O Que Fazem Mulheres - Camilo Castelo Branco
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Camilo Castelo Branco
O que fazem mulheres
Publicado originalmente em 1858.
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco(1825 1890)
Projeto Livro Livre
Livro 433
Poeteiro Editor DigitalSo Paulo - 2014
www.poeteiro.com
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Projeto Livro Livre
O Projeto Livro Livre uma iniciativa que propeo compartilhamento, de forma livre e gratuita, de
obras literrias j em domnio p!blico ou quetenham a sua divulga"#o devidamente autori$ada,especialmente o livro em seu formato %igital&
'o (rasil, segundo a Lei n) *&+-, no seu artigo .,os direitos patrimoniais do autor perduram porsetenta anos contados de / de janeiro do ano
subsequente ao de seu falecimento& O mesmo se observa em Portugal& 0egundoo 12digo dos %ireitos de 3utor e dos %ireitos 1one4os, em seu captulo 56 e
artigo 7), o direito de autor caduca, na falta de disposi"#o especial, 8- anosap2s a morte do criador intelectual, mesmo que a obra s2 tenha sido publicadaou divulgada postumamente&
O nosso Projeto, que tem por !nico e e4clusivo objetivo colaborar em prol dadivulga"#o do bom conhecimento na 5nternet, busca assim n#o violar nenhumdireito autoral& 9odavia, caso seja encontrado algum livro que, por algumara$#o, esteja ferindo os direitos do autor, pedimos a gentile$a que nos informe,a fim de que seja devidamente suprimido de nosso acervo&
:speramos um dia, quem sabe, que as leis que regem os direitos do autor sejamrepensadas e reformuladas, tornando a prote"#o da propriedade intelectualuma ferramenta para promover o conhecimento, em ve$ de um temvel inibidorao livre acesso aos bens culturais& 3ssim esperamos;
3t l, daremos nossa pequena contribui"#o para o desenvolvimento daeduca"#o e da cultura, mediante o compartilhamento livre e gratuito de obrassob domnio p!blico, como esta, do escritor portugu isso;
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BIOGRAFIA
Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, no Largo do Carmo, a 16 de Maro de
1825. Oriundo de uma famlia da aristocracia de ro!ncia com distanteascend"ncia crist#$no!a, era fil%o de Manuel &oa'uim Botel%o Castelo Branco,nascido na casa dos Correia Botel%o em (#o )inis, *ila +eal, a 1 de -gosto de18, e 'ue te!e uma !ida errante entre *ila +eal, *iseu e Lisboa, onde faleceua 22 de )eembro de 18/0, tomado de amores or &acinta +osa do srito(anto erreira.
Camilo foi assim erfil%ado or seu ai em 182/, como 3fil%o de m#e inc4gnita.icou 4rf#o de m#e 'uando tin%a um ano de idade e de ai aos de anos, o 'uel%e criou um carter de eterna insatisfa#o com a !ida. oi recol%ido or uma tia
de *ila +eal e, deois, or uma irm# mais !el%a, Carolina +ita Botel%o CasteloBranco, nascida em Lisboa, (ocorro, a 27 de Maro de 1821, em *ilarin%o de(amard#, em 18/, recebendo uma educa#o irregular atra!9s de dois :adresde ro!ncia.
;a adolesc"ncia, formou$se lendo os clssicos ortugueses e latinos e literaturaeclesistica e contatando a !ida ao ar li!re transmontana.
Com aenas 16 anos
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)e!ido a esta desa!ena, 9 esancado elo 3Ol%os$de$Boi, caanga do>o!ernador Ci!il.
-s suas irre!erentes corresond"ncias Aornalsticas !aleram$l%e, em 1878, no!a
agress#o a cargo de Caadores.
Camilo abandona :atrcia nesse mesmo ano, fugindo ara casa da irm#,residente agora em Co!as do )ouro.
Eenta ent#o, no :orto, o curso de Medicina, 'ue n#o conclui, otando deoisor )ireito. - artir de 1878, fa uma !ida de bo"mia releta de ai@Fes,reartindo o seu temo entre os caf9s e os salFes burgueses e dedicando$seentretanto ao Aornalismo. m 1850, toma arte na ol"mica entre -le@andreGerculano e o clero, ublicando o o?sculo O Clero e o (r. -le@andre Gerculano,
defesa 'ue desagradou a Gerculano.
-ai@ona$se or -na -ugusta *ieira :lcido e, 'uando esta se casa, em 1850,tem uma crise de misticismo, c%egando a fre'uentar o seminrio, 'ue abandonaem 1852.
-na :lcido tornara$se mul%er do negociante Manuel :in%eiro -l!es, umbrasileiro 'ue o insira como ersonagem em algumas das suas no!elas, muitas!ees com carter dereciati!o. Camilo sedu e rata -na :lcido. )eois de
algum temo a monte, s#o caturados e Aulgados elas autoridades. ;a'uela9oca, o caso emocionou a oini#o ?blica, elo seu conte?do tiicamenteromntico de amor contrariado, H re!elia das con!enFes e imosiFes sociais.oram ambos en!iados ara a Cadeia da +ela#o, no :orto, onde Camilocon%eceu e fe amiade com o famoso salteador I9 do Eel%ado. Com base nestae@eri"ncia, escre!eu Mem4rias do Crcere. )eois de absol!idos do crime deadult9rio elo &ui &os9 Maria de -lmeida Eei@eira de Jueir4s
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m 180, de!ido a roblemas de sa?de, Camilo !ai !i!er ara *ila do Conde,onde se mant9m at9 181. oi a 'ue escre!eu a ea de teatro 3O Condenado
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u@ando or cem mil reis em notas entregou$as ao intor. O san%ol,surreendido com a'uela inter!en#o 'ue esta!a longe de eserar, n#o ac%ouuma ala!ra ara resonder. )uas lgrimas, or9m, l%e desliaram silenciosaselas faces, como ?nica demonstra#o de recon%ecimento.
m 1885 9$l%e concedido o ttulo de 1. *isconde de Correia Botel%o. - / deMaro de 1888, casa$se finalmente com -na :lcido.
Camilo assa os ?ltimos anos da !ida ao lado dela, n#o encontrando aestabilidade emocional or 'ue ansia!a. -s dificuldades financeiras, a doena eos fil%os incaaes
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sobre!i!eu em coma agoniante at9 Hs cinco da tarde. - de &un%o, Hs seis datarde, o seu cad!er c%ega!a de comboio ao :orto e no dia seguinte, conformeo seu edido, foi seultado eretuamente no Aaigo de um amigo, &o#o-ntKnio de reitas ortuna, no cemit9rio da *ener!el rmandade de ;ossa
(en%ora da Laa.
(#o suas rinciais obras -ntema
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NDICE
A todos os que lerem....................................................................................
A alguns dos que lerem.................................................................................
Captulo avulso.............................................................................................Captulo 1......................................................................................................
Captulo 2......................................................................................................
Captulo 3......................................................................................................
Captulo 4......................................................................................................
Captulo 5......................................................................................................
Captulo 6......................................................................................................
Captulo 7......................................................................................................
Captulo 8......................................................................................................
Captulo 9......................................................................................................Captulo 10....................................................................................................
Captulo 11....................................................................................................
Captulo 12....................................................................................................
Captulo 13....................................................................................................
Captulo 14....................................................................................................
Cino p!ginas que " mel#or n$o ler..............................................................
Captulo 15....................................................................................................
Captulo 16....................................................................................................
Captulo 17....................................................................................................
Conlus$o......................................................................................................
%uplemento...................................................................................................
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A TODOS OS QUE LEREM
uma histria que faz arrepiar os cabelos.
H aqui bacamartes e pistolas, lgrimas e sangue, gemidos e berros, anjos edemnios.
um arsenal, uma sarrabulhada, e um dia de juzo!
sto sim que romance.
"#o romance$ soalheiro, mas trgico, mas horr%el, soalheiro em que o sol
esconde a cara,
&omo da se%a mesa de 'iestes
(uando os filhos por m#o de )treu comia.
*scre%e+se esta crnica enquanto as imagens dos algozes e %timas me cruzam
por diante da fantasia, como bando de a%es agoureiras, que espirram de
pardieiro esboroado, se as acossa o archote dum fantasma.
'enebroso e medonho! uma dana macabra! um trip-dio infernal! &oisa s
semelhante a uma no%ela pa%orosa das que aterram um editor, e se perpetuam
nas estantes, como espectros im%eis.
H a almas de pedra, coraes de zinco, olhos de %idro, peitos de asfalto/
(ue %enham para c.
)qui h cebola para todos os olhos$
0roca para todas as almas$
&adinhos de fundi#o metal-rgica para todos os peitos.
"#o se resiste a isto. H+de chorar toda a gente, ou eu %ou contar aos pei1es,
como o padre 2ieira, este miserando conto.
3s dias atuais s#o melanclicos$ a humanidade quer rir+se$ muita gente, sria e
sisuda, se compra um romance, para dar trguas 4s despoetizadas e pecas
realidades da %ida.
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5ei+o demais. *u tambm compro os li%ros dos meus amigos, para espairecer de
meditaes sorumbticas em que me anda trabalhado o esprito.
5ei quanto de%o, e que fa%ores impag%eis me de%eria, leitor bilioso, se eu lhe
encurtasse as horas com pginas galhofeiras, pitorescas, salitrosas, tra%andobem 4 malagueta, nos beios de toda a gente, afora os seus.
'enha paci6ncia7 h+de chorar ainda que lhe custe.
5e respeita a sua sensibilidade, fique por aqui$ n#o leia o resto, que est a
adiante uma, ou duas s#o elas as cenas das que n#o le%am ao cabo, sem destilar
em lgrimas todos os lquidos da economia animal.
*ste romance foi escrito num subterr8neo, ao bru1ulear sinistro duma l8mpada.
)lfredo de 2ign9 n#o diz que escre%eu um drama, 4s escuras, em %inte dias/ *
:rederico 5ouli n#o se rodea%a de esqueletos e esquifes/
* outros n#o se espertaram com todos os estmulos imagin%eis de terror/
;enos o do subterr8neo... este meu, se d#o licena.
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precisa mais alguma coisa7 intelig6ncia$ e, se n#o bastar esta, %alha+se da
resigna#o.
3ra, est dito tudo.
@eiam isto, que %erdadeiro como o =)giolgio> de Aibadaneira, como as
= de :ern#o ;endes, como todos os li%ros legados de gera#o a
gera#o com o sinete da crena uni%ersal.
A ALGUNS DOS QUE LEREM
"#o ser uma a#o meritria emoldurar em formas %erosmeis a %irtude, que ospessimistas acoimam de impratic%el neste mundo/ H#o de s crer nas
faanhas do crime, nas hiprboles da maldade humana, e negar as perfeies
do esprito, descrer o que ultrapassa as balizas duma certa %irtude con%encional,
que n#o custa dores a quem a usa/
5e os espanta as e1cel6ncias da mulher que %ou debu1ar, antes de mas
impugnarem, afiram+nas pela natureza, interroguem+se, concentrem+se no
arcano imaculado da sua consci6ncia. 5e me rejeitam a %erdade de @udo%ina,
sabem o que esse descrer/ apoucamento de alma para idear o belo$ o
regelo do cora#o que rebate as imagens ainda aquecidas do hlito puro da
di%indade.
