempo e custos daqueles envolvidos.

Convênio quando firmado com entidade privada é uma atividade de

fomento, onde o Estado deixa a atividade na iniciativa privada desenvolver

diretamente as atividades inerentes ao desempenho do serviço a ser prestado,

mantendo-se apenas como incentivador da atividade através de auxílios

financeiros, financiamentos, favores fiscais, etc.

O art. 116 da Lei 8.666/93 estabelece que as disposições desta lei

aplicam-se, no que couber, aos convênios administrativos, assim como em

outros instrumentos de mesma natureza (acordos, ajustes). O Decreto

93.872/86 dispõe sobre os convênios federais nos arts. 48 a 57.

Quanto à natureza jurídica do convênio, o STF, o TCU e a doutrina

majoritária entendem que convênio é acordo, mas não é contrato. De modo

geral, os estudiosos definem naturezas diferentes para os contratos e os

convênios pela falta de semelhança dos objetivos e demais características dos

dois institutos.

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3 ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG)

Embora haja divergência na doutrina jurídica quanto a classificar a

Organização Não-Governamental como componente do terceiro setor, não

podemos deixá-la à margem nesse estudo eis que se engendram no vácuo

criado pela omissão do Estado principalmente em setores sociais tais como:

saúde, educação, desenvolvimento comunitário urbano e rural.

A expressão Organização Não-Governamental surgiu pela primeira vez

na Organização das Nações Unidas (ONU), após a segunda guerra mundial,

com o uso da denominação em inglês “Non-Governmental Organizations

(NGOs)”, para designar organizações supranacionais e internacionais que não

foram estabelecidas por acordos governamentais.

No Brasil, a expressão era habitualmente ligada a uma gama de

instituições que começaram a surgir nas décadas de 70 e 80, como apoio a

organizações populares com o intuito de promoção da cidadania, de defesa de

direitos e de luta pela democracia. As primeiras ONGs brasileiras, portanto,

surgiram da sintonia com as demandas e dinâmicas dos movimentos sociais.

Ao longo da década de 90, no entanto, com o surgimento de novas

organizações privadas sem fins lucrativos, o termo ONG passa a ser utilizado

por um grande universo de instituições que, por muitas vezes, não mantém

muitas semelhanças entre si.

De acordo com um estudo realizado pela consultoria do Senado Federal

em 1999,

ONG seria um grupo social organizado, sem fins lucrativos, constituído formal e autonomamente, caracterizado por ações de solidariedade no campo das políticas públicas e pelo legítimo

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exercício de pressões políticas em proveito de populações excluídas das condições da cidadania.6

Segundo Hebert de Souza:

“uma ONG se define por sua vocação política, por sua positividade política: uma entidade sem fins lucrativos cujo objetivo fundamental é desenvolver uma sociedade democrática, isto é, uma sociedade fundada nos valores da democracia – liberdade, igualdade, diversidade, participação e solidariedade. (...) As ONGs são comitês da cidadania e surgiram para ajudar a construir a sociedade democrática com que todos sonham”.7

Não existe na legislação brasileira o conceito de ONG. Todas as

instituições assim denominadas são legalmente reconhecidas como entidades

de natureza privada sem fins lucrativos, podendo ser associações ou

fundações. Essas organizações podem pleitear a obtenção de títulos ou

qualificações como o de utilidade pública ou de interesse público. No entanto,

sob o aspecto jurídico, a característica básica é ser associação ou fundação.

A falta de um marco legal para as ONGs suscitou uma iniciativa voltada

para sua demarcação. Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados

uma proposta de criação de um cadastro de ONGs, que seria administrado

pelo Ministério da Justiça. Trata-se do Projeto de Lei – PL nº 3877/2007,

aprovado pelo Senado Federal como Projeto de Lei nº 07 de 2003. Foram

apensados a esse projeto duas iniciativas com propósito semelhante: o PL

2312/2003 e o PL 3481/2004. No cabeçalho do referido projeto está escrito que

ele “Dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das Organizações Não

Governamentais e dá outras Providências”.

Apesar de se tratar de um fenômeno mundial, as ONGs brasileiras têm

se destacado de forma especial pelo crescimento observado, tanto na

6 Citação retirada do site da ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais. Disponível em :<(www.abong.org.br). Acesso em junho de 2007. 7 Citação retirada do site da ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais. Disponível em :<(www.abong.org.br). Acesso em junho de 2007.

