O que é o MoviMente?

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O QUE É O MOVIMENTE? Renata Wilwerth Leoni 1 Profª Ms.Thereza Rocha 2 RESUMO Este artigo analisa a possibilidade de um grupo de pessoas ligadas à dança em Mato Grosso do Sul ser considerado e atuar como rede social. A pesquisa procurou respostas para a indagação que tem ocupado papel central nas discussões do grupo: o que é o MoviMente? Conhecendo a sua finalidade, o passo seguinte seria escolher um tipo de organização que pudesse cumpri-la. A pesquisa procura analisar as atividades do grupo durante 513 dias (de 8 de Abril de 2009 a 2 de Setembro de 2010) e realizou entrevistas com nove dos seus 25 membros, escolhidos por amostragem entre três grupos de participantes: o grupo de sustentação, o grupo de mobilização e o grupo de simpatizantes. Ao final conclui-se que as atividades do MoviMente comportam a intervenção em três esferas nem sempre conciliáveis de interesses, a política, a corporativa e a profissional. Os dados são crivados pela teoria de redes sociais defendida por Augusto de Franco e pela visão de Helena Katz em relação ao corpo. Palavras-chave: 1. Dança. 2. Redes Sociais. 3. Democracia. O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. (ROSA, 2006, p. 316) INTRODUÇÃO Este artigo descreve os resultados de uma pesquisa sobre a gênese, o presente e o futuro do MoviMente i , um agrupamento informal de pessoas ligadas à 1 Renata é pós-graduanda no curso de especialização em Dança pela Universidade Católica Dom Bosco e produtora de dança. 2 Thereza Rocha é pesquisadora de dança, diretora e dramaturgista. Doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Professora dos cursos de dança e de teatro do Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro UniverCidade. Colunista do portal idança.net (www.idanca.net).

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Artigo produzido por Renata Leoni discutindo a natureza deste fórum de artistas da dança criado em Campo Grande - MS.

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O QUE É O MOVIMENTE?

Renata Wilwerth Leoni1

Profª Ms.Thereza Rocha2

RESUMO

Este artigo analisa a possibilidade de um grupo de pessoas ligadas à dança em Mato Grosso do Sul ser considerado e atuar como rede social. A pesquisa procurou respostas para a indagação que tem ocupado papel central nas discussões do grupo: o que é o MoviMente? Conhecendo a sua finalidade, o passo seguinte seria escolher um tipo de organização que pudesse cumpri-la. A pesquisa procura analisar as atividades do grupo durante 513 dias (de 8 de Abril de 2009 a 2 de Setembro de 2010) e realizou entrevistas com nove dos seus 25 membros, escolhidos por amostragem entre três grupos de participantes: o grupo de sustentação, o grupo de mobilização e o grupo de simpatizantes. Ao final conclui-se que as atividades do MoviMente comportam a intervenção em três esferas nem sempre conciliáveis de interesses, a política, a corporativa e a profissional. Os dados são crivados pela teoria de redes sociais defendida por Augusto de Franco e pela visão de Helena Katz em relação ao corpo.

Palavras-chave: 1. Dança. 2. Redes Sociais. 3. Democracia.

O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

(ROSA, 2006, p. 316)

INTRODUÇÃO

Este artigo descreve os resultados de uma pesquisa sobre a gênese, o

presente e o futuro do MoviMentei, um agrupamento informal de pessoas ligadas à

1 Renata é pós-graduanda no curso de especialização em Dança pela Universidade Católica Dom

Bosco e produtora de dança. 2 Thereza Rocha é pesquisadora de dança, diretora e dramaturgista. Doutoranda em Artes Cênicas

pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Professora dos cursos de dança e de teatro do Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro – UniverCidade. Colunista do portal idança.net (www.idanca.net).

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dança em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que se reúne e se comunica

regularmente por meio de um e-group3, desde 8 de abril de 2009.

A pesquisa procurou respostas para a indagação que tem ocupado papel

central nas discussões do grupo: o que é o MoviMente? A simplicidade da pergunta,

como se verá, não implica uma resposta igualmente simples. Diante do leque de

possibilidades que se foi abrindo como resposta para a questão da finalidade do

MoviMente e sua correspondente instituição formal, juridicamente apta para realizá-

la, sentimos necessidade de refletir melhor sobre as declarações de cada um dos

membros, o contexto da parturição do MoviMente, assim como de colocar essas

reflexões ao abrigo de um referencial teórico.

Desde logo, a diversidade das opiniões não só indicava a necessidade de

analisar melhor o pensamento de cada um, assim como sugeria que estávamos

diante de algo que não se enquadrava na moldura tradicional das organizações,

segundo a qual cada entidade concentra num corpo de governança a delegação das

vontades individuais, para que as exerça em nome dos objetivos previstos no

Estatuto, teoricamente maiores do que os interesses de cada um. É assim em todo

tipo de organização, desde que foi sacralizada a doutrina do sistema representativo

como expressão de racionalidade e democracia. Ora, ocorre que neste caso o

gatilho para disparar o MoviMente foi justamente a percepção de hipossuficiência da

representação classista. Daí uma primeira perplexidade: vamos criar mais uma

entidade, com a mesma natureza jurídica, apenas para provar que ela poderia

funcionar melhor se fosse dirigida por outro grupo de pessoas? Então porque não

tentar melhorar a entidade que já existe? E o que garante que a nova entidade não

se transformará na sua antípoda?

Essa contradição priorizou o interesse em definir logo a finalidade do

MoviMente, para depois decidir-se sobre o tipo de funcionalidades necessárias ao

cumprimento de tal finalidade. Foi uma boa válvula para aliviar a pressão pela

rejeição do óbvio, já que o Fórum nascera de um mal-estar corporativo. Uma

indicação importante disso apareceu na delegação feita pela própria e contestada

Associação Sul-Mato-Grossense dos Profissionais de Dança - ASPDMSii, de que o

3 Gerenciador de grupos de discussão na internet que permite aos membros de uma mesma lista de

e-mails trocarem mensagens entre todos facilmente.

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MoviMente deveria cuidar da articulação da agenda política dos profissionais de

dança, exatamente pelo fato de não ter amarras institucionais e constituir-se numa

espécie de assembleia permanente, aberta a todas as discussões. O MoviMente,

para esse fim, seria uma espécie de posto avançado de vigilância sobre o território

dos interesses dos profissionais de dança, pronto para soar o alarme no caso de

detectar qualquer ameaça a esses interesses. Para isso, entretanto, não precisaria

ser uma entidade, com CNPJ, armas e bandeiras, mas apenas manter a

regularidade de suas reuniões e disseminar as notícias de interesse geral. Isso

significaria manter certa neutralidade.

Neste ponto surgiu a hipótese, levantada por um dos seus membros, de

que o MoviMente poderia ser uma rede social. Uma possibilidade animadora, mas

que abria nova interrogação: o que é uma rede social. Logo, uma questão

aparentemente simples desembocou em outra maior, mas que por isso mesmo

poderia facilitar o deslinde da primeira: poderia ser que à luz do conceito de rede

social se apagassem as dúvidas sobre se o MoviMente deveria ser ou não uma

organização hierarquizada.

De fato, a concepção de rede social vem ao encontro da questão

fundamental para qualquer instância de governança democrática: tudo o que puder

ser realizado pelos próprios indivíduos não precisa ser delegado a nenhum

representante. Esse, aliás, foi um ponto de partida para as reflexões de

Montesquieu4 sobre o governo republicano e a democracia: ―O povo que possui o

poder soberano deve fazer por si mesmo tudo o que pode fazer bem; e o que não

puder fazer bem, deve fazê-lo por meio de seus ministros.‖ (MONTESQUIEU, 1993,

p. 46) (O que não diria hoje o autor de ―O Espírito das Leis‖ quando visse um grupo

social conectado todos os dias por meio da Internet?)

Vejamos, primeiro: o que é uma rede social. A resposta foi encontrada na

biblioteca virtual da Escola de Redes, onde se pode ler, por exemplo, o seguinte

4 Disso resulta que o princípio da legalidade, quando aplicado aos cidadãos, é uma garantia de

liberdade: ―ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei‖

(Art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988); mas quando aplicado ao Estado, é uma garantia de

sujeição à legalidade, pois a administração só poderá fazer o que for expressamente permitido pelas

leis aprovadas pelos representantes do povo.

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trecho de Augusto de Franco (2009), do seu artigo ―O Poder nas Redes Sociais‖:

―Redes sociais (distribuídas) são movimentos de desconstituição de hierarquias, (na

exata medida dos seus graus de distribuição)‖.

Para além da resposta à pergunta-título, portanto, pareceu-nos que a

reflexão sobre o MoviMente deveria prestar atenção ao seu entorno e ao seu legado.