5e a mulher assim fosse imposs%el, o romancista que a in%entou, seria mais que
Beus.
CAPTULO AVULSO:
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H apelidos que parecem os epitfios dos talentos.
Cm escritor "unes morre ao nascer.
0em o sabia ele.
Hou%e em
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=)s m#os que te enrolaram, charuto infame, sequem+se e mirrem+se como as
das m-mias de ;6nfis.
=* para %s, contratadores, cai1as, comarqueiros, e estanqueiros do contrato do
tabaco, para %s o inferno ilimitado, a regi#o tenebrosa dos condenados, ondeh o ranger dos dentes, e o sempiterno horror!
=
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"#o %os faz melancolia %er a lombada desses enormes %olumes aprumados
numa estante/ "#o h naquele aspeito triste alguma coisa que %os faz crer que
o in+flio chora pelo frade/
)gora n#o se escre%e daquilo, posto que o saber humano seja mais %asto, eopulentado com as %iglias de dois sculos laboriosos. Aeina o romancista, que
o sucessor do frade, na ordem das intelig6ncias produti%as. 3ra, o romancista
h+de, por fora da sua natureza cientfica, despejar no romance a ci6ncia que
lhe traz entumecido o estmago intelectual$ e o romance, assim, dei1ar de ser
lido, se o conselho superior de instru#o p-blica n#o organizar os estudos de
modo que as ci6ncias transcendentes, em consrcio com as da natureza fsica,
desbra%em o esprito+charneca de muito leitor sandio, que n#o pode entender a
irac-ndia qumica de :rancisco "unes.
3 qual continuou assim7
=H cinco sculos que a raa proscrita de srael sofreu em
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=) Aoma pag# era o santurio da justia. ) os propinadores de %enenos eram
clandestinos. ) m#o cruenta do %erdugo ia arranc+los ao segredo das suas
fornalhas, e manda%a+os de presente ao diabo.
=@ucius &ornelius 59la, a tua lei de suplcio para os empeonhadores %ale s deper si uma legislatura desta horda de togados rotos, que nos espremem da
algibeira EKLG ris dirios, por cabea.
=)qui, h o morrer sem recurso de re%ista, o e1pirar em %mitos negros, o tossir
rspido da bronquite, as asmas ofegantes, o ronco profundo da pieira larngea,
os delquios da cabea atordoada, a podrid#o dos dentes, as fendas
carboniformes dos beios, os abcessos pulmonares, as hemorragias de sangue
apostemado7 + h tudo isto, debai1o deste cu impass%el, na presena docdigo criminal num pas, onde trabalha a eletricidade por arames, onde se
comem omelettes sucres e soufls, e donde se mandam rapazes para o
estrangeiro estudar 0*"*:&M"&).
=;entira! ;entira e escrnio!
=5e quereis beneficiar este pas, n#o mandeis l fora, par%os go%ernadores da
0arataria, n#o mandeis l fora estudar o processo de bem+fazer.
=2ede+me este moo, que tem apenas %inte e dois anos, e j precoces sulcos da
doena lhe enrugam a fronte. ) c-tis macilenta, onde de%iam %icejar as rosas da
adolesc6ncia, adere aos ossos, desmedulados e cariados, uma tosse %iolenta lhe
retesa os m-sculos do pescoo, e1pedindo das gl8ndulas sali%ares um pus
granuloso, pardo, e alcalino. )s faculdades intelectuais est#o entorpecidas
nesse mancebo. *stimulando+se com cognac e absinto, esta espcie de cretino,
bestificado por uma enfermidade incur%el, apenas consegue dizer tr6s tolices
acerca de Bonizetti, sentado num mocho de botequim, encostando o corpo
ener%ado 4 banca dos licores incitantes.
=5abeis quem reduziu esse %egetal a t#o quebrantado estiolamento/
=:oi o charuto!
=3 contrato do tabaco empeonhara a sei%a desse moo, que os fados, menos
poderosos que os cai1as, tal%ez ti%essem destinado para e1ercer o magistrio do
folhetim, m1imo esforo de intelig6ncia, numa poca, e num pas, cujo amor 4s
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letras n#o %ale a correspond6ncia de uma local bem potica como a do baile do
senhor fulano.
=2oltai para esse corpo achacadio e apodrentado o %osso 8nimo beneficente,
5anchos+
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*, assim rugindo, numa como impreca#o de moribundo atormentado,
arremessou o charuto por cima do muro para o quintal.
CAPTULO 1: 3 (C* :)N*; ;C@H*A*5
+ @udo%ina, j pensaste a resposta que hs de dar a teu pai/
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+ *u n#o sei se amas outro homem... 5ei que namoras outro homem, e entre
namorar e amar est o refletir, menina. *sse rapaz que te manda romances e
cartas entre as pginas... In#o te inquietes, que eu sei tudo, e tudo pouco
%ale...J esse rapaz quem / Cm filho+famlia, sem posi#o, sem modo de %ida,
que te ama, que ser teu marido, se tu quiseres$ que %i%er das tuas sopas, se as
ti%eres para ti, que se en%ergonhar da sua depend6ncia, quando o amor
obedecer 4 raz#o$ que se enfastiar dos teus carinhos, se quiseres prend6+lo
com eles a ti, ou ao bero de teu filho. 5e quisesses e1emplos, da%a+tos. 'ens
ou%ido censurar duas ou tr6s amigas, que tens, casadas com homens ricos de
cabelos brancos/
+ )inda ontem li um folhetim contra as mulheres que se dei1am seduzir pela
=fortuna> de est-pidas criaturas...
+ @este/ Be quem era o folhetim/ 5e o autor for rico, e ti%er quarenta anos, o
autor insuspeito, e, nesse caso, digo+te que sujeites o teu destino 4
determina#o do folhetim. *scre%e uma carta ao autor, e conta+lhe que s uma
menina pobre, %irtuosa, com e1celentes jias de esprito. 3ferece+lhe o teu
cora#o, e promete que hs de le%ar+lhe a felicidade com a pobreza. 5e ele te
%ier buscar, peso+te a oiro ao santo que fizer o milagre. 3ra, se o folhetinista
um talento raro, um elegante de grande bigode e luneta, mas pobre, faz+lhe omesmo oferecimento, pre%enindo+o de que s t#o pobre como ele.
5e o folhetinista te %ier pedir, um dia de festa nesta casa...
=)prende, criana. 3s rapazes pobres, se %i%em na boa sociedade, criam a
ambies, que uma menina sem riqueza n#o satisfaz.
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disto/ 5acrificam, tal%ez, a sua indigna#o ao amor do se1o7 n#o dizem nada, e
rebentam por outro lado em imprecaes contra a mulher, que os elegantes
ricos rejeitam, e os ricos sem eleg8ncia procuram.
=3lha, filha, se te n#o fosse penosa a e1peri6ncia, dei1a%a+te casar por pai1#o,como se diz, com o primeiro moo pobre que te encantasse. Bepois, quando
sasses a passeio com teu marido, le%arias um %estidinho de chita, por n#o
poderes le%ar um de glac. 3s tais censores de folhetim %er+te+iam mal trajada,
e diriam, no auge de sua pena7 = )o
teu lado passaria uma das tuas amigas, ricamente %estida, pelo brao dum %elho
com quem a casaram as con%eni6ncias. 3s mesmos censores diriam7 =(ue mal
empregada mulher em semelhante alar%e!> ? %6s que o estmulo da
compai1#o, que fizeste, era o teu %estido de chita$ e o estmulo de in%eja, que
fez a tua amiga, era o %estido de seda.
+ ;as se eu fosse feliz com o meu %estido de chita, e o homem do meu cora#o/
+ sso romance, menina. "unca feliz com um %estido de chita a mulher que
tem amigas com %estidos de seda. Hoje reina a opini#o p-blica, @udo%ina, n#o
a consci6ncia de cada um. 3 agente principal do esprito duma mulher a
modista. 5e h casadas que en%elhecem disputando 4s netas a melhor elei#odum talhe de %estido, que far#o as solteiras/
=0asta de razes insignificantes, que de%em humilhar a tua raz#o, @udo%ina. *u
nunca embaracei esse ligeiro conhecimento que tens com o Aicardo de 5, por
saber que nunca seriam tardias as refle1es que te fao agora. "#o podes casar
com esse homem sem desgostar teus pais, e granjear para ti o infort-nio, e para
ele o arrependimento. 5e soubesses o que de%e ser o arrependimento entre
casados, a maior pro%a de amor que podias dar a esse rapaz, seria esquec6+lo.
'u sabes que %i%emos do ordenado de teu pai7 temos podido manter a dec6ncia
e o lu1o at dos teus caprichos de formosa$ porm, nada mais podemos. 5e
ti%esses um grande dote, a primeira a diligenciar o teu casamento com Aicardo
de 5, seria eu. )ssim, repro%o+o, oponho+me, e serei eu a encarregada de dizer
a esse ca%alheiro que a tua %ontade n#o li%re, ou que a tua escolha foi outra.
+ "#o diga tal, mam#. 5e casar com o homem que me destinam, a escolha n#o
minha. Bei1em+me, ao menos, este desforo... :ique a responsabilidade da a#o
a quem me obriga.
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+
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desbarata a pequena mesada nas casas de pasto, e n#o se assusta da
inapet6ncia.
Aicardo cr6 que o seu estmago destacou tecidos para o cora#o, reser%ando
para o funcionalismo alimentcio um estmago+miniatura, o quantum satisdascompleies silfidicas. &on%icto da e1cresc6ncia espiritual, cr6+se dotado de
fluidos nr%eos, magnetismo, eletricidade, eteriza#o. ?ulga+se enfim
anestsico, espasmdico, din8mico, enfim tudo o mais que n#o se entende.
"#o ama as mulheres, pranteia+as como %timas do seu poder fascinante.
)lgumas %ezes, tem a piedade de as n#o encarar para as n#o abismar. 3utras,
e1erce a crueza da e1peri6ncia, fitando+as com o olho carregado de eletricidade,
fala+lhes com um timbre magntico que ele sabe, e, n#o h que %er, osonambulismo pronto, a atra#o irresist%el como a da cobra+casca%el do
&anad aps o tangedor de flauta.
&r6 tudo isto o bacharel, e h %elhacos que lho ou%em com a sisudeza da
crena, e lhe n#o receitam um curati%o de custicos.
B. @udo%ina
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+ @udo%ina fica hoje no quarto + disse B. )nglica, respondendo 4 pergunta
admirada do bacharel.
+ Boente/
+ 5im, passageiramente doente$ mas t#o dbil a pequena, t#o melindrosa...
+ * um corpo que n#o pode com o esprito... *u compreendo o que s#o esses
desfalecimentos de alma. ) filha de 2. *1P tem uma organiza#o muito
semelhante 4 minha. )s minhas enfermidades s#o sempre quebrantos,
esterismos, letargias, procedentes das fadigas intelectuais, ou dos anseios do
cora#o. &ompleies infelizes, n#o acha, minha senhora/
+ 3h! infelicssimas, decerto...