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quantidade de organizações existentes quanto na dimensão assumida pelos

trabalhos por elas promovidos, pelo volume de recursos mobilizados e pelo

número de pessoas empregadas, dentre outros indicadores. Essas instituições

ocuparam nas últimas décadas um lugar de grande destaque na sociedade

brasileira.

As ONGs mobilizam recursos através de parcerias com agências de

cooperação internacionais, parcerias com órgãos governamentais,

contribuições associativas, doações individuais, doações de empresas e

utilização de mecanismos de auto-sustentabilidade.

As ONGs e outras organizações da sociedade civil são alvo de dois tipos

de críticas relativas à organização do Estado Brasileiro: 1) as ONGs são

instrumento da política neo-liberal das funções do Estado e, 2) as ONGs são

beneficiárias de desvios de recursos públicos.

Teoricamente as ONG seriam organizações autônomas, sem vínculos

com o governo, voltadas para o atendimento das necessidades de

organizações de base popular, complementando a ação do Estado. Na prática,

porém, tanto a autonomia quanto a ação complementar têm sido fortemente

contestadas.

No entendimento de alguns estudiosos, a participação das ONGs nas

atividades governamentais no Brasil divide-se em três distintos períodos:

durante os governos militares, mantiveram-se independentes do Estado,

limitando-se a um trabalho de base. Nessa época, o compromisso fundamental

era com o fortalecimento da sociedade civil. No processo de redemocratização

passaram a atuar principalmente no apoio aos movimentos sociais, buscando o

estabelecimento de controle dos recursos públicos e das políticas sociais. A

partir da década de 1990, passaram a atuar como parceiros do poder público

no enfrentamento dos diversos problemas sociais.

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O tipo de relacionamento mantido pelas ONGs com o governo,

atualmente observado, consolidou-se a partir do governo Fernando Henrique.

Até o governo Collor, as ONGs brasileiras mantinham, em sua maioria, um

posicionamento contrário ao Estado que consideravam autoritário. No período

do governo Fernando Henrique a relação modificou-se. As ONGs que antes

exerciam um papel de pressão e reivindicação junto ao Estado foram

chamadas a assumirem sua “responsabilidade social” com os menos

favorecidos, atuando como parceiras das ações não governamentais.

A redução da atuação do Estado verificada nos últimos anos seria uma

das principais causas do crescimento das ONGs brasileiras? Embora a

resposta a essa pergunta seja especulativa, há indícios de que a resposta seja

positiva, pelo menos, é no que acredita a maioria dos que dissertam sobre o

tema.

O fato é que as ONGs se comportam como provedoras de bens

coletivos, buscando suprir demandas da sociedade quando o Estado se mostra

incompetente para fazê-lo.

Os críticos apontam uma relação entre o crescimento das ONGs e o

encolhimento do Estado e denunciam a privatização do Estado por meio das

ONGs, há contudo quem perceba virtudes nesse processo. Nessa outra visão,

o relacionamento entre o Estado e as ONGs revela uma mudança ideológica

na forma de se conceber o Estado e a Administração Pública. No lugar do

Estado prestador de serviços, o que se deseja, no novo modelo, é o Estado

que estimula, que auxilia e subsidia a iniciativa privada.

A redução da atuação do Estado não é, todavia, o único fator que tem

contribuído para o crescimento das ONGs brasileiras. Há empresas privadas

que têm investido em parcerias com organizações não-governamentais para,

por meio dessas, realizar trabalhos que favoreçam a reputação de socialmente

responsáveis, ou usufruir benefícios fiscais. Há, ainda, organizações

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internacionais de fomento ao desenvolvimento social dos países menos

favorecidos que contribuíram fortemente para o desenvolvimento social dos

países menos desenvolvidos.

Os críticos das ONGs apontam a utilização dessas organizações como

instrumento de obtenção de vantagens pessoais. Afirmam que algumas delas

são constituídas com o exclusivo propósito de enriquecimento de seus

dirigentes e outras são utilizadas por políticos clientelistas para fortalecerem

suas bases eleitorais por meio de pseudos centros-sociais.

Para combater os problemas apontados, necessária se faz a criação de

uma legislação que trate especificamente das ONGs permitindo uma maior

fiscalização e controle social do uso dos recursos públicos.