Primeiro para anotar que, mesmo sem Estatutos, ele se move e acontece há um ano

e meio. Mais ainda, quando a investigação desborda o contexto do seu nascimento

―oficial‖, percebe-se que o Fórum, como foi batizado, já estava lá, antes de ser

criado. As pessoas que formam o grupo de suporte do MoviMente já se encontravam

há anos, com a mesma motivação, para tratar de assuntos relativos à dança, a partir

do nodo5 aglutinador da Ginga Cia de Dança. E então seria por isso que o

MoviMente sobreviveu: a rede já estava formada, era maior do que o MoviMente e o

alimentava mesmo antes do seu nascimento. Essa rede incluiria todas as pessoas

ligadas à dança em Mato Grosso do Sul e dentro dela o MoviMente poderia ser uma

linha de tambores sincronizados pela amizade e pela afinidade de ideias sobre a

dança, que soaria o alerta para a discussão dos assuntos que a mobilizam e ao seu

entorno. Esta hipótese encontra respaldo no pensamento de Augusto de Franco

(2008), em ―Uma Introdução às Redes Sociais‖:

Aqui é preciso entender que as redes não são expedientes instrumentais

para pescar pessoas e levá-las a trilhar um determinado caminho ou seguir

uma determinada orientação. As redes farão coisas que seus membros

quiserem fazer; ou melhor, só farão coisas conjuntas os membros de uma

rede que quiserem fazer aquelas coisas. Se alguém propõe fazer alguma

coisa em uma rede de 100 participantes, talvez 40 aceitem a proposta; os

outros 60 farão outras coisas ou não farão nada. Em rede é assim: não há

centralismo. Não há votação. Não há um processo de verificação da

formação da vontade coletiva que seja totalizante e que se imponha a

todos, baseado no critério majoritário.

O mote da rede deu, portanto, um roteiro para as entrevistas com os

membros do grupo, para saber em que medida a impressão inicial sobre o papel e a

constituição do MoviMente encontraria ressonância no pensamento de cada um.

5 O nodo é um ponto de conexão da rede social, constituído por uma ou mais pessoas.

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5

Independentemente de haver coincidência de pensamentos, a hipótese

de rede, por si só, mostrou-se capaz de contribuir decisivamente para a reflexão

coletiva, uma justificativa mais que suficiente para o trabalho.

Antes da formulação de uma resposta plausível para o problema da forma

de organização, contudo, importava saber qual o cimento que mantinha o

MoviMente conectado e interessado nas discussões levantadas durante esse

período em que tem atuado, a despeito de se ter atenuado a busca pela finalidade.

A hipótese é de que existe uma ideia agregadora, pelo menos entre uma parte de

seus membros, que chamamos de grupo de sustentação, cuja afinidade foi

reforçada pelos estudos recentes que fizemos juntos sobre a dança na

contemporaneidade, já que a maioria desse grupo cursou a Pós Graduação em

Dança da UCDBiii. A ideia de que há várias danças para muitos corpos dialoga com

a inquietude que anima o MoviMente, encantados todos que estamos com as

possibilidades de ser a ―... dança atual [...] mais do que nunca uma dança da

diferença e da infinitude; ela escolhe movimentos quaisquer de corpos quaisquer‖.

(CALDAS, 2009, p. 38)

O problema de saber o que é o MoviMente continua visível no horizonte,

portanto, mas já os caminhos que permitiriam chegar até uma resposta mostraram

suas encruzilhadas. A primeira delas: não há apenas o caminho da organização

hierarquizada, há também a hipótese de rede. A segunda: ser ou não ser uma

―representação‖ classista e limitar-se a defender uma agenda corporativa. Ou menos

que isso: ser um braço destacável da representação classista já existente, para ser

usado apenas nos combates corporativos.

O surgimento dessa topografia acidentada não só tornou mais complexa a

construção do caminho até a resposta pretendida, mas, sobretudo, revelou a parte

submersa de um iceberg. Trata-se da questão de saber, afinal, se o MoviMente

efetivamente precisa ser alguma coisa definida e organizada, uma instituição que

possa ser apresentada ao público como portadora das vontades e vozes dos seus

filiados. Diante dessa questão, o que à primeira vista parecia lógico, a criação de

uma entidade, começa a perder a sua força, porque não dá para imaginar uma

organização hierarquizada capaz de amalgamar a diversidade das ideias e a

expressividade de cada um dos membros do MoviMente sob um único discurso, sem

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sacrificar justamente aquilo que se constituiu até agora na sua maior força: a

representatividade individual dos seus membros no espaço público da dança em

Mato Grosso do Sul.

Já não se trata, portanto, neste passo, apenas de saber o que é o

MoviMente, senão, também, de saber o que ele não pode ser, não precisa ser ou

não quer ser, caso a hipótese de rede se confirme: uma estrutura hierárquica

refletida no passado e congelada por uma declaração granítica de propósitos,

reduzindo assim a riqueza da expressão individual dos seus membros. Resta,

portanto, confirmar ou infirmar a hipótese, mediante uma série de entrevistas

individuais, por meio das quais possa ser captada a diversidade do pensamento dos

membros do grupo, mas sem que haja direcionamento das respostas. Em apoio a

esse trabalho, impôs-se também realizar a leitura e a tabulação das atas das

reuniões do MoviMente, a fim de captar suas motivações, as deliberações e os

resultados das atividades desenvolvidas desde a sua criação.

Ao final, esse material será crivado pela contribuição teórica sobre redes

sociais. Como resultados desse trabalho, espera-se, em primeiro lugar, que a

reflexão coletiva do MoviMente seja enriquecida, fortalecendo as convicções

majoritárias, sejam elas quais forem. E isso seria suficiente como resultado.

Mas se for para realizar uma visão de futuro ambiciosa, seria considerado

excelente que este trabalho pudesse contribuir para que o MoviMente exerça um

papel relevante para o desenvolvimento da dança em Mato Grosso do Sul, mas,

sobretudo, que ele contribua também para o desenvolvimento da democracia,

servindo como instância de controle social da política pública para a dança.

1. JÚLIA AISSAiv RECEBE A NOTÍCIA DE QUE “NÃO HÁ DANÇA

CONTEMPORÂNEA PARA CRIANÇAS”

Em 8 de Abril de 2009 ocorreu a primeira reunião do MoviMente. O

assunto principal era saber se as pessoas ali reunidas se sentiam representadas ou

não pela Associação Sul-Mato-Grossense dos Profissionais da Dança - ASPDMS.

Estavam presentes Chico Nellerv, Denise Parravi, Gustavo Lorençovii, Júlia Aissa,

Júlio César Florianoviii, Luiza Rosaix, Marcos Mattosx, Miriam Gimenesxi, Roberta

Siqueiraxii, Paula Buenoxiii, Patrícia Almeidaxiv e Renata Leonixv. A motivação para o

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7

encontro crescera a partir de um telefonema recebido da Fundação Municipal de

Cultura de Campo Grande – FUNDACxvi por Júlia, dando conta de que o seu projeto

para ministrar oficinas de dança para crianças estava com problemas. Aconteceu

que a FUNDAC submetera ao crivo da ASPDMS vários projetos de dança. Como

não poderia julgar a qualidade técnica dos projetos, o gestor municipal de cultura

dissera que os estava enviando para a ―única representante da dança‖ que ele

conhecia. Esta era a sua justificativa para a consulta técnica feita à ASPDMS. Neide

Garridoxvii sua presidente, sentenciou, sobre o projeto de Júlia Aissa, ipsis litteris:

não existe dança contemporânea para crianças, somente balé clássico.

Júlia achou que era inaceitável o parecer da Presidente e o fato da

Associação ser vista pelo gestor cultural como ―única representante da dança‖ capaz

de expedir pareceres técnicos, reverberou entre as integrantes do Coletivo

Corpomanciaxviii, do qual Júlia participa. Uma onda de protestos ganhou impulso na

turma da Pós-Graduação em Dança da UCDB, passou pela sala de ensaios da

Ginga Cia de Dançaxix, esteve nas mesas do Núcleo de Dança da FCMSxx e

desaguou no Ofurô Clínica e Spa Urbanoxxi, onde Miriam Gimenes e Roberta

Siqueira aceitam pacientes para ―lavar a alma‖ e assuntos de dança para ―tirar a

limpo‖.

Logo ficou claro para todos que ninguém se sentia representado pela

ASPDMS. Consta da Ata da Reunião: ―Todos concordaram que a atual Associação

não estava representando nenhum dos presentes.‖ E, ato contínuo, as falas se

orientaram para a descrição das falhas mais clamorosas da Associação: pouca

transparência do processo eleitoral; falta de comunicação entre a Diretoria e os

filiados; resistência a mudanças, fato relatado por Miriam Gimenes, na condição de

ex-presidente da Associação (2001/2002). Outra unanimidade foi o

descontentamento com o fato do gestor municipal de cultura considerar a

Associação como única instância consultiva sobre a qualidade técnica dos projetos

de dança, o que reabriu a eterna ferida da obrigatoriedade de estar filiado à

Associação como pré-requisito para concorrer ao financiamento de projetos por meio

do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura – FMICxxii.

