O Museu de Arte Antiga quer crescer assim, sem sair do · crescer assim, sem sair do lugar 0 MNAA...

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O Museu de Arte Antiga quer crescer assim, sem sair do lugar 0 MNAA recebeu mais uma obra para a colecção, numa altura em que volta a falar-se da sua ampliação para a 24 de Julho. Director diz que gostaria de ter a casa pronta dentro de cinco anos. Ministro defende que é ainda cedo para decidir o que se quer do novo museu Política cultural Lucinda Canelas Foi há dois anos que o primeiro-mi- nistro esteve no museu da Rua das Janelas Verdes para a inauguração da exposição Obras em Reserva e nessa altura falou da necessidade de o fazer crescer. Ontem António Costa voltou para celebrar a aquisição pelo Esta- do, num leilão em Nova lorque, de uma pintura com quase 600 anos para esta colecção nacional, preci- samente numa altura em que o cres- cimento da casa volta a estar em cima da mesa, depois de há duas semanas a Assembleia Municipal de Lisboa ter aprovado por unanimidade uma pro- posta que reserva uma área na Ave- nida 24 de Julho para essa ampliação (ver texto ao lado). Antes mesmo de agradecer ao Gru- po dos Amigos do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) e ao conselho de curadores o apoio dado ao Estado na compra da Anunciação (c. 1434), obra do pintor português Álvaro Pires de Évora que agora faz companhia aos Painéis de São Vicente, António Costa teve tempo de observar de perto o pequeno painel que custou 350 mil euros num leilão da Sotheby's. "Aqui está a mão divina", explicou o director do museu, ao apontar para o canto superior esquerdo da pintura, chamando a atenção para a presença de Deus nesta composição dominada pela figura da Virgem e por um anjo de asas exuberantes, a que não falta sequer o símbolo do Espírito Santo: toda a Santíssima Trindade que aqui está. Toda a narrativa está com- pactada, como numa BD", acrescen- tou António Filipe Pimentel. Para Costa, aquisições como esta

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O Museu de Arte Antiga quercrescer assim, sem sair do lugar0 MNAA recebeumais uma obra paraa colecção, numaaltura em que voltaa falar-se da suaampliação para a 24de Julho. Directordiz que gostaria deter a casa prontadentro de cincoanos. Ministrodefende que é aindacedo para decidiro que se quer donovo museuPolítica culturalLucinda Canelas

Foi há dois anos que o primeiro-mi-nistro esteve no museu da Rua das

Janelas Verdes para a inauguração da

exposição Obras em Reserva e nessaaltura falou da necessidade de o fazercrescer. Ontem António Costa voltou

para celebrar a aquisição pelo Esta-

do, num leilão em Nova lorque, deuma pintura com quase 600 anos

para esta colecção nacional, preci-samente numa altura em que o cres-cimento da casa volta a estar em cimada mesa, depois de há duas semanasa Assembleia Municipal de Lisboa teraprovado por unanimidade uma pro-posta que reserva uma área na Ave-nida 24 de Julho para essa ampliação(ver texto ao lado).

Antes mesmo de agradecer ao Gru-

po dos Amigos do Museu Nacional deArte Antiga (MNAA) e ao conselho decuradores o apoio dado ao Estado na

compra da Anunciação (c. 1434), obrado pintor português Álvaro Pires deÉvora que agora faz companhia aosPainéis de São Vicente, António Costateve tempo de observar de perto o

pequeno painel que custou 350 mileuros num leilão da Sotheby's.

"Aqui está a mão divina", explicouo director do museu, ao apontar parao canto superior esquerdo da pintura,

chamando a atenção para a presençade Deus nesta composição dominadapela figura da Virgem e por um anjode asas exuberantes, a que não falta

sequer o símbolo do Espírito Santo:"É toda a Santíssima Trindade queaqui está. Toda a narrativa está com-pactada, como numa BD", acrescen-tou António Filipe Pimentel.

Para Costa, aquisições como esta

são reflexo da "estratégia de valoriza-

ção do património" deste Governo,que, acompanhada do apoio susten-tado à criação contemporânea, quer"repor a cultura como política públi-ca central ao desenvolvimento".

O reforço da colecção do MNAA,que deverá continuar em breve como uma obra da colecção do Novo Ban-

co, garantiu o ministro da Cultura,Luís Filipe Castro Mendes, sem re-velar de que peça se trata, tornaráainda mais premente a tão desejadaampliação do museu, de que AntónioCosta desta vez não falou.

"Este museu precisa de ser amplia-do desde que nasceu. José de Figuei-redo [o primeiro director] lutou pelaampliação 30 anos. A que é feita porRebelo de Andrade no final da década

de 30 começou a ser preparada em1918. Este museu sempre foi peque-no para as necessidades da sua colec-

ção", disse ao PÚBLICO o director doMNAA na passada semana, ao apre-sentar o programa para a ampliação,um documento que resulta de quatroanos de trabalho e de uma estreita

colaboração entre o museu, a Direc-

ção-Geral do Património Cultural e

a Câmara de Lisboa. "Há hoje, como

sempre houve, uma desproporçãoentre a escala física deste museu e asua missão, entre o espaço que teme a sua ambição."

Acrescentos sucessivosO museu é fruto da junção de dois

corpos pré-existentes e de sucessivos

acrescentos - o Palácio Alvor, onde

em 1884 e criado o então Museu Na-cional de Belas Artes e Arqueologia,ampliado para nascente entre 1944 e

1947; a igreja do convento carmelitaque ali existia; e o módulo inaugura-do em 1940, feito por Guilherme Re-bello de Andrade, e que prolongou o

palácio, dando ao museu aquela queé hoje a sua entrada principal, volta-da para o Jardim 9 de Abril.

O actual projecto de volumes, queantecede o de arquitectura, parte do

princípio de que o museu precisa de

crescer por causa da sua colecção,mas também para resolver proble-mas de acessibilidades e de posicio-namento dentro da cidade. E res-

ponde à pergunta que já antes tinhaestado por trás do trabalho dos alu-nos do mestrado de Arquitectura do

Instituto Superior Técnico, que em2014 apresentaram 20 propostas paramanter o MNAA exactamente ondeestá, descendo a escadaria da Rochado Conde de Óbidos até à avenida ri-beirinha - "Como pode o museu cres-

cer sem sair de onde está?"Foi a partir destas propostas que

Pimentel, que na primeira entrevis-ta como director, em 2010, chegoua defender que o futuro do museupodia passar por uma mudança de

local, se convenceu de que ficarera importante. "Para além de ha-ver uma relação afectiva com o sítiodas Janelas Verdes, há a ideia de queesta zona se tornou absolutamentecentral na estratégia da cidade. Tu-do porque, para aliviar a pressão do

O director doMuseu de ArteAntiga (esq.) com oprimeiro-ministrona apresentação dapintura de ÁlvaroPires recentementecomprada para omuseu

centro, é vantajoso empurrar partedo fluxo turístico para uma zona en-tre a Praça do Comércio e Belém."

Pretende-se que o novo MNAA,cuja arquitectura, explicou Pimentel,deverá nascer de um concurso orien-tado pelo projecto de volumes quesaiu das mãos do arquitecto VascoMelo, da Câmara de Lisboa, faça deforma fluida a ligação entre o antigoedifício e o módulo contemporâneo,implantado na 24 de Julho e impli-cando uma série de demolições.

Esse módulo terá o piso térreo con-fiado a serviços e à "entrada monu-mental" do museu, e no piso 1 umagrande galeria de exposições tem-porárias. A nova museografia, que,tal como hoje, começará na IdadeMédia, deverá incluir uma área am-pla para as artes da Expansão onde,naturalmente, se abordará a históriados Descobrimentos. Feitas as con-tas, a ampliação deverá mais do queduplicar as áreas bruta (de 10.000m2para 21.500m2) e expositiva (3700m2para 8200m2) do museu.

"Eu costumo dizer que um museué um palco e, para que ele exista, pre-cisa de dar aos seus funcionários boas

condições de trabalho. Ora o que o

museu tem hoje é uma espécie de 'fa-vela' instalada no sótão, em que todostrabalham em cima uns dos outros",acrescenta o director do MNAA, ex-

plicando que por trás deste projectode volumes está um rigoroso levanta-mento das necessidades da casa.

No documento de 25 páginas emque se lançam as bases para o progra-ma do novo museu, o MNAA defineesta proposta de ampliação como"ambiciosa nos objectivos, mas equi-librada e comedida nos meios".

A ampliação, acrescenta Pimentel,prevê o investimento numa série devalências que são essenciais ã vida esustentabilidade do MNAA: um "au-ditório conveniente" e um "restau-rante condigno", ambos passíveis defuncionar com o museu encerrado;uma área de trabalho técnico "eficaz"

para a biblioteca, que manterá "into-cada" a sala de leitura; uma loja bemlocalizada; e uma "área respeitável"para o serviço educativo.

Sem falar de custos estimados, al-

go prematuro sem um projecto dearquitectura, o director não escon-de que gostaria de ver a obra inau-gurada dentro de cinco anos. "Não

queremos uma obra faraónica inútil.Queremos uma obra exequível e sus-

tentável. Mas também para essa o queé preciso agora é que se tomem deci-sões políticas ao mais alto nível, o dachefia do Governo. 0 museu fez a sua

parte - sonhou e programou."Terminada a ampliação, e isto sem

que o museu chegue a fechar, Pimen-tel e a sua equipa acreditam que o

número de visitantes poderá chegara um milhão por ano.

