O Rei de Amarelo - Robert W. Chambers

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Robert Chambers

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversosparceiros, com o objetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas eestudos acadmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fimexclusivo de compra futura.

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no maislutando por dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a

    um novo nvel."

  • Copyright desta edio Editora Clock Tower 2015Copyright da traduo Claudia Doppler

    Direitos reservados e protegidos pela lei 9610 de 19/02/1998

    Texto integral traduzido conforme os manuscritos originais de The King in Yellow em lngua inglesa. A obra se encontra emdomnio pblico desde o ano de 2003.

    ORGANIZAO: Denlson E. Ricci (A.k.A).TRADUO E NOTAS: Claudia Doppler.

    PREPARAO E REVISO DE TEXTOS: Allan Moraes.DIAGRAMAO: Warlen Silveira.

    DESIGNER DA CAPA: Alexandre Costa, sob ilustrao de Leander Moura e Daniel LM (fundo).ILUSTRAES INTERNAS: Daniel Lopes Mathias.

    CONSULTORIA DE MARKETING DIGITAL: Edu Costa.

    Ficha CatalogrficaBibliotecrio: William Borges da Silva - CRB-8/8244

    Chambers, Robert W. (Robert William), 1865-1933.C355r O Rei de Amarelo [recurso eletrnico] / Robert W. Chambers; organizao geral e biografia do autor Denlson E. Ricci; traduo deClaudia Doppler ; [prefcio de Elias Alberto Souza ; ilustraes Daniel LopesMathias; diagramao Augusto Seoni de Oliveira]. Jundia, SP : Clock Tower, 2015. 1 recurso eletrnico (158 p.) Traduo de: The king in yellow Inclui bibliografia e ndice e-ISBN 978-85-66519-03-7

    1. Chambers, Robert W. (Robert William), 1865-1933. 2. Fico americana. 3.Literatura fantstica. I. Ricci, Denlson E. II. Doppler, Claudia. III. Souza, EliasAlberto. IV. Mathias, Daniel Lopez. V. Oliveira, Augusto Seoni de. III. Ttulo.

    CDD: 813.52 CDU: 821.111(73)-3

  • Sumrio

    Introduo - Um estranho no Moulin RougeBiografia de Robert W. Chambers - O ltimo dos mosqueteirosO Reparador de ReputaesA MscaraNo trio do DragoO Smbolo AmareloA Demoiselle dYsO Paraso do ProfetaA Rua dos Quatro VentosA Rua Da Primeira BombaA Rua de Nossa Senhora dos CamposRue BarreApndiceUm Habitante de CarcosaA Mscara da Morte RubraCarcassonneHata, o pastorThe Strange Society of ORDAAps 120 anos...Redes sociaisColofoNotas

  • O Rei de Amarelo dedicado a meu irmo.

  • Ao longo da costa, quebram-se as nuvens em ondas,Os sis gmeos abaixo do lago se escondem,

    Estendem-se as sombrasEm Carcosa.

    Estranha a noite em que estrelas negras ascendemE luas estranhas os cus percorrem

    Mas ainda mais estranha Perdida Carcosa.

    Canes que as Hades cantaro,

    Onde os farrapos do Rei se agitam,Inauditas morrero na

    Sombria Carcosa.

    Cano da minha alma, minha voz est morta;Morras tu, no aclamada, como lgrima no derramada

    Deve secar e morrer naPerdida Carcosa.

    Cano de Cassilda em O Rei de Amarelo.Ato I. Cena 2.

  • Um estranho no Moulin Rouge

    Mais uma vez a Editora Clock Tower nos entrega um volume de qualidade de umaobra fundamental do horror, o clssico O Rei de Amarelo. Como voc deve saber, o primeirolivro foi O Mundo Fantstico de H. P. Lovecraft, e nele, abrindo o conto mais famoso doautor, encontramos a frase que define exatamente o que proponho expor nesta introduo: Acoisa mais misericordiosa no mundo, acho, a inabilidade da mente humana em correlacionartodo seu contedo.

    Era uma manh no outono de 2012. Eu caminhava pelo Quartier Latin, em Paris,enquanto observava os pintores vendendo suas obras na rua e as meretrizes fazendo comprasna feira livre. Pensava sobre como tudo aquilo parecia decadentemente artificial, criadoapenas para o turista ter uma sensao de retorno Belle poque. Mas eu estava enganado.

    Para aquela viagem me foi entregue um computador contendo mapas, dicionrios eguias. Aproveitando essa entrada na alta tecnologia, fui atrs de livros digitais que semprequis ler e que sabia estarem em domnio pblico. Um dos primeiros livros que coloquei nodispositivo foi The King in Yellow, de Robert William Chambers. A primeira vez que ouvirafalar de algo sobre sua obra foi em um conto de Lovecraft que voc encontra na mesmaantologia que mencionei acima.

    Chambers nasceu no dia 26 de maio de 1865 no estado de Nova York. De famlia nobree abastada, formou-se em arte e foi conhecer o velho mundo. Foi em Munique, no ano de 1887,que ele escreveu seu primeiro livro: In the Quarter. A obra foi publicada em 1894 e tratavade desventuras romnticas dos bomios habitantes do Quartier Latin, o famoso bairro latino demuitos bistrs, boa msica e vida cultural ativa. Esses mesmos temas e personagensretornariam na segunda edio de seu segundo livro, The King in Yellow. Dessa vez, fazendouso de um estilo futurista, o autor projeta os efeitos da chamada invaso amarela na capitalfrancesa. Alemes declarando guerra, americanos contra-atacando Entre poeira e muroscados, poetas se apaixonavam, se embebedavam e morriam sempre nas mesmas quatroruas do famoso bairro latino.

    Em um feriado de 2007, eu voltava de uma cidade prxima de onde moro. Havia levado

    um amigo oriental para presenciar uma festividade religiosa que mencionava tal livro. Meutelefone tocou dentro do carro. Nmero desconhecido e de outra regio. Atendi para ouviruma voz masculina, firme, com um sotaque no to diferente do meu. Foi assim que conheci oDenlson Ricci e sua ideia de traduzir o nefasto volume algum dia no futuro, mas s pudeconversar com ele naquela noite, quando estava tomando conta da casa de outros amigosmdio-orientais que passariam o ms fora. Eu ainda no podia imaginar quais rumos tudoaquilo tomaria, j que, ao que me parecia, esse livro j estava me possuindo, uma vez que

  • sempre me deparava com ele em qualquer lugar onde estivesse. Mas me dou conta dissoapenas agora, enquanto escrevo a introduo desse livro quase religioso. Falando em religio,um dos pontos mais importantes do livro o Smbolo Amarelo, que tem implicaesreligiosas. E no ele descrito como um pictograma chins mesclado com uma letra rabe?Pelo menos parece ser isso o que voc encontrar no conto O Smbolo Amarelo numa daspginas a seguir. Um smbolo que no pode ser possudo pelo contrrio: ele possui quem ol ou o guarda. O personagem dessa narrativa descobrir isso em uma igreja.

    J o protagonista de O Reparador de Reputaes descobrir ainda mais do que isso.Em outro futurismo de Chambers, nos Estados Unidos boatos sugerem que algum tem acesso enlouquecedora pea O Rei de Amarelo. Dessa pea nada ficamos sabendo com exceode que h um personagem misterioso que d ttulo a ela, e h um trecho da Cano deCassilda, que supostamente aparece na segunda cena do primeiro ato.

    Acredito que seja um alvio que to pouco se conhea dessa pea. No melhor estilolovecraftiano, ela arrasta seu leitor para um inferno pessoal de paranoia e alucinaes. No hinformaes de nenhum ator que tenha encenado a pea e sobrevivido. Deve ser por isso que otexto da obra foi proibido por organizaes eclesisticas em diversos pases por isso epelas menes a Carcosa, ao lago de Hali e ao inominvel Hastur.

    Aps todos esses fatos, em janeiro de 2014 eu mudava aleatoriamente de canal nateleviso quando me deparei com uma srie original de uma conhecida programao a cabo.Sim, era True Detective. At a, nada de mais, nunca fui um f ardoroso do gnero policial.Mas a situao mudou drasticamente quando vi espirais desenhadas e um personagem comaparncia manaca citando Carcosa. Naquele momento eu poderia ter pensado que era umareferncia ao conto de Ambrose Bierce no qual Chambers se baseou para escrever sua obra,mas s pude me lembrar de Denlson, da Clock Tower, e de como as coisas se amarram nahora certa. Carcosa, uma cidade localizada talvez em um planeta do aglomerado estelarHades, aparece nas prximas pginas como parte da obra principal e como parte dos extrasespecialssimos que esta edio traz; extras esses que se fundem com o livro de to belos.

    Mas eu estava falando sobre como as coisas se amarram na hora certa, e elas de fato seamarram. At mesmo esta introduo. Pois , avanar e voltar no tempo, nas memrias e nasinformaes, aqui, serve para te preparar para o que est por vir. Chambers no liga seuscontos mantendo sempre o mesmo lugar e a mesma poca. Ele faz uso de detalhes comosobrenomes, eventos aparentemente insignificantes e a cor amarela. Portanto, leia com muitaateno este livro cheio de mistrios que, segundo a lenda, pode levar algum ao maiscompleto devaneio.

    No foi em Paris que li The King in Yellow. Eu o levei dentro de aparato eletrnico e oesqueci l. S no ano passado ento, quando o Denlson, j coproprietrio da lista CultoLovecraftiano, editor da melhor antologia sobre Lovecraft no Brasil e idealizador do maisimportante site sobre o assunto em nossa lngua (ser ele o Rei Plido Mascarado, umestranho em uma festa qualquer no Moulin Rouge?), me mandou uma mensagem anunciando oprximo lanamento da Clock Tower, me convidando a escrever essas atrasadas pginas, que fui me dignar a ler a obra.

    Com um robusto estilo que se aproxima dos versos to comuns aos escritores

  • vitorianos, dez contos se desvelaram diante de meus olhos. Quatro deles, os quatro primeiros,se mostraram sensacionais, aterrorizantes, intrigantes. Eles ditavam sobre a loucura e o horrorque se abatia sobre leitores da tal famigerada pea e sobre aqueles que entraram em contatocom o tal Smbolo Amarelo. Um desses contos, em especial, assombrou meus sonhos umanoite. No trio do Drago trata de uma ligao entre o narrador e um organista de igreja(seria o mesmo que vemos em O Smbolo Amarelo?) que se d apenas por vises, medos epela intuio de uma entidade da qual nada sabemos. A entidade cita a Bblia e a pode estarimplcito algo que a mente humana no poderia suportar e, pelo visto, no suportou.

    Especialistas em Chambers e recortes do The New York Times dizem que originalmenteseu volume de contos sobre o estranho e o misterioso saiu em uma edio limitada contendoapenas quatro contos. Nessa verso, a frase do Rei do Amarelo sobre a Bblia menos dbia,mas muito mais polmica. E essa a verso que voc tem em mos neste momento. Umaedio como o autor desejava, antes das intervenes de um editor visando um pblico leitormaior para consumir o livro. O editor estava errado? Claro que no! Sabemos o sucesso quese tornou The King in Yellow.

    Entretanto, o que se diz que o autor escreveu sobre o Smbolo Amarelo sob o efeito deabsinto, que recebeu o apelido de fada verde devido a suas propriedades alucingenas. Vejas, at a fsica das cores nos demonstra que tudo est amarrado. E como est! A manso ondemorou Chambers e onde foi escrito seu livro ficou abandonada por dcadas aps seufalecimento, sendo mais tarde invadida por usurios de outras substncias alucingenas. Fatoesse comprovado pelos mesmos recortes do The New York Times que citam a manso doautor e o caos que tomou conta do lugar logo aps seu falecimento. Vale ainda lembrar que asinformaes desse jornal so um dos poucos registros histricos da vida e obra do autor,usadas como base para a biografia que est neste livro.