O rumo da discussão levou a uma questão inevitável: vamos fazer o quê?

A ideia mais óbvia, criar a “ASPDMS do B”, foi sumariamente descartada. Então, que

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tal organizar-se dentro da Associação como um grupo de oposição e tentar ―tomar o

poder‖? Também não. Entretanto, a mobilização era forte e queria nada menos do

que ―fazer outro movimento que tivesse ideias, pensamentos, interesses e objetivos

diferentes dos da Associação e pertencesse a outro universo de significação dentro

da dança de Mato Grosso do Sul‖, conforme diz textualmente a Ata da Reunião.

Neste ponto, contudo, ainda não se sabia o que devia ser organizado,

nem como organizar, nem para qual finalidade. Mas era algo grande, generoso,

independente, inclusivo, aberto, mais que apenas corporativo, mas bordejado pela

palavra dança. Por isso mesmo, as deliberações finais da reunião foram agir logo e

pensar grande, buscando:

a) Afirmar a identidade do Grupo, por meio da confecção de camisetas

com a palavra MoviMente e participar uniformizados da Semana Pra

Dança, realizada pela FCMS;

b) Promover performances nas ruas da cidade e em espaços públicos

durante a Semana Pra Dança para divulgar a existência do MoviMente;

c) Criar grupos de estudos sobre os seguintes temas: Movimentos Sociais

de Dança Nacionais e Internacionais (talvez para encontrar similares

em quem se espelhar e aprender); Quem é o Profissional da Dança em

MS e qual é o Mercado de Trabalho para ele (para conhecer os

interessados diretos); Dança e Educação (talvez para enfrentar, com

base teórica sólida, a questão motivadora da reunião).

Contudo essa reunião partejadora do MoviMente deixou o assunto que

lhe serviu de mote em suspenso, jazendo à margem das discussões que animaram

as reuniões subsequentes. Isso porque a questão de saber o que era o MoviMente

esquentou, mas os grupos de estudos não andaram e a resposta à restrição do

ensino da dança contemporânea para crianças foi relegada à caixa de brinquedos

desmantelados.

2. DANÇO, LOGO EXISTO

Até agora andamos bordejando nossa questão inicial, seguindo a rota de

se lançar primeiro ao oceano para depois retornar à ilha natal com os tesouros

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conquistados. É o que se conhece como método dedutivo.6 Mas já é tempo de voltar

para casa e buscar as respostas que estavam o tempo todo conosco. Comecemos,

portanto, por investigar quem é o MoviMente, em vez de insistir em sabero que ele

é.

Das vinte e uma reuniões realizadas pelo MoviMente desde 8 de Abril de

2009 até 2 de Setembro de 2010 lavraram-se 17 atas, das quais foi possível extrair

data, local, participantes, temas, motivos e deliberações. Da memória e das próprias

atas foi possível compilar os resultados alcançados, medidos pelo grau de

cumprimento das deliberações tomadas. Registre-se de passagem que o cuidado

com a documentação demonstra organização rara até em instituições devotadas ao

formalismo dos seus ritos. Tanto mais porque as atas que não foram lavradas

referem-se a reuniões que nada acrescentavam às deliberações anteriores, pois

serviam para controlar o andamento do que se havia decidido.

Ao todo participaram das reuniões 25 pessoas. Dessas, nove pessoas

formam o que chamamos de Grupo de Sustentação, porque o grau do seu interesse

pelo Fórum levou-as a participar das reuniões entre nove e quatorze vezes. Sem

prejuízo de que exista alguém que mesmo sem participar de qualquer reunião tenha

um alto grau de simpatia ou se mobilize para apoiar o MoviMente, o critério de

participação das reuniões presenciais foi escolhido por exigir mais sacrifício pessoal

do participante, em princípio uma medida do seu interesse. Estão nesse Grupo de

Sustentação as lideranças7, que têm em comum uma história de trabalho

compartilhado, em diversas ocasiões e com motivações que poderiam ser

6 O método dedutivo, de acordo com a acepção clássica, é o método que parte do geral e, a seguir,

desce ao particular. Parte de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita

chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude unicamente de sua lógica. É o

método proposto pelos racionalistas (Descartes, Spinoza, Leibniz), segundo os quais só a razão é

capaz de levar ao conhecimento verdadeiro, que decorre de princípios a priori evidentes e

irrecusáveis. O protótipo do raciocínio dedutivo é o silogismo. Seja o exemplo:

Todo homem é mortal. (premissa maior)

Pedro é homem. (premissa menor)

Logo, Pedro é mortal. (conclusão) http://precodosistema.blogspot.com/2008/04/mtodo-dedutivo-vs-

mtodo-indutivo.html e consultado em 25/11/2010.

7 Lideranças aqui sejam consideradas as pessoas formadoras da linha de vanguarda, aquelas que

puxam a fila, carregam o piano e compartilham as responsabilidades, revezando-se nesse papel.

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classificadas em Políticas (quando são contra ou a favor de alguma política do

setor), Corporativas (quando se posicionam em relação aos interesses classistas) e

Profissionais (quando trabalham em parceria em algum projeto).

Utilizando o mesmo critério da participação em reuniões presenciais, logo

em seguida encontraremos as sete pessoas que formam o Grupo de Mobilização,

composto de amigos (as) que em algum momento estiveram juntos com um ou mais

membros do Grupo de Sustentação, seja por razões políticas, corporativas ou

profissionais. Nesse grupo estão as pessoas mais disponíveis para a mobilização,

mas que em geral confiam a iniciativa das ações a alguém do Grupo de

Sustentação.

Por último encontramos o Grupo de Simpatizantes, formado por pessoas

interessadas nos rumos da cultura de maneira geral e não especificamente com a

agenda corporativa da dança ou com o projeto A ou B. São pessoas que mantêm

alguma ligação com o Grupo de Sustentação ou com o Grupo de Mobilização, mas

cujo interesse é mais abrangente e atua no sentido de estimular e apoiar as ações

do MoviMente, pensando mais no que ele pode vir a ser em termos de movimento

social. Esperam para ver o que vai dar.

A Tabela I, abaixo, classifica os membros do MoviMente em ordem

decrescente de suas participações nas reuniões. Pintado de azul claro, o Grupo de

Sustentação; de verde claro, o Grupo de Mobilização e sem cor, o Grupo de

Simpatizantes.

TABELA I

Ordem Tabela de Participantes8

1 Renata Leoni 14

2 Denise Parra 13

3 Miriam Gimenes 13

4 Roberta Simone Siqueira 12

5 Marcos Mattos 11

6 Chico Neller 10

7 Franciela Cavalheri 9

8 De todas as pessoas e instituições citadas no texto há uma nota de fim de texto com um breve

currículo ou pelo menos com o significado do nome quando aparece abreviado.

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8 Júlio César Floriano 9

9 Paula Bueno 9

10 Luiza Rosa 6

11 Naiara Araújo 6

12 Ana Maria Rosa 3

13 Débora Higa 2

14 Julia Aissa 2

15 Moema Vilela 2

16 Nara Hortência 2

17 Beatriz Nantes 1

18 Diógenes Antonio Silva 1

19 Gustavo Lorenço 1

20 Ingrid Beatriz 1

21 José Carlos Gomes 1

22 Laura de Almeida 1

23 Mayara Firmo Martins 1

24 Patrícia Almeida 1

25 Wanessa Pucciarello Ramos 1

Vejamos agora o que esses 25 argonautas9 andaram fazendo em sua

jornada, a partir da tabulação das deliberações registradas nas dezessete atas

produzidas ao longo dos 513 dias de sua viagem em busca de uma identidade. A

Tabela II, abaixo, mostra as datas das reuniões, as deliberações tomadas e uma

medida subjetiva da efetividade de cada deliberação.

TABELA II

Data Deliberações Resultado

08/04/2009

Criar outro movimento, que tenha ideias, pensamentos, interesses e objetivos diferentes dos da Associação existente, evitando assim a concorrência de objetivos.

Atingido satisfatoriamente até a última deliberação. Resultado parcial se a última deliberação for cumprida.

Que este movimento estivesse integrado a um movimento nacional de dança.

Atingido Satisfatoriamente.

9 Argonauta: ―Pessoa com espírito de aventura e que se lança à conquista de bens ou de ideais‖

(Dicionário Houaiss)

Page 12: O que é o MoviMente?

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Fazer camisetas para as pessoas que participam deste movimento fazerem performances nas ruas da cidade e em espaços públicos durante a ―semana pra dança‖, realizada pela Fundação de Cultura do Estado.

