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0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL São José/SC 2012

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

MARLO ALMEIDA SALVADOR

O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

São José/SC

2012

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MARLO ALMEIDA SALVADOR

O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito

parcial a obtenção do grau em Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. Roberto Wöhlke

São José/SC 2012

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MARLO ALMEIDA SALVADOR

O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Teoria do Direito

São José, 19 de novembro de 2012.

Prof. Roberto Wöhlke

UNIVALI – São José

Prof. MSc. Luiza Cristina Almeida Valente UNIVALI –São José

Membro

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

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Dedico este trabalho ao Professor André Lupi, sem

o qual a idéia de pesquisar o presente tema talvez

não tivesse surgido, haja vista sua base conceitual

já aplicada no primeiro período do Curso, à

professora Daniela Cadermatori, com a qual

aprendi muito acerca da importância da pesquisa

científica, bem como pela atenção e paciência que

sempre teve comigo quando dos nossos bons

debates acadêmicos. Ao professor Marcelo Alves,

o qual contribuiu de forma pontual em seus

encontros em sala de aula e em outros diálogos, e,

finalmente, ao professor Gilberto Callado, o qual

sempre me motivou muito no estudo do Direito,

todos os quais, ao meu sentir, sempre colocaram a

pesquisa científica acima de qualquer ego ou

vaidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, principalmente, a Deus, sem o qual as maravilhas do universo

que operam nosso ser não existiriam para nos motivar. Agradeço à minha vó Maria,

a qual sempre acreditou em mim depositando toda sua confiança e seu amor de

mãe insubstituível.

À minha mãe Ester, por me proporcionar a oportunidade de vir ao mundo e

às “demais mães” de minha vida; Tia Tereza, tia Noêmia, Tia Vera, Tia Heloisa, Tia

Maria do Carmo e tia Salomé, que sempre dispensaram suas respectivas

disposições e atenções com verdadeiras dedicações maternas.

Ao meu orientador Roberto Wöhlke, que mais do que um orientador foi um

colaborador na elaboração deste trabalho, tendo participação efetiva, incentivando e

acreditando, sem hesitar, desde o início na proposta apresentada.

Aos meus amigos Hélios e Samuel, com os quais pude aprender lições de

vida que contribuíram de forma relevante para o meu contínuo aprimoramento como

homem, dentre outros que, de certa forma, contribuíram, ainda que em menor

proporção, mas que merecem ser lembrados neste momento.

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Se alguma coisa divina existe entre os homens, é a

justiça. Nisto se compendiam todas as minhas

crenças políticas. De todas elas essa é o centro.

Mas para que a justiça venha a ser essa força,

esse elemento de pureza, esse princípio de

estabilidade, é preciso que não se misture com as

paixões da rua, ou as paixões dos governos, e seja

a justiça isenta, a justiça impassível, a soberana

justiça, a congênita em nós, entre os sentimentos

sublimes à religião e à verdade. (Rui Barbosa)

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 19 de novembro de 2012.

Marlo Almeida Salvador

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal fazer uma análise jurisprudencial de

um julgado do Supremo tribunal Federal sob as perspectivas das doutrinas

positivista e pós-positivista. Para se atingir este desiderato, partiu-se da indagação a

respeito do que consiste o estudo do direito segundo a doutrina do positivismo

jurídico. O segundo ponto abordado foi acerca das causas que culminaram na

ascensão da doutrina pós-positivista, para então, respondidas tais indagações,

conferir a possibilidade de identificar aspectos hermenêuticos de ambas doutrinas na

arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 do Supremo tribunal

Federal. O positivismo jurídico foi uma doutrina calcada na ideia de que o direito é

tão somente aquele produzido pelo soberano por intermédio do legislador, ao passo

que a ascensão pós-positivista decorreu do esgotamento do modelo positivista, bem

como da necessidade de se agregar ao próprio direito positivo o reconhecimento de

certos princípios para dentro do ordenamento jurídico, de maneira que, com a

ascensão do movimento pós-positivista, bem como dos direitos fundamentais, a

arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 demonstrou, de forma

inequívoca, aspectos tanto de uma quanto de outra das doutrinas acima enunciadas.

Palavra-chave: Positivismo jurídico - Pós-Positivismo - Jurisprudência.

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ABSTRACT

This research has as its main goal to do a jurisprudential analysis of a decision from

the Supreme Federal Court under the perspectives of the positivist and post-positivist

doctrines. In order to achieve this goal, this research firstly questioned about what is

the study of law according to the legal positivism doctrine. Secondly, it has been

approached the causes that led to the rising of post-positivist doctrine, and once

answered these questions, confer the possibility of identifying hermeneutical aspects

of both doctrines in the 132 fundamental precept breach arguing from the Supreme

Federal Court. The legal positivism was a doctrine based on the idea that the law is

only what is produced by the sovereign through the legislature, while the post-

positivist rise was due to the exhaustion of positivist model, as well as the need to

add to the positive law the recognition of some principles into the legal system, so

that, with the rise of post-positivist movement, as well as fundamental rights, the 132

fundamental precept breach arguing demonstrated unequivocally, aspects from both

doctrines mentioned above.

Keyword: legal positivism - Post-Positivism - Jurisprudence.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

CRFB/1988 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO MÉTODO CIENTÍFICO À LUZ DO

CARTESIANISMO .................................................................................................... 15

1.1. O PAPEL DO CARTESIANISMO PARA O CONHECIMENTO CIENTÍFICO:

BREVES CONSIDERAÇÕES ................................................................................ 18

1.2. O POSITIVISMO JURÍDICO COMO RAMO DO CONHECIMENTO

CIENTÍFICO ........................................................................................................... 22

1.2.1 O dogma da Onipotência do Legislador ................................................ 26

1.2.2 Caráter avalorativo do direito como ciência.......................................... 27

1.3 A TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO .................................................. 30

1.4 A TEORIA IMPERATIVISTA E O CRITÉRIO DE VALIDADE DA NORMA .... 33

1.5 MÉTODO DA CIÊNCIA JURÍDICA E O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO

............................................................................................................................... 37

1.5.1. O Papel da Escola da Exegese para o positivismo jurídico ................ 41

1.6. A TEORIA PURA DO DIREITO ...................................................................... 42

2 A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO: AS TEORIAS

DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E O PÓS-POSITIVISMO ................................... 46

2.1. O RESGATE DA TÓPICA E A NOVA RETÓRICA PÓS 1945: A ERA DOS

VALORES .............................................................................................................. 50

2.2 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA ................................................ 55

2.3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................ 59

2.4 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM ROBERT ALEXY .......................................... 62

2.5 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM RONALD DWORKIN .................................... 66

2.6 A TEORIA DA NORMA COMO PRINCÍPIO E REGRA. .................................. 69

2.6.1 Colisão entre princípios e o método da ponderação ............................ 74

2.7 O NEOCONSTITUCIONALISMO .................................................................... 75

3 O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS-POSITIVISTA: ASPECTOS

HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ............. 80

3.1 A FORÇA NORMATIVA E A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ................ 81

3.2. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL .......................................................... 86

3.2.1. Métodos clássicos de interpretação ..................................................... 87

3.2.2. Métodos de interpretação Pós-positivista ............................................ 89

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3.3 ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPIRMENTO

DE PRECEITO FUNDAMENTAL N. 132 DO STF ................................................. 92

3.3.1 Contexto histórico Processual da Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental n. 132 do Supremo Tribunal Federal. ........................ 94

3.3.2. Analise Metodológica dos Princípios Violados em Relação aos

dispositivos constitucional e legal questionados na arguição .................... 96

3.3.3. Aspectos Hermenêuticos na ADPF 132 .............................................. 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 112

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 116

ANEXO.................................................................................................................... 121

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INTRODUÇÃO

A presente monografia será dedicada ao estudo da teoria do direito sob as

perspectivas das doutrinas positivista e pós-positivista e buscará, a partir de um

ponto de vista histórico, contextualizar os aspectos hermenêuticos por ventura

aplicados no direito contemporâneo, mais precisamente na jurisprudência

constitucional do Brasil.

Contextualizar a interpretação do direito sob uma visão teórica à luz do

positivismo jurídico e da ascensão pós-positivista demonstra-se de suma importância

para compreender a interpretação e aplicação do Direito na atualidade, pois em

decorrência dos embates que dividiram a doutrina no século XX acerca do

pensamento jurídico ocidental, o direito contemporâneo interpretado pelo Supremo

Tribunal Federal demonstra forte influência de ambas as doutrinas pesquisadas, o

que justifica a sua importância.

Para proceder à investigação partir-se-á, inicialmente, de duas indagações

pontuais acerca do problema que irá orientar a terceira e ultima indagação, sendo a

primeira delas a respeito do que consiste o estudo do direito segundo o positivismo

jurídico e o que representa tal doutrina. A segunda indagação será a respeito de

saber quais as causas que culminaram na ascensão pós-positivista e no que

consiste esta doutrina, ao passo que a terceira e ultima indagação será saber se é

possível identificar aspectos hermenêuticos das escolas positivista e pós-positivista

no âmbito da jurisprudência do Supremo tribunal Federal, mais precisamente na

arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 daquela Corte.

A partir das indagações acima formuladas, as respectivas hipóteses são de

que o positivismo jurídico foi uma doutrina calcada na ideia de que o direito é tão

somente o direito produzido pelo legislador, cuja maior influência decorreu da

sistematização do estudo das ciências ocorrida nos séculos XIX e metade do século

XX, apoiada numa ideia de exatidão e objetividade, onde pouco se admitia juízos de

valores.

Já a hipótese relacionada ao estudo da ascensão e no que consistiu a

doutrina pós-positivista foi a de que as causas que culminaram no seu surgimento

estão relacionadas ao esgotamento do modelo positivista, bem como na

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necessidade de se reconhecer, para dentro da sistemática jurídica, a existência de

determinados princípios que permitiam a interpretação dos casos a partir de valores

como o de ética e justiça, ao passo que a terceira de tais hipóteses, relacionada à

jurisprudência constitucional brasileira, foi a de que a arguição de descumprimento

de preceito fundamental 132 apresenta aspectos hermenêuticos tanto positivista

quanto pós-positivista, na medida em que a Constituição Federativa do Brasil de

1988 adota como base da ordem democrática princípios como o da dignidade da

pessoa humana, da liberdade, dentre outros, o que demonstra de forma clara

aspectos tanto de uma quanto de outra doutrina.

O objetivo principal do trabalho será compreender o pensamento jurídico a

partir dos seus métodos interpretativos calcados nas escolas positivista e pós-

positivista, Investigando as origens e as características de cada uma de tais

doutrinas, bem como identificar aspectos hermenêuticos de tais escolas a partir de

uma análise jurisprudencial do direito contemporâneo brasileiro.

Com a referida pesquisa, tem-se a pretensão de contribuir para uma melhor

análise da própria dogmática jurídica, e por consequência uma análise mais crítica

do próprio direito a fim de se buscar melhores soluções para os conflitos sociais.

O método empregado na elaboração da pesquisa será o dedutivo, na

medida em que buscar-se-á, primeiramente, compreender os estudos da teoria do

direito sob os enfoques positivista e pós-positivista, para então concluir com a

pesquisa na busca de aspectos hermenêuticos de ambos os movimentos a partir de

uma análise jurisprudencial.

Será utilizada a técnica da documentação indireta por intermédio de

pesquisa documental de jurisprudência, Constituição Federal do Brasil de 1988,

Código Civil Brasileiro, pesquisa bibliográfica a diversos livros e artigos relacionados

à temática com vistas a fundamentar o resultado da proposta. Serão utilizadas ainda

a técnica do fichamento e a do referente.

No capítulo primeiro, será abordada a origem e as características do

positivismo jurídico e, sem querer fazer uma revisão histórica, será necessário fazer

este aporte a fim de se compreender a sua estrutura epistemológica e jurídica.

No capitulo segundo, serão analisadas as causas da ascensão pós-

positivista, bem como no que consistiu este movimento e quais foram suas principais

peculiaridades.

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Finalmente, no terceiro e ultimo capítulo, tratar-se-á da proposta principal,

que é constatar a existência de eventuais aspectos hermenêuticos e influência tanto

do positivismo jurídico quanto do pós-positivismo no julgamento da ADPF 132 do

Supremo Tribunal Federal e os argumentos e valores empreendidos na

fundamentação do julgado.

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1 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO MÉTODO CIENTÍFICO À LUZ DO

CARTESIANISMO

O positivismo jurídico como método científico à luz do cartesianismo

conduziu o estudo da Ciência do Direito a uma sistematização dedutiva

pretensamente perfeita, a partir de premissas tidas como verdadeiras e evidentes

sob influência do paradigma moderno de ciência1.

Como consequência, o cartesianismo, que considera a verdade a

ser alcançada mediante um único método, induziu todos os ramos do saber a adotar

um único método como verdadeiro método científico, fazendo com que todos os

demais ramos do conhecimento que ousassem questionar este método perdessem

sua credibilidade, uma vez que o conhecimento rigoroso que efetivamente

conduziria à verdade seria apenas o científico2.

A filosofia cartesiana foi, antes de tudo, uma grande ambição de

estender ao conhecimento universal o método matemático mediante o uso da razão

na busca da verdade, pois através de regras metodológicas teve por finalidade

descrever o pensamento matemático a partir do espírito humano3.

Esse modo de conceber este pensamento para o âmbito do direito

consistiu numa pretensão de alcançar-se uma filosofia social cientificamente

fundamentada, cujo necessário consistiu na elaboração metodologicamente

calculada de regras de condutas humanas, tendo estas somente um aspecto

material no concernente ao direito positivo4.

Para entendermos o positivismo jurídico como método científico do

cartesianismo, necessário se faz um breve aporte histórico acerca de seu

surgimento, bem como do próprio cartesianismo como método científico.

1 ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciências humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para

pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc 2 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 45.

3 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 13. 4 ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciência humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para

pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc.

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A sociedade medieval foi uma sociedade juridicamente pluralista,

caracterizada por feudos independentes, onde cada qual detinha o seu próprio

direito produzido não pelo estado, mas pela própria sociedade civil. Com a formação

do Estado Moderno, a sociedade passou a assumir uma estrutura monista e

concentradora de todos os poderes em si, dentre os quais o de produzir o direito, o

que podemos denominar de monopólio da produção jurídica por parte do Estado5.

O fim do contraste entre o direito comum civil, típico dos feudos da

idade média e, o direito estatal, foi representado pelas codificações do final do

século XVIII e início do século XIX, contexto o qual o direito estatal centralizou a

produção normativa, dando início à história do positivismo jurídico6. Aqui, podemos

mencionar o Código de Napoleão, que data do início do século XIX como sendo um

dos maiores símbolos da ascensão positivista.

Associado a este raciocínio, o paradigma cartesiano emergiu das

mudanças ocorridas na filosofia moderna ainda no século XVII, cujos resultados

trazidos a partir dos debates de Galileu, Déscartes, Hobbes, dentre outros,

culminaram num novo modelo de ciência7.

Neste contexto, Hobbes buscou deduzir logicamente e a partir de

evidências equivalentes às definições de geometria, suas conclusões acerca da

legitimidade do Estado e do poder soberano, afirmando ser esta a única forma de se

conceber uma verdadeira ciência política apartada de opiniões radicadas nas

paixões humanas8.

Para Bobbio, aquilo que Hobbes diz para justificar sua posição

contra o direito comum é muito importante, tanto que pode ser considerado como o

direito precursor do positivismo jurídico9.

5 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 26-27 6 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 32. 7 LUPI, Andre L. P. B. O papel da Tópica para a hermenêutica jurídica. p. 11.

8 LUPI, Andre L. P. B. apud Hobbes. O papel da Tópica para a hermenêutica jurídica. p. 11.

9 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 34.

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A partir do raciocínio de Pufendorf, teve-se o fenômeno da

sistematização, que pressupôs um sistema fechado e dedutivo para o direito, o qual

Puchta o assumiu como um todo lógico e piramidalmente estruturado10.

Com efeito, Bobbio afirmou que dois caracteres típicos podiam ser

encontrados na definição positivista do direito, a saber, o formalismo e o

imperativismo11:

Formalismo: Na definição não se faz referência nem ao conteúdo,

nem ao fim do Direito: não se define o direito nem com referência às ações que estão disciplinadas ao conteúdo de tal disciplina (não se diz, por exemplo, que o direito regulamenta as relações externas, ou intersubjetivas), nem com referência aos resultados que o direito deseja conseguir (não se diz que ele é constituído pelas normas postas para realizar a paz, ou a justiça, ou o bonum commune). Vice-

versa, a definição do direito é dada apenas com base na autoridade que põe as normas, e portanto com base num elemento puramente formal.

Imperativismo: O direito é definido como um conjunto de normas

com as quais o soberano ordena ou proíbe dados comportamentos aos seus súditos. O Direito, portanto, é um comando. Também para Hobbes se verifica aquilo que observamos anteriormente, segundo o que a concepção positivista do direito está estreitamente ligada à concepção absolutista do Estado.(grifou-se)

Destarte, constata-se que o positivismo jurídico teve como grande

característica uma evolução histórico cultural que derivou, concomitantemente, da

monopolização da produção normativa por parte dos estados modernos e do

movimento racionalista tipicamente iluminista, o qual, no ramo do saber jurídico,

buscou substituir o acumulo de normas por um direito puramente sistematizado e

deduzido através da razão, cuja legitimação se daria através da Lei e representou o

desenvolvimento extremo do racionalismo mediante o movimento pela codificação12.

Daí resulta, como implicância, os dogmas da onipotência do

legislador e da completitude do ordenamento jurídico, cuja solução adotada pelo

positivismo jurídico é o fato de que o juiz deve sempre encontrar a resposta para

todos os problemas jurídicos no interior da Lei, visto que nela estão contidos aqueles

10 LUPI, Andre L. P. B. O papel da Tópica para a hermenêutica jurídica. p. 15.

11 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37 12

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 55.

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princípios que, através da interpretação, permitem individualizar uma disciplina

jurídica para cada caso13.

Já ao final do século XIX e início do século XX, Kelsen reivindicou

para a ciência jurídica a semelhança da lógica e da matemática alhures mencionada,

mediante um objeto puramente ideal, restringindo-a ao simples campo do

racionalmente necessário14, onde buscou atribuir ao direito um status puramente

científico e apartado de todo e qualquer outro ramo do conhecimento, consoante

colhe-se do seguinte raciocínio:

Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto é, purificada de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica de seu objeto. (...) elevar a Jurisprudência (...) à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. (...) aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda ciência: objetividade e exatidão15.

Tecidas estas considerações acerca do positivismo jurídico como

método científico do cartesianismo, passamos a analisar suas principais

características jurídicade relevância para a presente pesquisa.

1.1. O PAPEL DO CARTESIANISMO PARA O CONHECIMENTO CIENTÍFICO: BREVES CONSIDERAÇÕES

A consequência do cartesianismo, considerando a verdade como

algo alcançável mediante um único método, fez com que todos os ramos do saber

que destoassem de tal construção perdessem a credibilidade. Com efeito, o

conhecimento rigoroso, aquele que conduz à verdade, é apenas um, qual seja, o

científico16.

Desta premissa, tem-se que o conhecimento matemático, portanto,

nos conduziu a um conhecimento verdadeiramente conclusivo, donde o espírito

deveria extrair todas as providências possíveis para satisfazer plenamente a si

mesmo, de maneira que a filosofia cartesiana teve como base as regras do método,

13 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 74. 14

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 48. 15

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. XI p. 16

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 45.

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que teve por finalidade descrever a maneira como o espírito pensa e daí estender a

todos os conhecimentos humanos o método matemático17.

Este modelo hegemônico de racionalidade que conduziu e conduz a

ciência moderna emergiu a partir da revolução científica do século XVI, a qual

ganhou, posteriormente, um maior destaque em seu desenvolvimento dentro das

ciências naturais. Uma das pretensões deste método racional científico consistiu

numa ideia de globalidade, porquanto as formas de conhecimento que não se

pautassem pelos seus princípios epistemológicos deveriam ser veementemente

negadas18.

Já no século XIX, este modelo racionalista científico passou a ser

estendido para as ciências sociais emergentes, o qual até admitia variedades

internas de acordo com as peculiaridades, contudo, por intermédio de fronteiras

devidamente policiadas, uma vez que o senso comum e os chamados estudos

humanísticos, dentre eles os jurídicos, eram vistos como potencialmente

perturbadores e intrusos19.

Para Vico, o método cartesiano não poderia ser utilizado em alguns

aspectos da vida humana em decorrência da fundamental importância desta e por

isso recusou veementemente sua extensão para todas as demais ciências20, como

pretendiam os seus entusiastas.

Contudo, cientes de que o pensamento aristotélico e medieval que

dominou o paradigma científico até a revolução do século XVII não primava

unicamente por uma objetividade lógica dos fatos do mundo e da vida, os

protagonistas do novo paradigma passaram a rejeitar todas as formas de

dogmatismo e de autoridade21.

As longas cadeias de razões dedutivas que os geômetras se

utilizavam para chegar às difíceis conclusões levaram os precursores do

cartesianismo a crer que todas as coisas que pudessem incidir no conhecimento

17 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2009. 13 p. 18

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 21. 19

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 21. 20

ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciência humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc . 21

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 23-24

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20

humano poderiam ser deduzidos da mesma maneira, uma vez que fazia-se

fundamental observar a ordem necessária das coisas para deduzi-las umas das

outras, pois somente os matemáticos puderam encontrar conclusões dentro de

razões certas e evidentes, raciocínio perfeitamente aplicável aos demais ramos do

saber para se buscar a verdade sem se iludir com falsas razões22.

Com base nestes pressupostos o conhecimento científico avançou

pela observação descomprometida e livre, sistemática e tanto quanto possível

rigorosa dos fenômenos naturais23, posto que, conforme assinala Santos24:

O rigor científico refere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante.

Destaca-se que ao invés da filosofia especulativa ensinada nas

escolas até o contexto da revolução cientifica25, o conhecimento geométrico calcado

no paradigma cartesiano mostrava que era possível se chegar a conhecimentos

mais úteis à vida, uma vez que permitiria se encontrar, mediante o rigoroso

conhecimento dos elementos naturais, uma filosofia prática que poderia ser

empregada aos demais ramos do saber capazes de tornar o homem senhor e

possessor da natureza26.

Claudia Rosane Roesler, ao mencionar Pera, afirma que após uma

série de expressivos sucessos, este componente epistêmico começou a desintegrar-

se sob o peso de sua própria construção, de maneira que as teses que continuaram

sendo defendidas para sustentar o paradigma cartesiano podem ser relacionadas,

esquematicamente, de modo a compreender que existe um universal e preciso

método que demarca a ciência de outras disciplinas intelectuais; que a aplicação

rigorosa desse método garante a realização dos propósitos da ciência e, por fim, que

22 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 36. 23

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 25. 24

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 27. 25

Aqui, Déscartes referia-se aos ensinamentos proporcionados pela escolástica. 26

DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 103-104

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21

se a ciência não possuir um método não poderá ser considerada um esforço

cognitivo e racional, ou seja, esta foi a denominada síndrome cartesiana27.

Deste modo, a natureza teórica do conhecimento científico decorreu

dos pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas acima referidas, pois

com vistas a prever o comportamento futuro dos fenômenos, segundo estas regras,

o conhecimento causal é que impulsionaria a formulação de Leis conforme as

regularidades objetivas e racionais do cartesianismo28.

Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria e dos

fenômenos é uma máquina perfeitamente determinada pelas operações exatas das

leis físicas e matemáticas, tornada cognoscível por intermédio do racionalismo

cartesiano por vias dos elementos que o constituem, do qual decorreu, aliás, a

pretensão de utilitarismo e funcionalismo, que no plano social, podemos mencionar o

estado positivo de Augusto Comte29.

Da mesma forma, assim como foi possível desvendar as Leis da

natureza, igualmente se chegaria à satisfatória descoberta das leis da sociedade,

pois o prestígio mecanicista da ordem das leis converteu a ciência moderna no

modelo de racionalidade hegemônica, que pouco a pouco passou a ser trasladado

do estudo da natureza para as ciências sociais, das quais Bacon, Vico e

Montesquieu foram os grandes precursores, de maneira que este ultimo estabeleceu

a relação entre as leis do sistema jurídico e as leis da natureza, o que

posteriormente veio a condensar-se no positivismo oitocentista30.