    A primeira traduo francesa parece concordar com tudo isso. Quando o editor originalresolveu alcanar um pblico maior, sugeriu que Chambers adicionasse ao volume outroscontos que ele havia escrito, que diziam respeito mais ao romance que permeia In the Quarterdo que s fantasias, fices e aos devaneios de The King in Yellow original. Por sua vez, essescontos, sozinhos, seriam insuficientes para formar um nico livro. A forma encontrada paraunir esses dois universos literrios foi engenhosa, devemos assumir.

    Primeiro, h dois poemas em prosa (gnero literrio muito apreciado e bem-executadopor autores como Oscar Wilde, por exemplo, cuja pea Salom, juntamente com o conto TheMask of Red Death, de Edgar Allan Poe, que tambm coroa os extras desta edio que vocest lendo agora, influenciaram diretamente no teor da tal pea maldita que liga as quatrohistrias de terror originais de Chambers) que tratam tanto de sonhos e alucinaes sobre amorte quanto sobre suspiros de poetas. a que o livro caminha para os contos finais sobre osbomios e as prostitutas parisienses da Belle poque.

    Mas a ligao no acaba a. A segunda forma encontrada tanto pelo autor quanto peloeditor foi inserir margaridas, objetos dourados e os olhos de um gato, entre outras coisasamareladas, nos contos sobre o Quartier Latin. Ora, amarelo a cor do Rei e do Smbolo, masamarelo, para a literatura decadentista que despontava na poca, era tambm a cor da inveja,da doena, da luxria e dos bulbos incandescentes das lmpadas eltricas. Nada mais

  • propcio, no? Assim, o pequeno livro outrora intitulado The Mask (nome de um dos contosque compe a tetralogia bizarra e macabra sobre a pea proibida) se tornou o The King inYellow que conhecemos hoje.

    Esse o mistrio deste livro.Essa verso, editada, posterior e mais conhecida de O Rei de Amarelo voc j deve ter

    recebido digitalmente enquanto est lendo esta introduo, ou ir receber muito em breve, nose preocupe. A verso que voc segura agora enquanto sacode num meio de transporte ousentado confortavelmente em sua poltrona a verso que Chambers inicialmente imaginou eproduziu. Isso s possvel, provavelmente pela primeira vez no mundo, graas ao esforo doDenlson, bem como de familiares e amigos da equipe, para traduzir corretamente asexpresses idiomticas do dialeto cockney que um dos personagens no mais importante contodeste livro (no toa, o ltimo conto), O Smbolo Amarelo, usa. Perceba como esse tipo decuidado ajuda a tornar esta edio to especial.

    Ento, ser que foi o cockney que nos trouxe at aqui? Ou ser que foi Hades,brilhando em nosso cu h milhes de anos? Ou ser que o incio de tudo isso est no reinoinfernal de Hades, deus grego dos mortos, cujo nome se relaciona ao aglomerado estelar? Outer sido meu passeio pelo Quartier Latin? De minha parte, s posso pensar que palavrascomo Frana, amarelo, invaso e mscara, entre outras, apareceram nos pargrafos anterioresvrias vezes, mas em contextos sempre diferentes.

    Isso me lembra de um dilogo que pde ser visto ao longo da srie True Detective (comum assassino em srie que fazia parte de uma seita inspirada em The King in Yellow). Um dospersonagens diz: A estrela negra ascende. Eu sei o que acontece em seguida. Eu vi voc nomeu sonho. Agora voc est em Carcosa, comigo. Ele te v. Voc far isso de novo. O tempo um crculo plano. Garanto que assim ser sua leitura das prximas pginas. Voc acabar eir reler, pois estar diante de um dos quatro maiores contos de toda a literatura fantstica.Voc procurar a linha que define esse crculo de histrias. Voc ver Carcosa, comigo, comChambers, com Hastur.

    E aqui estamos. Mais uma vez a Editora Clock Tower nos entrega um volume dequalidade de uma obra fundamental do horror, o clssico O Rei de Amarelo. Como voc devesaber, o primeiro livro foi O Mundo Fantstico de H. P. Lovecraft, e nele, abrindo o contomais famoso do autor, encontramos a frase que define exatamente que me proponho expornesta introduo: A coisa mais misericordiosa no mundo, acho, a inabilidade da mentehumana em correlacionar todo seu contedo.

    Elias A. Souza

    Ribeiro Preto, janeiro de 2015

    NOTA: A verso eletrnica que voc tem em mos agora equivalente a verso mais conhecida da obra, a que contm os dez contos, conformeverso do editor em 1895 (desconsiderando o apndice que so contos queinspiraram o autor). A verso original, como era desejo do autor, apenas

  • com os quatro contos originais, foi impressa pela Editora Clock Tower emmaro de 2015.

  • O ltimo dos mosqueteiros

    O mais feliz dos felizes aquele que faz os outros felizes.Alexandre Dumas

    A vida de Robert W. Chambers parece fundir-se com os mistrios em torno de suaobra. Como pde ser esse um escritor to prolfico a ponto de criar uma dezena de incrveishistrias de horror csmico e ao mesmo tempo to belos contos para crianas, alm deromances e fico histrica? E, no bastasse isso e o tremendo sucesso e popularidade em suapoca, ainda ser esquecido por dcadas?

    O fato que a histria desse incrvel escritor parece perdida no tempo, bem comogrande parte de sua obra, alm de conhecermos bem pouco da vida de um homem to genial. Oque se tem so estudos e teorias e pouca coisa de realmente concreto. Um dos poucosdocumentos a respeito de sua vida so as pginas do jornal The New York Times, quepublicou crticas a respeito de sua obra e fatos sobre sua vida pessoal, haja vista Chamberster feito parte dos mais altos crculos sociais da cidade de Nova York no comeo do sculo20.

    Falando em Nova York, l que comea essa histria, no Brooklyn, em 26 de maio de1865, dia de nascimento do filho do famoso advogado William P. Chambers (1827-1911) eCaroline (Boughton) Chambers (1842-1913), uma descendente direta de Roger Williams, ofundador da histrica cidade de Providence, em Rhode Island. Robert teve um irmo chamadoWalter Boughton Chambers, que depois de graduar-se na Universidade de Yale, estudouarquitetura com Paul Blondel, em 1889, e mais tarde tornou-se conhecido no mundo todo comoum talentoso arquiteto. Ele projetou grande parte da propriedade da famlia Chambers a partirde 1912: uma manso em estilo vitoriano em Broadalbin, construda no sculo 19 pelo av deChambers, dr. William Chambers.

    William Chambers nasceu em Galway, Nova York, Saratoga County, em 1798. Seusancestrais paternos eram escoceses, mas o lado materno descende de Roger Williams, entoh muito estabelecidos em Rhode Island. William Chambers comeou seus estudos na escolado distrito, mas os conclui na academia privada mantida pelo rev. Robert Proudlit, pastor daScots Presbyterian Church em Perth, Nova York. O pastor Proudlit foi ordenado nacongregao em 1 de outubro de 1804, e permaneceu em servio at 18 de outubro de 1818,quando renunciou para aceitar o cargo de professor de latim e grego no Union College.William Chambers completou seus estudos mdicos em Boston em 1819 e abriu umconsultrio em Broadalbin, onde exerceu a profisso at sua morte.

    Ele recebeu distines pelo brilhante aproveitamento de sua bolsa de estudos, e era ummembro honrado da County Medical Society, mantendo o cargo de presidente por vrios anossucessivos, at sua morte. Era muito querido por seus pacientes e cobriu um extenso territrio

  • com seus servios, sendo especialmente popular entre a populao de origem escocesa, queformava um importante ncleo da sociedade local. Tambm foi membro-fundador daBroadalbin Methodist Church, vindo a falecer nesse vilarejo em 26 de agosto de 1874.

    O bisav de Robert W. Chambers, que assentou a famlia Chambers no vale doSacandaga, foi tenente da Marinha Real Britnica. As razes da famlia Chambers remontam Esccia, possivelmente desde o sculo 13. O patriarca da famlia Chambers na Esccia talveztenha sido um tal Charles Edward Stuart Chambers, de Edimburgo.

    Robert W. Chambers visitou a herdade da famlia pelo menos uma vez, e foi ali, na casafamiliar do av, entre as montanhas, que descobriu seu amor pela pintura e pela naturezadesde tenra idade.

    A vida cultural madura de Chambers comeou na Universidade de Yale, onde se formou.Depois de estudar no Brooklyn Polytechnic Institute, ingressou na Art Students League aos 20anos de idade, onde veio a conhecer o futuro famoso ilustrador Charles Dana Gibson, que svezes tomava como modelo o horror de Algernon Blackwood para seus trabalhos artsticos.

    Aps esses estudos, Chambers parte para a Europa em 1886, indo mais precisamente aParis, e, vido por novos conhecimentos, comea a estudar na cole des Beaux-Arts e naAcadmie Julian. J em 1889 teve seu trabalho reconhecido numa exposio organizada pelaSocit des Artistes Franais, mais conhecida pelo mundo como Salon de Paris.

    No ano de 1893 retornou a Nova York e teve suas ilustraes aceitas pelas revistasLife, Truth e Vogue. Chambers disse certa vez que ele e Charles Gibson foram juntos aoescritrio da Vogue com suas ilustraes e que suas ilustraes foram aceitas e as de Gibsonno. Gibson fez ilustraes para livros de Chambers posteriormente, e ambos eramcategricos em afirmar que as ilustraes de Gibson eram melhores que as de Chambers.

    No se sabe ao certo, mas talvez devido influncia de amigos em seu crculo social oumesmo a algum interesse despertado por sua estadia em Paris em plena Belle poque, o artistaabraou a literatura, lanando seu primeiro livro no ano de 1894. Intitulado In the Quarter, foiescrito em 1897 em Munique. uma histria melodramtica de sua vida bomia e estudantilem Paris. Bem acolhido pela crtica, a repercusso anima o jovem a continuar seu trabalhocomo escritor. Em 1895 ele publica pela F. Tennyson Neely dez contos aparentemente semrelao que recebem o ttulo The King in Yellow. A obra promete deixar louco quem o ler. Foium grande sucesso, tornando-se sua obra-prima, o que o convence a deixar de lado por umtempo sua paixo pelas artes plsticas em vista de seu sucesso naquilo que tambm gostavamuito de fazer escrever. Everett Franklin Bleiler, editor estudioso da fico fantstica, emseu famoso livro Checklist of Fantastic Literature, definiu o best-seller de Chambers comouma das mais importantes obras de fico sobrenatural americana.

    Em 12 de julho de 1898, ele se casa com a francesa Elsa Vaughn Moller (1882-1939), emais tarde tm um filho, Robert Edward Stuart Chambers (que s vezes usou o nome RobertHusted Chambers).

    Aps o casamento e com o grande sucesso do segundo livro, Chambers escreveu detudo um pouco, pois se dizia algum com gostos e interesses muito variados: Sempre gosteide mudar, de experimentar assim como eu gostava de mudar o meu meio de pintura,aquarela, leo, carvo, fases, etc., disse ele, provando-o pela alternncia entre estilos, indo

  • de romances, contos e poemas a artigos de revistas de histria natural, assuntos militares ecaa e pesca.

    Para a famosa atriz irlandesa Ada Rehan ele escreveu uma pea de teatro, The Witch ofEllangowan, que, segundo se relata, foi composta em apenas uma semana.

    Chambers admirava Dumas (pai) e o tinha como seu escritor favorito, mas tambm tinhaum campo de interesses muito variado, o que s vezes o fazia transpor tal deslumbramentopelo desconhecido no horror sobrenatural de algumas de suas histrias.