Atingido Satisfatoriamente.

Criar grupos de estudos sobre os seguintes temas: - movimentos sociais de dança nacionais e internacionais; - quem é o profissional da dança e qual o mercado de trabalho para ele; - dança e educação.

Resultado Parcial (de 5 grupos criados, só um funciona parcialmente).

11/04/2009 Participar da Semana pra Dança promovida pela Fundação de Cultura de MS

Atingido Satisfatoriamente.

21/04/2009

Escolhidos os seguintes temas das comissões: Políticas públicas, comunicação e integração, educação e saúde, estudos e pesquisas e produção cultural, escolhidas segundo o foco de atuação das pessoas que estavam se reunindo.

Resultado Parcial (metas das comissões não foram atingidas).

MoviMente irá se encontrar de 15 em 15 dias, no mesmo dia e horário, mudando sempre as sedes das reuniões.

Resultado nulo.

09/05/2009

Decidiu-se que haverá uma grande reunião de divulgação e oficialização do movimento no dia 19 de maio, às 19h, em local ainda não determinado.

Resultado nulo.

Necessidade de se colocar no blog do fórum informações mais detalhadas sobre o movimente e algumas perguntas e respostas simples, para que mais pessoas tomem conhecimento dele, antes de irem para a grande reunião de divulgação e debates.

Resultado Parcial (blog criado, mas com manutenção irregular).

Realizar um mapeamento das pessoas que trabalham e fazem dança em Mato Grosso do Sul, para que possamos enviar convites e para que conheçamos pessoas fora do círculo de convivência que acaba se concentrando na capital do Estado.

Resultado nulo.

Dialogar com órgãos públicos com assessoria para elaboração de editais, orientação sobre importância e funções de cada estética, fazê-los valorizar os artistas da dança para suprimir a relação vertical entre artistas e Estado. Propor parceria, em vez de mecenato.

Resultado Parcial (somente uma reunião realizada).

25/05/2009 Não houve a reunião.

19/06/2009

Montar uma diretoria provisória. Atingido Satisfatoriamente

Reunir com contador para entender juridicamente o que significa cada formação em termos de custos e benefícios.

Atingido Satisfatoriamente

Comissões devem definir ações iniciais até 31 de julho. Resultado nulo.

As comissões apresentarão suas propostas para apreciação de todos do grupo com posterior complementação à carta de apresentação do

Resultado nulo.

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MoviMente.

Reunião aberta a todos os profissionais da dança: 14 de agosto de 2009.

Resultado nulo.

18/02/2010

Substituição do tesoureiro provisório. Atingido Satisfatoriamente.

Festa da Dança em comemoração ao Dia Internacional da Dança.

Atingido Satisfatoriamente.

Bar Itinerante - intervenções de dança em bares da cidade.

Atingido Satisfatoriamente, mas uma só vez.

Abertura da empresa - pessoa jurídica. Resultado nulo.

Definição da pauta para a próxima reunião: estatuto, abertura da empresa, reorganizar comissões, banco de idéias, anuidade, festa da dança.

Resultado nulo.

24/02/2010

Alteração do horário de início das reuniões. Atingido Satisfatoriamente.

Criada Comissão temporária para elaboração da minuta do estatuto: Paula, Renata e Marcos.

Atingido Satisfatoriamente.

Criação de e-mail google groups por Paula. Atingido Satisfatoriamente.

Reorganização das comissões. Atingido Satisfatoriamente.

Banco de idéias: Flashmob, palco móvel. Resultado Parcial (quadrado da dança realizado duas vezes).

Definição da pauta para a próxima reunião: minuta do estatuto, arrecadação financeira, informações trazidas de Brasília.

Resultado nulo.

17/03/2010

Marcar reunião com SESC para informações sobre processo de seleção de professores da instituição.

Atingido Satisfatoriamente.

Contribuições dos membros para abertura de empresa. Atingido Satisfatoriamente. (R$ 371 arrecadados sem fixação de cotas).

Encaminhar a minuta do estatuto para parecer jurídico. Atingido Satisfatoriamente.

Detalhamento da festa em próxima reunião. Atingido Satisfatoriamente.

Definição da logo do MoviMente. Atingido Satisfatoriamente.

24/03/2010 Seguranças, camisetas, local da festa, funções dos membros e atrações da festa, venda de ingressos, etc.

Atingido Satisfatoriamente (R$ 1871 arrecadados, 217 pessoas na festa).

07/04/2010

Participação de todos na abertura da Semana pra Dança em 14/04/2010.

Atingido Satisfatoriamente.

Ações do MoviMente - SESC e Fundação de Cultura de MS.

Atingido Satisfatoriamente.

Deliberações da festa - nova convocatória. Atingido Satisfatoriamente.

Page 14: O que é o MoviMente?

14

Comissões - definir metas e estratégias. Resultado nulo.

Atualizar blog a carta de apresentação para órgãos públicos.

Resultado Parcial (atualização irregular).

28/04/2010

Metas a serem apresentadas pelas comissões: propostas de atividades 2010/2011.

Resultado nulo.

Nova data para apresentação do MoviMente: 12 de maio na sala Rubens Corrêa no CCJOG.

Resultado nulo.

13/05/2010

25/05/2010

02/06/2010

MoviMente irá propor normas de participação de grupos de dança para o Circuito Dança no Mato.

Atingido Satisfatoriamente.

E-mail do MoviMente - google groups só para os membros regulares.

Resultado nulo.

17/06/2010

Marcada reunião com ASPDMS para o dia 21/06. Atingido Satisfatoriamente.

MoviMente levará a proposta de realizar a seleção dos participantes do Circuito em conjunto com a ASPDMS.

Atingido Satisfatoriamente.

MoviMente sugere que a seleção seja feita por uma comissão formada de 3 membros.

Atingido Satisfatoriamente.

26/06/2010

Critérios de participação no Circuito de Dança propostos e aceitos: diversidade de linguagens, pertinência histórica do grupo.

Atingido Satisfatoriamente.

Representante do MoviMente será definido posteriormente.

Atingido Satisfatoriamente.

06/07/2010

Aprimorar a participação do MoviMente nos Editais. Resultado nulo.

Reunião marcada para 07/08 com o compromisso de levar mais pessoas.

Resultado nulo.

Pauta da próxima reunião: estatuto e parceria com UEMS para evento científico/cultural.

Resultado nulo.

10/08/2010

18/08/2010

02/09/2010

Definido por registrar o MoviMente. Resultado pendente. Se realizado, muda a natureza atual do MoviMente.

Chico ver com contador como fazer. Resultado nulo.

Curso de BMC a ser realizado. Resultado nulo.

Próxima reunião em 14/09. Resultado nulo.

Page 15: O que é o MoviMente?

15

A leitura das atas revela três tipos de deliberações: as que não mobilizam

e acontecem, as que mobilizam e acontecem e as que não mobilizam nem

acontecem.

Ao primeiro tipo (das que não mobilizam e mesmo assim acontecem)

pertence a decisão de elaborar um estatuto e registrar uma associação civil sem fins

lucrativos que ―congregará profissionais envolvidos com a dança, bem como

estudantes e interessados na área, com o intuito de promover o acesso, a prática, a

pesquisa, a disseminação, a diversidade e o debate da dança, principalmente em

Campo Grande‖ (Parágrafo Único do Art. 1º da minuta de Estatuto Social aprovada).

Essa deliberação foi tomada no dia 2 de Setembro de 2010 e corresponde

à negação cabal do que havia sido resolvido na reunião inaugural do MoviMente,

ocorrida no dia 8 de Abril de 2009, da qual vale transcrever a reflexão mais

importante: ―A maioria das pessoas presentes deixou nítida a ideia de que ninguém

quer fazer frente à atual ASPDMS. O objetivo é fazer outro movimento que tivesse

ideias, pensamentos, interesses e objetivos diferentes dos da Associação e

pertencesse a outro universo de significação dentro da dança de Mato Grosso do

Sul‖. (Ata da Reunião do dia 8 de Abril de 2009)

Em que pese a adoção de base territorial diferente (MS versus Campo

Grande), a abertura quase infinita para filiações de ―profissionais envolvidos com a

dança, bem como estudantes e interessados na área‖ (minuta do Estatuto) e a lista

abrangente e cuidadosa de objetivos, a rendição ao modelo inicialmente contestado

da ASPDMS acabou prevalecendo por gravidade.