Das constatações acima aludidas, pode se inferir que as bases para

o positivismo jurídico foram lançadas diretamente pela denominada síndrome

cartesiana, que impulsionada pelo movimento racionalista iluminista, impregnou

posteriormente todos os demais ramos do conhecimento, o que no direito viu-se

através da monopolização da produção normativa por parte dos estados modernos,

conforme alhures mencionado.

27 ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade.

Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 35. 28

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 29. 29

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 30-31 30

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 32-33

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22

Montesquieu, considerado o pai da teoria dos três poderes e um dos

maiores expoentes iluministas, estabeleceu um vínculo entre as ciências empíricas e

particularmente com a física newtoniana ao definir a lei como relação necessária que

deriva da natureza das coisas, ou seja, ele fez uma analogia ao sistema de leis

naturais para fundamentar uma uniformidade na variação dos comportamentos e

formas de organizar os homens tal como é possível estabelecer as leis que regem

os corpos físicos, afirmando que igualmente as leis que regem os costumes e as

instituições são relações que derivam da natureza das coisas31.

Mas o principal objeto de Montesquieu foi a lei positiva, pois uma vez

incorporada a teoria política ao campo das ciências, bem como criadas leis e

instituições, diferentemente dos outros seres, os homens teriam a capacidade de se

furtar às leis da razão, as quais deveriam reger suas relações através de leis escritas

e costumes destinados a canalizar os seus próprios comportamentos32.

Portanto, o espírito das leis foi definitivamente o objeto de

Montesquieu, na medida em que buscou aproximar as relações entre as leis

positivas e as diversas coisas da natureza como a dimensão do estado, a

organização da economia, dentre outros, porquanto tentou explicar a permanência e

modificações das instituições humanas a partir das leis da ciência política33.

Tecidas estas considerações acerca da epistemologia científica

cartesiana, mormente voltada para o campo das ciências sociais, passamos a

discorrer acerca do positivismo jurídico como ramo do conhecimento científico

influenciado pelo cartesianismo.

1.2. O POSITIVISMO JURÍDICO COMO RAMO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Para darmos continuidade ao raciocínio tido como premissa nos

itens anteriores e manter a linha de raciocínio até aqui empreendida quanto à

epistemologia do conhecimento científico para o direito, até porque o positivismo

jurídico, por si só, denota uma ampla corrente que extravasa as fronteiras do

31 WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o

federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 115. 32

WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 115. 33

WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 115.

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23

meramente científico, e com vistas a não pecar em prolixidade, delimitaremos a

questão positivista, neste item, ao seu caráter científico normativista, destacando as

teorias imperativista da norma e do ordenamento jurídico, ambos corolários lógicos

culminantes no problema da interpretação, conforme adiante veremos.

Segundo Bobbio, o positivismo jurídico como teoria do direito pode

ser dividido em sete partes, quais sejam, como modo de abordar34; como definição

do direito35; fontes do direito; teoria da norma36; teoria do ordenamento jurídico37;

método da ciência jurídica como problema da interpretação e por fim, como teoria da

obediência38.

Partindo-se destas premissas e com vistas a lançar bases para o

debate acerca da teoria científica da interpretação do direito, da divisão de Bobbio

acerca da teoria do direito positivo imitaremos sua análise neste capítulo à teoria da

norma, do ordenamento jurídico e ao método da ciência jurídica como problema da

interpretação, pois muito embora os demais tenham relevante importância e venham

a ser ventilados de forma acessória na pesquisa, na medida do necessário, aqueles

três estão intrinsecamente relacionados com o objeto da mesma.

Com efeito, ao traçar um parâmetro histórico do positivismo jurídico,

Bobbio o precisou, provisoriamente, como sendo aquela doutrina segundo a qual

não existe outro direito se não o positivo, este a ser entendido, de maneira bem

específica, como sendo o direito posto pelo poder soberano do Estado mediante

normas gerais abstratas, o qual decorreu diretamente do impulso histórico para a

exclusividade da lei como fonte exclusiva do direito, a exemplo das grandes

codificações ocorridas entre o fim do século XVIII e o início do século XIX39.

Daí a importância de se conceber este contexto histórico do

positivismo jurídico, posto que uma de suas principais características deriva do

34 Segundo Bobbio, o positivismo jurídico responde ao problema da abordagem ao considerar o direito como um

fato e não como um valor. op cit., p. 131 35

Para o autor, o juspositivismo define o direito em função do elemento da coação, de onde deriva a teoria da coatividade. (BOBBIO, 1995) 36

O positivismo jurídico considera a norma como um comando, formulando a teoria imperativista do direito (BOBBIO 1995) 37

O positivismo jurídico sustenta a teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico. (BOBBIO 1995) 38

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 119. 39

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 119.

Page 25: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

24

fenômeno da monopolização da produção jurídica ocorrida na Europa continental a

partir da formação do Estado moderno40, conforme ventilado no primeiro item.

Neste passo, e considerando a impregnação cartesiana, concluiu-se

que assim como a ordem do universo repousava em leis naturais, universais e

imutáveis, a prevalência à lei como fonte do direito o compreendeu como

ordenamento racional da sociedade, cujo nascedouro poderia repousar tão somente

em comandos de normas gerais postas pelo poder soberano da sociedade, pois, se

o homem podia controlar a natureza através da renovação das leis, igualmente seria

capaz de transformar a sociedade mediante leis racionalmente postas pelo próprio

homem41.

Logo, os atos humanos são coordenados como um fim consciente

através das normas jurídicas do mesmo modo o qual as células se subordinam às

leis do organismo, uma vez que o mundo orgânico natural obedece, igualmente, a

um fim42, ao passo que as normas jurídicas surgem necessariamente de um anseio

da sociedade, consoante leciona Miguel Reale43:

Quando uma determinada norma, econômica ou moral, passa a ser considerada essencial “pela massa das consciências individuais”, e se generaliza uma atitude de repulsa contra toda e qualquer violação de uma norma social, então a norma passa a ser norma jurídica. O que distingue a norma jurídica é, pois, a adesão da massa dos espíritos, o consenso do maior número, a convicção de que ela é tão necessária aos fins da solidariedade social que a todos parece natural vê-la munida de proteção coercitiva do Estado

A partir do monopólio da produção jurídica, o direito passou a ser

constituído por um conjunto sistemático de normas racionalmente deduzidas e feitas

valer por intermédio da lei44.

A era denominada de Direito racional (1600 a 1800), contexto o qual

a ciência moderna ascendeu, conforme bem ponderado no item referente ao

40 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 26-27. 41

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 119-120. 42

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 77-78. 43

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 78. 44

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 55.

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25

cartesianismo, caracterizou-se pela influência dos sistemas racionais na teoria

jurídica45.

A entrada em vigor do Código Napoleônico de 1804 na França

representou um grande marco para a ciência do direito, uma vez que este Estatuto

teve uma ampla repercussão no pensamento jurídico e produziu uma grande e

fundamental influência no pensamento do direito tanto na era moderna quanto

contemporânea46.

As necessidades práticas da sociedade moderna cada vez tornadas

mais complexas exigiam mais e mais soluções técnicas para os conflitos sociais, os

quais estão na base do desenvolvimento das doutrinas jurídicas47, consoante

assinala Ferraz Júnior48:

É nesse momento que surge o temor que irá obrigar o pensador a indagar como proteger a vida contra a agressão dos outros, o que entreabre a exigência de uma organização racional de ordem social. Daí, consequentemente, o desenvolvimento de um pensamento jurídico capaz de certa neutralidade, como exigem as questões técnicas, conduzindo a uma racionalização e formalização do direito. Esta formalização é que vai ligar o pensamento jurídico ao chamado pensamento sistemático

O termo sistema, considerado por Lambert como mecanismo, partes

ligadas umas às outras independentemente, assim como um organismo,

representou o ideal clássico da ciência moderna e sob esta influência que a teoria

jurídica europeia passou a receber um caráter lógico-demonstrativo de um sistema

fechado, ou seja, numa teoria que devia legitimar-se perante a razão por meio da

exatidão lógica da concatenação de suas proposições, raciocínio este que vem

dominando desde então os códigos e os cabedais jurídicos conferidos por

intermédio de uma metodologia especial atribuída ao direito49.

45 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 41-42. 46

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 63. 47

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 42. 48

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 42. 49

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 42-43.

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26

O princípio da certeza do direito consubstanciou-se como corolário

quase lógico do paradigma racionalista instrumental que emergiu da premissa e do

dogma da separação dos poderes, uma vez que limitava a criatividade do interprete

da lei a um mero protagonista da vontade do legislador, o que motivou muitas

gerações de juristas adeptas ao positivismo jurídico50.

No que tange à teoria do ordenamento jurídico, ou sistema jurídico, a

unidade do direito, segundo os positivistas, corresponde uma mera unidade formal,

relativa ao modo pelo qual as normas são postas51, do qual decorrem os dogmas da

coerência e da completitude do ordenamento jurídico, ambos intrinsecamente

ligados entre si52.

1.2.1 O dogma da Onipotência do Legislador

Outra forte característica do positivismo jurídico é relacionada com o

denominado dogma da onipotência do legislador, que aliás, implica igualmente no

dogma da completitude do ordenamento jurídico, este a ser estudado mais adiante

quando da teoria do ordenamento jurídico.

O dogma da onipotência do legislador implica no raciocínio de que o

juiz deve sempre encontrar resposta para todos os problemas no espírito da lei53, ou

seja, os juízes são a boca que pronuncia as palavras da lei54.

Conforme assinalou Montesquieu, a teoria da equipotência, por ele

denominada, consistiu na separação dos três poderes, no qual o mesmo considerou

como condição primordial para a sobrevivência do Estado de Direito, donde a ideia

de equivalência consistia no fato de que as três funções, legislativa, executiva e

judiciária, deveriam ser dotadas de igual poder55.

50 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O positivismo jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1452, 23 jun.

2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10060>. Acesso em: 14 jan. 2012. 51

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. 199 p. 52

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 202. 53

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 74. 54

WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. 119 p. (nesta passagem, particularmente, citando Montesqueu) 55

WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 119.

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27

Montesquieu buscou na estrutura sistemática bicameral do

parlamento britânico a subdivisão dos três poderes, do qual um poder teria que

necessariamente servir de controle para o outro, de forma harmônica e moderada,

sem contrariar um ao outro, afirmando, ainda, que por intermédio da onipotência do

legislador o judiciário seria um poder nulo, ou seja, um mero porta-voz das palavras

do legislador56.

Desta forma, com a codificação mencionada alhures que dominou os

séculos XVIII e XIX, a mentalidade dos juristas contemporâneos passou a ser

dominada pelo princípio da autoridade, onde a vontade do legislador era expressa

de modo seguro e completo aos juristas, os quais bastavam ater-se ao ditado pela

autoridade soberana do legislador para uma satisfatória aplicação do direito57.

1.2.2 Caráter avalorativo do direito como ciência

Outra característica importante que não podia deixar de ser

destacada acerca do positivismo jurídico como ramo do conhecimento científico,

consiste na ideia de que toda a metafísica deveria ser banida do mundo da ciência

jurídica, a qual deveria restringir-se rigorosamente aos fatos e às leis desses fatos

empíricos, porquanto, somente os fatos sensíveis seriam suscetíveis de

conhecimento científico por intermédio da lógica e da matemática devidamente

comprovados pela via da experimentação, assim como e juntamente com as leis58.

Com efeito, o positivismo jurídico como ramo do conhecimento

científico foi levado a um status de verdadeira e adequada ciência, com as mesmas

características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais, donde decorre

como uma das principais características a avaloratividade, que na distinção entre

juízos de fato e juízos de valor, este ultimo deveria ser rigorosamente banido do

56 WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o

federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 119. 57

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 79. 58

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 46-47.

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28

campo científico, posto que a ciência consiste somente em juízos de fato59,

consoante aponta Larenz60:

Dado que a sua primeira e mais impressiva preocupação era excluir da ciência do direito a questão de um sentido ou de um valor com validade objetiva, o positivismo já foi precisamente classificado como uma orientação espiritual sobretudo negadora, como um negativismo (WELZEL). Todavia, não deve esquecer-se o ethos científico que determinou, frequentemente, a atitude do positivista: do positivista que considera as ideias eternas ou os valores absolutos como inatingíveis racionalmente e, por isso, receia fazer afirmações ou pressuposições indemonstradas. Esta humilde científica do positivista não exclui que ele tenha para si valores ou exigências éticas; só que os remete para o mundo das crenças pessoais e das convicções morais sobre os quais, do seu ponto de vista, não é possível um enunciado científico. Ele não nega, por exemplo, que a exigência de justiça valha para a consciência de cada um, mas é de opinião de que ela não é passível de conhecimento científico e de que, portanto, não constitui um princípio de uma ciência juspositivista. Quando muito, pode reconhecer a vivência da justiça como um fato antropológico que, enquanto tal, não pode nunca ser eliminado do pensamento jurídico (BRUSIIN); mas a ideia de justiça é que não chega a ser para ele um princípio cognitivamente objetivável, um princípio com validade universal e que, deste modo, possa ter relevância para o conhecimento do direito positivo (KELSEN). (grifos no original)

Desta forma, a ciência exclui do seu próprio âmbito os juízos de

valor com vistas a se tornar um conhecimento puramente objetivo, uma vez que

estes não passam de meros juízos subjetivos e pessoais e consequentemente

contrários à exigência da objetividade, na medida em que a ciência estuda o direito

como fato e, portanto, deve ser banida toda qualificação que se funda em definições

do direito como bom ou mau, justo ou injusto61.

Logo, a concepção formal do direito define portanto o direito

exclusivamente em função da sua estrutura formal, prescindindo completamente do

seu conteúdo, ou seja, considera somente o que é produzido e não o que ele

estabelece62.

59 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 135. 60

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 46. 61

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 135-136. 62

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 145.

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29

Por fim, com base em tais considerações acerca do positivismo

como ramo da ciência, estava configurado um dos caminhos para uma ciência no

estilo moderno dentro de um espírito empírico-analítico num sentido não tão rigoroso

como o de Déscartes ou Galileu, mas num sentido efetivamente pragmático de que

todas as hipóteses a serem comprovadas pelo crivo da ciência tornar-se-iam viáveis

pelo paradigma da experiência científica63, consoante lição de Ferraz Júnior64:

Com isso, fica aberta a trilha para que as situações sociais ali prescritas, com todas as suas condicionantes racionais, possam ser imaginadas como possíveis de existir como certas condições empíricas. Desse modo, a teoria jurídica consegue transformar o conjunto de regras que compõe o direito em regras técnicas controláveis na comparação das situações vigentes com as situações idealmente desejadas. Modifica-se, assim, seu estatuto teórico. Não é mais nem contemplação, nem manifestação de autoridade, nem exegese à moda medieval, mas capacidade de reprodução artificial (laboratorial) de processos naturais. Ela adquire, assim, um novo critério, que é o critério de todas as técnicas: sua funcionalidade.

Diante deste quadro revolucionário da ciência moderna, conforme

demonstrado, o direito foi igualmente influenciado por este movimento, tendo seu

ponto mais culminante no início do século XX em Kelsen, a ser estudado mais

adiante, quando tal modelo entra numa notória crise que culminará numa contra-

ofensiva dos seus opositores, naquela que ficou conhecida como a chamada

“batalha dos métodos” ou methodenstreit para os alemães65.

Com vistas a incrementar a pesquisa ainda no âmbito positivista,

como forma de bem delimitar sua sistemática, passamos a analisar a teoria do

ordenamento jurídico.

63 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 45 64

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 45. 65

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 133.

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30

1.3 A TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO

A análise acerca da teoria do ordenamento jurídico será procedida

com vistas a identificar o seu caráter sistemático conforme a teoria do positivismo

jurídico.

Segundo Bobbio, esta teoria como característica do positivismo

jurídico sustenta a teoria da coerência e da completitude, cuja primeira pretendia ver

no sistema somente uma norma válida para cada caso, rejeitando a antinomia, ao

passo que a segunda afirma que das normas do ordenamento, explícita ou

implicitamente, o juiz pode sempre extrair uma regula decidendi para resolver

qualquer caso que lhe seja submetido, excluindo assim a existência de lacunas66.

Vimos da teoria dos três poderes de Montesquieu que pela vontade

do poder legislativo é fixado o direito que deve reger determinada sociedade, poder

este que resulta da expressão da vontade do povo, sendo que, do Poder Judiciário,

verificou-se que este deve somente dizer o direito, mas não elaborá-lo, concepção a

qual nos leva a concluir por uma visão estritamente legalista, onde a passividade do

juiz satisfaz a necessidade social de segurança jurídica, a qual aproxima

logicamente o direito das ciências67.

Para esclarecer bem a questão relacionada às definições de

ordenamento jurídico e seus demais conceitos operacionais, mais uma vez se

recorrerá a Bobbio, o qual afirmou, em sua obra, que Savigny preferiu formular o

termo unidade para indicar coerência e o termo sistema para indicar ordenamento,

uma vez que este ultimo foi melhor elaborado pelo cientista do direito68, conquanto,

ambas serão utilizadas para prosseguimento da pesquisa.

Dito isso, confere-se que da teoria do ordenamento jurídico buscou-

se construir um sistema dedutivo na finalidade de aplicação do direito por intermédio

do juiz mediante uma operação de natureza impessoal, de maneira análoga a um

cálculo algébrico69, consoante leciona Perelman70:

66 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 133. 67

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 32. 68

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 202. 69

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33.

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31

Temos aqui uma tentativa de aproximar o direito quer de um calculo quer de uma pesagem, seja como for de algo cuja tranquilizadora exatidão deveria poder proteger-nos contra os abusos de uma justiça corrompida como a do antigo regime.

[...]

A doutrina devia limitar-se, nesta concepção do direito, a transformar o conjunto da legislação vigente em um sistema de direito, a elaborar a dogmática jurídica que forneceria ao juiz e aos litigantes um instrumento tão perfeito quanto possível, que conteria o conjunto das regras do direito, do que tiraríamos o maior do silogismo judiciário.

A teoria do direito na era moderna tenta aperfeiçoar-se a partir da

qualidade de sistema, que por intermédio de premissas, constrói silogisticamente

sua validade que repousa numa generalidade racional que, em nome de princípios

reconhecidos por esta mesma razão, torna-se um instrumento crítico da realidade

por intermédio do rigor lógico da dedução e o sentido crítico do direito71, uma vez

que:

A ideia de sistema significa o desabrochar de uma unidade numa diversidade, que desse modo se reconhece como algo coeso do ponto de vista do sentido. No entanto, essa unidade que o sistema há-de exprimir pode pensar-se de duas maneiras diferentes e alcançar-se, por conseguinte, por caminhos diferentes. Pode se pensar, antes de tudo, à maneira da unidade de um organismo – como uma totalidade significa que habita a diversidade e que só nela e com ela se manifesta. O Caráter orgânico do instituto jurídico e da sua unidade, de que Savigny fala no sistema, também só assim pode ser compreendido. A outra maneira em que a unidade pode pensar-se é a do conceito geral abstracto, limpo de tudo que haja de particular, sendo a este tipo de unidade que conduz a lógica formal72. (grifos no original)

Portanto, para se constituir em um instrumento perfeito, o sistema

jurídico deveria ter todas as propriedades exigidas de um sistema formal, a um só

tempo completo e coerente73.

Com efeito, para que um sistema axiomático formalizado fosse

definitivamente isento de qualquer ambiguidade, ou seja, coerente, a linguagem

artificial elaborada em lógica formal exigiria uma certa univocidade de seus signos,

bem como de seus processos, posto que se o sistema efetivamente é completo, ele

70 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33.

71 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 44. 72

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 22. 73

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33.

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32

deve oferecer condições de formular cada proposição em sua linguagem e se é

coerente, deve ser impossível demonstrar dentro dele a negação de uma

proposição74.

Conforme bem ponderou Carnelutti, a relação entre coerência e

completitude do ordenamento jurídico pode apresentar dois vícios para o direito,

quais sejam, um por excesso de normas, o que culmina na antinomia da qual

somente uma pode permanecer no sistema e que resulta, consequentemente, na

incoerência, e o outro por deficiência ou falta de normas, o que acaba por culminar

na lacuna, sendo que no primeiro caso o trabalho do jurista consiste na purgação do

ordenamento jurídico e no segundo em colmatar o próprio sistema75.

Não obstante, o sistema não deixa de ser comparável a um círculo

que acaba por se assemelhar a uma pirâmide conceitual determinada pelos

princípios da lógica formal, sendo que o ideal deste sistema lógico é atingido quando

no vértice se coloca o conceito mais geral possível, de maneira que todos os demais

conceitos definidos como espécies e subespécies venham a subsumirem-se entre si,

sempre do geral para o particular76.

Conforme a denominada geneologia dos conceitos, o conceito

supremo codetermina os demais conceitos por intermédio do seu conteúdo mediante

uma cadeia de que se deduzem todos os outros conceitos, conquanto, o problema é

saber de onde se procede o conteúdo desse conceito supremo, que para Puchta,

procederia da filosofia do direito77.

Ao indagar acerca da legitimidade e autorização do poder para por

as normas como forma de fechar o sistema, Bobbio responde afirmando que este só

pode ser fechado por intermédio de uma norma fundamental que venha a ocupar a

base do ordenamento jurídico, de maneira a conferi-lo unidade formal78.

Desta feita, verificou-se que a teoria do ordenamento jurídico como

característica do positivismo jurídico repousa na teoria da coerência da completitude,

74 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 33.

75 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 202. 76

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 22. 77

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 25. 78

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 202.

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33

onde o primeiro culmina diretamente no problema da antinomia, e o segundo no

problema das lacunas do direito, que agregados ao problema do conteúdo da norma

fundamental como forma de fechar o sistema, demonstram os problemas com os

quais positivismo jurídico deparou-se diante da pretensão de alcançar-se uma

verdadeira ciência aos moldes da ciência moderna.

De qualquer forma, Puchta foi quem induziu a ciência jurídica do seu

tempo a seguir as diretrizes de um sistema lógico dedutivo aos moldes de uma

pirâmide conceitual formal79, o que mais tarde foi aprimorado por Hans kelsen.

1.4 A TEORIA IMPERATIVISTA E O CRITÉRIO DE VALIDADE DA NORMA

Vimos, a propósito do início deste capítulo, que uma das principais

caracteres típicas encontrados na definição positivista do direito seria o

imperativismo da norma, uma vez que o direito é definido como um conjunto de

normas com as quais o soberano ordena e proíbe dados comportamentos aos

destinatários desta norma80, a qual está intrinsecamente relacionada à teoria do

ordenamento jurídico, estudada no item anteiror.

Pois bem, uma grande dificuldade que o positivismo jurídico

encontrou decorreu em grande parte de uma confusão entre dois estudos da

realidade social, quais sejam, da realidade como é e realidade como deve ser, bem

como da inadequada redução do fato à norma ou vice-versa e, por fim, da confusão

entre juízos de fato e juízos de valor81.

A mencionar Stammler, Reale aduz que este autor se manteve fiel à

Escola de Marburgo ao afirmar que o dever ser deveria ser entendido como uma

forma e conceitos lógicos que integram o máximo possível de multiplicidade de

relações sociais, sem nenhum dado efetivamente representativo da experiência, ou

seja, meramente abstrato e tipicamente positivista82.

79 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 23.

80 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37. 81

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 135. 82

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 143.

Page 35: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

34

Dentre as várias tentativas empreendidas no sentido de caracterizar

o direito por meio de um elemento jurídico normativista, Bobbio considerou quatro

critérios essenciais, quais sejam, o critério formal, material, critério do sujeito que

põe a norma e por fim, o critério do sujeito ao qual a norma se destina83.

A questão da estrutura da norma jurídica está diretamente

relacionada com a função do direito, que é ordenar a vida em sociedade e assim

orientar a conduta de seus membros e o funcionamento de suas instituições e é por

intermédio da norma que procura garantir-lhe eficácia ao atribuir-lhe consequências

negativas ou punitivas à sua violação ou, ainda, positivas com relação a seu

cumprimento84.

Neste sentido, Bobbio afirma que a teoria imperativista da norma

jurídica está estreitamente vinculada à concepção legalista estatal do direito, cuja

expressão maior é a que considera o estado como única fonte do direito por

intermédio do poder normativo da lei como única expressão do direito, esta por sua

vez, positivada mediante a estrutura de um comando85.

