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Biblioteca Digital

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O papel das fontes renováveis de energia no

desenvolvimento do setor energético e barreiras

à sua penetração no mercado

Ricardo Cunha da Costa

Cláudia Pimentel T. Prates

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O PAPEL DAS FONTESRENOVÁVEIS DE ENERGIA NODESENVOLVIMENTO DO SETORENERGÉTICO E BARREIRASÀ SUA PENETRAÇÃONO MERCADO*Ricardo Cunha da CostaCláudia Pimentel T. Prates**

* Fevereiro de 2005.** Respectivamente, engenheiro do BNDES e chefe do Departamento deGás, Petróleo, Co-Geração e Outras Fontes de Energia, do BNDES. SE

TOR

ENER

GÉT

ICO

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O artigo trata do papel estratégico, de longoprazo, das fontes renováveis não somente no contextomundial, mas sobretudo no contexto nacional, pois oBrasil apresenta vantagens comparativas na produçãodessas fontes. Faz-se, inicialmente, uma crítica ao pesorelativo da energia dominante na oferta de energia eapresentam-se as estratégias adotadas por diversos paí-ses para atravessar as crises do petróleo, bem como osreflexos dessas estratégias nas matrizes energéticas dospaíses.

Quando se analisa o longo prazo, é importanteobservar a evolução dos custos das diversas fontes,verificando se as curvas de custos se cruzam em algummomento. Os custos são função da capacidade instaladae são menores para tecnologias maduras (fontes tradi-cionais), embora os custos de tecnologias infantes sereduzam muito mais rapidamente do que os das tecnolo-gias maduras.

A análise não se restringe apenas à comparaçãode custos. Apontam-se, ainda, alguns benefícios socioe-conômicos gerados pelas fontes renováveis. Apesar des-ses benefícios, há uma série de barreiras à entrada denovas tecnologias no mercado. Foram destacados osprogramas governamentais desenvolvidos na Europa eno Brasil para promover as fontes renováveis. A atuaçãodo BNDES no financiamento dessas fontes é tambémenfatizada.

Em conclusão, são levantados alguns pontosque deveriam ser observados atentamente na fase deelaboração de programas de governo, no intuito de queo financiamento contribua de forma mais efetiva à promo-ção de fontes renováveis no país.

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético

Resumo

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Energia renovável é uma expressão usada para descre-ver uma ampla gama de fontes de energia que são disponibilizadasna natureza de forma cíclica. As fontes renováveis podem ser utili-zadas para gerar eletricidade, para gerar calor ou para produzircombustíveis líquidos para o setor de transportes. Atualmente, éimprescindível que elas estejam inseridas nas políticas energéticasdos países, já que exercem um papel importante para a sustentabi-lidade do sistema energético.

Vários países têm investido na ampliação da participaçãodas fontes renováveis de energia na matriz energética. O crescimen-to observado nos últimos anos é notável. Entretanto, sua contribuiçãoà geração de energia é ainda muita reduzida. Hoje em dia, os paísesindustrializados, maiores consumidores, contam fundamentalmentecom fontes não-renováveis de energia. O esgotamento desses re-cursos ao longo do tempo implica custos crescentes de produção.Desse modo, alternativas às fontes tradicionais ou novos métodosde produção são necessários para o atendimento da demandacrescente por energia.

As novas fontes renováveis de energia – biomassa, eólica,solar, de marés, pequenas centrais hidroelétricas (PCHs) – têm seconstituído em alternativas às fontes tradicionais. Além de seremclassificadas como opções ambientalmente corretas, permitem, emvários casos, a geração distribuída de energia. Assim, as geradorasque utilizam essas fontes alternativas costumam se localizar próxi-mas aos centros de consumo, para atender às demandas de locali-dades isoladas.

No caso do Brasil, em particular, a presença de fontesrenováveis na matriz energética é significativa, principalmente ahidroeletricidade e a biomassa. Apesar da predominância de fontesrenováveis, o governo brasileiro tem defendido, em negociaçõesinternacionais, a ampliação de novas fontes renováveis nas matrizesenergéticas dos diversos países, de forma que os impactos futurosao meio ambiente sejam minorados.

O desenvolvimento de novas fontes renováveis não selimita ao atendimento a compromissos ou obrigações ambientais,mas também visa ao desenvolvimento de tecnologias no país, redu-zindo, assim, uma possível dependência de tecnologias de pontapara a produção de energia. Além disso, as novas fontes renováveistêm sido utilizadas como forma de reduzir as diferenças regionais no

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Introdução

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que diz respeito ao acesso à energia.1 Apesar de seus elevadoscustos, se comparados com os das fontes tradicionais, as novasfontes renováveis podem se tornar competitivas em comunidadesisoladas.

No presente texto, faz-se uma breve apresentação sobreo papel central que o petróleo tem exercido atualmente, apontandoa necessidade de se encontrar um substituto ou substitutos a essafonte de energia. Em seguida, apresentam-se alguns movimentosinternacionais para a promoção de fontes renováveis de energia.Também são apresentadas, ainda, as matrizes energéticas, de formaa mostrar como os diferentes países enfrentaram o problema da crisedo petróleo, ou seja, quais foram as alternativas energéticas utiliza-das. Além disso, faz-se uma exposição da penetração das fontesrenováveis nos últimos anos. A partir daí, é discutida a questão dainovação tecnológica, com base nas curvas de aprendizado dastecnologias de produção de energia renovável, e são mostradosalguns benefícios proporcionados pelas fontes renováveis. Dandoseqüência, são enumeradas as principais barreiras à penetração dastecnologias apontadas na literatura, bem como os mecanismosadotados para superar as barreiras impostas. Por fim, faz-se umadescrição de programas de governo para a promoção de energiasrenováveis e dos principais programas de apoio do BNDES para essesegmento energético.

A história mostra que há sempre uma energia de referên-cia ou dominante que orienta as trajetórias do setor energético,podendo ter reflexos significativos na economia como um todo.Qualquer perturbação no mercado da energia dominante impacta osmercados de outros energéticos, o que poderia ser traduzido, àprimeira vista, como um elevado grau de substituição entre energé-ticos. No entanto, se o peso relativo da energia dominante é muitogrande, uma pequena perturbação pode afetar consideravelmenteoutros mercados energéticos.

A posição de dominante tem sido ocupada por diferentesenergéticos ao longo do tempo. Na verdade, o desenvolvimentotecnológico e as mudanças estruturais da economia fazem com queas energias dominantes passem por um ciclo. No período pré-indus-trial, a biomassa, notadamente a lenha e o carvão vegetal, eram pra-ticamente os únicos energéticos utilizados pela humanidade. Com arevolução industrial, o carvão mineral passou a exercer papel prepon-derante na economia. Mais tarde, no final do século XIX, os derivadosde petróleo começaram a substituir o carvão mineral. O petróleo setornou a energia dominante no século passado, principalmente como boom da indústria automobilística, que passa a exercer uma funçãocentral no desenvolvimento e na modernização das economias.

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético

Necessidadede Reduçãodo Papel ou

Substituiçãoda EnergiaDominante

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1Pode-se afirmar que quasea totalidade da população ur-bana brasileira tem acesso àeletricidade. Entretanto, nomeio rural, principalmente noNorte e Nordeste, uma par-cela significativa da popula-ção não tem acesso a essafonte de energia. Segundodados do Censo 2000 doIBGE, 2,5 milhões de domi-cílios, ou cerca de 11 mi-lhões de habitantes, não têmacesso à eletricidade.