E porque isso aconteceu? Independentemente do bom argumento de que

ainda há mais financiamento público para projetos patrocinados por pessoas

jurídicas, a principal razão para que o MoviMente acabe se tornando uma

associação civil ―sem fins lucrativos‖ é a inércia irresistível de um modelo mental que

nega representatividade aos indivíduos, transferindo-a às corporações e respectivas

instituições a que pertençam. Essa questão apareceu nas discussões da reunião do

dia 19 de Junho de 2009. Ana Mariaxxiii e Luíza Rosa relatavam que numa

apresentação sobre Pontos de Cultura10 haviam obtido a informação de que os

10 Ponto de Cultura é um programa do Ministério da Cultura.

Page 16: O que é o MoviMente?

16

interessados em financiamento de um Ponto de Cultura deveriam possuir CNPJ11 há

pelo menos dois anos para se habilitarem perante os editais. Chico Neller opinou

pelo registro do MoviMente como pessoa jurídica, ―se isso for necessário para dar

credibilidade ao grupo frente ao poder público e à opinião pública na hora de falar

contra ou a favor de alguma ação‖, ao que Júlio observou que ―independentemente

de ser pessoa jurídica, a representatividade do grupo estaria garantida pelo

MoviMente ser um conjunto de pessoas com seus direitos legítimos de expressão e

reivindicação: vários civis valem mais do que uma empresa‖. (Ata da reunião do dia

19 de Junho de 2009).

Ao defender que o MoviMente se habilite a participar de editais, uma

finalidade econômica por excelência, Chico fala em ―credibilidade‖ para ser contra ou

a favor de políticas públicas, uma atuação eminentemente política; no entanto Júlio,

para defender a liberdade de expressão política, fala que ―vários civis valem mais do

que uma empresa‖, deixando entrever que se referia também a um empreendimento

econômico que poderia ser viável, mesmo sem possuir CNPJ.

Ideias que mobilizam são aquelas que tratam do que é valioso para as

pessoas, mas com simplicidade e clareza, tornando-se assim facilmente entendíveis

para um grande número de pessoas. Entretanto as ideias pouco mobilizadoras, ou

por serem complexas ou a despeito até de terem pouco valor, quando são

empurradas adiante pelo costume e pela ―preguiça‖ inercial dos preconceitos,

acabam sendo impostas e produzindo seus resultados nefastos, mesmo contra a

vontade da maioria, desde que essa vontade esteja diluída numa sopa rala.

Segundo as palavras de José Carlosxxiv, membro simpatizante

entrevistado, um dos problemas da dança (e da cultura em geral) em Mato Grosso

do Sul é a falta de clareza dos mecanismos de financiamento público, que decorre:

... de uma cultura política envergonhada do seu patrimonialismo ibérico, o que por sua vez está na base da definição de critérios de acesso aos recursos públicos para a cultura, copiada de um esquema de financiamento já ultrapassado da Assistência Social, o qual procura inutilmente evitar o desvio de finalidade da aplicação dos recursos ao preferir entregá-los à gestão de entidades ―sem fins lucrativos‖ e declaradas ―como de utilidade pública‖. Isso é uma grande farsa, porque o cumprimento da finalidade da aplicação dos recursos públicos por quem quer que seja, pessoa física ou jurídica, entidade privada ou estatal, empresa ou organização filantrópica,

11 CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas.

Page 17: O que é o MoviMente?

17

depende muito mais de boa gestão, executada por meio de projetos bem elaborados e com prestação de contas transparentes, do que da forma jurídica assumida pelos gestores. Essa farsa só serve para estimular a ―pilantropia‖ e para misturar ainda mais os interesses públicos com os interesses privados, tornando mais confusa essa grande dicotomia.

A fraqueza da discussão e da deliberação sobre a forma que o MoviMente

deve assumir decorre, portanto, em grande medida, da separação irreconciliável do

interesse geral da sociedade (de natureza estritamente política), do interesse

corporativo da classe como um todo (de natureza política e econômica) e do

interesse profissional de um grupo que possui entre si afinidade suficiente para

trabalhar em sociedade (de natureza estritamente econômica), aspectos da ―grande

dicotomia‖ entre o público e o privado a que se refere o José Carlos. O que está

―travando‖ a discussão do assunto no grupo e levando-o por inércia a constituir outra

associação dos profissionais de dança, a nosso ver é a ―necessidade‖ de reunir

numa só entidade os três tipos inconciliáveis de interesses: políticos, corporativos e

profissionais. Reservemos esse molho para o final, para ver o que mais as atas e

entrevistas nos dizem.

Vejamos agora as deliberações do segundo e terceiro tipos: aquelas que

mobilizam e acontecem e aquelas que não mobilizam nem acontecem. Na Tabela II,

alhures, estão pintadas de rosa alegre as deliberações que os membros do

MoviMente se apressaram em cumprir. Elas ganham por um tento (20 a 19)

daquelas cujos resultados foram considerados nulos, por isso mesmo foram

classificadas como as que não mobilizam nem acontecem e pintadas na Tabela II

com cinza triste. O empate técnico mostra a ambiguidade das escolhas realizadas.

Nada extraordinário, se considerarmos que já é difícil para qualquer indivíduo

garantir um alto grau de acerto em suas escolhas pessoais. Quando se trata de um

grupo heterogêneo, a possibilidade de erro se eleva geometricamente.

A maioria esmagadora das deliberações cumpridas alegremente pelos

membros do MoviMente referem-se à articulação, à promoção de festas e

apresentações visando a divulgação e defesa dos objetivos do Fórum, ao trabalho

de produção de material e ideias para uso comum e à vigilância da gestão da

política pública para a dança. Do lado das deliberações inúteis estão aquelas que

criam obrigações regulares, dirigem o foco e exigem resultados de estudos

Page 18: O que é o MoviMente?

18

coletivos e principalmente aquelas que pretendem juntar uma grande quantidade

de pessoas, tal como a ―grande reunião de divulgação e oficialização do movimento

no dia 19 de maio, às 19h, em local ainda não determinado‖ (Ata da reunião do dia 9

de Maio de 2009). Parece claro a recusa dos membros do MoviMente à hierarquia.

Ordens são solenemente ignoradas. Burocracia é deixada para quem se habilite. As

decisões de caráter mais burocrático e normativo estão pintadas na Tabela II com

amarelo desbotado, porque embora tenham importância para a organização interna,

padecem a desdita do esquecimento rápido.

Se fosse para escolher a finalidade e o tipo de organização que o

MoviMente deve ter com base apenas nas suas atividades cor-de-rosa, diríamos

com tranquilidade que o MoviMente:

a) deveria cuidar apenas de articulação política, promoção de eventos do

seu interesse, produção do que lhe viesse à telha e vigilância e colaboração com a

gestão da política pública de dança (controle social, mas de caráter proativo);

b) deveria permanecer aberto à participação de qualquer pessoa sem se

preocupar em promover filiações em massa nem em reunir grande quantidade de

pessoas, a não ser no caso de comoção pública, quando elas já se reuniriam

naturalmente;

c) deveria restringir e concentrar o seu esforço de coordenação12 ao

mecanismo do e-group, seu melhor e mais efetivo meio de comunicação e melhorar

a administração do seu blog, reduzindo o número de reuniões burocráticas e

aumentando a integração das pessoas;

d) deveria rasgar qualquer estatuto e deixar que os objetivos fossem

aparecendo conforme a necessidade e a oportunidade de realizá-los.

Mas isso é só uma opinião, ainda que consideremos que ela está

amparada nos resultados efetivos da experiência exitosa do MoviMente. Impõe-se

agora ouvir os entrevistados, para saber, principalmente, se o que eles esperam do

futuro do Movimente autoriza a hipótese que abraçamos.

Na Tabela III, a seguir, compilamos as respostas às seguintes perguntas:

Quais os três principais problemas da dança em Mato Grosso do Sul; Em quais

12 Coordenar é fazer com o que todos façam o que deve ser feito. (Definição de Peter Drucker)

Page 19: O que é o MoviMente?

19

deles o MoviMente pode atuar para resolver; O MoviMente pode fazer um trabalho

complementar ao da ASPDMS?; Você acha que o MoviMente deve ser um

instrumento de controle social da gestão da cultura?; O que funciona bem, o que não

funciona e o que falta no MoviMente; Que benefícios considera que o MoviMente

trouxe ou pode trazer para você?; Que benefícios o MoviMente pode trazer para a

sociedade? Como se trata de uma leitura livre da transcrição de uma entrevista

gravada, decidimos por omitir o nome da pessoa entrevistada e realçamos a sua

classificação como integrante do Grupo de Sustentação, do Grupo de Mobilização

ou do Grupo de Simpatizantes.

TABELA III

Grupo Número Compilação das Respostas

Grupo de Sustentação 1 Os problemas da dança são desconhecimento, falta de respeito

e de humildade e o MoviMente pode contribuir para resolvê-los,

mas sem ser um apêndice ou complemento da ASPDMS. Deve

ser diferente. Acho que deve contribuir para o controle social da

gestão da cultura, apostando no que tem de melhor, a

democracia interna e resolvendo o que tem de pior, a falta de

inciativa para concluir o que é deliberado. Para isso o

MoviMente não precisa de muita gente. Não há necessidade de

arregimentar muitas pessoas, o que precisa é tornar mais

efetivo o trabalho daquelas que estejam dispostas a colaborar.

