O PROTOCOLO DE QUIOTO E O REFLORESTAMENTO DA … de Bacharelado de Luis Alberto... ·...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO. O PROTOCOLO DE QUIOTO E O REFLORESTAMENTO DA MATA ATLÂNTICA Possibilidades para a Bacia do Rio São João __________________________________________ LUIS ALBERTO DA CUNHA SAPORTA matrícula nº: 099102247 ORIENTADOR : Prof. Carlos Eduardo F. Young ABRIL 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO.

O PROTOCOLO DE QUIOTO E O

REFLORESTAMENTO DA MATA ATLÂNTICA Possibilidades para a Bacia do Rio São João

__________________________________________

LUIS ALBERTO DA CUNHA SAPORTA

matrícula nº: 099102247

ORIENTADOR : Prof. Carlos Eduardo F. Young

ABRIL 2006

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As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor.

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, gostaria de agradecer meus pais e meu irmão pelo apoio por todos esses

anos, nos bons e maus momentos. Gostaria de agradecer também o professor Carlos Eduardo

Young (Cadu) pela orientação e pelas correções, tão vitais para a conclusão desse trabalho.

Por último, agradeço aos profissionais da Associação Mico-Leão-Dourado e da

Ecossecurities pelas informações e dicas sem as quais seria impossível escrever essa

monografia.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo checar a viabilidade econômica de projetos de

reflorestamento ligados à venda de certificados de emissão de carbono. A comercialização

desses certificados foi impulsionada pela ratificação do Protocolo de Quioto, em fevereiro de

2005, que obriga a maioria dos países desenvolvidos a limitar suas emissões dos gases de

efeito estufa.

Estudar-se-á o caso específico do reflorestamento de espécies nativas da Mata

Atlântica no Estado do Rio de Janeiro, seus potenciais de receitas e custos ao longo de

quarenta anos do projeto. Para tal, utilizar-se-á os dados de um trabalho feito pelo Associação

Mico-Leão-Dourado em conjunto com a Nature Conservancy, próximo da reserva biológica

de Poço das Antas, na bacia do rio São João (Rambaldi et al., 2003).

Pode-se considerar que o objetivo mais geral do trabalho é promover o

desenvolvimento sustentável do Estado do Rio de Janeiro, uma vez que esses projetos

florestais visam transformar áreas degradadas pela intensa atividade econômica

(principalmente agropecuária) em áreas reflorestadas. O uso da floresta poderá gerar receitas

futuras com ecoturismo, venda de serviços florestais e estabelecimento de uma indústria

madeireira sustentável. Desse forma, além do desenvolvimento econômico gerado pelo uso

da Mata Atlântica, estaremos garantindo também uma preservação de longo prazo da

qualidade ambiental do Estado, e principalmente de áreas mais sensíveis e estratégicas como a

bacia do rio São João.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO.....................................................................................................................................................07

CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E ECONÔMICOS...........................................................09 I.1 – Desenvolvimento sustentável: um breve histórico..........................................................................................09 I.2 – Economia da poluição: política de certificados transacionáveis.....................................................................14

CAPÍTULO II – QUIOTO E O MERCADO DE CARBONO.........................................................................21 II.1 – O Protocolo de Quioto: mecanismos de flexibilização..................................................................................21 II.2 – O mercado internacional de carbono: realidade atual....................................................................................26

CAPÍTULO III – PROJETOS FLORESTAIS...................................................................................................32 III.1 – Quioto e a questão do uso da terra: projetos florestais.................................................................................32 III.2 – Projetos de MDL no setor florestal: elaboração e exemplos........................................................................40

CAPÍTULO IV – CRÍTICAS AO PROTOCOLO DE QUIOTO.....................................................................47

CAPÍTULO V – O CASO DA REBIO POÇO DAS ANTAS............................................................................53 V.1 – Aspectos do projeto.......................................................................................................................................53 V.2 – Cálculos: receitas e custos potenciais do projeto..........................................................................................61 V.3 – Comparação com a atividade agropecuária da região...................................................................................66

CONCLUSÃO.......................................................................................................................................................68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................................71

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ÍNDICE DE TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS

GRÁFICO I.1: Benefício x Dano por Emissão ....................................................................................................15

GRÁFICO I.2: Benefício Marginal x Dano Marginal ........................................................................................16

GRÁFICO I.3: Custos Totais de Mitigação ..........................................................................................................17

GRÁFICO I.4: Custos Marginais e Preço da Emissão ..........................................................................................19

GRÁFICO II.1: Volume de Emissões Transacionadas Anuais (em Mt. de C) de 1998 até abril de 2005.............27

TABELA II.1: Volumes Transacionados por Tipo de Transação .........................................................................27

GRÁFICO II.2: Demandantes de Certificados ......................................................................................................28

GRÁFICO II.3: Localização dos Projetos .............................................................................................................29

GRÁFICO II.4: Projetos Discriminados por Área ................................................................................................30

GRAFICO II.5: Preços Médios Esperados (2008-2012) .......................................................................................31

GRÁFICO II.6: Valor Total do Mercado por Ano (em US$ milhões) ..................................................................31

TABELA III.1: Evolução dos Projetos Florestais (até julho de 1998) ..................................................................35

TABELA III.2: Projetos Florestais em Andamento no Brasil ...............................................................................39

TABELA III.3: Potencial Teórico da Área Florestal no Brasil .............................................................................39

FIGURA III.1: Processo de Certificação no MDL ................................................................................................42

FIGURA IV.1: Esquema do Problema Ar Quente .................................................................................................49

TABELA IV.1: Reduções Líquidas na Emissão de Carbono ................................................................................49

GRÁFICO II.7: Projeção das Emissões dos Países do Anexo I ............................................................................50

FIGURA V.1: Florestas Remanescentes no Estado do Rio de Janeiro .................................................................53

FIGURA V.2: Situação da Vegetação na Bacia do Rio São João .........................................................................54

TABELA V.1: Taxa de Desmatamento e Reflorestamento na região

da Bacia do São João e Região dos Lagos (projeção para os próximos 40 anos)..................................................57

TABELA V.2: Evolução no uso do solo na Bacia do São João (1986-2002) .......................................................57

TABELA V.3 : Custos do Projeto (em 40 anos) ...................................................................................................59

TABELA V.4: Seqüestro Médio de Carbono ........................................................................................................62

GRÁFICO V.1: Projeção da Receita com Função Logarítmica ............................................................................63

GRÁFICO V.2: Projeção da Receita com Função Linear .....................................................................................64

TABELA V.5: Cálculo com a Função Logarítmica ..............................................................................................65

TABELA V.6: Cálculo com a Função Linear .......................................................................................................65

TABELA V.7: Valor da Produção Pecuária Anual na bacia do rio São João .......................................................66

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INTRODUÇÃO

Este trabalho será dividido em cinco capítulos. Primeiramente, no capítulo I, tratar-se-

á dos fundamentos econômicos que balizam esse trabalho. Posteriormente, no capítulo

seguinte, explicar-se-á o que é o Protocolo de Quioto e como o Brasil se insere nesse

contexto. Também será descrita a situação atual do mercado internacional de carbono. No

capítulo III, tratar-se-á especificamente dos projetos florestais envolvidos com a captação de

carbono da atmosfera. O quarto capítulo vai conter as principais críticas feitas ao Protocolo de

Quioto quanto as possibilidades de mudança no uso da terra para mitigar o efeito estufa. Por

último, será descrito o caso específico da bacia do rio São João e o potencial de um projeto de

reflorestamento de espécies nativas da Mata Atlântica na região.

Como fundamentos econômicos, será descrito um breve histórico do debate que levou

a formulação do termo “desenvolvimento sustentável”, tão importante para este trabalho. Em

seguida, mostrar-se-á o modelo de certificados transacionáveis, forma de limitar a emissão de

poluentes com menores custos, e que serve de base para o Protocolo de Quioto e seus

mecanismos de flexibilização.

O capítulo II estará dividido em duas seções. Na primeira, estudar-se-ão os termos do

Protocolo de Quioto e seus mecanismos de flexibilização, notadamente o MDL, pois é através

desse mecanismo que o Brasil se insere no mercado de carbono. A segunda seção será um

resumo da situação atual do mercado de carbono no mundo, indicando seus principais atores e

os valores alcançados. Esta seção tem como base um estudo divulgado anualmente pelo

Banco Mundial.

O capítulo três terá como elemento central de análise os projetos florestais ligados à

captação de carbono atmosférico, e principalmente aqueles dentro do contexto do MDL.

Estarão descritos alguns exemplos de projetos passados (pré-Quioto), além dos projetos já em

andamento voltados para a geração de certificados de emissão.

Como dito anteriormente, o quarto capítulo contará com as principais críticas feitas ao

Protocolo de Quioto por ambientalistas, países desenvolvidos ou em desenvolvimento. O

Protocolo de Quito, porém, deve ser visto como o tratado possível para o controle das

emissões de gases de efeito estufa. É natural, então, que existam um grande número de

críticas e falte consenso.

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No quinto e último capítulo, tratar-se-á do caso específico da bacia do rio São João e

como ela se adequaria às exigências do Protocolo de Quioto para o desenvolvimento de

projetos de reflorestamento. Calcular-se-á a captação de carbono realizada por um projeto

hipotético na região, além de estimar seus custos e receitas para os quarenta anos de

atividades. Também, far-se-á uma comparação entre os ganhos médios provenientes da

atividade agropecuária e os ganhos relacionados com a venda de certificados de carbono.

Por fim, na conclusão, far-se-á uma reflexão sobre os resultados obtidos no capítulo V

e discorrer-se-á sobre a viabilidade de projetos de reflorestamento no Estado do Rio de

Janeiro.

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CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E ECONÔMICOS

Este capítulo estará dividido em duas partes. Primeiramente, falar-se-á da origem e da

evolução do debate atual sobre desenvolvimento econômico e social, e preservação ambiental.

Na segunda parte, mostrar-se-á o modelo econômico por trás do Protocolo de Quioto,

chamado de certificados transacionáveis de emissão, e como ele é economicamente

satisfatório no caso do aquecimento global (apesar de alguns pontos desfavoráveis que

também serão abordados).

I.1 - Desenvolvimento sustentável: um breve histórico

Através da evolução histórica do conceito de desenvolvimento sustentável, pode-se

entender como o Protocolo de Quioto, acordado em 1997 e ratificado no início de 2005, foi

conseqüência de um debate árduo de longos anos, num ambiente que precisava ser

internacional, cooperativo e multidisciplinar. Internacional porque, desde seu início, a questão

ambiental foi entendida como um problema que afeta a todo o planeta, uma vez que os climas

de todas as regiões do mundo são interdependentes (Mawhinney, 2002).

A compreensão de que ações em uma determinada nação podem afetar o meio-

ambiente de outra - caso de chuvas-ácidas, desertificação, destruição da camada de ozônio e

aumento do nível do mar pelo aquecimento global e suas demais conseqüências - também

levou a necessidade de cooperação entre os países envolvidos a fim de resolver os problemas.

A multidisciplinariedade dos temas ligados ao meio ambiente sempre existiu em relação às

diferentes áreas da biologia, da geografia, da meteorologia e outras ciências naturais. A partir

da década de sessenta, porém, introduziu-se a variável “homem” no problema. Qual impacto

o desenvolvimento humano teve sobre o meio ambiente do planeta? Quais são as ameaças

que o atual paradigma de desenvolvimento pode trazer à vida do homem e dos outros seres

vivos? Essas questões foram trazidas à ordem do dia e, desse modo, as ciências humanas,

principalmente a economia, começaram a participar desse debate. Ao longo dos anos, muitas

pesquisas sobre o tema foram realizadas, e embora não haja prova irrefutável sobre o assunto,

a maioria dessas pesquisas apontam o homem como a maior influência na perda da qualidade

ambiental do planeta (Mawhinney, 2002).

No final dos anos sessenta, após décadas de crescimento econômico e industrialização

crescente em várias regiões do mundo, as nações estavam divididas entre a seguinte questão:

como podemos seguir o desenvolvimento, necessário para garantir o fim da pobreza e

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desigualdade que ainda existem, sem destruir todos os recursos naturais necessários para

manter a vida no planeta? Tanto nos países capitalistas ricos quanto no bloco socialista, o

crescimento industrial das décadas anteriores havia gerado grandes perdas na qualidade do

solo, da água e do ar, afetando a saúde da população. Enquanto isso, nos países mais pobres

havia uma grande demanda pela expansão da extração de recursos naturais e por políticas que

acelerassem o desenvolvimento industrial, gerando empregos e renda.

Em 1968, começou-se a planejar, nas Nações Unidas, uma conferência sobre meio

ambiente. Dois anos depois, em 1970, foi realizado um primeiro encontro com a finalidade de

organizar uma grande conferência internacional sobre o tema (Cahill, 2005). Porém os claros

conflitos de interesse entre os diferentes objetivos apresentados acima, somado à situação

política da Guerra Fria, criaram demasiados obstáculos a um entendimento.

No ano de 1972, em Estocolmo, na Suécia, foi realizada a primeira conferência

internacional sobre meio ambiente. Nessa conferência, foi debatido o uso de instrumentos

políticos que pudessem integrar a idéia de desenvolvimento econômico à necessidade de

preservar a qualidade dos recursos ambientais que permitem a vida do homem no planeta.

Mais de cem países e quinhentas organizações não governamentais compareceram.

Apesar do relativo sucesso de reunir pela primeira vez várias vozes para debater a

questão da preservação ambiental e produzir documentos importantes, como The Action Plan

for the Human Environment, a conferência não teve o êxito esperado (Cahill, 2005). Por um

lado, não conseguiu o apoio de todos os países, alguns muito importantes, uma vez que o

bloco socialista preferiu não ir. Por outro, discutiu-se muito sobre os princípios da

sustentabilidade ambiental, mas muito pouco foi realmente acordado sobre como alcançá-la.

Os países ricos queriam enfatizar as questões ligadas ao meio ambiente, enquanto os demais

países queriam deslocar o foco para as questões de desenvolvimento Outro ponto, que mostra

a marginalidade do debate naquela época, é o fato de que somente dois chefes de Estado

(Suécia e Índia) estiveram presentes na conferência. O principal ganho de todo esse processo

foi que, após a conferência, a ONU estabeleceu o United Nations Environment Programme

(Programa da ONU para o Meio Ambiente) – UNEP, um braço da organização

permanentemente focado em estimular o debate e as pesquisas sobre as questões

ambientais(Cahill, 2005).

Superada a frustração da primeira conferência, a década de 1980 marcou uma

mudança na conscientização mundial do problema. Em 1980, quando as organizações não-

governamentais começavam a ocupar um espaço ativo nas questões sociais e ambientais, o

WWF (World Wildlife Fund – Ong voltada para preservação ambiental), junto com outras

Ongs e com apoio da UNEP, produziu o The World Conservation Strategy. Esse relatório foi

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muito importante para futuro do debate sobre desenvolvimento sustentável. Nele, estão as

principais diretrizes que guiaram as posteriores definições sobre o assunto, como indica a

citação abaixo.

"Esse é o tipo de desenvolvimento que gera melhorias reais na qualidade da vida humana e, ao mesmo tempo, conserva a vitalidade e a diversidade do planeta Terra. O objetivo é um desenvolvimento que seja sustentável. Hoje pode parecer visionário, mas é um objetivo alcançável. Cada vez mais pessoas acreditam que essa seja a única opção racional”.

(The World Conservation Strategy, WWF et al., 1980, p.26)

Diferente da conferência realizada em Estocolmo, o relatório do WWF estava

concentrado na conservação ambiental e não em aspectos do homem como política,

economia ou cultura. Pela primeira vez se questionava o direito do homem de destruir todas

as outras espécies em proveito do desenvolvimento próprio e a viabilidade de tal conduta

indefinidamente. Outra postura que diferencia o relatório da conferência de oito anos antes, é

o fato de que o relatório tratava não só das ligações importantes entre a qualidade do meio-

ambiente e a qualidade da vida humana, mas também indicava as prioridades e as ações

possíveis. Dessa forma o relatório podia ser usado como guia, saindo do plano puramente

abstrato das idéias para o plano mais concreto da ação.

Em 1987, a World Commission on Environment and Development (Comissão mundial

para meio-ambiente e desenvolvimento – WCED), instituição criada em 1983 e ligada a

ONU, publicou um relatório chamado “Our Common Future” (Nosso Futuro Comum). Esse

relatório ficou conhecido como relatório Brundtland, nome da presidente da comissão, a

norueguesa Gro Harlem Brudtland. Este é considerado como o momento de consagração para

o debate do desenvolvimento sustentável, inclusive cunhando esse próprio termo. O relatório

é dividido em três partes: Preocupações Comuns, Desafios Comuns e Empreendimentos

Comuns (Our Commom Future, WCED, 1987).

A primeira parte relata como o desenvolvimento humano tem afetado o meio ambiente

colocando a própria saúde do homem em risco. Não só o desenvolvimento industrial das

nações ricas é indicado como causador do problema. O relatório frisa que a pobreza também

destrói o meio ambiente, porém de uma maneira diferente. Populações humanas em condições

de miséria tendem a sobre-explorar os recursos ambientais disponíveis por duas razões. Uma

pequena variação da renda gera uma grande variação na utilidade, enquanto o impacto na

qualidade ambiental é pouco valorizado. Essa mudança de visão foi muito importante, pois

introduziu no conceito de desenvolvimento sustentável o combate à pobreza e as

desigualdades de renda, tanto entre as pessoas quanto entre nações (Mawhinney, 2002).

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Na segunda parte, Desafios Comuns, estão listados os riscos que o paradigma de

desenvolvimento industrial trouxe à qualidade de vida do homem e do planeta. Temas como

segurança alimentar, perda da biodiversidade, matriz energética, poluição industrial e dilemas

urbanos são abordados seriamente através de capítulos próprios. No capítulo sobre Energia, o

relatório indica que o aumento da demanda por energia elétrica para os próximos anos (até

2025), gerada principalmente a partir da queima de combustíveis fósseis não-renováveis,

elevaria a temperatura do planeta e tornaria o meio-ambiente mais ácido (Our Commom

Future, WCED, 1987. p.30). A teoria do efeito estufa já circulava no meio científico, mas,

após o relatório Brundtland (já em 1988), foi estabelecido conjuntamente pela Organização

Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) o

Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC (Painel Intergovernamental sobre

Mudança do Clima). O Painel tem como objetivo avaliar as informações científicas existentes

sobre a mudança do clima, avaliar os impactos ambientais e sócio-econômicos da mudança do

clima e formular estratégias de resposta a essas mudanças.

Por último, Empreendimentos Comuns prega a necessidade de cooperação entre os

países como forma de combater as ameaças que se apresentavam, principalmente quanto à

ajuda das nações ricas às nações em desenvolvimento, através de fundos para infra-estrutura e

cooperação tecnológica.