    Em uma troca de e-mails com Joseph S. Pulver, famoso escritor norte-americano eespecialista em Chambers, ele me escreveu:

    [...] se voc examinar Chambers como homem e no como escritor, ver que seus escritosps-terror eram compostos apenas para vislumbrar a vida que sempre quis. Leia a introduo do escritor S.T.Joshi em The Yellow Sign e tente entender o homem e sua histria antes de tentar entender sua obra, que incluinarrativas de viagens romnticas e romances. Descartar tudo alm da fico de terror um equvoco e nodar a voc uma imagem adequada do homem. Por esses e outros motivos, fica claro que Chambers escreveu todo tipo de histria

    simplesmente porque gostava, e o autor tem esse amplo campo de interesse, como ele mesmodisse, corroborado por muitos estudiosos de sua vida e obra. Nascido em uma famliaabastada, ele no precisaria escrever para sobreviver, como imaginavam muitos crticos,muito menos compor romances baratos; e se o fez, foi por conta de vislumbrar neles a vidabomia que sempre teve em Paris e que de certa forma foi abreviada pelo seu novo estilo devida no retorno a Nova York.

    Chambers residiu em sua manso em Broadalbin, Nova York, ao sop das montanhasAdirondack, durante grande parte de sua vida. Alguns de seus romances retratam a calma vidacolonial em Broadalbin e Johnstown. Segundo informaes do The New York Times, elegostava muito de pescar, caar, colecionar arte chinesa e japonesa e borboletas americanas,alm de falcoaria e ecologia, tanto que foi responsvel pelo plantio de 25000 rvores novilarejo em que residia.

    Ele tambm fazia de sua linda manso familiar um refgio, muito embora procurassesempre um lugar isolado em Nova York para escrever seus livros: uma espcie de retiroespiritual ainda maior, onde podia encontrar novamente uma vida alegre e bomia similar deParis, com damas e cavalheiros da mais alta classe social e eventos e festas interminveiscom admiradores presentes.

    Assim foi a vida de Chambers durante muitos e muitos anos, escrevendo sucesso apssucesso e cuidando de sua amada esposa que conhecera na Frana, tentando prov-la com oconforto de um lar cada vez mais agradvel pois fazendo ela feliz ele se sentia mais felizainda.

    Chambers foi talvez o ltimo dos cavalheiros bomios e artistas de uma pocaglamourosa que foi a Belle poque de fato o ltimo dos mosqueteiros, numa aluso aDArtagnan, personagem de Dumas.

    Muitos anos se passaram e sua fama foi se desvanecendo. J idoso, num certo dia de

  • setembro de 1933 ele deu entrada no Hospital de Nova York. Em 13 de dezembro foi operadode uma doena intestinal e morreu naquela mesma noite. Seu funeral foi simples, mas digno seu corpo foi levado pelos moradores de Broadalbin atravs do jardim italiano onde elecostumava fazer sua caminhada diria. A esposa de Chambers, seu filho e outros parentesprximos e amigos estavam presentes em seu velrio, realizado na casa do rev. Edward T.Carrol, reitor da Saint Anns Episcopal Church em Amsterdam, Nova York.

    Entre aqueles que visitaram o caixo estavam vrios homens ilustres das artes, letras enegcios, alm dos moradores da vila: dr. B.E. Chapman, Gerald Sanford, Sanford Samuel,Samuel Jacobsin, John Anderson, Cecil C. Finch, T.E. Lee, Alan Belding, rev. B.L. Crapo,Wilbur Hathaway, Floyd H. Barker, John Harris, James Bartlett, Richard H. Lee, HerbertSawyer, Marvin Borst, Ray Vail e o chefe de Polcia do Estado de Nova York todosestiveram presentes.

    O corpo de Chambers foi enterrado no jazigo da famlia em Broadalbin, debaixo de umarvore atrs da manso. O terreno foi cercado pelas rvores que ele havia plantado. Maistarde, foi levado por sua esposa ao Cemitrio Rural de Broadalbin.

    No resta muito de Broadalbin atualmente. Grande parte da terra aparentemente depropriedade de um mdico. Broadalbin tambm o nome da cidade onde o imvel est. Nose pode afirmar se a cidade cresceu em torno da propriedade ou a propriedade em torno dacidade.

    Chambers perdeu grande parte de seu dinheiro na quebra da bolsa de valores em 1929.Elsa manteve a si mesma com alguns recursos que o marido deixou, vindo a falecer maistarde, em 1939. A casa foi ento deixada sem superviso, com tudo no lugar, e jovens e outraspessoas usaram seu espao para festas, queimando papis e documentos para se aquecer oupor mero divertimento enquanto bebiam e faziam sexo. Por um perodo indeterminado detempo, o local abrigou at mesmo um bordel. Metade da terra da propriedade est agoradebaixo da gua devido a uma barragem, e um tero da casa est afundado, o resto sendoremodelado pela Igreja Catlica, que proprietria, na casa paroquial da St. Joseph Church,aps adquirem o imvel anos depois. O filho de Chambers no deixou herdeiros e relata-se tersido colocado em um asilo. Talvez por esse motivo ningum poderia cuidar da propriedade deBroadalbin depois que a esposa de Chambers faleceu.

    At sua morte, Robert W. Chambers tinha escrito 87 romances, uma coleo de poemas,uma pea e inmeros artigos para jornais. Ele tambm escreveu um libreto para uma pera.Foi dito a ele que seu poder de visualizao grfica, suas extravagncias frequentes emdelinear os tipos e situaes, juntamente com seu instinto para transmitir uma sensao demovimento que transmite a narrativa junto com uma onda irresistvel e corrida, tem um efeitohipntico sobre o leitor que faz com que at mesmo o improvvel parea real, como uma coisanatural.

    Quaisquer opinies sobre seus trabalhos so deixadas para cada leitor decidir, e o autordesta biografia pede desculpas a si mesmo se quaisquer declaraes tendenciosas aparecemnela. No entanto, seguro dizer que Chambers hoje em dia quase inteiramente lembrado poruma nica obra, O Rei de Amarelo, o que faz parecer com que as incgnitas em torno de suaprincipal obra de algum modo refletem misteriosamente sua vida. Isso, no entanto, uma

  • vergonha, pois Chambers escreveu obras to interessantes quanto esta, e embora pequeno emtamanho O Rei de Amarelo constiuiu-se segundo crticos, em uma das maiores criaesliterrias de toda a literatura fantstica ao longo dos anos.

    Chambers tem inspirado muitos autores modernos, incluindo Joseph S. Pulver, StephenKing, Neil Gaiman e mais recentemente Nic Pizzolatto e sua srie de sucesso mundial TrueDetective, entre muitos outros.

  • BIBLIOGRAFIA BLEILER, E.F. (Ed.). The King in Yellow and other horror stories. New York: Dover

    Publications, 1970.______. Checklist of Fantastic Literature. New York: Shasta Publishers, 1948CHAMBERS, Robert W. The King in Yellow. New York: F. Tennyson Neely, 1895.CLUTE, John & NICHOLLS, Peter. The Encyclopedia of Science Fiction. London: Orbit,

    1993.JOSHI, S.T. The Yellow Sign and Other Stories, Chaosium, 2004.______. H.P. Lovecraft A Life. West Warwick-RI: Necronomicon Press, 1996.PRICE, Robert M. The Hastur Cycle, Chaosium, 1993.

  • O Reparador de Reputaes

    Ttulo original: The Repairer of Reputations

    I

    Ne raillons pas les fous; leur folie dure plus longtemps que la ntreVoil toute la differnce.(1)

    POR VOLTA do ano de 1920, o governo dos Estados Unidos havia praticamentecompletado o programa adotado durante os ltimos meses da administrao do presidenteWinthrop. O pas estava aparentemente tranquilo. Todos sabiam como foram resolvidas asquestes tributrias e trabalhistas. A guerra com a Alemanha, em um incidente pelo embargo,por parte desse pas, s Ilhas Samoa, no deixou cicatrizes visveis sobre a repblica, e aocupao temporria de Norfolk pelo exrcito invasor fora esquecida na alegria de repetidasvitrias navais e com a subsequente e ridcula situao das foras do general Von Gartenlaubeno estado de Nova Jersey. Os investimentos cubanos e havaianos lucraram cem por cento e oterritrio de Samoa, como um posto de abastecimento de carvo, bem valeu seu custo. O pasestava em um estado esplndido de defesa. Cada cidade da costa havia sido bem-provida defortificaes em terra; o exrcito, sob o olhar parental do estado-maior, organizado de acordocom o sistema prussiano, ampliou-se para trezentos mil homens, com um contingente reservade um milho; e seis magnficas esquadras de cruzadores e navios de guerra patrulhavam asseis estaes de mares navegveis, deixando-se uma reserva a vapor amplamente preparadapara controlar as guas locais. Os senhores do Oeste haviam, finalmente, sido compelidos areconhecer que uma universidade para o treinamento de diplomatas era to necessria quantoescolas de direito so para a formao de advogados; consequentemente, no ramos maisrepresentados por compatriotas incompetentes. A nao estava prspera. Chicago, por ummomento paralisada depois de um segundo grande incndio, havia se levantado de suas runas,branca e imperial, e mais bonita que a cidade branca que fora construda para diverso danao no ano de 1893(2). Por todos os lugares, a boa arquitetura estava substituindo aarquitetura de m qualidade, e, mesmo em Nova York, um desejo repentino por decncia haviavarrido uma grande poro dos horrores existentes. Ruas foram alargadas, propriamentepavimentadas e iluminadas, rvores foram plantadas, praas foram projetadas, estruturaselevadas foram demolidas e vias subterrneas construdas para substitu-las. Os novosedifcios governamentais e quartis eram amostras excelentes de arquitetura, e o longo sistemade peres de pedra que cercava completamente a ilha havia sido transformado em parques quese revelavam como uma bno populao. O subsdio para o teatro e a pera estatais trouxesua prpria recompensa. A Academia Nacional de Design muito se assemelhava s

  • instituies europeias do mesmo tipo. Ningum invejava o secretrio de Belas-Artes, muitomenos seu gabinete e sua pasta. O secretrio de Silvicultura e Preservao da Caa gozava deum momento muito mais calmo graas ao novo sistema da Polcia Montada Nacional.Havamos lucrado bastante por meio dos ltimos tratados com a Frana e a Inglaterra; aexpulso dos judeus estrangeiros como uma medida de autopreservao, a criao do novoestado negro independente de Suanee, o controle da imigrao, as novas leis concernentes naturalizao e a centralizao gradual de poder no executivo contriburam para a calma e aprosperidade da nao. Quando o governo solucionou o problema dos ndios e esquadres depatrulheiros da cavalaria indgena em vestimentas nativas foram substitudos por organizaesdeplorveis, atreladas retaguarda de regimentos moldados por um antigo secretrio deGuerra, a nao soltou um longo suspiro de alvio. Quando, depois do colossal Congresso deReligies, o fanatismo e a intolerncia foram enterrados em suas sepulturas, e a bondade e acaridade comearam a unir seitas antes inimigas, muitos pensaram que o milnio chegara, aomenos no Novo Mundo, que, afinal de contas, um mundo por ele mesmo.

    Mas autopreservao a lei primordial, e os Estados Unidos tiveram de observar, empesar impotente, enquanto a Alemanha, a Itlia, a Espanha e a Blgica se contorciam nosespasmos da anarquia, enquanto a Rssia, assistindo do Cucaso, as parou e as capturou uma auma. Na cidade de Nova York, o vero de 1899 foi marcado pela desmontagem das linhasfrreas elevadas. O vero de 1990 viver na memria dos nova-iorquinos por muito tempo; aesttua do Dodge foi removida naquele ano. No inverno seguinte, iniciou-se aquela agitaopela revogao das leis que proibiam o suicdio, o que deu luz seu ltimo fruto, em abril de1920, quando a primeira Cmara Letal do governo foi inaugurada na Washington Square.