+ 5e, toda%ia, 2. *1P ti%esse a bondade de dizer a sua filha que fizesse um esforo
para me %ir contar os seus padecimentos, tal%ez que uma medicina toda
espiritual...
+ ) curasse/... tal%ez...
+ 5orriso de incredulidade, n#o assim/ 2. *1P sobejamente espirituosa para
desconhecer a influ6ncia que e1erce uma alma sobre outra, quando as
correntes magnticas...
+ "#o lhe d trguas a sua pai1#o magntica, 5r. 5!... ) @udo%inazinha quei1a+se
de en1aqueca... *u %oto, desta %ez, por medicamentos caseiros... 'al%ez que uns
sinapismos... + prosseguiu ela, rindo, sem ferir o rg#o manaco do bacharel +
dispensem uma descarga eltrica.
+ 2. *1P n#o quis entender+me, ou eu tenho sido confuso na e1posi#o dasminhas con%ies.
+ clarssimo sempre, 5r. 5$ mas desconfio da ineficcia da sua %ontade sobre a
en1aqueca de @udo%ina. * depois, con%m+nos que ela esteja doente por um
quarto de hora. 2amos falar a respeito dela. 'enho razes para suspeitar que
minha filha n#o indiferente a 2. *1P.
+ Becerto, n#o.
-
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+
3 monlogo continua%a, quando @udo%ina, conduzida maquinalmente por sua
m#e, se coloca%a atrs duma %idraa da alco%a imediata 4 sala.
B. )nglica era um assombro de esperteza. ) leitora j admirou a eloqu6ncia
persuasi%a com que ela abalou o cora#o da filha$ j disse, de si para si, que,
com tal m#e, n#o h filha que rejeite o casamento dum brasileiro rico$ j leu as
pginas que a ficam 4 m#ezinha para que ela saiba os argumentos com que se
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%ence a desobedi6ncia das filhas, em casos id6nticos. como 2. *1P diz... 2amos 4 nossa prtica interrompida
que muito sria7
=Bisse o 5r. 5 que minha filha lhe merecia um sentimento profundamente
respeitador, uma afei#o nobre e desinteressada, um amor refletido e bem+
intencionado, e finalmente uma pai1#o, que n#o era bem uma pai1#o,
porquanto desiluses, re%eses, et coetera, lhe ha%iam... n#o me recordo...
+ *sterilizado a alma...
+ :oi isso... *m toda a sua resposta s h de desagrad%el essa esterilidade dealma$ toda%ia, eu creio que t#o boa alma h+de sempre florescer e frutificar,
quando a cultura for confiada a uma mulher de bom cora#o, meiga, dcil,
ma%iosa, enfim, a uma que n#o in%eje as boas qualidades de minha filha.
+ Becerto... assim o penso, minha senhora + balbuciou o bacharel, forado pelo
sil6ncio interrogador de B. )nglica.
+ ;inha filha ama+o, 5r. 5. )ma+o delirantemente, perdidamente, quer ser sua
ou da sepultura, n#o aceita admoestaes nem esperanas tardias, quer unir+se
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ao esposo da sua alma, mas j, sen#o... diz que, mais tarde, ser %tima da sua
pai1#o. 5abia 2. 5P que era tamanho o seu domnio naquela inocente alma/
+ 5abia... esgraadamente sabia.
+ Besgraadamente!... essa pala%ra traz tristeza!
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n#o entrar na carreira da magistratura, e o cabedal dos meus estudos n#o me
abona tanto quanto 2. *1P imagina que pode proporcionar+me a intelig6ncia.
+
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para pedir ao seu ca%alheirismo que n#o a inquietasse, porque %ai esposar um
homem que seu pai lhe escolheu. 2. 5P alumiou+me o entendimento, deu+me
um alegr#o inapreci%el, e %oltou as minhas ideiaspara o lado oposto. :ui buscar
minha filha para assistir ao espetculo do cora#o de 2. 5P, e dei+lhe um belo
espetculo. 5r. 5, a sua posi#o desagrad%el, e faz+me pena, por n#o dizer
tdio. Cm homem como 2. 5P nunca de%era erguer os olhos para uma menina
honesta.
B. )nglica retirou+se da sala, soberba como uma rainha na descida do trono.
3 autor poss%el do 5&C@3
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+ um pobre diabo que l6 no%elas, e n#o mau rapaz + respondeu o 5r.
;elchior, limpando o suor da testa.
+ "o%elas!... hum! + este hum do 5r. ?o#o ?os Bias uma coisa semelhante a um
rudo roufenho$ aquele hum a tese duma disserta#o que ele, em tempooportuno, h+de fazer contra a leitura imoral dos romances. + ) sua filha l6
no%elas, 5r. ;elchior/ + continuou ele pondo os olhos de esguelha, como
molosso desconfiado.
+ *ntretm+se com a m#e, 4s %ezes, nessa leitura$ mas l6 somente as que a m#e
j tem lido.
+
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cartilagens, de%ia ser a desespera#o de :alpio e de 0ichat7 rompiam+lhe de
entre os olhos as %entas j formadas, com a ponta arregaada, e as asas
con%e1as, dilatando+se at 4s alturas dos ossos malares, entupidos nas
bochechas gordurentas. 3s beios eram bicolores7 nacarinos no centro e ro1os
para as e1tremidades quase in%is%eis sob os refegos rela1ados dos m-sculos
limtrofes. ?o#o ?os tinha quatro dentes incisi%os de brilhante esmalte,
entalados nos outros quatro, formando de comum acordo as sali6ncias
irregulares dum pedao de cristal bruto. 3s dentes laniares ou caninos tinham
uma crusta de crie, e algumas luras chumbadas. 3s %inte malares esta%am no
gozo das suas funes triturantes, conquanto amarelados de sais trreos, e
regurgitamentos do bolo indigesto.
?o#o ?os n#o tinha pescoo7 as espduas ladea%am+lhe os bcios da garganta,
alteando+se ao n%el das orelhas escarlates, com bolbos da mesma cor, e n#o sei
que e1cresc6ncias no lbulo, simulando pingentes de coral.
Bisse+se que era todo barriga o homem, j que 0ufon e &u%ier asse%eram que
homem, feito 4 imagem e semelhana de... n#o ousamos escre%er a blasf6mia.
3 que se n#o sabe que a barriga lhe marinha%a peito acima, at le%ar de
assalto o campo onde fora o pescoo.
)s pernas de ?o#o ?os eram dois cepos, postos em peanha a uma esfera
armilar.
'#o curtas eram elas, e t#o desmesurados os ps, que me n#o seria dificultoso
con%encer+%os de que a natureza, em hora de tra%essura, fez da por#o de
matria, destinada para a perna e p, duas partes iguais, juntou+as, e o ponto de
jun#o denominou+o calcanhar.
)s botas de ?o#o ?os tinham incr%eis e1panses de couro7 eram um oceano de
bezerro cortado de ilhas. 3s joanetes do p direito forma%am um arquiplago.
"o remanescente das milhas despo%oadas, o p era raso e ch#o como uma loisa
de merceeiro.
Beram+se uns longes para au1iliar a fantasia de quem n#o conhece o 5r. ?o#o
?os Bias.
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2amos 4 biografia da pessoa, e %eremos que boa alma se anichou neste
hediondo in%lucro.
?o#o foi cachopo para o 0rasil, e estreou+se numa loja de molhados, onde
granjeou renome de rapaz %ideiro e possante. )braa%a uma tanha de azeite detr6s almudes, e aguenta%a com ela do armazm para a loja, sem impar.
@e%anta%a do sobrado para o balc#o o peso de tr6s arrobas com os dentes.
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os julgaria. )ceitou os enormes crditos que lhe ofereceram, estabeleceu+se, e
dentro de doze ou treze anos pagou as d%idas de seus scios, e liquidou cem
contos de ris fortes, entre os quais, diz ele, e dizem todos os que o
conheceram, n#o ha%ia cinco ris adquiridos desonrosamente.
&hegou a
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+ sto um modo de falar... + obser%ou ?o#o ?os. + 5em que sua filha d6 o sim,
nada feito. *u sei que estou no calado %elho, e n#o trajo c 4 moda dos janotas,
como por a dizem. ) sua filha muito no%a, e querer um rapaz. :ale com ela,
diga+lhe a %erdade, eu irei l se o senhor quiser$ se ela quis, muito bem$ se n#o
quis, ficamos amiguinhos como dantes.
+ ) minha filha dcil e ajuizada7 h+de querer o que eu quiser. :oi educada por
uma m#e, que te%e melhores princpios que eu, e faz com que ela lhe obedea,
tratando+a como irm#.
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H#o de %er com que isen#o de 8nimo se escre%e nesta pro%ncia das letras.
)cabou+se o eplogo, e pre%eniu+se uma crise literria no 0rasil.
CAPTULO 4
+ *nt#o a pequena est incomodada/ + perguntou ;elchior a sua mulher, que
n#o declina%a os olhos do cepo informe do 5r. ?o#o ?os Bias.
+ Cm pouco incomodada.
+ 2ais dizer+lhe que %enha 4 sala, menina/
+ rei.
+ *stou boa, pap + disse @udo%ina entrando subitamente, e cortejando o
hspede, que ela conhecera de o ter %isto outra %ez.
+ 'ema bondade de sentar+se, 5r. Bias/ + disse ;elchior ao acanhado brasileiro,
que mal pudera gaguejar um =criado de %ossa senhoria> que corrigiu
bruscamente em =%ossa e1cel6ncia>. + ;inha filha, quando ontem te disse que a
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+ Ba minha parte, hei de fazer o poss%el por n#o lhe dar desgosto, porque o
meu natural bom, e ningum, at hoje, se deu mal comigo.
@udo%ina ergueu+se, e pediu licena de retirar+se por um instante. B. )nglica
entendeu+a, e seguiu+a, pouco depois. :oi encontr+la no quarto, afogada emsoluos, cur%ada sobre o leito.
+ (ue isto, filha/
+ "ada, minha m#e...
+ muito, @udo%ina$ que tens/
+
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sou mais uma das mulheres que se %enderam 4 riqueza. 3 que nunca ningum
dir que eu infamei o homem que me comprou... nunca, meu Beus!...
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numa sociedade onde a formosura se estima, como um meio de alcanar
=fortuna>, e a =fortuna> como um meio de se alcanar tudo. *ntendeste+me,
filha/
+ *ntendi, meu pai.
@udo%ina entrou jo%ialmente na sala.
+ ;inha senhora + disse o brasileiro, gaguejando +, eu fui toda a minha %ida
negociante, apenas sei ler e escre%er, e digo as coisas assim como elas me %6m 4
ideia.
3ra bem$ a menina est resol%ida a ser minha companheira de toda a %ida/
+ 5im, senhor, disse ainda h pouco que sim.
+ %erdade que disse$ mas pode ser que o dissesse para contentar seu pai, e l
no interior sentisse outra coisa.
+ Bisse o que sentia, e repito o que disse.