Seguindo a cronologia, em 1991, o WWF decidiu atualizar o World Conservation

Strategy, lançando um segundo relatório chamado Caring for the Earth. Neste relatório, o

WWF, além de sugerir políticas públicas e privadas voltadas para um desenvolvimento que

respeitasse a capacidade dos ecossistemas, estava preocupado com o envolvimento de todos

os agentes da sociedade e não somente dos políticos e diretores de grandes empresas. Para

eles, era extremamente necessária a participação das comunidades locais na conservação da

qualidade de seu meio-ambiente (Mawhinney, 2002).

Já no início dos anos noventa, muitos debates em torno do desenvolvimento

sustentável haviam ocorrido em diferentes instituições, tanto internacionais quanto no interior

de algumas nações. A questão ambiental se tornara algo de enorme relevância, influenciando

decisões políticas, além de movimentar uma rede de organizações não-governamentais com

atuações em todo o planeta (Mawhinney, 2002).

Dentro desse espírito, as Nações Unidas organizaram outra grande conferência sobre o

tema. Em 1992, vinte anos após a conferência de Estocolmo que havia marcado o início

formal de todo o debate, realizou-se a ECO-92 (chamada de Conferência sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento – UNCED), no Rio de Janeiro. Dessa vez, 175 países

compareceram (muitos representados através de seus chefes de Estado) e mais de 1500 Ongs.

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Vários avanços foram feitos no campo político, sendo o mais notável a assinatura da Agenda

21, onde todas as nações do mundo se comprometiam pela primeira vez a acabar com a

pobreza e tomar ações concretas para alcançar um desenvolvimento mais limpo e responsável

com as gerações futuras. Além da Agenda 21, resultaram desse mesmo processo quatro outros

acordos: a Declaração do Rio, a Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas, a

Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas (Cahill,

2005). Da Convenção sobre Mudanças Climáticas resultará o Protocolo de Quioto, o principal

tema desse trabalho. Apesar das críticas direcionadas aos países que ratificaram os tratados, e

que fizeram muito pouco para colocá-los em prática, a experiência da conferência foi

importante para o desenvolvimento do debate.

Em 1997, na cidade de Quioto no Japão, foi realizada uma conferência (COP-3) com o

intuito de avançar com os compromissos da Convenção de Mudanças Climáticas e finalizar

um acordo entre as nações que objetivava diminuir a emissão dos gases de efeito estufa

(geralmente, gases a base de carbono). Mais de 160 delegações estavam presentes e os países

desenvolvidos haviam chegado a um consenso de que era necessário controlar as suas

emissões. Apesar da pressão americana para que o tratado estabilizasse as emissões na

quantidade emitida na época, os europeus forçaram um acordo que reduzisse as emissões em

5,2 % abaixo do nível de 1990 (na média). Além de não colocar metas para países em

desenvolvimento, o tratado marcou para 2012 uma nova rodada de negociações (Protocolo de

Quioto, ONU, 1997).

Também foram criados mecanismos de flexibilização das metas de redução para

minimizar os custos com a mitigação. Um deles permite a comercialização de créditos de

carbonos entre os países obrigados a reduzir suas emissões, onde quem reduziu além da meta

pode vender créditos para aqueles que não alcançaram o nível acordado. As nações do antigo

bloco socialista, como a Rússia, por conta da forte desindustrialização sofrida durante a

transição para o capitalismo, têm muitos créditos disponíveis para venda, cobrindo quase dois

terços da demanda estimada por créditos de carbono (Kornexl, 2005). O instrumento de

flexibilização que permite a venda de crédito de carbono por países em desenvolvimento

chama-se Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Neste caso, os países que não têm restrições quanto à emissão de gases de efeito estufa

podem vender créditos de carbono adquiridos através de projetos que capturem carbono da

atmosfera ou projetos de ganho de eficiência (redução) nas emissões desses gases,

principalmente na área de energia (Protocolo de Quioto, ONU, 1997). Posteriormente, nessa

monografia, o MDL será mais bem descrito.

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O protocolo, assinado em 1997, foi um grande avanço na tentativa de controlar os

danos provenientes do aquecimento global. Em 2001, porém, o governo norte-americano

resolveu não ratificar o Protocolo, deixando a nação mais poluidora do mundo fora do tratado.

Com a adesão da Rússia, em 2004, o tratado passou a ter mais de 55% das emissões dos

países do Anexo I sob as metas, cláusula necessária para seu início. Em fevereiro de 2005,

finalmente, o tratado de Quioto sobre controle das emissões de gases de efeito estufa estava

em vigor.

I.2 - Economia da poluição: política de certificados transacionáveis

A partir de agora, será exposto o modelo microeconômico que embasa a opção por

certificados transacionáveis como forma de minimizar os custos relacionados à mitigação de

emissão de poluentes. Para tanto será utilizado como referência básica o livro “Natural

Resources and Enviromental Economics” dos autores Roger Pearman, Yue Ma, James

McGilvray e Michael Common, em sua terceira edição britânica (Pearman et al., 2003). O

modelo é retirado dos capítulos 6 e 7, sobre controle de poluição: metas e instrumentos.

Primeiramente, precisa-se classificar o tipo de poluição com que está se lidando. Os

gases de efeito estufa são poluidores à medida em que se acumulam na atmosfera. O efeito

estufa “natural” permite que partes do planeta não se resfriem demais quando o sol se põe. Os

problemas só ocorrem quando esses gases se encontram em grandes quantidades, provocando

um aumento exagerado da temperatura do planeta (Martinho, 1997). Dessa forma poderíamos

classificar os gases de efeito estufa como poluição de estoque (stock-damage pollution).

Porém, como se acredita que a concentração de carbono na atmosfera já está alta, e como o

carbono demora mais de cem anos para ser capturado da atmosfera naturalmente, podemos

encarar essa variável como sendo poluição de fluxo (flow-damage pollution), sem perda de

generalidade. Outra informação importante é que a política tem como objetivo o controle do

nível de emissões do poluente, visando obter o maior beneficio social líquido.

Considere uma função D que relaciona a quantidade (nível) de emissão dos poluentes

W (em quantidades físicas) e o valor monetário do dano ambiental (já valorado) provocado

por W. Não entraremos aqui no debate sobre valoração ambiental, pois esse é um tema muito

vasto1. Mesmo assim, intuitivamente, se pode perceber que a função será estritamente

crescente, pois quanto maior as emissões dos poluentes, maior será a perda de qualidade

ambiental, e maiores os gastos com saúde, ou gastos com reposição e substituição (se

possível).

1 Indica-se para aprofundamentos nesse tema, o Manual para Valoração Econômica de Recursos Ambientais de Seroa da Motta (1997)

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Também teremos como hipótese que o dano marginal, isto é, dD/dW, é estritamente

crescente (segunda derivada sempre positiva), pelo menos para os níveis de emissão do

problema. Isto quer dizer que quanto maior o nível de emissão, maior será o dano médio

provocado. Considere agora uma função B que relaciona o nível de emissão W com o ganho

(benefício) da indústria com a atividade responsável por esse nível de emissão. Não só a

indústria é beneficiada com a poluição, mas também os consumidores dos produtos que

emitem poluentes no seu processo de fabricação que também ganham com preços mais

baixos. Neste caso a função também será estritamente crescente, pois como o dano ambiental

é uma externalidade do processo produto, e logo, não pago pelos produtores, cada vez que

lhes é permitido emitir mais poluentes eles economizam dinheiro em investimentos voltados

para a redução das emissões e para minimizar o impacto das externalidades. Porém, nessa

função, o beneficio marginal (dB/dW) é decrescente (segunda derivada negativa), pois

podemos imaginar que quanto maior o nível de emissões, menor o investimento necessário

para reduzir marginalmente essa emissão.

Graficamente, teremos a função D(W) convexa e a função B(W) será côncava. O

benefício social líquido será dado por: NB = B(W) – D(W).

Assim podemos achar o nível de emissões W que maximiza o beneficio social

decorrente da poluição. Esse será o Ŵ , quando houver a maior diferença entre B(Ŵ) e D(Ŵ),

sendo B(Ŵ)>D(Ŵ). Graficamente teremos:

GRÁFICO I.1: Benefício x Dano por Emissão

fonte: Perman et al., 2003, p.172.

D(W)

B(W)

W

distância máxima

Ŵ

D(W) B(W)

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Para maximizar a função NB(W), basta igualar a primeira derivada em relação a W a

zero. Dessa forma teremos:

NB’(W) = Bmg (W) – Dmg (W) = 0, ou melhor,

Bmg (W) = Dmg(W).

No ponto específico onde o beneficio marginal da poluição é igual ao dano marginal

encontraremos o nível eficiente de emissão do poluente. Por exemplo, se a emissão for menor

que Ŵ, o beneficio marginal de poluir é maior que o dano marginal da poluição, por isso,

mais poluição irá aumentar o beneficio líquido. No caso contrário acontece da mesma forma.

Graficamente teremos:

GRÁFICO I.2: Benefício Marginal x Dano Marginal

fonte: Perman et al., 2003, p.172.

O valor do dano marginal ou do benefício marginal é dado por ŵ. Esse pode ser

encarado como o preço de equilíbrio da poluição. Esse preço pode ser usado em políticas de

taxas e subsídios, mas na prática, como a poluição não tem um mercado, ŵ é um preço-sobra

(shadow-price) da externalidade. Posteriormente mostrar-se-á que ŵ será o preço de

equilíbrio dos certificados de emissão também.

Existe outra interpretação para o nível ótimo de emissão. Esse pode ser encarado como

o nível que minimiza os custos totais de mitigação mais os custos totais do dano ambiental.

Dmg(W)

Bmg(W)

ŵ

Dmg(W) Bmg(W)

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Podemos utilizar o gráfico acima, que a função de Bmg(W) recebe outra interpretação,

transformando-se em função de custo marginal de mitigação das emissões. A área sob o

gráfico de DMg(W) será equivalente ao custo total do dano ambiental de W emissões. De

forma equivalente, a área sob o gráfico de custo marginal de mitigação (lido da direita para a

esquerda - isto é, quanto maior a emissão W, menor o custo marginal de mitigação) será

equivalente ao custo total de mitigação. Pode-se observar, através do gráfico abaixo, que o

ponto Ŵ é o ponto que minimiza os custos totais de mitigação e do dano. Para isso

compararemos o ponto Ŵ com os pontos W’ e W’’.

GRÁFICO I.3: Custos Totais de Mitigação

fonte: Perman et al., 2003, p.173.

Os custos totais no caso de Ŵ serão iguais à área (C1 + C2), onde área a C1 é o custo

total de mitigação das emissões e C2 é o custo total provocado pelo dano provocado pelas

emissões. Observando o ponto à esquerda ( W’) podemos ver que o custo total em relação às

emissões é superior ao do ponto Ŵ, sendo igual à área (C1+ C2 + C3), onde o custo do dano é

menor (uma fração da área de C2), porém o custo de mitigação é muito superior (área C1+ C3

+ o resto de C2). Agora, olhando para o ponto à direita (W’’), pode-se observar que os custos

associados a esse ponto também são maiores que o de equilíbrio. Dessa vez o custo de

mitigação será menor (uma fração da área de C1), porém o custo total associado ao dano

provocado será bem maior (área de C2 + C4 + resto de C1). Existem outras maneiras de se

definir o Ŵ. Por exemplo, se existe um limite máximo tolerável de emissões de um certo

Dmg(W)

Cmg de mitigação(W)

WŴ W’ W’’

C3

C2 C1

C4

Dmg(W) Cmg de mitigação(W)

18

poluente, que caso excedido aumenta enormemente os danos à saúde das pessoas, o

administrador deve limitar as emissões na quantidade identificada. Assim, a reta de dano

ambiental será vertical, e o ponto ótimo não dependerá da função de custo marginal de

mitigação.

Uma vez encontrado o nível ótimo de emissão Ŵ, existem várias possibilidades de

política que o administrador social pode utilizar para alcançá-lo. A opção principal do

mercado de carbono é chamada de certificados de emissão transacionáveis. Nesse caso, o

aumento da emissão de uma indústria tem que ser compensado por reduções em outras

indústrias, mantendo sempre o nível desejado de emissões totais. As indústrias podem

negociar as permissões de emissão (concedida gratuitamente na quantidade de Ŵ para toda a

indústria), onde as firmas com menor custo marginal de mitigação irão vender as permissões

(pois vão emitir menos poluentes que o permitido) para as firmas com maior custo marginal

de mitigação (que irão emitir mais que o originalmente permitido). Assim, apesar de reduzir

os custos totais de mitigação, há transferência de renda da indústria com maior custo marginal

de mitigação para a com menor. As permissões também podem ser leiloadas pelo

administrador social. Neste caso, há uma transferência de renda do setor privado para o setor

público, porém mantém-se o mínimo custo de mitigação.

Mostraremos um exemplo utilizando o gráfico abaixo, onde duas firmas operam em

concorrência perfeita, e emitem os mesmos poluentes em seu processo produtivo. O

administrador social chegou à conclusão que toda a indústria tem que emitir no máximo Ŵ,

concedendo gratuitamente Ŵ / 2 certificados de emissão para cada firma:

No caso do exemplo que segue, a Firma 2, cujo custo marginal de mitigação das

emissões é menor que a média da indústria, prefere reduzir suas emissões além do ponto

necessário (Ŵ/2) e vender os certificados que restarem. Tal comportamento é racional, uma

vez que a firma estaria ganhando menos poluindo mais do que vendendo os certificados a um

preço ŵ. Já para a Firma 1, é menos oneroso pagar por certificados ao preço de ŵ, do que

incorrer nos custos totais de mitigação até o nível Ŵ/2.

Uma importante semelhança entre a política de certificados de emissão transacionáveis

e a opção de comando controle, onde todos são obrigados a reduzir ao nível estipulado, não

havendo nenhum tipo de flexibilização, é que chega-se ao mesmo nível ótimo de emissão Ŵ,

com o mesmo preço-sombra para emissão ŵ. Porém, no caso dos certificados, as firmas

(conhecendo seus custos marginais de mitigação) podem negociar entre si, reduzindo os

custos totais de mitigação necessários para que toda a indústria emita o nível Ŵ de poluentes.

Vale dizer que o custo de transação dos certificados deve ser insignificante.

19

GRÁFICO I.4: Custos Marginais e Preço da Emissão

fonte: Perman et al., 2003, p.226.

Existem também algumas críticas quanto a essa política de mitigação. Primeiramente,

a política de certificados transacionáveis não pode ser utilizada para mitigar poluentes que

tenham um efeito mais localizado, como poluição de rios ou gases tóxicos. Neste caso, o que

importa não é o nível agregado de emissões, mas o quanto é emitido em cada localidade.

Logo, reduções em uma localidade específica não compensam aumentos de emissão em

outras regiões. No caso dos gases de efeito estufa, seu efeito é sentido de forma geral em todo

o planeta, com o aumento da temperatura na atmosfera. Dessa forma, não há problema em

crer que aumentos de emissão em determinado país (ou melhor, a não redução acordada de

um país) serão compensados pela redução das emissões de outra nação.

Críticos desse modelo também alegam que o custo de transação nulo (ou desprezível),

hipótese necessária para o problema, muitas vezes não se mostra verdadeira, já que não

existem mercados organizados para essas emissões. Isso leva a concentração de capital em

poucos e grandes projetos, que por sua vez acabam inibindo a oferta de pequenos projetos.

Muitas vezes, esses pequenos projetos são mais importantes para a conservação do meio

ambiente e para o benefício das populações locais.

Outra crítica levantada contra a política de certificados transacionáveis diz respeito à

indução que essa política teria em relação ao desenvolvimento de tecnologias mais limpas de

produção. Quando não existe opção de flexibilização para o nível de emissão, ou quando o

governo impõe uma taxa sobre as emissões ( com o preço ŵ / emissão ), as empresas, como

WŴ / 2

ŵ

Cmg de mitigação médio da indústria

Cmg de mitigação da Firma 1

W2 W1

Cmg de mitigação da Firma 2

20

estratégia de minimização de custos futuros, tendem a investir em tecnologias mais eficientes

que poluam menos. No caso dos certificados, as empresas conseguem diminuir os custos

associados à mitigação necessária, e dessa forma podem adiar investimentos que poderiam

reduzir as emissões de forma mais eficiente no longo prazo. Por último, as conseqüências

redistributivas da política não são desconsideráveis, e podem gerar custos sociais que não

podem ser previstos pelo modelo.

Diferente da abstração do modelo, no caso do Protocolo de Quioto não foi calculado o

nível ótimo de emissão de gases de efeito estufa. Os valores das mitigações foram decisões

políticas acordadas durante a conferência de Quioto. Foi decidido que cada nação

desenvolvida deveria reduzir suas emissões em pelo menos 5% ( a média foi de 5,2%), em

relação aos níveis de 1990 (Protocolo de Quioto, ONU, 1997). Dessa forma os créditos de

carbono são dados para as nações que reduziram suas emissões a níveis mais baixos que o

necessário. Esses países podem negociar os créditos gerados com nações que, pelos elevados

custos de mitigação, preferem comprar tais certificados que reduzir efetivamente. De forma

global, chega-se aos níveis desejados de redução das emissões com o menor custo total de

mitigação.

21

CAPÍTULO II – QUIOTO E O MERCADO DE CARBONO

Nesse capítulo, dividido em duas seções, serão examinados o Protocolo de Quioto,

principalmente seus mecanismos de flexibilização, e o mercado internacional de carbono.

Desde de sua ratificação em fevereiro de 2005, o Protocolo de Quioto vem contribuindo para

o desenvolvimento do mercado de carbono, pois criou a obrigação para alguns países de

controlar as emissões de gases à base desse elemento. Hoje em dia, seus mecanismos de

flexibilização permitem transacionar certificados de redução de emissões, impulsionando um

mercado que existia de forma insipiente, organizado pelo setor privado.

II.1 - O Protocolo de Quioto: mecanismos de flexibilização.

Como visto no primeiro capítulo deste trabalho, nas últimas décadas do século XX, o

impacto do desenvolvimento humano nas condições ambientais do planeta foi ganhando

espaço no debate internacional, e na agenda política de organismos multilaterais e de algumas

nações. Após a formulação da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática em

1992, durante o encontro no Rio de Janeiro (UNCED 1992), ficou claro que alguns

importantes países, incluindo desenvolvidos e em desenvolvimento, estavam comprometidos

em adotar mudanças em seus padrões econômicos, mesmo que de forma incipiente. Quando

efetivada em março de 1994, 186 países haviam assinado a Convenção de Mudanças

Climáticas que deveria ser usada como estrutura para a criação de leis e políticas, que por sua

vez poderiam incentivar um menor impacto das atividades econômicas sobre o meio-ambiente

(Bettelheim, 2002). Os objetivos da Convenção incluíam (Bettelheim, 2002):

a) Equidade entre as gerações presentes e futuras, e responsabilidades comuns, porém

diferenciadas, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (artigo 3(1) da

Convenção).

b) Apesar da incerteza cientifica com relação ao tema, o principio da precaução deve

prevalecer, e ações têm que ser tomadas de forma a antecipar, prevenir ou minimizar

as causas das mudanças climáticas (artigo3(3) da Convenção).

c) As Partes têm o direito de e devem promover o desenvolvimento sustentável

(artigo 3(4)).

d) Um sistema econômico internacional aberto deve dar apoio ao projeto de um

desenvolvimento sustentável, ajudando particularmente os países em

22

desenvolvimento, através de um comercio justo, sem descriminações e restrições

indevidas (artigo 3(5)).