Com efeito, afirma que o imperativismo da norma se subdivide em

positivo mediante comando e negativo mediante proibição, porquanto, ambos

relacionam-se diretamente com a razão de obedecer ao comando pelo seu valor

formal como manifestação da vontade do superior, diferentemente, por exemplo, de

um conselho, o qual possui um mero valor substancial86.

Cavalcanti, por sua vez, afirma que a norma jurídica depende

sempre da existência de disposições no sentido de impor alguma ação ou abstenção

para o seu destinatário, ou seja, aquele a quem a ação ou abstenção é imposta87.

Para Bobbio, os destinatários da norma podem ser denominados de

sujeitos passivos, o que implica logicamente em afirmar a existência de um sujeito

ativo, sendo o ativo aquele que dá o comando por intermédio da autoridade, que lhe

é delegada, a constranger o sujeito passivo à obediência, ao passo que este

83 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. São Paulo: Edipro, 2011. p. 22.

84 MONTORO, André Franco, Estudos de filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 206.

85 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37. 86

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 184-187. 87

CAVALCANTI, Arthur José Faveret. A estrutura lógica do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 11.

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35

consiste no sujeito destinatário da norma, que encontra-se em posição de obrigação

em relação ao comando normativo, cuja razão de obedecer decorre estritamente do

seu valor formal decorrente da manifestação da vontade do superior88.

Neste ponto, Tércio Sampaio Ferraz Junior afirma que do ponto de

vista prescritivo, as normas são imperativos ou comandos de uma vontade

institucionalizada apta a comandar, porquanto, encontra-se numa relação de

vontades no sentido de obrigar ou proibir através do poder coercitivo daquela que é

vontade mais forte89.

Com efeito, comandar é caracteristicamente exercer autoridade

sobre homens mediante o respeito pela autoridade suprema por parte dos

destinatários da norma, pois sempre que houver um sistema jurídico, deverá haver

homens ou um corpo de homens que emitam essa ordens, cuja obediência deverá

ser observada coercitivamente90, consoante leciona Hans Kelsen91:

Se a coerção, no sentido descritivo, é um elemento essencial do direito, então as normas que formam uma ordem jurídica devem ser normas que estipulam um ato coercitivo, uma sanção. Em particular, as normas gerais devem ser normas nas quais certa sanção é tornada dependente de certas condições, sendo esta dependência expressada pelo conceito dever ser.

Neste sentido, o conceito de dever jurídico refere-se exclusivamente

a uma ordem jurídica positiva e não tem qualquer espécie de implicação moral92.

Não obstante, as normas não só prescrevem ou proíbem uma

determinada conduta, não só a autorizam, como também atribuem competência

mediante delegação ao emprestar competência a um determinado órgão ou

indivíduo para produzir o direito93, dentre outras ramificações deônticas que formam

o sistema, mas que não constituem objeto da pesquisa.

88 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 183-184. 89

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 74-75. 90

HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 4. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005. p. 31. 91

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado e do Direito. 4. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 62. 92

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 131. 93

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 132.

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36

Contudo, um dos principais aspectos da norma consiste no seu

critério de validade, o qual é de suma importância para a pesquisa, uma vez que

com o critério de validade foi que o positivismo jurídico buscou determinar os limites

do direito em relação à moral e à política94.

Ademais, para que a coerência autoprodutiva-normativa do sistema

seja mantida, é necessário que o topo do sistema seja ocupado por uma norma

suprema cuja validade das demais normas dela dependam, pois para que se forneça

um efetivo conceito autônomo do direito, ou seja, apartado da moral e da política95, a

validade assume a seguinte noção:

Para isso, assume como uma categoria central a noção de validade, que lhe permite excluir a justiça e a eficácia, como critérios identificadores do jurídico. Pelo recurso à noção de validade, o direito é reconduzido a si mesmo, dado que a validade é uma qualidade jurídica, determinada pelo próprio direito positivo96.

Neste sentido, a norma fundamental ganha relevo como sendo uma

condição lógico-transcendental do conhecimento jurídico, porquanto, Kelsen

empreende este raciocínio na preocupação com a constituição de uma ciência do

direito e epistemologia jurídica97, consoante assinala Barzotto:

Quando a categoria da validade é utilizada para os ordenamentos estatais modernos, dizer que uma norma é válida é afirmar que ela foi produzida em conformidade com uma norma do sistema. A validade, tomada como existência jurídica da norma, é irredutível à eficácia (plano dos fatos) e à justiça (plano dos valores). A validade de uma norma depende somente da conformidade com a norma que regula sua produção. Remontando de norma a norma, atingimos uma norma suprema (norma fundamental em Kelsen, norma básica em Ross, regra de conhecimento em Hart), que dá início a todas as séries normativas que compõem o sistema.

Ou seja, o que dá validade à norma jurídica é a relação de criação

entre a norma superior e a norma inferior, esta regulada diretamente por intermédio

daquela mediante uma relação de hierarquia, o que constitui unidade ao sistema

mediante o processo de criação, cujo caráter Kelsen definiu como sendo de caráter

94 BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart.

São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 21. 95

BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 22. 96

BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 24. 97

BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 27.

Page 38: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

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dinâmico, sendo este finalizado por uma norma fundamental e mais superior, cuja

supremacia do fundamento de validade da ordem jurídica integral constitui sua

unidade98.

Por fim, vale mencionar que a norma fundamental como um dos

mais importantes conceitos em Kelsen coexiste mediante uma dupla função, quais

sejam, a de ordem epistemológica e a de ordem ontológica, sendo que a pesquisa

neste capítulo restringir-se-á à ordem epistemológica, a qual busca a condição

lógico transcendental de possibilidade do conhecimento jurídico99, o que será mais

detalhado adiante em Kelsen.

1.5 MÉTODO DA CIÊNCIA JURÍDICA E O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO

De modo a compreender a atividade científica do jurista, o método

da ciência jurídica ou problema da interpretação, aqui a ser concebido mediante a

interpretação, integração, construção e criação do sistema, encontrou grandes

dificuldades dentro da teoria positivista, uma vez que este método, que sustenta

uma teoria da interpretação mecanicista mediante a prevalência do elemento

declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito, foi o ponto escolhido pelos

adversários do positivismo para desencadear uma verdadeira contra-ofensiva ao

modelo positivista100.

Logo, empregando uma imagem moderna, poderíamos dizer que o

juspositivismo considera o jurista uma espécie de robô ou calculadora eletrônica101.

Kelsen buscou definir os limites da interpretação dentro do

positivismo jurídico subdividindo-a em interpretação autêntica e doutrinária, sendo

aquela a interpretação dada ao texto da lei por autoridades competentes, e esta

98 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado e do Direito. 4. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins

Fontes, 2005. p. 181. 99

BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 41. 100

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 133. 101

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 133.

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38

desenvolvida pela doutrina alienígena à legitimidade estatal, que tem por

característica, por exemplo, opinar, ou, emitir um parecer acerca do direito102.

O debate que é colocado em cheque por Kelsen consiste na

possibilidade em se obter uma teoria cientifica da interpretação jurídica que permita

falar essencialmente em verdade, não em fantasia ou falácia, pois ao emitir uma

sentença o juiz deverá determinar o sentido e o alcance da norma jurídica e assim

produzir um enunciado normativo mediante o ato de decidir, diferentemente da

interpretação doutrinária, cuja opinião não tem força vinculante como a do órgão

competente103.

Para Bobbio, na atividade relativa ao direito podem ser distinguidas

duas etapas, quais sejam, um momento ativo ou criativo do direito e um momento

teórico ou cognoscitivo, tendo este sua principal manifestação na própria ciência do

direito ou jurisprudência e aquele sua manifestação tipicamente na legislação 104.

É no segundo de tais momentos que reside o ponto mais atacado

pelos antipositivistas, visto que os positivistas defendem a ideia de que a atividade

cognoscitiva consiste numa atividade meramente declarativa, reprodutiva, passiva e

contemplativa de um direito preexistente e posto pelo legislador como objeto já

dado, ao passo que os antipositivistas defendiam uma atividade criativa e produtiva

de um novo direito mediante um conhecimento ativo do objeto que o próprio

interprete contribui para produzir105, consoante bem elucida Bobbio106:

O positivismo jurídico é, realmente, acusado de sustentar uma concepção estática da interpretação, que deveria consistir somente na reconstrução pontual da vontade subjetiva do legislador que pôs as normas, sem se preocupar em adaptar estas ultimas às condições e exigências histórico-sociais variadas, como faz, ao contrário, a interpretação evolutiva sustentada pela corrente antipositivista

102 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado e do Direito. 4. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins

Fontes, 2005. p. 387-388. 103

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 227-228. 104

Aqui, o conceito de jurisprudência deve ser entendida como sinônimo de ciência do direito, decorrem de uma assimilação historicamente produzida e refletem uma generalizada aceitação da ideia de que aquilo que o jurista faz é ciência [...](ROESLER, 2004) 105

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 211. 106

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 213-214.

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39

Neste ponto, a questão consiste em determinar o sentido das

normas, bem como o correto significado dos seus textos e intenções, tendo como

finalidade a decidibilidade prática dos conflitos no sentido de não apenas conhecer o

texto, mas também definir-lhe a força e o seu alcance em conformidade com os

dados atuais do problema com base na norma enquanto diretivo para o

comportamento107.

Neste sentido, assinala Larenz108:

A interpretação da lei é um processo de duplo sentido, em cujo decurso se conforma a situação de facto definitiva enquanto enunciado, a partir da situação de fato em bruto, atendendo às proposições jurídicas potencialmente aplicáveis, e se precisa o conteúdo das normas a aplicar, atendendo mais uma vez à situação de facto, tanto quanto seja necessário. Interpretar é uma atividade de mediação, pela qual o interprete traz à compreensão o sentido de um texto que se lhe torna problemático.(grifos no original)

No que tange à questão da plurivocidade dos sentidos a que podem

ser atribuídos à norma, Kelsen afirma que esta questão foge da questão

epistemológica do direito, porquanto a interpretação científica é pura determinação

cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, visto que a interpretação jurídico

científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer possíveis significações de

uma norma jurídica e, por estas razões, deve deixar a decisão entre as

possibilidades por si mesmas reveladas ao órgão competente para aplicar o

direito109:

Na medida em que, na aplicação da lei, para além da necessária fixação da moldura dentro da qual se tem de manter o ato a pôr, possa ter ainda lugar uma atividade cognoscitiva do órgão aplicador do direito, não se tratará de um conhecimento do Direito positivo, mas de outras normas que, aqui, no processo da criação jurídica, podem ter sua incidência: normas de moral, normas de justiça, juízos de valor sociais que costumamos designar por expressões correntes como bem comum, interesse do Estado, progresso, etc. Do ponto de vista do direito positivo, nada se pode dizer sobre a sua validade e verificabilidade. [...] São determinações que não resultam do próprio

Direito positivo110.

107 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 221. 108

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 22. 109

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 395-396. 110

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 393.

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40

Ao questionar os métodos procedimentais racionais do positivismo

jurídico no que tange à equivocidade (vagues e ambiguidade da norma) da

plurivocidade dos sentidos normativos, Ferraz Junior acusa os positivistas,

especialmente Kelsen, de falsearem resultados e ultrapassarem as fronteiras da

ciência em nome de uma pretensa cientificidade, porquanto cabe à ciência jurídica

descrever o fenômeno da interpretação em seus devidos limites, e neste ponto é que

os positivistas deveriam admitir a hipótese de que o doutrinador não pode,

efetivamente, chegar a uma conclusão verdadeira mediante o método lógico-

dedutivo111.

Neste ponto, o autor menciona que Kelsen mediante uma analogia a

um texto final de um de seus contemporâneos de Viena, afirmou que o que não se

pode falar, deve-se calar, e que desta declaração pode se inferir que o que a ciência

jurídica não pode descrever, deve omitir112.

Destarte, resta evidente, outrossim, que o juspositivismo possui uma

concepção formalista da ciência jurídica, pois prima pelas formas mediante

conceitos jurídicos abstratos e a deduções puramente lógicas que se possam fazer

com base nestes conceitos, mascarando a verdadeira realidade social dos conflitos

que o direito regula, os quais deveriam, segundo os antipositivistas, guiar o jurista na

sua atividade113.

Esta ciência construtiva e dedutiva do direito recebeu usualmente o

nome de dogmática do direito, que consistia na elaboração de conceitos

fundamentais, extraídos da base do próprio ordenamento jurídico, não sujeitos à

revisão ou discussão114.

111 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 229. 112

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 229. 113

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 221. 114

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 220.

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41

1.5.1. O Papel da Escola da Exegese para o positivismo jurídico

Importante esclarecer, que o presente capítulo restringe-se ao

positivismo jurídico como ramo do conhecimento científico e, não obstante este

fenômeno ter sido estudado por doutrinadores do mundo inteiro, a exemplo da

Escola Analítica na Inglaterra e outras escolas, nos restringiremos a expor o

positivismo jurídico europeu-continental. É neste particular que a escola da exegese

assume grande relevo, na medida em que a França foi considerada o berço do

positivismo jurídico115.

A Escola da exegese se propôs a realizar os objetivos inerentes aos

ideais da revolução francesa, no sentido de reduzir o direito à lei de um modo mais

particular por intermédio do Código de Napoleão116, consoante Norberto Bobbio117:

A escola da exegese deve seu nome à técnica adotada pelos seus primeiros expoentes no estudo e exposição do código de Napoleão, técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código.

Esta concepção foi fiel à doutrina da separação dos três poderes e

identificava o direito estritamente com a lei, confiando aos tribunais a missão de

aplicar a lei aos fatos numa relação de causa e efeito como consequência jurídica

em conformidade com o sistema de direito em vigor, porquanto uma vez

estabelecidos os fatos, bastava formular o silogismo judiciário donde a premissa

maior deveria ser fornecida pela regra de direito respectiva e premissa menor nas

condições diretamente subsumíveis à premissa maior, sendo a decisão dada pela

conclusão do silogismo118, concepção esta da escola, aliás, intrinsecamente

relacionada com o formalismo científico:

Entende-se por formalismo científico a concepção da ciência jurídica que dá relevo predominantemente à interpretação lógico sistemática de preferência teleológica; segundo a concepção formalista da interpretação (característica da escola da exegese), as concretas regula decidendi são extraídas da norma legislativa,

desconsiderando a finalidade perseguida por esta, o conflito de

115 MAGALHÃES, Oscar José Echenique. O positivismo jurídico no século XIX na França e na Inglaterra.

Pelotas: Revista do Direito. 27-57, 2000. p. 27. 116

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 31. 117

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 83. 118

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 32-33.

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interesses que se deve dirimir e assim por diante, mas essencialmente com base numa operação de caráter lógico119.

Para Norberto Bobbio, os fundamentos que justificam o advento da

escola da exegese e que, igualmente, legitimam suas características são cinco,

quais sejam, pelo fato da codificação, que serve de parâmetro para resolver as

controvérsias; a mentalidade dos juristas, dominados pelo princípio da autoridade; a

terceira, que aliás, pode ser considerada como justificativa jurídica à fidelidade ao

código é a doutrina da separação dos poderes; princípio da certeza do direito,

segundo o qual somente com o exato conhecimento prévio das consequências de

seu comportamento pode o direito ter um critério seguro de conduta e, por fim, um

denominado de natureza política decorrente das pressões exercidas pelo regime

napoleônico120.

A Escola da exegese foi, portanto, uma das forças mais influentes do

positivismo jurídico, na medida em que buscou estabelecer uma diretriz global para

a interpretação do Código de Napoleão mediante todas as propriedades exigidas de

um sistema formal, a um tempo só, completo e coerente121, porquanto o princípio da

autoridade é contemplado e pronunciado pelo absoluto respeito que os expoentes

tem pela lei122.

1.6. A TEORIA PURA DO DIREITO

Kelsen inicia sua obra a Teoria Pura do Direito estabelecendo um

limite acerca do objeto da ciência do direito, afirmando que seu objetivo não é fazer

política jurídica, mas sim aproximar tanto quanto possível os seus resultados do

ideal de toda ciência: objetividade e exatidão123.

Desta forma, Kelsen reivindica para a ciência jurídica, à semelhança

da lógica e da matemática, um objeto puramente ideal, restringindo-a ao simples

campo do racionalmente necessário124.

119 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São

Paulo: Ícone, 1995. p. 146. 120

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 78-81 121

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 31-33. 122

BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 89 123

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XI. 124

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 23.

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A primeira metade do século XX foi dividida por um debate que

discutiu o status científico da ciência jurídica, onde de um lado encontrava-se a

corrente positivista mais radical, a qual afirmava a cientificidade, sistematicidade,

bem como a presença exclusiva dos métodos da ciência moderna calcada modelo

axiomático dedutivo ao direito e, de outro lado, aqueles que procuravam atribuir ao

direito um caráter mais aberto com base no denominado modelo retórico125, o que

será objeto do próximo capítulo.

Com efeito, a teoria pura do direito buscou apartar o direito de todo e

qualquer campo estranho à ciência jurídica, como a ética, a sociologia, a psicologia,

pois seria uma teoria verdadeiramente do direito positivo e não de uma ordem

jurídica em especial e, por esta razão, quer única e exclusivamente e tão somente

conhecer o seu objeto respondendo a seguinte indagação: o que é e como é o

direito?126

Kelsen procura responder a esta questão afirmando

categoricamente127:

Na definição evidente de que o objeto da ciência jurídica é o direito, esta contida a firmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou consequência, ou – por outras palavras – na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas. Pelo que respeita à questão de saber se as relações inter-humanas são objeto da ciência jurídica, importa dizer que elas também só são objeto de um conhecimento jurídico enquanto relações jurídicas, isto é, como relações que são constituídas através de normas jurídicas.

Kelsen declara que o direito para ser entendido como Direito Positivo

deve pertencer a um domínio do dever ser como produto normativo, o que vale, por

si só, sem nenhuma orientação prática da conduta, ou seja, trata-se de uma lógica

apartada do eticamente finalista128.

Afirma ser a teoria jurídica científica subdivida em estática e em

dinâmica, onde esta tem por objeto o processo jurídico em que o direito é produzido

125 ROESLE, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciência humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para

pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc. 126

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 1. 127

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 79. 128

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 154.

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e aplicado em seu literal movimento, ao passo que aquela tem por objeto o direito

como um sistema de normas em vigor, ou seja, no seu momento estático129.

Por outro lado, ao fazer uma analogia entre a relação de causa das

ciências naturais e a ciência jurídica, Kelsen define como princípio da imputação

aquele determinado pela ordem jurídica ao destinatário da norma, porquanto na

ciência jurídica o princípio da imputação obedece a uma proposição normativa, ao

passo que na natural obedece a uma causa descritiva do objeto, sendo que ambas

ligam entre si dois objetos, cuja ordem jurídica repousa no universo do dever ser

mediante uma proposição jurídica a ser produzida através de uma norma

estabelecida pela autoridade jurídica130.

Todavia, para Miguel Reale este dever ser não se refere a uma

ordem de realidade, tampouco a uma ordem de valores concretos, uma vez que,

assim como as figuras geométricas são concebidas prescindivelmente à uma exata

correspondência no plano físico, as regras de direito se assemelham a figuras

geométricas limitadas ao âmbito da idealidade normativa, sem nenhuma

correspondência com os atos e as atitudes antrópicas, quedando-se exagerada a

doutrina de Kelsen neste sentido131.

Desta forma, observa-se que Kelsen, ao buscar definir o objeto da

ciência pura do direito, afasta como metajurídica toda a consideração sobre o justo,

social, político, etc. e, com esta sua ambição em definir o objeto da ciência jurídica,

acaba por marcar um apogeu da corrente positivista, atingindo seu ponto extremo de

generalidade conceitual e da abstração sistemática, o que, inequivocamente, passa

exigir deste modelo uma revisão de seus próprios pressupostos conceituais132.

De qualquer forma, a relação entre proposição do dever ser jurídico

direcionado ao destinatário da norma mediante o princípio da imputação pode ser

assim resumido:

Na medida em que a ciência jurídica em geral tem de dar resposta à questão de saber se uma conduta concreta é conforme ou é contrária

129 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 79. 130

KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 85-87. 131

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 155. 132

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 155.

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ao Direito, a sua resposta apenas pode ser uma afirmação sobre se essa conduta é prescrita ou proibida, cabe ou não a competência de quem a realiza, é ou não permitida, independentemente de merecer a sua aprovação ou desaprovação133

Para Kelsen, como vimos, o Direito está todo no domínio do dever

ser e entre ser e dever ser ele não vê ponto de contato134.

Outro crítica importante tecida ao raciocínio de Kelsen reside no

ponto em que o autor busca fundamentar a validade das normas jurídicas através de

uma técnica que está de acordo com a totalidade do sistema, que culmina mediante

sucessivas referibilidades numa normal fundamental hipotética, a qual,

diferentemente das demais normas do sistema, não é posta, mas sim pressuposta135.

Segundo Reale, com essa teoria da norma hipotética fundamental,

de que esta é pressuposta, Kelsen busca mascarar duas orientações divergentes

que o induziriam à quebra de sua coerência tecnicista, quais sejam, a de recorrer a

um princípio de direito natural (ser), e de fundamentar a ordem jurídica sobre um

puro fato sociológico, psicológico ou econômico, uma vez que admitir tal

questionamento seria abandonar o positivismo jurídico e admitir um critério

metafísico para o âmbito do Direito136.

Dentre os positivistas, Kelsen foi quem mais buscou um conceito

autônomo de direito de modo mais explícito, pois como fenômeno social, o direito

delimitar-se-ia mediante o conceito de validade da norma, que ocupando o topo da

pirâmide normativa, subsidia todas as demais normas de forma concatenada dentro

do sistema, de forma a direcionar, tecnicamente, ao destinatário da norma a sua

conduta por intermédio da máxima axiomática do dever ser137.

133 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 89. 134

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 168. 135

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 168/169 p. 136

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 170 p. 137

BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. 21 p.

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2 A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO: AS TEORIAS

DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E O PÓS-POSITIVISMO

Como visto no capítulo anterior, o positivismo jurídico como ramo do

conhecimento científico tem como fortes características o formalismo e o

imperativismo normativo, pois em decorrência da influência do modelo moderno de

ciência para dentro das ciências sociais buscou-se identificar as peculiaridades do

comportamento humano para daí deduzir regras de conduta postas unicamente pelo

poder soberano estatal no que tange à ciência do direito.

O positivismo jurídico, apresentado segundo o raciocínio de Hans

Kelsen mediante um sistema hierarquizado de normas, se opunha a qualquer teoria

do direito natural ao negar qualquer filosofia dos valores e buscava eliminar do

direito qualquer referência à ideia de justiça, ideologia dominante até o fim da

Segunda Guerra Mundial138.

A teoria pura do direito, portanto, demonstrou-se incapaz de fornecer

qualquer diretriz no sentido de orientar o intérprete no momento de escolha do

sentido a ser dado à norma na aplicação ao caso particular, ou seja, não existe

razão prática, pois a interpretação kelseniana resume-se a um processo decisório

por meio do qual o intérprete, mediante um ato de vontade, escolhe os sentidos

possíveis conforme o texto normativo (método subsuntivo) o que impede o jurista de

ver além da descoberta dos sentidos literais possíveis para o texto legal139.

Segundo Miguel Reale, a partir da Segunda Grande Guerra Mundial

os sistemas jurídicos modernos passaram a apresentar como característica uma

grande e crescente luta contra o formalismo jurídico, pois a partir de um repúdio às

soluções puramente abstratas, a tendência que se percebe é de cada vez mais

correlacionar as soluções jurídicas com a realidade social concreta na qual vive os

indivíduos e grupos140, conforme pode-se conferir da seguinte lição:

138 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 91.

139 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na

argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais. ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 140

REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. XVIII.

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Não resta dúvida que, enquanto perdurou o primado da filosofia positiva, como atitude geral englobante de várias orientações afins, como as de Comte, Spence ou Stuart Mill, houve certa correlação ou correspondência entre as idéias dominantes e a atitude do jurista, o qual, na esfera particular de sua ciência, procurava obedecer aos critérios metodológicos vigentes nos demais ramos do conhecimento; mas não é menos certo que a atividade positivista, no seu afã de objetividade estrita, levava o jurista a exacerbar o culto dos textos legais, com progressiva perda de contato com a realidade e os valores ideais141.