+ (uem sabe se a senhora tinha alguma simpatia por a, e que l por eu ter
alguns %intns seu pai a fizesse %oltar+se para outro lado/
+ "#o, senhor, eu n#o tenho afei#o a algum.
+
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+ ? disse a 2. 5P que desejo ser sua esposa$ n#o sei que mais de%a dizer+lhe. "#o
me hei de arrepender, porque espero merecer sempre a sua estima e confiana$
mas tenho um fa%or a pedir+lhe.
+ Biga l, seja o que for.
+ Beseja%a que ficssemos na companhia de meus pais.
+ :icaremos$ e quando formos passar algum tempo 4 nossa casa de &elorico, a
nossa famlia ir connosco. *ra s isso/
+ "#o tenho outra ambi#o.
+ sso pouco ... H+de se fazer tudo que a menina quiser7 graas a Beus, temosmais que o preciso para satisfazer as nossas %ontades. )gora, se quiser dizer a
seu pai que j lhe disse o que tinha a dizer, % l, que eu fico 4 espera dele e de
sua m#ezinha para me despedir, at 4 noite.
B. @udo%ina chamou o pai, sem sair da sala. ;elchior, lendo o bom resultado
das suas refle1es na cara jubilosa do radioso capitalista, con%idou+o a jantar,
quando ele se despedia. ?o#o ?os disse que jantara tr6s horas antes, e jantaria
segunda %ez com t#o am%el companhia. *sta%a inspirado!
* cumpriu a promessa. ?antou, fez muitos brindes, e o -ltimo, e mais solene que
fez foi o seguinte7
) sa-de de quem de hoje a um ano h+de ser meu compadre, e minha comadre!
;elchior
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CAPTULO 5
n%entou+se uma lua para os casados.
3s irracionais t6m uma lua$ essa entende+se, sabe+se o que . ;as o aluarem+se, 4 fora, os casados, uma ideia ingrata 4 dec6ncia, feia, e desonesta.
Cma senhora inocente que diz7 =lua de mel> suja os lbios, se preza a pureza
deles$ se, porm, sabe o que diz, se sabe o que o fa%o, o mel da lua, desdenha
o pudor, e despreza+se.
3s noticiaristas das gazetas aforaram a frase, sem saberem, tal%ez, que
desafora%am as pala%ras. 3s dirios do
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@ua de fel da terra$
@ua de salsaparrilha$
@ua de raspa de %eado$
@ua de jalapa.
@uas tnicas, luas antiflogsticas, luas irritantes, luas %mitas, luas drsticas, etc.
&on%m, de seguida, obser%ar, que a lua n#o influi por igual nos dois noi%os.
&ada um de%e ter sua, nos casos e1cetuados de casamento por pai1#o
recproca.
'al marido aluado em o%os moles, e sua mulher em jalapa.
'al noi%a saboreia+se nos dulcssimos fa%os da colmeia lunar, e o homem enjoa
um cozimento salobre de raspa de %eado, animal que muitas %ezes lhe lembra,
por causa das %irtudes medicinais, e outras causas.
(ual dessas luas influiria em ?o#o ?os Bias, e qual em B. @udo%ina da Dlria/
*u n#o decido, porque sou supinamente ignorante em astrologia judiciria.
&onto os fatos, e dei1o as luas ao arbtrio do leitor.
:ez+se o casamento, e efeti%amente partiram os cnjuges para &elorico de
0asto.
B. )nglica tambm foi. ;elchior
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'em a honra de participar a 2. *1P o casamento de sua filha
) *1.ma 5rP
B. @CB32") B) D@WA)
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)nua o cnjuge, folgaz#o no rosto, e zangado por dentro. 3 bom siso dizia+lhe
que sua mulher era uma criana, %ezada a bailes, e ainda %erde para gostar da
quieta#o domstica. 0em %ia ele a inocente alegria com que @udo%ina anda%a
nos honestos brinquedos, e o desapercebimento, se n#o desprezo, com que ela
aceita%a as lou%aminhas dos primos.
B. )nglica entendia o que seu genro cala%a$ conhecia a %iol6ncia que ele fazia
ao g6nio e aos anos ronceiros, para andar naquela lufa+lufa de %isita em %isita,
bifurcado num macho, que lhe contundia as carnes com o chouto ingrato.
Aeceosa de que a impaci6ncia rebentasse enfim por algum dito menos delicado
4 mulher, quis ela pre%enir o desgosto de ambos, dizendo uma %ez 4 filha7
+ &on%m conformarmo+nos um pouco aos costumes de teu marido, @udo%ina.'eu homem n#o foi assim educado, e os anos estranham esta transi#o.
+ (ue quer a m#e que eu faa/
+ (ue espaces os teus passeios e %isitas, que %i%as mais em tua casa, que tenhas
com ele algumas horas mais de con%i%6ncia.
+ (ue hei de eu dizer+lhe/!
+ 3 que hs de tu dizer+lhe/!...
+ 5im, mam#. 'emos ocasies de estar duas horas juntos sem trocarmos tr6s
pala%ras. 5ou amiga dele$ mas n#o sei como hei de mostrar+lho doutro modo. 5e
querem que eu n#o receba %isitas, nem % a casa de quem me %isitou, estarei
em casa, contemplando os car%alhos e os castanheiros$ mas eu n#o creio que se
possa %i%er assim na aldeia. 5e ele ainda me n#o disse nada, porque h+de a
minha m#e censurar+me este desabafo que eu preciso/ *u a fugir de falar na
minha situa#o, e a m#e a lembrar+ma! &uida que sou feliz/ Biga, m#e, est
persuadida que eu de%o estar e1tasiada de contentamento diante de meu
marido/
+ "#o creio que te de%as e1tasiar, mas tambm n#o apro%o que te arrependas.
&omo e1plicas tu a considera#o, o respeito com que s tratada/
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+ ) felicidade n#o coisa nenhuma desta %ida, e, se alguma e1iste c, a que d
4 consci6ncia da mulher casada o prazer de n#o en%ergonhar seu marido.
+ (ue pala%ras! sso que quer dizer, minha m#e/
+ "#o tas aplico, @udo%ina7 respondi 4 tua pergunta. ) felicidade no amor uma
criancice dos quinze anos, e as %ezes dos quarenta$ mas o desengano %em com
todos os homens e com todas as idades. "#o te persuadas que a %ida te seria
aqui mais risonha, por muito tempo, com um marido de tua escolha. *ste
homem, daqui a tr6s meses, hs de am+lo como se ama um amigo. 3 outro,
daqui a tr6s meses, am+lo+ias com o afliti%o amor da mulher que enfastia, que
se %6 cada %ez mais aborrecida, e compara os ardores dos primeiros meses de
casada com a fria sequid#o dos que traz o cansao.
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ao %estir a casaca no%a, que seu sogro lhe manda%a ao quarto numa bandeja,
%iu uma comenda pregada nela, e sobre uma sal%a de prata um colar com a cruz
da ordem de &risto, pendente dum %istoso lao de fita.
+ (ue diabo isto/ + disse ele ao criado, no requinte do pasmo.
+ um presente que faz a 2. *1P o 5r. ;elchior.
+ Biz+lhe que %enha c, e pega l para cigarros + dizendo isto, o comendador
lanou 4 sal%a... setecentos e %inte.
"#o %os assombre este lance dadi%oso de grandeza. *m sucessos de me+nor
estmulo 4 munific6ncia, sei doutros arrojos de liberalidade, que desbancam
?o#o ?os Bias.
) %#o, de passagem, dois e1emplos7
Cm %isconde, opulentado pelos dons duma bestial fortuna que o ama como a
coisa sua, com pra um quarto de bilhete da lotaria espanhola. 3 rapaz que, 4
custa de muito teimar, lho %endera, %ai dar+lhe a no%a de que a cautela fora
premiada com quatro mil duros. 3 %isconde manda esperar o al%issareiro moo,
e traz+lhe umas calas de cotim sem fundilhos.
3utro, na passagem do rio Bouro, escorrega do barco para a corrente, e
mergulha$ passados instantes, emerge 4 tona de gua resfolegando, e pedindo
socorro. 'ra%am+no os braos robustos do barqueiro, que, em risco de morte,
consegue sal%+lo. 2ai le%+lo 4 famlia, mandam+no esperar 4 porta da rua, e
recebe, como sal%ador duma %ida cara aos seus, uma %ida que os jornais
pranteariam com tarjas da grossura dum dedo, e %inhetas das mais f-nebres da
tipografia, recebe, finalmente, setecentos e %inte em cobre.
sto p-blico e notrio$ mas n#o esta%a em crnica. Aeceio magoar a modstia
dos generosos ca%alheiros, por isso ressal%o os nomes. "a quinta edi#o deste
li%ro, ha%idos os consentimentos respeti%os, ser#o postos em estampa, para
in%eja de miser%eis so%inas, e estmulo 4 profus#o da presente raa.
3 comendador n#o era fona. *sse cainho feio n#o desluz os bizarros presentes
que fazia 4 esposa, e aos sogros. @udo%ina era o primor da casquilhice, e do mais
rico em gosto e droga.
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%estido n#o %isto, s compar%el aos que trajara antes, e sempre inferior aos
que trazia depois.
3s =lees> sertanejos, estes cinco ou seis pataratas, senhores duma glria t#o
produti%a, que faz lembrar a dos domnios da &oroa portuguesa na *tipia,)rbia, e
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B. )nglica, que espia%a o sucesso da sala pr1ima, acercou+se de Aicardo de 5,
fitou+o com fulminante soberania, e disse+lhe a meia %oz7
+ 3 senhor um miser%el tolo, que incomoda. 5e se estima alguma coisa, n#o
me obrigue a encarregar o boleeiro de minha filha de responder 4s suaspro%ocaes.
+ ;ude de se1o como 'eresias, e fale+me depois + disse Aicardo, dando 4 perna
direita o costumado repu1#o dos elegantes.
3 comendador %eio ao encontro de B. )nglia, e disse+lhe7
+ )quele sujeito com quem a senhora falou agora, n#o um homem que eu
encontrei em sua casa a primeira %ez que l fui/
+ .
+ (ue diabo anda ele a prantar+se diante de @udo%ina/
+ ? reparei nessa a#o repetida. *u lhe conto7 d6 um passeio comigo. Q *
tomando+lhe o brao, B. )nglica continuou7 + *ste homem foi uma afei#o
inocente de minha filha, e hoje um ente desprez%el para ela e para mim.
+ *scre%iam cartas um ao outro/ + interrompeu o comendador, bufando.
+ *scre%eram, sim...
+
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+ 2amos + disse a m#e.
+ "esse caso, %ou chamar a carruagem$ esperem um pouco, que eu %enho j +
disse o comendador.
)s senhoras foram esperar na sala menos concorrida. B. @udo%ina arqueja%a em
8nsias, e fala%a aceleradamente a sua m#e.
*ntretanto, ?o#o ?os Bias entrou na sala onde se dana%a, e %iu na porta
fronteira Aicardo de 5 encostado, com a luneta em a#o, e o coto%elo direito
apoiado na m#o esquerda.