A Convenção também estabeleceu uma infra-estrutura legal e um corpo

administrativo, criando a Conferência das Partes (em inglês, Conference of Parties - COP),

responsável por tomar as decisões necessárias para promover a implementação efetiva da

Convenção. O artigo 17(1) permitiu à COP adotar protocolos à Convenção, em suas reuniões

periódicas de forma a estabelecer meios práticos para a realização dos objetivos definidos na

Convenção (Bettelheim, 2002).

A primeira reunião da Conferência das Partes, a COP-1, aconteceu em Berlim entre 28

de março e 7 de abril de 1995. Debateu-se muito sobre as formas de reduzir os efeitos da

economia no aquecimento global, porém nenhum consenso foi atingido. Somente durante a

terceira reunião da COP (COP-3), em 1997, na cidade de Quioto, foi acordado entre as partes

que os países pertencentes ao Anexo I, na maioria países desenvolvidos, reduziriam suas

emissões de gases de efeito estufa especificados no Anexo II do protocolo. Quanto a isso,

estipulou-se, no artigo 3 do Protocolo, o objetivo de reduzir as emissões no mínimo 5% com

relação ao ano base de 1990. Foi também definido um período inicial entre os anos de 2008 e

2012, quando os países do Anexo I deveriam respeitar seus limites de emissões. “Segundo os

dados da Associação Internacional de Energia (IEA, 1999) (...) as metas dos países do Anexo

I alcançariam 517 Mt. de C/ano” (Fernandez, 2004, p.23), incluindo os Estados Unidos.

No mesmo artigo 3(3), definiu-se que o limite estabelecido seria sobre as emissões

líquidas dos países, isto é, emissões totais menos a captação de carbono do ar através de

projetos específicos. Essa abertura aos projetos de seqüestro de carbono, como energias

renováveis, reflorestamento e florestamento (estabelecer uma floresta em áreas onde nunca

existiram), foi alvo de intensa reclamação de ambientalistas que temem o uso excessivo desse

recurso em detrimento do desenvolvimento de tecnologias menos poluidoras. Essa questão

será mais bem explorada na seção 5 desse capítulo quando descreveremos as principais

críticas ao Protocolo.

Para facilitar o alcance de tais metas de emissão, foi incluído no Protocolo (artigo

3(6)) o uso de mecanismos de flexibilização que reduziriam os custos de mitigação sem

ultrapassar as metas estabelecidas. Como foi visto na seção I.2, esses mecanismos de

flexibilização são uma forma economicamente mais eficiente de se alcançar tais limites, uma

vez que os países podem procurar soluções mais baratas em outras regiões com custos

menores de mitigação. É importante frisar que o artigo 3(14) explicita que os países do Anexo

I devem atingir suas metas de emissão de uma maneira que minimize os efeitos negativos na

área social, ambiental e econômica em países em desenvolvimento. Não basta aos países

23

desenvolvidos alcançar as metas estipuladas pelo Protocolo, mas devem atingi-las de forma

sustentável. Por exemplo, um projeto de reflorestamento com espécies exóticas, usadas para

seqüestrar carbono do ar, que destrua mata nativa ou retira a propriedade da terra de

comunidades locais ou indígenas, não deverá ser aceito pelas autoridades do Protocolo.

Três mecanismos de flexibilização foram disponibilizados pelo Protocolo aos países

do Anexo I. A Implementação Conjunta (artigo 6), o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

(artigo 12) e, por último, o Comércio de Emissões (artigo 17). Dois mecanismos, a

Implementação Conjunta (IC) e o MDL são similares em conceito. Alguma entidade (de um

país com cotas estabelecidas) financia tanto reduções de emissão quanto seqüestro de carbono

atmosférico em algum outro país signatário do Protocolo. Caso o país que recebe o

investimento também faça parte do Anexo I, o projeto é classificado como Implementação

Conjunta e gera Unidades de Emissão Reduzida (UER). Caso contrário, o projeto é

classificado como MDL e gera Redução Certificada de Emissão (RCE). “O uso de nomes

diferentes reflete não somente a determinação de distinguir responsabilidades entre países do

Anexo I e os outros, mas também a controvérsia que existe quanto ao papel dos países em

desenvolvimento nessa primeira fase do Protocolo” (Bettelheim, 2002).

O Comércio de Emissões também só pode ser utilizado entre países do Anexo I, assim

como a IC. No caso do Comércio de Emissões, países do Anexo I que tiverem superado suas

metas de mitigação poderão vender suas permissões não utilizadas para países que não

conseguiram reduzir ou que preferiram comprar tais permissões. Posteriormente, nesse

capítulo, trataremos da questão do Ar Quente e suas implicação no mercado de carbono via

Comércio de Emissões.

Foi aceito pelas partes o acumulo de créditos de carbono em períodos anteriores a

2008 para serem usados no primeiro período de metas (2008-2012). Para tanto é necessário

que o crédito tenha sido gerado depois do ano 2000.

O Brasil, como país fora do Anexo I (sem cotas de emissão), se insere no contexto do

Protocolo de Quioto e do mercado de carbono através do Mecanismo de Desenvolvimento

Limpo citado acima. O artigo 12 do Protocolo de Quioto cria o MDL e define uma série de

regras para que um projeto gere os certificados de emissão (RCE). O MDL entrou em cena já

no final das negociações de Quioto, em resposta à pressão americana para fazer com países

não incluídos no Anexo I tivessem participação no alcance das metas da Convenção de

Mudanças Climáticas. No artigo 12(3)(a), permite-se a participação de entidades tanto

privadas quanto públicas em projetos de MDL, ou de ambos.

24

No artigo 12(4), delega-se autoridade à COP para estipular as regras que guiaram o

MDL e criar o Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, responsável

pela organização e aprovação dos projetos nessa área.

Entre as regras estabelecidas no Protocolo para os projetos de MDL podemos destacar

as seguintes:

a) Existência de benefício real, mensurável, e de longo prazo relacionado com a

redução das mudanças climáticas.

b) As reduções de emissão devem ser adicionais, isto é, reduções que aconteceriam

mesmo sem a presença do projeto não devem ser contabilizadas.

c) Dois por cento (2%) dos gastos com certificação dos projetos devem ir para um

fundo direcionado aos países com grandes custos de adaptação às mudanças climáticas

(COP-6, 2001).

d) Devem ser evitados os impactos negativos nas áreas sociais, ambientais e de

desenvolvimento econômico, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país

que receberá o investimento.

Tais obrigações permitem aos países do Anexo I contribuir com países em

desenvolvimento, financiando projetos importantes em eficiência energética, reflorestamento,

incineração de lixo, entre outras áreas. Além disso, aumentam o limite de emissões totais

desses países, uma vez que a contabilização para as metas do Protocolo é sobre as emissões

líquidas.

De forma geral, o Protocolo de Quioto foi uma vitória parcial daqueles que lutaram

por uma mudança no padrão do desenvolvimento econômico. As nações mais ricas e

poluidoras do mundo haviam concordado em limitar suas emissões de gases de efeito estufa,

apesar da clara falta de consenso desde o início de quanto ou como fazê-lo. Sabe-se agora que

os maiores impactos do aquecimento global serão sentidos em países pobres (como

Bangladesh e Indonésia), que pouco se beneficiam do desenvolvimento econômico que o

provoca.

Depois que Estados Unidos e Austrália preferiram não ratificar o Protocolo, muitos

acreditaram que ele não sairia do papel. Os Estados Unidos é a nação que mais emite gases de

efeito estufa, totalizando um quarto das emissões contabilizadas. O governo americano alegou

que as incertezas com relação aos efeitos positivos do Protocolo para evitar o efeito estufa

eram grandes demais e não valeriam os milhares de empregos perdidos na economia

americana, caso os Estados Unidos o adotasse.

Paralelamente, o governo Bush tem procurado criar projetos autônomos de redução

das emissões de gases. Em julho de 2002, foi aprovado pelo o Congresso americano o plano

25

“Céu Limpo e Iniciativas sobre Mudanças Climáticas Globais”, onde se incluiu um corte de

18% nas emissões num período de dez anos. Além disso, três outros gases foram incluídos

com cortes drásticos, mas graduais (o dióxido de enxofre em 73%; os óxidos de nitrogênio em

67%; e as emissões de mercúrio em 69%). Essa política foi anunciada como uma alternativa

mais favorável que as de Quioto. "Enquanto os investimentos na ciência que estão sendo

feitos hoje melhoram nosso entendimento do desafio de agir seriamente frente às dúvidas,

nossos investimentos no setor de energia e nas tecnologias para o seqüestro de gases vão nos

prover o atalho para reduzir as nossas emissões em um longo período", diz o documento

oficial do plano Céu Limpo (Vogt, 2002).

No final de 2004, porém, depois de uma grande pressão dos países europeus, a Rússia

resolveu ratificar o Protocolo. Como a Rússia é um dos principais poluidores do mundo, junto

com a União Européia e Japão, ultrapassou-se a quantidade mínima de emissões cobertas

pelos países que ratificaram o tratado (de acordo com o Protocolo de Quioto, era necessário

55% das emissões cobertas por signatários para que ele entrasse em vigor).

No Brasil, dois decretos presidenciais definiram o desenho básico de operacionalização

do MDL e, de modo mais geral, dos compromissos do Protocolo de Quioto e da Convenção

de Mudanças Climáticas. O primeiro e mais importante, de 7 de julho de 1999, criou a

Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, que através da sua Secretaria Executiva

deve definir a elegibilidade dos projetos nacionais de MDL e sua adequação às estratégias

nacionais de desenvolvimento sustentável (Fernadez, 2004). A Comissão é composto por dez

ministérios (Agricultura, Energia, Transportes, Planejamento, Casa Civil, entre outros), sendo

que a presidência pertence ao Ministério de Ciência e Tecnologia e a vice-presidência ao

Ministério do Meio-Ambiente. Suas reuniões acontecem a cada dois meses.

Entre algumas de suas atribuições podemos destacar: emitir pareceres sobre propostas

de políticas setoriais, normas e instrumentos legais relevantes ao tema; fornecer subsídios às

posições do Governo nos painéis internacionais sobre mudanças climáticas; definir critérios

de elegibilidade adicionais àqueles do Protocolo de Quioto, que interessam ao projeto

nacional de desenvolvimento sustentável (realizado na Resolução 1); tornar-se a Autoridade

Nacional Designada (AND) exigida pelo Comitê Executivo do MDL (Miguez, 2004).

O outro decreto presidencial, de 20 de junho de 2000, criou o Fórum Nacional de

Mudanças Climáticas, que tem a função de promover o debate e o maior envolvimento dos

vários segmentos da sociedade nas questões relativas ao aquecimento global e seus

instrumentos de mitigação, especialmente os mecanismos do Protocolo de Quioto.

O primeiro projeto licenciado para receber certificados de emissões (RCE) no país foi a

usina de incineração de lixo Nova Gerar, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Ao evitar a

26

liberação de metano pelo lixão, e gerar energia com a combustão, reduzindo à emissão total

de gases de efeito estufa, a empresa conseguiu gerar tais certificados. Na área de papel e

celulose, e de madeira, alguns projetos também têm despertado o interesse dos empresários

brasileiros, pois permitem aumentar suas receitas vendendo possíveis créditos de carbono.

Esses créditos são gerados em suas plantações de árvores de crescimento rápido, como

algumas espécies de eucaliptos usados na fabricação de celulose e móveis.

Foi criado um mercado organizado de carbono na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro

em conjunto com a Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo e o Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio, onde um banco de projetos facilitará o acesso dos

compradores estrangeiros. Como descrito na página da internet da Bolsa do Rio:

“O Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões (MBRE) (...) objetiva desenvolver um sistema eficiente de negociação de certificados ambientais, em linha com os princípios subjacentes ao Protocolo de Quioto. Mais precisamente, a iniciativa BM&F/MDIC consiste em criar no Brasil as bases de ativo mercado de créditos de carbono que venha a constituir referência para os participantes em todo o mundo”.

(BVRJ, 2005)

II.2 - O mercado internacional de carbono: realidade atual

Recentemente, o Banco Mundial passou a divulgar todo ano um relatório chamado

State and Trends of Carbon Market (Banco Mundial, 2005) onde tenta reunir informações

relevantes sobre o mercado de carbono internacional. O último, publicado em maio de 2005,

traz informações esclarecedoras recolhidas em 487 projetos de diferentes escalas e escopos.

Segundo o relatório, o volume de carbono (evitado ou seqüestrado em projetos)

transacionado no ano de 2004 foi igual a 107 Mt C, aumentando em 38% com relação a 2003

(78 Mt C). Levando em consideração que as metas dos países do Anexo I totalizam 4,6 Gton.

C por ano (Greenpeace, 1998, p.21), chega-se à conclusão que o volume de carbono

transacionado em 2004 equivale a 2,33% das emissões totais permitidas por Quioto. Vale

ressaltar, porém, que parte desses certificados tem como destino outros mercados, como a

Bolsa de Chicago. Até maio de 2005, já haviam sido comercializados 43 Mt C, indicando que

o mercado cresce a cada dia mesmo que em ritmo mais lento que no período anterior (2001-

2003)..

O relatório propõe quatro motivos para que o volume comercializado tenha diminuído

sua trajetória de alta, mesmo com o fim das incertezas quanto o funcionamento do Protocolo

de Quioto. Primeiro supõe-se que a resposta da oferta ao aumento de demanda é lenta, já que

a demanda se mostra aquecida. Fundos de carbono, no mundo todo, saíram de uma

capitalização de US$ 275 milhões, em janeiro de 2004, para um total de US$ 950 milhões em

27

abril de 2005, um aumento de 250%. Entre os ofertantes, vale ressaltar o aumento expressivo

no volume oriundo de projetos de MDL voluntários, isto é, projetos em que o investimento

não é feito por entidades que precisam dos créditos de carbono.

Os outros três motivos são: a falta de certezas quanto à quantidade da cota que poderá

ser mitigada através dos certificados de emissão; os governos parecem ser os principais

demandantes de tais créditos, e eles podem levar tempo para começar a agir; e finalmente,

alguns atores do mercado estão adotando a postura de esperar para ver, isto é, dada às

incertezas regulatórias muitos agentes preferem adiar suas compras desses certificados (Banco

Mundial, 2005).

GRÁFICO II.1: Volume de Emissões Transacionadas Anuais

(em Mt. de C) de 1998 até abril de 2005.

0

20

40

60

80

100

120

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

fonte: Banco Mundial, 2005, p.20.

TABELA II.1: Volumes Transacionados por

Tipo de Transação

ANO Volume Total de C (ton)

Comprometido (Quioto, etc...)

Voluntário Varejo*

1998 17.976.538 0 17.907.448 69.090

1999 35.423.491 0 35.265.724 157.767

2000 17.094.425 387.933 16.507.407 199.085

2001 13.004.103 4.724.591 8.161.652 117.860

2002 28.776.967 14.676.748 13.893.209 207.610

2003 77.641.815 70.429.780 6.773.367 438.669

2004 107.010.089 104.600.758 2.299.050 110.281

2005 (jan-abr)

42.863.095 39.823.182 2.995.000 44.913

TOTAL 339.790.524 234.642.992 103.802.856 1.344.675

fonte: Banco Mundial, 2005, p.20. (*) Os dados de varejo, referentes a projetos de

pequena escala, são incompletos.

28

Quanto aos principais compradores, o relatório aponta a supremacia européia que atende

por 60% das transações fechadas entre 2004 e 2005. O maior comprador é o governo da

Holanda que sozinho absorve 16% dos certificados, seguido por entidades privadas britânicas

com 12%. O resto da Europa responde por 32%, e o Japão que antes era responsável por 29%

(2003-2004), diminuiu sua participação relativa para 21% nos últimos anos. No Japão, o setor

privado é responsável pela maior parte da demanda. O Canadá, surpreendentemente, aparece

com somente 5% do total de compras. O Canadá tem o compromisso de reduzir 6% sobre as

emissões de 1990. Porém, as emissões canadenses estavam 20% maiores que em 1990, no ano

de 2002. Muito desse atraso acontece porque só recentemente o Canadá aprovou seu plano de

mitigação de emissões e ainda não foram definidas cotas específicas para o setor privado. As

companhias canadenses também parecem acreditar que a multa por não cumprirem suas metas

será baixa (US$12/ ton. C) e os riscos associados aos projetos de MDL ou IC não

compensariam o investimento (Banco Mundial, 2005).

GRÁFICO II.2: Demandantes de Certificados

Jan. 2003 – Dez. 2004 Jan. 2004 – Abr. 2005

fonte: Banco Mundial, 2005, p.21.

Com relação aos ofertantes, a Ásia desponta como maior geradora de créditos de

carbono, com 45% da oferta total do mercado. Em segundo lugar está a América Latina, com

35%, acompanhada por projetos em países da OCDE, incluindo IC na Nova Zelândia e

atividades voluntárias nos Estados Unidos, com 14%. Países do antigo bloco socialista

respondem pelos 6% restantes. Os dois grandes países realizadores de projetos ligados à

redução de carbono são Brasil e Índia, sendo cada um responsável por 13% e 31% do número

de projetos totais, respectivamente. A particularidade da Índia está no fato de um grande

29

número de projetos no país (entre 60 e 70) não intencionar a venda de carbono, e por isso

nem foram computados no relatório do Banco Mundial.

Como pode ser percebido no gráfico abaixo, a África ficou novamente para trás, com

projetos tão pequenos que não somam 1%. A situação é ainda pior se não contarmos a África

do Sul e países do norte da África (com menor peso). Isso gera uma preocupação importante

quanto à equidade na distribuição dos projetos de MDL entre os países e, portanto, de seus

benefícios. Até o momento de sua publicação, o Banco Mundial havia identificado projetos de

carbono somente na África do Sul e em Uganda, considerando toda a região da África sub-

saariana.

GRÁFICO II.3: Localização dos Projetos

Jan. 2003 – Dez. 2004 Jan. 2004 – Abr.2005

fonte: Banco Mundial, 2005, p.22.

O relatório aponta que, em termos de tendência, o mercado parece estar se concentrando

em países grandes, de renda média. Brasil e Índia tornaram-se os países que mais

desenvolvem projetos de redução ou seqüestro de carbono. A China e o México também

despontam como destinos atrativos. “A lógica da localização dos projetos de carbono parece

seguir a mesma lógica do IDE, investimento direto no estrangeiro” (Banco Mundial, 2005,

p.23).

