O que é o Esoterismo? - Antonio de Macedo
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8/8/2019 O que o Esoterismo? - Antonio de Macedo
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Antnio de Macedo
O que o Esoterismo?
www.espelhosdatradicao.blogspot.com
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O substantivo esoterismo de formao relativamente recente,
por comparao com o adjectivo esotrico, de origem grega, donde
deriva.
O adjectivo eksterikos, -, -on (exterior, destinado aos leigos,
popular, exotrico) j existia em grego clssico, ao passo que oadjectivo esterikos, -, -on (no interior, na intimidade, esotrico)
surgiu na poca helenstica sob o Imprio romano. Diversos autores os
utilizaram. Veremos dentro em pouco alguns exemplos.
Tm a sua origem, respectivamente, em eis ou es (como
preposio significa dentro de, como advrbio significa dentro),
e eks (como prep. significa fora de, como adv. significa fora).
Destas partculas gramaticais (preposio, advrbio) os gregos
derivaram comparativos e superlativos, tal como no caso dos
adjectivos. Em regra, o sufixo grego para o comparativo -teros, e parao superlativo -tatos. Por exemplo, o adjectivo kouphos, leve, tem
como comparativo kouphoteros, mais leve, e como
superlativo kouphotatos, levssimo. Do mesmo modo, do
adv./prep. esobtm-se o comp. esteros, mais interior, e o
sup. estatos, muito interior, interno, ntimo.
O adjectivo esterikos deriva, portanto, do comparativo esteros.
Certos autores, porm, talvez mais imaginosos, propem outra
etimologia, baseada no verbo tr que significa observar, espiar;
guardar, conservar. Assim, es+ tr significaria qualquer coisa como
espiar por dentro e guardar no interior.
Plato (427-347 a. C.) no seu dilogo Alcibades (aprox. 390 a. C.)
utiliza a expresso ta es no sentido de as coisas interiores, e no
dilogo Teeteto (aprox. 360 a. C.) utiliza ta eks com o significado de as
coisas exteriores. Por sua vez Aristteles (384-322 a. C.) utiliza o
adjectivo eksterikos na suatica a Nicmaco (I, 13), cerca do ano 350 a.
C., para qualificar o que ele chama os discursos exotricos, ou seja, as
suas obras de juventude, de fcil acesso a um pblico mais geral.O primeiro testemunho do adjectivo esterikos encontramo-lo em
Luciano de Samosata (aprox. 120-180 d. C.) na sua obra satrica O Leilo
das Vidas, 26 (tambm chamado O Leilo das Escolas Filosficas),
composta cerca do ano 166 d. C.
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Mais tarde, os adjectivos eksterikos e esterikos passaram a ser
aplicados, por engano, aos ensinamentos de Aristteles por Clemente
de Alexandria (aprox. 150-215 d. C.) na sua obra Strmateis, composta
cerca do ano 208 d. C.: As pessoas da escola de Aristteles diziam que,entre as suas obras, algumas so esotricas e outras destinadas ao
pblico ou exotricas (Strmateis, Livro V, cap. 9, 58). Clemente
supunha que Aristteles era um iniciado, e portanto seriam
esotricos os ensinamentos que facultava no seu Liceu a discpulos j
instrudos. Na verdade era apenas um ensino oral e Aristteles
qualificava-o como ensinamento acroamtico, que quer dizer
transmitido oralmente, nada tendo de esotrico no sentido inicitico
do termo.
O telogo alexandrino Orgenes (aprox. 185-254 d. C. ), discpulo
de Clemente, j usa ambos os adjectivos em conotao com o oculto,ou melhor, o inicitico; contestando as crticas do anti-cristo Celso,
diz Orgenes: Chamar oculta nossa doutrina totalmente absurdo. E
de resto, que haja certos pontos, nela, para alm do exotrico e que
portanto no chegam aos ouvidos do vulgo, no coisa exclusiva do
Cristianismo, pois tambm entre os filsofos era corrente haver umasdoutrinas exotricas, e outras esotricas. Assim, havia indivduos que de
Pitgoras s sabiam o que ele disse por intermdio de terceiros; ao
passo que outros eram secretamente iniciados em doutrinas que no
deviam chegar a ouvidos profanos e ainda no purificados (ContraCelsum, Livro I, 7).