Segundo Perelman, as concepções modernas do direito e do

raciocínio judiciário desenvolvidas após o contexto da ultima guerra mundial,

constituem uma forte reação contra o positivismo jurídico, principalmente pelos

aspectos da escola da exegese, vista alhures, que interpretava os textos legais

consoante a vontade do legislador, e da concepção analítica dedutiva do direito142,

sendo oportuno mencionar o professor Técio Sampaio Ferraz Jr. neste ponto no que

tange à plasticidade de que são dotadas as normas, diferente do que propunha à

escola da exegese:

A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Ou seja, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de decidibilidade de conflitos com base na norma enquanto diretivo para o comportamento143.

Nesta esteira, já no fim do século XIX começou-se a perceber a

existência de um conflito entre os fatos e os códigos, pois pode-se dizer que cessou,

como por encanto, “o sono dogmático” dos “técnicos do direito” e as cogitações

filosófico-jurídicas reconquistaram a perdida autonomia144.

Desta forma, a crise do direito demonstrou-se como um aspecto

relevante decorrente da crise geral da civilização contemporânea, de maneira que os

141 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. 2-3.

142 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 91.

143 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 221. 144

REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. 5.

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fenômenos ideológicos e o violento impacto das ciências sobre a sociedade

discreparam ainda mais o significado problemático e contingente das estruturas

jurídico-formais145.

Os fatos que sucederam na Alemanha a partir de 1933,

demonstraram que não há como identificar o direito com a lei, porquanto não há

como desprezar certos princípios que, muito embora não estejam positivados

expressamente na lei, impunham-se a todos aqueles de modo a compreender que o

direito é também a expressão de valores, dentre os quais figura o primeiro plano de

justiça146.

No embalo desta contra ofensiva ao positivismo jurídico, constatou-

se que na aplicação do direito é necessário observa-se a existência de valores e

princípios pré e pós-legislador, ou seja, antes, durante e após a criação da lei, esta,

por sua vez, que acaba por atingir uma maturidade na interpretação com a prática

judiciária, deixando de ser, o raciocínio jurídico, uma simples dedução silogística,

mas também, uma constante busca por parte do juiz de uma solução equitativa para

o caso concreto em conformidade com o direito justo e socialmente aceito147.

Neste ponto, é importante destacar que o movimento que se inicia a

partir do contexto do pós-guerra como forma de repudiar as meras técnicas de

resultados científicos para o direito, irá também primar por aquele que Giambattista

Vico denominou, ainda no século XVIII, de o saber dos antigos, cuja sua

recomendação, a retórica, guarda em si as verdades ricas em consequências

práticas que requerem do consenso sabiamente obtido um parecer verdadeiro do

senso comum dos cidadãos que debatem publicamente148.

Outro ponto importante a ser destacado no contexto pós positivista,

é justamente os crescentes movimentos sociais de camadas mais abastadas da

sociedade até então, porquanto sindicatos, associações, dentre outros seguimentos

passaram igualmente a revindicar direitos daqueles que, de certa forma, vinham

sendo renegados pela sistemática liberal positivista, culminando num pluralismo de

145 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. 6.

146 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 95.

147 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 113-114.

148 ROESLER, Cláudia Rosane. Theodor Viehweg e a Ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade.

Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 22.

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forças sociais que passaram a integrar as fontes da produção normativa, seja por

intermédio de seus representantes nos parlamentos, seja até mesmo por

movimentos extra parlamentares149, o que pode ser compreendido, inclusive, como

direito de terceira dimensão segundo definição de Bobbio.

Logo, tornou-se necessário resgatar a substância da lei, bem como

encontrar instrumentos capazes de permitir sua limitação e conformação aos

princípios de justiça e mais do que isso, colocar esta lei substancial num patamar

hierárquico superior, a teor do que passaram a ocupar as constituições modernas150,

o que será objeto do próximo capítulo.

Antes porém, de adentrar no papel que as constituições passaram a

exercer no contexto pós-positivista, necessário se faz um breve cotejo dos

movimentos que impulsionaram a ascensão pós positivista e consequentemente a

denominada força normativa das constituições modernas, a teor, inclusive, do que

igualmente foi denominado de neoconstiucionalismo, conforme veremos.

Neste contexto, a revolução pós positivista também implicou em uma

nova quebra de paradigma, substituindo o velho princípio da legalidade formal pelo

princípio da estrita legalidade ou da legalidade substancial151, o que passa a ser

demonstrado mediante alguns expoentes do movimento pós positivista.

A partir do declínio do positivismo jurídico e do contexto jurídico

metodológico até aqui demonstrado, é que, com fundamento na retórica aristotélica,

o conceito de racionalidade prática passa a ser resgatado, mormente por intermédio

de dois autores que tiveram papel marcante nessa virada, quais sejam, Theodor

Viehweg e Chaim Perelman, os quais consideravam que o direito possui uma

estrutura tópica, uma vez que o método lógico sistemático quedou-se insuficiente

149 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 44. 150

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 46. 151

FERRAJOLI, Luigi. Derechos Fundamentales. Los fundamentos de lós derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2001. p. 53.

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50

para descrever o processo de descoberta de uma decisão juridicamente adequada a

partir de um caso prático152, o que passa ser verificado.

2.1. O RESGATE DA TÓPICA E A NOVA RETÓRICA PÓS 1945: A ERA DOS

VALORES

Viehweg inicia sua única obra, Tópica e Jurisprudência, partindo da

seguinte indagação acerca do método científico para o direito: Qual melhor e mais

correto método de estudo? O modelo calcado na física moderna ou a retórica dos

antigos? Partindo desta indagação, o autor busca extrair as ideias fundamentais da

obra de Giambattista Vico denominada de De nostre temporis studiorum ratione,

traduzida de “O caráter dos estudos do nosso tempo”, para daí demonstrar a

estrutura dos dois pensamentos, bem como analisar qual o papel da tópica para a

ciência do direito153.

Viehweg buscará refutar a dinâmica cartesiana para dentro direito ao

afirmar que o raciocínio do jurista partiria do problema para o sistema, não o inverso,

conforme a lógica formal dedutiva proposta pelo modelo positivista, uma vez que o

direito não estaria fadado a uma lógica que dependesse tão somente da máxima

axiomática de um sistema fechado e completo154.

Este modelo mostrou-se insuficiente para atender as peculiaridades

dos casos concretos, os quais inevitavelmente demandam uma justificação

discursiva que necessita partir de certos topoi (“pontos de vista” geralmente aceitos

por todas as pessoas razoáveis que lidam com o direito) úteis para garantir sua

plausibilidade155.

Para Viehweg, a tópica pode ser caracterizada por três elementos

aparentemente ligados entre si, quais sejam, do ponto de vista do seu objeto uma

152 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na

argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 153

ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade. Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 15-16. 154

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 155

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100.

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51

técnica de pensamento problemático, do ponto de vista do instrumento com que

opera a posição central da noção de topos ou lugar- comum e, por fim, do ponto de

vista do tipo de atividade, que consiste em uma busca e exame de premissas, estas

por sua vez detentoras de um maior grau de ênfase do que as próprias

conclusões156.

Vico foi quem chamou atenção de Viehweg para o problema das

consequências do modelo moderno de ciência para dentro do direito, bem como do

abandono da tópica na estrutura do direito, pois analisando os métodos, estilo e

instrumentos da ciência, destacou que Vico afirmara que a tópica, herança dos

antigos, partiria do verossímil e provável, ao passo que o método cartesiano visara

uma sistematização dedutiva perfeita a partir de premissas verdadeiras e

evidentes157, que não poderia ser aplicado no campo do direito158.

A denominada retórica dos antigos foi uma disciplina que ficou

consagrada durante o período Greco-romano por intermédio de notórias obras como

as de Cícero, Arístoteles e Quintiniano, cujo declínio foi fortemente impulsionado no

século XVI, desaparecendo totalmente dos estudos e programas de ensino

secundário. Para Aristóteles, a retórica caracteriza-se por ser a arte de procurar, em

qualquer situação, os meios de persuasão disponíveis, ou seja, seu objeto é o

estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou aumentar a adesão das

massas às teses apresentadas a seu assentimento159

A tópica representa um estilo de linguagem da qual parte de

pensamentos e pontos de vista em comum para o debate problemático, ou seja, ela

é a balizadora do exercício comunicacional na medida em que representa um

recurso linguístico pela via dos lugares comuns, de ideias e pensamentos

consensualmente aceitos e admitidos pelos integrantes do debate e da comunidade

jurídica160, consoante se extrai da lição de Ferraz Jr161:

156 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 51.

157 ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade.

Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 16-17. 158

ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 51. 159

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142. 160

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 458. 161

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 304.

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52

Os pontos de vista referidos, chamados loci, topoi, lugares comuns,

constituem pontos de partida de séries argumentativas, em que a razoabilidade das opiniões é fortalecida. Como se trata de séries argumentativas, o pensamento tópico não pressupõe nem objetiva uma totalidade sistematizada. Parte de conhecimentos fragmentários ou de problemas, entendidos como alternativas para as quais se buscam soluções. O problema é assumido como um dado, como algo que dirige e orienta argumentação, que culmina numa solução possível entre outras.

A tópica aristotélica, que Viehweg pretende reabilitar no direito, trata-

se de um hábito de produzir uma decisão razoável de forma justa e prudente, tendo

como fio condutor o caso concreto e os pontos de vista socialmente aceitos, a teor

de valores como o de justiça, não se tratando de uma mera episteme ou hábito

demonstrativo vinculado exclusivamente à relação de causa e efeito162.

A tópica, portanto, representa uma prudência a ser desenvolvida

dialeticamente pelos protagonistas do debate jurídico, pois ponderando os

argumentos diversos das partes o juiz deverá levá-los em conta e decidir-se pelo

mais adequado ao caso de modo a fundamentar sua sentença, de sorte que a tópica

oferece uma forma de pensar o problema, caso a caso, e não uma absoluta resposta

científica163.

Para Perelman, a lógica formal mediante a prova demonstrativa é

mais que persuasiva, pois é convincente na medida em que a validade da

demonstração só garantirá a verdade da conclusão desde que se reconheça a

verdade da premissa que se parte, a respeito das quais nenhum debate era possível

em se tratando de lógica formal dedutiva164.

Com efeito, uma das principais e declaradas finalidades de

Perelman foi a de combater o pensamento e o modelo axiomático dedutivo e assim

declarar guerra ao positivismo, pois muito embora admitisse a importância e a

necessidade do desenrolar dedutivo para as decisões judiciárias, fez questão de

destacar que a necessidade de se verificar a atividade de definição do conteúdo das

premissas do raciocínio jurídico, demonstra-se uma atividade complexa para o juiz,

162 VIEHWEG, Theodor Tópica e jurisprudência, p. 53-54. apud BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o

conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 163

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 460. 164

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142.

Page 54: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

53

de sorte que não há como a lógica do direito resumir-se à mera técnica subsuntiva

ou dedutiva165.

Como salienta Atienza, a tópica toma como ponto de partida não um

primum verum, e sim o verossímil, o sentido comum, e o desenvolve mediante um

tecido de silogismos e não mediante longas deduções em cadeia166.

Logo, ao decidir mediante o caso concreto, o juiz deve observar

critérios não só estabelecidos na lei, mas como também critérios políticos,

econômicos e sociais, mediante sensos humanos socialmente institucionalizados,

sobretudo calcados em experiências, valores, provas e discursos167.

Desta forma, a problemática de Viehweg resume-se ao denominado

caso difícil, o qual é representado por toda questão que aparentemente permite mais

de uma resposta, mas que sempre exigirá um entendimento preliminar que

fundamentará uma única resposta como solução, a depender de sua plausibilidade

na resolução da questão, ou seja, parte-se do problema para uma seleção de

sistemas, o qual neste contexto guarda uma característica de sistema aberto, onde o

núcleo da solução dependerá do próprio problema168, o que acaba por tornar a

interpretação, a ser desenvolvida dentro do estilo tópico, indispensável para o

pensamento jurídico de modo a garantir a permanência de uma ordem jurídica,

garantindo-se uma evolução na interpretação169.

A respeito, assinala Técio Sampaio Ferraz jr.170:

Como técnica de pensamento, a tópica (material e formal) leva a argumentação judicial a um jogo eminentemente assistemático, em que se tem observado ausência de rigor lógico, impossibilidade de redução das decisões a silogismos etc. Ressalta-se, ao contrário, o uso abundante das distinções, das redefinições de velhos conceitos, das analogias, das interpretações extensivas, das retorsões, das ironias, da exploração técnicas das ambiguidades, das vaguezas, das presunções, tudo conforme a boa retórica.

165 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 466.

166 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 48.

167 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 467.

168 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 50.

169 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 305. 170

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 306.

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54

Perelman afirma que a pretensa distinção e clareza das evidências

lógico-racionais impossibilitava qualquer discussão ou debate dentro do âmbito das

ciências, inibindo assim o manejo da linguagem171, o que define bem o problema em

relação à pretensão positivista do direito, consoante pode se inferir da seguinte

afirmação172:

Mas, assim que uma palavra pode ser tomada em vários sentidos, assim que se trata de aclarar uma noção vaga ou confusa, surge um problema de escolha e de decisão, que a lógica formal é incapaz de resolver; cumpre fornecer as razões da escolha para obter a adesão à solução proposta, e o estudo dos argumentos depende da retórica.

É neste ponto que podemos dizer que entra a importância dos

valores, os quais são objetos de acordo preferível na medida em que pressupõe

uma atitude sobre a realidade173, pois pretender que o julgador seja um mero tradutor

da verdade seria o mesmo que transformá-lo numa maquina silogística, posição esta

irreal, posto que onde existir fato e norma174, haverá instrumentos de maleabilidade

retórica, já que a verdade existente em controvérsias judiciais é inexistente e decorre

da apreciação de fatos expostos e retoricamente sustentados dentro da sistemática

normativa aceita pela comunidade jurídica175

O que caracteriza, portanto, uma forma de justificar uma hierarquia

de valores é o recurso a premissas de ordem geral consensualmente aceita

denominada de tópica, a qual pode servir de premissa para a argumentação e

constitui um aspecto da retórica176.

O problema consiste nas noções obscuras atribuídas aos valores

universais, estes por sua vez considerados por Perelman instrumentos de persuasão

por excelência, pois as noções valorativas buscadas fora do sistema formal são

relativamente obscuras, a exemplo do conceito de justiça, o qual é um dos valores

mais indefinido e confuso177, dentre muitos outros178

171 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142.

172 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142.

173 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 64.

174 Ver Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale.

175 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 468.

176 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 64.

177 Neste aspecto, ver “O que é Justiça” e “O Problema da Justiça” de Hans Kelsen.

178 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 65.

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55

Percebe-se, portanto, que a preocupação de Perelman volta-se mais

para a prática jurídica, na medida em que procurou aproximar a teoria da prática e

assim distanciar o pretenso pensamento objetivo e puro da lógica formal, que como

visto alhures, por influência dos positivistas, foi trasladado para o campo do direito179,

conforme leciona Bittar180:

A nova retórica, portanto, abala os tradicionais conceitos insculpidos ao longo dos anos por uma forte tendência positivista que se instalou nos meios jurídicos. A anarquia da nova retórica provoca o jurista a não pensar em fatos dentro dos ditames da lei, mas a pensar os fatos como ocorrências suscetíveis de valoração, ao lado de normas suscetíveis de valoração... que se aconcheguem em argumentos favoráveis ou contrários aos interesses em jogo em determinada causa, mas que, de qualquer forma, se revelam por meio do discurso e da prática judiciária.

Uma crítica dirigida à obra de Viehweg Tópica e Jurisprudência,

dentre outras, que não foi objeto do trabalho, mas que dada a pertinência contextual

merece ser mencionada, consiste no fato de que a mesma trazia um cunho

demasiadamente impreciso e equivocado, uma vez que, tratando-se da noção de

problema, sua proposta quedou-se excessivamente vaga, pois a mera remissão a

problemas não bastaria para caracterizar de forma firme uma metodologia ou teoria

do direito181.

Do mesmo modo, outras críticas direcionadas ao modelo proposto

por Perelman, muito comum nesse campo movediço da Ciência do Direito, foram em

relação a falta de clareza com a qual buscou definir os conceitos centrais de sua

concepção retórica, visto que em razão da necessidade de se dar uma resposta ao

limite da obscuridade por ele apontada, se poderia criar uma verdadeira anarquia

retórica para dentro do campo jurídico182.

2.2 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

A propósito do que foi estudado nos itens anteriores, verificou-se

que a partir do contexto do pós guerra buscou-se atribuir ao pensamento do direito

179 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 469.

180 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 473.

181 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 53.

182 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 78.

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56

um caráter mais aberto, mais passível de flexibilização normativa à argumentação

dos juristas, conforme o que foi verificado em Viehweg e Perelman.

A prática do direito inexoravelmente depende de argumentações e

da capacidade do jurista em construir bons argumentos, bem como de manejá-los

com habilidade183.

O ponto de partida da teoria da argumentação jurídica pode ser

definida como o tratamento dado às questões práticas pela ciência do direito a teor

do que dispõe seus comandos deontológicos como ordenar, proibir, permitir, o que

permite enquadrá-la como uma espécie do gênero argumentação prática geral, uma

vez que vinculada a uma série de instituições como a Lei, ao precedente, à

dogmática, conquanto, o que não representa necessariamente que tais vínculos

levam precisamente a um resultado em cada caso, e isso refere-se tanto a regras

quanto princípios184.

Para Atienza, a teoria da argumentação jurídica tem como objeto de

reflexão as argumentações produzidas em contextos jurídicos, os quais podem ser

distinguidos em três diferentes Campos, quais sejam, o da produção ou

estabelecimento de normas jurídicas, o da aplicação das normas jurídicas e o da

dogmática jurídica185.

O primeiro de tais campos, a diferenciação na argumentação,

acontece numa fase pré-legislativa e outra no momento propriamente legislativo, ao

passo que o segundo campo mencionado é levada a cabo pelos próprios juízes em

sentido estrito ou, ainda, por órgãos administrativos em sentido mais amplo numa

espécie de eficácia horizontal, entre particulares186.

Já o terceiro de tais campos, o da dogmática, sem dúvida resume-se

como sendo a atividade mais complexa do direito, uma vez que busca distinguir as

funções essenciais como: fornecer critérios para a produção do direito nas diversas

183 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 17.

184 CEZNE, Andréa Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: Uma análise comparativa das perspectivas de

Ronald Dworkin e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 66. 185

ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 18-19. 186

ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 18-19.

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57

instâncias em que ele ocorre; oferecer critérios para sua aplicação; ordenar e

sistematizar um setor do ordenamento jurídico, sendo que a teoria comum da

argumentação se ocupa igualmente das argumentações que a dogmática

desenvolve para cumprir a aplicação do direito187.

Trata-se de sistema de controle da decisão judicial, cuja produção

decorre do meio circundante da aplicação do direito e de qualquer forma repercute

no sistema, sendo neste ponto que a retórica desenvolve um papel fundamental

para o direito e teoria da argumentação, pois não há como construir o direito sem a

tomada de decisões por aqueles que decidem e raciocinam de modo a dar uma

resposta, a exemplo de um juiz numa sentença, que deve ser socialmente aceitável

e racionalmente justificada por intermédio da argumentação, independentemente do

grupo aderente à esta fundamentação188.

Para ser racional, o discurso decisório tem de está aberto à

possibilidade de questionamento189.

Para Atienza, existem dois momentos na filosofia da ciência, os

quais podem ser definidos em contexto de descoberta e contexto de justificação,

sendo o primeiro consistente na descoberta ou enunciado de uma teoria, que para a

opinião geral não é uma análise de tipo lógico e constitui tarefa para o sociólogo e

historiador da ciência, ao passo que o procedimento de justificativa consiste em

validar a teoria, ou seja, confrontá-la com os fatos a fim de mostrar sua validade

efetiva, procedimento este que tem como fio condutor a argumentação jurídica190,

consoante se infere do seguinte raciocínio191:

Em todo caso a distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação nos permite, por sua vez, distinguir duas perspectivas de análise das argumentações: a primeira seria a perspectiva de algumas ciências sociais, como a psicologia social, que esboçaram diversos modelos para explicar o processo de tomada de decisões a que se chega, em parte, mediante o uso dos argumentos.

187 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 19

188 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. 298 p. 189

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 299. 190

ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 20 191

ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 21

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58

Com efeito, argumentar no direito tem o papel fundamental para o

desfecho das decisões, pois mediante técnicas persuasivas em consonância com o

contexto fático real que envolve a situação concreta, é dentro dos argumentos,

jurídicos e políticos, que a tese mais plausível encontrará sua validade, restringindo-

se ao contexto situacional do debate192.

O modelo de pensar sistemático, visto no capítulo anterior, baseia-se

numa ideia de totalidade e predominância, ao passo que o modo de pensar

problemático regula-se por problemas, não que deixe de existir o sistema, mas o

ponto central do debate tem como premissa o próprio problema, que passa a ser o

núcleo de seleção da pluralidade de sistemas existentes193.

A questão existente entre problema e sistema corresponde, como

reiteradamente mencionamos, no ponto da tomada de decisões mais aceitáveis em

conformidade com a justiça, e ai que o recurso às técnicas argumentativas mostram-

se fundamentais como fator motivacional da decisão, desde que em conformidade

com o direito em vigor de maneira a mostrar de que modo a lei se concilia melhor

como a solução dos casos particulares194.

Dentre as teorias que mais foram difundidas nas ultimas décadas

estão as de Neil MacCormick e Robert Alexy, sendo que a teoria do segundo, a ser

estudada mais adiante guarda maior conexão com o objeto da pesquisa, uma vez

que cuidaremos de princípios constitucionais mais adiante e, embora MacCormick

provenha do padrão jurídico anglo saxão, a sua teoria guarda semelhança com a de

Alexy, porquanto ambas, de certo modo, ficaram conhecidas como teoria padrão da

argumentação195.

Para MacCormick, a argumentação prática em geral, bem como

argumentação jurídica em particular, guardam uma função de justificação, inclusive

quando se fala em persuasão, ou seja, a questão é saber se os fatos em exame

estão em conformidade com as normas vigentes, pois pelo menos algumas

justificações que os juízes articulam são de caráter estritamente dedutivos e esta

192 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São

Paulo: Atlas, 2010. p. 300. 193

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 301. 194

PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 185-186. 195

ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118.

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59

decisão prática terá que está sempre referida à premissas normativas, não

necessariamente que estas premissas estejam vinculadas tão somente a uma

cadeia de raciocínio lógico, mas também à norma como princípio196, consoante

Perelman:

Na concepção atual do direito, menos formalista, porque preocupada com a maneira pela qual o direito é aceito pelo meio regido por ele e que, por isso mesmo, se interessa pelo modo como uma legislação funciona na sociedade, é impossível identificar pura e simplesmente o direito positivo com o conjunto de leis e regulamentos, voltados e promulgados em conformidade com critérios que lhes garantem a validade formal. Pois pode haver divergências consideráveis entre letras dos textos, sua interpretação e sua aplicação; quando falamos da vida do direito, referimo-nos ao modo como um mesmo texto pôde ocasionar interpretações variáveis conforme as épocas197.

As concepções relativas à teoria da argumentação jurídica

apresentam uma grande relevância para a dogmática jurídica, muito embora as

teorias apresentadas até aqui sejam complexas o bastante ao ponto de deixarem a

desejar quanto ao seu desenvolvimento, contudo, resta inegável o seu papel

fundamental na abertura de um novo, ou relativamente novo, campo de

investigação, na medida em que foram as precussoras das atuais teorias da

argumentação jurídica198, a exemplo da de Robert Alexy.

De qualquer modo, vale destacar que os estudos sobre a teoria da

argumentação tiveram grande desenvolvimento nas ultimas décadas, na medida em

que passaram a constituir principais interesse da teoria e filosofia do direito

contemporâneas, podendo ser resumida, a atual teoria da argumentação, como a

versão contemporânea da velha questão metodológica do direito199 que há séculos

causam debates desta natureza.

2.3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O estudo acerca dos direitos fundamentais é de pontual importância

para a pesquisa, na medida em que grande parte da teoria dos princípios, a ser

estudada mais adiante, está diretamente relacionada à teoria dos direitos

196 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118.

197 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, 142 p.

198 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118

199 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118

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60

fundamentais, as quais, conjuntamente com a teoria da argumentação, representam

elementos principais da escola pós-positivista, conforme se buscará demonstrar.