O relatório também cita a dificuldade de estabelecer um preço para a tonelada de

carbono no mercado internacional. Primeiro porque nem todos os projetos pesquisados

informaram seus preços. Outro problema é o fato de existirem vários mercados diferentes de

negociação do carbono. Existem créditos gerados por IC e por MDL. Outros são gerados para

negociação na Bolsa de Chicago, ou outros projetos paralelos ao Protocolo, mas que também

visam a redução das emissões de carbono.

30

Na estimativa feita pelo Banco Mundial, os certificados gerados por MDL (RCE)

variam numa faixa entre US$3,00 e US$7,15 (com média ponderada de US$5,63) (Banco

Mundial, 2005). Já estudos da CEPAL indicam que é possível trabalhar numa faixa entre

US$10,00 e US$60,00 por tonelada de carbono no MDL, sendo que projetos florestais teriam

o potencial situado entre US$10,00 e US$20,00 (Fernandez, 2004). O preço médio das

expectativas de diferentes agentes, indicado num estudo da

PRICEWATERHOUSECOPPERS, ficou em US$18,00 e a mediana em US$15,00, para

projetos de MDL em geral (La Rovere e Poppe, 2004).

.

GRÁFICO II.4: Projetos Discriminados por Área

Jan. 2003 – Dez. 2004 Jan. 2004 – Abr. 2005

fonte: Banco Mundial, 2005, p.24.

Outros fatores que contribuem para a formação dos preços, segundo o relatório, são:

custos de validação e certificação; reputação do país anfitrião no mercado; estrutura dos

contratos locais, quanto menores os riscos maiores os preços; benefícios sociais e ambientais

adicionais.

Um sinal de liquidez desse mercado é o fato de que já existe um mercado secundário

para esses certificados. Embora de forma tímida, empresas já começaram a vender partes de

seu portifolio de certificados de emissão para outras companhias (Banco Mundial, 2005).

Como conclusão, o relatório do Banco Mundial faz uma estimativa do tamanho do

mercado global de carbono, após conhecer preços e quantidades. No ano de 2004, os contratos

de compra de carbono podem ser estimados na casa de US$ 570 milhões, sendo que US$ 420

milhões vêm de operações onde tanto preço quanto quantidades são conhecidos. Até maio de

31

2005, o número era de US$110 milhões. O valor estimado total para o mercado de carbono,

de 1998 até a data do relatório, foi calculado em US$ 1,38 bilhões (Banco Mundial, 2005).

GRAFICO II.5: Preços Médios Esperados (2008-2012)

fonte: La Rovere e Poppe, 2004, slide 29.

GRÁFICO II.6: Valor Total do Mercado por Ano

(em US$ milhões)

fonte: Banco Mundial, 2005, p.29.

32

CAPÍTULO III – PROJETOS FLORESTAIS Nesse capítulo, mostrar-se-á como a questão florestal se insere nas normas do

Protocolo de Quioto e quais são seus principais tipos de projetos. O uso da terra para

seqüestrar carbono da atmosfera foi um tema muito importante para os acordos que

permitiram o estabelecimento das regras de Quioto, sendo o centro de grandes divergências.

Inicialmente, tratar-se-á do desenvolvimento desses projetos florestais ligados ao seqüestro de

carbono através de um breve histórico.

III. 1 – Quioto e a questão do uso da terra: histórico e normas

Se o acordo quanto aos limites e reduções impostas às emissões pelo Protocolo de

Quioto foi resultado de um difícil debate entre os países, o uso da terra para seqüestro de

carbono do ar mostrou-se um assunto ainda mais polêmico. De um lado os países europeus,

que num primeiro instante rejeitaram a proposta de seqüestro de carbono por considerar mais

importante a redução das emissões como instrumento de minimização dos efeitos do

aquecimento global. Do outro, países como Estados Unidos, Canadá e Japão, que pelos

elevados custos de mitigação das suas emissões, apoiaram a criação de mais mecanismos de

flexibilização das metas.

A idéia de compensar o aumento da concentração de dióxido de carbono no ar através

de projetos de florestamento apareceu pela primeira vez ainda no final da década de 1970

No início, os projetos de seqüestro de carbono não estavam orientados para a venda de

carbono para o mercado como agora. Na década de 1980, muito anterior a qualquer restrição

ou limite para a emissão de gases de efeito estufa, a empresa de eletricidade americana AES

investiu dois milhões de dólares num projeto agro florestal na Guatemala, gerenciado pela

Ong CARE. O projeto original visava plantar 51 milhões de árvores ao longo de dez anos,

numa área de 186.000 ha. Inicialmente, projetava-se um seqüestro adicional de carbono da

ordem de 16 milhões de toneladas de carbono. Porém, depois de uma revisão no ano de 1994,

chegou-se à conclusão de que a absorção, no máximo, havia alcançado a cifra de 10 milhões

de toneladas de carbono. O objetivo da companhia com o projeto era diminuir as emissões

líquidas de suas operações, que pela quantidade de termoelétricas, nos Estados Unidos, era

muito alta. A AES aplicou também mais 5 milhões de dólares em dois outros projetos na

América do Sul (Moura Costa e Stuart, 1999).

33

Para compensar as emissões de sua termoelétrica em Oahu, Havaí, a AES financiou

parcialmente (US$ 2 milhões) o estabelecimento de uma área de conservação no Paraguai.

Com a conservação de 58.000 ha. de floresta estima-se que a empresa pagou US$0,33/ton. de

carbono não emitido pela destruição da floresta. Por último, a AES, em conjunto com a Ong

Oxfam, investiu US$ 3 milhões ajudando comunidades indígenas da região amazônica do

Peru, Bolívia e Equador a conseguirem o título de suas terras. O projeto alega ter salvado 1.5

milhões de hectares de floresta, a um custo de US$0,20/ton de carbono não emitido (Moura

Costa e Stuart, 1999).

Nenhum dos projetos da AES passou por monitoramentos governamentais ou de

terceiros. A empresa também não demonstrou interesse de registrar essas emissões para futura

venda ou uso dos créditos gerados. Seu interesse era mostrar boas práticas corporativas aos

seus consumidores e investidores, que começavam a despertar para uma consciência mais

ecológica.

Seguindo os passos da AES, o consórcio de empresas holandesas SEP (também do

setor de energia) criou uma fundação com a responsabilidade de financiar projetos de

seqüestro de carbono através de reflorestamento e florestamento. A SEP tinha o interesse de

construir uma nova termoelétrica na Holanda com emissões líquidas igual a zero. Um

orçamento de US$180 milhões de dólares, a ser usado ao longo de muitos anos, foi alocado

para tal fundação. Seu primeiro projeto foi o reflorestamento de floresta tropical, na Malásia.

“Essas iniciativas ilustram as primeiras transações para mitigação das emissões de gás

carbônico. Elas eram voluntárias em natureza, já que não havia legislação nacional ou

internacional obrigando esses poluidores a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa”

(Moura Costa e Stuart, 1999, p.4).

Com a Convenção de Mudanças Climáticas, aprovada em 1992, foi acertado entre os

países do Anexo I uma redução voluntária dos níveis de emissão de carbono. Inserida nesse

contexto, estava a proposta norueguesa de Implementação Conjunta, atividades entre países

para promover o seqüestro de carbono da atmosfera. A SEP, que havia iniciado suas operação

de seqüestro de carbono antes da decisão da Convenção, continuou expandindo suas

operações, desenvolvendo mais quatro projetos no mundo.

“Esses envolviam: reflorestamento de áreas de pasto degradadas no Equador (1992); reabilitação de um parque florestal na República Tcheca, degradado por chuvas acida (1992); florestamento urbano na Holanda (1993); reabilitação de uma floresta tropical em Uganda (1994)” (Moura Costa e Stuart, 1999). Outros projetos florestais incluíam o CARFIX, na Costa Rica, (...) desenvolvido parcialmente com financiamento do USAID e de investidores noruegueses, e o Rio Bravo Conservation and Management Area Carbon Sequestration Pilot Project, que combinava aquisição de terras e programas de manejo

34

florestal sustentável para a mitigação das emissões de carbono, financiada por várias indústrias elétricas americanas ".

(Moura Costa e Stuart, 1999, p.4)

Diferentemente do caso da AES anos antes, os novos projetos de seqüestro de carbono

eram financiados por investidores interessados nos possíveis créditos de emissão que

poderiam conseguir. No modelo pós-Convenção de 1992, as empresas pagavam pelo carbono

o preço correspondente aos custos marginais de mitigação de cada projeto, contabilizado em

livro aberto a consultas. Ainda faltava muito para o crédito de carbono ser considerados uma

commodity, já que aos compradores era requerido investir no processo de produção, e

engajar-se do início ao fim do processo.

Durante esse período, que vai de 1992 (assinatura da Convenção) a 1995 (COP-1),

houve dez novos projetos, com investimentos de US$50 milhões a cada ano. O preço médio

pago pelo carbono seqüestrado foi de US$1,97/ ton. C, quase dez vezes mais que no período

anterior (lembrando que a AES chegou a pagar US$0,20/ ton. C, num projeto) (Moura Costa e

Stuart, 1999).

Os anos que se seguiram à primeira reunião da COP, porém, foram de incertezas

quanto ao avanço do debate sobre o controle da emissão de gases de efeito estufa. Falta de

consenso entre europeus e americanos, entre países ricos e em desenvolvimento atrasaram a

aprovação de um tratado internacional. Temos que lembrar que o Protocolo de Quioto só foi

aceito na terceira reunião da COP, já em dezembro de 1997.

Os países em desenvolvimento argumentavam que se os preços dos certificados

fossem sempre iguais aos custos marginais de cada projeto, não sobraria nenhuma renda extra

para os produtores. Dessa forma, não haveria nenhum incentivo para o desenvolvimento de

projetos independentes de seqüestro de carbono. O ponto culminante dessa insatisfação dos

países em desenvolvimento ocorreu durante a COP-1, quando eles rejeitaram o IC como

instrumento de mitigação.

Por conta dessas incertezas, somente três novos projetos foram realizados entre 1995 e

1996, com orçamento anual médio de US$ 6 milhões (bem abaixo dos US$ 50 milhões

anteriores). A disposição a pagar por créditos de carbono também caiu para uma média de

US$ 0,59/ ton. C (Moura Costa e Stuart, 1999).

Finalmente, no ano de 1996, durante a segunda reunião da COP (COP-2), em

Genebra, foi determinado que cotas de redução deveriam ser criadas já na COP-3, no ano

seguinte. Nesse cenário, a companhia suíça Société Générale de Surveillance foi a primeira a

oferecer o serviço de verificação independente de projetos de redução de carbono. Em

seguida, outras empresas de auditoria consideraram oferecer um serviço similar.

35

Em 1997, quatro novos projetos florestais, relacionados com o seqüestro de carbono,

foram implementados, incluindo dois grandes projetos na Costa Rica, o Projeto de Áreas

Protegidas e o Projeto Florestal Privado, além de um projeto de preservação de 13.000 ha. no

México, financiado pela Associação Internacional do Automóvel. “Enquanto o nível de

investimentos permaneceu baixo (na casa de US$4,5 milhões), o preço pago pelo carbono

aumentou consideravelmente, chegando a US$12/ton. C” (Moura Costa e Stuart, 1999, p.7).

TABELA III.1: Evolução dos Projetos Florestais

(até julho de 1998)

antes de 1992 1992-19951995-1996 1997 Jan-Jul 1998Número de novos projetos anuais 0,5 3,3 1,5 4 14Área de novos projetos (ha/ano) 93.000 628.467 501.740 893.000 2.002.082Investimentos (US$ milhões/ ano) 1 49,25 6,05 4,48 347Preço do Carbono (US$ / ton. C) 0,19 1,97 0,59 11,07 >12

fonte: Moura Costa e Stuart, 1999, tabela 2, p.11.

Ao final de 1997, com a aprovação do Protocolo de Quioto, foi necessário aos países

signatários criar regras claras quanto à geração e comercialização de certificados de emissão.

Foi necessário tornar oficial um mercado que já existia sem regulamentação, e por iniciativa

do setor privado. Naquele momento, os países do Anexo I teriam cotas a cumprir e isto

provocou um aumento no interesse, de modo geral, por projetos de redução de emissões e,

particularmente, por projetos florestais.

O artigo 3(3) do Protocolo de Quioto permite aos países do Anexo I utilizar emissões

líquidas, sendo possível seqüestrar carbono do ar através de projetos de uso da terra. Créditos

gerados a partir de 1990 também poderão ser usados para alcançar as metas de 2008-2012.

Dessa forma, os países podem “poupar” certificados de emissão durante o período anterior a

2008. Também se estabeleceu que atividades de seqüestro de carbono do ar deveriam ser

reportadas de forma transparente e verificável pelas partes.

Pelo mesmo artigo 3(3), ficou limitado o uso da terra em projetos de reflorestamento,

florestamento e conservação. Porém, o artigo 3(4) levantou uma dúvida, já que adotou o

critério da adicionalidade nos projetos. Adicionalidade significa que a contabilização de

carbono seqüestrado para certificação será somente a diferença entre o carbono seqüestrado

com o projeto e sem o projeto. Para isso tornou-se necessário definir uma linha de base, que

indicasse quanto de carbono seria captado na área sem a execução do projeto. No caso de

projetos de conservação é clara a falta de adicionalidade na captação de carbono. Projetos de

conservação previnem que o carbono acumulado na floresta escape para atmosfera através da

36

queima, mas não aumentam a capacidade da floresta em seqüestrar carbono. Essa dubiedade

só foi resolvida durante a COP-7, no Marrocos em 2001, quando foi definitivamente

estipulado que somente projetos de reflorestamento, florestamento seriam aceitos no âmbito

do MDL.

O Plano de Ação de Buenos Aires foi formulado através de um acordo político

alcançado no quarto encontro da COP (COP-4), em 1998. Esse Plano forçou os países a

demonstrar avanços substanciais em vários temas, incluindo mecanismos de flexibilização. A

Decisão 7/CP.4 fornece recomendações para modalidades e procedimentos de MDL,

principalmente nas questões de verificação e contabilidade das emissões comercializadas. A

Decisão 9/CP.4 é dedicada especificamente para a questão de uso da terra. Nela é reforçado o

artigo 3(3) do Protocolo, definindo como "emissões líquidas" as metas a serem cumpridas,

permitindo projetos de reflorestamento, florestamento e conservação. Foi também

recomendada uma definição mais clara do tipo de projetos de uso da terra que poderiam ser

definidos como válidos pelo Protocolo. Essa decisão abriu os debates e acordos finais antes

da ratificação do Protocolo.

As intensas divergências, principalmente entre os Estados Unidos e a União Européia,

nas questões de seqüestro de carbono e comercialização de certificados acabaram levando ao

fracasso a primeira rodada da COP-6, em Haia, no ano 2000. As negociações tiveram que

prosseguir em Bonn, seis meses depois, onde vários acordos sobre a questão do uso da terra

foram alcançados. Essencialmente, foi acrescido o uso de seqüestro de carbono atmosférico

por Japão, Rússia, Austrália e Canadá (inclusive quantidades carbono em projetos de

conservação florestal). Porém, com relação aos projetos de MDL, foi rejeitada a proposta de

permitir que toda a quantidade de seqüestro (incluindo conservação) permitido pudesse vir de

projetos em países em desenvolvimento. A Decisão 5/CP.6 limitou a projetos de

reflorestamento e florestamento as atividades de seqüestro de carbono no MDL. Ficou

decidido entre as partes que o papel futuro do uso da terra nos projetos de MDL seria

resolvido nas negociações sobre o segundo período de compromissos (pós-2012).

O encontro em Bonn serviu para definir alguns tipos de uso da terra que não poderiam

gerar certificados de emissão (incluindo manejo florestal, e manejo sustentável em

plantações). Porém, a decisão de desenvolver definições e modalidades para incluir projetos

de uso da terra no âmbito do MDL foi postergada para a COP-7. Houve, contudo, acordos

sobre assuntos técnicos importantes como: linha de base, adicionalidade, projetos de pequena

escala, e participação pública no MDL. Foi criado também o Comitê Executivo do MDL,

responsável pela aprovação, regulação e verificação dos projetos de MDL (Bettelheim, 2002).

37

Outra decisão relevante tomada em Bonn foi obrigar os projetos de uso da terra a

contribuir para a sustentabilidade ambiental e para a biodiversidade da região onde fossem

realizados (Decisão 5/CP.6 AnexoVII(1)(e)).

Apesar dos inúmeros avanços, um número de questões permaneceu sem solução e as

Partes postergaram decisões importantes à cerca dos mecanismos de flexibilização para o

encontro seguinte (COP-7):

a) Princípios, natureza e escopo;

b) Guia para a realização da Implementação Conjunta;

c) Modalidades e procedimentos para MDL.

De acordo com o esperado, a sétima COP, no Marrocos, tornou-se um debate quase

que exclusivo sobre os mecanismos de flexibilização e o uso da terra. Princípios, natureza e

escopo dos mecanismos foram definidos na Decisão 15/CP.7. Nela, a COP estabelece que o

uso dos mecanismos de flexibilização deve ser suplementar às ações domesticas, e essas

ações domésticas devem constituir a maior parte do esforço dos países do Anexo I em

alcançar suas metas de emissão.

Na COP-7, designou-se a COP como tendo autoridade sobre e sendo autorizado a

prover orientação ao Comitê Executivo do MDL. Não foi permitido aos projetos de MDL a

autovalidação, como no caso da Implementação Conjunta. À Direção Executiva do MDL foi

delegada a tarefa de aprovar todos os projetos de MDL, de acordo com critérios detalhados, e

desenvolver regras para tais aprovações, consistentes com a orientação dada pela COP-7

(Bettelheim, 2002).

Uma decisão muito importante tomada na COP-7 foi limitar em 5% a adição na

quantidade da cota de cada país com a aquisição de créditos de carbono provenientes de

projetos de uso da terra (COP-7, Draft Decision/CMP.1). Não ficou claro quanto desse total

podem vir de projetos de MDL. Como dito anteriormente, foi também na COP-7 que se

restringiu o uso da terra, para projetos em MDL, a florestamento e reflorestamento. De certa

forma, as incertezas nas normas dos projetos florestais acabaram deprimindo o valor dos

créditos de carbono gerados nesses projetos.

As reuniões seguintes da COP (COP-8 e COP-9) serviram para aprofundar as

metodologias e desenhos de projetos de MDL. Especialmente, a Decisão 19/COP-9, acordada

em 2004, definiu aspectos relevantes para os projetos florestais, entre os quais: não-

permanência, adicionalidade, vazamentos (fuga) de carbono, incertezas e impactos

socioeconômicos e ambientais relacionados com projetos de MDL. Reinterou-se também a

decisão de somente considerar projetos de manejo e conservação nas negociações do segundo

período de compromissos.

38

Porém, os excessos de validações e outros requerimentos, somente para projetos de

MDL, provocaram uma desvantagem para esses projetos em relação aos outros mecanismos

de flexibilização, somente entre nações do Anexo I (Bettelheim, 2002), que também se

refletiu em preços mais baixos no caso do MDL.