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Na segunda metade do século passado, já eram notáveisas ações no sentido de se encontrar uma energia que pudessesubstituir o petróleo. A energia nuclear despontava como estratégicanão só para fins militares, mas também para fins energéticos. Vulto-sos investimentos foram realizados no pós-guerra, com o Brasil tendocriado seu programa nuclear no final da década de 60. Problemasrelacionados ao desenvolvimento tecnológico, à transferência detecnologia, à larga escala de produção e ao risco de acidentes invia-bilizaram a idéia de ter a energia nuclear como a alternativa energé-tica mundial.

Em um contexto de consumo acelerado e de oferta limitadade recursos, as perspectivas, no início da década de 70, eram dedeclínio acentuado das reservas mundiais de petróleo, o que acaboupor provocar duas grandes crises de fornecimento de petróleo nessadécada. Em 1973, o preço do petróleo salta de US$ 3 para US$ 12por barril e, em 1979, atinge US$ 32 (em valores correntes da época).Os países adotaram estratégias diferenciadas para superar as crises.As principais medidas podem ser assim resumidas:

• substituição do petróleo por outras fontes, notadamente a energianuclear nos países industrializados e, no caso do Brasil, a energiahidráulica e o álcool;

• “desmaterialização” das economias, de forma a reduzir o seuconteúdo material (e energético), o que fez com que o setor deserviços assumisse a posição de vetor de crescimento nas eco-nomias mais adiantadas;

• mudança de hábitos e comportamento dos consumidores;

• transferência de indústrias intensivas em energia para regiõescom abundância de fontes energéticas, sobretudo em economiasmenos desenvolvidas;

• progresso técnico do lado da demanda, com a melhoria da eficiên-cia energética dos equipamentos e aparelhos; e

• inovação tecnológica do lado da oferta de energia, o que permitiu,no caso do petróleo, por exemplo, aumentar as reservas, com apossibilidade de exploração e produção em mar (offshore) e emáguas profundas.

O grave erro apontado no relatório “Limites do Crescimen-to”, encomendado pelo Clube de Roma,2 refere-se ao fato de que ametodologia empregada negligenciava a importância da inovaçãotecnológica. Adotava-se a hipótese de continuísmo do consumismodesenfreado e, conseqüentemente, de exaustão dos recursos natu-rais. Os preços não exerciam nenhuma influência sobre a descobertade novas tecnologias, no aprimoramento das tecnologias existentesou no comportamento dos consumidores. Todos esses fatos fizeramreverter a tendência de alta dos preços do petróleo. Em meados da

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2O Clube de Roma é umaorganização não-governa-mental que reúne cientistas,economistas, empresários,funcionários de alto nível deinstituições internacionais,chefes de Estado e ex-che-fes de Estado dos cinco con-tinentes. Seu objetivo cen-tra-se na identificação deproblemas enfrentados pelahumanidade, na análisedesses problemas no con-texto global, na pesquisa desoluções alternativas futu-ras e na elaboração de ce-nários para o futuro.

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década de 80, houve o contrachoque do petróleo. Em 1999, o preçodo barril atingiu o patamar de US$ 10.

As inovações no setor de petróleo têm tido grande influên-cia no sentido de alongar a permanência de sua posição dominanteno mercado, mas isso não quer dizer que ele continuará a ocuparessa posição eternamente. Especialistas da Aspo (Association forthe Study of Peak Oil and Gas) alertam que as descobertas vêmdeclinando há bastante tempo. A última grande descoberta no Orien-te Médio ocorreu nos anos 70. Grandes empresas vêm revisando asestimativas de suas reservas e há um grande questionamento sobrea contabilização das reservas na Arábia Saudita.

Urge, portanto, a necessidade de se encontrar, a médio elongo prazos, um substituto (ou alguns substitutos) para a energiadominante atual. A substituição do petróleo por outro energético nãoé algo tão simples, dado que o petróleo é uma fonte bastante flexível,com conteúdo energético elevado, podendo ser transportado semdificuldades e produzir combustíveis diversos para múltiplas aplica-ções. As energias renováveis nem sempre oferecem essas facilida-des, de modo que não conseguirão substituir o petróleo em suaplenitude no atual estágio do desenvolvimento tecnológico. Mas, seo petróleo pode ser substituído paulatinamente por diversas fontesrenováveis, isso deve ser interpretado como uma vantagem, poisminimiza os riscos de abastecimento e os impactos perversos dechoques de oferta da energia dominante sobre a economia como umtodo.

Há uma série de eventos internacionais de cunho ambien-tal acontecendo com bastante freqüência nos últimos anos e queprovavelmente trarão reflexos para as fontes renováveis. Recente-mente, grande atenção tem sido destinada à questão do aquecimen-to global e às emissões de gases de efeito-estufa. Desde a Confe-rência Rio-92, quando foi criada a Convenção-Quadro das NaçõesUnidas sobre Mudança Climática (UNFCCC – United Nations Frame-work Convention on Climate Change), principalmente após a ratifica-ção da convenção dois anos mais tarde, esse tema tem sido discutidoenfaticamente. Países industrializados e economias em transição daantiga União Soviética (países do Anexo I da UNFCCC) assumiramcompromissos de redução e limitação de emissões de gases deefeito-estufa para o período 2008-2012 na Conferência de Quioto dedezembro de 1997. Com a ratificação da Rússia em novembro de2004, atenderam-se aos dois critérios para a entrada em vigor doProtocolo de Quioto.3 A entrada em vigor desse protocolo foi esta-belecida em 16 de fevereiro de 2005.4 Os países do Anexo I terão dereduzir em média 5,2% de suas emissões em relação a 1990, sendoque pelo menos 50% dos esforços terão de ser realizados interna-mente e o restante através da aquisição de certificados de redução

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético

MovimentosInternacionais

para aPromoção de

EnergiasRenováveis

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3Os dois critérios são a ratifi-cação, aceitação, aprovaçãoou adesão de pelo menos 55países da UNFCCC e porpaíses do Anexo I que conta-bilizem juntos pelo menos55% da quantidade total degases de efeito-estufa poresses países em 1990.

4Nessa data, 141 países ha-viam ratificado o Protocolode Quioto, inclusive o Brasil,desde julho de 2002.

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de emissões de outros países, inclusive dos países não-pertencen-tes ao Anexo I, através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.Note-se que os países do Anexo I poderão importar energias reno-váveis, notadamente biocombustíveis, de outros países para cumprirsuas metas de ações internas.

Na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentá-vel, realizada em 2002 em Joanesburgo, houve uma ênfase especialpara as fontes renováveis. A delegação brasileira levou a propostade participação, em 2010, de 10% de fontes renováveis nas matrizesenergéticas dos países. As fontes renováveis foram restritas à bio-massa moderna, a pequenas centrais hidroelétricas, à geotérmica, àeólica, à solar e à energia de marés. A proposta não foi aceita naconferência, sendo rejeitada por países da Opep (Organização dosPaíses Exportadores de Petróleo) e pelos Estados Unidos. A UniãoEuropéia admitia um percentual maior, mas teriam de ser incluídascomo renováveis as grandes usinas hidroelétricas. O governo ale-mão se propôs organizar uma conferência específica dois anos maistarde para aprofundar os debates.

A Conferência Internacional sobre Energias Renováveis,reunindo 154 delegações de diferentes países, foi realizada no pe-ríodo de 1º a 4 de junho de 2004, em Bonn. A conferência foi estru-turada de forma a discutir assuntos relacionados com políticas parao desenvolvimento de fontes renováveis de energia, com opções definanciamento para essas fontes e com o reforço da capacitação hu-mana e institucional dos países. Anunciou-se a expectativa de inves-timentos globais na infra-estrutura de oferta de energia, para os pró-ximos 30 anos, de US$ 16 trilhões. Esse volume permitiria que hou-vesse a possibilidade de orientar uma parcela maior de investimentospara fontes renováveis de energia, no sentido de acelerar a transiçãodo sistema energético mundial para o desenvolvimento sustentável.Essa foi uma reivindicação direcionada não somente aos governos,mas também aos órgãos multilaterais de financiamento.

Para enfrentar a alta dos preços do petróleo durante osanos 70, os países adotaram estratégias diferenciadas, procurandoidentificar suas potencialidades. Apostaram em muitas inovações,como as de explorar petróleo em águas profundas; desenvolvertecnologia alternativa, como a nuclear; melhorar o aproveitamentodo gás natural; ou promover o uso eficiente da energia.

Com base nos dados da Agência Internacional de Energia(AIE), a oferta de energia primária mundial passou de 6 bilhões para10,2 bilhões de teps (toneladas equivalentes de petróleo) entre 1973e 2002. A participação dos derivados de petróleo caiu de 45,5% para34,9% nesse período. Essa diferença foi basicamente preenchidapelo gás natural (de 16,2% para 21,2%) e pela energia nuclear (de

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Reflexos dasEstratégiasAdotadas noSetorEnergéticopara aSubstituiçãodo Petróleo

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0,9% para 6,8%). A hidroeletricidade teve ligeiro aumento (de 1,8%para 2,2%), os combustíveis renováveis e os resíduos permanece-ram praticamente estáveis (de 11,2% para 10,9%) e o carvão mineralsofreu pequena redução (de 24,8% para 23,5%).

No âmbito dos países da OCDE (Organização para aCooperação e o Desenvolvimento Econômico), a oferta de energiaprimária passou de 3,8 bilhões para 5,3 bilhões de teps entre 1973e 2002. Os derivados de petróleo e o carvão mineral sofreramredução parecida com o que ocorreu mundialmente. Detinham juntos75,4% da matriz energética em 1973 e passaram a ter uma partici-pação de 61,3% em 2002. O gás natural teve crescimento relativa-mente tímido no período, de 18,8% para 21,9%. A queda da partici-pação dos combustíveis fósseis foi compensada pelo crescimentonotável da energia nuclear, que passou de 1,3% para 11,1% nesseperíodo. Outras fontes permaneceram praticamente estáveis.

No caso do Brasil, havia uma necessidade premente desubstituir o petróleo, pois o país dependia pesadamente do petróleoimportado. No início da década de 70, cerca de 80% do petróleoprocessado internamente eram importados, representando quase ametade da pauta de importações brasileiras. O Brasil teve, portanto,que contar com seus recursos energéticos domésticos, notadamenteos recursos hídricos e a biomassa, bem como investir em inovaçãotecnológica na área de exploração de petróleo no mar.

O desenvolvimento do parque gerador de energia hidroe-létrica vinha sendo implementado desde a década de 50. Posterior-mente, na década de 70, houve aceleração desse desenvolvimento,com a construção de grandes usinas hidroelétricas, como Itaipu eTucuruí. O consumo de eletricidade industrial teve crescimento ace-lerado devido à transferência, para o país, de indústrias eletrointen-sivas e ao programa Eletrotermia, que promoveu a substituição deóleo combustível por eletricidade.

O álcool foi o combustível utilizado para substituir o petróleono transporte individual. A produção, que não passava de 700 mil m3

entre 1970 e 1975, saltou para 12,6 milhões de m3 em 2002, sendoque o pico foi alcançado em 1997, com a produção de 15,5 milhõesde m3. Durante os anos 80, as vendas de carro a álcool chegaram arepresentar mais de 90% das vendas totais de veículos leves. Nessaépoca, a produção de álcool era equivalente à de gasolina.

A produção nacional de petróleo teve crescimento notávelnos últimos 25 anos, graças às inovações tecnológicas desenvolvi-das nos campos de exploração e produção. As reservas nacionaisaumentaram de 283 milhões de m3 em 1979 para 2,1 bilhões de m3

em 2002. A produção passou de 170 mil barris por dia para 1,5 milhãode barris nesse mesmo período. Hoje o país importa cerca de 10%

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das suas necessidade, podendo atingir a auto-suficiência em um fu-turo próximo.

Em conclusão, com base nesses números, pode-se inferirque, em termos mundiais e principalmente nos países industrializa-dos, o processo de substituição do petróleo baseou-se no desenvol-vimento de fontes não-renováveis, em particular a energia nuclear.Essa opção oferece risco de contaminação radioativa e produz quan-tidades não-desprezíveis de lixo, que pode levar a altos custos nadisposição final. Atualmente, tem sido muito criticada por ambientalistase tem sido abandonada, paulatinamente, por muitos países, entre osquais a Alemanha. Contrariamente ao que ocorreu no mundo, o Brasiladotou o caminho da promoção de fontes renováveis, uma vez quehá abundância desses recursos em território nacional.

Segundo a Agência Internacional de Energia, do total de10,2 bilhões de teps consumidos mundialmente em 2002, 13,6% sãode origem renovável.5 Devido à utilização preponderante, em paísesem desenvolvimento, de fontes energéticas não-comercializadas, abiomassa sólida foi responsável por quase toda a participação derenováveis, representando 10,9% da oferta total de energia primária.A hidroeletricidade vem em segundo lugar, com 2,2% do total. Acontribuição de novas fontes renováveis (solar, eólica e de marés)ainda é quase desprezível, com apenas 0,5% da oferta total. Entre-tanto, o crescimento anual dessas fontes entre 1990 e 2001 foiexpressivo (19,1%), bem superior ao segundo colocado, gases elíquidos de biomassa, com 7,6% de crescimento. A oferta total deenergia cresceu 1,4% a.a., ao passo que as renováveis cresceramem média 1,7% a.a. Na geração elétrica, as renováveis represen-taram 18,1% em 2001, sendo de 16,6% a participação hídrica.

No caso dos países da OCDE, as fontes renováveis repre-sentavam 6% da oferta total de energia primária de 5,3 bilhões deteps (Gráfico 1), praticamente o mesmo percentual registrado em1990 (5,9%). É importante destacar que a biomassa sólida, inclusivecarvão vegetal, teve a liderança absoluta na produção de fontesrenováveis de países industrializados em 2001, com participação de44,8%, seguida da hidroeletricidade (34,8%), da geotérmica (9,6%)e de resíduos sólidos municipais renováveis (5,6%). A participaçãoda energia eólica (1%) e da energia solar e de marés (1%) é aindainsignificante no conjunto dos países. A capacidade instalada seconcentra em poucos países, como Dinamarca, Alemanha, Espanhae Japão. O crescimento anual dessas fontes foi significativo no pe-ríodo de 1990 a 2001 (21,9%), seguido de gases e líquidos debiomassa (10,2%).

No caso do Brasil, há uma fração da produção de biomas-sa, estimada em cerca de 5%, que é de origem não-renovável. De

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Participaçãodas FontesRenováveisna MatrizEnergética

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5A AIE classifica como reno-váveis: a biomassa sólida, ocarvão vegetal, os resíduossólidos municipais, os gasese líquidos de biomassa, ahidroeletricidade, a energiasolar, a eólica e a de marés.

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fato, excluindo essa parcela da biomassa de origem não-renovável,a contribuição de fontes renováveis é de pelo menos 36% para aoferta total de energia primária. Se excluirmos toda a hidroeletricida-de e a eletricidade importada do cômputo das energias renováveispelo fato de a produção ser quase totalmente em larga escala, aindaassim teríamos uma participação expressiva de renováveis, graçasà produção de biomassa moderna. Dessa forma, o país não teriadificuldades de se enquadrar nas condições propostas em Joanes-burgo (Gráfico 2).

Entretanto, a pouca importância dedicada às fontes reno-váveis pela maior parte dos países industrializados mostra que difi-cilmente eles conseguiriam atender aos objetivos lançados peloBrasil em Joanesburgo para 2010, ou seja, a meta de 10% de parti-cipação de fontes renováveis. Se a hidroeletricidade fosse excluída

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Derivados de

Petróleo

40,4%

Nuclear

11,1%

Gás Natural

21,8%

Biomassa

Renovável

3,3%

Hidroeletri-

cidade

2%

Carvão

Mineral

20,7%

Outros

Renováveis

0,7%

Gráfico 1

Oferta Total de Energia Primária nos Países da OCDE em 2002

Fonte: AIE (2004).

Nuclear

1,9%

Gás Natural

7,5%

Biomassa

24,5%

Hidroeletri-

cidade

14%

Carvão

Mineral

6,6%

Outras

Renováveis

2,5%

Derivados de

Petróleo

43%

Gráfico 2

Oferta Total de Energia Primária no Brasil em 2002

Fonte: MME (2003).

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do cômputo de renováveis, a participação cairia de 6% para 4%. Ofosso entre esse patamar e as metas propostas poderia ser reduzidose os países industrializados adquirissem energias renováveis depaíses em desenvolvimento, seja fisicamente, seja através de certi-ficados de comercialização, isto é, incentivando o consumo de reno-váveis em outros países e obtendo, assim, o direito (através decertificados) de utilizar energias não-renováveis além de sua cota.

Os custos de investimento das fontes renováveis são, emgeral, mais elevados do que os das tecnologias convencionais.Essas últimas já atingiram um nível tal de maturidade que os pesadosinvestimentos em desenvolvimento tecnológico já foram recuperadose os custos se reduziram com a experiência e a escala adquiridas aolongo do tempo. Embora as diferenças entre custos de produçãosejam ainda expressivas, é importante observar que o tempo dematuração de uma tecnologia é longo, mas os ganhos com a expe-riência podem ser expressivos.

Especialistas em energia costumam analisar as reduçõesde custos de novas tecnologias procurando verificar como essastecnologias podem afetar a dinâmica da competição dos energéticosno longo prazo. Essa análise pode ser feita através de curvas deexperiências, que fornecem uma relação simples entre custo deinvestimento (em valor/kw) ou de produção (em valor/kwh) e capaci-dade instalada acumulada de uma determinada tecnologia.

Usualmente, utiliza-se uma função logarítmica para es-tabelecer uma relação entre o custo da nova tecnologia e a capaci-dade instalada, sendo esta multiplicada por um parâmetro (custoinicial de referência) e elevada a um expoente da equação chamadode parâmetro de experiência. Para cada duplicação da capacidadeinstalada, o custo se reduz para um determinado nível do custo inicialde referência. A relação entre o custo inicial e o custo após a dupli-cação da capacidade é denominada taxa de progresso. Encontra-setambém na literatura o termo taxa de aprendizado, que representa oquanto o custo se reduz em um determinado período. Em outraspalavras, seria 1 menos a taxa de progresso.

A utilização desse tipo de função, com taxa de progressoou taxa de aprendizado constante, implica dizer que as tecnologiasmais novas aprendem mais rapidamente que as tecnologias maismaduras. Por exemplo, a expansão da capacidade de 1 mW para 2mW reduz os custos em x%. Todavia, para um volume inicial de 100mW, o mercado teria de expandir em 100 mW para ter uma reduçãode custos de x%.

Outro aspecto importante da análise é confrontar as curvasde custo de novas tecnologias com as curvas de tecnologias conven-

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InovaçãoTecnológica eInvestimentosPúblicos emRenováveis

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cionais, de forma a identificar futuros pontos de equilíbrio. Note-seque os pontos de equilíbrio podem ser antecipados se a taxa deaprendizado for acelerada ou se os custos das tecnologias conven-cionais inflacionarem. Em geral, os custos marginais de produçãodos energéticos tradicionais são crescentes devido à escassez dosrecursos. À medida que eles vão sendo utilizados, mais difícil se tornasua obtenção.6

Por esse raciocínio, pode-se concluir que qualquer varia-ção nos preços relativos dos energéticos pode antecipar ou retardarinvestimentos em fontes alternativas à energia dominante. Isso ex-plicaria a queda no volume de investimentos públicos em pesquisae desenvolvimento tecnológico na área de energia em 23 países-membros da Agência Internacional de Energia (AIE). Luther (2004)ressalta que, no período 1974-1998, 70% dos recursos foram aloca-dos em fusão e fissão nuclear e somente 10% em energias renová-veis. O pico dos investimentos foi alcançado em 1980 e hoje seencontra a um terço desse nível. As energias renováveis sofreramdo mesmo movimento de redução, sendo que foram alocados pro-porcionalmente mais recursos em biomassa e painéis fotovoltaicos,enquanto as outras tecnologias permaneceram constantes (eólica egeotérmica) ou se reduziram (marés e solar para climatização).

Apesar da desaceleração no ritmo de investimentos públi-cos em P&D, o crescimento das fontes renováveis foi bem superiorao das fontes convencionais (ver seção anterior). Segundo AIE(2000), as tecnologias eólicas de maior eficiência já conseguiram sercompetitivas, em termos de custo por kWh, com as usinas termelé-tricas a gás natural em ciclo combinado ou usinas a carvão mineral.Enquanto a primeira apresentou taxa de progresso técnico de 82%entre 1980 e 1995, as usinas a gás natural e a carvão apresentamtaxas de 96% e 97%, respectivamente. Ou seja, conseguem reduzirapenas 3% e 4% de seus custos se duplicarem suas capacidadesinstaladas, o que não pode ser feito com facilidade em países indus-trializados com elevada capacidade instalada e crescimento econô-mico moderado.

Dentre as fontes renováveis, os painéis fotovoltaicos sãoos que apresentam a maior redução de custos. Entre 1985 e 1995,a taxa de progresso dos painéis fotovoltaicos foi de aproximadamen-te 65%, enquanto a da biomassa para eletricidade aproximou-se dos85%. Com base nos dados históricos e mantendo o nível de preçosdos combustíveis fósseis, os módulos fotovoltaicos alcançariam oponto de equilíbrio em 2025. Dobrando a taxa de crescimento depenetração do fotovoltaico, o ponto de equilíbrio poderia ser anteci-pado em dez anos, ou seja, para 2015 [AIE (2000)].

A conclusão que se tira dessa análise é que as fontes re-nováveis de energia necessitam obrigatoriamente de recursos públi-cos, seja para pesquisa e desenvolvimento, seja para subsidiar os

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético16

6O petróleo começou a serexplorado em terra e passoua ser explorado em mar, aprofundidades cada vezmaiores, por exemplo, e ahidroeletricidade começoupróxima aos grandes cen-tros consumidores e passoua necessitar de transportede longas distâncias, o queimplica maiores custos eperdas na transmissão.

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custos iniciais de produção. Na etapa inicial de desenvolvimento,procura-se identificar nichos de mercado nos quais as fontes reno-váveis apresentem maior potencial de penetração e, por conseguin-te, maiores perspectivas de competição com fontes convencionais.Além da questão econômica, é de fundamental importância identifi-car as principais barreiras que têm dificultado a penetração dasenergias renováveis no mercado.

Em um contexto de custo elevado das fontes renováveisem relação aos combustíveis fósseis, a justificativa para a antecipa-ção da penetração das fontes renováveis no mercado baseia-se embenefícios ou externalidades positivas proporcionados por essasfontes. Em primeiro lugar, uma penetração maior das fontes renová-veis no mercado implica a diversificação da matriz energética e, porconseguinte, reduz o risco de abastecimento, aumentando, assim, asegurança energética dos países. Isso é particularmente importanteem um contexto de alta volatilidade de preço do petróleo.

Em segundo lugar, a maior participação das fontes reno-váveis garante melhor condição ambiental e de saúde à população.Há uma participação significativa das emissões de enxofre (85%),dióxido de carbono (75%) e particulados (35%) nas disfunçõeshumanas, devido à queima de combustíveis fósseis [Goldemberg2004)]. O custo dos tratamentos hospitalares não é internalizado nocusto dos combustíveis fósseis. Além disso, as fontes renováveiscontribuem para o cumprimento de metas do meio ambiente global,como a redução das emissões do efeito-estufa.

No caso dos países industrializados, a comercialização detecnologias e serviços pode ser um benefício adicional proporciona-do pelo desenvolvimento de tecnologias ligadas às fontes renová-veis. Um exemplo bastante citado é o caso da promissora indústriade turbinas eólicas da Dinamarca, que se tornou um modelo de lídermundial de exportações de tecnologia e serviços [AIE (2002)]. A Di-namarca detém mais de 40% do mercado mundial de turbinas.7

Em países em desenvolvimento, as fontes renováveis con-tribuem para a diversificação da matriz energética e auxilia o desen-volvimento local. Em áreas rurais, as fontes renováveis apropriadasa esse contexto podem contribuir de forma mais incisiva para odesenvolvimento econômico, melhorando a produtividade na agricul-tura, reduzindo as desigualdades regionais, contribuindo para amelhoria da qualidade de vida da população, notadamente nos cam-pos da saúde e educação, permitindo a melhoria dos meios de comu-nicação e reforçando a capacidade de produção na região commelhor infra-estrutura. Nesse sentido, o desafio imediato é assegurarque a matriz energética considere a segurança ambiental e os valo-res sociais [AIE (2002)].

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CaráterEstratégicodas EnergiasRenováveis

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7Esse exemplo poderia serseguido pelo Brasil no casode tecnologias de produçãode biocombustíveis (etanole biodiesel) para países emdesenvolvimento.

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No caso do Brasil, em particular, como a hidroeletricidaderesponde por mais de 90% da geração de eletricidade no país e aprodução é sazonal, dependendo do regime de chuvas, torna-seimportante identificar fontes energéticas que sejam complementaresà hidroeletricidade. Na Região Sudeste, por exemplo, o período decolheita da cana-de-açúcar – portanto, um período propício para ageração elétrica a partir do bagaço – coincide com o período deestiagem, tal como, na Região Nordeste, a época de maior intensi-dade dos ventos coincide com a época de estiagem.

Outra questão de grande interesse dos países em desen-volvimento refere-se à geração de empregos. Goldemberg (2004) fezum levantamento sobre a criação de empregos na produção decombustíveis e na geração de eletricidade e constatou que as fontesrenováveis, exceto a hidroeletricidade, geram muito mais empregosdiretos que os combustíveis fósseis (Tabela 1).

Em um contexto em que as fontes renováveis não sãocompetitivas, com baixa participação no mercado, a justificativa parao desenvolvimento de energias renováveis se baseia no seu caráterestratégico, pois há ainda muita desigualdade entre as nações. Alémdisso, os recursos hoje utilizados são concentrados em poucasregiões, são insuficientes para atender à demanda futura e o consu-mo dos recursos não-renováveis pode trazer conseqüências desas-trosas ao meio ambiente no longo prazo. A questão se coloca nosentido de saber para quais tipos de fontes devem ser dirigidos osmaiores esforços. A lição da fonte nuclear mostra que essa opçãonão é viável em locais de baixo consumo (países pobres, comunida-des isoladas ou meio rural), além de apresentar alto grau de rigidez,de difícil mudança para outra rota tecnológica, pois os países quetrilharam esse caminho tiveram de estruturar um parque industrialdenso e estimular o consumo de eletricidade para a viabilizaçãodessa tecnologia.

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético18

Tabela 1

Geração de Empregos Diretos por Ano por tWh

FONTE DE ENERGIA NÚMERO DE EMPREGOS DIRETOS

Petróleo Offshore 265

Gás Natural 250

Carvão Mineral 370

Nuclear 75

Lenha 733-1.067

Hidroeletricidade 250

Pequena Central Hidroelétrica 120

Eólica 918-2.400

Fotovoltaico 29.580-107.000

Biomassa de Bagaço da Cana 3.711-5.392

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É importante observar, ainda, se as escolhas tecnológicassão apropriadas para o contexto em que elas se inserem e se apre-sentam baixo grau de rigidez, de forma a permitir a entrada de outrastecnologias potencialmente competitivas, ou seja, que os efeitos delock in não sejam tão fortes, podendo ser quebrados sem dificulda-des. Além disso, deve-se observar se as escolhas tecnológicasdemandam um volume de investimento excessivo em relação à ca-pacidade de poupança do país, procurando-se evitar os ditos efeitos“crowding out” em outros setores da economia. Em outras palavras,o direcionamento de recursos em excesso para o setor energéticopode contribuir para a redução de investimento em outros setores,provocando, assim, a queda de produtividade desses setores e, porconseguinte, a redução do crescimento econômico.

Há uma gama de fatores observados na literatura que têminfluenciado o grau de sucesso na implementação de energiasrenováveis. Os principais fatores apontados são relacionados aproblemas de motivação política, de cunho legal, financeiro, fiscal,de capacitação tecnológica e de informação, educação e treinamento[EEA (2001)].

A falta de motivação política para apoiar novas idéias nocampo energético é um dos pontos que podem bloquear o desenvol-vimento das renováveis. A União Européia, por exemplo, tem formu-lado políticas em favor da promoção das renováveis há algum tempo.Em 1997, a União Européia estipulou o objetivo de aumentar aparticipação das fontes renováveis em 12% do consumo energéticoaté 2010 (1997 EU White Paper). Em 1999, uma campanha identifi-cou três energéticos-chave, que deveriam ser incentivados entre1999 e 2003 (1999 Campaign to Take-Off), de modo que fontesrenováveis pudessem decolar no mercado. A campanha foi focadanas fontes solar (fotovoltaico e térmico), eólica e biomassa (calor deprocesso, geração elétrica, aquecimento, biogás e biocombustíveis).Em 2001, a diretiva da União Européia (2001 Directive on RenewableEnergy) apresentava uma estratégia de aumento de participação da“eletricidade verde”. Nessa diretiva, foram estabelecidas duas metaspara 2010: as fontes renováveis deveriam participar com 12% daoferta primária dos países-membros e 22,1% do consumo de eletri-cidade deveriam ser produzidos a partir de fontes renováveis.

Em relação aos biocombustíveis, a União Européia lançouem 2003 duas diretivas. A primeira diretiva sugere aos países-mem-bros um percentual mínimo de 2% até dezembro de 2005 e de 5,75%até 2010 na mistura com diesel. Essas metas são de caráter volun-

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PrincipaisBarreiras paraa PenetraçãodasRenováveis

AspectosPolíticos

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tário. A segunda diretiva autoriza a desoneração fiscal total ou parcialsobre os biocombustíveis.

A falta de uma apropriada estrutura legal para apoiar odesenvolvimento das fontes renováveis é um dos pontos mais cita-dos na literatura. Refere-se à garantia de acesso à rede de distri-buição, pois os custos de logística e conexão são mais elevados parapequenos produtores independentes, além do fato de o fornecimentoser, em muitos casos, interruptível.

Há uma série de mecanismos legais de apoio às fontesrenováveis de energia sendo utilizados por diversos países. Os maiscomuns são:

• Fixação de Preços (Feed-in Arrangements) – Os geradores sãogarantidos por contratos que fixam os preços das energias com fluxocontínuo de recebimentos, graças a uma obrigação estipulada parao comercializador da energia. A Califórnia foi um dos precursores autilizar esse mecanismo nos anos 80 para a geração qualificadaatravés do PURPA (Public Utilities Regulatory Act), de 1978 [Sawin(2004)]. Foi o sistema escolhido pela Alemanha e Espanha paraincentivar a energia eólica e pelo Brasil para o Programa de Incentivoàs Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

• Leilões de Energia (Tendering Arrangements) – É um processocompetitivo com base em chamadas públicas periódicas de apoioa uma quantidade predefinida de energia renovável. A França e aInglaterra utilizaram essa opção para promover as renováveis.Não tiveram muito sucesso com esse sistema, pois as participa-ções das fontes renováveis nos seus mercados eram muito inci-pientes. No caso do Brasil, o Ministério de Minas e Energia vislum-bra a utilização desse sistema em uma próxima fase do Proinfa,caso a primeira fase tenha tido êxito. Com um parque gerador jáinstalado, com indústrias nacionais produzindo equipamentos, osleilões podem proporcionar maior competitividade entre as fontese entre os produtores.

• Participação Voluntária (Green Pricing Scheme) – Permite a par-ticipação voluntária de consumidores dispostos a pagar um prêmiopara apoiar a geração elétrica proveniente de fontes renováveis.

• Certificados Verdes (Tradable Renewable Energy Certificate –TREC) – A comercialização de certificados pode ocorrer se houveruma demanda voluntária de energia renovável ou se houveralguma imposição legal de governo. Os certificados apresentama vantagem de se poder produzir energia renovável em locaisonde ela é menos custosa, sem necessidade de transferênciafísica de energia.

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético

Aspectos Legais

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A falta de financiamentos de longo prazo apropriados é umoutro ponto de entrave apontado. A aversão dos financiadores aorisco é grande, pois as renováveis apresentam alto custo de produ-ção, o mercado ainda não está bem consolidado, a tecnologia muitasvezes não está difundida e a escala de produção é reduzida. Por isso,torna-se importante superar algumas barreiras políticas e legais, deforma que o financiador se sinta mais confortável em apoiar as fontesrenováveis de energia. Do ponto de vista do setor público, há pelomenos três modalidades de apoio: recursos não-reembolsáveis, fi-nanciamentos a baixo custo e prestação de garantias. O setor priva-do pode participar com capital de risco (venture capital), podendo seconsorciar com o capital público.

As tecnologias renováveis sofrem competição distorcidadas tecnologias convencionais em termos de preços dos usos finais.Muitas das plantas movidas a combustíveis fósseis e nuclear foramconstruídas com subsídios e a maior parte das plantas usandotecnologia convencional já foi amortizada. Há também a distorção danão-apropriação de custos externos e das externalidades negativasde algumas tecnologias. Plantas movidas por combustíveis fósseisprovocam emissão de gases poluentes, como o dióxido de carbono,o dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio, entre outros contaminan-tes. Plantas nucleares geram lixo nuclear e oferecem risco de conta-minação por radioatividade. Há várias formas de corrigir essas dis-torções. Alguns países já impuseram taxas sobre o consumo deenergia ou taxas sobre emissões de carbono e outros poluentes.Outros preferiram isentar ou reduzir as taxas sobre os renováveis,podendo essa ser uma boa alternativa para o incentivo dessasfontes. Há também aqueles que procuram incentivar essas fontescom a depreciação acelerada dos investimentos nesses energéticos.

Os obstáculos nas etapas de pesquisa, desenvolvimento edemonstração são numerosos. Para se chegar à fase de plena co-mercialização da nova tecnologia, é necessário que o aparato indus-trial esteja preparado para dar suporte e esteja em consonância comos objetivos traçados para fontes renováveis. Na União Européia,foram implementados os programas Joule (pesquisa e desenvolvi-mento), Thermie (demonstração) e Altener, esse último desenhadopara eliminar qualquer barreira não-técnica. Algumas tecnologias jáapresentam o retorno do investimento desejado pelos investidores.Por exemplo, a Dinamarca consolidou a indústria de geração eólica,assumindo a liderança mundial; a Finlândia e a Suécia apresentamforte capacitação em tecnologias de biomassa; e a Alemanha e aHolanda são especializadas em fabricação de células fotovoltaicas[EEA (2001)].

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AspectosFinanceiros

Aspectos Fiscais

CapacitaçãoTecnológica

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Falta de conhecimento e confiança no potencial e naspossibilidades de desenvolvimento das renováveis é também um dospontos fundamentais. Para que uma tecnologia tenha sucesso epossa ser difundida, é necessário que ela seja aceita no nível local.A associação de benefícios não-energéticos, tal como o incrementoda renda ou a geração de empregos locais, pode ajudar a aceitaçãoe a difusão da nova tecnologia. A participação cooperativa pode serum instrumento para envolver comunidades locais no desenvolvi-mento de renováveis. Agências de energia em níveis local e regionalsão também meios de se promover as fontes renováveis, no sentidode informar, educar e treinar comunidades locais, procurando me-lhorar sua aceitação.

Vários países industrializados lançaram programas degoverno promovendo as fontes renováveis. As principais fontesincentivadas são: energia eólica, solar fotovoltaico, solar térmico,biomassa para geração elétrica, biomassa para geração de calor ebiocombustíveis. A Agência Ambiental Européia apresenta um nú-mero considerável de tecnologias que foram incentivadas e tiveramsucesso nos países-membros. A Tabela 2 apresenta os principaisprogramas desenvolvidos em países da União Européia.

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético

Informação,Educação e

Treinamento

ProgramasGovernamentais

na Europa

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Tabela 2

Principais Programas Energéticos da União Européia

PAÍS TECNOLOGIA DE ENERGIA RENOVÁVEL APLICAÇÕES

Áustria BiomassaSolar Térmico

Geração de CalorColetores Solares

Alemanha FotovoltaicoSolar TérmicoEólicaBiomassa

Fotovoltaico em Áreas UrbanasAquecimentoFazendas EólicasBiodiesel, Geração de Calor e Eletricidade

Dinamarca BiomassaEólica

Geração ElétricaCooperativas Eólicas

Espanha FotovoltaicoEólicaBiomassa

Fotovoltaico Conectado à RedeFazendas EólicasGeração Elétrica

Finlândia Biomassa Ciclo Combinado Calor-Eletricidade

França BiomassaEólica

Biodiesel e Geração de CalorIniciativas de Desenvolvimento

Grécia Solar Térmico Sistemas Solares de Aquecimento de Água

Irlanda Eólica Fazendas Eólicas

Itália Eólica Fazendas Eólicas

Holanda Fotovoltaico Instalados em Telhados Integrados

Portugal Eólica Projetos Eólicos

Suécia BiomassaEólica

Geração de Calor e de EletricidadeFazendas Eólicas

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Graças a esses programas, países como Dinamarca, Sué-cia, Finlândia e Áustria conseguiram alcançar níveis importantes departicipação de fontes renováveis em suas matrizes energéticas.Atualmente, Dinamarca, Alemanha e Espanha detêm os maioresparques eólicos instalados. No que se refere às energias solar e demarés, dentre os países da OCDE, destacaram-se em 2001 Japão,Alemanha e Turquia. O México lidera a produção de energia geotér-mica, seguido da Itália e do Japão. Combustíveis renováveis debiomassa são produzidos em escala na Alemanha, na França, noCanadá, no México e na Suécia.

