O quarto mandamento

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Fevereiro de 2012 6 Brasil Presbiteriano BP LEGAL iante do quarto man- damento somos ins- tados a deixar os afazeres do dia a dia, bem como os próprios interesses para, no dia do descanso, nos aplicar mais detidamente aos assuntos concernentes ao Reino de Deus. As Escrituras nos ensi- nam que o sétimo dia sig- nifica um repouso espiri- tual expresso pela leitura e meditação das Santas Escrituras, por orações e atos de culto a Deus, de modo que o povo seja exercitado à prática da piedade. A obediência ao quarto mandamento, na literatu- ra profética, é severamen- te exigida pelo Senhor: Quando, nos profetas, quer-se dar a entender que toda a religião está sub- vertida, queixa-se Deus de que seus sábados foram profanados, violados, não observados, não santifica- dos, como se, posta de lado esta deferência, nada mais restasse em que pude ser honrado [Is 56.2; Jr 17.21-23,27; Ez 20.12,13; 22.8; 23.38]” (CALVINO, J., As Institutas, v. 2, p. 154). Esse dia, desde os tem- pos de Moisés, também sempre teve objetivo de descanso, em especial, para os servos que viviam sob sujeição de seus senhores, para que tives- sem a recomposição de suas forças, gastas com os seis dias trabalhados (Êx 23.12; Dt 5.14,15). O sábado se revelava como aliança de Deus para com seu povo, a ser celebrada pelas gerações vindouras como um sinal, pelo qual Israel poderia conhecer a Deus que lhe era o santificador (Êx 31, 13, 14, 16, 17; Ez 20.12), bem como a promessa de um descanso vindouro que lhes seria perpétuo, o que foi cumprido pela obra salvífica do Senhor Jesus Cristo (Rm 6.4; Cl 2.17). Após a vinda de Jesus, o que era cerimonial foi abolido. Contudo, man- tiveram-se as reuniões da igreja em dias deter- minados para ouvir a Palavra, para a santa ceia e para as orações públicas. Permaneceram também as necessidades de descan- so. Assim, desprendendo- se do legalismo judaico e levando-se em conta a ressurreição de Cristo, como o cumprimento do verdadeiro descanso que o antigo sábado prefigurava, o domingo foi escolhido pelos antigos como o Dia do Senhor na era cristã. O dia do descanso domi- nical foi absorvido pelas normas justrabalhistas brasileiras numa clara demonstração de influên- cia cristã sobre a socieda- de moderna. A CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943), em seu artigo 67 estabelece: “Será assegu- rado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessida- de imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte”. O artigo 1º da Lei 605, de 05 de janeiro de 1949, reitera: Todo emprega- do tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas con- secutivas, preferentemen- te aos domingos e, nos limites das exigências téc- nicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local”. Por fim, a Constituição Brasileira de 1988, assegu- ra em seu artigo 7º, como direito social: “[...] XV repouso semanal remu- nerado, preferencialmente aos domingos. Isso sig- nifica que, no país, apenas em situações excepcionais ou em atividades que, pela sua natureza ou conveni- ência pública, devam ser exercidas aos domingos, é que se poderia validamen- te escapar à coincidência prevalecente do repouso dominical. Ainda assim, nesses casos, faz-se necessá- ria uma escala de reve- zamento de modo que possibilite, pelo menos, um descanso dominical a cada sete semanas labo- radas (Portaria 417/66, do Ministério do Trabalho). Para o caso de trabalha- dores do setor do comér- cio foi promulgada a Lei 11.603/07 que estabeleceu uma escala de revezamen- to de no mínimo um des- canso dominical para cada três semanas laboradas. A lei trabalhista também estabelece que o lapso temporal componente do descanso semanal é de 24 horas consecutivas (art. 1º, Lei 605/49; art. 67, CLT), o que indica que o repouso não pode ser fracionado. Prevê-se ainda uma periodicidade máxima do repouso semanal. Assim, seria ilegal, por exemplo, instituir, dois dias de des- cansos após 12 dias de trabalho. No mais, por ser remu- nerado o descanso sema- nal, mas com a condição de que o empregado labo- re com frequência e pontu- alidade na semana que lhe for correspondente, cabe observar que o descumpri- mento de tais requisitos, embora cause a perda da remuneração, não provo- cará a perda do efetivo descanso, que é impera- tivo. Em tempos em que a velocidade da informação nos desafia e nos impul- siona para uma vida agi- tada, congestionada, sem tempo e sem descanso, talvez sejamos tentados a abdicar do dia do Senhor em troca de trabalho ou lazer que não satisfarão as necessidades espirituais que somente Deus pode nos proporcionar. Sob a influência do cristianismo, o descanso semanal recebeu impor- tante proteção jurídica. Contudo, esse arcabou- ço limitou-se à busca da satisfação das necessida- des físicas e sociais da pessoa humana. Temos razão maior para a guarda do domingo: além de nos fazer bem fisicamente, a guarda do domingo se revela um ótimo testemunho de fé, de refrigério e de revigo- ramento espiritual para os embates que se sucedem ao longo da semana. O Quarto Mandamento Ricardo Barbosa D Ricardo de Abreu Barbosa, é advogado e presbítero da 1ª IP de São Bernardo do Campo, SP “Lembra-te do dia de sábado para que o santifiques. Por seis dias trabalharás e farás todas as tuas obras. No sétimo dia, porém, é o descanso do Senhor, teu Deus. Não farás nele obra alguma” (Êx 20.8-11).