Depois da pressão de países em desenvolvimento, foi resolvido na décima reunião da

COP (COP-10), em Buenos Aires, no ano de 2004, a inclusão de regras diferentes para

projetos de MDL de pequena escala (reflorestamento e florestamento). Essas novas regras

tiveram o intuito de facilitar os processos de validação e monitoramento, diminuindo os

custos de implementação dos projetos. Foi definido como projeto de pequena escala em

reflorestamento e florestamento casos em que o seqüestro líquido médio de carbono não

exceda 8000 ton. C ao ano (Decisão 1/CP.10(b)). As Decisões 2 (a), (b) e (c) permitem o uso

de uma metodologia simplificada tanto para a definição da linha de base quanto para

monitoramento da captação de carbono e para o cálculo do vazamento de carbono.

A COP também convidou agências multilaterais, Ongs e organizações

intergovernamentais a formular e desenvolver programas de suporte que permitissem as

comunidades mais carentes desenvolver projetos agroflorestais e de regeneração de áreas

degradadas. Além disso, pediu-se a esses organismos que organizassem workshops, para

facilitar o desenvolvimento e implementação de projetos de reflorestamento através do MDL.

No apêndice C da COP-10, permitiu-se reunir vários pequenos projetos de pequena

escala para vendê-lo a um só investidor, reduzindo custos no desenho, na escolha de

metodologias e outras normas exigidas. Contudo, foi vetada a possibilidade de “quebrar” um

projeto de grande proporção em pequenos projetos, para utilizarem as facilidades da pequena

escala.

A falta de mais regulamentações pela COP, porém, ainda impede uma quantidade

maior de projetos de pequena escala no universo do MDL, pois as incertezas acabam

afastando os investidores.

Apesar da longa luta política para incluir projetos de reflorestamento nas

possibilidades do MDL, e mesmo com o grande número de empecilhos gerados pelos custos

de registro, validação e monitoramento, o Protocolo de Quioto tem o potencial de permitir aos

países em desenvolvimento reflorestar algumas áreas de extrema importância social e

ambiental. Áreas degradadas, ou de risco de erosão, habitat de animais em extinção, matas

ciliares de bacias hidrográficas podem ser reabilitadas através de projetos de seqüestro de

carbono. Além dos ganhos não contabilizáveis, o Protocolo de Quioto pode conceder os

incentivos financeiros necessários para tirar esses projetos do papel, sendo uma fonte extra de

receita.

39

Segundo um estudo divulgado pelo MCT (La Rovere e Poppe, 2004), as atividades

florestais no Brasil têm um potencial total, contando somente as iniciativas já em andamento,

de 2,92 milhões de ton. C por ano, com receitas avaliadas em US$5,4 milhões.

No mesmo estudo, foi divulgado o potencial teórico de projetos na área florestal

ligados ao mercado de carbono no Brasil. Estimou-se em 1,67 milhões de hectares ao ano a

área com possibilidades de florestamento ou reflorestamento, somando um total de 50

milhões de hectares nos trinta primeiros anos. Já a captação de carbono é da ordem de 47,7

milhões de toneladas de carbono por ano, gerando um receita entre US$47,7 e US$242,5

milhões também por ano. A incerteza quanto ao valor da receita tem origem nas dificuldades

de estabelecer o preço do carbono no mercado, variando por diferentes razões como demanda

por diferentes mercados, riscos do projeto, entre outros.

TABELA III.2: Projetos Florestais em Andamento no Brasil

PROJETOS ton. de C evitado/ano US$/ano

Projetos na Bolsa de Chicago

(CCX)

2 milhões 2 milhões

Projeto Plantar 214 mil 750 mil

Projeto V&M 714 mil 2,65 milhões

TOTAL 2,92 milhões 5,4 milhões

fonte: La Rovere e Poppe, 2004, slide 40.

TABELA III.3: Potencial Teórico da Área Florestal no Brasil

PROJETOS

FLORESTAIS

Área Potencial

(ha.)/ano

ton. de C

evitado/ ano

US$/ano Receita/ha.

Projeto Floram

(20 milhões de ha.)

670.000 19,09

milhões

19,09 a 95,47

milhões

Potencial teórico

(30 milhões de ha.)

1,0

milhão

28,6

milhões

28,6 a 143

milhões

TOTAL 1,67

milhões

47,7

milhões

47,7 a 242,5

milhões

US$5 a US$240/ha

dependendo do tipo

de espécie plantada e

do valor dos

certificados no

mercado.

fonte: La Rovere e Poppe, 2004, slide 43.

40

III.2 – Projetos de MDL no setor florestal: elaboração e exemplos

Os projetos florestais desenvolvidos no Brasil que visam vender créditos de carbono

devem seguir certas especificações como qualquer projeto sob o Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo. Todos os projetos de MDL (independente da área) passam por um

processo parecido de elaboração, que inclui um ciclo com registros, verificações e

monitoramentos antes da emissão dos certificados (RCE). Para muitos, o excesso de

procedimentos necessários para a geração de certificados de emissão nos projetos de MDL

provoca um aumento no risco desses projetos, diminuindo o preço obtido por tonelada de

carbono e, dessa forma, não incentivando sua oferta.

O Comitê Executivo do MDL desenvolveu um documento, chamado Documento de

Concepção de Projetos (em inglês, PDD), que funciona como um formulário padrão. Nesse

formulário, o proponente deverá descrever detalhadamente informações importantes para a

validação do projeto.

Em primeiro lugar, deve-se descrever o projeto, incluindo seus objetivos e propósitos,

informações sobre a parte técnica do projeto e suas fronteiras. Como o projeto será avaliado

por instituições internacionais, que muitas vezes não estão familiarizadas com a região, é

importante descrever bem as características do seu espaço físico, social e ambiental. Em

alguns casos, deverá ser descrita nessa primeira parte a transferência de tecnologia realizada

no projeto, além de explicar sua importância para a realização dos projetos.

A segunda parte diz respeito à linha de base. Como explicado anteriormente, a linha de

base foi criada para monitorar a adicionalidade dos projetos, requisito estipulado pela COP

aos projetos de MDL. Nessa parte do PDD, é necessário definir a metodologia de cálculo

para a linha de base. Já existem metodologias aprovadas pelo Comitê Executivo do MDL,

mas deve-se explicar a escolha da metodologia, bem como descrever sua forma de aplicação.

Caso não exista uma forma adequada de calcular a linha de base do projeto, deve-se propor

uma nova metodologia que poderá ou não ser aprovada pelo Comitê.

A linha de base é um item muito complicado, pois além de apresentar grande variação

entre um projeto e outro, há problemas quanto às legislações específicas de cada país.

Um exemplo (Fernandez, 2004) seria o caso de um aterro sanitário que queima biogás.

Atualmente, no Brasil, não existe legislação quanto a queima desse gás pelos aterros. Dessa

forma, todo o gás queimado pode ser contabilizado e transformado em certificados, já que não

haveria queima sem o projeto. Porém, uma legislação que obrigue os aterros a queimarem

uma porcentagem de suas emissões reduzirá a validação desses certificados na mesma

41

quantidade. Isso porque mesmo sem o projeto os aterros teriam que queimar essa quantidade

de biogás, não caracterizando uma adicionalidade.

Em seguida, no PDD, pede-se a descrição da metodologia de cálculo das reduções de

emissão (ou seqüestro, no caso florestal) dos gases de efeito estufa. Como no caso anterior, já

existem metodologias aprovadas pelo Comitê Executivo, e seus usos devem ser explicados.

Também, deve-se fazer uma estimação do volume da redução (seqüestro) a partir da aplicação

da formula proposta na metodologia. Essas estimativas são preliminares já que os certificados

de emissão serão concedidos com base nos monitoramentos das atividades do projeto.

O próximo passo é definir o período de atividade do projeto, escolhendo a data de

início das atividades, início do período de creditação e tempo de duração do período de

creditação. Existem duas possibilidades quanto ao tempo de creditação: um período único de

30 anos ou um período de 20 anos, prorrogáveis por mais 20, totalizando 40 anos. Também é

necessário descrever como as emissões antropogênicas dos gases de efeito estufa foram

reduzidas abaixo do que teria acontecido sem o projeto.

Como foi estipulado pela COP que os projetos de MDL devem contribuir para um

desenvolvimento sustentável, foi incluída no PDD uma análise dos impactos ambientais

(inclusive em áreas fora do limite do projeto), pedidos de informação quanto às fontes de

financiamento e comentários de grupos interessados (stakeholders) sobre os possíveis

impactos do projeto.

Por último, deve-se elaborar um plano de monitoramento, “onde deverá haver as

diretrizes para o processo de recolhimento dos dados utilizados para o calculo das reduções de

emissões efetivas de um projeto de MDL” (Fernandez, 2004). O plano deve conter as

seguintes informações: forma de coleta e arquivamento de todos os dados relevantes para

estimar as emissões; a coleta e arquivamento dos dados relevantes; a estimação da linha de

base; identificação de todas as potenciais fontes de emissão de gases de efeito estufa cujo

aumento pode ser provocado pela implementação do projeto; sistema de garantia e controle de

qualidade do processo de monitoramento; e procedimentos para cálculo periódico da redução

de emissões e possíveis “vazamentos”.

Uma vez concluído o PDD, o proponente deve selecionar e contratar uma instituição

credenciada para validar o projeto. Esta instituição deverá rever toda a documentação do

projeto e avaliar se este está apto a registrar-se junto ao Comitê Executivo do MDL. Ao final

do processo de validação, o relatório deverá se tornar público. Uma proposta de projeto

recusada poderá ser reapresentada após a incorporação de mudanças sugeridas. Para

finalmente conseguir a emissão dos certificados (RCE), o projeto ainda tem que passar por

42

verificações periódicas e certificação junto ao Conselho Executivo, ambas realizadas por

instituições designadas.

“A verificação é um processo periódico de revisão independente, para determinação ex-post da efetiva redução das emissões de gases de efeito estufa A certificação é uma garantia por escrito, fornecida pela instituição operacional, que assegura que foram constatadas reduções de gases de efeito estufa para a atividade de projeto, durante o período de tempo especificado”

(Fernandez, 2004,p.33).

FIGURA III.1: Processo de Certificação no MDL

fonte: BVRJ, 2005.

O MDL pode oferecer aos países em desenvolvimento uma grande oportunidade, pois

atrai investimentos para projetos de sustentabilidade econômica. Os principais projetos estão

nas áreas de energia renováveis, transportes, processamento de lixo e na área florestal, sendo

esta última o alvo de análise deste trabalho.

Segundo especialistas, existem 126 milhões de hectares de campos e pastos de baixa

produtividade no mundo. Ao converter parte dessas terras em projetos agro-florestais, ou

mesmo em florestas, estima-se uma captação entre 5 e 60 ton. C/hectare/ano (Future Harvest,

2002). Outro dado interessante é que as áreas tropicais concentram 80% do potencial para

carbono seqüestrado e do carbono mantido nas florestas ainda de pé (Gillespie, 1999).

43

É importante lembrar que somente áreas que não tinham florestas antes de 1990

podem ser utilizadas para gerar créditos de carbono pelo Protocolo de Quioto. Dessa forma,

excluiu-se a possibilidade de “premiar” os desmatamentos mais recentes.

No ano de 2003, A organização não-governamental Forest Trends, situada em

Washington D.C., divulgou um relatório que indicava o uso do MDL para projetos ligados à

redução da pobreza no campo e à preservação da biodiversidade. O relatório lista as

contribuições que projetos de florestamento e reflorestamento podem dar a essa causa.

Primeiramente, projetos desse tipo tendem a reabilitar áreas degradadas e com pouca

produtividade, possibilitando tanto um aumento da renda retirada da terra, quanto dos padrões

de sustentabilidade da atividade.

Outra função importante é restabelecer a qualidade de serviços ligados à floresta e

antes abundantes, como fontes de água limpa, madeira (energia) e uma menor erosão do solo.

Esse tipo de projeto também ajuda na preservação da biodiversidade local, pois a floresta é o

principal habitat dos animais dessas regiões.

Como riscos potenciais, o relatório descreve os seguintes cenários: perda da posse ou

do direito de uso da terra pelas comunidades locais (lugares onde os títulos da terra são mais

informais são aqueles em que entidades poderosas podem tentar reivindicar o direito a

propriedade para receber os pagamentos pelo carbono seqüestrado – caso da Amazônia);

perda de emprego pelos trabalhadores rurais uma vez que a lavoura será substituída por

reflorestamento; ameaça a biodiversidade, caso o projeto se realize numa área onde nunca

houve florestas, ou caso se escolha espécies exóticas para os projetos.

Para a Forest Trends, quatro tipos de projetos devem dominar o cenário do MDL

florestal. Projetos de pequena escala para a plantação de florestas, e para fornecimento de

sementes de espécies ameaçadas, podem ajudar pequenos proprietários de terra, situados em

regiões de grande importância ecológica.

Projetos que visam restaurar e regenerar o ecossistema florestal presente, através de

reflorestamento com espécies nativas e o estabelecimento de corredores ecológicos para

garantir a biodiversidade, serão de grande importância pelo potencial ganho social. Há

também projetos agro-florestais onde são plantadas árvores entorno de plantações, pastos e

áreas subtilizadas nas fazendas. Por último, projetos que visam restaurar terras degradadas

durante anos de manejo equivocado também devem figurar entre os projetos florestais.

Como exemplo de projetos que não são elegíveis para a criar certificados de carbono

no MDL (RCE) podemos citar:

a) Projetos de conservação que impeçam o desmatamento.

b) Projetos de controle do fogo florestal.

44

c) Projetos de manejo florestal sustentável, que reduzem os impactos da derrubada e

do mau armazenamento da madeira na emissão de gases do efeito estufa.

d) Projetos agrários de seqüestro de carbono no solo (adoção de técnicas de

agricultura que aumentam a quantidade de material orgânico no solo).

A partir dessa página, até o fim da seção, serão descritos projetos florestais envolvidos

com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, tanto no Brasil quanto em outros países em

desenvolvimento. Eles serão divididos em duas categorias: projetos que utilizam espécies

nativas e projetos que utilizam espécies exóticas. Alguns projetos apresentam o uso de

espécies de ambos os tipos. Assim sendo, projetos mistos estarão na categoria EXÓTICAS.

EXÓTICAS

● Projeto PROFAFOR no Equador:

Nas terras altas dos Andes equatoriano, o projeto PROFAFOR ajudou comunidades a

estabelecer 23 mil hectares de plantação de pinheiros, eucaliptos e de espécies locais em

terras comuns (commons) e em pequenas propriedades. As árvores foram plantadas em locais

específicos de forma a conter a erosão do solo. O seqüestro de carbono foi estimado em 2,49

milhões de ton. C enquanto o projeto estiver em atividade. Além disso, o projeto criou 600

mil dias de trabalho para a comunidade e ajudou na capacitação de profissionais em

enfermagem e no manejo das plantações (Forest Trends, 2003).

● Projeto agro-florestal no México (Projeto Scolel-Té):

No estado mais pobre do México, Chiapas, pequenos proprietários de terra decidiram

converter suas lavouras em agro-florestas, combinando produtos agrícolas com árvores.

Compradores interessados em reduzir a emissão líquida de gases de efeito estufa de suas

operações, como a Federação Internacional do Automóvel, compraram então os créditos de

carbono gerados pelo fundo local, chamado Fondo BioClimático. Cerca de 17 mil ton. C

foram vendidas ao preço de US$10 a US$12/ ton. C. O Fondo BioClimático apóia projetos

como o estabelecimento de cercas vivas, o crescimento de café entre as sombras das árvores e

o uso de reflorestamento em áreas degradas. Todas essas atividades têm gerado uma nova

renda para os agricultores capaz de cobrir seus gastos com a implementação do projeto, além

de garantir uma sobra utilizada para melhorar suas casas e comprar remédios (Forest Trends,

2003).

● Projeto Plantar em Minas Gerais:

No estado de Minas Gerais (Curvelo, Itacambira e Sete Lagoas), inicialmente, o

projeto tinha como proposta evitar a emissão de 2.1 milhões de ton. C pela queima de carvão

mineral. Para tal, seria usado carvão de origem vegetal extraído de uma plantação de

45

eucaliptos estabelecida pelo projeto. Com o seqüestro de carbono pelo eucalipto, seriam

criados mais 950 mil ton. C em créditos de carbono durante os 21 anos do projeto. O total de

créditos gerados estava sendo negociado por cerca de US$ 13,6 milhões. Porém, o projeto

Plantar deverá vender para o fundo do Banco Mundial apenas os créditos oriundos da

substituição de carvão mineral por carvão vegetal (Fernandez, 2004).

● Plantação de Teca no Mato Grosso:

Com o plantio de 3 mil hectares de teca no Mato Grosso, espera-se que haja seqüestro

de 178 mil ton. C num período de 30 anos. Nesse projeto, o valor presente líquido seria US$2

milhões, com uma taxa de desconto de 15% ao ano (Fernandez, 2004).

● Plantação de Seringueira no Mato Grosso:

O projeto consiste na plantação de mil hectares de Hevea brasiliensis. Estima-se que

em rotação perpétua o projeto venha a seqüestrar 239 mil ton. C. Porém, se considerarmos a

vida útil de 35 anos para o projeto, seriam seqüestradas 107 mil ton. C. O valor presente

líquido do projeto, somente para a venda de créditos RCE, é de US$1,1 milhões,

considerando uma taxa de desconto de 15% ao ano (Fernadez, 2004).

NATIVAS

● Restaurando as floresta de Shinyang na Tanzânia:

Nas regiões de Shinyanga e Mwanza (Tanzânia), as secas freqüentes, o pastoreio

descontrolado e o uso excessivo da terra na agricultura levaram a uma rápida queda da

produtividade da terra e na produção de alimentos. Os Sukumas, um povo agro-pastoril nativo

da região, está utilizando um método local para restaurar as florestas degradadas. O método

promove a regeneração natural da vegetação através conservação das encostas dos morros e

do controle do pastoreio, impedindo os animais de pastarem em áreas de recuperação

florestal. No final, 70 mil hectares de floresta foram restaurados na região. Isso permitiu uma

abundância de matérias-primas e de fonte de energia (melhorando a qualidade material de

vida) ao mesmo tempo em que preservou a diversidade de espécies e conteve a erosão do

solo, aumentando a produtividade da agricultura (Forest Trends, 2003).

● Restaurando mangues no Vietnã:

No Vietnã, os ciclones têm causando grande destruição nas comunidades vulneráveis

da costa. Por atuar como uma zona intermediaria entre terra e mar, os mangues protegem a

população costeira dessas tempestades, prevenindo erosões. Desde de 1994, a Cruz Vermelha

tem trabalhado com as comunidades locais para plantar e proteger cerca de 12 mil hectares de

mangues no nordeste vietnamita. Aproximadamente 7.750 famílias foram protegidas pelos

46

mangues e melhoraram seus padrões de vida vendendo caranguejo, camarão e moluscos que

habitam os mangues (Forest Trends, 2003).