Para a sociedade, o MoviMente pode ser uma janela crítica

aberta para o mundo, para sacudir o conservadorismo local.

Grupo de Sustentação 2 Os problemas da dança em MS são que a produção cultural é

pobre, a pesquisa é escassa, não há financiamento para

manter companhias que pesquisem. O MoviMente pode se

interessar mais pela pesquisa e estudo da dança, fazendo a

disseminação do conhecimento em todas as áreas da dança. O

MoviMente não é complementar à ASPDMS. O MoviMente

deve ser diferente. O MoviMente deve colaborar com a gestão

da cultura. Acho que o MoviMente deve ter uma estrutura. O

melhor é a democracia interna. O que não funciona é a demora

em tomar decisões. Falta mais envolvimento. O benefício

pessoal é a troca de experiência. O benefício para a sociedade

é o esclarecimento do público para a dança, rompendo

Page 20: O que é o MoviMente?

20

preconceitos e formando público novo.

Grupo de Sustentação 3 O problema é o baixo reconhecimento da dança no Brasil e no

MS. A dança está longe da escola, lembrada apenas como

instrumento de comemoração nas datas festivas. A produção é

muito limitada a festivais e condicionada pelas demandas do

gestor público de cultura. Falta a iniciativa de criar por

necessidade artística. Concentração na capital. O MoviMente

pode gerar reflexão, melhorar a quantidade e qualidade da

produção e contribuir para a melhoria da formação dos

professores. Episodicamente pode ajudar a ASPDMS, mas

deve ser independente e não complementar. Deve fazer

interlocução com o gestor de cultura. O melhor do MoviMente é

a afinidade e o respeito entre os membros. O que não funciona

o baixo comprometimento. As ações de curto prazo funcionam

melhor. O benefício é o compartilhamento e a possibilidade de

discutir. Para a sociedade, o benefício é aumentar o acesso das

pessoas à dança.

Grupo de Sustentação 4 Pouca diversidade da dança. Educação em dança deficiente.

Baixa integração entre os praticantes de dança. Falta de

investimentos públicos e privados. O MoviMente pode contribuir

em todas as áreas, mas isso depende de como abordar cada

problema. O principal instrumento é a discussão e reflexão

sobre dança para o maior número de pessoas. O trabalho do

MoviMente pode ser complementar ao da ASPDMS. Deve

buscar a transparência das ações do gestor público, mas

também colaborar para o aprimoramento da política pública. O

melhor é o entendimento e a harmonia. O pior é a

disponibilidade das pessoas. O benefício é a experiência do

diálogo, especialmente com o poder público. Para a sociedade,

o melhor é que o MoviMente pode chamar a atenção para a

dança.

Grupo de Mobilização 1 Falta de comprometimento das pessoas do meio. O MoviMente

pode ser um organizador do esforço para melhorar a dança,

com as pessoas de que dispuser. O MoviMente é diferente da

ASPDMS, mas pode colaborar com ela. O MoviMente é o lugar

onde se pensa a dança. Pode servir como instância de controle

social do Estado. O MoviMente funciona para além do espaço

das reuniões, ele cria um estado de espírito que a pessoa leva

Page 21: O que é o MoviMente?

21

para onde for. Há um intercâmbio entre o que a gente leva e o

que a gente traz das reuniões. Falta clareza da função do

MoviMente. O benefício é a integração, as reuniões do grupo

quebram o isolamento. Preparar o público para receber a

dança.

Grupo de Mobilização 2 Falta de capacitação, formação de professores e de público. O

MoviMente pode contribuir para o aumento do investimento.

MoviMente deve ser vigilante e disseminar informações. O

melhor é a articulação e a discussão, o que falta é objetividade,

parece uma reunião de amigos. Para a sociedade, o MoviMente

pode contribuir para a melhoria da educação.

Grupo de Mobilização 3 Faltam incentivos das políticas públicas para dança. Falta

presença dos representantes da dança nos meios decisórios. O

MoviMente deve representar os profissionais de dança. Deve

ser uma associação diferente e mais abrangente. Mas também

deve ser um Fórum Político, o que é diferente, porque como

associação congrega os profissionais e como fórum congrega a

sociedade como um todo. Um dos objetivos deveria ser fazer

controlo social da política pública. Promover o acesso da dança

para a maioria da sociedade. O que funciona bem é a

organização à distância. O comprometimento de um grupo

restrito é muito alto. O MoviMente não conseguirá ter uma luta

comum, porque as pessoas tem objetivos diferentes. O que

falta é objetivo, como vai sair do papel para o concreto. Saber

se o MoviMente é de todos ou de algumas pessoas.

Grupo de Simpatizantes 1 Falta de público para a dança. Mais eventos que promovam a

qualificação. O MoviMente pode ajudar a qualificação dos

profissionais. Controle social é ótimo, a ASPDMS tem um foco

diferente do de vocês. O trabalho é complementar, mas bem

diferente. A população é muito carente de opções de acesso à

cultura. Admiro o que vocês estão fazendo, tenho

acompanhado tudo pelas comunicações que recebo. Vocês

estão no caminho certo e ainda falta se organizar: há que

separar atividade artística e atividade educativa, sem deixar

que somente uma coisa prevaleça.

Grupo de Simpatizantes 2 A matriz de todos os problemas é a cultura política dos

cidadãos. Não adianta esperar o Poder Público acertar e muito

menos errar, para depois reagirmos. É preciso agir

Page 22: O que é o MoviMente?

22

preventivamente. O MoviMente deve ter, portanto, uma agenda

de reivindicações políticas muito clara. Em relação à ASPDMS,

o MoviMente pode ajudá-la, criticá-la ou participar dela,

conforme o caso, mas sem tentar substituí-la por outra

associação. O principal papel do MoviMente é justamente

promover o controle social do Estado na área do seu interesse.

O bom do MoviMente é a sua capacidade de mobilizar um

grupo unido de pessoas, mesmo que seja pequeno e ter prazer

em fazer algumas coisas juntos. Quando pretende crescer e

representar interesses da classe, o MoviMente se perde em

dúvidas e não consegue avançar. Para mim, o MoviMente é

uma esperança de uma prática política menos viciada pelo

autoritarismo clientelista.

Dessa amostra qualitativa das opiniões dos membros do MoviMente

queremos extrair agora a resposta tendencial para as duas questões capazes de

esclarecer a pergunta-título: Quais são as finalidades13 e objetivos do MoviMente,

listadas em ordem de importância decrescente. As entrevistas são muito mais ricas,

mas o foco do trabalho deve por ora desprezar as demais contribuições dos

entrevistados, que poderão ser úteis para leituras posteriores.

O resultado dessa leitura nos dá a Tabela IV, abaixo:

TABELA IV

Finalidades Objetivos

Aumento do público de dança Educação Formação

Aumento da qualidade e quantidade da produção em dança

Educação Formação Investimento

Fortalecimento corporativo Articulação Representação

Efetividade da gestão pública, em termos de qualidade, quantidade e transparência

Articulação Fiscalização Proposição

E nas entrevistas se confirma o que desde logo apareceu como dúvida

permanente, ou seja, que tipo de forma de organização o MoviMente deve assumir,

13 Finalidade é aqui entendida como aquilo que é alcançado depois de cumpridos os objetivos. Nesse

sentido é algo exterior aos objetivos do projeto.

Page 23: O que é o MoviMente?

23

dúvida essa originada de uma certeza tomada de empréstimo ao costume invisível e

à inércia preguiçosa dos modelos mentais antigos, o que acaba por induzir a

―necessidade‖ de ser uma instituição hierarquizada e formal. Há clareza e,

sobretudo, grandeza na definição de suas finalidades e objetivos, mas além de

cismar em torno da ASPDMS sem saber o que fazer com ela, a favor dela, contra ela

ou apesar dela, há uma dúvida razoável sobre com que roupas o MoviMente deve

se apresentar ao público.

A grandiosidade das finalidades e objetivos e a ordem em que aparecem

na lista de prioridades, por outro lado, permitem concluir que o MoviMente vê a si

mesmo como um braço do Estado ou como um colaborador muito próximo da

instância decisória da política pública para a dança e a cultura, o que não é

absolutamente verdadeiro e peca por uma certa ingenuidade, já que a finalidade que

poderia resultar de sua atuação política está em último lugar na lista das prioridades.

Parece claro, para encerrar essa investigação do pensamento e da ação

do grupo que a discussão ainda está aberta, o que, em verdade, tem se revelado o

melhor resultado do MoviMente: abrir as discussões, mas não necessariamente

fechar, armazenar e controlar o resultado delas.