:oi ao p dele e disse+lhe7
+ 3 senhor sabe quem eu sou/
+ &reio que j o %i em alguma parte.
+ :az fa%or de %ir aqui que lhe quero falar/
Aicardo seguiu+o maquinalmente, atra%essou um corredor, e parou num
patamar deserto7
+ *u sou o marido daquela senhora que %ossemec6 insultou l dentro.
+ *ssa muito boa! *u n#o insultei senhora alguma!
+ 5e insultou ou n#o, sei eu. :ique+lhe de a%iso que a senhora B. @udo%ina tem
um marido de quarenta e tantos anos, isso %erdade, mas capaz de pegar numa
orelha dos pandilhas como %ossemec6, e dar+lhe com a cabea numa esquina,
tem percebido/
3 comendador desceu as escadas, e Aicardo de 5, estupefato e aturdido,
atra%essou o corredor, e entrou nas salas.
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CAPTULO 6
*sta inquieta#o danificou a %ida menos m do comendador, e o sossego,
aparentemente feliz, de @udo%ina. ) paz e1istia$ era, porm, como a serenidade
pressagiosa de tro%oada.
3 marido recebia os con%ites para bailes, e queima%a, 4 sorrelfa, as cartas.
@udo%ina admira%a o esquecimento, sem a%enturar uma pergunta. *stes
rebuos s#o a desgraa das famlias, e o rastilho de pl%ora que espera uma
fasca.
)o teatro iam raras %ezes. 3 comendador adoecendo quase sempre no dia da
rcita, suportou no estmago muitas papas de linhaa, sem precis#o. 3 seu
achaque postio era uma inflama#o intestinal.
B. )nglica censura%a o procedimento do genro$ mas cala%a+se, para n#o dar
auso 4 filha de romper em quei1umes, que abafa%a com a esperana de melhor
%ida, ou desafoga%a em carpir+se sozinha. ;elchior
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+ 2i%er!... n#o creio. 3 senhor, quando esti%emos em &elorico, di%ertia+se nas
sociedades, e j no
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+ )final de contas, 5rP B. )nglica, eu estou em minha casa, e entendo que fao
bem. "#o se lucra nada em aparecer. 3 mundo est uma pouca+%ergonha. *u j
sei como est o
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H maridos que n#o desconfiam das mulheres$ mas n#o %#o aos bailes para que
os outros n#o desconfiem$ escre%am por bai1o + 3 &omendador ?3X3 ?35
B)5.
)s pessoas, que melhores ideias engendraram, n#o t6m sido as mais felizes. 3comendador pertence ao martirolgio dos grandes pensadores. 3s fados, os
est-pidos fados h#o de castig+lo por essas poucas pala%ras com que ele
arranjou um nicho, podre de barato, no templo da memria.
3 castigo comea.
CAPTULO 7
@udo%ina disse um dia a sua m#e7
+ *stou casada h treze meses, e sinto+me %elha. )t aqui obedeci como criana,
a minha m#e, a meu pai, e a esse homem, que entrou na nossa famlia com
certa autoridade que me intimida%a. *u fui sempre dcil, dcil at 4
pusilanimidade. 5e a %iol6ncia n#o fosse tamanha, este homem, que chamam
meu marido, teria feito a escra%id#o da minha alma para sempre. )ssim n#o
pode ser. 5into+me outra$ perdi os costumes de criana$ en%elheceram+me comos desgostos contnuos, e por isso h#o de sofrer+me agora emancipada.
+ (ue %em tudo isso a dizer, @udo%ina/
+ (ue quero a minha liberdade, que hei de passar por cima da opress#o 4 custa
de tudo.
+ @udo%ina! que linguagem essa/
+ a da desespera#o, e da justia. "#o pratiquei sombra de mau ato, por onde
merea este amargo %i%er que me d#o. (uero saber porque %i%o apartada das
minhas amigas, e dos recreios, donde a minha reputa#o saiu sempre sem
mancha.
+ ) quem o perguntas, a mim/
+ 5im, 4 m#e, ao pai, e depois pergunt+lo+ei ao dono desta casa, ao dono dos
meus %estidos e dos meus braceletes. 5e este me disser que a minha liberdade
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o preo dessas coisas, dei1o+lhas, e peo a meu pai a subsist6ncia que me da%a
dantes. 5e ma negarem, Beus me inspirar o destino que me con%m. sto h+de
decidir+se hoje.
"ingum sofria tanto tempo, por amor+prprio, ou pela %irtude da paci6ncia.
+ 'ens direito a interrogar teu marido, @udo%ina$ mas s6 prudente$ %ence+o com
razes moderadas, por n#o dizer humildes.
+ * se ele, por maldade ou por ignor8ncia, suspeitar da pureza das minhas
intenes/
+ :ala+lhe como de%e falar uma senhora, e confundi+lo+s.
2eio o comendador cortar o colquio. "unca t#o achamboada e trombuda se
mostrara a lerda fisionomia do personagem. "essa ocasi#o, o achaque intestinal
era %erdico, segundo o testemunho do semblante. *ra o ideal da fealdade,
ent#o, o 5r. Bias!
B. )nglica, instada por um gesto da filha, dei1ara+os ss.
+ a primeira %ez + disse @udo%ina, sentada numa cadeira de braos estofada,
com a formosa face encostada 4 palma da m#o direita, e uma perna sobre a
outra baloiando+se, dei1ando %er o p de fada, atra%s do rendilhado da saia
que a %ela%a. + * a primeira %ez que falo a meu marido como se de%e falar a um
marido. )t aqui tratei+o como se trata um amigo que se respeita, um tio, um
pai desses com quem se n#o tem muita confiana.
3 5r. Bias abriu a boca para entender melhor. B. @udo%ina prosseguiu7
+
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sua mulher aos comentrios ofensi%os que a sociedade h+de ter feito 4 minha
aus6ncia repentina. Beu um esc8ndalo, sem necessidade de e%itar outro.
Bisse 4 sociedade que n#o tinha bastante confiana em mim para me le%ar onde
h o bom e o mau.
+ *sts enganada, menina, eu n#o disse isso a ningum + interrompeu o
comendador, que andou 4s aranhas muito tempo antes que traduzisse para
%ulgar o estilo sentencioso da filha e discpula de B. )nglica.
+ "#o disse com a pala%ra$ mas disse+o com as aes.
+ Aespeite minha m#e, senhor! *u n#o falo pela boca de minha m#e$ o meu
sil6ncio at hoje n#o era estupidez nem insensibilidade7 era amor+prprio, e
outro sentimento mais nobre que o senhor n#o entende. 2amos ao essencial,
5r. Bias. 'e%e alguma raz#o para me pri%ar de %i%er como %i%em todas as
mulheres casadas da boa sociedade/
+ "#o, j disse que n#o. ) coisa outra...
+ (ual essa outra coisa/
+ )s boas pagam pelas ms, e n#o h mulher honrada para certa gente que %ai
aos bailes e aos teatros.
+
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+ *ssa de cabo de esquadra!
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+ *1cedeste+te, @udo%ina + disse ela +, mas fizeste+me orgulhosa de ser tua m#e.
)ceito, de hora em diante, a responsabilidade das tuas pala%ras, seja ela qual
for.
?o#o ?os Bias nem pala%ra naquele dia e no seguinte. )o terceiro ha%ia teatrolrico. B. @udo%ina mandou buscar camarote. Vs sete horas e meia mandou pr
os ca%alos 4 sege, e disse a seu marido se a acompanha%a ao teatro. 3
comendador fez+se %erde+garrafa, desenrugou as plpebras quanto pde, e
pasmou os olhos sunos na atitude imperiosa de @udo%ina, que aperta%a o bot#o
da lu%a, e enrosca%a no colo as martas.
+ 2em, ou n#o/ + repetiu ela.
+ *spera, que eu %isto+me + disse o comendador, tomado duma espcie de susto
irrefletido, que em muitos maridos o corolrio de demorados raciocnios.
:ez impress#o o aparecimento de @udo%ina. )charam+na mais donosa os
amadores do plido. 3 %io da floresc6ncia tinha murchado ao lento dessecar da
melancolia. :icara a pele acetinada, com as al%uras do desmaio, realando o
%%ido fulgor dos olhos negros, assombrados da cor %ioleta, que tanto encarece
o rosto dolorido.
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;as o interior de ?o#o ?os/ *ra um inc6ndio para que a filosofia humana n#o
in%entou ainda bomba eficaz! *ra o inferno do moiro de 2eneza churriscando
aquele humano torresmo!
(ue %ia ele para se moer assim/ "ada. @udo%ina nem, sequer, dana%a jdanas de roda, de contato, de aperto, e raras contradanas aceita%a. 3s
ca%alheiros, que se a%izinha%am dela, com liberdade, eram os amigos de seu
pai, ou de seu marido. 3s outros, repelidos pela sisudez e gra%idade com que os
ela recebia, denomina%am+na uma %irtuosa grosseira, e aposta%am que anda%a
ali influ6ncia de capel#o incgnito.
(ue sandeus ci-mes eram, pois, os do comendador, que a fortuna poupa%a 4
sorte de pessoas t#o conspcuas, e bem ajeitadas de corpo e alma/
0atei nesta sfara, entendedores do cora#o humano, esmerilhadores do ntimo
dos predestinados e minotauros, e 5ganarellos ao alcance da ci6ncia humana.
&ansar+%os+ei sem achar a raz#o da coisa. 3 a1ioma foi proferido h quatro
anos, e j tem tr6s edies com esta7
H maridos que n#o desconfiam das mulheres$ mas n#o %#o aos bailes, para que
os outros n#o desconfiem.
3 comendador ?3X3 ?35 B)5 IpassimJ.
CAPTULO 8
Aai%ando contra si prprio, o bar#o de &elorico...
3 bar#o de &elorico!
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:inaliza%a o captulo 2 por um baile de regozijo, que o no%o titular estimado
pelo sogro, resol%era dar aos seus colegas, e mais amigos, que o felicitaram da
merc6.
*sse baile correra amargurado para o bar#o de &elorico.
)o cair da noite, recebera ele uma carta annima, da qual n#o pude ha%er
cpia, e, podendo in%entar uma, n#o o fao, que mo %eda o propsito de
fidelidade.
certo, porm, que o conte-do dessa carta entendia com @udo%ina, meiga
criatura, organiza#o melindrosa, que tanto a pesar meu hei de nomear
baronesa de &elorico.
"#o se pode aferir o grau de cal-nia dessa carta pelas carantonhas do bar#o,
que a lia. *m carantonha perene esta%a ele sempre, lastimoso )nfitri#o, desde
que a sombra dum ?-piter de casaca lhe assombra%a os encantos da inocente
)lcmena. (ual seria o esprito rasteiro que se quisesse %azar nas formas de ?o#o
?os para enganar+lhe a esposa/ *sta pergunta fao+a aos que leram
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+ (ue modo esse de responder/ + tornou ela, %oltando+se de s-bito para o
bar#o, que passea%a, ou antes se rola%a de parede a parede com acha%ascada
impetuosidade.
+ *st bom$ dei1e+me, que eu n#o estou bom, e qualquer dia dou um estoirocomo uma castanha.