    Aquele dia, saindo da casa do dr. Archer, caminhei pela Madison Avenue, onde estiverapor mera formalidade. Desde aquela queda do meu cavalo, quatro anos antes, tive problemascom dores na parte posterior de minha cabea e no pescoo, mas agora por meses elas tmestado ausentes, e aquele dia o mdico me mandou embora dizendo no haver nada mais emmim a ser curado. Quase no valia a pena pagar por suas consultas para ele me dizer isso; eusabia disso por mim mesmo. Ainda assim, no neguei a ele o dinheiro. O que me perturbavaera o erro que ele cometera inicialmente. Quando eles me pegaram do pavimento onde euhavia cado inconsciente, e algum por misericrdia meteu uma bala na cabea do meu cavalo,fui levado ao dr. Archer, e ele, declarando meu crebro afetado, me internou em seu sanatrioparticular, onde eu era obrigado a suportar tratamento para insanidade. Finalmente ele decidiuque eu estava bem, e eu, sabendo que minha mente sempre estivera to saudvel quanto a dele,se no mais saudvel, paguei minha taxa escolar, como ele, brincando, a chamava, e parti.Disse a ele, sorrindo, que me vingaria por seu erro, ele riu entusiasticamente e me pediu paraligar de vez em quando. Eu o fiz, esperando por uma chance de acertar as contas, mas ele nome deu nenhuma, e eu disse a ele que esperaria.

    A queda do meu cavalo felizmente no deixara qualquer sequela; pelo contrrio, haviamudado todo meu carter para melhor. Ento um rapaz almofadinha e preguioso, me torneiativo, enrgico, moderado e acima de tudo ah, acima de tudo realmente ambicioso.Havia apenas uma coisa que me perturbava: eu ria de minha prpria inquietao, contudo, elaainda me perturbava.

  • Durante minha convalescncia, comprei e li pela primeira vez O Rei de Amarelo.Lembro-me, depois de terminar o primeiro ato, que me ocorreu que seria melhor parar de lerali. Levantei-me e arremessei o livro na lareira; o volume atingiu a grelha barrada de proteoe caiu aberto exatamente ao meio sob a luz da lareira. Se eu no tivesse tido um vislumbre daspalavras de abertura no segundo ato, jamais o teria terminado, mas enquanto eu parava parapeg-lo, meus olhos se tornaram fixos na pgina aberta, e com um grito de terror, ou talveztenha sido de uma alegria to pungente que a senti em cada nervo, arrebatei a coisa das brasase me arrastei tremendo para meu quarto, onde li e reli, e chorei e ri e tremi com um horror ques vezes ainda me assalta. Essa a coisa que me perturba, por no poder esquecer Carcosa,onde estrelas negras pendem dos cus; onde as sombras dos pensamentos dos homens seestendem pelo entardecer, quando os sis gmeos se escondem dentro do lago de Hali; eminha mente guardar para sempre a lembrana da Mscara Plida. Oro para que Deusamaldioe o escritor, como o escritor amaldioou o mundo com esta bela, estupenda criao,terrvel em sua simplicidade, irresistvel em sua verdade um mundo que agora treme diantedo Rei de Amarelo. Quando o governo francs confiscou os exemplares traduzidos que haviamacabado de chegar a Paris, Londres, claro, se tornou vida para l-lo. bem sabido como olivro se espalhou como uma doena infecciosa, de cidade a cidade, de continente a continente,proibido aqui, confiscado ali, denunciado pela imprensa e pelos religiosos, censurado atmesmo pelo mais avanado dos anarquistas letrados. Nenhum princpio definido foi violadonaquelas pginas perversas, nenhuma doutrina promulgada, nenhuma convico ultrajada. Nopoderia ser julgado por qualquer padro conhecido; ainda, embora fosse reconhecido que anota suprema da arte fora atingida com O Rei de Amarelo, todos sentiram que a naturezahumana no poderia suportar a tenso nem tirar algo de valor de palavras nas quais a essnciado mais puro veneno ocultara-se. A exata banalidade e inocncia do primeiro ato apenaspermitia que o golpe que vinha depois casse com efeito ainda mais terrvel.

    Foi, eu me lembro, em 13 de abril de 1920 que a primeira Cmara Letal do governo foiinaugurada no lado sul da Washington Square, entre a Wooster Street e o lado sul da QuintaAvenida. O quarteiro, que outrora consistia de muitos velhos edifcios dilapidados, usadoscomo cafs e restaurantes por estrangeiros, foi adquirido pelo governo no inverno de 1898. Oscafs franceses e italianos foram demolidos; o quarteiro inteiro foi fechado por uma cerca deao dourado e transformado em um jardim agradvel com gramado, flores e fontes. No centrodo jardim havia um edifcio pequeno e branco, severamente clssico em sua arquitetura, ecercado por arbustos floridos. Seis colunas jnicas suportavam o teto, e a nica porta era debronze. Um grupo esplndido de mrmore das Moiras(3) ficava diante da porta, o trabalho deum jovem escultor americano, Boris Yvain, que morreu em Paris com apenas 23 anos deidade. As cerimnias de inaugurao progrediam medida que eu cruzava a University Placee entrava na praa. Abri caminho atravs da multido silenciosa de espectadores, mas fuiparado na Fourth Street por um cordo de isolamento da polcia. Um regimento de lanceirosdos Estados Unidos estava ordenado em um cordo de isolamento ao redor da Cmara Letal.Em uma tribuna montada de frente para a Washington Square estava o governador de NovaYork, e atrs dele agrupavam-se o prefeito de Nova York e Brooklin, o inspetor-geral depolcia, o comandante das tropas do estado, coronel Livingston, o apoio militar ao presidente

  • dos Estados Unidos, general Blount, o comandante em Governors Island, o general de divisoHamilton, o comandante da guarnio de Nova York e Brooklin, almirante Buffby, da rota noRio Norte, o secretrio de Sade Lanceford, a equipe do National Free Hospital, os senadoresWyse e Franklin, de Nova York, e o comissrio de servios pblicos. A tribuna estava cercadapor um esquadro de hussardos da Guarda Nacional.

    O governador estava terminando sua rplica ao breve discurso do secretrio de Sade.Eu o ouvi dizer: As leis que proibiam o suicdio e prescreviam punio para qualquertentativa de autodestruio foram abolidas. O governo considerou adequado reconhecer odireito do homem de pr fim a uma existncia que pode ter se tornado intolervel a ele devidoao sofrimento fsico ou desespero mental. Acreditamos que a comunidade ser beneficiadapela remoo de tais pessoas de seu meio. Desde a aprovao desta lei, o nmero de suicdiosnos Estados Unidos no aumentou. Agora que o governo determinou a criao de uma CmaraLetal em cada cidade, cidadela e vila no pas, resta apenas saber se aquela classe de criaturashumanas cuja desesperana inclui novas vtimas de autodestruio aceitar ou no o alvio aelas providenciado. Ele parou e se voltou Cmara Letal. O silncio na rua era absoluto.Ali, uma morte sem dor espera por aquele que no pode mais suportar os pesares desta vida.Se a morte bem-vinda, que ele a procure ali. Ento, rapidamente se voltando para oassessor militar do presidente, ele disse: Declaro a Cmara Letal aberta, e de novo olhandoa vasta multido, ele gritou em uma voz clara: Cidados de Nova York e dos Estados Unidosda Amrica, por meio de mim o governo declara aberta a Cmara Letal.

    O silncio solene foi quebrado por um grito abrupto de comando; o esquadro dehussardos seguiu a carruagem do governador, os lanceiros se viraram e ficaram em formaona Quinta Avenida para esperar pelo comandante da guarnio, e a polcia montada os seguiu.Deixei a multido para observar a Cmara Letal de mrmore branco e ficar boquiaberto, e,cruzando ao sul da Quinta Avenida, andei ao longo do lado ocidental da passagem para aBleecker Street. Ento virei direita e parei diante de uma oficina sombria que exibia oaviso:

    HAWBERK, ARMEIRO

    Olhei de relance pela porta de entrada e vi Hawberk ocupado em sua pequena oficinano fim do corredor. Ele olhou para cima, e, me vendo, gritou em sua voz profunda e forte:Entre, sr. Castaigne!. Constance, sua filha, levantou-se para me encontrar enquanto euentrava, e apertei sua bela mo, mas vi o rubor de desapontamento em suas bochechas e soubeque era outro Castaigne que ela esperava, meu primo Louis. Ri de sua confuso e a elogieipela faixa que bordava a partir de um prato decorativo. O velho Hawberk sentou-se, rebitandogrevas gastas de uma armadura antiga, e o tim! tim! tim! de seu pequeno martelo soavaagradavelmente em sua extica oficina. Logo ele largou seu martelo e fez um estardalhaomomentneo com uma pequenina chave inglesa. O bater macio da armadura enviou umaexcitao de prazer atravs do meu corpo. Eu amava ouvir o som do ao esfregando no ao, ochoque doce da marreta nas partes da coxa, e o tinir da cota de malha. Essa era a nica razo

  • pela qual fui visitar Hawberk. Ele nunca havia me interessado pessoalmente, nem Constance,exceto pelo fato de que ela estava apaixonada por Louis. Isso ocupava minha ateno e svezes at mesmo me fazia ficar acordado noite. Mas eu sabia em meu corao que tudocorreria bem, e que deveria arranjar o futuro deles do mesmo modo que tinha como certo fazero mesmo com meu amvel mdico, John Archer. Entretanto, jamais teria me preocupado emvisit-los se no fosse pelo fato de que, como disse, a msica do martelo tilintante despertasseem mim essa forte fascinao. Eu poderia ficar sentado por horas ouvindo e ouvindo, e quandoum raio de sol perdido atingia o ao incrustado, a sensao que me atingia era quase intensademais para suportar. Meus olhos ficavam fixos, dilatando com um prazer que dilatava cadanervo quase at a ruptura, at algum movimento do velho armeiro bloquear o raio de sol;ento, ainda tremendo secretamente, eu me encostava e ouvia de novo o som do pano de polir,uish! uish! esfregando a ferrugem dos rebites. Constance trabalhava com o bordado sobre osjoelhos, pausando de vez em quando para examinar mais de perto o padro no pratodecorativo do Museu Metropolitano.

    Para quem isso?, perguntei.Hawberk explicou que, alm dos tesouros em armadura no Museu Metropolitano, para

    os quais ele havia sido indicado como armeiro, ele tambm cuidava de vrias coleespertencentes a ricos colecionadores. Esta era a greva perdida de um famoso conjunto que umcliente havia rastreado at uma lojinha em Paris, no Quai dOrsay. Ele, Hawberk, havianegociado por ela e a conseguiu, e agora o conjunto estava completo. Ele descansou seumartelo e leu a histria do conjunto, cujos registros vinham desde 1450, de proprietrio aproprietrio, at ser adquirido por Thomas Stainbridge. Quando sua soberba coleo foivendida, este cliente de Hawberk comprou o conjunto, e, desde ento, a busca pela grevaperdida foi realizada at ser encontrada em Paris, quase por acidente.

    O senhor continuou a busca to persistentemente sem nenhuma certeza de que a grevaainda existisse?, perguntei.

    Claro, ele respondeu tranquilamente.Ento, pela primeira vez, tive um interesse pessoal por Hawberk.Isso tinha algum valor para o senhor, arrisquei.No, ele respondeu, rindo, meu prazer em ach-la foi minha recompensa.O senhor no tem ambio de ser rico?, perguntei, sorrindo.Minha nica ambio ser o melhor armeiro do mundo, ele respondeu gravemente.Constance me perguntou se eu vira as cerimnias na Cmara Letal. Ela mesma

    percebera a cavalaria passando pela Broadway naquela manh e desejou ver a inaugurao,mas seu pai quis a faixa terminada, e ela ficou, atendendo a seu pedido.

    Sr. Castaigne, o senhor viu seu primo por l?, ela perguntou, com o ligeiro tremor deseus clios macios.