O melhor do MoviMente é pensar enquanto faz, fazer enquanto pensa e

aprender enquanto erra e acerta, misturadamente, à mingua da certeza de que

exista um caminho infalível. O estatuto cartesiano da infalibilidade da razão, sobre o

qual se apoia até hoje a concepção que prevalece sobre o fundamento e o papel das

instituições não dá conta mais da diversidade, da fragmentação e por via disso da

necessidade de integração do conhecimento e da ação sobre o mundo. Não há

como separar, para o MoviMente, o movimento do corpo da mutação das ideias,

nem para condicionar a movimentação dos corpos a ideias estáticas. Conforme diz

Helena Katz sobre Descartes, no seu artigo A Natureza Cultural do Corpo:

Por reduzir a verdade ao que pudesse ser apreendido pela mente de forma clara e distinta, fez da matemática a linguagem da verdade no mundo, pois seus objetos resultam de regras claras e distintas, e que, portanto, não precisam se apoiar no mundo empírico para retirarem de lá a explicação de sua existência. Assim, seu cogito, ergo sum colaborou para consolidar a compreensão, que ainda guia a muitos, de que existe uma essência humana e ela se localiza numa mente (ou alma ou espírito) separada do

corpo. (KATZ, 2007, p. 79)

Page 24: O que é o MoviMente?

24

CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUE NÃO É O QUE NÃO PODE SER O QUE NÃO É14

O Movimente é o que os seus membros são: uma rede de amigos. Por

isso ele tem limites para crescer, se depende da harmonia produzida pelos laços de

amizade. Para isso, as instituições têm regras e hierarquia. Ele também reluta em

ser apenas um empreendimento, pois os amigos que o compõem são pouco afeitos

aos negócios, mas desejam sobreviver fazendo o que gostam. A maioria dos seus

membros percebe também que ele não pode ser uma representação classista dos

profissionais de dança, porque para isso deveria arregimentar a maior quantidade

possível de filiados. Há o desejo, ao mesmo tempo, de integrar-se ao contexto mais

amplo da cultura como atividade econômica, desenvolvendo atividades que possam

levar ao aumento de público para a dança, o que é, na verdade, uma tarefa da

política pública de cultura, o que leva o MoviMente ao seu dilema: quer influir na

política cultural de quatro maneiras diferentes e nem sempre conciliáveis, a uma,

como fiscalizador da boa aplicação e transparência dos recursos, a duas, como

incentivador da qualidade artística e social das iniciativas do Poder Público, a três,

como captador de recursos e gestor desses recursos e, a quatro, como defensor dos

interesses corporativos da classe dos artistas da dança como um todo.

Entretanto, o MoviMente não pode separar esses objetivos sem dividir-se

a si mesmo. Não é possível conciliar o tempo todo e com todos os membros

potenciais os interesses de um Fórum Político de Cultura, de uma Representação

Classista e de um Grupo de Empreendedores Culturais, três dimensões das

atividades atuais do grupo, exercidas conforme a necessidade da ocasião.

Na prática, o MoviMente é tudo isso, porque há um espaço de intersecção

entre essas três dimensões, a política, a corporativa e a profissional, mas isso só

funciona bem enquanto tudo for tratado por um pequeno grupo de pessoas que são

muito afinadas e conseguem separar bem a finalidade do Movimente em cada

momento, sem gerar conflitos.

Acontece que um Fórum Político deveria ter por finalidade crescer e

agregar muitas pessoas, de várias extrações profissionais, que se uniriam em torno

de grandes temas de interesse da sociedade. É um espaço para qualquer cidadão.

14 Refrão da música O Que, dos Titãs, escrita por Arnaldo Antunes.

Page 25: O que é o MoviMente?

25

Isso se coaduna com o tipo de organização conhecido como Rede Social, na qual as

pessoas entram e saem sem burocracia, sem compromisso e sem obedecer a

qualquer estatuto além das leis do País.

Logo, há um conflito potencial entre a finalidade do Fórum Social e a de

representação classista dos profissionais de dança, algo muito mais específico e

vocacionado para a disputa econômica com as demais categorias profissionais e até

mesmo dentre as várias instâncias no próprio âmbito da dança. Se assim não fosse,

não haveria dissidências.

Por último, o MoviMente tem ainda menos aderência com uma

organização cuja finalidade é prover renda para os seus associados ou potencializar

o trabalho que cada um realiza individualmente numa sociedade do tipo cooperativo.

Olhando para a tabela de participantes do Movimente, a frequência com

que participaram das reuniões, as propostas que fizeram, as deliberações que

tomaram e os resultados que obtiveram, fica claro que o grupo tenta conciliar as três

esferas de atuação: política, classista e profissional. Daí a indefinição sobre o

arranjo institucional e o modelo de gestão do grupo.

Para solucionar o impasse, é preciso aceitar uma premissa: para cada

uma das três finalidades, será preciso participar de uma organização com foco

específico e aberta a filiações diferentes, ainda que o núcleo organizador permaneça

o mesmo em cada uma das três organizações.

Para o Fórum Político de Cultura, seria ideal a concepção aberta e

informal de rede social.

Para a representação classista dos profissionais de dança, os membros

do Movimente decidiram: não querem ser mais uma associação concorrente àquela

que já existe, mas também decidiram que querem pertencer a uma associação

diferente daquela, o que acaba sendo um eufemismo. As opções possíveis são:

participar da associação existente, uma ideia presente, porem minoritária entre os

seus membros, criar outra associação, mas sem a ilusão de que esta não vá

confrontar a ASPDMS, mesmo que possua território de atuação e finalidades

diferentes ou simplesmente ignorar esse problema e seguir em frente sem criar

coisa alguma.

Page 26: O que é o MoviMente?

26

Por outro lado, para o desejo de funcionar como captador de recursos, a

fórmula de criar uma associação ―sem fins lucrativos‖ recai na farsa habitual dos

financiamentos públicos, que somente seriam dirigidos às pessoas que possuam

―certificados de altruísmo com firma reconhecida‖. Para isso, se houver efetivamente

um desejo de trabalhar juntos de forma permanente e não apenas eventual, entre

aqueles que possuam afeição societária suficiente, nem o Fórum Político de Cultura

e muito menos a Associação dos Profissionais de Dança serve. Será preciso uma

nova organização que não esconda os seus objetivos econômicos.

O MoviMente é tudo isso e pode continuar sendo tudo o que quiser se

não se organizar formalmente, mas quando decide se organizar, recai

necessariamente na escolha da tipologia da organização que se mostre adequada a

cada dimensão de atuação.

Faltou somente a declaração da autora sobre o que deseja para o futuro

do MoviMente, embora já a disposição das informações ao longo do relato da

jornada coletiva tenha deixado certamente escapar o seu pensamento.

Defendo a visão de que o MoviMente pode vir a ser um Fórum Político

cuja finalidade principal seja o fortalecimento da democracia, porque esse é o

objetivo estratégico superior numa cadeia de causa e efeito (se isso é feito, então o

resultado é aquilo), que começa com a qualificação de capital humano (educação,

capacitação, etc).

Para começar, a lista de finalidades da Tabela IV deveria ser invertida,

para colocar a política no topo e não na base, realinhando as finalidades do básico

para o superior, sem prejuízo de que todas as atividades aconteçam ao mesmo

tempo. O que muda é a visão orientadora da ação cotidiana.

Como alento para essa visão, uso as palavras de Augusto de Franco,

extraídas do seu Artigo Uma Introdução às Redes Sociais:

Porque a democracia não é o porto, o ponto de chegada (no futuro), mas o modo de caminhar (no presente). Assim, a ―utopia‖ da democracia é uma topia: a política. É viver em liberdade como um ser político: cada qual como um participante — único, diferenciado, totalmente personalizado — da comunidade política‖, tal como acontece apenas nas redes sociais distribuídas de pessoas. (Franco, www.escoladeredes.ning.com 2009)

―Distraídos Venceremos‖ (Leminski 1987, título do livro)

Page 27: O que é o MoviMente?

27

REFERÊNCIAS

CALDAS, Paulo. ―O Movimento Qualquer‖. In: O que quer e o que pode ser [ess]a

técnica?, por Sandra Meyer e Sigrid Nora (org.) Cristiane Wosniak. Joinville:

Letradágua, 2009.

FRANCO, Augusto de. O Poder das Redes. 2009. Disponível em

www.escolasderedes.ning.br. Acesso em 20/11/2010.

_____________. Uma Introdução às Redes Sociais. 2008. Disponível em

www.escolasderedes.ning.br. Acesso em 20/11/2010.

KATZ, Helena. A Naturaza Cultural do Corpo. In: Lições de Dança 3. por Silvia

Soter e Roberto Pereira (org.). Rio de Janeiro: UniverCidade, 2007.