Como qualquer pessoa jurídica, as ONGs são civilmente responsáveis

pelos atos ilegais que praticam. Seus dirigentes também são responsáveis

pelos atos ilegais que praticarem, assim como pelos atos contrários ao Estatuto

Social ou cometidos por excesso de mandato, inclusive atos criminosos. Há

inúmeros mecanismos legais (tributários, civis, penais) que estabelecem

sanções para as ilegalidades cometidas por qualquer pessoa jurídica ou física,

sendo que para as ONGs que recebem recursos públicos esses mecanismos

são especialmente complexos. Cumpre lembrar que o Ministério Público é

competente para investigar e denunciar qualquer irregularidade cometida por

uma ONG que lese o interesse público.

Temos visto essas organizações avançando na prestação de serviços

públicos ao mesmo tempo em que o aparelho estatal recua nos mesmos

serviços e, sendo isso bom ou não, é inegável que por vezes as ONGs se

apresentam como substitutas da ação governamental no campo do

desenvolvimento social.

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4 RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELOS ATOS DAS ENTIDADES DO

TERCEIRO SETOR

A responsabilidade civil do Estado diz respeito à obrigação a este

imposta de reparar danos causados a terceiros em decorrência de suas

atividades ou omissões.

No que tange à responsabilidade civil do Estado praticada por ato de

entidade do terceiro setor, as Leis 9.637/98 e 9.790/90 são omissas em relação

ao tema e, por este motivo, a atenção deve ser voltada para o texto

constitucional. A Constituição Federal de 1988, artigo 37, § 6º dispõe que “As

pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa

qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o

responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Pelo teor do dispositivo citado, podemos verificar que em caso de

prejuízo ou dano causado por agentes no exercício da atividade, ou seja, pela

prestação do serviço público, a pessoa jurídica responsável pela prestação do

serviço deverá responder pelos danos causados por seu agente, pouco

importando se o prestador de serviço seja pessoa jurídica de direito público ou

privado. A responsabilidade será objetiva, sem prejuízo do direito de regresso.

Há de se observar, porém, que as entidades do terceiro setor atuam

incentivadas pelo fomento público. Exercem atividades de interesse público ou

de utilidade pública e o fazem em regime de cooperação com o Estado,

cooperação essa concretizada por meio de termo de parceria, contrato de

gestão ou convênio. Todavia, os serviços prestados não se enquadram como

serviços públicos. O que temos é atividade privada incentivada pelo Estado,

não se inserindo, portanto, na previsão do artigo 37, § 6º, da Constituição

Federal.

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Embora seja possível o repasse de recursos públicos para entidades do

terceiro setor, esse fato não é elemento essencial para impor responsabilidade

ao Estado, em caso de dano ou prejuízo causado a terceiro, pois as entidades

executam suas atividades em nome próprio e em regime de cooperação com o

Estado. Não agem em regime de delegação, cujos serviços a serem prestados

são de titularidade exclusiva do Estado.

Também não enseja responsabilidade do Estado o fato de a

Administração Pública possuir agentes seus no Conselho de Administração de

Organização Social ou no Conselho de OSCIP ou de qualquer outra pessoa do

terceiro setor. Para fins de atribuição da responsabilidade, inexistindo dolo ou

culpa, a vontade considerada é a do Conselho de Administração e não de cada

conselheiro isoladamente.

O art. 14 da Lei 9.637/98 autoriza a cessão de agente público para atuar

em organização social. O agente cedido passa a atuar sob a vigilância e

supervisão da OS. O Estado deixa de ter ingerência direta em relação aos atos

praticados por essas pessoas, uma vez que elas agem no interesse das

entidades cessionárias. Com isso, os atos lesivos praticados pelos agentes

cedidos devem ser reparados pelos próprios agentes ou pela organização

social e não pelo Estado que, embora temporariamente, não exerce um

controle por subordinação direto em relação ao seu agente. Os agentes

cedidos atuam, durante a cessão, em nome e sob a responsabilidade da

organização social. O Estado não responderá pelos atos dos seus agentes que

não agiram no desempenho de uma função pública e nem na condição de

agente público.