No caso do Brasil, as fontes renováveis foram incentiva-das por iniciativas do governo desde meados do século passado. Osrecursos hídricos eram abundantes, mas as imperfeições do merca-do eram tantas que as fontes renováveis não poderiam se desenvol-ver sem incentivo. Durante um longo período, formou-se uma capa-citação nacional extraordinária. O crescimento da participação daenergia hidroelétrica foi impulsionado durante a década de 70, coma construção de usinas de porte como Itaipu e Tucuruí.

Combustíveis sólidos e líquidos de biomassa foram outrasaída encontrada pelo Brasil para enfrentar a crise energética dosanos 70. O principal programa naquela época foi o Proálcool. Seuobjetivo era substituir a gasolina utilizada em automóveis, empregan-do tecnologia desenvolvida em território nacional. O crescimento domercado foi bastante significativo, principalmente após o segundochoque do petróleo. Em 1985, as vendas de automóveis a álcoolrepresentaram 96% do mercado, mas, com a elevação do preço doaçúcar no mercado internacional, houve uma queda acentuada daprodução de álcool no fim dos anos 90, o que contribuiu para aredução da produção de veículos a álcool, além do fato de os pre-ços do petróleo estarem em queda a partir da segunda metade dosanos 80.

Atualmente, o álcool é competitivo com a gasolina em vá-rios estados, mas ainda é necessário quebrar algumas barreiras sur-gidas ao longo do tempo, como a confiança do consumidor na segu-rança de abastecimento do combustível. Isso tem sido um ponto-cha-ve para tornar o álcool combustível uma mercadoria que possa sercomercializada internacionalmente. O automóvel flexível é opçãobastante interessante, permitindo que o consumidor possa decidirsobre o combustível economicamente mais vantajoso para ele, nãoficando à mercê de decisões dos produtores de álcool e açúcar.

O governo brasileiro tem incentivado outras fontes renová-veis de energia que não são, em sua maioria, competitivas nas atuaiscondições do mercado. Os exemplos mais recentes de ações depromoção de aumento das fontes de energia renováveis na matriz

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ProgramasGovernamentaisno Brasil

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energética brasileira referem-se ao Programa de Produção e Uso doBiodiesel e ao Programa de Incentivo às Fontes Alternativas deEnergia Elétrica (Proinfa).

O Programa do Biodiesel tem como meta a adição de 2%de biodiesel ao diesel. Isso representa uma produção de cerca de800 milhões de litros de biodiesel. Durante os três primeiros anos, aadição é voluntária, pois a agroindústria não está preparada paraproduzir tal volume de biodiesel no curto prazo. A partir de 2008, aadição de 2% será obrigatória. Em oito anos, a obrigatoriedadepassará para 5%.

O Proinfa é coordenado pelo Ministério de Minas e Energiae estabelece a contratação de 3.300 MW de energia no Sistema In-terligado Nacional (SIN), produzidos pelas fontes eólica, de biomassae de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), sendo 1.100 MW decada fonte. Os objetivos principais do programa são: (i) a diversifica-ção da matriz energética nacional, garantindo maior confiabilidade esegurança ao abastecimento; e (ii) o incentivo à indústria nacional,pois uma das exigências do programa é a obrigatoriedade de umíndice mínimo de nacionalização de 60% do custo total de construçãodos projetos. O Brasil detém as tecnologias de produção de maqui-nário para uso em PCHs e usinas de biomassa e está avançando natecnologia eólica, com duas plantas instaladas, uma no Sudeste eoutra no Nordeste, além da grande expectativa de um ou dois fabri-cantes se instalarem em território nacional.

O ministério também coordena o Programa de Desenvolvi-mento Energético dos Estados e Municípios (Prodeem), instituído emdezembro de 1994. O programa tem por objetivo atender às locali-dades isoladas, não-supridas de energia elétrica pela rede conven-cional, obtendo essa energia de fontes renováveis locais, notada-mente painéis fotovoltaicos, de modo a promover o desenvolvimentoauto-sustentável, social e econômico dessas localidades. Para aconsecução de seus objetivos, o programa pode contar com recursosorçamentários a ele destinados; com apoio técnico dos órgãos seto-riais envolvidos com as questões energéticas; e com apoio voluntáriodos estados, do Distrito Federal, dos municípios e de organizaçõespúblicas e privadas nacionais e internacionais.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recebeu aincumbência, através da Lei nº 10.438, de preparar um plano deuniversalização do acesso à eletricidade, fixando um prazo para ocumprimento de metas de atendimento de serviço de energia elétrica.No Programa Luz para Todos, a Eletrobrás é encarregada de geriros recursos financeiros do programa de universalização de acessoà energia elétrica do ministério, cujo objetivo é levar energia elétricaa 12 milhões de pessoas até 2008. O programa está orçado em R$7 bilhões, sendo R$ 5,3 bilhões provenientes da Conta de Desenvol-vimento Energético (CDE) e da Reserva Global de Reversão (RGR)

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético24

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e o restante dos governos estaduais e de agentes do setor. Além dagestão dos recursos, a Eletrobrás é responsável por dar apoiotécnico às concessionárias estaduais de energia para a execução doLuz para Todos. Em sua primeira fase, o programa pretende levarenergia elétrica a 1,4 milhão de famílias – 90% delas em áreas rurais– até o ano 2006. Em sistemas isolados, há um potencial não-des-prezível de penetração de fontes renováveis.

O BNDES contribuiu com vários programas de governopara a promoção de fontes renováveis, para a substituição de petró-leo e para a eficiência energética. Além dos programas tradicionaiscitados, o BNDES contribuiu no processo de substituição de óleocombustível por eletricidade em indústrias através do programaEletrotermia. Na década de 80, instituiu o Programa de Conservaçãodo Meio Ambiente (Conserve), em parceria com agências multilate-rais de crédito, cujo objetivo era estimular o controle da poluição emáreas urbanas, industriais e rurais. Tornaram-se emblemáticos oscasos de despoluição de Cubatão (SP) e o tratamento de efluentesna suinocultura da Região Sul [BNDES (2002)]. Mais recentemente,em 2001, foram lançados os programas para pequenas centraishidroelétricas (PCH-COM), de apoio à co-geração de energia elétricaa partir de resíduos de biomassa, e para investimentos em fontesalternativas e em eficiência energética.

A experiência do BNDES se voltou basicamente para pro-jetos em hidroeletricidade e biomassa de bagaço da cana-de-açúcare, em menor proporção, de resíduos de madeira. A Tabela 3 apre-senta o volume total aproximado de investimentos e de financiamen-tos da carteira do BNDES relativa a operações ativas utilizadas eainda não totalmente utilizadas no período de 2001 a 2003 paraco-geração com base em biomassa e PCH.

No caso do Proinfa, o BNDES participou das discussõessobre as condições do programa pouco antes de seu lançamento.Vários riscos foram reduzidos com a estrutura contratual montada.O Ministério de Minas e Energia escolheu um mecanismo interes-sante para os produtores de energia, com a fixação de tarifas (feed-in

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Atuação doBNDES

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Tabela 3

Investimentos e Financiamento do BNDES para Co-Geraçãocom Base em Biomassa e PCH

FONTE DE ENERGIA CAPACIDADEINSTALADA

(MW)

INVESTIMENTO(R$ Milhões)

FINANCIAMENTO(R$ Milhões)

Biomassa 490 837,2 556,8

PCH 501 1.049,1 737,8

Total 991 1.886,3 1.294,6

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tariffs) por um prazo de 20 anos. Dentro de um contexto institucionalmais estável, no qual algumas barreiras políticas e legais já foramsuperadas, o BNDES pôde oferecer recursos em condições bastantefavoráveis em relação aos financiamentos tradicionais.