Para o ministro da Cultura, que jáconhece o projecto da ampliação, é

ainda cedo para dar como fechadoo seu programa. Castro Mendes re-conhece que fazer crescer o MNAAé importante, mas defende que esse

crescimento não pode ser pensadoisoladamente: "Podemos ter várias

concepções [para a ampliação]. De-

pende do que quisermos fazer como [do] Chiado. Se quisermos fazer do

[do] Chiado um verdadeiro museu de

arte contemporânea, o de Arte Anti-

ga estaria vocacionado para receber

aquela parte do final do século XIXe princípios do século XX [do Chia-do], que na altura o José de Figuei-redo considerava arte contemporâ-nea. Pois para ele era, mas para nós jánão é. Tudo isto terá de ser pensadono plano nacional de investimentos20/30." com João Pedro [email protected]

Umanoparapôroprojectoaandar,masaindasõhã silêncio

orelógio0

relógio começou a

trabalhar há duas semanas,com uma votação naassembleia municipal.

Até 8 de Março de 2019 temde haver algum avanço no

processo de ampliação doMNAA, porque é nesse dia quetermina a vigência das medidaspreventivas aplicadas a algunsimóveis à volta do museu. Ou

seja, os proprietários poderãonovamente fazer obras nosseus edifícios, o que já lhes estávedado há dois anos. "Há direitosde propriedade das pessoas quenão podem estar sequestradostoda a vida", concede AntónioFilipe Pimentel.

Os deputados, que votarama extensão das medidaspreventivas por um ano,sublinharam a urgência dadecisão, pedindo unanimementeà câmara que "inste a

administração central a agilizaros procedimentos para a

conclusão definitiva e célere" domuseu.

Não se adivinha um processofácil. A ampliação do museu vaiafectar pelo menos 14 imóveis

na 24 de Julho e apenas um já épropriedade pública — a câmaramunicipal ficou com ele há umano, depois de ter chegado aacordo com os donos, que atéjá tinham um projecto de hotelaprovado (pela câmara). Falta

agora negociar expropriaçõescom os restantes proprietários e

comprar os imóveis que estão à

venda em imobiliárias.Para já, nenhuma das

entidades envolvidas parecequerer comprometer-se."Expropriações? Isso é umapergunta que terá de pôr à

câmara. Nós conhecemos os

projectos [de ampliação] queforam apresentados pelo MNAA.Estamos numa fase ainda deconcepção", diz o ministroda Cultura, Luís Filipe CastroMendes. Já Fernando Medina,autarca, afirma que ainda é cedopara a câmara se envolver noassunto e que cabe ao ministériodefinir o que quer fazer.

Segundo a proposta que estáem cima da mesa (ver texto aolado), seis prédios encostadosà Rocha Conde de Óbidos vãoser demolidos para ali nascer

um jardim. O edifício novo domuseu vai erguer-se dali paradiante em direcção a Santos,alinhado com o antigo, e a

sua altura será semelhante à

dos edifícios actuais. A menosque o projecto arquitectónicoque venha a ser aprovado oscontemple, os restantes prédiostambém deverão ser demolidos— incluindo o antigo armazémintervencionado pelo arquitectoGonçalo Byrne, que até ganhou oPrémio Valmor em 2009.

A urgência de decisõesprende-se também com ofinanciamento, que está inscritono quadro comunitário Lx Europa

2020 e que, como o nome indica,tem um curto prazo de validade.

Por outro lado, autarquia emuseu assumem que queremaproveitar o bom momentoturístico que a cidade vive.Aliás, no Lx Europa 2020, ocrescimento do MNAA aparecedebaixo do chapéu "Afirmaçãodo turismo na base económicade Lisboa". A ampliação, dizAntónio Filipe Pimentel, "tornou-se subitamente estratégica emtermos de gestão da cidade",pois permite "criar uma âncorade atracção de turismo" a meiocaminho entre o centro históricoe Belém. "O museu não estáem Marte, está em Lisboa",acrescenta.

Num relatório anexo à

proposta votada na assembleia,a autarquia defende que, com a

ampliação, o MNAA "continuará omovimento iniciado de expansãoda projecção cultural no planonacional". E que vai "adequar a

sua resposta à procura turísticada cidade de Lisboa e contribuir

para o aumento do suporte às

actividades económicas locais e

para a sustentabilidade territorial."Fernando Medina diz que

ainda é prematuro falar sobreuma eventual utilização dasverbas da taxa turística nestaobra. Actualmente, esse dinheiroestá a ser usado para pagar a

fatia de leão da empreitada deremate do Palácio Nacional da

Ajuda (12 milhões de euros) e

também já serviu para construirum elevador panorâmico e umcentro interpretativo na Ponte25 de Abril. João Pedro Pincha,com Lucinda Canelas