+ 3 senhor est disparatando! e1plique+se.
+ :oi o diabo o nosso casamento, 5rP B. @udo%ina!
+ "ada de e1clamaes$ clareza e franqueza, meu amigo! (ue isso/
+ os meus pecados$ o que eu lhe tenho dito duzentas %ezes, e a senhora n#oquer crer que a sociedade do
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*sta rajada sacudiu todas as febras bambas do bar#o. "#o te%e remdio sen#o
sentar+se, a ressumar camarinhas de suor, impando, e arfando como fole de
forja.
@udo%ina, mais assustada que compadecida, tomou+lhe a m#o, e com a outraen1ugou+lhe a face.
+ 5ofre porque me n#o ama, porque me n#o cr6... + disse ela.
+ "#o faas caso disto, n#o nada... n#o nada + regougou ele.
+ 5eja superior aos infames que nos in%ejam, meu amigo. "#o lhes d6 o prazer
da %ingana. ) pessoa que lhe escre%e um miser%el inferior ao meu desprezo.
+ ? sei tudo... n#o falemos nisso mais. Beite+se, que eu preciso de tomar ar.
+ 3nde %ai/
+ 2ou ao jardim.
+ *u %ou consigo... espere um bocadinho.
+ "#o %enhas c$ deita+te, que est fria a madrugada.
:oi.
*ram tr6s horas e meia da manh#. )s tre%as descondensa%am+se. ) neblina do
mar serpentea%a por entre as ribas marginais do Bouro. 3 clar#o da luz ia+se
descorando ao arraiar do crep-sculo. *ra a hora menos potica das %inte e
quatro da rota#o deste planeta, onde, 4s tr6s horas e meia da manh#, dorme
toda a gente que tem juzo, e sabe um pouco de higiene.
3 bar#o de &elorico n#o da%a f das belezas matutinas que o rodea%am.
)tra%essou, sor%endo haustos de ar fresco, o passeio central do seu jardim, at
parar no muro, que o estrema%a de outra rua. *sta rua justamente aquela por
onde %imos passar :rancisco "unes, rai%ando imprecaes garrafais contra o
charuto incombust%el. "esse muro ha%ia uma gradaria de ferro, e portadas
interiores. 3 bar#o abriu maquinalmente a janela, e %iu apro1imar+se dela um
%ulto embuado, que lhe disse7
+ &uidei que tinhas adormecido! que demora foi essa/
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+ 3 que + e1clamou o bar#o atordoado.
3 %ulto coseu+se com a parede, e, a passo rpido, desapareceu na meia
escuridade.
@ongo tempo agarrado 4s grades, o bar#o de &elorico parecia ter perdido a
memria, a sensibilidade, o senso ntimo. ) patrulha, que recolhia ao quartel,
%endo aquele im%el espetculo, atra%s das grades, imaginou primeiro se seria
esttua do jardim$ reparando atentati%amente, ou%iu o sussurro da respira#o
ca%ernosa, e decidiu que esta%a ali um homem.
+ 3l! + disse um soldado.
+ (ue / + respondeu o bar#o, espertando da letargia.
+ da dessa casa/
+ 5ou o dono dela.
+ *nt#o perdoar. :izemos esta pergunta, porque h+de ha%er cinco dias que
%imos sair 4s quatro horas da manh# um encapotado daquela porta que ali est
abai1o, chammo+lo, ele deu 4 canela, e sumiu+se+nos l em bai1o na tra%essa.
+ Besta porta que est na parede deste jardim/ + e1clamou o bar#o.
+ como diz.
+ ) que horas/
+ ) estas horas, pouco mais ou menos.
+ Cm homem de capote/
+ 'al e qual.
+ * n#o %iram mais ningum/
+
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imagina%a. )inda me n#o disse que dei1asse o lugar da alf8ndega, nem me
ofereceu um emprstimo com que eu possa tentar demanda contra os
possuidores da minha casa. 'enho remorsos de ter dado a este alar%e uma
criatura t#o perfeita como a nossa @udo%ina!
B. )nglica n#o respondeu.
+ )inda te di a cabea, )nglica/
+ 0astante.
+ ? esta%as a dormir, quando o bar#o gritou!.TG
+ Bormita%a.
+ ;as eu fui ao teu quarto, e j te n#o encontrei l!
+ 'inha corrido sobressaltada.
+ *nt#o pelo que eu %ejo tinhas+te deitado %estida...
+ * %erdade, nem foras ti%e para desapertar os colchetes.
+
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*u abri loja, e %ou com os outros.
"#o me entrem, pois, a desconfiar que os pontinhos juntos fazem borr#o neste
painel de bons costumes.
) 5rP B. )nglica e1celente m#e, no meu conceito$ e, no conceito do 5r.
;elchior
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+ *sta cha%e daquela casa bai1a que tem o n-mero doze, defronte da janela do
jardim. 2ai 4 loja de ferragem no @argo de 5. 0ento, com este bilhete. H#o de
entregar+te umas armas, e um embrulho.
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@udo%ina esta%a aterrada, e julgou+se em risco, ali, sozinha. Aecuara para se
e%adir com dignidade, honrando a retirada, quando o bar#o lhe disse7
+ 3lhe, senhora!
) baronesa %oltou+se, e %iu o brao do bar#o erguido em atitude proftica, e l
em cima no cocuruto da m#o sebcea... 3 &H)AC'3!...
+ (ue isso/! + perguntou ela com mais curiosidade que espanto.
+ "#o sabe o que isto / chegue+se c!
@udo%ina, indo receosa, disse7
+ um charuto... pois n#o /!
+ um charuto! um charuto! um charuto! mulher traidora! + ululou o
bordalengo com a grenha eriada.
@udo%ina recuou tr6s passos, tolhida de medo. 3 bar#o crescia sobre ela, com o
brao no ar, ar%orando o charuto. ) pobre menina temeu as f-rias dum doido, e
chamou com afliti%o grito a m#e.
)cudiu B. )nglica, j quando o bar#o, metendo as m#os nas portinholas da
japona, 4 laia de dolo chin6s, %olta%a as costas a sua mulher.
+ sto que /! + e1clamou B. )nglica.
+ *st doido rematado, minha m#e! + disse, a meia %oz, a baronesa.
+ 2ai+se chamar teu pai, que chegou agora. "s n#o podemos %i%er com um
demente...
+ ?anta+se, ou n#o se janta/ + disse o bar#o, caminhando para elas com
sossegado semblante.
+ (ue desordem foi esta, 5r. bar#o/
+ Besordem! ora essa fresca! )qui, que eu saiba, n#o hou%e desordem
nenhuma... :oi sua filha que %iu uma coisa que a fez gritar... ) culpa dela.
+ (ue %iste, @udo%ina/
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3 bar#o n#o come, apesar do esforo. 3 bocado entala+se+lhe na garganta
comprimida pelos soluos. Bepe o garfo, e descai o rosto, coberto de lgrimas,
sobre as m#os. 3 preto, que n#o ousara sentar+se, %endo chorar o amo, cujo
p#o comera em liberdade, no espao de %inte anos, chora tambm, e pergunta
a medo a causa daquela afli#o. Aesponde+lhe em gemidos o benfeitor, e ergue+
se e1tenuado, e %acilante, como se os sentidos o desamparassem. 3 preto quer
conduzi+lo ao quarto$ mas o bar#o, um momento indeciso, pede o chapu e sai.
)s ang-stias deste homem condenam @udo%ina/
"#o. @udo%ina inocente como os anjos.
) peonha mortal, que espedaa o cora#o deste homem, tem+na ele na
algibeira7 o charuto de :rancisco "unes.
CAPTULO 10
meia+noite e um quarto no relgio da @apa.
) casta lua d a sua luz potica a muitas impudiccias, e tolera o esc8ndalo
resignada. &asta lhe chamam os poetas, e bem posto o epteto. 5 ela seria
capaz de manter+se pura com tantos e1emplos de corrup#o. Be mim creio que
a tem sal%ado a dist8ncia que a separa dos bardos que a namoram$ e, se n#o a
dist8ncia, a impertin6ncia das cartas rimadas que lhe mandam. ;uitas
mulheres, menos castas que a lua, t6m sido sal%as pelo mesmo teor. 3s poetas,
que amam em %erso, s#o uns puros desinfetantes da p-trida impureza. 5e todos
fizssemos %ersos, e nos amssemos em oita%a rima, eu lhes asseguro que este
Dlobo era um %i%eiro de anjos. ) teoria de Hobbes seria uma cal-nia, e a de
;altus um absurdo. "#o andaramos tra%ados em permanente luta, nem ae1uber8ncia da propaga#o assustaria os economistas. Ha%ia s o risco de nos
matar a fome$ mas cada cisne teria um canto derradeiro com que esforar a
guerra 4 prosa que in%entou os cereais, o boi cozido, as aes do banco, e a
troca dum romance por quinhentos ris.
sto ocorreu naturalmente da castidade da lua.
*ra, pois, meia+noite e um quarto no relgio da @apa, e fazia luar como de dia.
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Ys dez horas e meia, tinha entrado para a casa nZE[, da rua... um %ulto
sinistramente rebuado7 era o bar#o de &elorico de 0asto. ) casa tinha uma
janela tosca de madeira, que se abriu coisa de meio palmo, depois que o
encapotado entrou. Be %ez em quando, um raio de luz, caindo sobre a fresta das
duas portadas, res%ala%a no nariz do bar#o, dando+lhe o colorido duma cidra
a%elada.
5oara o quarto depois da meia+noite, quando a janela interior da grade do
jardim se abriu cautelosamente.
Cm objeto branco sobressaa na sombra7 de%ia ser o leno duma mulher.
&inco minutos depois, numa e1trema da rua apareceu um %ulto encapotado,
que fuma%a, caminhando cosido com o muro do jardim. ) figura da janela
desapareceu, e em seguida ou%iu+se o ranger subtil da lingueta duma cha%e. *ra
a porta do jardim que se abria, ao a%izinhar+se o %ulto.
) dist8ncia de tr6s passos da porta, o homem que fuma%a ou%iu o rudo duma
janela que se abria, e parou, %oltando+se para a janela. 3 que ele %iu foi o
lampejo da detona#o dum tiro, e le%ou a m#o ao ombro esquerdo. 5eguiu+se
um pulo incr%el do bar#o fora da janela, a fuga precipitada do %ulto, e um
segundo tiro, que redobrou a fora motriz do fugiti%o.
)pitara uma patrulha ao cabo da rua, duas, tr6s, %inte patrulhas apitaram. )
cem passos de dist8ncia do local dos tiros, encontraram um homem estendido
na rua, e disseram em %oz alta, que o bar#o ou%ira7 + parece que est morto.
3 bar#o, sem apressar o passo, entrou na porta do muro, e deu %olta 4 cha%e.
3lhou ao longo do jardim, e %iu, por entre as sombras dos arbustos, contguos 4
casa, perpassar um %ulto, e sumir+se.
)briu outra %ez a janela da grade, ao tempo que as janelas das casinhas
fronteiras se abriam. )lguns soldados pergunta%am onde se deram os tiros.