É relevante destacar que o Estado sempre responderá civilmente pelos

atos lesivos das entidades do terceiro setor quando a prática desses atos

decorrer de uma omissão específica no dever estatal de fiscalizar. Se houver

omissão específica no dever de fiscalizar o funcionamento e atividades das

organizações do terceiro setor, a responsabilidade do Estado se impõe.

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CONCLUSÃO

A compreensão do que vem a ser o terceiro setor, suas características,

desafios e forma de gestão se constitui em um desafio primordial para todos

aqueles que desejam atuar nesse contexto. As transformações políticas,

sociais, econômicas e legais, ocorridas ao longo dos últimos vinte anos,

determinaram novas diretrizes que trouxeram a necessidade de reordenamento

da estrutura funcional e organizacional dessas instituições. Em decorrência, há

a necessidade de ferramentas e instrumentos de gestão institucional

específicas ao terceiro setor. Por se constituírem em organizações da

sociedade civil que atuam com finalidade pública têm a sua especificidade de

atuação.

Nos últimos anos o discurso dominante em nossa sociedade é de que o

Estado deve ser apenas regulador das relações sociais, pois está falido e não

tem mais condições de executar diretamente os serviços públicos, cabendo a

ele financiar, fomentar o terceiro setor, o “setor público não estatal”, para que

este passe a prestar os serviços sociais, de forma gerencial, com muito mais

eficiência, longe da burocracia e corrupção existente na esfera estatal, e,

portanto, com mais democracia, com mais controle social.

No Brasil, a partir da década de 90 vimos as organizações sociais, que

até certo ponto eram contestadoras, cobradoras do Poder Público de melhores

condições de vida à população e, enfim, lutadoras pela emancipação do

indivíduo, passarem a ser parceiras do Estado, prestando serviços sociais

como educação, saúde, assistência social, cultura, entre outros, que antes, na

sua maioria, eram executadas diretamente pelo Estado.

Em nosso entender os serviços sociais, por obrigação constitucional,

devem ser executados diretamente pelo Estado, em regime de direito público.

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Em nossa realidade, o Estado necessário é um Estado provedor, prestador de

serviços públicos, que permita reduzir as desigualdades existentes.

Somos contrários à política neoliberal que adota a não intervenção na

ordem econômica e social, com gastos mínimos na área social, ou seja, um

Estado mínimo.

Não defendemos aqui um Estado responsável por todas as

necessidades da população, um Estado máximo, mas que seja o principal

responsável.

O Estado, ao deixar de prestar diretamente os serviços sociais,

repassando a execução para o terceiro setor, abstém-se de fazer uma política

social universal, com programas nacionais e regionais e constitutiva de direitos

sociais. O terceiro setor realiza uma política de ações pontuais, incapazes de

cobrir suficientemente as grandes massas em situação de exclusão. A

sociedade política está deixando de se responsabilizar pelos serviços sociais,

repassando a gestão da educação, saúde, assistência social, cultura, entre

outros, às entidades do terceiro setor, antes executados diretamente pelo

Estado.

Muito se alardeia que investindo no terceiro setor está se investindo no

voluntariado. Atualmente vemos um oportunismo das entidades do terceiro

setor, quando vão atrás de dinheiro público, para fazer caixa, pagar contas,

criar empregos, fazendo lobby junto ao Estado para obter vantagens nem

sempre legítimas, o que causa uma promiscuidade entre o Estado e a

sociedade civil.

O ideário do terceiro setor defende a desresponsabilização do Estado e

do mercado na questão social, e celebra o indivíduo capaz de resolver seus

próprios problemas, o que gera uma auto-responsabilização dos próprios

cidadãos, dos próprios sujeitos portadores de necessidades.

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Nos parece que o terceiro setor tem servido para que o Estado fuja de

suas responsabilidades constitucionais, principalmente em áreas como

educação e saúde, nas quais as entidades são utilizadas como prestadoras de

serviços sociais, fazendo com que o Estado extinga entidades da

Administração Pública, fugindo do regime jurídico administrativo, e repassando

por meio de parcerias para a iniciativa privada sem fins lucrativos os serviços

sociais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS

(ABONG). Disponível em: : (www.abong.org.br). Acesso em junho de 2007.

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES – Instituto A Vez

do Mestre

Título da Monografia: O TERCEIRO SETOR DO ESTADO GERENCIAL

BRASILEIRO

Autor: TANIA REGINA BARROS

Data da entrega: 21.07.2007

Avaliado por: Conceito: