O Perigo do Elevado Consumo de Paracetamol · mol foi responsável por 25.000 a 32.000...

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O paracetamol é o medicamento mais vendido nas farmácias portuguesas desde, pelo menos, 2009. Este medicamento existe em diferentes dosagens e formas de adminis- tração quer para criança, quer para adulto (Figura1). Para crianças existe o Ben-u-ron® ou o Paracetamol MG em xarope e ainda os supositó- rios de Ben-u-ron® de 125 mg, de 250 mg e de 500 mg, cuja posologia recomendada depende do peso da criança. Para adolescentes e adultos, com idade igual ou superior a 16 anos existem comprimidos de 500 mg (Ben-u-ron®, Panasorbe®, Panadol®), de 650 mg (Gelocatil®) ou ainda de 1000 mg (Ben-u-ron®, Dafalgan®). No caso de supositórios existe de dosagem 1000 mg (Ben-u-ron®). Mais recentemente, foi ainda lançado no mercado paracetamol em cápsulas de 500 mg (Ben-u-ron®). É ainda de referir que a dosagem de 1000 mg administrada via rectal não é equivalente à dosagem de 1000 mg administrada via oral, sendo a absorção via oral superior. O fármaco em questão é considerado, na sua generalidade, seguro. No entanto, nos Estados Unidos da América é responsável por 56 000 visitas às urgências, 26 000 hospitalizações e 458 mortes anuais 1 . No Reino Unido, entre 1995 e 2003, o paraceta- mol foi responsável por 25.000 a 32.000 internamentos anuais e por cerca de 500 mortes anuais 2 . A informação que existe relativamente a este medicamento indica que a dose tóxica para o fígado é de cerca de 10 g diárias, no entanto já foram reportadas lesões no fígado em adultos que tomavam apenas 4 g por dia 3 , isto é, uma dose diária dentro dos limites recomendados. Desde 2008, a agência americana responsável por medicamentos (Food and Drugs Administration - FDA) mostrou preocupação com os índices de hospitalizações e mortes por envenenamento com paracetamol. Para minimizar a situação, passou a recomendar a dose máxima diária de 2600 mg e a dose máxima por comprimido de 650 mg. Adicionalmente, medidas como a redução do número de comprimidos por embalagem e avisos nas embalagens informando que determinado medicamento contém paracetamol (uma vez que muitos dos envenenamentos acidentais aconte- ciam porque os indivíduos tomavam diversos medicamentos, não sabendo que muitos deles continham paracetamol 4 ; como é o caso dos antigripais, nomeadamente o Cegripe ®, o Ilvico® e o Antigrippine®) também foram postas em prática. Estas medidas tornam-se mais relevantes quando se trata do consumo de analgésicos, como é o exemplo do consumo de medicamentos que contenham paracetamol e codeína (ex: Dol-u-ron®). Nesse sentido, nos Estado Unidos da América, a FDA obrigou a indústria a O Perigo do Elevado Consumo de Paracetamol Figura 1 - Antigrippine® (Paracetamol 250 mg + mepiramina 20 mg + cafeína 30 mg); Panadol® (Paracetamol 500 mg); Panadol Extra® (Paracetamol 500 mg + Cafeína 65 mg)

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O paracetamol é o medicamento mais vendido nas farmácias portuguesas desde, pelo menos, 2009. Este medicamento existe em diferentes dosagens e formas de adminis-tração quer para criança, quer para adulto (Figura1). Para crianças existe o Ben-u-ron® ou o Paracetamol MG em xarope e ainda os supositó-rios de Ben-u-ron® de 125 mg, de 250 mg e de 500 mg, cuja posologia recomendada depende do peso da criança. Para adolescentes e adultos, com idade igual ou superior a 16 anos existem comprimidos de 500 mg (Ben-u-ron®, Panasorbe®, Panadol®), de 650 mg (Gelocatil®) ou ainda de 1000 mg (Ben-u-ron®, Dafalgan®). No caso de supositórios existe de dosagem 1000 mg (Ben-u-ron®). Mais recentemente, foi ainda lançado no mercado paracetamol em cápsulas de 500 mg (Ben-u-ron®). É ainda de referir que a dosagem de 1000 mg administrada via rectal não é equivalente à dosagem de 1000 mg administrada via oral, sendo a absorção via oral superior.

O fármaco em questão é considerado, na sua generalidade, seguro. No entanto, nos Estados Unidos da América é responsável por 56 000 visitas às urgências, 26 000 hospitalizações e 458 mortes anuais1. No Reino Unido, entre 1995 e 2003, o paraceta-mol foi responsável por 25.000 a 32.000 internamentos anuais e por cerca de 500 mortes anuais2. A informação que existe relativamente a este medicamento indica que a dose tóxica para o fígado é de cerca de 10 g diárias, no entanto já foram reportadas lesões no fígado em adultos que tomavam apenas 4 g por dia3, isto é, uma dose diária dentro dos limites recomendados.Desde 2008, a agência americana responsável por medicamentos (Food and Drugs Administration - FDA) mostrou preocupação com os índices de hospitalizações e mortes por envenenamento com paracetamol. Para minimizar a situação, passou a recomendar a dose máxima diária de 2600 mg e a dose máxima por comprimido de 650 mg. Adicionalmente, medidas como a redução do número de comprimidos por embalagem e avisos nas embalagens informando que determinado medicamento contém paracetamol (uma vez que muitos dos envenenamentos acidentais aconte-ciam porque os indivíduos tomavam diversos medicamentos, não sabendo que muitos deles continham paracetamol4; como é o caso dos antigripais, nomeadamente o Cegripe ®, o Ilvico® e o Antigrippine®) também foram postas em prática. Estas medidas tornam-se mais relevantes quando se trata do consumo de analgésicos, como é o exemplo do consumo de medicamentos que contenham paracetamol e codeína (ex: Dol-u-ron®). Nesse sentido, nos Estado Unidos da América, a FDA obrigou a indústria a

O Perigo do Elevado Consumo de Paracetamol

Figura 1 - Antigrippine® (Paracetamol 250 mg + mepiramina 20 mg + cafeína 30 mg); Panadol® (Paracetamol 500 mg); Panadol Extra® (Paracetamol 500 mg + Cafeína 65 mg)

colocar no máximo 325 mg de paracetamol em comprimidos ou cápsulas que contives-sem outra substância analgésica além do paracetamol, a partir de Janeiro de 20145.Em Inglaterra e no País de Gales, em 1998 o número de comprimidos por embalagem foi também reduzido, tendo-se com esta medida conseguido progressivamente diminuir o número de mortes anuais, alcançando em 2011 um mínimo histórico de 89 mortes anuais causadas por este fármaco6. Em Portugal, segundo a legislação em vigor, os medicamentos que apresentem riscos adicionais para a saúde do consumidor deverão ser dispensados apenas mediante a apresentação de uma receita médica, isto é, são Medicamentos Sujeitos a Receita Médica. Nesta classe encontram-se todos os medicamentos para adultos que contêm paracetamol isolado e numa dose superior a 500mg. Ainda assim, o paracetamol continua a ser considerado um medicamento seguro, exceto quando consumido em doses elevadas durante largos períodos de tempo7, ou quando tomado por indivíduos de risco acrescido, nomeadamente indivíduos que ingerem excesso de álcool de forma regular (cerca de três ou mais bebidas alcoólicas por dia) ou indivíduos mal nutridos. Desta forma, e nas situações mais comuns, considera-se mais prudente começar por uma dose de 500 mg e reservar os comprimidos de 1000 mg para situações pontuais e mais graves, devendo nesses casos ser utilizado por um período de tempo curto. Particularmente nos idosos este conselho é importante, já que o processo de transformação do fármaco no organis-mo humano poderá encontrar-se diminuído, levando à acumulação de doses tóxicas. Sempre que tiver dúvidas não hesite, peça conselho ao seu farmacêutico!

Marta Gomes, farmacêutica. Pela equipa da Farmácia AISIR

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