    No, respondi desatentamente. O regimento de Louis est manobrando fora, nocondado de Manchester. Levantei-me e peguei meu chapu e minha bengala.

    O senhor vai subir para ver o luntico de novo?, riu o velho Hawberk. Se Hawberksoubesse como eu abominava aquela palavra, luntico, ele jamais a usaria em minhapresena. Isso desperta certos sentimentos em mim, os quais no quero explicar. Entretanto,

  • respondi a ele calmamente: Acho que devo aparecer e ver o sr. Wilde por um momento.Pobre homem, disse Constance, balanando a cabea, deve ser difcil viver sozinho

    ano aps ano, aleijado e quase demente. muita bondade de sua parte, sr. Castaigne, visit-loto frequentemente como o senhor o faz.

    Acho que ele mau, observou Hawberk, comeando de novo com seu martelo. Ouvi otilintar dourado nas placas da greva; quando ele terminou, eu respondi:

    No, ele no mau, nem de modo algum demente. Sua mente uma cmara demaravilhas, da qual ele pode extrair tesouros que o senhor e eu daramos anos de nossas vidaspara adquirir.

    Hawberk riu.Continuei, um pouco impaciente: Ele conhece histria como ningum. Nada, por mais

    trivial que seja, escapa s suas investigaes, e sua memria to primorosa, to precisa emdetalhes, que se soubessem em Nova York que tal homem existe, as pessoas no poderiamhonr-lo o suficiente.

    Bobagem, resmungou Hawberk, procurando no cho por um rebite que estivessecado.

    bobagem, perguntei, me esforando para reprimir o que sentia, bobagem quandoele diz que as perneiras e os coxotes da armadura esmaltada comumente conhecida como aBrasonada do Prncipe podem ser achados em meio a uma pilha de acessrios teatraisenferrujados, foges quebrados e restos de ferro-velho em um sto na Pell Street?

    O martelo de Hawberk caiu no cho, mas ele o pegou e perguntou, com muita calma,como eu sabia que as perneiras e o coxote esquerdo da Brasonada do Prncipe estavamperdidos.

    Eu no o sabia at o sr. Wilde contar a mim outro dia. Ele disse que eles estavam nosto do nmero 998 da Peel Street.

    Bobagem, ele gritou, mas notei sua mo tremendo embaixo de seu avental de couro.Isso bobagem tambm?, perguntei me divertindo, bobagem quando o sr. Wilde

    constantemente se refere ao senhor como o marqus de Avonshire e da senhorita ConstanceNo terminei, pois Constance ficou de p, com terror estampado em toda sua feio.

    Hawberk olhou para mim e vagarosamente alisou seu avental de couro.Isso impossvel, ele observou, o sr. Wilde pode saber de muitas outras coisasSobre armaduras, por exemplo, e sobre a Brasonada do Prncipe, interrompi,

    sorrindo.Sim, ele continuou vagarosamente, sobre armaduras tambm possvel mas

    ele est errado em relao ao marqus de Avonshire, que, como o senhor sabe, matou odifamador de sua esposa anos atrs e foi para a Austrlia, onde no viveu muito mais do queela.

    O sr. Wilde est errado, murmurou Constance. Seus lbios estavam plidos, mas suavoz estava doce e calma.

    Vamos concordar, se assim deseja, que neste caso em particular o sr. Wilde esterrado, eu disse.

  • IISubi os trs lanos de escadas em runas, que j havia subido tantas vezes antes, e bati

    em uma pequena porta no final do corredor. O sr. Wilde abriu a porta e entrei.Depois de passar duas trancas na porta e empurrar um pesado ba contra ela, ele veio e

    se sentou ao meu lado, perscrutando minha face com seus pequenos olhos plidos. Meia dziade novos arranhes cobriam seu nariz e suas bochechas, e os fios prateados que sustentavamsuas orelhas artificiais haviam se deslocado. Pensei que nunca o vira to horrivelmentefascinante. Ele no tinha orelhas. As artificiais, que agora se projetavam pendendo do aramefino, eram sua nica fraqueza. Elas eram feitas de cera e pintadas de rosa-claro, mas o restantede seu rosto era amarelo. Ele poderia ter se dado o luxo de alguns dedos artificiais para suamo esquerda, a qual era absolutamente sem dedos, mas parecia que isso no lhe causavaincmodo, e ele estava satisfeito com as orelhas de cera. Ele era muito pequeno, quase nomais alto do que uma criana de dez anos, mas seus braos eram magnificamentedesenvolvidos, e suas coxas to grossas quanto as de qualquer atleta. Entretanto, a coisa maisextraordinria sobre o sr. Wilde era que um homem de sua maravilhosa inteligncia econhecimento pudesse ter uma cabea como aquela. Ela era achatada e pontuda, como ascabeas de muitos daqueles desafortunados que so aprisionados em sanatrios pela fraquezamental. Muitos o chamavam de louco, mas eu sabia que ele era to so quanto eu.

    No nego que ele era excntrico; a mania que ele tinha de pegar aquela gata e provoc-la at ela voar em seu rosto como um demnio certamente era excntrica. Nunca pude entenderpor que ele mantinha a criatura nem o prazer em se fechar em seu quarto com esta bestaintratvel e feroz. Lembro-me de uma vez em que, ao erguer os olhos do manuscrito que estavaestudando luz de lamparinas, vi o sr. Wilde agachado imvel em sua cadeira alta, seus olhoscompletamente brilhantes de excitao, enquanto a gata, que havia se levantado de seu lugardiante do fogo, veio rastejando pelo cho direto para ele. Antes que eu pudesse me mover,ela encostou sua barriga no cho, se curvou, tremeu e saltou em seu rosto. Gemendo eespumando, eles rolaram diversas vezes no cho, se arranhando e se agarrando, at que a gatagritou e fugiu para debaixo do armrio, e o sr. Wilde deitou-se de costas, seus membros secontraindo e se dobrando como as pernas de uma aranha moribunda. Ele era excntrico.

    O sr. Wilde subira em sua cadeira alta e, depois de estudar meu rosto, pegou um livro-razo cheio de orelhas e o abriu.

    Henry B. Matthews, ele leu, escriturrio na Whysot Whysot and Company,comerciantes de ornamentos de igreja. Consultou-me dia 3 de abril. Reputao prejudicada nacorrida de cavalos. Conhecido como caloteiro. Reputao a ser reparada at o dia primeiro deagosto. Sinal: cinco dlares. Ele virou a pgina e passou os ns da mo sem dedos sobre otexto escrito em colunas apertadas.

    P. Greene Dusenberry, ministro do Evangelho, Fairbeach, Nova Jersey. Reputaoprejudicada no Bowery. Para ser reparada o mais rpido possvel. Sinal: cem dlares.

    Ele tossiu e acrescentou: Consultou-me dia 6 de abril.Ento, o senhor no precisa de dinheiro, sr. Wilde, indaguei.Escute, ele tossiu de novo.

  • Sra. C. Hamilton Chester, de Chester Park, Nova York. Consultou-me dia 7 de abril.Reputao prejudicada em Dieppe, na Frana. Deve ser reparada at primeiro de outubro.Sinal: quinhentos dlares.

    Observao: C. Hamilton Chester, capito do U.S.S. Avalanche, enviado para casa,vindo do Esquadro dos Mares do Sul no dia primeiro de outubro.

    Bem, eu disse, a profisso de reparador de reputaes lucrativa.Seus olhos plidos buscaram os meus: Eu s queria mostrar que estava correto. O

    senhor disse que era impossvel ser bem-sucedido como reparador de reputaes; que mesmose eu fosse bem-sucedido em certos casos, isso me custaria mais do que eu ganharia. Hojetenho quinhentos homens a meu servio, pobremente remunerados, mas que se dedicam aotrabalho com um entusiasmo que possivelmente pode ter nascido do medo. Esses homenspodem entrar em cada abertura e nvel da sociedade; muitos at so pilares dos templossociais mais exclusivos; outros so o apoio e orgulho do mundo financeiro; outros, ainda,detm influncia indiscutvel entre os ricos e talentosos. Eu os escolhi ao meu capricho, apartir dos que responderam a meus anncios. muito fcil, eles so todos covardes. Eupoderia triplicar o nmero em vinte dias se quisesse. Ento o senhor v, aqueles que tm emsua posse a reputao dos seus concidados eu tenho em minha folha de pagamento.

    Eles podem se voltar contra o senhor, sugeri.Ele esfregou seu polegar sobre as orelhas cortadas e ajustou as substitutas de cera.

    Acho que no, ele murmurou pensativamente, raramente tenho de aplicar o castigo, e aindaassim s o fao uma nica vez. Alm disso, eles gostam de seus salrios.

    Como o senhor aplica o castigo?, perguntei.Seu rosto, por um momento, estava horrvel de se olhar. Seus olhos se encolheram em

    um par de fascas verdes.Eu os convido a vir e conversar um pouco comigo, ele disse em uma voz suave.Uma batida na porta o interrompeu, e seu rosto retomou sua expresso agradvel.

    Quem ?, ele perguntou.O sr. Steylette, foi a resposta.Venha amanh, respondeu o sr.Wilde.Impossvel, comeou o outro, mas foi silenciado por um tipo de rosnado do sr. Wilde.Venha amanh, ele repetiu.Escutamos algum se afastar da porta e virar para chegar escada.Quem era?, perguntei.Arnold Steylette, proprietrio e chefe editorial do grande New York Daily. Ele

    tamborilou no livro com sua mo sem dedos, adicionando: Eu o remunero muito mal, mas eleacredita que um bom negcio.

    Arnold Steylette!, repeti assombrado.Sim, disse o sr. Wilde, com uma tosse de satisfao.A gata, que havia entrado na sala enquanto ele falava, hesitou, olhou para ele e rosnou.

    Ele desceu da cadeira e, agachando-se no cho, pegou a criatura em seus braos e a acariciou.A gata parou de rosnar e logo comeou com um ronronar alto que parecia aumentar em timbreenquanto ele a alisava. Onde esto as anotaes?, perguntei. Ele apontou para a mesa, e pela

  • centsima vez peguei a pilha de manuscrito intitulado:

    A DINASTIA IMPERIAL DA AMRICA

    Uma por uma, estudei as pginas bem gastas, gastas apenas por meu manuseio, e emboraeu soubesse tudo memorizado, do comeo, Quando de Carcosa, as Hades, Hastur eAldebaran a Castaigne, Louis de Calvados, nascido em 19 de dezembro de 1877, o li comavidez, ateno absorta, pausando para repetir algumas partes em voz alta, me demorandoespecialmente em Hildred de Calvados, filho nico de Hildred Castaigne e Edythe LandesCastaigne, primeiro na sucesso, etc., etc.

    Quando terminei, o sr. Wilde acenou com a cabea e tossiu.Falando sobre sua ambio legtima, ele disse, como Constance e Louis esto se

    entendendo?Ela o ama, respondi simplesmente.De repente, a gata em seus joelhos se virou e atacou seus olhos, e ele a arremessou e

    subiu na cadeira em frente a mim.E o dr. Archer! Mas essa uma questo que o senhor pode solucionar quando desejar,

    adicionou.Sim, respondi, o dr. Archer pode esperar, mas hora de ver meu primo Louis.Chegou a hora, ele repetiu. Ento pegou outro livro-razo da mesa e o folheou

    rapidamente. Ns estamos em contato com dez mil homens, ele murmurou. Podemos contarcom cem mil dentro das primeiras vinte e oito horas, e em quarenta e oito horas, o estadoascenderia en masse. O pas segue o estado, e a poro que no seguir, quero dizer, Califrniae o Noroeste, ficaria melhor se nunca tivesse sido habitada. No devo enviar a eles o SmboloAmarelo.

    O sangue correu para a minha cabea, mas apenas respondi: Para diante que senavega.

    A ambio de Csar e de Napoleo empalidece diante desta que no poderia descansarat ter arrebatado as mentes dos homens e controlado at mesmo seus pensamentos nonascidos, disse o sr. Wilde.