O termo esotrico comeou a ser usado como substantivo a
partir de Jmblico (aprox. 240-330 d. C.), filsofo e mstico neoplatnico
que se refere aos discpulos da escola pitagrica nos seguintes termos:
Estes, se tivessem sido julgados dignos de participar nos
ensinamentos graas ao seu modo de vida e sua civilidade, aps um
silncio de cinco anos, tornavam-se da em diante esotricos, eram
ouvintes de Pitgoras, usavam vestes de linho e tinham direito a v-lo
(Vita Pythagorica, cap. 17, 72).
O conceito de esoterismo de criao muito mais recente.
Johann Gottfried Herder (1744-1803), que se ops ao racionalismo
Iluminista da sua poca, foi o primeiro autor a utilizar a
expressoesoterische Wissenschaften (cincias esotricas), referencivel
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no tomo XV das suas Smtliche Werke, e o substantivo lsotrisme surgiu
pela primeira vez na obra Histoire critique du gnosticisme et de ses
influences (1828), de Jacques Matter. Na sequncia, deve-se ao ocultista
e cabalista Eliphas Lvi (1810-1875) a vulgarizao dos termos
esoterismo e ocultismo (este ltimo na sua acepo moderna e
mais lata de corpus de cincias ocultas, diferente da Occulta
Philosophia, ou Magia, de Agrippa, por exemplo). A partir de ento o
termo adquiriu uma voga crescente, sobretudo depois que Helena P.
Blsvatsky, A. P. Sinnett, Annie Besant, C. W. Leadbeater, etc., da
corrente teosofista da Sociedade Teosfica popularizaram o conceito,
desde o ltimo quartel do sculo XIX e ao longo dos incios do sculoXX.
Paralelamente, certos autores comearam a encarar o estudo do
esoterismo de um ponto de vista mais acadmico, no se considerando,
eles mesmos, esotricos, mas investigadores quer da histria querdas ideias de determinadas correntes espirituais, msticas ou ocultas.
Entre estes contam-se por exemplo, nos finais do sculo XIX, George R.
S. Mead e Arthur Edward Waite, cujos trabalhos, apesar de tudo, ainda
se encontram a meio-caminho entre o discurso esotrico e a pesquisa
universitria. No primeiro quartel do sculo XX, Max Heindel (1865-
1919) estabeleceu a distino tcnica entre o oculto e o mstico, e,
embora inserido numa especfica corrente esotrica, deu forma
consistente, nas suas obras, quer vertente mstica quer vertente
oculta do esoterismo. Por sua vez Rudolf Steiner (1861-1925),igualmente inserido numa corrente esotrica bem definida, abordou o
esoterismo segundo um duplo enquadramento, ocultista e cientfico.
Ren Gunon (1886-1951) trabalhou o esoterismo, genericamente,
segundo uma perspectiva mais filosfica do que histrico-crtica, tendo
o cuidado de distinguir entre o esoterismo cristo, o islmico e o
vdico; todavia, o grande impulso para o estudo do esoterismo de um
ponto de vista de investigao acadmica surgiu a partir de 1928, com a
tese de Auguste Viatte sobre o Iluminismo, seguindo-se-lhe as
pesquisas e os trabalhos de Will-Erich Peuckert sobre a pansofia e orosacrucianismo, de Lynn Thorndike sobre a histria da magia, da
Prof. Frances A. Yates sobre o Iluminismo rosacruz e o esoterismo
renascentista, etc., devendo-se a esta ltima o principal estmulo para
uma pesquisa universitria, rigorosa, incidindo sobre o territrio
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esotrico, o que fez alterar o respectivo panorama investigacional a
partir dos anos 60 e 70 do sculo XX. O prof. Antoine Faivre, mais
recentemente, chama a ateno para os estudos de Ernest Lee Tuveson
sobre o hermetismo na literatura anglo-saxnica dos sculos XVIII e XIX,
e de Massimo Introvigne sobre os movimentos mgicos dos
sculos XIX e XX, sobretudo pelo facto de proporem abordagens novas,
interdisciplinares.
Actualmente, j bastante vasto o leque de autores que estudam o
esoterismo em ambiente de investigao acadmica, tendo-se tornado
consensual a designao de esoterlogos para alguns desses
investigadores, o que pressupe uma cincia da Esoterologia que est a
ter acolhimento nos curricula de algumas Universidades. Nem todos
coincidem, porm, nas suas posies e definies do campo
investigacional do esoterismo, podendo de certo modo, e sem tentaruma conciliao entre os diferentes autores, dizer-se que existem vrios
esoterismos.