Aespondiam unanimemente que foram dados dali, e mostra%a+se uma bucha
ainda fumegando, no meio da rua.
+ (uem est a nessa janela/ + bradou um soldado ao bar#o, que esti%era calado.
+ 5ou eu, o dono desta casa.
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+ * quem o senhor/
+ o senhor bar#o + responderam os %izinhos. + "#o, dali decerto n#o foi.
+ 3s tiros/ + perguntou o bar#o.
+ 5im, senhor, dois tiros que se deram aqui agora.
+ *u tambm os ou%i, e por isso c %im. ;ataram algum, ou foi patuscada/
+ "#o foi m a patuscada! *st ali adiante um sujeito estendido nas pedras, e, se
n#o est morto, pouco lhe falta.
+ (uem / conhecem/
+ *st#o l dois camaradas que o conhecem. Bizem que um doutor duma casa
rica, chamado... lembras+te, TS/
+ )cho que ele disse... )lmeida.
+ isso, )lmeida. 3 5r. bar#o conhece+o/
+ "#o me lembro desse nome. *le ainda l est/ *u %ou %er se o conheo...
3 bar#o seguiu a patrulha, at parar num grupo de soldados e paisanos, que
rodea%am uma cadeira, onde esta%a sentado o ferido. *ra coragem de cnico, ou
desatino de demente/ ;ais que tudo isso7 era o ci-me!
+ *u conheo este sujeito + disse o bar#o com admir%el placidez. + * ele tambm
me h+de conhecer, se esti%er %i%o. 3l, 5r. doutor! *st aqui o bar#o de
&elorico, conhece+me/
3 ferido abriu a custo os olhos, e fez um aceno afirmati%o.
+ *u oferecia+lhe a minha casa, mas a dele perto daqui, acho eu.
+ "s sabemos + disseram os soldados.
+
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p do leito, e %ascolejou nas mandbulas al%ares uma gargalhada estrondosa. )
baronesa acordou, sentou+se no leito estremunhada sem saber o que ou%ira,
nem o que %ia.
3 bar#o tirou da algibeira o charuto, chegou+lho ao p dos olhos, e bradou7
+ 3 tal patife n#o fuma outro.
+ (ue diz/ + e1clamou @udo%ina.
+ :az+te de no%as, mulher perdida! reza+lhe por alma, que a minha honra est
%ingada. )gora que digam o que quiserem.
* saiu do quarto, dei1ando apa%orada a pobre senhora, que o julgou numterceiro ataque de loucura.
@udo%ina %estiu+se apressadamente, e correu ao quarto da m#e.
*ncontrou+a %estida, prostrada sobre o tapete do guarda+cama, com a face
cada sobre os degraus do leito. )joelhou ao p dela, chamou+a, ergueu+a,
agitou+a com a fora da afli#o, e caiu com ela sobre a cama.
B. )nglica abrira os olhos p%idos, e %endo a filha, escondeu a face nas m#os,e1clamando7
+ ?esus, meu Beus!
+ (ue te%e, m#ezinha, isto que foi/
+ "ada, infeliz$ foi um acidente...
+
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) baronesa amparou a m#e at 4 janela, que abriu. B. )nglica rasga%a com as
m#os os espartilhos compressores do colete, e finca%a entre os cabelos os
dedos com %ertiginoso desespero. "este frenesi, suste%e+se, comprimindo a
respira#o, para escutar as %ozes que %inham da rua contgua ao muro do
jardim.
Cma dizia7
+ a morto.
3utra7
+ ) bala entrou+lhe no peito.
3utra7
+
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B. )nglica lanou+lhe um olhar tor%o, e fulminante$ fugiu, dum repel#o, aos
braos da filha$ correu para ele com a sanha duma possessa, e atirou+o fora do
quarto com o choque dos punhos furiosos, e1clamando7
+ )ssassino! )ssassino!
"ingum me soube dizer a qual g6nero do sublime truanesco pertencia, neste
conflito, o bar#o de &elorico. *u tambm n#o me cansei em a%eriguaes,
porque o resultado delas seria sujar com salmouras despicientes um quadro de
ang-stias, que n#o no%o na %ida, mas afouto+me a diz6+lo que no%o no
romance.
;elchior
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) baronesa mudou de semblante e de carinho, sentiu+se gelada e inerte ao p
da m#e, logo que meia luz do enigma lhe aclarou o entendimento.
+ ) m#e precisa descansar + disse ela com afetado gesto de carinho. + Beite+se,
que eu ajudo+a a despir+se, e ficarei ao p da sua cama.
+ "#o, filha$ eu n#o tenho descanso neste mundo, nem no outro. 5e ainda tenho
algum direito 4 tua obedi6ncia, dei1a+me s$ preciso de chorar lgrimas que
nunca Beus permita o teu cora#o as chore. "#o podes respeitar esta agonia,
porque a n#o compreendes, inocente mrtir. 5e soubesses... poderias
abominar+me agora, para te compadeceres depois.
+ 5ei, m#e.
+ (ue sabes tu, @udo%ina/! + e1clamou )nglica, abranando+a con%ulsi%amente.
+ 3 meu sil6ncio responde+lhe, m#e... "#o sofra por causa da minha desonra.
Beus sabe tudo$ n#o me importa o mundo$ a
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+ "#o fale nessa infeliz a ningum, 5r. Bias, a ningum. )qui a desonrada sou eu.
5e o descobrirem como assassino de )ntnio de )lmeida, diga, se quer que eu o
n#o amaldioe, diga que esse homem era o meu amante$ mas n#o fale em
minha pobre m#e...
+ (ue dizes tu, @udo%ina/
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;elchior
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"#o podemos superintender no foro do cora#o, porque a nossa jurisprud6ncia
toda de cabea, e o nosso cdigo em pleitos de alma est-pido ou hipcrita.
(uem o juiz da mulher/ 3 homem que a despenha do abismo, onde a lanou
o amor, ao abismo do oprbrio.
o homem, que lhe entalha o ferrete da ignomnia na face onde imprimira o
beijo da perdi#o.
3 altar onde se adora uma mulher ao mesmo tempo a asa onde ela se d em
holocausto.
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ano em casa dum doutor, que tinha duas filhas, e um filho que se forma%a nesse
tempo. *sse filho era o )ntnio de )lmeida, que o senhor conhece, e B.
)nglica amou desde os quinze anos, com o amor imenso das simpatias
contrariadas.
=3 doutor descobriu a afei#o do filho, e imps+lhe um %iolento termo,
proibindo+o de %ir ao
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de meu pai o sacrifcio da minha dignidade, e castigo um homem que me
comprou.>
=?ulguei+a des%airada pela ang-stia, e reser%ei para melhor ensejo os conselhos
que os meus %inte e cinco anos, j palpados por amarguras de cora#o, podiamdar+lhe.
=*feti%amente, )ntnio de )lmeida %oltou formado, e frequentou a casa de
;elchior
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=;elchior
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*ntretanto foi ?esus para o monte 3li%ete7
*nt#o lhe trou1eram os escribas e os fariseus uma mulher que fora apanhada
em adultrio7 e a puseram no meio.
* lhe disseram7 ;estre, esta mulher foi agora mesmo apanhada em adultrio.
* ;oiss, na lei, mandou+nos apedrejar estas tais. (ue dizes tu logo/
?esus, inclinando+se, escre%eu com o dedo na terra.
*, como eles teima%am em interrog+lo, ergueu+se ?esus, e disse+lhe7 3 que de
entre %s est sem pecado seja o primeiro a apedrej+la.
*, tornando a cur%ar+se, escre%ia na terra.
*les, porm, ou%indo+o, saram um a um, sendo os mais %elhos os primeiros$ e
ficou s ?esus e a mulher que permanecia, no melo, de p.
*nt#o ergueu+se ?esus, e disse+lhe7 ;ulher, onde est#o os que te acusa%am/
ningum te condenou/
"ingum, 5enhor + respondeu ela. *nt#o, disse ?esus7
"em eu t#o+pouco te condenarei7 %ai e n#o peques mais.
3 5)"'3 *2)"D*@H3 B* ?*5C5 &A5'3, 5*DC"B3 5. ?3X3 Q &aptulo 2.
CAPTULO 12
*nquanto B. )nglica dormita os sonos curtos e sobressaltados da febre, a
baronesa despertou o pai, chamando+o 4 antec8mara.
;elchior
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+ 3 necessrio sairmos$ mas a m#e est muito incomodada...
+ (ue tem ela/!
+ 3s meus desgostos afligiram+na a tal ponto que est ardendo em febre, e n#osei se poder transportar+se.
+ 2amos %6+la.
+
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+ 0ons dias, 5r. bar#o.
+ sso hoje foi madrugar!
+ )ssim preciso.
+ 5e n#o tem muita pressa, d6+me aqui uma pala%ra.
+ "#o posso, 5r. bar#o, %ou com pressa.
+ 3lhe c, 5r. ;elchior, preciso que nos entendamos.
+ ) que respeito/
+ ) respeito destas poucas+%ergonhas que aqui %#o.
+ (ue chama o senhor poucas+%ergonhas/
+ Homem! %amos falar claro$ eu sei tudo, e o senhor, se o n#o sabe, saiba+o, e
tome tento na sua %ida.
+ 3 5r. bar#o que j perdeu o tento da sua. *ssa cabea est desmanchada.
+ Besmanchada est a sua, e bem desmanchada, 5r. ;elchior. *ntre c, e h+deagradecer+me o que eu fiz, %ingando a sua honra.
+ ) minha honra n#o pode ser ofendida nem %ingada pelo 5r. bar#o.
+ *stou a ter pena do 5r. ;elchior! 2enha aqui dentro que eu conto+lhe tudo.
+ (ue me h+de o senhor contar/! + disse ;elchior entrando na sala. Q (uer
contar+me a histria do charuto/
+ 3 charuto! o charuto agora j me n#o ser%e a mim$ ao senhor$ %eja l se o
quer, que eu dou+lho de boa %ontade.
+ * para isso que me chama, 5r. bar#o/ Be que me ser%e a mim esse ridculo
instrumento com que o senhor est representando perfeitamente o papel de
doido/!
+ Boido quer o senhor fazer+me, mas h+de+lhe custar... digo+lhe eu... 5ente+se
a, e d6+me aten#o, que o caso muito srio...
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;elchior
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%erdade/ *ssa cal-nia foi um desatino, uma irrefle1#o, n#o foi, meu amigo/ B6
uma satisfa#o a meu pai, que est aflito como %6, ou ent#o cra%e+me um
punhal no seio, antes de repetir na minha presena que minha pobre m#e est
infamada.
+ 'ens raz#o, @udo%ina + murmurou o bar#o, com as lgrimas nos olhos. Q *u
estou doido$ o que disse uma mentira$ se for necessrio, eu peo perd#o ao
5r. ;elchior, e 4 5rP B. )nglica.
+ 3u%iu, meu pai/ 2 agora, %. )ssim fez o que lhe pedi/
+ :oi ele que me arrastou para esta sala... 5abe que mais, 5r. bar#o/ 3 senhor o
que de%e fazer recolher+se a um hospital, antes que as autoridades o
amarrem. *u %ou requerer um e1ame 4s suas faculdades intelectuais...