MONTEQUIEU. O Espírito das Leis. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.

República, Presidência da. Constituição Federal. Brasília, 10 de Outubro de 2010.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

2006.

LEMINSKI, Paulo. Distraídos Venceremos. Curitiba: Brasiliense, 1987.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho não poderia ser realizado sem a contribuição do meu

companheiro José Carlos, pois juntos há vinte e cinco anos temos evoluído do

confronto de ideias para o diálogo permanente. A ele devo o interesse crescente

pela política, em troca do crescente interesse dele pela cultura em geral e pela

dança, em particular.

Aos meus amigos e amigas do MoviMente e adjacências, sem os quais

nem mesmo haveria ânimo para discutir ou estudar qualquer coisa, presos que

estamos na mesma rede de afinidades e perplexidades.

A Denise, coordenadora deste curso, aos professores e à minha

orientadora, Thereza Rocha, devo a escassa objetividade que consegui dar a esta

investigação, além das preciosas lições sobre dança.

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EIS UMA BOA AMOSTRA DA REDE: i MOVIMENTE - FÓRUM DE ARTISTAS DA DANÇA, grupo de pessoas que se reúne desde 8 de

Abril de 2009 para discutir e propor ações para o desenvolvimento da dança em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

ii ASSOCIAÇÃO SUL-MATO-GROSSENSE DOS PROFISSIONAIS DE DANÇA – ASPDMS, criada

em 1980 pelas proprietárias das academias de Mato Grosso do Sul com o intuito de resolver problemas comuns da dança no Estado. iii UCDB – UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

iv JÚLIA AISSA VASCONCELOS OLIVEIRA, bailarina, bacharel e licenciada em dança pela

Unicamp (2003). Natural de Dourados, MS, onde estudou dança com Chico Neller, veio para Campo Grande em 2004, pertenceu ao elenco da Ginga Cia de Dança, de 2004 a 2009. Atualmente integra o Coletivo Corpomancia e começa a trabalhar como produtora cultural. v FRANCISCO DE ASSIS DE SOUZA SILVA, coreógrafo. Fundou o Grupo Ginga em 1986 e integrou

o seu primeiro elenco. Com o Ginga foi premiado como coreógrafo em diversos festivais, especialmente o Festival de Dança de Joinville (Melhor Coreografia, 1998) e trabalhou como professor de dança em Dourados, MS, por treze anos. Atualmente é diretor e coreógrafo da Ginga Cia de Dança, coreógrafo da Ararazul Cia de Dança/UCDB, gerente do ―Projeto Dançar‖ (parceria da Ginga Cia de Dança com a FUNDAC). vi DENISE VENDRAMI PARRA, bacheral e licenciada em Dança pela UNICAMP, Mestrado em

Performance Artística pela Faculdade de Motricidade Humana, Lisboa/Portugal (2009). Coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Dança da UCDB. Professora de dança contemporânea e improvisação da Ginga Companhia de Dança, Membro do Colegiado Setorial de Dança, ligado ao Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura. vii

GUSTAVO LORENÇO DA SILVA, ator e bailarino. Integrou o elenco da Ginga Companhia de

Dança de 2006 a 2009. viii

JÚLIO CÉSAR FLORIANO DOS SANTOS, educador físico formado pela Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, bailarino, integrante da Ginga Companhia de Dança, professor do Projeto Dançar, parceria da Ginga Companhia de Dança com a FUNDAC. ix LUÍZA MARIA ALMEIDA ROSA, jornalista e artista da dança. Ex-integrante da Ginga Companhia

de Dança. É membro do Coletivo Corpomancia. x MARCOS FLÁVIO DE MATOS BEZERRA, educador físico, bailarino e coreógrafo da Cia

Dançurbana em Campo Grande. Trabalha com a cultura Hip Hop (dança de rua) em projetos sociais e em escolas da rede pública de ensino em Campo Grande. xi MIRIAM MARDINE GIMENES, educadora física, psicomotricista, bailarina, terapeuta e proprietária

do Ofurô Clínica & Spa Urbano. Foi integrante do primeiro elenco da Ginga Companhia de Dança na qual permaneceu até 1991. É focalizadora das Danças Circulares Sagradas. xii

ROBERTA SIMONE SIQUEIRA, administradora, bailarina e proprietária do Ofurô Clinica & Spa

Urbano. Foi bailarina da Ginga Companhia de Dança. Atualmente trabalha com as Danças Circulares Sagradas. xiii

PAULA REGINA BUENO NETO NASCIMENTO, designer e artista, ex-integrante da Ginga Cia de

Dança, membro do Coletivo Corpomancia. Criadora do jogo Corpomancia.

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xiv

PATRÍCIA ALMEIDA DE ALBUQUERQUE, uma das donas do Estúdio de Dança Beatriz de

Almeida, de sua irmã a primeira bailarina do Stuttgart Ballet na Alemanha. Nasceu no Rio de Janeiro, foi baliarina do Teatro Municipal da cidade e mudou-se para Campo Grande para desenvolver um trabalho de formação de bailarinos e bailarinas. xv

RENATA WILWERTH LEONI, produtora de dança, farmacêutica bioquímica pela UFMS (1983),

fundadora e bailarina do Grupo Pantanália Dança (1981 a 1983), primeiro grupo independente de dança contemporânea de Mato Grosso do Sul. Bailarina do Grupo Ginga de 1991 a 2000. De 1996 a 2007 exerceu a função de Diretora de Produção e Projetos da Ginga Cia de Dança. Foi Presidente da ASPDMS no mandato 2003/2004 , quando também foi membro do Conselho Municipal de Cultura e da Comissão Gestora do Fundo Municipal de Investimentos na Cultura de Campo Grande, MS. Atualmente é responsável pelo Núcleo de Dança da Fundação de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul – FCMS e produtora independente de dança. xvi

FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA DE CAMPO GRANDE – FUNDAC, órgão gestor da

política pública de cultura do município de Campo Grande. xvii

NEIDE FÁTIMA DOS SANTOS GARRIDO, fundadora, proprietária, coreógrafa e diretora do Balé

Isadora Duncan, empreendimento que iniciou há 35 anos, nascida em Cruz Alta, RS, graduada em educação física e professora de dança moderna. Participou da primeira Diretoria da ASPDMS como tesoureira e é a sua atual presidente. De 1999 a 2005 manteve a Cia de Dança Isadora Duncan, período em que produziu grandes espetáculos, com auxílio das Leis de Incentivo à Cultura, de que são exemplos: Carmem, A Redoma, Ópera do Malandro e Drácula, entre outros. Ocupa desde 1998 a representação do estado como Delegada do Conselho Brasileiro de Dança, vinculado ao Conselho Internacional de Dança, da UNESCO. xviii

COLETIVO CORPOMANCIA, agrupamento de artistas de Campo Grande, que experimentam

dança contemporânea desde 2008. Realizaram o jogo-espetáculo Corpomancia e em 2009 foram contempladas pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna com a produção do espetáculo Me=morar. xix

GINGA CIA DE DANÇA, criada em maio de 1986, por Chico Neller, desenvolve no Estado de Mato

Grosso do Sul trabalhos com dança contemporânea. Realiza em parceria com a Fundação Municipal de Cultura o Projeto Dançar, dando aulas para crianças e jovens da comunidade Campo-Grandense. Participou inúmeras vezes de festivais nacionais competitivos forma pela qual conseguiu divulgar o seu trabalho. Em 2009, seu espetáculo Cultura Bovina foi selecionado para o Projeto Palco Giratório do Departamento Nacional do SESC e pelos Editais de Ocupação da Caixa Cultural no Rio de Janeiro e em Brasília. Produziu o documentário ―Ginga Documenta: Cultura Bovina em Trânsito‖, com o registro das impressões da turnê realizada em 2009. xx NÚCLEO DE DANÇA DA FCMS (FUNDAÇÃO DE CULTURA DE MATO GROSSO DO SUL),

criado em 2007 na gestão do Professor Américo Calheiros, presidente da FCMS. xxi

OFURÔ CLÍNICA E SPA URBANO, além de espaço de bem-estar, local de encontro dos membros

do MoviMente. xxii

FUNDO MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA – FMIC, instrumento de investimento à cultura

de Campo Grande. xxiii

ANA MARIA ALMEIDA ROSA, engenheira ambiental e artista da dança, ex-bailarina da Ginga

Companhia de Dança e hoje é integrante do Coletivo Corpomancia, com o qual trabalha com dança contemporânea.

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xxiv JOSÉ CARLOS GOMES é jurista e funcionário da Fazenda Pública Estadual, 54 anos. Aproximou-

se da cultura e da questão do seu financiamento quando foi membro do Conselho Estadual de Cultura (2003 e 2004). É defensor da adoção da gestão por projetos no setor público.