Por amor brevidade, limitar-me-ei a salientar alguns
esoterlogos contemporneos cujos trabalhos so de capital relevncia
para a compreenso do objecto temtico do esoterismo:
Prof. Antoine Faivre Director de Estudos da cole Pratique des
Hautes tudes - Section Sciences Religieuses (Sorbonne, Frana);
Dr. Wouter J. Hanegraaff Professor de Histria da FilosofiaHermtica e Correntes Relacionadas - Faculdade de Humanidades da
Universidade de Amesterdo (Holanda) e orientador de pesquisas
sobre Histria das Correntes Esotricas - Departamento de Cincia das
Religies da Universidade de Utrecht (Holanda);
Prof. Pierre A. Riffard Investigador de Metodologia de
Esoterismo e professor Catedrtico na Universit de Novakchott
(Mauritnia);
Prof. Massimo Introvigne Historiador das Correntes Esotricas
Contemporneas e Director do Centro Studi sulle Nuove Religioni,
Turim (Itlia);
Prof. Roland Edighoffer Professor emrito na Universit de
Paris III (Sorbonne Nouvelle, Frana);
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Prof. Jos Manuel Anes Gro-Mestre da GLRP/LP (Maonaria
Regular de Portugal) e professor de Histria das Correntes Esotricas
no Instituto de Sociologia e Etnologia das Religies da Universidade
Nova de Lisboa (Portugal).
Em termos muito simplificados podemos dizer que duas grandestendncias gerais se perfilam entre estes autores: uma, poder-se-
design-la por universalismo pr-esotrico, e outra, por
estruturao histrico-crtica. O prof. Wouter J. Hanegraaff ainda
considera uma terceira tendncia a que chama formas de anti-
esoterismo, que, por no serem indispensveis neste breve resumo,
me abstenho de considerar aqui.
Na linha do universalismo pr-esotrico incluem-se os
trabalhos e a actividade universitria de professores como Pierre A.
Riffard e Jos M. Anes, por exemplo. Segundo Riffard, o esoterismotanto existe no Ocidente como no Oriente, desde a pr-histria at aos
nossos dias, e tem a ver com o mistrio da existncia tal como
percebido pelos seres humanos; alm disso, Riffard critica certos
investigadores acadmicos que procuram estudar o esoterismo de
fora, como se pudesse existir um fenmeno cultural esotrico
independentemente do esoterismo em si. Segundo Riffard, a essncia
do esoterismo , ela mesma, esotrica; na sua monumental obra deperto de 400 pginas, Lsotrisme, Riffard interroga-se: Pode algum
ser um esoterlogo sem ser, ao mesmo tempo, um esotrico? Deacordo com este ponto de vista, elabora uma descrio do esoterismo
segundo as oito invariveis que, em sua ptica, o caracterizam:
(1) A impessoalidade do autor; (2) A oposio esotrico/exotrico;
(3) A noo de o subtil como mediador entre o esprito e a matria;
(4) Analogias e correspondncias; (5) A importncia dos nmeros; (6)
As cincias ocultas; (7) As artes ocultas; (8) A Iniciao.
Uma posio totalmente diferente assumida pelos profs.
Antoine Faivre e Wouter J. Hanegraaff, por exemplo, defensores dalinha histrico-crtica. Segundo Faivre no se deve falar em
esoterismo mas em esoterismos, ou melhor, em correntes
esotricas e msticas, uma vez que ele considera que no h um
esoterismo em si, mas apenas correntes, autores, textos, etc. Para que
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o esoterismoconstitua uma especialidade acadmica reconhecida pela
comunidade cientfica, Antoine Faivre define-o do seguinte modo, de
acordo com a Direco de Estudos da Section des Sciences
Religieuses (Sorbonne), que ele mesmo integra com outros docentes:um corpus de textos que constituem a expresso dum certo nmero de
correntes espirituais, na histria Ocidental moderna e contempornea,
ligadas entre si por um ar de famlia, bem como uma forma de
pensamento que subjaz a essas correntes. Considerado de forma
extensiva, esse corpus estende-se da Antiguidade tardia at hoje;
considerado de forma limitativa, abarca um perodo que vai do
Renascimento at poca contempornea.