● Projeto Peugeot no Mato Grosso:

A empresa automotiva francesa investiu US$15 milhões num projeto de recuperação

florestal, em Jurema, no Mato Grosso, visando o seqüestro de 183 mil ton. C por ano. Para

isso foi reflorestada uma área de 12 mil hectares Para tanto serão plantadas cerca de 10

milhões de árvores (Fernandez, 2004).

● Projeto da CSW-Utilities no Paraná:

Na cidade de Guaraqueçaba, Paraná, a empresa CSW investiu US$5,4 milhões na

conservação e preservação de 7 mil hectares de mata atlântica. Participam dessa iniciativa

The Nature Conservancy e a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem. Na área foi

estabelecido um projeto experimental para testar metodologias de mensuração dos gases de

efeito estufa na Mata Atlântica, sendo o primeiro do gênero (Fernandez, 2004). Como se trata

de conservação florestal, este projeto não está apto a gerar créditos de carbono válidos para

Quioto.

● Projeto da AES-Barry no Tocantins:

O projeto, realizado na Ilha do Bananal, será desenvolvido num período de 25 anos.

As estimativas de seqüestro e garantia da preservação de estoque de carbono totalizam os

seguintes números: 21 milhões de ton. C através da preservação de 200 mil hectares,

incluindo florestas de terra firme e florestas alagadas; 3,9 milhões de ton. C, através da

regeneração de áreas de florestas e cerrado; e 210 mil ton. C, através da implementação de

sistemas agro-florestais (Fernandez, 2004). Como no caso anterior, este projeto também não

está apto a gerar créditos válidos para Quioto.

● Manejo de Babaçuais em Carajás:

O Instituto Pró-Natura é responsável por um projeto de manejo e enriquecimento de

florestas nativas da palmeira de babaçu para aumentar a biomassa e a produtividade do coco.

O projeto prevê o seqüestro de 175 mil ton. C por ano, além de substituir o uso de carvão

mineral por vegetal compensando a emissão de 64 mil ton. C por ano. Estimando um preço

médio de US$5,00 por RCE, calculou-se uma taxa interna de retorno de 15,8% ao ano

(Fernandez, 2004).

● Projeto Corumbataí em São Paulo:

Esse projeto prevê a utilização do MDL como uma fonte de recursos para a

recuperação dos fragmentos florestais e reflorestamento de áreas degradadas. Propõe-se a

recuperação da mata ciliar na Bacia do Corumbataí, abrangendo uma área total de 28.750

hectares, com o potencial de seqüestro de 1.838.000 ton. C (Fernandez,2004).

47

CAPÍTULO IV – CRÍTICAS AO PROTOCOLO DE QUIOTO

Como dito anteriormente, o Protocolo de Quioto foi fruto de uma negociação política

entre os países signatários da Convenção de Mudanças Climáticas. Por isso, longe de ser um

tratado definitivo, uma solução total para o problema do aquecimento global, o Protocolo é

um acordo de concessões possíveis, levando em conta o imenso impacto socioeconômico

implícito na sua implementação.

Para alguns países do Anexo I (principalmente os grandes poluidores), os custos de

reduzir de suas emissões ou de comprar certificados de emissão já serão enormes, mesmo

com as metas de Quioto bem abaixo do que seria realmente necessário para reduzir

substancialmente a contribuição do homem no aquecimento global. Mudanças nas vantagens

comparativas das nações, mudanças na estrutura do comércio internacional, instabilidade

financeira, todos esses temas precisaram ser levados em conta na hora de estabelecer o pacto.

Mesmo considerando que o Protocolo de Quioto foi o único acordo possível,

listaremos algumas das principais críticas feitas a ele (e seus mecanismos) por ambientalistas,

países desenvolvidos, países em desenvolvimento e juristas internacionais. Os dados e

projeções que serão citados a seguir vêm de um relatório do Greenpeace de 1998, intitulado

Greenpeace Analysis of the Kyoto Protocol (Greenpeace, 1998).

A principal pergunta feita pelos ambientalistas é: o Protocolo de Quioto consegue

realmente reduzir o impacto humano sobre as mudanças climáticas do planeta? A resposta é

não. Uma redução de 5,2% nas emissões de gases de efeito estufa não será suficiente para

alterar os impactos sobre o clima. Alguns cientistas calculam que a redução necessária para

está na casa de 60% das emissões provocadas pelo homem (Greenpeace, 1998). A pergunta

seguinte seria então: o Protocolo de Quioto garante uma redução das emissões líquidas (em

relação a 1990) e, caso afirmativo, essa redução seria adicional ou aconteceria mesmo sem o

Protocolo?

A primeira crítica é direcionada à definição do ano base de emissões de cada país,

requerida no artigo 3(7), para cada gás de efeito estufa. Como existe a opção de escolha entre

os anos de 1990 e 1995 para alguns gases, os países certamente escolherão o ano com maior

quantidade de emissões. Além disso, o artigo 4(6) permite mudanças no ano base mediante

pedido a COP, como foi feito com países do leste europeu. Essa flexibilização acaba minando

o objetivo primário do Protocolo que é diminuir as emissões em 5,2% com relação a 1990.

48

Outro grande problema na definição da base de emissões dos países é que algumas

classes de emissão não são contabilizadas. A queima de combustíveis usados na aviação

internacional e no transporte marítimo, por exemplo, não será computada na meta de país

algum. As atividades ligadas ao uso da terra também só deverão ser contabilizadas caso

o efeito líquido seja negativo, isto é, mais emissão que seqüestro. Dessa forma a base de

emissão só pode aumentar, possibilitando aos países uma maior emissão presente e futura.

A segunda crítica feita pelos ambientalistas diz respeito aos mecanismos de

flexibilização criados pelo Protocolo. Para eles, tanto o artigo 6 (Implementação Conjunta)

quanto o artigo 12 (MDL) criam uma forma de inflar as cotas dos países do Anexo I, uma vez

que o aumento de emissões de um país não corresponde a uma diminuição de emissões nas

cotas dos outros. Outra proposta considerada como um aumento de cotas disfarçado é a

questão do seqüestro de carbono a partir do uso da terra (florestamento e reflorestamento, no

caso do MDL).

Muitos ambientalistas frisam o problema do Ar Quente como exemplo dos incentivos

perversos criados pelo Protocolo. O Ar Quente refere-se a estimativas de emissões menores

que as cotas permitidas pelo Protocolo. Alguns países, notadamente Rússia, Ucrânia e

Austrália, têm cotas superiores às emissões estimadas para 2010 (ano dentro do primeiro

período de compromisso) mesmo sem a implementação do Protocolo de Quioto. Graças aos

mecanismos de flexibilização, esses países já entram como ofertantes de créditos de carbono,

influindo nas metas de mitigação dos outros países, que em vez de preferirem reduzir suas

emissões domésticas vão comprar esses certificados (o preço desse certificado seria inferior

ao custo marginal de mitigação já que seu custo de “produção” é igual a zero).

No caso dos países membros da ex-União Soviética, melhorias nos sistemas de

gasodutos e na eficiência energética de forma geral, proveniente de investimentos que já

ocorreriam mesmo sem Quioto levariam a emissões (em 2010) estimadas entre 15% e 22%

menores que em 1990, segundo a Agencia Internacional de Energia.

O caso australiano é diferente. Uma parte relevante das emissões da Austrália era

conseqüência do avanço das áreas agrícolas sobre florestas, causando desmatamento e

emissões de gás carbônico na atmosfera. Tanto por questões ligadas ao limite da fronteira

agrícola quanto por conscientização da sociedade australiana, as reduções no desmatamento

provocaram uma queda de 31% nas emissões provenientes desse motivo, com relação ao ano

de 1990. As previsões são de que, em 2008, a Austrália já teria reduzindo entre 50% e 75%

das emissões resultantes de desmatamento, mesmo sem o Protocolo.

49

FIGURA IV.1: Esquema do Problema Ar Quente

1990 2010

fonte: Greenpeace, 1998, p.17.

A tabela a seguir tenta quantificar o impacto que as flexibilizações tanto na base de

cálculo quanto nas cotas dos países terão nas emissões de gases de efeito estufa em 2010,

comparando com o objetivo do Protocolo de reduzir 5,2% dessas emissões.

TABELA IV.1: Reduções Líquidas na Emissão de Carbono Emissões (Gton.C) Comparação com 1990

Cotas para o Anexo I 4.60 5,2% menor Cotas + permissão de inclusão de uso da terra

na contabilidade da base de emissões 0,04

SUBTOTAL 4,64 5,1% menor Escolha do ano base com relação a alguns gases

(1990 ou 1995)

0,03

SUBTOTAL 4,67 4,5% menor

Combustível de transporte não contabilizado 0,20 SUBTOTAL 4,87 2,6% menor

Créditos Gerados pelo MDL 0,10 SUBTOTAL 4,97 0,6% menor

Créditos gerados pelo seqüestro de carbono

previsto no artigo 3(3) – Florestamento e

Reflorestamento

0,09

PERMISSÃO TOTAL 5,06 1,1% maior Projeções para seqüestro de carbono através do

Ar Quente : Excesso de permissões

Emissões em 1990

Emissões Permitidas 2010 Emissões projetadas para

2010 sem intervenção

Emissões

50

uso da terra em 2010 -0,29 Florestamento e Reflorestamento não

contabilizado acima

(2010)

-0,05

EMISSÒES TOTAIS NA ATMOSFERA

(2010)

4,72

1,7% maior que as

emissões líquidas

fonte: Greenpeace, 1998, p.21.

GRÁFICO II.7: Projeção das Emissões dos Países do Anexo I

fonte: Greenpeace, 1998, p.23.

Quanto aos projetos de seqüestro de carbono através do uso da terra, especificamente,

existiu inicialmente um embate político entre a Europa e os outros países do Anexo I. Para os

países europeus, os projetos relacionados ao uso da terra não deveriam ser válidos no MDL.

Eles acreditavam, assim como os ambientalistas, que a possibilidade de países sem cotas

venderem seqüestro de carbono iria inflar a cota de países do Anexo I, atrapalhando a redução

total de emissões. Porém, atualmente, os mesmos países europeus são responsáveis por

grande parte da compra de créditos de carbono gerados dessa forma e assumem uma posição

menos radical. De qualquer forma, muitos acreditam no mal incentivo que essa brecha pode

51

criar, já que tende a adiar investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias mais

limpas (menor emissão de gases de efeito estufa) de produção.

Os países com grandes metas de redução, e altos custos de mitigação como Japão e

Canadá, dizem que sem essa possibilidade seria impossível atingir suas cotas sem enormes

perdas econômicas e sociais.

A Aliança dos Estados-Nação Insulares (em inglês, AOSIS) divulgou, em 2000, um

relatório onde condena veementemente a troca de reduções de emissão pelo equivalente

seqüestrado em projetos de florestamento e reflorestamento. Sendo os principais países

afetados pelo aquecimento global, eles argumentam que esse tipo de projeto, além de ter uma

grande possibilidade de “vazamentos”, não garante o seqüestro do carbono atmosférico no

médio e longo prazo (Methodological Issues, IPCC, 2000). A Aliança, dessa forma, se junta

ao coro de ambientalistas que insiste no argumento que é mais importante investir em

tecnologias que reduzem as emissões do que permitir o investimento em projetos de

seqüestro, ou qualquer outra forma de flexibilização das metas.

Outro grande debate relacionado com a questão do uso da terra foi a exclusão dos

projetos de conservação florestal como forma de evitar a concentração do carbono na

atmosfera. Dessa vez, os países em desenvolvimento, principalmente aqueles com grande

cobertura florestal, como Bolívia e Costa Rica, fizeram pressão para que projetos de

conservação também gerassem créditos de carbono. Eles alegam que os países mais ricos já

ganharam bastante derrubando suas florestas e, portanto, deveriam pagar para que os países

mais pobres conservem as suas, e não aproveitem o lucro de derrubá-las. O Brasil preferiu,

num primeiro momento, abster-se da discussão, pois acreditava que os países desenvolvidos

deveriam se responsabilizar sozinhos pelas reduções das emissões, ficando livre para expandir

sua fronteira agrícola e realizar outros projetos de desenvolvimento em detrimento das

florestas. Porém, na última rodada de negociações, já visando o período pós 2012, o Brasil se

mostrou defensor da inclusão de projetos de conservação na geração de créditos de carbono.

Prosseguindo, alguns analistas dos países em desenvolvimento também criticam o fato

de que os países ricos aproveitam os projetos com menores custos, através dos mecanismos

de flexibilização, usando-os para mitigar suas emissões com os menores custos totais. Quando

os países em desenvolvimento também tiverem cotas para cumprir, os melhores investimentos

em território nacional já terão sido aproveitados pelos países mais ricos.

Aliás, esse é outro tema delicado nas negociações da COP. Países como China, Índia e

Brasil, ainda que não tenham emissões limitadas, já se tornaram grandes poluidores nesse

século. Existe pressão por parte dos países ricos para incluir pelo menos esses países em

desenvolvimento na próxima rodada de compromisso (pós 2012). Porém, esses países alegam

52

que, como o carbono se mantém por um longo período na atmosfera, o problema do

aquecimento global é culpa exclusiva dos países que se industrializaram primeiro. Eles

também consideram mais justo que os países ricos sejam aqueles que devem pagar a maior

parte da conta, pois são eles que mais se beneficiam com a atual estrutura produtiva.

Por último, vale citar a questão levantada por Bettelhem (Bettelhem, 2002) quanto à

diferenciação dada aos mecanismos de flexibilização entre os países do Anexo I e o MDL.

Segundo o artigo, o MDL sofre de uma desvantagem clara com relação aos outros

mecanismos do Protocolo, pois dele é exigido um número maior de processos para

certificação e venda dos créditos de carbono. Projetos de MDL não podem ser

automonitorados como os outros, aumentando consideravelmente os custos de implementação

do projeto. Também esse excesso de validações necessárias para os projetos de MDL reduz o

preço final pago por créditos de carbono, já que o risco do projeto não ser aprovado é

considerável, refletindo na disposição a pagar pelos RCE.

Como dito no inicio da seção, o Protocolo de Quioto está longe de ser a solução

perfeita para mitigar o aquecimento global ou consenso entre as partes que o ratificaram.

Mesmo assim, pode-se considerar a ratificação do Protocolo e sua implementação como um

avanço na tendência do desenvolvimento sustentável para o homem. É verdade que um

número considerável de avanços na discussão são necessários como: a inclusão dos Estados

Unidos nas novas negociações; a definição do papel que os países em desenvolvimento terão

no futuro; e, principalmente, a definição das regras que valeram a partir de 2012 para todos os

países signatários da Convenção de Mudança Climática.

53

CAPÍTULO V – O CASO DA REBIO POÇO DAS ANTAS

Nesse capítulo, tratar-se-á do caso específico da REBIO Poço das Antas, uma reserva

biológica no Estado do Rio de Janeiro. Como o replantio florestal se encaixa nas exigências

do Protocolo de Quioto e do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, sua receita e custos

totais e, finalmente, como ele serve de exemplo para outras regiões com o mesmo potencial

para o reflorestamento serão os assuntos descritos nessa parte do trabalho. Mostrar-se-á como

o Protocolo de Quioto pode incentivar o reflorestamento de áreas degradas e de grande valor

ambiental, criando incentivos para os proprietários rurais.

Esse capítulo só se tornou possível graças à generosa ajuda dos membros da

Associação Mico-Leão Dourado e suas informações valiosas.

FIGURA V.1: Florestas Remanescentes no Estado do Rio de Janeiro

fonte: S.O.S Mata Atlântica, 2006.

V.1 – Aspectos do Projeto

A Reserva Biológica de Poço das Antas se localiza na bacia do Rio São João, no

Estado do Rio de Janeiro. O relevo da região é bem diversificado, contando com serras (21%),

planaltos (13%), colinas (32%) e grandes baixadas (30%).A vegetação da região pertence à

Mata Atlântica, um dos ecossistemas com maior biodiversidade no mundo.

“O Estado do Rio de Janeiro tem 97% de seu território sob o domínio da Mata Atlântica, dos quais, 42% estão inseridos na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, abrangendo 5 Parques Nacionais, 05 Parques

Excluído: ele

54

Estaduais, 06 Reservas Biológicas, 02 Estações Ecológicas, 11 Áreas de Proteção Ambiental, 02 Áreas de Relevante Interesse Ecológico, 01 Reserva Extrativista e 29 Reservas Particulares do Patrimônio Natural”.

(Rambaldi et al., 2003, p.5)

A exploração do solo da região é antiga, já que o Estado do Rio de Janeiro foi uma

das primeiras regiões colonizadas no Brasil. No Estado, as florestas de Mata Atlântica que

restaram se encontram dentro das áreas de proteção citadas acima ou em regiões de difícil

acesso, como encostas de morros (Serra do Mar).

Apesar de protegidas, essas áreas correspondem a uma fração ínfima da área original

(pré-colonização) de cobertura florestal. Muitas espécies nativas dessa região estão

seriamente ameaçadas de extinção, já que seu habitat foi destruído, dando lugar a fazendas e

ocupação urbana. A produtividade do solo é baixa, com grande incidência de turfa.

Atualmente os solos são ocupados, em sua maior parte, por pastos para a criação bovina.

Existem sinais claros de erosão e desgaste em várias fazendas da região. Esse fato ajuda a

explicar o crescimento da área de solo exposto e a diminuição das áreas produtivas ao longo

das últimas décadas.

FIGURA V.2: Situação da Vegetação na Bacia do Rio São João

fonte: Laboratório de Geoprocessamento- Associação Mico-Leão-Dourado (RJ), 2006.

Hoje em dia, a Reserva Biológica de Poço das Antas é administrada conjuntamente

Excluído: cidades

Excluído: não é muito grande e,

Excluído: hoje em dia, ele é

55

pelo IBAMA e pela Associação Mico-Leão Dourado. A Associação é uma Ong que trabalha

contra a extinção do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), um primata endêmico do

Estado do Rio de Janeiro e espécie-bandeira da conservação da biodiversidade da Mata

Atlântica para o mundo todo. A meta da Associação é alcançar o número de dois mil animais

livres na natureza. Para tanto, é necessário em torno de 25.000 hectares de floresta, habitat

do mico-leão. Mesmo somando-se as áreas das reservas biológica (Poço das Antas e União)

com as áreas particulares de conservação (RPPN) da região, ainda faltariam cerca de 16.300

hectares para garantir habitat suficiente para os dois mil micos.