Com relação ao Programa de Biodiesel, o BNDES partici-pou de etapas preliminares, como o planejamento e a concepção doprograma. O Banco foi convidado pelo ministério a integrar o Gru-po Gestor no início de 2004. O Programa de Produção e Uso doBiodiesel foi lançado em dezembro de 2004, juntamente com uma li-nha de financiamento do BNDES que pode chegar a 90% do inves-timento em projetos com selo social e a 80% em projetos sem selo.O BNDES também incentiva a aquisição de máquinas e equipamen-tos homologados pelos fabricantes, para utilizar no mínimo 20% debiodiesel, aumentando em até 25% o prazo do financiamento.

A análise sobre o desenvolvimento de fontes renováveismostra que elas são fundamentais para o crescimento sustentávelnão só por questões ambientais, mas também por motivos econômi-cos (dependência de importação, impacto na balança comercial,risco de abastecimento, escassez de recursos não-renováveis etc.),sociais (geração de empregos, aumento da renda, acesso a energia)e tecnológicos (desenvolvimento do parque industrial).

Diferentemente da maioria dos outros países, o Brasil temtradição e vantagens comparativas para produzir energias renová-veis, notadamente hidroeletricidade e biomassa. Possui potencialpara produção de energia eólica (principalmente no Nordeste) e solar(em particular em regiões isoladas), mas essas tecnologias apresen-tam custos de geração ainda muito elevados. Esses custos têm ten-dência declinante e a sua redução é função da capacidade instalada.

Em um contexto de custos marginais decrescentes dasnovas fontes renováveis e de custos marginais crescentes das fontestradicionais, é provável que a produção de fontes renováveis sejacompetitiva no futuro. Cabe ao governo decidir se o país deve incen-tivar as fontes renováveis e selecionar aquelas que se adaptemmelhor ao seu contexto.

Para atrair interessados em investir na produção de fontesrenováveis, não basta oferecer incentivos fiscais e financeiros. Énecessário, em primeiro lugar, desenvolver um arcabouço institu-cional no Brasil no sentido de remover algumas barreiras apontadasneste trabalho. As lições tiradas dos programas de incentivo às fontesrenováveis mostram que:

1) O BNDES atualmente é a principal instituição de finan-ciamento de longo prazo no país. Uma parte significa-

O Papel das Fontes Renováveis de Energia no Desenvolvimento do Setor Energético

Conclusões

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tiva dos investimentos em energia contou e conta comrecursos do Banco. Por isso, o BNDES exerce umpapel importante no direcionamento da trajetória dedesenvolvimento do setor energético brasileiro.

2) O financiamento a baixo custo não é suficiente, àsvezes, para promover fontes renováveis. Há a neces-sidade de inserir outras formas de incentivos, como adesoneração fiscal ou a depreciação acelerada dosinvestimentos. A recém-criada Agência Brasileira deDesenvolvimento Industrial (ABDI), que tem o objetivode desenhar as políticas industriais, de incentivar seto-res estratégicos e de estimular a inovação tecnológica,inclusive com a participação da iniciativa privada comventure capital, seria o fórum adequado para estudar aquestão tributária para as fontes renováveis, já queessas fontes são um tema prioritário da ABDI.

3) O financiamento do BNDES em energia tem de estarem consonância com as políticas energéticas nacio-nais. Não basta oferecer financiamento a uma determi-nada tecnologia se há muitos obstáculos em outrasesferas. Enquanto as tecnologias se encontrarem emum estágio infante de desenvolvimento, com custoselevados e pequena participação no mercado, é neces-sário que se tenha um aparato legal, regulatório einstitucional sólido, de forma a reduzir os riscos para osfinanciadores.

4) O BNDES tem participado de programas governamen-tais de promoção de fontes renováveis, de substituiçãodo petróleo importado e de eficiência energética (Proál-cool, Conserve, PCH-COM, Proinfa, Biodiesel etc.). Éimportante dar atenção à análise da capacidade finan-ceira e empresarial dos potenciais tomadores de finan-ciamento, para o êxito desses programas.

5) Para que haja uma real consolidação das renováveis,é preciso que o BNDES continue apoiando não apenaso setor energético, mas também a malha industrial,notadamente a indústria de bens de capital, que dásuporte a uma tecnologia potencialmente promissora.

6) Os formuladores de políticas devem identificar nichosde mercado para o desenvolvimento de energias reno-váveis. As políticas operacionais do BNDES já ofere-cem incentivos para algumas regiões e setores. Entre-tanto, não há ainda diferenciação entre tecnologiasmais ou menos sustentáveis ou apropriadas a determi-nados locais. Também, não há incentivo para tecnolo-gias que oferecem grande potencial de ganhos deeficiência e, conseqüentemente, de redução de custode produção.

BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 21, p. 5-30, mar. 2005 27

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O incentivo a tecnologias apropriadas com potencial deredução de custos deveria ser um tema de estudo de grupos detrabalho no BNDES. O desperdício na produção de biomassa ener-gética é um exemplo clássico no caso do Brasil. Os equipamentosempregados na indústria sucroalcooleira são de baixa eficiência, atecnologia é dominada no território nacional, mas os empresários nãose sentem estimulados a investir na melhoria da eficiência e, conse-qüentemente, na redução do custo de produção.

7) O fato de muitas dessas fontes serem para pequenaescala e esses produtores ou consumidores finais não terem acessodireto aos recursos do BNDES exige que se identifiquem outrosagentes financiadores que atuem de forma complementar ao Banco.A Eletrobrás, por exemplo, tem atuado no financiamento da eletrifi-cação rural a localidades isoladas utilizando fontes renováveis, comoos painéis solares. Os bancos de varejo, os bancos de desenvolvi-mento regionais e as agências de fomento devem estar bem articula-dos no sentido de promover as renováveis, pois são eles que estãomais próximos do consumidor final, podendo identificar mais facil-mente os nichos de mercado e remover barreiras de informação.

Além desses pontos levantados, deve-se ter em menteuma mudança no contexto internacional, com o aumento do preçodo petróleo e a ratificação do Protocolo de Quioto. Em 2004, o álcoolbrasileiro conseguiu entrar diretamente nos Estados Unidos semprecisar passar pelo Caribe, região que possui cota de até 7% domercado norte-americano e que não sofre a taxação prevista para oálcool. Apesar de o mercado mundial de biocombustíveis ser aindamuito pequeno, ele deve apresentar crescimento rápido até 2008,quando se inicia o primeiro período de obrigações de reduções degases de efeito-estufa, conforme o Protocolo de Quioto. Entretanto,o Brasil não tem a infra-estrutura de logística adequada para aexportação de biocombustíveis em grandes volumes.

Outro ponto que merece reflexão refere-se à forma de atua-ção do BNDES na promoção de fontes renováveis: se vai financiarapenas projetos que visem ao aumento da oferta de energias reno-váveis e ou à redução de gases de efeito-estufa ou se vai teruma participação mais ativa no mercado.

Outras formas de atuação seriam (i) a participação acioná-ria de empresas descapitalizadas, mas com potencial de crescimentono mercado; (ii) a oferta de crédito diferenciado para projetos deredução de gases de efeito-estufa; e (iii) a participação em fundos decompra de créditos de carbono ou a retenção de parte das receitasprovenientes da venda de carbono de beneficiários do BNDES, paraa formação de um fundo.

Esse fundo poderia ter o objetivo de prestar garantias aprojetos de pequeno porte ou em estágio de desenvolvimento tecno-

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lógico inicial, ou seja, que tenham dificuldade de obter financiamentopelos caminhos tradicionais. Tendo uma participação mais ativanesses mercados, o BNDES estaria promovendo, direta ou indireta-mente, a penetração de fontes renováveis na matriz energética bra-sileira, assim como as exportações de biocombustíveis para paísescom obrigações internas.

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