Isto implica que, ao contrrio das teses universalistas, ficam
excludos do conceito de esoterismoalguns significados que Antoine
Faivre enumera de modo a deixar bem claro o que, de acordo com oseu critrio, o esoterismo no : (a) Um termo genrico, mais ou
menos vago, que serve para os editores e livreiros classificarem
coleces de livros ou rotularem prateleiras, e onde cabem o
paranormal, as cincias ocultas, as tradies sapienciais exticas, etc.;
(b) Um termo que evoca a ideia de ensinamentos secretos e uma
disciplina do arcano, com diferenciao entre iniciados e profanos;
(c) Um termo aplicvel a um certo nmero de processos mais
experienciais que racionais, e que se aproxima da ideia de Gnose no
sentido universal, propondo-se atingir, mediante certas tcnicasexperienciais, o Centro do Ser (Deus, o Homem, a Natureza, etc.),
no se excluindo, desta concepo, uma atitude filosfica que advoga a
unidade transcendente de todas as religies e tradies.
Em contrapartida, aquela forma de pensamento que Faivre
considera como prpria do conceito de esoterismo distinguir-se-ia por
seis caractersticas ou componentes fundamentais, das quais quatro so
intrnsecas, no sentido em que a sua presena simultnea uma
condio necessria e suficiente para que um discurso seja identificado
como esotrico, e duas so secundrias ou extrnsecas, e cujapresena pode ou no coexistir ao lado das outras quatro. So elas:
(1) A ideia de correspondncia (O que em cima como o que
em baixo, segundo a Tbua da Esmeralda ) (2) A Natureza viva (o
Cosmos no apenas complexo, plural, hierarquizado, etc.: sobretudo
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uma Grande Entidade Csmica viva); (3) Imaginao e mediadores (a
imaginao a faculdade superior de penetrar nos cdigos que se
ocultam nos mediadores, os quais, por sua vez, so os rituais, as
imagens do Tarot, as mandalas, etc., etc., smbolos carregados depolissemia cuja decifrao cognitiva permite o acesso ao mundus
imaginalis definido por Henri Corbin); (4) A experincia da
transmutao(percurso espiritual simbolizado alquimicamente por trs
graus: nigredo, ou obra em negro, morte, decapitao; albedo, ou obra
elevada ao branco; e rubedo, ou obra elevada ao vermelho, pedra
filosofal); (5) A prtica da concordncia (prtica que visa descobrir os
denominadores comuns a duas ou mais tradies aparentemente
distintas, na expectativa de que, mediante esse estudo comparativo, se
alcance o filo escondido que levaria Tradio primordial, da
qual todas as tradies e/ou religies concretas seriam apenas os
galhos visveis da grande rvore perene e oculta); (6) A
transmisso (conjunto de canais de filiao pelos quais se processa a
continuidade de mestre a discpulo, ou de iniciao no interior duma
sociedade, no pressuposto de que ningum se pode iniciar sozinho e
que o segundo nascimento passa obrigatoriamente por esta
disciplina).
Outros autores simplificam a questo considerando que o
esoterismo se constituiu no Ocidente como disciplina autnoma, a
pouco e pouco, a partir de finais da Idade Mdia, porque a teologia e acincia absorveram certos temas que o integravam, eliminando outros
que, por serem mais inquietantes ou pertencerem ao imaginrio mais
perturbador, acabaram, com essa expulso ou mesmo perseguio, por
integrar as correntes esotricas ocidentais, sobretudo a partir do
Renascimento. No Oriente , pelo contrrio, a teologia contm os temas
esotricos e por conseguinte o esoterismo no precisa de se constituir
como disciplina aparte. Segundo este ponto de vista, pode-se falar em
esoterismo associado s varias escolas e tendncias que se
desenvolveram no Ocidente na linha dos ensinamentos de MarsilioFicino (1433-1499), de Pico della Mirandola (1463-1494) e de Johannes
Reuchlin (1455-1522), esoterismo esse que floresceu, sobretudo, na
Europa e nos sculos XVI e XVII. A sua principal caracterstica a
rejeio da linguagem comunicativa como expresso da verdade, e a
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pretenso de que nas camadas no-semnticas da linguagem que se
oculta a antiga Sabedoria. Em extenso a este conceito, no se pode
ignorar a importncia do pensamento judaico e dos textos hebreus na
Europa, cujo torat hasod(conhecimento esotrico) constituiu um corpo
especfico de tradies secretas na cultura judaica, no centro do qual, e
a partir do sculo XIII, se encontra a Cabala, que teve uma influncia de
indiscutvel relevo no esoterismo cristo.
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