Em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, Robert Alexy inicia

afirmando que é possível formular as mais variadas teorias a respeito da temática,

desde históricas, as quais explicam o desenvolvimento dos direitos fundamentais,

passando pela sociológica e filosófica, esta por sua vez que se empenha em

esclarecer os fundamentos de tal direito. O autor busca desenvolver em sua obra

uma teoria jurídica geral dos direitos fundamentais200, o que se buscará resumir

neste item com ênfase ao contexto da pesquisa.

Ao mencionar a teoria dos direitos fundamentais na Constituição

Alemã, Alexy a define como sendo um catálogo de direitos fundamentais positivos

vigentes, donde decorre a distinção da teoria jurídica geral dos direitos fundamentais

das demais teorias desenvolvidas201.

Para Gilmar Ferreira Mendes, antes de se querer criar um status

normativo aos direitos fundamentais é necessário identificar seus contornos e limites

e a verdadeira dimensão do seu âmbito de proteção, porquanto não somente ao

legislador, mas também aos demais órgãos com poderes normativos, sejam judiciais

ou administrativos, cumpre a tarefa de realizar os direitos fundamentais202.

Os direitos fundamentais são, portanto, a um só tempo, direitos

subjetivos e objetivos, pois enquanto subjetivos outorgam a seu titular um direito de

exigir do soberano seu cumprimento na maior medida possível, ao passo que em

seu caráter objetivo representam um elemento fundamental da ordem constitucional

objetiva, elementos estes que, agregados às garantias individuais de ordem

subjetiva, formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de

Direito203, mormente em se tratando do contexto pós-positivista.

200 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 31. 201

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 32. 202

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1. 203

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 3.

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61

Para Dimoulis, os direitos fundamentais encontram-se no centro dos

interesses jurídico e político, sendo que tal teoria pode ser abordada sob três

enfoques, a saber, o retórico, o qual se observa uma forte tendência ao discurso

referente aos direitos fundamentais, mormente em tempos de totalitarismo, discurso

este que perde a utilidade após consolidação das estruturas liberais democráticas, o

segundo denominado de superficialmente democrático, na medida em que é

impossível satisfazer simultaneamente todos os direitos positivados pela

constituição, que muita das vezes ficam a mercê da legislação ordinária, e

finalmente enfoque jurídico constitucional, que para o autor parece ser o mais

adequado204.

Analisado, portanto, sob o seu prisma jurídico como oferecedora de

instrumento para resolver conflitos, o estudo dos direitos fundamentais pode ser

divido em três partes, quais sejam, da dogmática geral, a qual define os conceitos

básicos e a elaboração de métodos de harmonização dos direitos conflitantes, da

dogmática especial, que por sua vez analisa as dimensões de cada direito

constitucionalmente garantido, e por fim a própria teoria dos direitos fundamentais205,

já vistas nos dois primeiros parágrafos deste item.

Os direitos fundamentais, portanto, representam, de forma analítica,

um elemento integrativo do próprio direito, na medida que sua dogmática, enquanto

disciplina prática, visa uma fundamentação racional de juízos concretos a partir de

premissas normativas no próprio âmbito dos direitos fundamentais, o que vem a

exigir que o percurso entre normatividade e direitos fundamentais seja maximamente

acessível, na maior medida possível, a controle intersubjetivos206.

No mais, a teoria dos direitos fundamentais se ramifica por meio de

varias espécies de direitos subjetivos, como direitos de defesa, que visa assegurar a

esfera de liberdade individual do cidadão contra interferência ilegítima ou ilegal por

parte do Estado, como normas de proteção de institutos jurídicos como a liberdade,

204 DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. Jurisdição e Direitos

Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004-2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 71 205

DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In Jurisdição e Direitos Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004/2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 71-2 206

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 43.

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62

a propriedade, a herança, o casamento, a igualdade, ambos institutos, dentre muitos

outros, tutelados, por exemplo, pela Constituição Brasileira de 1988207, ou ainda

mediante ações positivas, categoria esta que engloba direitos que permitem ao

indivíduo exigir do Estado sua atuação visando melhorar a sua condição de vida,

dentre outros direitos subjetivos208.

Deste modo, os direitos fundamentais podem ser espelhados

mediante quatro polos a serem considerados dentro de um ordenamento jurídico,

quais sejam, o status passivo, negativo, positivo e ativo, naquela que ficou

conhecida como teoria do status dos direitos fundamentais de Jellinek209

No status passivo o indivíduo é encontrado em razão de sua

sujeição ao Estado, no negativo tem a plena faculdade de discernir se quer ou não

exercer algum direito subjetivo, no positivo aquele direito que o indivíduo tem em

face do estado de fazê-lo cumprir com seus fins sociais mediante procedimento

jurídico formal e, por fim, o status ativo, que atribui ao cidadão uma séria de

obrigações civis para com o Estado, a exemplo do voto210.

2.4 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM ROBERT ALEXY

A partir deste item será estudada a teoria dos princípios a partir da

teoria da argumentação desenvolvida por Robert Alexy, vista alhures, a qual tem um

papel fundamental dentro da doutrina pós-positivista, porquanto diretamente

interligada com a teoria dos direitos fundamentais, pois contribuiu diretamente no

sentido de corresponder a uma verdadeira busca na efetividade prática destes

direitos211, consoante leciona Atienza212:

207 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2004. p. 3-5 208

DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In Jurisdição e Direitos Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004/2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 74. 209

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 255-268. 210

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 255-268. 211

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, jan-mar de 2005, n. 165. p. 124.

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63

Na verdade, a teoria de Robert Alexy acaba por influenciar toda a ciência do direito, fazendo uma verdadeira “viragem metodológica”, modificando os conceitos até então postos como verdadeiros, como por exemplo: a teoria das normas jurídicas, do sistema jurídico (acima), das fontes normativas, dos métodos hermenêuticos, das antinomias entre normas, e sua consequente forma de resolução de conflitos, da relação entre direito e moral, entre outras contribuições, sendo Alexy um dos maiores expoentes da escola pós positivista.

Ao atribuir valor normativo aos princípios, Alexy acaba por derrubar

as teorias positivistas que consideravam os princípios meros colmatadores de

lacunas a partir de uma posição secundária e os define como verdadeiros detentores

de mandamentos deônticos fundamentais, de maneira a resgatar-se a razão prática

por intermédio de argumentos que possam dar respostas efetivas e socialmente

aceitas para aqueles denominados hard cases ou colisão de princípios, repelindo,

defintivamente, as teorias decisionistas do positivismo jurídico213.

Princípios são mandados de otimização em face de possibilidades

jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja,

exigência de sopesamento decorre da relativização das possibilidades jurídicas214.

Deste modo, Alexy acaba por definir à estas normas uma estrutura

teleológica que atribuiria um novo sentido à validez normativa até então vista no

positivismo jurídico, na medida em que, partindo-se do raciocínio de Habermas,

vislumbrar-se-ia uma independência nas pretensões jurídicas individuais, que

passariam a protagonizar um verdadeiro jogo subjetivo no manejo dos princípios

onde os fins coletivos seriam a máxima argumentativa a ser observada215.

Via de regra, os princípios estão divorciados dos casos fáticos

normativos, descansando num certo grau de abstratividade e generalidade,

conquanto, a partir do momento em que se verificam hipóteses fáticas passíveis de

incidência de um princípio, cria-se um diferenciado sistema de regras, as quais

212 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de

informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 124. 213

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 124. 214

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 117. 215

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de apud Habermas. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 84.

Page 65: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

64

dependerão, para sua incidência, do sopesamento dos princípios, na medida em que

um simples enunciado normativo pode dar margem para uma série de problemas

exegéticos, a depender de cada contexto fático216.

Não obstante a necessidade de se observar o conceito de princípios

dentro de uma teoria dos direitos fundamentais, Alexy menciona a importância de

três objeções frequentemente levantadas à teoria dos princípios, quais sejam, a

primeira que sustenta que na hipótese de colisão de princípios um deles pode ser

declarado inválido, a segunda de que existem princípios absolutos que não podem

ser colocados em relação de preferência numa eventual colisão e, por fim, a

terceira, que afirma ser o conceito de princípio muito amplo e inútil, na medida em

que representaria uma carta em branco para o preenchimento de qualquer interesse

introduzido num processo de ponderação217.

O problema surge quando este caráter teleológico das normas como

princípios extrapola a fronteira do universal e objetivamente desejável nas decisões,

uma vez que ao manejar-se os princípios acaba-se por adentrar num inevitável “jogo

valorativo” onde a validade originalmente incondicional destes princípios acaba por

ser usurpada por uma incontrolável relação de preferência, a qual não é limitada por

nenhuma premissa que venha a estabelecer limites para os critérios de uma

esperada escolha racional218.

Contudo, princípio pode ser referir a interesses coletivos e

individuais, cabendo ressalvar que há a existência de princípios absolutos que não

são passíveis de ponderação por seu grau de importância, a exemplo de princípios

que se referem a interesses coletivos, os quais não podem ter seus limites jurídicos

estabelecidos nem mesmo por normas de direitos fundamentais, ou seja, os direitos

fundamentais estão limitados aos princípios de interesses coletivos219.

216 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 108-109. 217

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 109-110. 218

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 84. 219

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 111.

Page 66: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

65

Porém, há uma importante ressalva que Alexy faz acerca deste

raciocínio, porquanto ao mencionar o art. 1°, § 1°, 1 da Constituição Alemã, ressalta

que a dignidade humana é inviolável, o que desperta um sentido de absolutez a tal

princípio na medida em que o mesmo é enfrentado dentro de um ordenamento

jurídico tanto como regra quanto como princípio, sendo que tal princípio traz um

amplo grau de precedência face os demais, o que lhe confere um altíssimo grau de

certeza de que deve prevalecer sobre os demais princípios eventualmente

colidentes220.

Já para Habermas, em virtude do sentido deontológico de sua

validez, os princípios acabam por pretender uma obrigatoriedade geral e não uma

preferibilidade particular ou especial, o que lhes dá uma capacidade de justificação

muito maior, em termos universais, do que os valores, por exemplo, que encontram-

se divorciados do caráter de validez na medida em que tem o condão somente de

aproximar princípios de casos concretos221.

Princípios, portanto, podem se referir tanto a direitos individuais

quanto a interesses coletivos, pois como standards, podem representar interesses

exemplificados desde a saúde da população, fornecimento de energia elétrica,

segurança alimentar, combate ao desemprego, estrutura interna das forças armadas

até à proteção da ordem democrática, dentre outros222.

A otimização dos princípios, portanto, pode ser considerada como

uma consequência natural da possibilidade de seu cumprimento entrelaçado

diretamente com a dimensão do seu peso, o que será o fator preponderante para

sua aplicação mediante o caso concreto dentro das possibilidades fáticas e jurídicas,

inclusive no que tange a eventuais restrições de direitos fundamentais223.

220 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 109-110. 221

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. apud Habermas. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 84-85. 222

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 114-115. 223

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 87.

Page 67: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

66

2.5 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM RONALD DWORKIN

A teoria de Ronald Dworkin, muito embora guarde semelhança com

a de Robert Alexy, encontra uma grande diferença na definição de princípios, posto

que o autor propõe uma interpretação construtiva a partir do princípio da integridade

em cadeia224.

O autor irá afirmar que um grande problema que se observa no

Direito é que seus operadores estão constantemente divergindo das próprias fontes

e fundamentos do Direito, pois a partir do momento em que o juiz decide, o

problema será saber quando a declaração do direito é inventada ou descoberta225.

Dworkin afirma que um processo judicial sempre suscita três

questões fundamentais, a saber, questão de fato, questão de direito e questões

interligadas de moralidade política e fidelidade226.

Com efeito, afirma não haver criação do direito por parte dos

magistrados, mas sim declaração a partir dos conflitos e interesses mediante

princípios em jogo, teoria esta totalmente divorciada das perspectivas teóricas,

técnicas e conceituais das regras defendidas pelo positivismo jurídico227.

O papel dos magistrados, portanto, estaria limitado a revelar um

direito preexistente das partes, de sorte que estaria fora de cogitação qualquer poder

que permita criar direito novo ao caso concreto, sob pena atentar-se à própria

democracia, visto que os juízes não integram o poder legislativo e que ao criar

direito diante de um caso concreto estariam criando uma nova lei retroativa, o que

faria da aplicação do direito um procedimento extremamente injusto e inseguro228.

Ao admitir a discricionariedade do juiz na hipótese de decisões face

lacuna, antinomia, ou ainda na tarefa de colmatar o direito já existente, se estaria

224 COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-

dezembro de 2011, n. 55. p. 93. 225

DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 8-9. 226

DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 5-6. 227

COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 93. 228

SOUZA, Wagner Mota Alves de. A polêmica entre Hart e Dworkin a respeito da textura aberta do direito. In Processo e Direito Material. Salvador: 2009. p. 315.

Page 68: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

67

marchando para um além direito já produzido e os direitos das pessoas ficariam a

mercê das opções subjetivas dos magistrados229.

Ao direcionar suas críticas às perspectivas positivistas de Herbert

Hart, Dworkin irá afirmar que o Direito é muito mais do que um emaranhado de

regras positivadas a partir de comandos legislativos, na medida em que a praxe

judiciária é fundamental na definição de rumos a serem decididos à luz do caso

concreto pelo juiz a partir de argumentos dirigidos pelas partes, que tem legitimidade

para questionar, inclusive, a letra da lei230.

Na verdade, a preocupação de Dworkin foi justamente afastar as

amarras estritamente formais do positivismo e, de igual modo, limitar a atuação do

juiz no seu contexto decisório, o que nos leva a compreender que o poder político

não será a célula criadora dos princípios e da moralidade, mas sim tem o dever de

assumi-los por intermédio da positivação, uma vez que em face do poder

discricionário do juiz deve haver uma função garantidora do órgão jurisdicional231.

Com efeito, os princípios normativos são padrões a serem

observados à luz dos critérios de justiça, equidade ou alguma outra dimensão de

eticidade e que devem ser reconhecidos não só por costume, mas principalmente

pela força normativa, ao passo que as diretrizes políticas são tipos de standard que

tem por finalidade uma melhoria em fatores como o socioeconômico ou político da

comunidade232.

Dworkin irá denominar de hard cases, ou casos difíceis, aqueles

casos que não são passíveis de serem resolvidos pelo convencionalismo positivista,

mormente quando a compreensão do texto normativo mostra-se insuficiente ou até

mesmo contraditória para a solução do caso, o que inevitavelmente remeterá o

229 MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin.

In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 99. 230

COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 93. 231

MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin. In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 99. 232

MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin. In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 100.

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68

jurista ao princípio da integridade, a qual pressupõe equidade, equanimidade, justiça

e devido processo legal adjetivo233.

A integridade constitui um ideal político quando se exige da

comunidade ou do Estado que ajam como agentes morais, ainda que os cidadãos

não tenham um consenso acerca do conceito dos princípios de justiça e

equanimidade. A integridade ainda possui mais duas subdivisões principiológicas na

visão do autor, quais sejam, a do princípio da integridade na legislação, que

determina aos legisladores que se atentem à coerência quanto aos demais

princípios, e o princípio da integridade no julgamento ou aplicação do direito

mediante um caso concreto234.

Dworkin acredita que a integridade na legislação e na aplicação do

direito são mecanismos que fundamentam e limitam a atuação do estado em uma

determinada sociedade e por isso entende que a comunidade ideal é a comunidade

formada por princípios235.

Afirma que em uma determinada sociedade existe uma

complexidade de virtudes e que o seu cidadão está constantemente sendo posto a

escolher quais programas políticos a apoiar, por exemplo, e que nem sempre a

decisão tomada por uma maioria é a decisão mais justa, o que deve ser visto com

delicadeza à luz dos direitos individuais, uma vez que essas difíceis questões se

apresentam quando a equidade e a justiça entram em conflito, sendo este o aspecto

central que a integridade se mostra como sendo o caminho mais viável e que deve,

inclusive, sacrificar tanto justiça quanto equidade, quando exigido236.

Deste modo, os juízes estão vinculados a padrões obrigatórios

estruturados por princípios, os quais irão definir o alcance dos interesses políticos

que mais interessam à coletividade, não podendo invocar qualquer princípio para

justificar uma mudança, mas sim observar a existência de princípios mais

importantes na ordem de escolha, pois somente diante de uma situação jurídica

233 DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,

2007. p. 203-205 234

DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 203 235

COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 96. 236

DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 215.

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69

concreta é que se saberá qual princípio que melhor se adequará à solução do caso,

o qual servirá de base para as instituições e leis da comunidade237, consoante

leciona Dworkin238:

A comunidade de princípios coaduna com a sociedade pluralista esculpida pelo paradigma do Estado democrático de Direito em que cada cidadão respeita os princípios vigentes na sua comunidade. Na política estamos juntos para melhor ou pior, ou seja, a política é mantida pela legislação que rege a prestação jurisdicional e sua aplicação.

Por fim, verifica-se que a teoria de Dworkin afirma que na prática

jurisprudencial deve prevalecer a supremacia dos direitos em relação aos fins

sociais, restando superada a questão de que o juiz deve ser a boca que pronuncia a

lei, conforme afirmara Montequieu, na medida em que um argumento e uma

justificação de princípios é que definirão o caminho a ser dado ao direito de uma

pessoa ou coletividade, contudo, sem se abandonar os textos legais, mas sim

redimensionar o papel desempenhado pela lei por intermédio da adequação pelos

Tribunais239.

2.6 A TEORIA DA NORMA COMO PRINCÍPIO E REGRA.

A propósito do que foi estudado no primeiro capítulo acerca da

norma jurídica, mormente no itens 1.4 e 1.6, vimos que Bobbio considerou quatro

critérios essenciais na tentativa de caracterizar o direito por meio de um elemento

jurídico normativista, que foram o critério formal, material, critério do sujeito que põe

a norma e por fim, o critério do sujeito ao qual a norma se destina e, igualmente, que

a questão da estrutura da norma jurídica está diretamente relacionada com a função

do direito, que é ordenar a vida em sociedade e assim orientar a conduta de seus

membros e o funcionamento de suas instituições.

Já do raciocínio de Hans Kelsen acerca do dever jurídico de

obediência à norma, restou consignado que a ordem jurídica positiva não tem

237 COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-

dezembro de 2011, n. 55. p. 96. 238

DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 257. 239

MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin. In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 104.

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70

qualquer espécie de explicação moral240 e que a primeira metade do século XX foi

dividida por um debate que discutiu o status científico da ciência jurídica onde de um

lado encontrava-se a corrente positivista mais radical calcada na cientificidade

axiomático dedutiva do direito e de outro aqueles que procuravam atribuir ao direito

um caráter mais aberto com base no denominado modelo retórico, visto nos itens

anteriores.

Para Alexy, o conceito de norma é um dos conceitos fundamentais

da Ciência do Direito, talvez o mais fundamental de todos, conquanto, isso não

significa que o uso do termo “norma” deva se restringir à Ciência do Direito, pois em

vários outros âmbitos do conhecimento científico observa-se o uso de tal termo, de

maneira que a polêmica acerca do conceito de norma está longe de ser resolvida,

não obstante aqueles critérios deônticos vistos no primeiro capítulo241.

Pois bem, partindo-se do conceito de norma de direito fundamental,

Alexy afirma que para se estudar sua estrutura é possível se utilizar de diversas

diferenciações teorético-estruturais, dentre as quais, a mais importante delas é a

distinção entre regras e princípios242, consoante afirma o autor243:

Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições de direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico. Essa distinção constitui um elemento fundamental não somente da dogmática dos direitos de liberdade e de igualdade, mas também dos direitos à proteção, a organização e procedimento e prestações em sentido estrito.

Deste modo, de acordo com Alexy, a distinção entre regras e

princípios demonstra-se de extrema importância na medida em que constitui a

denominada base jusfundamental, de sorte que sem tal distinção não pode existir

uma teoria suficiente no que tange ao papel traçado pelos direitos fundamentais,

240 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

p. 131. 241

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 52. 242

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 85. 243

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 85.

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71

nem uma teoria satisfatória da colisão entre os princípios, tampouco uma teoria

adequada dos limites no sistema jurídico244.

Uma das principais características dos princípios resulta de sua

qualidade ao exibirem, muitas das vezes, um notório conteúdo moral, o que vem a

exigir, na sua aplicação, necessárias e inafastáveis valorações245. Neste ponto,

observa-se uma pontual divergência entre as escolas positivistas e pós-positivistas,

pois, como visto no primeiro capítulo o positivismo buscava banir da ciência jurídica

toda metafísica ou interpretação moral eventualmente a ser dada ao direito.

Para Alexy, o ponto decisivo para a distinção entre regras e

princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes246.

Por estas razões, os princípios são mandados de otimização, que

caracterizam-se pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus,

porquanto a proporção de seu cumprimento depende de possibilidades reais e

jurídicas, sendo que princípios e regras opostas é que vão determinar o âmbito do

juridicamente possível247.

Já as regras, espécie do gênero norma, trazem como características

seu cumprimento ou não, ou seja, se é valida há de ser realizado exatamente o que

ela exige e ponto final, contendo elas determinações no âmbito do fático e

juridicamente possível248.

Da distinção entre regras e princípios, muitos autores concluem que

enquanto para a aplicação de uma regra é possível se recorrer ao método

subsuntivo, para a aplicação de um princípio é necessário se recorrer a outros

244 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de

informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 125. 245

CEZNE, Andréa Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: Uma análise comparativa das perspectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy – Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. 66 p. 246

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126. 247

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126. 248

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126.

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72

métodos hermenêuticos, porquanto o método subsuntivo é inadequado para sua

aplicação249.

Um dos critérios clássicos mais pontuais que distinguem regras e

princípios é aquele que condiciona à regra ao fundamento e à razão dos princípios,

ou seja, a regra seria um mero meio para a efetivação dos princípios, sendo que,

partindo-se desta premissa, poderia se chegar à conclusão de que os princípios não

podem ser razões imediatas para resolução de casos concretos mediante aplicação

de normas individuais, o que acaba por ser um raciocínio equivocado na medida em

que as regras também podem ser razões para as próprias regras e os princípios

razões para juízos concretos dentro do dever ser250.

Para Salomão leite, a distinção entre regras e princípios consiste no

fato de que estes possuem um maior grau de abstração, não se reportando

diretamente a hipóteses fáticas diretas, mas sim elevados a um plano de máxima

abstratividade251.

Ronald Dworkin já havia assinalado que a distinção entre regras e

princípios nem sempre é tão clara, posto que muita das vezes, em face de conceitos

vagos e indeterminados de uma norma, a aplicação das regras estará

intrinsecamente vinculada a fins encontrados somente nos princípios, o que acaba

por tornar muito tênue a linha entre regra e princípio252. A respeito, advertiu Robert

Alexy253:

A distinção entre regras e princípios não é nova. Mas, a despeito de sua longevidade e de sua utilização frequente, a seu respeito imperam falta de clareza e polêmica. Há uma pluralidade desconcertante de critérios distintivos, a delimitação em relação a outras coisas - como os valores - é obscura e a terminologia vacilante.

249 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de

informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126. 250

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 129. 251

LEITE, George Salomão. Dos Princípios Constitucionais: Considerações em Torno das Normas Principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 34 252

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 130. 253

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 86-87.

Page 74: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

73

Deste modo, somente as regras trazem em seu bojo um caráter

hipotético condicional de modo a permitir a subsunção a partir de uma hipótese de

incidência no plano fático através do método subsuntivo, ao passo que os princípios,

conforme alhures, por serem definidos como mandados de otimização, possuem um

caráter ideal que os possibilitam de serem cumpridos em diferentes graus, e que a

medida devida de seu cumprimento resta condicionada a possibilidades fáticas e

jurídicas254.

Outro critério de distinção e também um dos principais entre regras e

princípios é o critério da generalidade, posto que o grau de generalidade dos

princípios é consideravelmente alto, ao passo que o das regras é relativamente

baixo255.

Afora estes critérios de distinção entre regras e princípios, ainda há

a coexistência de outros critérios com a denominada determinabilidade dos casos de

aplicação, a forma do surgimento da norma por intermédio da diferenciação entre

normas criadas e normas desenvolvidas, o caráter explícito de seu conteúdo

axiológico, bem como suas referências à ideia de direito, ou supremacia da Lei, bem

como a importância de cada enunciado para a ordem jurídica256.