+ ;eu pai! + murmurou afliti%amente @udo%ina + pelo amor de Beus lhe peo
que se retire, quando n#o, %6+me cair aqui morta.
+ *u %ou, menina.
* saiu, reatando a medita#o no di%rcio e nos %inte contos.
+ "#o lhe disse eu j, 5r. Bias + continuou @udo%ina, bai1ando a %oz com ma%iosa
brandura, e assumindo ares de penitente + n#o lhe disse eu j que o homem
ferido pelo senhor era meu amante/ que a mulher da janela do jardim era eu/
que a culpada, a ad-ltera, a infame, a digna de morte ou do seu desprezo sua
mulher/
+ ;entes, mentes, @udo%ina! eu ou%i tudo o que tua m#e te disse no quarto.
+ (ue importa o que o senhor ou%iu/ 'udo o que meu marido disser contramim, tudo o que a sociedade in%entar contra a minha dignidade, hei de
certific+lo com o meu sil6ncio, e com o meu di%rcio. 'udo o que o senhor
disser contra minha m#e, hei de desmenti+lo em p-blico, pondo em mim as
ndoas que o senhor puser na reputa#o dela. Be maneira que meu marido,
quando cuida sal%ar a sua honra, sacrifica+a, e pro%oca o escrnio do p-blico. 26
quais s#o as minhas tenes, meu amigo/
+ 'u n#o fazes isso, @udo%ina! + rugiu iracundo o deplor%el homem. + 5e fazes
tal... @udo%ina, se fazes tal...
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+ (ue se h+de seguir/
+ *u sei!... tu queres matar+me, mulher! mata+me, mas dei1a+me a honra, que
eu estimo mais que tudo. Bou+te tudo quanto tenho, dei1o+te em liberdade,
torno para o 0rasil$ mas n#o digas que me foste infiel$ n#o digas que essehomem era teu amante.
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minha desgraada m#e que o chora. 5e ela era amante dele, eu, como filha, n#o
tenho direito a censur+la$ como mulher de cora#o creio que lhe perdoaria.
'enho dito mais do que de%o, e importa ao senhor Bias. *ntendeu+me bem,
quer que eu repita por outras pala%ras o que disse/
+ "#o preciso... entendi bem...
+ (ual a sua resposta/
+ * preciso pensar, @udo%ina.
+ "#o lhe dou tempo a demoradas refle1es. *u hei de sair daqui logo que meu
pai %olte.
+ "esse caso faz o que quiseres$ mas eu hei de dizer em toda a parte que
)ntnio de )lmeida era o amante de tua m#e.
+ * eu direi que era o meu amante$ darei em p-blico quantas pro%as puder dar
para o desmentir$ hoje mesmo irei ser a enfermeira desse homem, se ele n#o
ti%er morrido. 3 5r. Bias ser tido na conta de assassino, e assassino ridculo,
que mata o amante de sua mulher, e denuncia ad-ltera sua sogra, para que se
suponha que os seus merecimentos n#o podia ser %encidos por um ri%al.
+ 'u s uma serpente, mulher! + bradou o bar#o, fazendo com os braos e a
cabea as asas dum alambique + s um drag#o! foste o demnio que me
apareceste em corpo e alma! 2ai+te para as profundas do inferno, e nunca
descanso tenhas noite e dia enquanto me n#o %ieres pedir perd#o de quereres
desonrar teu marido, que te deu palcios, e quintas, e carruagens, e tudo
quanto cobre o sol. 2ai+te para onde quiseres, ingrata mulher, e quando
souberes que eu morri doido %em tomar conta de tudo isto que teu, porque o
que %oc6s querem todos acabar comigo, para ficarem com isto que eu ganhei
com honra a trabalhar como um moiro!
@udo%ina %oltara as costas ao berreiro %irulento de ?o#o ?os Bias.
*ntrou no quarto de sua m#e, que n#o ressurgira ainda do terror febril. ) criada,
que lhe assistia, entregou 4 baronesa uma carta, subscritada a B. )nglica. *ra+
lhe conhecida a letra de )ntnio de )lmeida. )l%oroada com a apraz%el
certeza de que )lmeida %i%ia, @udo%ina abriu a carta sem refletir. )penas %iu notopo do papel =)nglica>, simplesmente =)nglica>, estremeceu, caindo em si.
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*ra uma carta do amante, do amante de sua m#e. Aepugna%a+lhe l6+la, mas a
amizade instiga%a+a, desprezando os escr-pulos duma %irtude intempesti%a.
@eu o seguinte7
=)nglica, fui ferido com um tiro quando entra%a no jardim dessa casa. 3
segredo do meu assassino morrer comigo. 3 meu ferimento dizem ser mortal.
"#o importa. ;orro amando+te. *spera%a assim morrer. ;as a tua honra,
minha amiga/ "#o bastar a minha %ida para sal%+la/ B um beijo a tua filha,
ao nosso anjo que eu n#o %erei jamais. 5acrificmo+la ambos, ao %erdugo de... )
febre deu+me este inter%alo. )deus, at ao cu dos desgraados. + ). de ).>
@udo%ina rompeu em gemidos, e caiu de joelhos orando com o fer%or da
desespera#o. "ada mais triste neste mundo que o espetculo daquele quarto!
"#o preciso grande cora#o e poder de fantasia para aceitar um quinh#o de
tamanha ang-stia. ) alma de pedra estala de encontro a este conflito que
esmorece na pintura.
&ada lgrima ardente de @udo%ina bastaria a reacender a luz de piedade
apagada no cora#o humano. ? imaginastes uma %ida com este imenso horto
de agonia/ "a pre%is#o de todos os infort-nios, concebeu algum as torturas
daquela m#e, e da filha que aceita a desonra para sal%ar+lhe o nome/
Besamparados da esperana e de Beus, cobrai alento nas dores com que n#o
podeis, agradecei ao %osso anjo mau os suplcios %indos, pedi+lhe mais, pedi+
lhos todos, menos o clice de )nglica, e @udo%ina, porque h a o suco de todos
os %enenos pro%ados neste inferno da %ida, obra+prima duma causa eterna,
obra que mais me espanta a mim que a cria#o dos astros, do mar, e do
homem.
) minha grande pro%a de Beus, da justia, e da condena#o este inferno. 3
outro... inferior 4 3nipot6ncia que dei1ou, no seio da criatura, aberta a
garganta do abismo, onde a alma se despenha a de%orar+se.
CAPTULO 13
*u costumo reunir alguns peritos em letras magras como estas, e leio+lhes
alguns captulos dos meus romances, com ador%el modstia e e1emplar
submiss#o. Aecito+lhes sempre um pre8mbulo impro%isado que estudo cinco
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horas, no qual os con%ido, com humildade de aprendiz ine1perto, a que me
corrijam as hiprboles desgrenhadas, me desbastem as e1cresc6ncias da
tamarelice a que sou atreito, e me recomponham os desata%ios da forma em
que me descuido, se a imagina#o desfila comigo pelos prados floridos do
in%erosmil.
'#o atilado o arrolamento que fao dos meus rbitros, que raro de entre eles
se Besac edita admoestando ou corrigindo as perfeies que me escorregam do
bico da pena, com primores de fundi#o esmerada. *sse raro, porm, se encalha
em eleg8ncia que n#o percebe e deturpa, c o inscre%o no meu canhenho de
pasccios, e nem sequer desagra%o o meu talento ofendido com resposta
comedida. ) minha docilidade chega at este ponto, e n#o h a que %er mais
lhano e brando do que eu sou 4 opini#o cordata dos meus amigos, que me
fazem o obsquio de trazer da rua quatro superlati%os encomiastas, antes de
saberem que pbulo %ou dar+lhes 4 sua admira#o faminta.
H pouco acabei eu de ler os doze captulos passados a quatro luzeiros do orbe
literrio, e um deles, acabada a gir8ndola dos elogios, te%e a descocada
impertin6ncia de me dizer uma coisa assim7
+ 3s teus romances do meio em diante adi%inham+se.
+ 3ra essa!
+ )di%inham+se, e co1eiam por isso. 3 se1to sentido do romancista o in%ento
da surpresa. ) concatena#o lgica e natural dos sucessos danifica a peripcia, e
aguarenta a curiosidade do leitor.
+ 3 leitor que n#o capaz de entender+te essa linguagem assaralhopada. 'u
calunias o gosto dos meus leitores. 5ou informado pelo rg#o da opini#op-blica, o rg#o que eu mais respeito, o meu editor, que o bom siso dos
consumidores escolhe o romance %erosmil, amalgamado com arte e
discernimento, escrito de modo que seja o refle1o da sociedade, e que possa de
per si refletir tambm na sociedade, amoldurando+se nas formas costumeiras e
e1equ%eis.
+ *nfreia l os mpetos, modesto escritor! n#o soltes a parlenda ine1or%el.
&oncordo com o bom senso p-blico. 3 natural e o refletido da %ida apraz e
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cati%a o leitor$ mas a pre%id6ncia dos captulos ad%enientes esfria o empenho, e
dessabora a curiosidade.
+ )ceito a corre#o, e tu aceita a aposta. 5e adi%inhares o enredo dos captulos
subsequentes, eu prescindo dos meus ttulos de Henri Heine, )lphonse Rarrportugu6s, e escre%o repertrios de hoje em diante. 5e n#o adi%inhares,
escre%e+me uma crtica literria em que hs de pro%ar aos incrdulos basbaques
que eu alojo na cabea um desses lobinhos cerebrais que chamam =g6nio> os
galiparlas da nossa terra.
+ )ceito, e a %ai o desen%ol%imento do teu romance, nos pontos essenciais7 B.
)nglica pode morrer duma congest#o cerebral, ou dum tifo. "#o questiono a
morte$ certo que a matas bre%emente, e fazes pedir, na hora derradeira,perd#o do esc8ndalo 4 filha, e da trai#o ao marido. )ntnio de )lmeida j nos
disse que morria, e ele que o diz porque o sabe, e tu j o sabias antes dele. B.
@udo%ina %ai para a casa paterna, e, a pedido de ;elchior
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CAPTULO 14
)ntnio de )lmeida espera%a em 8nsias o aparecimento de B. )nglica. "#o lhe
pedira, como %imos, essa derradeira e aflitssima pro%a dum amor de %inte e
dois anos$ mas %6+la, apertar+lhe a m#o, e1piar nos braos dela, igualar oesc8ndalo ao flagelo de lance tal, isso al%oroa%a+lhe o esprito, atraindo+lho
para a -nica %is#o apraz%el e ao mesmo tempo angustiada que o detinha entre
a %ida e a morte.
)s irm#s de )lmeida ignora%am tudo o que se passara, e1ceto o ferimento
mortal de seu irm#o. ) den-ncia do bar#o de &elorico fora segredada ao
enfermo pelo proprietrio da casa, seu antigo criado. ) polcia de%assara do
crime e nada a%eriguara das respostas concisas e obscuras de )lmeida.5uspeita%am as atribuladas irm#s que seu irm#o ti%esse tentado um suicdio,
por