    O senhor est falando do Rei de Amarelo, gemi com um tremor.Ele um rei a quem imperadores tm servido.Estou satisfeito por servi-lo, respondi.

    O sr. Wilde sentou-se esfregando as orelhas com a mo aleijada. Talvez Constance noo ame, ele sugeriu.

    Comecei a responder, mas uma exploso repentina de msica militar vinda da ruaabaixo abafou minha voz. O vigsimo regimento de drages, outrora em guarnio no MonteSt. Vincent, estava voltando das manobras no condado de Westchester para seu novo quartel aleste da Washington Square. Era o regimento do meu primo. Eles eram um bando excelente dehomens em jaquetas justas de um azul-claro, colbaques garbosos e calas brancas de montaria

  • com a duas listras amarelas, que pareciam moldadas a seus membros. Um esquadro sim eoutro no estava armado com lanas, de cujas pontas de metal tremulavam flmulas amarelas ebrancas. A banda passou tocando a marcha regimental, ento veio o coronel e seu regimento,os cavalos se amontoavam e pisavam com fora, enquanto suas cabeas curvavam-se emunssono, e as flmulas tremulavam das pontas de suas lanas. Os soldados, que montavamcom a bela sela inglesa, pareciam bronzeados como amoras, vindos de suas campanhas cruisentre as fazendas de Westchester, e a msica de seus sabres contra os estribos, e o ressoar deesporas e carabinas, eram encantadores para mim. Vi Louis cavalgando com seu esquadro.Era um dos mais belos oficiais que eu j vira. O sr. Wilde, que havia subido em uma cadeiraperto da janela, tambm o viu, mas no disse nada. Louis virou-se e olhou diretamente para aoficina de Hawberk enquanto passava, e pude ver o rubor em suas bochechas bronzeadas.Pensei que Constance deveria estar na janela. Quando os ltimos soldados passaram emalgazarra, e as ltimas flmulas desapareceram ao sul da Quinta Avenida, o sr. Wilde desceucom dificuldade de sua cadeira e arrastou seu ba para longe da porta.

    Sim, ele disse, hora do senhor ver seu primo Louis.Ele destrancou a porta, eu peguei meu chapu e sa para o corredor. As escadas estavam

    escuras. Tateando, pisei em algo macio, que rosnou e espumou pela boca, e preparei um golpeassassino para a gata, mas minha bengala se espatifou na balaustrada e o animal correu devolta para o quarto do sr. Wilde.

    Passando pela porta de Hawberk de novo, o vi ainda trabalhando na armadura, mas noparei, e com passo acelerado segui pela Bleecker Street at a Wooster, contornei o terreno daCmara Letal e, atravessando a Washington Square, fui direto para meus aposentos noBenedick. L almocei confortavelmente, li o Herald e o Meteor e finalmente fui at o cofre deao em meu quarto e ajustei a combinao temporizada. Os trs minutos e trs quartos quepreciso esperar enquanto a trava est se abrindo so para mim momentos de ouro. Do instanteem que ajusto a combinao ao instante em que agarro a alavanca e abro as slidas portas deao, vivo um xtase de expectativa. Esses momentos devem ser como os momentos passadosno Paraso. Sei o que vou encontrar no fim desse limite de tempo. Sei o que o cofre macioguarda em segurana para mim, apenas para mim, e o requintado prazer de esperar severamente acentuado quando o cofre se abre e eu pego, de sua base de veludo, um diademade ouro puro cravejado de diamantes reluzentes. Fao isso todos os dias, e, mesmo assim, aalegria de esperar e tocar de novo, por fim, o diadema, parece apenas aumentar com o passardos dias. um diadema digno de um Rei entre reis, um Imperador entre imperadores. O Rei deAmarelo pode at desprez-lo, mas ele dever ser usado por seu servo real.

    Segurei o diadema em meus braos at o alarme do cofre soar de maneira desagradvel,ento, delicadamente, com orgulho, o devolvi ao lugar e fechei as portas de ao. Caminheivagarosamente de volta ao meu estdio, que se encontra defronte Washington Square, e meencostei ao peitoril da janela. O sol da tarde jorrou nas minhas janelas, e uma brisa suavemexeu os galhos dos olmos e bordos no parque, agora cobertos de brotos e de uma folhagemdelicada. Um bando de pombos circulou a torre da Memorial Church, s vezes pousando notelhado roxo, s vezes descendo em crculo at a fonte de ltus em frente ao arco de mrmore.Os jardineiros estavam ocupados com os canteiros de flores ao redor da fonte, e a terra

  • recentemente revolvida tinha um aroma doce e penetrante. Um cortador de grama, puxado porum cavalo branco e gordo, tilintava pelo gramado verde, e carros irrigadores jorravamchuveiradas de borrifos sobre as ruas de asfalto. Ao redor da esttua de Peter Stuyvesant, queem 1897 havia substitudo a monstruosidade que deveria representar Garibaldi(4), crianasbrincavam luz do sol de primavera, e babs conduziam elaborados carrinhos de beb comuma despreocupada indiferena pelos ocupantes de rosto plido, o que poderia ser explicadopela presena de meia dzia de soldados em boa forma sentados languidamente nos bancos.Atravs das rvores, o Arco Memorial de Washington cintilava como prata luz do sol, ealm, na extremidade leste da praa, estava o quartel de pedra cinza dos drages, e osestbulos de granito branco da artilharia estavam vivos, cheios de cor e movimento.

    Olhei para a Cmara Letal, localizada na extremidade oposta ao jardim. Algumaspessoas curiosas ainda se demoravam prximo cerca de ao dourada, mas dentro do terrenoos caminhos estavam desertos. Observei as guas das fontes ondulando e brilhando; os pardaisj haviam encontrado este novo recanto de banho, e as bacias estavam cobertas com essascoisinhas emplumadas e empoeiradas. Dois ou trs paves-brancos tomaram seus caminhospelo gramado, e um pombo de cor opaca se sentou to imvel sobre o brao de uma dasMoiras que parecia fazer parte da escultura de pedra.

    Estava indo embora, despreocupadamente, quando uma pequena comoo no grupo decuriosos remanescentes ao redor dos portes atraiu minha ateno. Um rapaz havia entrado eavanava com longos passos nervosos ao longo do caminho de cascalho que leva s portas debronze da Cmara Letal. Ele parou por um momento diante das Moiras, e, enquanto levantavasua cabea para aqueles trs rostos misteriosos, o pombo levantou-se de seu poleiroesculpido, voou em crculos por um momento e rumou para leste. O rapaz pressionou as moscontra seu rosto, e ento, com um gesto indefinvel, subiu os degraus de mrmore com umsalto, as portas de bronze se fecharam atrs dele; meia hora depois os remanescentes seafastaram, e o pombo assustado retornou a seu poleiro, nos braos da moira.

    Coloquei meu chapu e fui ao parque para uma pequena caminhada antes do jantar.Assim que atravessei o caminho central, um grupo de oficiais passou, e um deles chamou,Ol, Hildred, e voltou para me cumprimentar. Era meu primo Louis, que ficou sorrindo ebatendo em suas esporas com seu chicote de montaria.

    Acabei de voltar de Westchester, ele disse; passei alguns momentos buclicos; leitee coalhada, voc sabe, garotas de leiterias em seus chapus, que falam cum qui e numacho quando voc diz a elas que so bonitas. Estou quase morrendo de vontade de umarefeio reforada no Delmonicos. Quais so as novas?.

    No h, respondi cordialmente.Vi seu regimento chegando esta manh.Voc viu? No vi voc. Onde estava?Na janela do sr. Wilde.Oh, cus!, ele comeou impacientemente, aquele homem doido varrido! No

    entendo por que vocEle viu o quanto irritado fiquei devido a essa exploso e implorou o meu perdo.De verdade, velho camarada, ele disse, no quero ofender um homem que voc

  • gosta, mas no consigo enxergar, de maneira nenhuma, o que voc tem em comum com o sr.Wilde. Ele no de boa estirpe, para falar de forma educada; ele horrivelmente deformado;ele tem a mente de um louco criminoso. Voc sabe que ele esteve em um manicmio

    Eu tambm estive, interrompi calmamente.Louis olhou surpreso e confuso por um momento, mas se recuperou e me deu um tapa

    com entusiasmo no ombro. Voc est completamente curado, ele comeou; mas o interrompinovamente.

    Acho que voc quer dizer que simplesmente reconheceram que eu nunca estive louco.Claro que isso isso que quero dizer, ele riu.No gostei de sua risada porque sabia que era forada, mas acenei com a cabea

    alegremente e perguntei a ele onde estava indo. Louis procurava seus camaradas oficiais quehaviam quase alcanado a Broadway.

    Ns pretendamos experimentar um coquetel Brunswick, mas, para falar a verdade,estava ansioso por uma desculpa para visitar Hawberk. Venha comigo, farei de voc minhadesculpa.

    Encontramos o velho Hawberk elegantemente vestido em um fresco terno de primaveraparado porta de sua oficina e farejando o ar.

    Acabei de decidir levar Constance a um pequeno passeio antes do jantar, elerespondeu impetuosa saraivada de perguntas de Louis. Pensamos em caminhar no trecho doparque ao longo do North River.

    Naquele momento, Constance apareceu e alternava-se entre plida e rosada medidaque Louis se inclinou em direo aos seus dedos enluvados. Tentei arrumar uma desculpa,alegando um compromisso nos arrabaldes da cidade, mas Louis e Constance no deramouvidos, e vi que esperavam que eu ficasse e desse ateno ao velho Hawberk. Afinal decontas, eu poderia ficar de olho em Louis, pensei, e quando eles pararam uma charrete naSpring Street, fui atrs deles e me sentei ao lado do armeiro. A bonita fileira de parques ealamedas de granito beira dos peres ao longo do North River, que comearam a serconstrudos em 1910 e terminados no outono de 1917, se tornaram os passeios mais popularesna metrpole. Eles se estendiam da barragem at a 190th Street, contemplando o nobre rio epossibilitando uma boa viso da costa de Jersey e das serras frente. Cafs e restaurantesestavam espalhados aqui e ali entre as rvores, e duas vezes por semana bandas militares daguarnio tocavam em coretos nos parapeitos.

    Sentamos ao sol, no banco aos ps da esttua equestre do general Sheridan. Constanceinclinou sua sombrinha para proteger os olhos, e ela e Louis iniciaram uma conversasussurrada que era impossvel de entender. O velho Hawberk, apoiado em sua bengala compunho de marfim, acendeu um charuto excelente e ofereceu um a mim para acompanh-lo, maseu educadamente recusei, e sorri sem preocupao. O sol pendia baixo, acima dos bosques daStaten Island, e a baa estava tingida com matizes dourados refletidos pelos veleiros da frotaaquecidos pelo sol no porto.

    Brigues, escunas, iates, balsas desajeitadas com seus deques repletos de pessoas,transportadores ferrovirios carregando filas de vages de carga marrons, azuis e brancos,grandiosos navios ressoantes a vapor, navios comerciais comuns a vapor, navios de

  • cabotagem, dragas, barcaas, e por todo lado rebocadores insolentes permeavam toda a baa,resfolegando e apitando inoportunamente; estes eram os barcos que agitavam as guasdiurnas, to distantes quanto os olhos poderiam alcanar. Em calmo contraste pressa develeiros e navios a vapor, uma silenciosa frota de navios brancos de guerra permaneciaimvel em meio correnteza.