Muito embora a tese de Alexy tenha sido acolhida por vários

ordenamentos jurídicos no que tange à sua distinção estrutural entre regras e

princípios, inevitavelmente esta tese vem sofrendo as mais variadas críticas, as

quais negam por completo a existência de tal distinção, porquanto a diferença

estaria somente no uso e aplicações de normas jurídicas, discordando, igualmente,

da existência de uma estrutura lógica dos comandos normativos ao afirmarem que a

única distinção observada entre regras e princípios seria o grau de generalidade257.

254 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das

críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 82. 255

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 89. 256

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 89. 257

AMORIN, Letícia Balsamão. (apud Bustamente) A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 130.

Page 75: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

74

2.6.1 Colisão entre princípios e o método da ponderação

A diferença entre regras e princípios mostra-se com maior clareza

nos casos de colisões entre princípios e de conflitos entre regras258, na medida em

que estes respectivos conflitos levariam a resultados contraditórios entre si, ao

passo que a distinção somente será observada pela forma de solução do conflito259.

Alexy afirma que o conflito entre regras pode ser solucionado

mediante a introdução de uma cláusula de exceção em uma destas regras, a fim de

eliminar o conflito, de modo a tornar somente uma válida, o que remete à uma

decisão acerca do critério de validade formal no que tange à permanência daquela

norma no sistema260, a propósito, aliás, do critério de coerência do ordenamento

jurídico, estudado no capítulo anterior, quando a tarefa do jurista consiste em

expurgar uma norma do sistema nas hipóteses de antinomia261.

Já no caso de colisão de princípios, diferentemente, um deles

deverá ceder ao outro, porém, sem que o princípio afastado seja declarado inválido

ou tenha de ser criada uma cláusula de exceção262.

O problema da colisão de princípios, com efeito, há de ser verificado

mediante as circunstâncias de cada caso concreto, pois poderá vir a prevalecer um

ou outro princípio e vice-versa, ou seja, os conflitos não se dão diretamente na

dimensão do peso, mas mediante o método da ponderação é que se verificará o

peso dos princípios em conflito, o que resultará numa regra a partir da otimização e

condições de prioridade para a resolução daquele caso concreto263.

Em regra, os princípios tem o mesmo valor e peso e somente a partir

do caso concreto é que se determinará qual princípio irá prevalecer naquela

hipótese, o que resulta na denominada lei de colisão que pode ser enunciada da

258 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,

2011. p. 91. 259

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 92. 260

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 92-93. 261

A respeito, ver item 1.4 do capítulo primeiro 262

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 92-93. 263

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83.

Page 76: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

75

seguinte forma: as condições das quais um princípio precede a outro constituem um

suposto de fato de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio

precedente264.

Na ponderação entre dois princípios, de mesma categoria abstrata,

deve-se observar qual dos princípios possui maior peso no caso concreto, não

necessariamente que um principio terá uma prioridade absoluta265

De acordo com Alexy, os direitos fundamentais tem a estrutura de

mandados de otimização, o que o leva a colocar o princípio da proporcionalidade “no

centro da dogmática dos direitos fundamentais”266.

A máxima jurídico-metodológica da proporcionalidade, portanto,

estaria implícita na própria definição de princípio, a qual trás em seu bojo mais dois

subprincípios, quais sejam, o da adequação e o da proporcionalidade, os quais

orbitam paralelamente a máxima da proporcionalidade e referem-se, estes dois, à

otimização do faticamente possível, ao passo que a proporcionalidade, aqui

entendida como subprincípio, qualifica-se como um medidor que irá ponderar as

possibilidades jurídicas de cada caso, sendo que o princípio da adequação irá

excluir qualquer medida que eventualmente obste a realização de pelo menos um

princípio sem promover ao menos um dos fins ao qual foi adotado267.

2.7 O NEOCONSTITUCIONALISMO

Dada a pertinência do tema voltado para a constatação de aspectos

hermenêuticos a partir de uma análise jurisprudencial da Corte Constitucional

brasileira, bem como o contexto o qual o denominado neoconstitucionalismo está

264 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das

críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83. 265

AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 127. 266

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de (apud Alexy). Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembr0o de 2005, n. 171. p. 83. 267

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de (apud Alexy). Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83.

Page 77: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

76

inserido dentro da doutrina pós-positivista, necessário se faz um breve cotejo acerca

de sua influência no constitucionalismo moderno a partir do enfoque pós positivista.

A teor do que vem sedo pesquisado no presente trabalho, verificou-

se que o positivismo jurídico, no seu afã de objetividade e cientificidade, buscou

apartar do direito toda e qualquer influência moral ou ética, o que culminou numa

notória crise paradigmática, de modo que a partir da segunda guerra mundial

percebe-se um retorno do direito às questões ético morais no contexto pós-

positivista, quando o direito passa a ser compreendido sob o enfoque de uma nova

hermenêutica onde assumem especial destaque as relações entre valores,

princípios e regras268.

Com vistas a proteger a integridade moral e a dignidade do homem,

a teoria dos direitos fundamentais emerge como cerne deste novo paradigma, onde

princípios e valores deixam de ser meros colmatadores de lacunas secundários e

adquirem uma normatividade de vanguarda, na medida em que a nova sistemática

jurídica deixa de ser vista somente por parâmetros formais de validade ou

exclusivamente pela mera técnica subsuntiva, típica do positivismo269.

Com isso, tem-se que o neoconstitucionalismo implica numa

verdadeira fusão que une os princípios às regras dentro de uma constitucionalização

do direito, configurando uma miscelânea de elementos tanto deontológico quanto

axiológico dentro de um só sistema270, consoante assinala Krell271:

A principal diferença entre as duas categorias é que valores possuem caráter axiológico (juízos de valor), enquanto princípios situam-se no nível deontológico (do dever ser). Por isso, não é necessário invocar o Direito suprapositivo, pois a ‘carga ética’ já está nos princípios Constitucionais que ‘excedem o conceito positivista do Direito na medida em que elevam a obrigação jurídica a realização aproximativa de um ideal moral

268 DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-

moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246. 269

DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246. 270

DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246. 271

KRELL, Andreas J.. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Rio Grande do Sul: Sergio Antônio Fabris, 2001. p. 82.

Page 78: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

77

Deste modo, o neoconstitucionalismo traz uma concepção de que a

constituição não mais deve ser considerada tão somente como a origem de onde

emanam comandos políticos, mas um fim para o qual todos os esforços de

interpretação devem convergir272

Com efeito, o neoconstitucionalismo representa um novo paradigma

dentro do denominado constitucionalismo moderno, cuja metodologia de aplicação

do direito volta-se para a construção de uma hierarquia de princípios que passa a

ser acolhida pela constituição, ocupando assim, o topo da pirâmide normativa,

tutelando os direitos fundamentais especialmente a partir de um tratamento

diferenciada que lhe é dado por intermédio do principio da supremacia

constitucional273.

Neste passo, partindo-se de novos paradigmas de interpretação, o

judiciário assume papel de relevo na decisão dos novos conflitos, na medida em que

busca assegurar a eficácia dos direitos fundamentais a partir da posição central que

assume a constituição como fonte formal e material dos valores e princípios que

circundam toda ordem jurídica274, não que a técnica subsuntiva, própria do

positivismo, tenha sido totalmente abandonada, mas sim que a hermenêutica

constitucional voltada para os fins constitucionais passa a ter uma maior primazia na

resolução dos conflitos, consoante leciona Luiz Roberto Barroso275:

Por muito tempo, a subsunção foi o raciocínio padrão da aplicação do Direito. Como se sabe, ela se desenvolve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior – a norma – incide sobre a premissa menor – os fatos -, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto. Como já assinalado, esse tipo de raciocínio jurídico continua a ser fundamental para a dinâmica do direito. Mas não é suficiente para lidar com as situações que envolvam colisões de princípios ou de direitos fundamentais.

Destarte, percebe-se uma inversão na ordem interpretativa e

analítica do direito, posto que até metade do século XX o paradigma dominante era

o do positivismo legalista e com esta visão a constituição ocupava uma posição

272 LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a

aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 25. 273

ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 489. 274

ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 491. 275

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 333.

Page 79: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

78

secundária em face da primazia da lei no ordenamento jurídico, sendo a constituição

uma mera carta política até aquele contexto, donde o juiz era tão somente uma

reprodução das palavras por ela escritas em decorrência de uma passividade

judiciária calcada na influência não interventiva nas liberdades individuais276.

Logo, a constituição se submetia, dentro da visão positivista,

somente aos métodos clássicos de interpretação, posto que era vista pelos

operadores do direito como uma mera lei formal que tinha como principal função dar

validade às demais leis infraconstitucionais de modo a fechar o sistema com um

notório culto formal à lei, de modo a permitir, que observados tão somente os

critérios formais de validade através da legislação, poder-se-ia sustentar, inclusive,

ideologias que afrontassem direitos humanos até mesmo em nome de uma dita

soberania popular277.

O Neoconstitucionalismo, portanto, representa muito mais do que a

mera superação do constitucionalismo tradicional ou legalista, na medida em que a

constituição passa a assumir o hipocentro do sistema jurídico não mais pensada

como um sistema homogêneo de uma classe dominante, mas como um esquema

heterogêneo de uma sociedade plural e democrática, a exemplo do que assumiram

as constituições alemã de 1949, a italiana de 1947, dentre outras, com as

respectivas criações de cortes constitucionais278.

Contudo, uma das maiores críticas, bem como a preocupação que

são dirigidas a este método acolhido pelas constituições modernas, principalmente a

partir da segunda metade do século XX, resume-se ao fato de que com base na

constitucionalização dos princípios e a nova hermenêutica, pode-se vir a caracterizar

um indesejável subjetivismo ou decisionismo para dentro do sistema jurídico,

consoante externou Andreas Krell279:

É de ressaltar também que o postulado de uma interpretação material valorativa do Direito não significa um retorno do mundo

276 ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da

Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 492. 277

ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 493-494. 278

ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 495. 279

KRELL, Andreas J.. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Rio Grande do Sul: Sergio Antônio Fabris, 2001. p. 82-83.

Page 80: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

79

jurídico aos conceitos vagos do Jusnaturalismo ou à afirmação de um número indefinido de valores abstratos acima da ordem jurídica, o que certamente levaria ao subjetivismo e a uma imprevisibilidade dos resultados (...) A referida interpretação valorativa funciona através da flexibilização da literalidade normativa para uma recriação que conduza lograr a justiça em concreto, ou objetivamente justo do caso. Essa valoração, contudo, não deve ser subjetiva no sentido de se basear, sobretudo, na subjetividade do operador, mas objetiva enquanto confira prevalência aos valores que o sistema jurídico integra.

Feitas estas observações acerca do Neoconstitucionalismo,

percebeu-se que esta denominação esboça uma técnica hermenêutica voltada para

os valores, princípios e regras positivados na constituição e que devem ser

observados ao máximo pelo aplicador do direito mediante uma interpretação aberta

para os anseios, sobretudo, de uma sociedade pluralista.

O problema a que se chega, na visão de Peter Häberle, é que a

interpretação da Constituição, que deveria ter uma interpretação aberta e plural, tem

sido coisa de uma sociedade fechada, da qual participam tão somente interpretes

jurídicos integrantes de corporações e aqueles de certa forma participantes do

processo formal constitucional280.

Contudo, tem se percebido a adoção de uma sistemática por parte

do Supremo Tribunal Federal que consiste em, antes de algum julgamento de ampla

repercussão, realizar audiência pública com segmentos de interesse da sociedade

como classe de advogados, juristas, especialistas, a fim de formar uma sólida

posição para se chegar a um resultado que atenda a todos os interesses281.

280 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. De Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2002. p. 13. 281

GONÇALVES. Antônio Baptista. A nova Hermenêutica ante o Neoconstitucionalismo. In Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais. ano 19, vol. 77, out. a dez. 2011. p. 29.

Page 81: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

80

3 O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS-POSITIVISTA: ASPECTOS

HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Assentadas as premissas acerca do debate relacionado aos critérios

de definição da teoria do direito entre as escolas positivista e pós-positivista,

passemos a analisar neste capítulo conclusivo os aspectos e a influência

hermenêutica destas escolas no âmbito de interpretação do Supremo Tribunal

Federal, mais precisamente na Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental julgada pela Corte Constitucional brasileira, que nos termos do artigo

102282 da Constituição Federativa do Brasil de 1988, tem o dever de guarda da

Constituição.

A tensão entre normatividade e facticidade, assim como a

incorporação dos valores à hermenêutica jurídica, produziram modificações

profundas do modo como o Direito é pensado e praticado e redefiniram o papel da

interpretação jurídica, especialmente em matéria constitucional283.

Como consequência, a interpretação constitucional viu-se na

contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de

racionalidade e de controlabilidade diante de normas que por ventura entrem em

rota de colisão284.

Ainda no quadro da dogmática tradicional já haviam sido

sistematizados diversos princípios específicos de interpretação constitucional, aptos

a superar as limitações da interpretação jurídica convencional, concebida,

sobretudo, em função da legislação infraconstitucional calcada no modelo

subsuntivo, com maior destaque dentro do direito civil285, conforme verificado no item

relacionado ao Neoconstitucionalismo.

Luiz Roberto Barroso definiu como a grande virada na interpretação

constitucional a que se deu a partir da difusão de uma constatação de que não era

282 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,

283 BARROSO, Luis Roberto. os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva,

2009. p. 126. 284

BARROSO, Luis Roberto. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 334. 285

BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 331.

Page 82: O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS ......0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARLO ALMEIDA SALVADOR O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS

81

verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as normas

constitucionais em particular – traziam sempre em si um sentido único, objetivo e

válido para todas as situações sobre as quais poderiam incidir286, conforme

pretendiam os entusiastas adeptos do positivismo jurídico, analisados no primeiro

capítulo.

Com efeito, na hipótese de colisão de normas e de direitos

constitucionais, não será possível colher no sistema, em tese, a solução adequada,

uma vez que esta somente poderá ser formulada à vista dos elementos do caso

concreto que permitirão afirmar qual desfecho corresponderá à vontade

constitucional287.

Deste modo, necessário se faz um breve aporte contextual acerca

do papel e da relação que as constituições modernas possuem com as escolas

positivista e, principalmente com a pós positivista, na medida em que esta ultima

definição acaba por se confundir com o denominado neoconstitucionalismo, visto no

capítulo anterior, pois ambos correspondem ao fenômeno emergente no período

denominado pós guerra e consistem na resolução de casos concretos a partir da

adoção de critérios hermenêuticos que utilizam diversos instrumentos jurídicos de

interpretação, a exemplo dos princípios, contudo, revestidos de uma “blindagem”

constitucional a partir do dogma da força normativa formulado por Konrad Hesse288 e

que passa a ser verificado.

3.1 A FORÇA NORMATIVA E A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

Para entendermos o papel que a Constituição exerce dentro do

sistema jurídico, necessário se faz uma breve incursão ao raciocínio de Korad Hesse

no que tange ao critério de validade da constituição dentro dos sistemas

constitucionais modernos, para podermos entender, do mesmo modo, de onde

exsurge o princípio da supremacia da Constituição.

286 BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações

privadas. 2. ed. rev. e atual. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 331 p. 287

BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 332 p. 288

LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1. p. 24-31.

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82

Para Lassalle, entre a tensão existente entre os fatos e forças

políticas e as normas constitucionais devem prevalecer os primeiros, uma vez que

segundo o autor as forças políticas dos grupos dominantes afiguram-se sempre

superiores às forças jurídicas positivadas na Constituição, pois entre a norma

fundamentalmente estática e racional e a realidade irracional existe uma tensão

constante difícil de ser eliminada289.

Segundo Hesse, a força normativa da Constituição é verificada a

partir de uma identificação entre a Constituição e os seus destinatários, pois uma

Constituição que é divorciada da realidade cultural, econômica e política da

sociedade, anda na contramão da sua finalidade e não pode ser considerada

efetiva290.

Com efeito, afirma que todas as diretrizes racionais estabelecidas e

positivadas na Constituição devem ter conexão com a cultura e identidade do povo,

pois a mola de propulsão e efetividade da constituição decorre do amadurecimento

histórico do povo, o qual cria a constituição a partir de um contexto de necessidade

histórica, donde decorre sua maior rigidez291.

Logo, entender a força normativa da Constituição significa emprestar-

lhe uma visão ampla da realidade político-social e suas inevitáveis interferências na

produção legislativa292.

Deste modo, não há como compreender de forma isolada os

fenômenos entre Constituição e realidade, pois, segundo Hesse, admitir este

raciocínio seria limitar a vigência e a efetividade da Constituição, bem como sua

resposta e significado em torno do ordenamento jurídico293, que nada mais do que

uma miscelânea de ser e dever ser294, consoante leciona o autor295:

289 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris Editor, 1991. 290

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991. 291

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991. 292

LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 26. 293

LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 26. 294

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.

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A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (geltungsanspruch) não pode ser separada das

condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem se desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas, e sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições. Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas.

Para que seja efetiva toda a produção legislativa a Constituição deve

ter uma relação íntima com a realidade, que é para onde toda e qualquer produção

normativa deve convergir com vistas a conferir plena eficácia à norma, pois

conforme afirmado por Hesse, para cumprir a função do dever ser e desenvolver a

produção legislativa conforme os anseios sociais, necessariamente deverá haver o

vínculo entre situação histórica concreta com suas condicionantes296.

Ademais, há de ser observada aquela que o autor denominou de

vontade da constituição, a qual decorre da natureza das coisas e é o que a

impulsiona, a transforma e conduz a sua força ativa, inclusive sua adaptação a

eventuais mudanças que exijam seu cumprimento, que é quando verificar-se-á, de

fato, sua força normativa297.

No que tange à existência de um escalonamento normativo, esta

relação hierárquica é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois,

ocupando a Constituição a hierarquia do sistema normativo, é nela que o legislador

encontrará a forma de elaboração legislativa e seu conteúdo298.

Para José Afonso da Silva, a supremacia da Constituição impõe que

todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da

Constituição, consoante colhe-se de sua doutrina:

295 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris Editor, 1991. 296

LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 27. 297

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991. 298

MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais; garantia suprema da constituição. 2.ed, São Paulo: Atlas, 2003. p. 30.

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Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e

só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas299.

O Estado Democrático de direito, portanto, destina-se a assegurar o

exercício de determinados valores supremos no sentido funcional a partir de uma

garantia dogmático-constitucional, de seu pleno exercício, desempenho este que

corresponde à função pragmática, pois como objetivo de “assegurar” tem o efeito

imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos

valores em direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que

dão a esses valores conteúdos específicos300.

O princípio da supremacia da Constituição, portanto, além de

corresponder a um princípio instrumental de interpretação constitucional, se traduz

na ideia de que as normas constitucionais, em especial aqueles que trazem em seu

bojo direitos fundamentais, se coloquem no topo hierárquico em relação a toda e

qualquer outra norma infraconstitucional, de maneira que todos os demais

seguimentos do direito devem se conformar com os comandos constitucionais301.

Deste modo, a Constituição deve prevalecer sobre todas as outras

normas do poder constituído, bem como sobre a vontade do legislador, na medida

em que nenhum ato jurídico deverá subsistir se for incompatível com a constituição,

cujas normas condicionam a validade do sistema por intermédio do poder

constituinte, que por meio da constituição, legitima a supremacia constitucional a

partir da soberania popular302.

299 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 47

300 SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição. 4ª Ed. Malheiros. São Paulo : 2007. p. 23.

301 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 215. 302

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 299.

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85

3.1.1 A Estabilidade e a Rigidez Constitucional

Como corolário lógico do princípio da supremacia da constituição, a

estabilidade dela igualmente decorre de sua força normativa, a qual lhe confere

rigidez no que tange à possibilidade de sua alteração, se não vejamos.

A estabilidade constitucional refere-se à uma classificação que é

atribuída à constituição no que diz respeito à consistência de suas normas,

verificadas a partir do processo constitucional de sua modificação que possibilita

auferir sua rigidez ou flexibilidade303.

Nas constituições rígidas, verifica-se a superioridade da norma

magna em relação às produzidas pelo Poder Legislativo no exercício da função

legiferante ordinária, pois em tal forma, o fundamento do controle de

constitucionalidade é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente

dela decorre, poderá contrariá-la, modificá-la ou suprimi-la304.

Para Alexandre de Morais, são imutáveis as constituições onde se

veda qualquer alteração em decorrência de sua consolidação histórica, ao passo

que rígidas são as constituições escritas que dependem de um processo formal,

solene e dificultoso para sua alteração, sendo a Constituição Federal Brasileira de

1988 considerada super-rígida, uma vez que só pode ser alterada mediante

processo diferenciado, inclusive, imutável em alguns pontos, a exemplo das

cláusulas pétreas305, que por sua vez tutelam direitos fundamentais.

Com efeito, possui maior dificuldade para a sua modificação do que

para a alteração das demais normas jurídicas e é desta rigidez constitucional que

surge o princípio da supremacia da constituição306.

As constituições rígidas, em sentido formal, requerem processo

especial de revisão. É deste processo que emana a estabilidade ou rigidez maior

303 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 109-110.

304 MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais; garantia suprema da

constituição. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 30. 305

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed, São Paulo: Atlas, 2006. p. 5. 306

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 47

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86

que a das leis ordinárias, resultando na supremacia incontrastável da Lei

constitucional sobre as demais regras do ordenamento jurídico307.

Para Plínio Melgaré, é o escalonamento hierarquizado de normas

que permite definir se uma lei ou ato normativo está ou não em conformidade com a

sua “linhagem” de leis superiores, a partir de uma análise de validade, de modo a

conferir se a lei inferior possui um nexo com aquela que é o referencial supremo de

validade e que irradia todo o sistema que é a Constituição, que se encontra no topo

do escalão normativo, encerrando a cadeia de validade do sistema308.

Aliás, aqui caberia uma indagação: seria esta a norma fundamental

hipotética idealizada por Hans Kelsen, cuja validade do sistema todas as demais

normas dependam? Independente da resposta, percebe-se que a validade das

normas infraconstitucionais está condicionada não só à validade formal em relação à

Constituição, mas também em relação à sua validade material quando observada a

partir da tutela de direitos fundamentais.

3.2. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Tecidas considerações acerca dos critérios balizadores do

neoconstitucionalismo no que tange à rigidez e supremacia da Constituição,

passemos a analisar os aspectos diretamente voltados à hermenêutica

constitucional, bem como aos métodos de interpretação desenvolvidos tanto pela

escola positivista quanto pela pós-positivista, para concluirmos o trabalho com a

incursão na ADPF 132 do Supremo Tribunal Federal.

O termo hermenêutica tem sua origem no estudo geral de

interpretação bíblica, a qual consistia no descobrimento de sentidos e verdades dos

valores contidos nas escrituras sagradas, sendo que da religião o termo, igualmente,

migrou para filosofia, da filosofia para as ciências e depois para o direito309.

307 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 47

308 MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin.

In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 101. 309

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 269.

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87

A interpretação jurídica consiste, portanto, na atividade de revelar os

sentidos dos textos ou outros aspectos literários do direito como princípios,

costumes, precedentes, sempre com a finalidade precípua de resolver os problemas,

e que conta com instrumentos, métodos, técnicas de racionalidade como forma de

orientar as decisões, porquanto a aplicação da norma sobre os fatos consiste no

processo final de interpretação310.

Desde o surgimento das primeiras constituições escritas em meados

do século XVIII, a interpretação atribuída à constituição era a mesma dada aos

demais ramos do direito civil, até porque a constituição era, nada mais nada menos,

do que mais um ramo do direito. A partir do século XX, após o declínio do

positivismo legalista, visto no capítulo primeiro, a interpretação constitucional viu-se

na contingência de adotar novos métodos hermenêuticos em face da sua posição

hierárquica assumida em razão de sua supremacia, bem como em face da posição a

qual os direitos fundamentais passaram a assumir dentro do contexto constitucional

onde adquiriram status normativo311.

Deste modo, uma vez tratando-se de aspectos hermenêuticos tanto

positivista quanto pós-positivista a partir de uma análise jurisprudencial, necessário

se faz um breve cotejo dos métodos clássicos de interpretação, típicos do

positivismo jurídico, bem como dos métodos hermenêuticos contemporâneos,

trazidos pela hermenêutica constitucional e que constituem métodos relacionados à

escola pós-positivista, para finalmente, analisarmos tais aspectos no julgamento da

ADPF 132.

3.2.1. Métodos clássicos de interpretação

Nos países de tradição romano-germânica as fontes principais do

direito são os enunciados normativos e as normas escritas, de modo que as normas

se subsumem aos casos concretos a partir das respectivas hipóteses de incidência,

310 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a

construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 269. 311

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 151.