O número de 16.300 hectares será usado como área potencial (teórica) para

reflorestamento visando créditos de carbono. Essa área se encontraria ao redor das Reservas

de Poço das Antas e União, em propriedades privadas. Uma premissa importante para nossos

cálculos é que as terras não deverão ser compradas. A idéia desse projeto seria atrair

fazendeiros interessados em reflorestar partes de suas fazendas, criando cercas vivas e

corredores ecológicos, abrindo mão do uso agropecuário ao receber receita de créditos de

carbono, ou restaurando áreas degradadas com custo de oportunidade próximo de zero. Os

fazendeiros da região poderiam montar uma cooperativa a fim de reunir todas as atividades

em um só projeto, unificando suas despesas e receitas, otimizando seus custos.2

Pode-se observar que o projeto hipotético no entorno da REBIO Poço das Antas

preencheria perfeitamente os requisitos demandados no caso de projetos de MDL e

reflorestamento. Esse é um projeto que visaria proteger um dos ecossistemas mais ricos e

ameaçados do planeta, seguindo assim a premissa de que o projeto deve ajudar no

desenvolvimento sustentável da região onde é implementado. Trocando áreas de pastoreio

por áreas reflorestadas com espécies nativas, os fazendeiros, além de receberem renda

proveniente dos créditos de carbono, estariam contribuindo para melhorar a qualidade do

solo, manter a biodiversidade da região e proteger a bacia do rio São João. O rio São João é

responsável pelo abastecimento de água de uma importante região do Estado do Rio de

Janeiro e sua preservação é vital para o desenvolvimento futuro do Estado.

Far-se-ia necessário, claro, o compromisso dos fazendeiros da região em proteger as

novas áreas de florestas, garantindo a sua manutenção no longo prazo. Esse pré-requisito

poderá ser um impedimento para a realização do projeto, pois muitos fazendeiros alegarão

que enquanto seus ganhos acabam com o crescimento da floresta, seus gastos em mantê-la

persistirão. Devemos lembrar, porém, que além de possíveis ganhos com eco-turismo e

manejo sustentável de produtos madeireiros, os fazendeiros contarão com a ajuda de diversas 2 Uma possibilidade de ganho adicional para os proprietários de áreas com florestas seria a venda de direitos de servidão florestal, referentes ao excedente de florestas em relação ao mínimo exigido pelo Código Florestal. Como este mercado ainda é muito incipiente, tal possibilidade de receita não foi considerada nesta monografia.

56

Ongs que persistirão com seus trabalhos na preservação dessas florestas. Além disso, uma

vez restaurada a cobertura florestal, a própria dinâmica da floresta garante sua manutenção no

longo prazo, inquirindo pequenos gastos aos proprietários, principalmente na prevenção de

incêndios. Existe ainda a possibilidade, dependendo da extensão e do propósito do

reflorestamento, utilizar os fundos de conservação ambiental, fruto da nova legislação

ambiental sobre investimentos3. Porém como ainda não existe lei sobre o assunto específico,

essa é uma possibilidade futura.

O caso da REBIO Poço das Antas também se enquadra no critério de adicionalidade,

isto é, decréscimo líquido no carbono atmosférico referente às atividades do projeto. Segundo

dados de Rambaldi et al. (2003), a região florestal da bacia do São João sofre com o

desmatamento há muitos anos. A partir da década de 1950, a situação piorou bastante. Obras

hidráulicas, como canalização de rios, drenagem de áreas alagadas e a Represa de Jutumaíba,

destruíram enormes áreas de floresta que ou foram convertidas em pasto ou alagadas pela

represa. “O saneamento, a construção de estradas, gasodutos, oleodutos e linhas de

transmissão de alta tensão aliadas à já existente ferrovia, promoveram uma intensa ocupação

da região, seguida do parcelamento do solo e expansão urbana” (Rambaldi et al., 2003, p.30).

Um levantamento feito na década de 1990 revelou que somente 2% do habitat do mico-leão

ainda existiam.

Todos esses fatos comprovam a adicionalidade desse projeto, que permitiria o

reflorestamento de áreas ameaçadas por uma devastação definitiva. A linha de base descrita

no relatório foi feita a partir de imagens de satélite e dados sócio-econômicos da região. A

estudo foi feito levando-se em conta a perda e o ganho de área florestal entre 1990 e 2001. A

área total de floresta convertida nesse período foi de 23.689 hectares. Isto significa uma perda

média anual de 1,2% da cobertura florestal da região, representando uma devastação de 38%

do total ao final dos quarenta anos do projeto (Rambaldi et al., 2003).

Segundo o próprio relatório:

“...[existe] uma clara tendência de: 1) destruição dos remanescentes florestais ainda existentes na bacia; 2) decadência da atividade agropecuária e, 3) aumento de áreas em recuperação bem como de áreas degradadas. É o ciclo perverso da política de terra arrasada: tira-se a floresta, coloca-se a cultura agrícola que com baixos investimentos, falta de tecnologias adequadas e pouca diversificação acaba tornando-se pouco rentável e é abandonada, cedendo lugar às pastagens que, pelos mesmos motivos, acaba demandando a ampliação da área cultivada, pressionando as florestas nativas. Com o abandono da pecuária fecha-se o ciclo, ficando para trás imensas porções de terras degradadas e

3 Sobre a questão dos fundos de conservação oriundos da compensação ambiental, ver em Geluda e Young (2004) e Young (2005b).

Excluído: ale pesquisa

57

erodidas.” (Rambaldi et al., 2003, p.37)

Com a implementação de um projeto de reflorestamento, porém, pode-se reverter esse

quadro de devastação da Mata Atlântica na região. Com o uso de espécies nativas,

conectando áreas florestais fragmentadas (corredores), o projeto protege as florestas

remanescentes, diminuindo o risco de incêndio e expandindo o habitat de numerosas espécies

de animais da região (incluindo o mico-leão-dourado), preservando a biodiversidade.

TABELA V.1: Taxa de Desmatamento e Reflorestamento na região da Bacia do São João e

Região dos Lagos (projeção para os próximos 40 anos)

Taxa Anual

Desmatamento (%)

Perda Hectares

Ano

% de Floresta Desmatada após

40 anos

% de Carbono a ser

descontado Desmatamento 1.20% 2137 38 -

Reflorestamento 0.41% 1285 - 9

fonte: Rambaldi et al., 2003, p.36.

TABELA V.2: Evolução no uso do solo na Bacia do São João (1986-2002)

1986 1990 2002 Uso do Solo

Área (ha) % (*) Área (ha) % (*) Área (ha) % (*) Florestas 100.746,27 37,63 88.358,94 33,00 79.746,66 29,79 Culturas agrícolas / Pastagem 99.852,57 37,30 101.922,84 38,07 81.079,74 30,28 Solo Exposto 64.262,43 24,00 73.101,51 27,30 102.838,95 38,41 Água 2.874,87 1,07 4.352,85 1,63 4.070,79 1,52 Total 267.736,14 100,00 267.736,14 100,00 267.736,14 100,00 (*) em relação à área total avaliada 267.736,14ha

fonte: Rambaldi et al., 2003, p.37.

O relatório faz o cálculo do carbono seqüestrado do ar, ao longo dos quarenta anos,

para uma fazendo vizinha a Reserva Biológica de Poço das Antas. Usaremos esses dados para

calcular o potencial teórico de receita para a área proposta. Vale dizer que a propriedade

estudada é composta majoritariamente por tipos diferentes de pasto e por isso pode servir

como exemplo para outras áreas a serem reflorestadas na mesma região.

A captação de carbono nesse caso, com área de reflorestamento de 2.442,55 hectares,

foi calculada através de métodos já consagrados e está descrita em Rambaldi et al. (2003). Excluído: mais bem

Excluído: o

58

Para esse trabalho, o importante é o montante final do carbono seqüestrado que poderá gerar

créditos de carbono e receita futura. Segundo o relatório, nos primeiros vinte anos serão

seqüestrados 205.363,64 ton. C, o equivalente a 753.000 ton. CO2eq. “O incremento médio

[anual] é variável a cada período de 5 anos e essa variação ocorre entre 14,52 e 16,02 ton.

CO2eq/ ha” (Rambaldi et al., 2003, p.40). Para o período posterior, entre o ano 21 e o ano 40,

foi feito um exercício aritmético levando-se em conta a redução da captação de carbono após

o crescimento da floresta. O número total de carbono seqüestrado, em quarenta anos, foi

calculado em 357.343 ton. C, ou 1.310.257 ton. CO2eq (Rambaldi et al., 2003). Dividindo

pela área reflorestada, chega-se a 146,3 ton. C por hectare no final de quarenta anos.

Na questão de “vazamentos”, isto é, possibilidade de o carbono acumulado nas árvores

voltar para atmosfera por razões relacionadas ao projeto (queimadas ou derrubadas

irregulares, no local ou outras regiões), o estudo da AMLD diz que é pequena a chance de

transferência das atividades antes realizadas no local para outras áreas, ameaçando florestas

de outras regiões. Isso porque o solo da região está degradado e as atividades agropecuárias já

estavam sendo abandonadas aos poucos pelos fazendeiros da região de qualquer maneira.

Também são previstos no projeto gastos para controlar esses “vazamentos”, como por

exemplo, a contratação de uma brigada contra incêndios.

Com relação aos custos, estes estão calculados para a mesma área estudada no caso do

seqüestro de carbono. Utilizar-se-á os valores apresentados em Rambaldi et al. (2003) para o

cálculo do valor presente dos custos do projeto proposto para podermos compará-los com o

valor presente das receitas. Sabe-se, porém, que existe espaço para quedas de custo devido a

ganhos de escala, tanto em relação aos insumos, como sementes e equipamentos, quanto aos

ganhos relacionados com validação, monitoramento e verificação, ligados às exigências do

MDL.

A tabela abaixo discrimina os custos de implementação e operação do projeto de

reflorestamento de uma área de 2442,44 hectares, em quarentas anos de execução. Se

compararmos com o estudo de Rambaldi et al. (2003), neste trabalho foram retirados os

custos relativos à compra e registro do terreno, além dos custos associados à manutenção das

propriedades. Como dito anteriormente, o projeto proposto tem como hipótese a participação

dos proprietários das terras, justificando a exclusão dos gastos com compra e registro.

Também supõem-se que não existe custo de oportunidade para a terra em questão (ou muito

próximo a zero) devido ao avançado estado de degradação. Os gastos de manutenção das

fazendas também não serão incluídos nos custos do projeto uma vez que tais gastos se

realizariam mesmo sem o projeto, não sendo necessariamente alterado por sua presença.

Excluído: resultado

59

Permaneceram, porém, os gastos com o reflorestamento em si, e os gastos referentes à sua

adequação aos processos do MDL.

TABELA V.3 : Custos do Projeto (em 40 anos)

CUSTOS

Restauração Florestal US$ 2.076.395,00

Controle de Vazamento US$ 197.766,00

Monitoramento e Verificação US$ 311.635,00

Desenvolvimento do Projeto US$ 135.000,00

Atividade Rural Sustentável* US$ 263.688,00

Gerenciamento Local US$ 1.360.706,00

Custos Indiretos US$ 1.200.785,00

TOTAL US$ 5.545.975,00 (*) Gastos relacionados à conversão das atividades rurais a práticas mais sustentáveis.

Fonte: Rambaldi et al., 2003, p.27.

Os custos totais chegariam a US$ 5.545.975,00, ao longo dos quarenta anos do

projeto. Como em Rambaldi et al. (2003) os custos não são discriminados ao longo dos anos,

para calcular o valor presente foi feita a seguinte suposição:

a) os gastos com reflorestamento foram divididos igualmente pelos cinco primeiros

anos do projeto.

b) os demais gastos foram divididos igualmente pelos quarenta anos do projeto.

Com uma taxa de desconto de 5% ao ano, chegou-se ao resultado de US$ 1.345,44

para o valor presente dos custos desse projeto por hectare. Já para um desconto de 8% ao ano,

o resultado foi de US$ 1.102,30 por hectare.

Além dos ganhos financeiros, que serão calculados posteriormente, esse projeto

permite outros tipos de ganhos, no plano social e ambiental. No plano social, as atividades de

reflorestamento acabam com o domínio, quase exclusivo, da pecuária semi-extensiva no

mercado de trabalho local. Essa atividade, pouco produtiva, gera poucos empregos e mal

remunerados. Em contrapartida, segundo dados da Fundação S.O.S. Mata Atlântica, para cada

hectare reflorestado são criados 4 empregos diretos. Outros empregos ligados a proteção

ambiental, como as brigadas contra incêndio, também são previstos. Por outro lado, o

Excluído: -

60

desmatamento em remanescentes de Mata Atlântica não está associado à geração de

empregos (Young, 2004).

O projeto também tem o potencial de estimular a produção de bens e serviços ligados

à floresta como a silvicultura e agricultura orgânica, produção de mudas de espécies nativas,

eco-turismo e produção sustentável e certificada de produtos madeireiros (Rambaldi et al.,

2003). Todas essas atividades podem gerar novas receitas no futuro, exatamente quando a

geração de créditos de carbono estará próxima do fim, estimulando a manutenção da floresta

no longo prazo.

Com relação à produção de sementes e mudas de espécies nativas, vale salientar o

potencial futuro do uso dessa informação genética para geração de renda. As pequenas

comunidades do MST, que circundam a região, podem se aproveitar dessa nova demanda,

viabilizando economicamente suas pequenas propriedades, de baixa produtividade agrícola.

Vale fazer um pequeno parêntese para explicar a situação dos sem-terra no entorno da

REBIO de Poço das Antas. Esses assentamentos, criados em áreas impróprias para o cultivo,

não têm viabilidade econômica e muitas famílias vivem em condições materiais muito ruins.

No assentamento Sebastião Lan, com 30 famílias em 540 hectares, a maioria dos agricultores

afirmam não plantar nada nos últimos dois anos. Além disso, dizem estar em divida com o

Pronaf. Esses problemas são fruto da utilização de terras impróprias (alagadas) para o fim de

reforma agrária, que ao invés de corrigir um problema antigo cria um problema novo. Além

disso, os assentamentos dos sem-terra aumentam os riscos de incêndio dentro da reserva

biológica de Poço das Antas e em áreas florestais ainda preservadas. Nos anos de 1997, 2000

e 2001, incêndios que começaram nos assentamentos acabaram chegando na reserva, sendo

que, no pior caso, 1.300 hectares da reserva foram queimados (Steffen, 2005).

Quanto ao eco-turismo, é importante lembrar que a região de Poço das Antas se

encontra entre o Rio de Janeiro, a cidade por onde chega a maior parte dos turistas

estrangeiros que visitam o Brasil, e a Região dos Lagos, também no Estado do Rio, que

recebe um grande número de turistas nacionais e internacionais.

No plano ambiental, além da preservação da biodiversidade local, este tipo de projeto

protege o suprimento de água e a regulação do regime hídrico no baixo vale da bacia do rio

São João:4

“...[os rios da região são] responsáveis pela manutenção dos serviços de água para uma região de alta taxa de ocupação como Barra de São João, Cabo Frio e Armação dos Búzios. Regulando o fluxo de água nos canais e

4 Outra possibilidade de receita que não foi contemplada neste trabalho é o pagamento a proprietários de áreas florestadas pelo serviço ecossistêmico de controle de sedimentos e regularização de fluxos hídricos. Cabe dizer que o Comitê Gestor da Bacia do Rio São João está se organizando e existe uma possibilidade concreta que tais pagamentos sejam efetuados após a regulamentação da cobrança pelo uso da água nessa bacia.

Excluído: não

Excluído: muitos

61

restaurando a cobertura florestal ao longo dos rios Aldeia Velha e São João, o projeto irá contribuir para melhorar a qualidade da água, diminuir as variações sazonais no fluxo d’água, amenizar os efeitos das marés, conter a salinização dos solos e elevar o lençol freático”.

(Rambaldi et al., 2003, p.42)

A localização do projeto em torno das reservas biológicas de Poço das Antas e União

contribui para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica. Poço das Antas mantêm a

maior população silvestre de micos-leões-dourados, além de outras espécies em extinção. Na

Reserva União, foram identificadas 17 espécies ameaçadas de aves, a mais alta concentração

das Américas.

Esses ganhos sociais e ambientais apesar de serem imateriais, têm reflexos concretos

no bem-estar dos indivíduos da região, gerando externalidades positivas também em outras

área do Estado (visivelmente, a Região dos Lagos). Não podemos desconsiderar esses

impactos na hora de avaliar um projeto como esse. Esses ganhos são de longo prazo, pois

protegem o solo das erosões, garantem a qualidade e o suprimento de água e provêem as

gerações futuras de produtos e serviços florestais de um ecossistema rico em variedades de

espécies como a Mata Atlântica.

V.2 – Cálculos: receitas e custos potenciais do projeto

Nessa seção do trabalho, será calculado o potencial de receita e de custos de um

projeto hipotético na região de Poço das Antas. Para tanto, devemos considerar alguns

pressupostos realistas, tendo em vista a disponibilidade dos dados.

Primeiramente, vamos considerar que os fazendeiros da região têm interesse em

reflorestar áreas abertas ou pastos devido a baixa produtividade ou degradação avançada do

solo, isto é, o custo de oportunidade da terra é próximo a zero (áreas sem interesse para o

setor agropecuário). Dessa forma, eliminaremos os gastos de aquisição e registro da terra que

permanecerão sob a propriedade dos fazendeiros. Por outro lado, os fazendeiros estarão

comprometidos em preservar as áreas reflorestadas indefinidamente, ou como área de

conservação, ou como área de extrativismo sustentável.

É importante lembrar que serão utilizadas somente espécies nativas para o

reflorestamento. Assim, garante-se que não haverá impacto negativo na biodiversidade local

e, pelo contrário, haverá um aumento considerável no habitat de inúmeras espécies nativas

em extinção.

Como dito anteriormente, a área destinada para o reflorestamento no projeto será de

16.300 hectares. Essa área é considerada suficiente, junto com as florestas remanescentes da

região, para livrar o mico-leão-dourado do perigo de desaparecer da natureza. Outra

Excluído: r

62

consideração importante é o fato que será usado o custo médio total do projeto em Rambaldi

et al. (2003), sem considerarmos os ganhos marginais ainda existentes. Essa simplificação

aumentará os custos totais do projeto hipotético, contrabalançando a suposição de custo de

oportunidade da terra igual a zero nas áreas de plantio florestal.

Ademais, os resultados dos cálculos devem ser vistos como uma sinalização da grande

oportunidade que se abre para projetos de reflorestamento ligados ao Protocolo de Quioto.

Mais do que um número preciso, previsão perfeita dos lucros esperados, o resultado indica os

valores movimentados por um projeto desse porte ao longo de seus quarenta anos de

execução. Os projetos de reflorestamento com espécies nativas não serão um investimento de

grande rentabilidade financeira. Essa não é a oportunidade que se apresenta. A grande

oportunidade é o financiamento (total ou parcial) da recuperação de áreas antes valiosas

(principalmente pela riqueza biológica da Mata Atlântica) e que hoje estão degradadas. A

oportunidade é de se restaurar a qualidade ambiental e a qualidade de vida das populações

locais através do dinheiro oriundo das nações mais ricas do mundo

Primeiramente, será calculado o seqüestro médio de carbono de um hectare, ao longo

dos quarenta anos do projeto. Esse carbono gerará reduções certificadas (RCE) que poderão

ser vendidas no mercado. Como no caso estudado por Rambaldi et al. (2003), esse hectare é

uma combinação média de diferentes tipos de pasto e áreas abertas, servindo como “terreno

médio” para o reflorestamento. Para tanto usaremos o valor total calculado para o seqüestro

de carbono na área de 2.442,55 hectares.