    A risada feliz de Constance me acordou de meu devaneio.O que voc est olhando?, ela perguntou.Nada a frota, eu sorri.Ento Louis nos contou quais eram os navios, indicando cada um por sua posio

    relativa ao Red Fort em Governors Island.Aquela coisinha em forma de charuto um barco torpedeiro, ele explicou, ali h

    mais quatro parados prximos uns dos outros. Eles so o Tarpon, o Falcon, o Sea Fox e oOctopus. As canhoneiras acima so a Princeton, a Champlain, a Still Water e a Erie. Pertodelas, esto os cruzadores Faragut e Los Angeles e, acima deles, os navios de guerraCalifornia e Dakota, e o Washington, que est no comando. Aqueles dois curtos, parecendopedaos de metal, que esto ancorados ali perto do Castelo Williams, so os monitoresarmados com duas torres de tiros, Terrible e Magnificent; atrs deles fica o navio-areteOsceola.

    Constance olhou para ele com profunda aprovao em seus belos olhos. Quantascoisas voc sabe para um soldado, ela disse, e todos nos unimos na risada que se seguiu.

    Logo Louis levantou-se com um aceno de cabea e ofereceu o brao a Constance, epassearam ao longo da murada do rio. Hawberk os observou por um momento e depois sevoltou a mim.

    O sr. Wilde estava correto, ele disse. Encontrei as perneiras perdidas e o coxoteesquerdo da Brasonada do Prncipe em um velho sto repugnante de lixo na Pell Street.

    No 998?, perguntei com um sorriso.Sim.O sr. Wilde um homem muito inteligente, observei.Quero dar a ele o crdito desta descoberta de enorme importncia, continuou

    Hawberk. E pretendo que todos saibam que ele tem todo direito fama.Ele no o agradecer por isso, respondi categoricamente; por favor, no diga nada

    sobre isso.O senhor sabe quanto vale?, disse Hawberk.No, cinquenta dlares, talvez.Est avaliado em quinhentos, mas o proprietrio da Brasonada do Prncipe dar dois

    mil dlares para a pessoa que completar sua armadura; essa recompensa tambm pertence aosr. Wilde.

    Ele no a quer! Ele a recusar!, respondi com raiva. O que o senhor sabe sobre o sr.Wilde? Ele no precisa desse dinheiro. Ele rico ou vai ser mais rico do que qualquerhomem vivo, exceto por mim. Por que vamos nos importar com dinheiro ento por quevamos nos importar, ele e eu, quando quando

  • Quando o qu?, perguntou Hawberk, atnito.O senhor ver, respondi, tentando me resguardar de novo.Ele me olhou minuciosamente, bem como o dr. Archer costumava fazer, e soube que ele

    pensava que eu estava mentalmente doente. Talvez fosse melhor para ele que no usassenaquele instante a palavra luntico.

    No, respondi ao seu pensamento no mencionado, no sou mentalmente fraco;minha mente to saudvel quanto a do sr. Wilde. Ainda no me importo em explicar o quetenho em mos, mas um investimento que pagar mais do que mero ouro, prata ou pedraspreciosas. Assegurar a felicidade e a prosperidade de um continente sim, de umhemisfrio!.

    Oh, disse Hawberk.E com o tempo, continuei mais calmamente, assegurar a felicidade do mundo

    inteiro.E, por coincidncia, sua prpria felicidade e prosperidade, bem como a do sr. Wilde?Exatamente, sorri. Mas poderia t-lo estrangulado por ter usado aquele tom de voz.Ele me olhou em silncio por um momento e ento disse muito gentilmente: Por que

    no desiste de seus livros e estudos, sr. Castaigne, e faz uma caminhada entre as montanhas,em algum lugar? O senhor costumava gostar muito de pescar. Jogue algumas iscas para astrutas no Rangelys.(5)

    No ligo mais para pescaria, respondi, sem uma sombra de irritao em minha voz.O senhor costumava gostar muito de tudo, continuou; de esportes, de velejar, de tiro,

    de montariaNunca mais pensei em montar desde minha queda, disse calmamente.Ah, sim, sua queda, ele repetiu, olhando para longe de mim.Pensei que aquela bobagem havia ido longe demais, ento levei a conversa de volta ao

    sr. Wilde; mas ele examinava meu rosto de uma maneira extremamente ofensiva para mim.O sr. Wilde, ele repetiu, o senhor sabe o que ele fez esta tarde?Ele desceu e fixou uma placa acima da porta do corredor prximo ao meu; ela dizia:

    SR. WILDE,

    REPARADOR DE REPUTAES.

    3 campanhia.

    O senhor sabe o que pode ser um reparador de reputaes?Eu sei, respondi, sufocando a raiva interior.Ah, ele disse novamente.Louis e Constance voltaram caminhando e pararam para perguntar se gostaramos de nos

    juntar a eles. Hawberk olhou para seu relgio. No mesmo momento, saiu uma nuvem defumaa vinda das casamatas do Castelo Williams, e o estrondo do disparo do canho durante a

  • cerimnia de arreamento da bandeira correu sobre a gua e ecoou nas serras frente. Abandeira desceu do mastro, os clarins soaram nos conveses brancos dos navios de guerra, e aprimeira luz eltrica brilhou na costa de Nova Jersey.

    Enquanto voltava cidade com Hawberk, ouvi Constance murmurar a Louis algo queno entendi, mas Louis sussurrou Minha querida em resposta; e, de novo, andando comHawberk atravs da praa, ouvi um murmrio de querido e minha Constance, e soube queo momento de conversar com meu primo Louis sobre questes importantes se aproximava.

    IIIUma manh cedo em maio parei diante do cofre de ao em meu quarto, experimentando

    a coroa de ouro e pedras preciosas. Os diamantes reluziram como fogo medida que mevoltei ao espelho, e o pesado ouro forjado queimou como um halo em minha cabea. Lembrei-me do grito agonizante de Camilla e das palavras horrveis ecoando nas ruas escuras deCarcosa. Elas eram as ltimas linhas no primeiro ato, e no me atrevi a pensar no que seseguia no me atrevi, mesmo no sol de primavera, l em meu prprio quarto, cercado deobjetos familiares, reassegurado pelo alvoroo vindo da rua e das vozes dos criados nocorredor, do lado de fora. Aquelas palavras envenenadas haviam gotejado vagarosamente emmeu corao, como o suor da morte absorvido por um lenol. Tremendo, tirei a coroa deminha cabea e enxuguei minha testa, mas pensei em Hastur e em minha prpria justa ambio,e me lembrei do sr. Wilde e em como o havia deixado, com seu rosto todo rasgado eensanguentado devido s garras daquela criatura demonaca, e do que ele disse ah, do queele disse. O alarme do cofre comeou a tocar desagradavelmente, e sabia que meu tempohavia terminado; mas no o consideraria, e recolocando o pequeno crculo cintilante sobreminha cabea, voltei-me desafiadoramente para o espelho. Permaneci por um longo tempoabsorto na expresso inconstante de meus prprios olhos. O espelho refletia um rosto que eracomo o meu prprio, mas mais branco, e to magro que eu quase no o reconheci. E o tempotodo continuei repetindo entre meus dentes cerrados: O dia chegou! O dia chegou!, enquantoo alarme do cofre zunia e clamava, e os diamantes cintilavam e resplandeciam sobre minhafronte. Ouvi uma porta se abrir, mas no prestei ateno. Foi apenas quando vi dois rostos noespelho: foi apenas quando outro rosto surgiu sobre meu ombro, e outros dois olhosencontraram os meus. Virei-me como um raio e agarrei uma longa faca de minha cmoda, emeu primo saltou para trs, muito plido, gritando: Hildred! Pelo amor de Deus!; ento,quando abaixei minha mo, ele disse: Sou eu, Louis, voc no me conhece?. Permaneci emsilncio. No poderia falar nem se minha vida dependesse disso. Ele caminhou at mim e tiroua faca de minha mo.

    O que est acontecendo?, ele perguntou, em uma voz suave. Voc est doente?No, respondi. Mas duvido que ele tenha me ouvido.Venha, venha, velho companheiro, ele exclamou. Tire essa coroa de lato e venha

    para o estdio. Voc vai a um baile de mscaras? O que essa bijuteria de teatro, afinal?.Estava feliz por ele pensar que a coroa era feita de lato e vidro, contudo, no gostei

  • mais dele por pensar assim. Deixei-o tomar a coroa de minha mo, sabendo que era melhorsatisfaz-lo. Ele arremessou o esplndido diadema ao ar, o pegou e devolveu a mim, sorrindo.

    No vale mais que cinquenta centavos, ele disse. Para que isso?No respondi, mas peguei o pequeno crculo de suas mos, e colocando-a no cofre,

    fechei a porta de ao macio. O alarme cessou seu zunido infernal instantaneamente. Ele meobservou curioso, mas no pareceu notar o sbito cessar do alarme. Ele falou, entretanto,sobre o cofre como se fosse uma lata de biscoitos. Temendo que ele pudesse descobrir acombinao, guiei o caminho para meu estdio. Louis se jogou no sof e acertava as moscascom seu fiel chicote de montaria. Ele usava seu uniforme com sua jaqueta enfeitada e quepegarboso, e percebi que suas botas de montaria estavam salpicadas de lama vermelha.

    O que voc tem feito?, indaguei.Saltando por riachos lamacentos em Jersey, ele disse. Ainda no tive tempo de me

    trocar; estava com pressa para ver voc. Voc no tem uma dose de alguma coisa? Estou mortode cansao; fiquei vinte e quatro horas em cima de uma sela.

    Dei a ele um pouco de conhaque de meu estoque medicinal, que ele bebeu com umacareta.

    Que troo horrvel, ele observou. Vou dar a voc um endereo de onde vendemconhaque de verdade.

    bom o suficiente para minhas necessidades, eu disse, de maneira indiferente. Usopara limpar meu peito. Ele fixou o olhar e chicoteou uma outra mosca.

    Veja, velho companheiro, ele comeou. Tenho algo para sugerir a voc. Faz quatroanos que voc se trancou aqui como uma coruja aqui em cima, sem ir a lugar nenhum, semfazer nenhum exerccio saudvel, sem fazer porcaria nenhuma a no ser se debruar sobretodos aqueles livros ali na prateleira.

    Ele olhou rapidamente ao longo da fileira de prateleiras. Napoleo, Napoleo,Napoleo!, ele leu. Pelo amor de Deus, voc no tem nada alm de Napoleo aqui?

    Gostaria que fossem encadernados em ouro, eu disse. Mas, espere, sim, h outrolivro, O Rei de Amarelo. Olhei para ele firmemente.

    Voc j leu?, perguntei.Eu? No, graas a Deus! No quero ficar louco.Vi que ele se arrependeu do que disse assim que proferiu aquelas palavras. S existe

    uma palavra que detesto mais do que luntico, e essa palavra louco. Mas me controlei eperguntei por que ele achava O Rei de Amarelo perigoso.

    Oh, no sei, ele disse com pressa. Apenas me lembro da comoo que ele causou edas denncias vindas dos religiosos e da imprensa. Acho que o autor se matou com um tiroaps criar essa monstruosidade, no foi?

    Sei que ele ainda est vivo, respondi.Isso provavelmente verdade, ele murmurou; balas no poderiam matar um demnio

    como aquele. um livro de grandes verdades, eu disse.Sim, respondeu, de verdades que deixam homens fora de si e destroem suas vidas.

    No me importo se a coisa , como dizem, a verdadeira essncia suprema da arte. um crime

  • ter sido escrito, e com certeza nunca vou abrir suas pginas. isso que voc veio me dizer?, perguntei.No, ele disse. Vim para lhe contar que vou me casar.Acredito que, por um momento, meu corao parou de bater, mas mantive meus olhos

    em seu rosto.Sim, continuou, sorrindo alegremente, casar com a garota mais doce na Terra.Constance Hawberk, eu disse mecanicamente.Como voc sabia?, perguntou, atnito. Eu mesmo no sabia at aquela noite em abril

    passado, quando passeamos no calado beira do rio antes do jantar.Quando vai ser?, perguntei.