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sendo que os métodos clássicos de interpretação resumem-se ao gramatical,

histórico, sistemático e teleológico312.

A interpretação gramatical funda-se no alcance semântico o qual

pode ser atribuído à norma jurídica e que não exige maior complexidade em sua

interpretação, ou seja, o limite da interpretação está contido nas próprias

possibilidades semânticas da norma313.

Já o método histórico tem como principal característica o

desenvolvimento de um papel secundário na busca do sentido da norma segundo a

vontade do legislador, pois busca resgatar e adequar essa vontade ao caso sub

judice, podendo assumir maior destaque em situações específicas, a depender da

exigência do caso concreto314.

Por sua vez, a denominada interpretação sistemática consiste na

observância da unidade e globalidade do ordenamento jurídico no momento da

aplicação da norma, pois considerando o todo unitário o qual corresponde o direito,

há de coexistir uma harmonia entre o sistema principal, abarcado pela Constituição,

e os subsistemas que integram o ordenamento jurídico, de modo que exista o

mínimo possível, ou até mesmo não exista, antinomia em face da coerência que

deve ter o sistema315.

No que concerne à interpretação teleológica, esta é verificada a

partir do conceito finalístico do próprio direito em si mesmo, pois o direito existe para

assegurar determinados fins como justiça, bem-estar social, dentre outros, que

devem ser observados na interpretação, de forma a prevalecer a interpretação mais

coerente com a finalidade a qual deve ser observada na resolução do caso

concreto316.

312 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a

construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 291. 313

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 291. 314

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 292-293. 315

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 294. 316

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 295.

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89

Finalmente, ainda cabe mencionar que no ordenamento jurídico

brasileiro vigora Lei n. 4.657/1942, denominada inicialmente de Lei de Introdução ao

Código Civil e modificada, pela Lei n. 12.376/2010, sua definição jurídica para Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a qual em seu art. 4º dispõe que:

Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os

costumes e os princípios gerais de direito317.

Ou seja, partindo-se do que foi pesquisado até este momento, da

análise do dispositivo pode se inferir uma forte influência do positivismo jurídico na

edição da referida norma, primeiro, porque a sua nomenclatura inicial dispunha

sobre a introdução ao Código Civil Brasileiro, segundo, porque observa-se o caráter

secundário o qual os princípios ocupavam na ordem de aplicação do direito na

época que a Lei foi editada em 1942.

3.2.2. Métodos de interpretação Pós-positivista

A teor do que foi estudado no capítulo anterior no que tange ao pós

positivismo, verificou-se que este movimento teve como grande característica

promover uma contraofensiva aos métodos tradicionais e até mesmo ideológicos de

interpretação do positivismo jurídico, o qual admitia tão somente uma interpretação

restrita calcada no modelo axiomático dedutivo, repelindo qualquer espécie de

interpretação valorativa ou metafísica na interpretação do direito.

Os métodos de interpretação pós-positivistas emergem a partir das

críticas feitas ao método estritamente formal do positivismo jurídico, mormente a

partir do seu declínio no período denominado de pós-guerra. Uma das fortes

influências no denominado método concretista para uma “Constituição aberta”

decorreu do resgate da tópica, trazida por Theodor Viehweg e debatida no segundo

capítulo, bem como do alargamento da sociedade de intérpretes a partir de um

pluralismo democrático, o que culminou, de certa forma, num considerável

“afrouxamento” da normatividade e juridicidade das constituições318.

317 BRASIL, Dec. Lei n. 4.657 de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm 318

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 509.

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90

Nesse novo quadro metodológico, assume relevo a proposta de

Peter Häberle, que, de forma radical e dissolvente, acentua que a doutrina

tradicional padece de um grande déficit319.

Com efeito, além da ponderação de princípios observada no

segundo capitulo, a qual implica necessariamente no sopesamento de princípios

como o da proporcionalidade na efetivação de direitos fundamentais, que aliás, vale

dizer, é bastante criticada em face do seu irracionalismo e subjetivismo em razão de

uma suposta ausência de racionalidade objetiva320, métodos como o da interpretação

conforme a Constituição e da denominada hermenêutica construtiva, esta, por sua

vez utilizada como parâmetro no julgamento da ADPF 132 do Supremo Tribunal

Federal, obrigatoriamente deverão ser ventilados neste item.

Deste modo, para evitar-se tautologia e manter-se a coerência até

aqui empreendida, far-se-á uma mera remissão ao item 2.6.1, o qual fez o cotejo do

método da ponderação e que serve como razão de fundamento neste item.

O princípio da interpretação conforme a Constituição, por sua vez,

pressupõe que as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas de modo a se

conferir eficácia máxima ao texto constitucional, mormente em se tratando dos

valores constitucionalmente tutelados que, via de regra, encontram-se revestidos de

princípios constitucionais, tratando-se, concomitantemente, de uma técnica de

interpretação e de um mecanismo de controle de constitucionalidade321.

Trata-se de uma interpretação das leis como forma de compatibilizá-

las com os fins constitucionais na hipótese de dúvida acerca de sua conformidade

ou não com a constituição, de modo a conferir maior efetividade aos direitos

fundamentais quando estes eventualmente encontrem-se ameaçados ou impedidos

de ser efetivados por outra, dentre várias, interpretações atribuídas à uma norma

319 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2004. p. 463. 320

ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luiz Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 155-156. 321

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 301.

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91

infraconstitucional, resumindo-se a uma opção pela alternativa mais viável ao

dispositivo que lhe atribua um sentido mais compatível com a constituição322.

Outro princípio interpretativo de pontual importância é o princípio da

unidade da Constituição, o qual consiste na observância necessária à unidade do

sistema jurídico a partir de uma leitura sistemática da constituição, de forma a

harmonizar ao máximo as tensões e as contradições existentes no texto

constitucional com vistas a lhe atribuir o máximo de coerência323, conforme pode se

conferir da lição de Canotilho324:

O princípio da unidade da Constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que o Direito Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas e, sobretudo, entre os princípios jurídicos-políticos constitucionalmente estruturantes. Como ‘ponto de orientação’, ‘guia de discussão’ e ‘factor hermenêutico de decisão’ o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão [...] existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios

Portanto, o princípio da unidade da constituição impõe ao intérprete

o dever de harmonização das tensões e contradições existentes, in abstracto, entre

as normas de uma constituição325.

No que concerne à interpretação construtiva como método de

interpretação pós-positivista, esta se confunde com a própria análise da ADPF 132

do Supremo Tribunal Federal, de sorte que será analisada oportunamente quando

do estudo da referida arguição.

Feitas estas considerações chega-se a um quadro comparativo

acerca dos métodos interpretativos condizentes tanto com a escola positivista

quanto pós-positivista.

322 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 216-217. 323

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 302-303. 324

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, 5 ed, Coimbra: Almedina, 1991. pág. 162. 325

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 168.

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QUADRO DE ANALISE

Método Clássico - Positivismo Jurídico

Métodos Hermenêuticos - Pós-positivismo

GRAMATICAL INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

HISTÓRICO PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS

SISTEMÁTICO HERMENÊUTICA CONSTRUTIVA

TELEOLÓGICO SUPREMACIA DA CONSTITIÇÃO

ANALÓGICO UNIDADE DA CONSTIUIÇÃO

(SALVADOR, 2012) 3.3 ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPIRMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL N. 132 DO STF

Feito o quadro comparativo no item anterior acerca dos principais

métodos de interpretação do direito no que tange às escolas positivista e pós-

positivista, passa-se a analisar a partir de agora os principais aspectos e

peculiaridades até aqui estudados a partir do julgamento da ADPF 132 do Supremo

Tribunal Federal.

De início, cabe fazer algumas considerações acerca do próprio

instrumento da ADPF, para então fazermos a conclusão do trabalho com a análise

jurisprudencial do julgado na referida ADPF.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental é um

mecanismo de controle de constitucionalidade que na Constituição Federativa do

Brasil de 1988 está prevista no art. 102 § 1°326, que por sua vez é regulada pela Lei

9.882 de 3 de dezembro de 1999327.

Ao regular a referida arguição, a Lei 9.882/1999 dispõe, já em seu

art. 1°, que A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será

326 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]

A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. 327

BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1

o do art. 102 da Constituição Federal. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9882.htm

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93

proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar

lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público328.(grifou-se)

Por sua vez, o inciso primeiro do parágrafo único ainda do referido

artigo 1° da Lei 9.882/1999, dispõe que:

Parágrafo único329. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (grifou-se)

Esta ação portanto, tem o condão de conferir um maior controle de

constitucionalidade às leis ou atos normativos decorrentes do poder público,

possuindo relevante função diante do direito pré-constitucional de forma a adequar

as normas estaduais ou municipais, por ventura editadas antes da promulgação da

Constituição, em conformidade com o direito nesta positivado330.

A referida ação é subdividida, ainda, em autônoma e incidental,

sendo que esta pode ser manejada por qualquer particular no curso de uma ação a

luz de um caso concreto que, uma vez levada ao STF, restará suspensa a ação que

lhe deu origem até o pronunciamento final da referida Corte331.

Já a ação autônoma, que é objeto do trabalho, é procedida mediante

um controle de constitucionalidade concentrado abstrato e é dirigida diretamente ao

Supremo Tribunal Federal mediante os seus legitimados ativos332 que, nos termos do

art. 103333, inc. I a IX da CRFB/1988 são: o Presidente da República; a Mesa do

Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia

328 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1.127. 329

BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1

o do art. 102 da Constituição Federal. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9882.htm 330

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1.127. 331

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1.128. 332

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed, São Paulo: Atlas, 2006. p. 708. 333

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

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Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou

do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem

dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional

e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional334.

3.3.1 Contexto histórico Processual da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Supremo Tribunal Federal.

Aludidas as considerações necessárias acerca do instrumento da

arguição de descumprimento de preceito fundamental, propriamente dita, no

ordenamento jurídico brasileiro para prosseguimento e conclusão do trabalho,

analisar-se-á, a partir de agora, o contexto histórico da ADPF 132 para que

possamos dissecá-la a partir da proposta apresentada.

Inicialmente, a ADPF 132 foi manejada, com pedido de liminar, pelo

Governador do Estado do Rio de Janeiro, o qual suscitou, em síntese,

descumprimento do preceito fundamental resultante da interpretação dada aos

incisos II e V do art. 19335 e aos incisos I a X do art. 33336, todos do Decreto-Lei

334 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed, São Paulo: Atlas, 2006. p. 708.

335 Art. 19 - Conceder-se-á licença:

II - por motivo de doença em pessoa da família, com vencimento e vantagens integrais nos primeiros 12 (doze) meses; e, com dois terços, por outros 12 (doze) meses, no máximo; V - sem vencimento, para acompanhar o cônjuge eleito para o Congresso Nacional ou mandado servir em outras localidades se militar, servidor público ou com vínculo empregatício em empresa estadual ou particular; 336

Art. 33 - O Poder Executivo disciplinará a previdência e a assistência ao funcionário e à sua família, compreendendo: I - salário-família; II - auxílio-doença; III - assistência médica, farmacêutica, dentária e hospitalar; IV - financiamento imobiliário; V - auxílio-moradia; VI - auxílio para a educação dos dependentes; VII - tratamento por acidente em serviço, doença profissional ou internação compulsória para tratamento psiquiátrico; VIII - auxílio-funeral, com base no vencimento, remuneração ou provento; IX - pensão em caso de morte por acidente em serviço ou doença profissional; X - plano de seguro compulsório para complementação de proventos e pensões. Parágrafo único - A família do funcionário constitui-se dos dependentes que, necessária e comprovadamente, vivam a suas expensas.

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Estadual n. 220/1975337, que segundo o requerente, estavam implicando em efetiva

redução dos direitos às pessoas de preferência homossexual338.

Sustentou que as decisões proferidas no Estado do Rio de Janeiro,

em relação a outras unidades da federação, vinham negando às uniões

homoafetivas estáveis o rol de direitos reconhecidos aos casais denominados como

“heterossexuais”339, consoante destaca-se da passagem do relatório, que aponta, de

plano, os preceitos fundamentais ditos violados:

Nessa linha de clara irresignação quanto ao modo juridicamente reducionista com que são tratados os segmentos sociais dos homoafetivos, argui o autor que têm sido ininterruptamente violados os preceitos fundamentais da igualdade, da segurança jurídica (ambos topograficamente situados no caput do art. 5º), da liberdade (inciso II do art. 5º) e da dignidade da pessoa humana (inciso IV do art. 1º). Donde ponderar que a homossexualidade constitui “fato da vida [...] que não viola

qualquer norma jurídica, nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros”. Cabendo lembrar que o “papel do Estado e do Direito em uma sociedade democrática, é o de assegurar o desenvolvimento

da personalidade de todos os indivíduos, permitindo que cada um realize os seus projetos pessoais lícitos340. (grifou-se).

Dentre outros argumentos levantados, afirmou o requerente que é

parte perfeitamente legítima para promover a presente demanda, porquanto

representante de toda a sociedade fluminense, incluindo casais homoafetivos, pois

considerando o fato que o decreto ora questionado foi editado bem antes da

promulgação da Constituição Federal de 1988, a única ação objetiva que pode ser

manejada com vista a cessar inúmeras controvérsias no âmbito administrativo e

judicial, bem como de afastar a lesão em caráter geral é a presente ADPF, que

poderá por fim ao estado de inconstitucionalidade decorrente da discriminação

contra os homossexuais341.

337 Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro

338 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 339

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 340

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 341

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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Estas são as principais razões preliminares suscitadas pelo arguente

no sentido de requerer o conhecimento da arguição, pois a fim de demonstrar os

requisitos iniciais para conhecimento da demanda, afirmou haver descumprimento

de preceito fundamental em face do Decreto-Lei n. 220/1975 do Estado do Rio de

Janeiro, o qual regula a questão previdenciária para os servidores civis e que não

estava sendo aplicada em favor de “famílias homoafetivas”.

A arguição foi conhecida como ação direta de inconstitucionalidade,

pois já estava em trâmite a ação direta de número 4.277, a qual tinha o mesmo

objeto da ADPF 132, sendo ambas julgadas em conjunto342.

Por fim, vale consignar que inúmeras entidades de classes

integraram a lide na condição de amicus curiae como partes interessadas em uma

decisão favorável à pretensão do aguente343.

3.3.2. Analise Metodológica dos Princípios Violados em Relação aos dispositivos constitucional e legal questionados na arguição

A questão posta no mérito pelo arguente foi a possibilidade de se

atribuir uma interpretação conforme a constituição a partir de uma principiologia

constitucional, tendo como razão do pedido os seguintes princípios e respectivos

fundamentos344:

I - Princípio da Igualdade: o legislador e o intérprete não podem

conferir tratamento diferenciado a pessoas e a situações substancialmente iguais, sendo-lhes constitucionalmente vedadas quaisquer diferenciações baseadas na origem, no gênero e na cor da pele (inciso IV do art. 3º);

II - Princípio da Liberdade: a autonomia privada em sua dimensão

existencial manifesta-se na possibilidade de orientar-se sexualmente e em todos os desdobramentos decorrentes de tal orientação;

III - Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: todos os projetos

pessoais e coletivos de vida, quando razoáveis, são merecedores de respeito, consideração e reconhecimento;

342 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 343

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 344

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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IV - Princípio da Segurança Jurídica: a atual incerteza quanto ao

reconhecimento da união homoafetiva e suas conseqüências jurídicas acarreta insegurança jurídica tanto para os partícipes da relação homoafetiva, quanto para a própria sociedade;

V - Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade: a

imposição de restrições é de ser justificada pela promoção de outros bens jurídicos da mesma hierarquia. Caso contrário, estar-se-ia diante de um mero preconceito ou de um autoritarismo moral.

Com base nestes princípios, o arguente, segundo destacado pelo

relator, postulou a aplicação do método analógico de integração do direito com

vistas a equiparar as uniões homoafetivas às uniões estáveis que se dão entre

pessoas heterossexuais, pois há de incidir a norma prevista no art. 1.723345 do

Código Civil Brasileiro.

Por sua vez, outro aparente óbice quanto ao reconhecimento da

união homoafetiva entre casais do mesmo sexo seria a falta de Lei específica

regulando a matéria, visto que o art. 226346, § 3° da Constituição Federal de 1988,

que tutela a família, dispõe que: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a

união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei

facilitar sua conversão em casamento.(grifou-se).

Contudo, a este respeito foi destacado na ementa o seguinte

excerto347:

O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial

proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como

345 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência

pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família 346

A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 347

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

[...]

A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos

heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Deste modo, restou consignado já na ementa do acórdão que era

possível, a partir de uma interpretação principiológica, reconhecer-se a união estável

entre casais do mesmo sexo ainda que na ausência de previsão legal.

A Advocacia Geral da União, por sua vez, manifestou-se a respeito

de tal possibilidade com a seguinte ementa348:

Direitos Fundamentais. Uniões homoafetivas. Servidor Público. Normas estaduais que impedem a equiparação do companheiro de relação homoafetiva como familiar. Preliminares. Conhecimento parcial da ação. Falta de pertinência temática e de interesse processual. Mérito: observância dos direitos fundamentais à igualdade e à liberdade. Exigências do bem comum. Direito comparado Decisões dos Tribunais Superiores. Manifestação pelo conhecimento parcial da ADPF para que, nessa parte, seja julgado procedente, sem pronúncia de nulidade, com interpretação conforme a Constituição [somente dos dispositivos

do Decreto-lei estadual n° 200/75), a fim de contemplar os parceiros da união homoafetiva no conceito de família. (grifou-se)

Como forma de assentar os principais elementos e fundamentos do

julgado, para então precisar os aspectos hermenêuticos relacionados ao objeto do

348 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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trabalho, destaca-se, de forma resumida, o parecer da Procuradoria Geral da

República da lavra da Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira349:

a) o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar pela ordem infraconstitucional brasileira priva os parceiros destas entidades de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais, e revela também a falta de reconhecimento estatal do igual valor e respeito devidos à identidade da pessoa homossexual;

b) este não reconhecimento importa em lesão a preceitos fundamentais da Constituição, notadamente aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da vedação à discriminação odiosa (art. 3º, inciso IV), e da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade (art. 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica;

c) é cabível in casu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma vez que a apontada lesão decorre de atos omissivos e comissivos dos Poderes Públicos que não reconhecem esta união, dentre os quais se destaca o posicionamento dominante do Judiciário brasileiro, e inexiste qualquer outro meio processual idôneo para sanar a lesividade;

d) a redação do art. 226, § 3º, da Constituição, não é óbice intransponível para o reconhecimento destas entidades familiares, já que não contém qualquer vedação a isto;

e) a interpretação deste artigo deve ser realizada à luz dos princípios fundamentais da República, o que exclui qualquer exegese que aprofunde o preconceito e a exclusão sexual do homossexual;

f) este dispositivo, ao conferir tutela constitucional a formações familiares informais antes desprotegidas, surgiu como instrumento de inclusão social. Seria um contra-senso injustificável interpretá-lo como cláusula de exclusão, na contramão da sua teleologia.

g) é cabível uma interpretação analógica do art. 226, §3º, pautada pelos princípios constitucionais acima referidos, para tutelar como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo;

h) diante da falta de norma regulamentadora, esta união deve ser regida pelas regras que disciplinam a união estável entre homem e mulher, aplicadas por analogia.”

Como pode se ver, do parecer da Procuradoria Geral da República,

especialmente a partir dos itens d) e e ), a representante do Ministério Público afirma

categoricamente que o disposto no art. 226, § 3° da Constituição Federal de 1988

não é óbice para o reconhecimento de entidades familiares e que a interpretação do

349 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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referido artigo deve ser dada à luz dos princípios fundamentais da República, ainda

que na ausência de Lei específica.

Destacados os principais elementos que compõe o mérito do

julgado, passa-se a verificar as relações dos princípios mencionados no acórdão,

quais sejam, princípio da igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana,

da segurança jurídica, razoabilidade e proporcionalidade, com a interpretação que

lhes foi dada no caso em exame.

Ao compulsar o acórdão a partir de uma perspectiva hermenêutica

atribuída a cada um dos bens jurídicos em exame, percebeu-se que em virtude da

ausência de previsão legal que regule a união homoafetiva, ficou assentado que o §

3° do art. 226 da Constituição Federal de 1988 deve ser interpretado em conjunto

com os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e

com o da segurança jurídica, de modo a conferir-se interpretação conforme à

constituição ao art. 1.723 do Código Civil Brasileiro350 a luz do princípio da

supremacia da constituição351.

Outra premissa assentada como fundamento da interpretação dada

ao caso, foi a de que há incompatibilidade material entre os preceitos fundamentais

ditos violados e as decisões administrativas e judiciais proferidas, as quais eram

divergentes em vários estados da Federação352.

Ainda como razão de decidir, o ministro relator, Ayres Britto, fez

questão de destacar a importância do reconhecimento de uma sociedade plural,

uma sociedade sem preconceitos e que deve repudiar toda e qualquer discriminação

350 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 351

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odiosa em razão do que assenta a própria constituição quando alberga os princípios

fraternos como o da igualdade, fraternidade e não discriminação353.

Prosseguindo, destacou que a posição de direito fundamental que

ocupa o direito da personalidade, da preferência sexual, se põe como direta

inferência do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1°, inc. III da

CRFB/1988354

Destarte, dada o silêncio da Constituição quanto à possibilidade de

se reconhecer a união homoafetiva, destacou-se que com o aporte da regra da auto-

aplicabilidade possível das normas consubstanciadas nos direitos e garantias

fundamentais, conclui-se logicamente que a liberdade sexual do ser humano

somente deixaria de ter a observância de tais direitos se houvesse enunciado, na

própria constituição, em sentido diverso, o que não existe, segundo afirmado355:

IV – essa liberdade para dispor da própria sexualidade insere-se no rol dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é de autonomia de vontade, direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo “cláusula pétrea”, nos termos do

inciso IV do §4º do art. 60 da CF (cláusula que abrange “os direitos e garantias individuais” de berço diretamente constitucional) VI – enfim, assim como não se pode separar as pessoas naturais do sistema de órgãos que lhes timbra a anatomia e funcionalidade sexuais, também não se pode excluir do direito à intimidade e à vida privada dos indivíduos a dimensão sexual do seu telúrico existir. Dimensão que, de tão natural e até mesmo instintiva, só pode vir a lume assim por modo predominantemente natural e instintivo mesmo, respeitada a mencionada liberdade do concreto uso da sexualidade alheia. Salvo se a nossa Constituição lavrasse no campo da explícita proibição (o que seria tão obscurantista quanto factualmente inútil), ou do levantamento de diques para o fluir da sexuada imaginação das pessoas (o que também seria tão empiricamente ineficaz quanto ingênuo até, pra não dizer ridículo). Despautério a que não se permitiu a nossa Lei das Leis. Por conseqüência, homens e mulheres: a) não

podem ser discriminados em função do sexo com que nasceram; b) também não podem ser alvo de discriminação pelo empírico uso que

353 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 354

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BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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vierem a fazer da própria sexualidade; c) mais que isso, todo espécime feminino ou masculino goza da fundamental liberdade de dispor sobre o respectivo potencial de sexualidade, fazendo-o como expressão do direito à intimidade, ou então à privacidade (nunca é demais repetir). O que significa o óbvio reconhecimento de que todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a própria natureza, qualificada pela nossa Constituição como autonomia de vontade. Iguais para suportar

deveres, ônus e obrigações de caráter jurídico positivo, iguais para titularizar direitos, bônus e interesses também juridicamente positivados. (grifos no original)

A partir destes elementos, o Supremo entendeu por bem aplicar uma

interpretação não-reducionista ao conceito de família e, de modo a aplicar

interpretação conforme à constituição ao art. 1.723 do Código Civil356 à luz dos

princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da segurança jurídica,

que por serem revestidos de status de direito fundamental, entendeu que estes

devem ser ponderados no sentido de permitir uma interpretação convergente em

favor dos casais homoafetivos357.