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Fevereiro de 20126BrasilPresbiteriano

BP LEGAL

iantedoquartoman-damento somos ins-

tadosadeixarosafazeresdodiaadia,bemcomoospróprios interesses para,no dia do descanso, nosaplicar mais detidamenteaosassuntosconcernentesaoReinodeDeus.As Escrituras nos ensi-

namqueosétimo diasig-nifica um repouso espiri-tual expresso pela leiturae meditação das SantasEscrituras, por oraçõese atos de culto a Deus,demodo que o povo sejaexercitado à prática dapiedade.A obediência ao quarto

mandamento, na literatu-raprofética,éseveramen-te exigida pelo Senhor:“Quando, nos profetas, quer-se dar a entender que toda a religião está sub-vertida, queixa-se Deus de que seus sábados foram profanados, violados, não observados, não santifica-dos, como se, posta de lado esta deferência, nada mais restasse em que pude ser honrado [Is 56.2; Jr17.21-23,27;Ez20.12,13;22.8;23.38]”(CALVINO,J., As Institutas, v. 2, p.154).Esse dia, desde os tem-

pos de Moisés, tambémsempre teve objetivo dedescanso, em especial,paraosservosqueviviamsob sujeição de seussenhores, para que tives-sem a recomposição de

suasforças,gastascomosseis dias trabalhados (Êx23.12;Dt5.14,15).O sábado se revelava

como aliança de Deuspara com seu povo, a sercelebrada pelas geraçõesvindourascomoumsinal,pelo qual Israel poderiaconhecer a Deus que lheera o santificador (Êx31,13,14,16,17;Ez20.12),bem como a promessa deumdescansovindouroquelhes seriaperpétuo,oquefoi cumprido pela obrasalvífica do Senhor JesusCristo(Rm6.4;Cl2.17).Após a vinda de Jesus,

o que era cerimonial foiabolido. Contudo, man-tiveram-se as reuniõesda igreja em dias deter-minados para ouvir aPalavra, para a santa ceiaeparaasoraçõespúblicas.Permaneceramtambémasnecessidades de descan-so.Assim, desprendendo-se do legalismo judaicoe levando-se em conta aressurreição de Cristo,como o cumprimento doverdadeirodescansoqueoantigosábadoprefigurava,o domingo foi escolhidopelos antigos comooDiadoSenhornaeracristã.Odiadodescansodomi-

nical foi absorvido pelasnormas justrabalhistasbrasileiras numa clarademonstração de influên-ciacristãsobreasocieda-demoderna.A CLT (Decreto-Lei nº

5.452, de 1 de maio de1943), em seu artigo 67

estabelece: “Será assegu-rado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessida-de imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte”.

O artigo 1º da Lei 605,de05de janeirode1949,reitera: “Todo emprega-do tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas con-secutivas, preferentemen-te aos domingos e, nos limites das exigências téc-nicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local”.Por fim, a Constituição

Brasileirade1988,assegu-raemseuartigo7º,como

direito social: “[...] XV – repouso semanal remu-nerado, preferencialmente aos domingos”. Isso sig-nificaque,nopaís,apenasemsituaçõesexcepcionaisouematividadesque,pelasua natureza ou conveni-ência pública, devam serexercidasaosdomingos,équesepoderiavalidamen-te escapar à coincidênciaprevalecente do repousodominical.Ainda assim, nesses

casos, faz-se necessá-ria uma escala de reve-zamento de modo quepossibilite, pelo menos,um descanso dominical acada sete semanas labo-radas(Portaria417/66,doMinistério do Trabalho).Para o caso de trabalha-dores do setor do comér-cio foi promulgada a Lei11.603/07queestabeleceuumaescaladerevezamen-todenomínimoumdes-cansodominicalparacadatrêssemanaslaboradas.Aleitrabalhistatambém

estabelece que o lapsotemporal componente dodescansosemanaléde24horasconsecutivas(art.1º,Lei605/49;art.67,CLT),oqueindicaqueorepousonãopodeserfracionado.Prevê-se ainda uma

periodicidade máxima dorepouso semanal. Assim,seria ilegal, por exemplo,instituir,doisdiasdedes-cansos após 12 dias detrabalho.Nomais, por ser remu-

nerado o descanso sema-

nal, mas com a condiçãodequeoempregadolabo-recomfrequênciaepontu-alidadenasemanaquelhefor correspondente, cabeobservarqueodescumpri-mento de tais requisitos,embora cause a perda daremuneração, não provo-cará a perda do efetivodescanso, que é impera-tivo.Em tempos em que a

velocidade da informaçãonos desafia e nos impul-siona para uma vida agi-tada, congestionada, semtempo e sem descanso,talvez sejamos tentados aabdicar do dia do Senhorem troca de trabalho oulazer que não satisfarãoasnecessidadesespirituaisque somente Deus podenosproporcionar.Sob a influência do

cristianismo, o descansosemanal recebeu impor-tante proteção jurídica.Contudo, esse arcabou-ço limitou-se à busca da satisfação das necessida-des físicas e sociais dapessoahumana.Temosrazãomaiorpara

a guarda do domingo:além de nos fazer bemfisicamente, a guarda dodomingo se revela umótimo testemunho de fé,de refrigério e de revigo-ramentoespiritualparaosembates que se sucedemaolongodasemana.

O Quarto MandamentoRicardo Barbosa

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Ricardo de Abreu Barbosa, é advogado e presbítero da 1ª IP de

São Bernardo do Campo, SP

“Lembra-te do dia de sábado para

que o santifiques. Por seis dias

trabalharás e farás todas as tuas obras.

No sétimo dia, porém, é o descanso

do Senhor, teu Deus. Não farás

nele obra alguma” (Êx 20.8-11).