    Seria em setembro prximo, mas uma hora atrs um despacho chegou, mandando nossoregimento a Presidio, em So Francisco. Partiremos amanh, ao meio-dia. Amanh, elerepetiu. Pense s, Hildred, amanh serei o homem mais feliz que j respirou neste belomundo, pois Constance

    ir comigo.Estendi minha mo para dar os parabns, e ele a agarrou e apertou como o tolo bondoso

    que era ou fingia ser.Vou ganhar meu prprio esquadro como presente de casamento, tagarelou. Capito

    e sra. Louis Castaigne, hein, Hildred?Ento ele me contou onde seria e quem estaria l, e me fez prometer ir e ser o padrinho.

    Cerrei meus dentes e ouvi sua conversa fiada infantil sem mostrar o que sentia, mas Euestava chegando ao limite da minha pacincia, e quando ele se levantou de repente, e, batendosuas esporas at elas tilintarem, disse que precisava ir, no o detive.

    H uma coisa que quero pedir a voc, eu disse em voz baixa.Pea-me, est prometido, ele riu.Quero que voc me encontre para uma conversa de quinze minutos hoje noite. claro, como quiser, ele disse, um pouco intrigado. Onde?Em qualquer lugar, no parque, ali.A que horas, Hildred?Meia-noite.Por Deus, o que, ele comeou, mas se controlou e, rindo, concordou. O vi descendo

    as escadas com pressa, seu sabre batendo a cada passo. Ele se voltou para a Bleecker Street, eeu sabia que ele estava indo ver Constance. Dei a ele dez minutos para desaparecer e ento osegui em seus passos, levando comigo a coroa de pedras preciosas e a tnica de seda bordadacom o Smbolo Amarelo. Quando cheguei Bleecker Street, e entrei pelo portal que tinha oletreiro:

    SR. WILDE,

    REPARADOR DE REPUTAES.

  • 3 campanhia.

    Vi o velho Hawberk andando por sua oficina e imaginei ouvir a voz de Constance nosalo, mas os evitei e me apressei para as escadas trmulas que levavam ao apartamento do sr.Wilde. Bati e entrei sem cerimnia. O sr. Wilde estava no cho, gemendo, seu rosto coberto desangue, suas roupas despedaadas em farrapos. Gotas de sangue estavam espalhadas por todoo carpete, que tambm havia sido rasgado e despedaado na luta que obviamente haviaocorrido h pouco.

    aquela gata maldita, disse ele, cessando seus gemidos e voltando seus olhos clarospara mim; ela me atacou enquanto eu dormia. Acho que ainda vai me matar.

    Aquilo j era demais, ento fui cozinha e, pegando uma machadinha na despensa,comecei a procurar a fera infernal para dar um fim a ela imediatamente. Minha busca foi intile, depois de um tempo, desisti e voltei para encontrar o sr. Wilde agachado em sua cadeiraalta perto da mesa. Ele lavara seu rosto e trocara suas roupas. Preenchera com coldio osgrandes cortes que as garras da gata haviam deixado em seu rosto, e uma tira de pano escondiaa ferida em sua garganta. Disse a ele que ia matar a gata quando a encontrasse, mas ele apenasbalanou a cabea e se voltou ao livro-razo diante dele. Ele leu nome aps nome das pessoasque vieram at ele para tratar de suas reputaes, e as somas que ele acumulara eramespantadoras.

    Eu pressiono de vez em quando, ele explicou.Qualquer dia desses alguma dessas pessoas vai acabar matando o senhor, insisti.Voc acha?, ele disse, esfregando suas orelhas mutiladas.Era intil discutir com ele, ento peguei o manuscrito intitulado A Dinastia Imperial da

    Amrica, a ltima vez que eu o pegaria no estdio do sr. Wilde. Eu o li sem interrupo,emocionado e tremendo com prazer. Quando terminei, o sr. Wilde pegou o manuscrito e,voltando-se passagem escura que leva do seu estdio ao seu quarto, chamou em voz alta:Vance. Ento, pela primeira vez, notei um homem agachado, ali, na sombra. Eu no podiaimaginar como no o percebi ali durante minha busca pela gata.

    Vance, venha c, gritou o sr. Wilde.A figura se levantou e veio em silncio em nossa direo, e eu nunca esquecerei o rosto

    que apareceu diante do meu quando a luz vinda da janela o iluminou.Vance, este o sr. Castaigne, disse o sr. Wilde. Antes que ele tivesse acabado de

    falar, o homem se atirou ao cho diante da mesa, gritando e me agarrando: Oh, Deus! Oh, meuDeus! Me ajude! Me perdoe! Oh, sr. Castaigne, mantenha aquele homem longe de mim. Osenhor no pode, o senhor no pode estar falando srio! O senhor diferente me salve!Estou arruinado eu estava em um hospcio e agora quando tudo estava indo bem quando eu tinha me esquecido do Rei O Rei de Amarelo e vou ficar louco de novo vou ficar louco

    Sua voz morreu em um palavreado engasgado, pois o sr. Wilde saltou sobre ele e suamo direita envolveu sua garganta. Quando Vance caiu amontoado ao cho, o sr. Wilde subiunovamente em sua cadeira agilmente, e esfregando suas orelhas deformadas com o coto de suamo, voltou-se a mim e perguntou pelo livro-razo. O encontrei embaixo da prateleira e ele o

  • abriu. Depois de um momento procurando entre as pginas belamente escritas, ele pigarreoucom complacncia e apontou para o nome Vance.

    Vance, ele leu em voz alta, Osgood Oswald Vance. Ao som desse nome, o homemao cho levantou sua cabea e voltou seu rosto contorcido para o sr. Wilde. Seus olhosestavam injetados com sangue, seus lbios tumeficados. Consultou-me dia 28 de abril,continuou o sr. Wilde. Ocupao: caixa no Seaforth National Bank; cumpriu pena porfalsificao em Sing Sing,(6) de onde foi transferido para o Manicmio Judicirio. Perdoadopelo governador de Nova York e liberado do manicmio em 19 de janeiro de 1918. Reputaoprejudicada em Sheepshead Bay. Rumores de que mantm um estilo de vida incompatvel comsua renda. Reputao a ser reparada imediatamente. Sinal: mil e quinhentos dlares.

    Observao: desviou somas equivalentes a trinta mil dlares desde 20 de maro de1919, de excelente famlia e chegou posio atual por influncia do tio. Pai: presidente doSeaforth Bank.

    Olhei para o homem no cho.Levante, Vance, disse o sr. Wilde em uma voz suave. Vance se levantou como que

    hipnotizado. Ele far como sugerirmos agora, observou o sr. Wilde, e abrindo o manuscrito,leu a histria inteira da Dinastia Imperial da Amrica. Ento, em um murmrio gentil etranquilizante, ele revisou rapidamente os pontos importantes com Vance, que permaneceucomo que assombrado. Seus olhos estavam to inexpressivos e vazios que imaginei que eletivesse perdido a razo, e observei isso ao sr. Wilde, que respondeu que isso no trariaconsequncia alguma. Muito pacientemente, mostramos a Vance qual seria sua parte nonegcio, e ele pareceu entender depois de um tempo. O sr. Wilde elucidou o manuscrito,usando vrios volumes sobre herldica, para evidenciar o resultado de suas pesquisas. Elemencionou o estabelecimento da dinastia em Carcosa, os lagos que conectavam Hastur,Aldebaran e o mistrio das Hades. Ele falou sobre Cassilda e Camilla, e examinou aprofundidade sombria de Demhe e do lago de Hali. Os farrapos ondulados do Rei deAmarelo devem esconder Yhtill para sempre, ele murmurou, mas no acredito que Vance otenha escutado. Ento ele conduziu Vance pelos graus ao longo das ramificaes da famliaImperial, at Uoht e Thale, de Naotalba e o Fantasma da Verdade a Aldones, e, ento, largandode lado seu manuscrito e as notas, comeou a maravilhosa histria do ltimo Rei. Eu o assistifascinado e excitado. Ele jogou sua cabea para cima, seus longos braos estavam esticadosem um gesto magnfico de orgulho e poder, e seus olhos luziram profundamente nas rbitascomo duas esmeraldas. Vance escutava entorpecido. Quanto a mim, quando finalmente o sr.Wilde terminou, e apontando para mim gritou: O primo do Rei!, minha cabea giravavertiginosamente de exultao.

    Controlando-me com um esforo sobre-humano, expliquei a Vance por que apenas euera digno da coroa e por que meu primo devia ser exilado ou morto. Eu o fiz compreender porque meu primo nunca deveria se casar, mesmo depois de renunciar a todos os seus direitos, epor que, como a ltima coisa que deveria acontecer era ele se casar com a filha do marqus deAvonshire e pr a Inglaterra no jogo. Mostrei a ele uma lista de milhares de nomes, os quais osr. Wilde redigira; cada homem cujo nome estivesse ali recebera o Smbolo Amarelo, o qualnenhum ser vivo ousara desprezar. A cidade, o estado, o pas inteiro estava preparado para se

  • erguer e tremer diante da Mscara Plida.A hora havia chegado, e as pessoas deveriam conhecer o filho de Hastur, e o mundo

    inteiro deveria se render s estrelas negras que pendem do cu de Carcosa.Vance se encostou mesa, sua cabea enterrada nas mos. O sr. Wilde desenhou um

    esboo simples na margem do Herald do dia anterior com um pedao de lpis. Era uma plantados aposentos de Hawberk. Ento ele escreveu a ordem, fixou o selo, e eu, tremendo como umhomem com paralisia, assinei minha primeira ordem de execuo com o nome

    Hildred-Rex.O sr. Wilde escalou at o cho e, abrindo o armrio, pegou uma grande caixa quadrada

    da primeira prateleira. Ele a trouxe at a mesa e abriu. Dentro, uma faca nova estava envoltaem um papel de seda; eu a peguei e a entreguei a Vance junto com a ordem e a planta doapartamento de Hawberk. Ento o sr. Wilde disse a Vance que ele poderia ir; e ele se foi,cambaleando como um pria dos cortios. Sentei-me por um momento, assistindo a luz do diadesaparecer atrs da torre quadrada da Judson Memorial Church, e, finalmente recolhendo omanuscrito e as notas, peguei meu chapu e parti para a porta.

    O sr. Wilde me observou em silncio. Quando pisei no corredor, olhei para trs. Ospequenos olhos do sr. Wilde ainda estavam fixos em mim. Atrs de mim, as sombras cresciam medida em que a luz se esvaa.

    Eu no havia comido nada desde o caf da manh, mas no estava com fome. Umacriatura deplorvel e subnutrida, que permaneceu olhando, do outro lado da rua, para aCmara Letal, me notou e veio me contar uma histria de misria. Dei dinheiro a ele, no seipor que, e ele foi embora sem me agradecer. Uma hora depois, outro pria se aproximou elamentou sua histria. Eu tinha um pedao de papel branco em meu bolso, no qual estavatraado o Smbolo Amarelo, e o entreguei a ele. Ele o olhou estupidamente por um momento, eento, com uma olhadela incerta para mim, o dobrou, com o que parecia para mim um cuidadoexagerado, e o guardou no bolso em seu peito.

    As luzes eltricas estavam brilhando entre as rvores, e a lua nova brilhou no cu acimada Cmara Letal. Era cansativo esperar na praa; vaguei do Arco de Mrmore(7) aos estbulosda artilharia e de volta fonte de ltus. As flores e a grama exalavam uma fragrncia que meincomodava. O esguicho da fonte brincou luz da lua, e o som musical de gotas caindo merecordou o tilintar da cota de malha na oficina de Hawberk. Mas no era to fascinante, e olampejo lnguido da luz da lua na gua no me trouxe tal sensao de prazer extraordinrio,como quando a luz do sol brincava sobre o ao polido de um corselete no joelho de Hawberk.Observei os morcegos se arremessando e girando sobre as plantas aquticas na bacia da fonte,mas seu voo rpido e convulsivo me deixou com os nervos flor d