Em conformidade com o destacado pelo Ministro Luiz Fux, os

direitos fundamentais também importam em parâmetros para criação e constituição

de organizações e instituições estatais, ou seja, os deveres de proteção do Estado

podem concretizar-se também por intermédio de órgãos ou procedimentos

estabelecidos para a efetivação dos direitos fundamentais358, conforme bem

destacou no seguinte excerto359:

O processo jurisdicional é, por excelência, o locus da proteção dos

direitos fundamentais. A jurisdição, como função primordial do Estado, precisa estar dirigida à consagração dos direitos fundamentais, como, de resto, a atividade estatal como um todo – do contrário, perde-se a própria razão de ser do Estado. Quando o processo resulta em flagrante e disseminada violação dos direitos fundamentais – sobretudo aqueles que dizem com os direitos da

356 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 357

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 358

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 359

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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personalidade, como os de que ora se cuida –, o Estado tem o dever de operar os instrumentos de fiscalização de constitucionalidade aptos a derrotar o abuso.

Como pode se ver, a maior preocupação em voga no julgamento foi

justamente preservar os direitos fundamentais da minoria homossexual, que buscou,

junto ao Supremo, o reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo,

de maneira que mediante uma interpretação ponderativa dos valores até aqui

destacados, permitiu-se reconhecer a pretensão do requerente no sentido de se

reconhecer a união estável entre casais do mesmo sexo.

No que tange à aplicação dos princípios da razoabilidade e

proporcionalidade, vale aqui fazer uma remissão ao item 2.6.1, o qual discorreu

acerca da ponderação de princípios, oportunidade em que se destacou o papel que

os princípios ora em comento exercem no desenvolvimento da técnica da

ponderação, ou seja, como vetores dos princípios sopesados como critérios de

decisão, conforme aliás, faz destaque o Ministro Luiz Fux ao mencionar o termo

razoável como forma de medir uma hierarquia entre entidades, que dada a

pertinência, transcreve-se o excerto:

Existe razoável consenso na ideia de que não há hierarquia entre entidades. Portanto, entre o casamento e a união estável heterossexual não existe, em princípio, distinção ontológica; o tratamento legal distinto se dá apenas em virtude da solenidade de que o ato jurídico do casamento – rectius, o matrimônio – se reveste, da qual decorre a segurança jurídica absoluta para as relações dele resultantes, patrimoniais (como, v.g., o regime de bens ou os

negócios jurídicos praticados com terceiros) e extrapatrimoniais.

Aprofundando, ainda, a questão de se responder à indagação

acerca da existência de aspectos hermenêuticos relacionados às escolas positivista

e pós-positivista, o excerto extraído do corpo do acórdão na passagem do voto do

ministro Ayres Britto, destacado abaixo, pode apontar uma eventual resposta,

porquanto justifica, inclusive, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e

razoabilidade numa direta crítica à Hans Kelsen:

Nada obstante, sendo o Direito uma técnica de controle social (a mais engenhosa de todas), busca submeter, nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, as relações deflagradas a partir dos sentimentos e dos próprios instintos humanos às normas que lhe servem de repertório e essência. Ora por efeito de uma “norma geral positiva” (Hans Kelsen), ora por efeito de uma “norma geral negativa” (ainda segundo Kelsen, para cunhar as regras de clausura ou fechamento do Sistema Jurídico, doutrinariamente concebido como realidade normativa que se

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dota dos atributos da plenitude, unidade e coerência).

Precisamente como, em parte, faz a nossa Constituição acerca das funções sexuais das pessoas360. (grifou-se)

Vale apontar ainda, que em diversas passagens do acórdão foi

mencionado o critério da analogia como forma de colmatar a lacuna existente no

ordenamento jurídico, mormente na aplicação do art. 1.723 do Código Civil

Brasileiro, que pelo Ministro Luiz Fux, restou evidenciado que: Como é de

conhecimento geral, o Judiciário brasileiro, em seus diversos níveis, vem,

paulatinamente, firmando o devido reconhecimento dos direitos decorrentes dessas

uniões, invocando e adotando, por analogia, o art. 1.723 do Código

Civil361.(grifou-se)

Ou seja, a analogia foi amplamente utilizada para a aplicação do art.

1.723 do Código civil Brasileiro, conforme destacou o Ministro Ricardo

Lewandowski362:

Como se sabe, ante a ausência de regramento legal específico, pode o intérprete empregar a técnica da integração, mediante o emprego da analogia, com o fim de colmatar as lacunas porventura existentes no ordenamento legal, aplicando, no que couber, a disciplina normativa mais próxima à espécie que lhe cabe examinar, mesmo porque o Direito, como é curial, não convive com a anomia.

Outros métodos aplicados como forma de decidir a questão foram os

métodos sistemático e teleológico, na medida em que o § 3º do art. 226 da

CRFB/1988 era visto como óbice ao reconhecimento da união entre pessoas do

mesmo sexo, mas que a partir de uma interpretação principiológica sistemática

permitiu o reconhecimento de valores sociais como o da igualdade, não

descriminação e dignidade da pessoa humana, operabilidade como eficácia social e

sobretudo o afeto, ao ponto de se atribuir tutela estatal às minorias homossexuais363.

360 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 361

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 362

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 363

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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A partir desta perspectiva possibilitou-se à extensão às uniões

homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas

ditas heterossexuais, a partir de uma incidência direta dos princípios constitucionais

da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica, bem como do

postulado de que todo ser humano tem o direito, intransponível, da busca da

felicidade, e que todos estes princípios devem ser interpretados num sentido

inclusivo mediante um perspectiva de coerência constitucional364.

Feita esta análise a partir dos princípios e em relação aos métodos

aplicados na interpretação atribuída ao caso, bem como em relação às normas que

regem a questão no ordenamento jurídico brasileiro, chegou-se a construção do

seguinte quadro comparativo descrito no item seguinte.

3.3.3. Aspectos Hermenêuticos na ADPF 132

PRINCÍPIO / BEM JURÍDICO

MÉTODO INTERPRETATIVO

ESCOLA

Dignidade Humana Ponderação

Sistemático

Teleológico

Pós-Positivismo

Positivismo

Igualdade Ponderação

Teleológico

Pós-Positivismo

Positivismo

Liberdade Ponderação Pós-Positivismo

Segurança Jurídica Teleológico Sistemático

Analógico

Conforme à Constituição

Positivismo

Pós-positivismo

Razoabilidade Ponderação Pós-positivismo

Proporcionalidade Ponderação Pós positivismo

364 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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106

A partir da análise do julgado feita em relação à proposta inicial

do trabalho, percebeu-se a aplicação de diversos métodos tanto da escola positivista

quanto pós-positivista, que ora aplicados isoladamente, ora em conjunto com outros

métodos, conforme mencionado no quadro anterior, bem como na transcrição dos

excertos, nos leva a inferência de que, muito embora exista uma divergência

histórica acerca dos critérios e métodos de abordagem do direito, seja como ciência,

seja a partir de um enfoque hermenêutico, resta evidente a existência de uma norma

fundamental que erradia uma gama principiológica por todo o sistema e que a partir

desta reflexão deve se alcançar ao máximo a efetividade da Constituição.

No que tange ao princípio da dignidade da pessoa humana,

verificou-se que este é um dos princípios que devem ser mais observados na

aplicação do direito, confirmando a afirmação de Alexy, pois tal princípio constitui um

dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e na Constituição Federativa do

Brasil de 1988 vem positivada em seu art. 1º inciso III365, de onde, segundo se infere

do acórdão, deve ser irradiado ao máximo para as relações jurídicas.

Com efeito, na busca da maior efetividade deste princípio, levou-se

em consideração o peso dele face aos demais bens jurídicos em análise, uma vez

que, conforme já ventilado no capitulo segundo, Robert Alexy já assinalava que este

princípio desperta um sentido de absolutez, na medida em que o mesmo é

enfrentado dentro de um ordenamento jurídico tanto como regra quanto como

princípio.

No presente julgado, o princípio da dignidade humana foi

relacionado diversas vezes com outros bens jurídicos que devem ser interpretados

com o fim de se otimizar ao máximo a eficácia deste princípio, a exemplo do direito à

auto-estima e da consciência do indivíduo, e até mesmo do direito à vida.

365 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

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107

A partir deste entendimento, é que se conclui que o método

teleológico, a ponderação de princípios, bem como a interpretação sistemática,

considerando ainda o princípio da unidade da constituição, já visto neste capítulo,

foram aplicados no julgamento a fim de se efetivar o princípio da dignidade humana.

Ademais, inevitavelmente teve que se operar, para a melhor

efetivação do princípio da dignidade humana, o método da ponderação, o qual

atraiu, inevitavelmente, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, conforme

visto alhures.

Já o princípio da igualdade, igualmente destacado na tabela como

sendo manejado por meio dos métodos da ponderação e interpretação teleológica,

restou amplamente cotejado como fundamento da decisão, porquanto em diversos

trechos do acórdão este princípio é invocado, inclusive na sua denominada forma

material, a qual tem por fim igualar os desiguais como forma de combater as

discriminações odiosas366.

Atribuir, portanto, a interpretação deste princípio pela via dos

métodos da ponderação ao método teleológico é constatar, a partir do julgamento,

que o principio da igualdade deve ser acolhido como valor supremo de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme menção feita pelo

Ministro Luiz Fux à obra “A Virtude Soberana: a teoria e prática da igualdade” de

Dworkin, que muito bem demonstra, segundo o Ministro, a preocupação com a

questão da igualdade ao afirmar que um dos princípios que deve nortear sua

efetivação requer que o governo crie instrumentos para que seus cidadãos, seja qual

for a raça, etnia, orientação sexual, tenham garantidos um destino digno367.

Em razão desta finalidade, ou seja, desta interpretação teleológica, é

que se permitiu, novamente, ponderar os bens jurídicos em exame a fim de se

chegar a uma decisão justa e coerente com a gama principiológica albergada pela

Constituição e que deve ser interpretada harmonicamente, ainda, repita-se, que na

366 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 367

BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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ausência de previsão legal, o que acaba por nos remeter ao problema do positivismo

jurídico.

Do princípio da liberdade constatou-se que na sua aplicação foram

sopesados outros bens jurídicos, do mesmo modo, em conformidade com a

Constituição, pois esta definição principiológica abrange uma série de outros direitos

individuais como o direito à liberdade de escolha da orientação sexual, intimidade,

vida priva, que por isso deve ser, do mesmo modo, acolhido pela Constituição no

seu rol de liberdades individuais, merecendo igualmente a proteção do Estado.

Daí a ponderação aplicada no âmbito das liberdades individuais,

posto que em face deste método, o qual implica necessariamente na adequação

social dada a este princípio, que deve ser estendida para a liberdade de escolha dos

cidadãos acerca de suas relações afetivas, conclui-se pela necessidade de se

atribuir uma interpretação conforme a Constituição.

Finalmente, no que concerne aos princípios da unidade da

constituição e a denominada hermenêutica construtiva, métodos estes estritamente

pós-positivista, percebeu-se que ambos são espécies do gênero interpretação pós

positivista até aqui destacadas, porquanto decorrem da própria ideia de

neoconstitucionalismo e força normativa da Constituição, mormente no que

resguarda ao princípio da supremacia da constituição, sendo que da denominada

hermenêutica construtiva, como forma de resumir a análise feita do julgado,

transcreve-se a citação extraída do corpo do acórdão368

Com este julgamento, o Brasil dá um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que têm marginalizado grupos minoritários em nosso País, o que torna imperioso acolher novos valores e consagrar uma nova concepção de Direito fundada em nova visão de mundo, superando os desafios impostos pela necessidade de mudança de paradigmas, em ordem a viabilizar, como política de Estado, a instauração e a consolidação de uma ordem jurídica genuinamente inclusiva.

É por tal razão que o magistério da doutrina - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – tem

368 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado

do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .

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revelado admirável percepção quanto ao significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. (grifos no original)

Além dos aspectos hermenêuticos destacados neste capítulo, o

acórdão ora em exame alude outras nunces acerca da denominada hermenêutica

construtiva aplicada ao caso, onde destacam-se com maior detalhes os aspectos

hermenêuticos empreendidos no julgamento da questão, como no voto mais

detalhado dos Ministros, mas que por questão de metodologia e para evitar-se

prolixidade neste capítulo, dar-se-á remissão ao próprio acórdão para

aprofundamento dos detalhes.

De qualquer forma, os principais aspectos pesquisados neste

capítulo foram apontados, não com uma riqueza de detalhes necessária, mas de

forma suficiente a perceber que os métodos hermenêuticos empreendidos no

julgamento guardam fortes relações com os debates especificados tanto no primeiro

quanto no segundo capítulo no que tange aos métodos de criação e aplicação do

direito.

A arguição ao final foi julgada procedente, com efeito vinculante,

conforme colhe-se o extrato da ata369, no sentido de declarar a obrigatoriedade do

reconhecimento como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo.

369 Decisão: Chamadas, para julgamento em conjunto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e a Argüição

de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, após o voto do Senhor Ministro Ayres Britto (Relator), que julgava parcialmente prejudicada a ADPF, recebendo o pedido residual como ação direta de inconstitucionalidade, e procedentes ambas as ações, foi o julgamento suspenso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falaram, pela requerente da ADI 4.277, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; pelo requerente da ADPF 132, o Professor Luís Roberto Barroso; pela Advocacia-Geral da União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams; pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos; Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM; Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual; Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT; Grupo de Estudos em Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais - GEDI-UFMG e Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Minas Gerais - Centro de Referência GLBTTT; ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero; Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e a Associação Eduardo Banks, falaram, respectivamente, o Professor Oscar Vilhena; a Dra. Maria Berenice Dias; o Dr. Thiago Bottino do Amaral; o Dr. Roberto Augusto Lopes Gonçale; o Dr. Diego Valadares Vasconcelos Neto; o Dr. Eduardo Mendonça; o Dr. Paulo Roberto lotti Vecchiatti; o Dr. Hugo José Sarubbi Cysneiros de Oliveira e o Dr. Ralph Anzolin Lichote. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.05.2011. Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro

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110

Todavia, em que pese os argumentos empreendidos na exegese

aplicada ao caso concreto, bem como a importância a qual, sem dúvidas, deve ser

dada aos direitos fundamentais, a preocupação demonstrada nos dois primeiros

capítulos acerca de quais métodos sãos os mais adequados para se ter uma ciência

do direito são identificados a partir de críticas que foram feitas aos critérios adotados

no julgamento para se permitir, ainda que na ausência de legislação específica, a

regulamentação por parte do judiciário de uma situação não prevista em Lei.

Ao discorrer sobre o julgamento da referida ADPF 132, Lênio Strek,

juntamente com Rogério Montai de Lima, publicaram um artigo intitulado de O

Direito de Conversão da União Estável em Casamento nas Relações Homoafetivas,

onde iniciam tecendo uma crítica acerca das consequências da decisão dada

mediante interpretação conforme a Constituição, consoante colhe-se do trecho:

Despiciendo referir que o presente texto – e a posição nele expressa – não significa reconhecer que a decisão do STF, no julgamento da ADPF 132, tenha sido correta e/ou adequada à Constituição. Na verdade, a decisão do STF – como já ficou explicitado no texto “Ulisses e o canto das sereias. Sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um terceiro turno da constituinte” – revelou-se desbordante da Constituição, mormente ao fazer uma interpretação conforme de um dispositivo do Código Civil que diz a mesma coisa que a Lei Maior. Ou seja, ao assim proceder, o STF fez uma verfassungskonforme Auslegung bem à brasileira. Entretanto, e levando em conta que, em um sistema democrático, a suprema Corte tem o “direito” de errar por ultimo, cabe, a partir daí, traçar os horizontes que se abrem (ou que se fecham) com a novel decisão370.

De qualquer modo, muitas são as críticas feitas até mesmo ao

paradigma da ponderação, uma vez que este aniquilaria até mesmo com as regras e

com o exercício regular do princípio democrático por intermédio da função

legiferante legitimada ao Congresso, porquanto ao se admitir o uso de princípios

constitucionais, ainda nas hipóteses de lacuna, estar-se-ia consentindo com uma

pedido originariamente formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas todas as preliminares, por votação unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão, independentemente da publicação do acórdão. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 05.05.2011. 370

STRECK, Lênio Luiz; DE LIMA, Rogério Montai. O direito de Conversão da União Estável em Casamento nas Relações Homoafetivas. In Revista Síntese Direito de Família. V. 13, n. 67, ago./set. São Paulo: 2011. p. 101.

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111

desvalorização da função legislativa, que é para quem é outorgada função

legislativa371.

Por outro lado, os debates acerca de um método adequado para o

direito a partir de uma perspectiva positivista e pós-positivista, ao que parece,

continua em voga, pois com a ascensão dos direitos fundamentais, bem como de

uma interpretação principiológica, resta admissível a ideia de que o direito deve levar

em conta valores que circundam a ordem natural das coisas, sem contudo, deixar de

lado a premissa de que é necessário um método objetivo e linear como ponto de

partida para que as decisões guardem entre si uma singularidade legítima e ao

mesmo tempo coerente, mormente a partir daquele dogma que sem dúvidas é um

dos que mais representa os Estado Democrático de Direito, que é o da tripartição

dos poderes.

371 ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. In Revista

Brasileira de Direito Público. Ano 1. abr. a jun. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 18.

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112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise da pesquisa empreendida na elaboração do trabalho, foi possível

constatar-se que o positivismo jurídico foi uma doutrina aprimorada na Europa

Continental principalmente a partir do movimento iluminista e da revolução científica,

esta por sua vez impulsionada a partir do desenvolvimento da geometria e das

ciências exatas, como a matemática e a física.

Este movimento ganhou força principalmente a partir da Revolução

Francesa, que como formar de impor limites aos abusos cometidos pelo soberano,

buscou, através da razão, criar mecanismos de controle social a partir de normas

pré-estabelecidas e codificadas como forma de se obter segurança jurídica entre os

cidadãos.

Com o desenvolvimento da teoria dos sistemas a partir do apogeu do

cartesianismo, buscou-se estender os métodos aplicados para as ciências exatas

aos demais ramos do conhecimento, de maneira que com o movimento pela

codificação na Europa e a pretensão de se obter um método universal para os

estudos das ciências, o Direito foi abarcado por esta doutrina pretensamente

universal, adquirindo, desde o Código de Napoleão, uma pretensa objetividade e

exatidão que visara banir toda e qualquer metafísica ou outros juízos calcados em

valores, sob pena de não ser uma verdadeira ciência.

Foram destacados alguns aspectos normativos a fim de se justificar a

relação do direito como ciência, a exemplo dos modais deônticos da norma, onde

constatou-se que esta possui a estrutura de um comando e que, segundo a doutrina

do positivismo jurídico, o judiciário seria uma mera boca pronunciadora da lei, esta

por sua vez, emitida unicamente pelo poder legislativo, o seu verdadeiro e legítimo

legislador, consoante se constatou da teoria dos três poderes elaboradas por

Montesquieu.

Já no início do século XX, Hans Kelsen idealizou a Teoria Pura do Direito, a

qual buscou, definitivamente, atribuir um status científico para dentro do Direito,

sobretudo a partir de uma visão exata e objetiva semelhante à lógica e à

matemática, que tinha como característica ser uma pirâmide hierárquica de normas,

cuja validade das demais dela dependeria em razão de sua superioridade

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113

hierárquica, sem, contudo, qualificar e precisar com clareza o conteúdo desta norma

hipotética fundamental.

Com o esgotamento desta metodologia aplicada ao Direito após os fatos que

ocorreram na Europa durante a segunda Guerra Mundial, os quais muitos autores

atribuam, em parte, responsabilidade à estrita legalidade a qual foi empreendida na

sistemática dos governos, passou-se a revindicar para o Direito uma metodologia

que se pautasse, igualmente, pela observância de valores na interpretação do

direito, e não só numa base conceitual fria e mecânica, conforme pretendiam os

entusiastas do positivismo jurídico.

A partir destas críticas dirigidas ao modelo axiomático dedutivo típico do

positivismo jurídico, é que Theodor Viehweg e Chaim Perelman trazem uma nova

perspectiva para a teoria do Direito baseada na dialética dos antigos, na medida em

que afirmam ser a retórica e a tópica necessárias para se garantir um juízo de

aceitação das decisões judiciárias, as quais devem ser calcadas na persuasão

através da argumentação jurídica voltada para o ponto de vista do público comum, o

que inevitavelmente exige da prática judiciária uma adequação de suas decisões

com os anseios sociais.

Com efeito, com finalidade de promover uma contraofensiva ao positivismo

jurídico, surge o movimento denominado de pós-positivismo, que apoiado nos ideais

de Viehweg e Perelman, busca desenvolver a partir da segunda metade do século

XX uma teoria da argumentação jurídica calcada, sobretudo, na ideia de que o

Direito deve ser concebido a partir de uma visão principiológica e ética que deve

nortear as decisões judiciárias.

A partir desta contraofensiva ao positivismo jurídico, os sistemas jurídicos

modernos passaram a adotar uma nova sistemática Constitucional voltada para

aqueles que ficaram conhecidos como direitos fundamentais, os quais passaram a

ser positivados nas constituições modernas e mais do que isso, a ocupar o topo da

pirâmide normativa desenvolvida por Kelsen, conquanto, atribuindo à validade do

sistema mais que um caráter meramente formal, mas principalmente material.

Neste contexto, ganha relevo o denominado neoconstitucionalismo, o qual,

ainda que não precisamente definido pela doutrina, representou uma espécie do

gênero pós-positivismo, onde buscou atribuir caráter normativo aos princípios

constitucionais que, diferentemente das normas infraconstitucionais, possuem o

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114

mesmo valor e peso e devem ser sopesadas mediante o método da ponderação

quando da resolução do caso concreto.

A partir disso, a constituição passa a adquirir uma força normativa que

transcende a mera divisão hierárquica das demais normas infraconstitucionais e

permite que o judiciário tenha uma maior atuação a partir de um critério prático-

racional de controle de suas decisões, onde a Constituição, e bem assim seus

princípios, devem ser protegidos e, mais do que isso, devem ser efetivados pelo

julgador, ainda que na ausência de lei específica.

A Constituição Federativa do Brasil de 1988 trouxe um forte espírito pós-

positivista, na medida em que alberga um catálogo de direitos e garantias

fundamentais e os perpetua no ordenamento jurídico como cláusulas pétreas, as

quais não podem ser removidas nem pelo Congresso, salvo nas hipóteses

excepcionais por ela mesma regulada.

Além de uma forte gama principiológica, a Constituição Federativa do Brasil

de 1988 dispõe instrumentos para que seus cidadãos possam questionar a validade

de leis ou atos normativos que por ventura ameacem a efetivação de direitos

fundamentais, dentre eles a arguição de descumprimento de preceito fundamental, a

qual foi objeto do trabalho.

Com efeito, a partir de sua análise à luz da proposta inicial do trabalho,

constatou-se a existência de aspectos hermenêuticos tanto relacionados ao

positivismo jurídico, quanto ao pós-positivismo, confirmando, em parte, as hipóteses

inicialmente formuladas, haja vista que no julgamento da ADPF 132 do Supremo

Tribunal Federal, a Corte Constitucional foi instada a se manifestar acerca da

possibilidade de se atribuir uma interpretação conforme a constituição aos artigos do

Decreto-Lei n. 220/1975, que regula os direitos previdenciários aos servidores civis

do estado do Rio de Janeiro.

Ao atribuir a aludida interpretação, a luz de recursos hermenêuticos como a

analogia, a ponderação, o método sistemático, teleológico, dentre outros, a Corte

reconheceu a extensão dos direitos previstos no art. 1.723 do Código Civil aos

casais homoafetivos, ainda que na ausência de autorização legislativa, porquanto os

direitos fundamentais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade,

dentre outros, no entendimento da Corte, permitem que se reconheça mediante

valiosa hermenêutica construtiva os direitos civis previstos aos casais ditos

heterossexuais.

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Deste modo, a pesquisa demonstrou que o embate doutrinário

acerca do positivismo jurídico, sob o enfoque da estrita legalidade, bem como do

pós-positivismo, a luz do constitucionalismo moderno, permanecem vivos em nossos

Tribunais, na medida em que uma interpretação aberta da Constituição demonstra

uma invasão do espaço legislativo, a qual deve ser imposta limites a cada caso, sob

pena de se ter um indesejável ativismo judicial.

Por outro lado, parece razoável a exegese pós-positivista calcada na

ponderação e nos princípios, uma vez que certos valores fundamentais não podem

ficar à mercê da edição de uma lei quando a questão se manifestar ofensiva a

direitos fundamentais protegidos pela Constituição, ou seja, quando pesar mais o

comprometimento de uma garantia constitucional, a interpretação aberta pode ser

uma alternativa satisfatória ao cumprimento dos próprios fins constitucionais.

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ANEXO

EMENTA - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL N. 132 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

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