TABELA V.4: Seqüestro Médio de Carbono

Fórmula (Sequestro Total / Área Total)Total de carbono sequestrado(ton. C em vinte anos) 205.363,64(ton. C em quarenta anos) 357.342,82Área total estudada (ha) 2.442,55Sequestro Médio de Carbono(ton. C/ha em vinte anos) 84,08(ton. C/ha em quarenta anos) 146,30

Chegamos ao resultado de 84,08 ton. C seqüestrados por cada hectare de área

reflorestada depois de vinte anos de projeto. Como dito anteriormente, o ritmo do seqüestro

de carbono cai a medida em que a floresta cresce, e, por isso, no final dos quarenta anos,

Excluído: e

Excluído: por um lado, ajudará a compensar

Excluído: o

63

chegamos ao número de 146,30 ton. C por hectare. Comparando com dados do Inventário

Nacional de Emissões e Reduções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa (MCT, 2004), a

captação de carbono da Mata Atlântica do projeto se mostrou maior que o esperado. Segundo

o estudo, no caso de regeneração desse tipo de vegetação se esperaria uma captação de 2,4

ton. C/ ha a cada ano. Porém, segundo os dados de Rambaldi et al. (2003), no caso particular

da fazenda avaliada, chegou-se a quantidade de 3,66 ton. C/ ha, em média, por ano. Deve-se

ressaltar que o Inventário foi bastante criticado na época de sua publicação porque os

números apresentados foram considerados muito conservadores.

Para chegarmos ao valor presente da receita total proveniente da venda de créditos de

carbono, primeiramente precisamos estabelecer os preços desses certificados. Usaremos

então três possibilidades diferentes. A primeira estima o preço médio da tonelada de carbono

vendido em US$ 5,00. O segundo preço, US$ 15,00, foi a mediana das estimativas do preço

reveladas pela PRICEWATERHOUSECOPPERS (La Rovere e Poppe, 2004). Por último,

utilizar-se-á o preço de US$ 25,00, pois por se tratar de um projeto ligado a preservação de

um ecossistema muito ameaçado, como a Mata Atlântica, e com a ajuda do mico-leão-

dourado como animal-bandeira, esse projeto pode despertar o interesse de diferentes

organizações como o Banco Mundial, ou alguma grande empresa multinacional, elevando seu

“valor de mercado”. O valor de US$ 25,00 é sabidamente elevado, porém será utilizado como

um “preço teto” para a tonelada de C, já que dificilmente será ultrapassado.

Em seguida, foram feitas duas projeções para a distribuição da receita ao longo dos

anos, utilizando os dados de Rambaldi et al. (2003) para as captações totais em vinte

(205.363,64 ton. C) e quarenta anos (357.342,82 ton.C) com a finalidade de calcular o valor

presente da receita total. Na primeira, foi usada uma função logarítmica cuja concavidade

parece melhor representar a evolução natural da captação de carbono pela floresta (mais

rápida no início e mais lenta no final). Na segunda, foi usada uma função linear, mais

simples, com a finalidade de comparar os resultados.

Calculando a receita anual do projeto com a função logarítmica nos três possíveis

cenários de preço, chegamos aos resultados a seguir:

GRÁFICO V.1: Projeção da Receita com Função Logarítmica

Excluído: Muitos críticos d

Excluído: alegaram,

Excluído: ,

Excluído: lhes

Excluído: pareciam

Excluído: Talvez, eles estejam corretos.

Excluído: .

64

y = 88400Ln(x) - 9405,4

-50000

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

400000

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39

captação total em 20e 40 anosLog. (captação totalem 20 e 40 anos)

Fonte: Elaboração própria, baseada em Rambaldi et al. (2003)

a) Com o preço da tonelada de C. igual a US$ 5,00, o valor presente das receitas para

uma taxa de desconto de 5% ao ano foi de US$ 412,62 por hectare. Já com o desconto

de 8% ao ano, o valor presente foi igual a US$ 339,70 por hectare.

b) Com o preço da tonelada de C. igual a US$ 15,00, o valor presente das receitas para

uma taxa de desconto de 5% ao ano foi de US$ 1.237,87 por hectare. Já com o

desconto de 8% ao ano, o valor presente foi igual a US$ 1.019,11 por hectare.

c) Com o preço da tonelada de C. igual a US$ 25,00, o valor presente das receitas para

uma taxa de desconto de 5% ao ano foi de US$ 2.063,12 por hectare. Já com o

desconto de 8% ao ano, o valor presente foi igual a US$ 1.698,52 por hectare.

Agora, calculando a receita anual do projeto com a função linear nos três possíveis

cenários de preço, chegamos aos resultados a seguir:

GRÁFICO V.2: Projeção da Receita com Função Linear

Excluído: c

65

y = 9148,9x + 1540,5

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

400000

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39

captação total em20 e 40 anos

Linear (captaçãototal em 20 e 40anos)

Fonte: Elaboração própria, baseada em Rambaldi et al. (2003)

a) Com o preço da tonelada de C. igual a US$ 5,00, o valor presente das receitas para

uma taxa de desconto de 5% ao ano foi de US$ 317,65 por hectare. Já com o desconto

de 8% ao ano, o valor presente foi igual a US$ 219,34 por hectare.

b) Com o preço da tonelada de C. igual a US$ 15,00, o valor presente das receitas para

uma taxa de desconto de 5% ao ano foi de US$ 952,95 por hectare. Já com o

desconto de 8% ao ano, o valor presente foi igual a US$ 658,01 por hectare.

c) Com o preço da tonelada de C. igual a US$ 25,00, o valor presente das receitas para

uma taxa de desconto de 5% ao ano foi de US$ 1.588,24 por hectare. Já com o

desconto de 8% ao ano, o valor presente foi igual a US$ 1.096,69 por hectare.

Para calcular o valor presente das receitas totais do projeto hipotético basta multiplicar

o valor presente por hectare pela área total do projeto (16.300 ha). Assim, no caso da função

logarítmica, para uma taxa de desconto de 5% ao ano, o valor presente das receitas totais será

de US$ 6.725.773,63 (US$ 5,00 por ton. C), US$ 20.177.320,88 (US$ 15,00 por ton. C) e

US$ 33.628.868,13 (US$ 25,00 por ton. C). Para uma taxa de desconto de 8% ao ano, o valor

presente das receitas totais será de US$ 5.537.174,45 (US$ 5,00 por ton. C), US$

16.611.523,35 (US$ 15,00 por ton. C) e US$ 27.685.872,25 (US$ 25,00 por ton. C).

TABELA V.5: Cálculo com a Função Logarítmica

Formatado: Inglês (EUA)

Formatado: Inglês (EUA)

66

Preço da tonelada de carbono Taxa de Desconto VP da Receita por hectare VP da Receita TotalUS$ 5,00 5% US$ 412,62 US$ 6.725.773,63US$ 5,00 8% US$ 339,70 US$ 5.537.174,45

US$ 15,00 5% US$ 1.237,87 US$ 20.177.320,88US$ 15,00 8% US$ 1.019,11 US$ 16.611.523,35US$ 25,00 5% US$ 2.063,12 US$ 33.628.868,13US$ 25,00 8% US$ 1.698,52 US$ 27.685.872,25

Fonte: Elaboração própria, baseada em Rambaldi et al. (2003)

No caso da função linear, para uma taxa de desconto de 5% ao ano, o valor presente

das receitas totais será de US$ 5.177.673,93 (US$ 5,00 por ton. C), US$ 15.533.021,80 (US$

15,00 por ton. C) e US$ 25.888.369,67 (US$ 25,00 por ton. C). Para uma taxa de desconto

de 8% ao ano, o valor presente das receitas totais será de US$ 3.575.211,45 (US$ 5,00 por

ton. C), US$ 10.725.634,36 (US$ 15,00 por ton. C) e US$ 17.876.057,26 (US$ 25,00 por ton.

C).

TABELA V.6: Cálculo com a Função Linear

Preço da tonelada de carbono Taxa de Desconto VP da Receita por hectare VP da Receita totalUS$ 5,00 5% ao ano US$ 317,65 US$ 5.177.673,93US$ 5,00 8% ao ano US$ 219,34 US$ 3.575.211,45

US$ 15,00 5% ao ano US$ 952,95 US$ 15.533.021,80US$ 15,00 8% ao ano US$ 658,01 US$ 10.725.634,36US$ 25,00 5% ao ano US$ 1.588,24 US$ 25.888.369,67US$ 25,00 8% ao ano US$ 1.096,69 US$ 17.876.057,26

Fonte: Elaboração própria, baseada em Rambaldi et al. (2003)

Como visto na seção anterior, o valor presente dos custos por hectare encontrado foi

de US$ 1.345,44 com uma taxa de desconto de 5% ao ano e US$ 1.102,30 para um desconto

de 8% ao ano, já contabilizados os custos com insumos, mão-de-obra, monitoramento,

desenvolvimento do projeto e outros custos indiretos. Com uma área potencial de 16.300

hectares, podemos calcular o valor presente dos custos totais do projeto, nos seus quarenta

anos de existência, em US$ 21.930.717,65 para um desconto de 5% ao ano e US$

17.967.495,10 para um desconto de 8% ao ano.

O número encontrado para o valor presente dos custos totais somente é inferior ao das

receitas de quarenta anos no cenário mais positivo para o preço da tonelada de carbono.

Apesar disso, a receita proveniente dos créditos de carbono em todos os cenários não deve ser

desconsiderada, pois servem para financiar, mesmo que parcialmente, projetos de

Formatado: Inglês (EUA)

Formatado: Inglês (EUA)

Excluído: Agora, basta calcular o valor presente dos custos totais do projeto, já que o valor presente do custo por hectare foi anteriormente calculado. Também serão utilizados os dados descritos anteriormente nesse capítulo, retirados do trabalho Rambaldi et al. (2003).¶

Excluído: .

Excluído: J

Excluído: estão

67

reflorestamento. Esses projetos acabarão gerando externalidades positivas para toda a região e

contribuirão para o desenvolvimento sustentável do Estado do Rio de Janeiro.

V.3 – Comparação com a atividade agropecuária da região

A título de comparação, foi pesquisado o valor presente das receitas gerada pela

atividade agropecuária na região da Bacia do Rio São João. Dessa forma, poder-se-á ter uma

idéia, ainda que aproximada, dos custos de oportunidade da terra da região.

Para tanto, foi utilizada a pesquisa do censo agro-pecuário realizado em 1996 pelo

IBGE relativa à produção pecuária da bacia do rio São João, onde foram encontrados dados

sobre o valor da produção de leite, da compra,venda e abate do gado, além da área dedicada a

pecuária.

Abaixo serão listadas as receitas anuais provenientes de cada setor pesquisado pelo

IBGE para a região de interesse e a área dedicada a essas atividades. Utilizar-se-á a cotação

média do dólar em 2005, R$ 2,44 (Banco Central, 2006), para converter as receitas para

dólares. CORRIGIR PARA A TAXA DE CÂMBIO DE 1996 (APROXIMADAMENTE 1

R$/US$)

TABELA V.7: Valor da Produção Pecuária Anual na bacia do rio São João

Área dedicada à Pecuária 62.720,34 hectaresValor Anual do Abate R$ 132.200,00 US$ 54.108,33Valor Anual da Venda R$ 2.943.555,00 US$1.206.375,00Valor Anual da Compra R$ 1.233.508,00 US$ 505.536,07Valor da Produção Anual de Leite R$ 4.654.663,00 US$ 1.907.648,77RECEITA LÍQUIDA R$ 6.496.910,00 US$ 2.662.668,03

fonte: Censo Agropecuário, IBGE, 1996.

Com o valor total anual de US$ 2.662.668,00, dividido pela área da atividade

agropecuária na região (62.720,34 ha.), chega-se a uma receita de US$ 42,45 por hectare ao

ano. O último passo será calcular o valor futuro da receita com pecuária nos quarenta anos da

validade do projeto de MDL.

Finalmente, foi calculado em US$ 728,45 (taxa de desconto de 5% ao ano) ou US$

506,24 (taxa de desconto de 8% ao ano) o valor presente da receita total por hectare, ao longo

de 40 anos, gerada pela atividade pecuária da região da bacia do rio São João. Essa quantia é

menor que a receita gerada pelos dois cenários mais otimistas para o preço da ton. C (US$

15,00 e US$25,00).

Vale ressaltar que o valor presente da receita com pecuária calculado confirma a baixa

produtividade dessa atividade na região e essa situação parece piorar ao longo do tempo com

Excluído: Essa será somente uma idéia, pois não tivemos acesso aos custos de tais atividades e, logo, sua rentabilidade.

Excluído: indica

Excluído: um

68

a continua degradação do solo. Além disso, pode-se deduzir que já existem áreas muito pouco

produtivas (áreas que jogam a média para baixo) onde o custo de oportunidade da terra é

praticamente nulo, pois nenhuma receita pode ser gerada.

CONCLUSÃO

Primeiramente, como conclusão desse trabalho, vale mencionar que a assinatura do

Protocolo de Quioto, e o posterior controle da emissão de gases de efeito estufa, foi

69

conseqüência de um longo debate internacional sobre a necessidade de conciliar o

desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Durante décadas, cientistas e

políticos discutiram a necessidade (ou não) de se mudar os paradigmas do desenvolvimento

econômico a fim de reduzir seus impactos sobre o meio-ambiente, permitindo um

crescimento de longo prazo preocupando com as gerações futuras. Até o momento, é

impossível falar em consenso, porém a grande maioria dos pesquisadores já acredita haver

uma grande correlação entre o aumento da poluição causada pelo homem e as mudanças

climáticas que afetam todo o planeta.

É verdade também que o Protocolo de Quioto está longe de ser uma solução definitiva

e eqüitativa para o problema do aquecimento global. A redução de 5,2% das emissões de

gases de efeito estufa dos principais poluidores ainda é tímida em relação à necessidade de

redução para alterar o rumo das mudanças climáticas. Porém, não se pode menosprezar a

mudança de tendência que se apresenta com a assinatura do Protocolo.

A não-ratificação do tratado por parte dos Estados Unidos, as incertezas quanto ao seu

cumprimento no longo prazo e o papel das nações em desenvolvimento são questões ainda a

serem respondidas e devem se tornar cruciais para o sucesso dessa iniciativa.

Do ponto de vista econômico, os mecanismos de flexibilização do Protocolo de

Quioto permitem que suas metas sejam atingidas com custos menores e, portanto, de forma

mais eficiente. Esse aspecto é muito importante porque facilitou a adesão dos principais

países poluidores que pagarão a maior parte da conta. Um grande problema com relação a

esses mecanismos é o custo de transação dos certificados de carbono. No modelo apresentado

no capítulo I supõem-se custos de transação próximos a zero. Na realidade, como o mercado

internacional de créditos de carbono ainda está em formação, os custos de transação ainda não

são irrelevantes e, por isso, podem dificultar a escolha ótima entre os seus demandantes e

ofertantes.

Com relação ao projeto de reflorestamento de Mata Atlântica estudado no capítulo V

deste trabalho, valem as seguintes conclusões:

1) Como os gastos com implementação do projeto aparecem antes no tempo que as

receitas com crédito de carbono e dada a atual taxa de desconto brasileira, dificilmente um

projeto desse escopo seria capaz de se financiar completamente. Somando os custos do

projeto com o custo de oportunidade da terra (estimando pela receita do setor agropecuário) e

considerando os problemas de desconto do fluxo de receitas futuras seria necessário um alto

preço para a tonelada de carbono seqüestrado para viabilizar o projeto. Porém, a venda de

créditos de carbono pode funcionar como financiamento parcial de projetos de

reflorestamento.

Excluído: Preço esse muito além das expectativas do mercado.

70

2) A principio, a venda de créditos de carbono gerados pelo reflorestamento da Mata

Atlântica não serão suficientes para compensar inteiramente o investimento necessário para

os proprietários de terra da região. Porém, haverão outros ganhos de tais projetos pelas

externalidades positivas para todas as comunidades da bacia do rio São João, e mesmo, para o

planeta como um todo. A melhoria na qualidade da água, do ar e do solo trará benefícios tanto

para os fazendeiros quanto para os moradores das cidades próximas. Uma forma de estimular

a realização de projetos como o estudado poderá ser a definição dos direitos de propriedade

dos serviços ambientais (como água, biodiversidade, eco-turismo,...) em favor dos

proprietários de terra. Dessa forma, as cidades que se beneficiam dos serviços ambientais

gerados pela floresta (a maioria localizada na região dos Lagos) teriam que pagar aos

proprietários de terras reflorestadas (ou já com florestas) uma taxa pela utilização desses

recursos naturais (Young, 2005b). Essa receita extra, então, poderá ser capaz de viabilizar o

projeto financeiramente.

3) Outra forma de viabilizar o projeto é realizá-lo em áreas já degradadas, onde não

é mais possível a utilização para a agropecuária, ou qualquer outro fim comercial. Dessa

forma, o custo de oportunidade da terra será igual a zero, pois nenhuma receita será gerada

com essas terras. Mesmo assim, o preço da tonelada do carbono tem que ser alto o suficiente

para cobrir os gastos do projeto. Nos cálculos feitos no capítulo V, pode-se ver que somente o

cenário com a tonelada de carbono à US$ 25,00 é capaz de cobrir os custos do projeto. De

qualquer forma, seria mais fácil a realização desse tipo de projeto em áreas degradadas que

em áreas ainda produtivas.

4) Algumas formas de se reduzir os custos do projeto podem torná-lo mais atrativo

e financiável: diminuir os custos de reflorestamento através de doação de mudas e trabalho

voluntário; diminuir os custos de gerenciamento local e manejo, graças a ganhos de escala;

doações de recursos para o projeto de Ongs interessadas na preservação da biodiversidade; e

promoção de campanhas de adoção de corredores ecológicos junto a empresas privadas

(Rambaldi et al., 2003). Esses são alguns exemplos de maneiras de reduzir os custos de

implementação do projeto, o que poderá viabilizá-lo.

5) As esferas governamentais poderiam incentivar o reflorestamento da Mata

Atlântica concedendo benefícios fiscais aos proprietários de terras que optassem pelo

reflorestamento de mata nativa.

Os projetos de reflorestamento de espécies nativas não aparentam ser de fácil

financiamento. Porém, os benefícios sociais gerados são enormes e importantes. A ratificação

do Protocolo de Quioto e o desenvolvimento de um mercado para os créditos de carbono

podem ser um grande incentivo para o reflorestamento de regiões importantes para o meio-

Excluído: é um

Excluído: que trará retorno financeiro

Excluído: Os principais

Excluído: l

Excluído: serão

Excluído: serão

Excluído: .

Excluído: D

Excluído: por empresas como a Aracruz

Excluído: D

Excluído: D

Excluído: P

71

ambiente e para o homem, como bacias de rios, encostas, habitat de animais em extinção,

entre outras.

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