O Melhor Companheiro

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C M Y K C M Y K A-28 A-28 Saber viver Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 28 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, terça-feira, 15 de setembro de 2009 F oi-se o tempo em que edu- car os filhos era responsa- bilidade só das mães. Os pais modernos são cada vez mais afetivos e presentes, afastando-se da ultrapassada fi- gura distante e severa. Lidar com esse novo papel sem perder a au- toridade sobre os filhos é um de- safio. A solução pode ser substi- tuir o medo que as crianças de ge- rações passadas sentiam diante do pai pelo diálogo, não se fazen- do entender apenas pelo grito. Para Carlos Lopes, um dos fun- dadores da Associação pela Parti- cipação de Pais e Mães Separados nas Vidas dos Filhos (ParticiPais), cabe ao lado masculino do casal a importante tarefa de equilibrar severidade e amizade. “A relação entre pais e filhos reproduz vários aspectos que a criança e o adoles- cente encontrarão em sua vida social quando crescerem. Assim como a amizade, existe também a severidade na convivência em sociedade. Quanto mais familia- rizado com isso, melhor.” Lopes é autor do livro Pais que querem ser pais, no qual conta co- mo 10 moradores do Distrito Fe- deral buscam manter a convivên- cia saudável com os filhos depois da separação. “Quando a separa- ção é conflituosa, a primeira difi- culdade é de entendimento para que o genitor que não mora com os filhos tenha acesso às crianças”, afirma. Na opinião dele, a figura paterna faz parte da estrutura emocional para o desenvolvimen- to de adultos sadios e maduros. Assim, a criança criada sem ne- nhum referencial masculino pode se tornar avessa às ordens dadas por representantes femininos. A socióloga da Universidade de Brasília (UnB) Ana Liési é estu- diosa da relação entre pai e filho. De acordo com ela, a presença paterna é importante também do ponto de vista sociológico. A pes- quisadora explica que a simples convivência com o pai ajuda a criança a exercer sua cidadania. “Convivência paterna é algo por si só pedagógico. Não nascemos autônomos, o pai acaba sendo uma porta de entrada para a criança ver o mundo, conhecer melhor o homem”, afirma. Ela diz que a figura paterna também é responsável por desper- tar sentimentos e valores positi- vos. “Quando um pai divide as res- ponsabilidades com a mãe, ele es- tá dando lições preciosas de soli- dariedade e passando valores im- portantes sobre respeito e colabo- ração.” O pai é ainda um facilita- dor entre a criança e a sociedade. “Observar o dia a dia do pai ajuda a criança a compreender melhor o ambiente social, as diferenças e contradições do mundo”, conclui. Segundo especialistas, apesar de ter se tornado mais carinho- so, o pai ainda é o principal res- ponsável por soltar as amarras dos filhos. As mães em geral, tendem à superproteção e carre- gam consigo valores como o aco- lhimento e a proteção. Assim, na maioria das vezes, é delegada ao pai a função de equilibrar esse excesso de proteção e estimular a construção de uma identidade mais autônoma e ousada. Essa relação impede que a criança se torne uma pessoa insegura, de- sobediente e autoritária. Proximidade Manter a proximidade com os dois filhos foi o desafio enfrentado pelo servidor público Carlos Ro- berto Rodrigues Bezerra, 38 anos. Pai separado, ele teve de encon- trar uma solução para não perder o contato diário com o filhos Mar- celo, 9, e Eduardo, 12. “Para vê-los todos os dias, eu decidi que seria o responsável por levá-los e trazê- los da escola. É o momento que eu tenho para conviver com eles, conversar, dar conselhos”, conta. O caminho diário entre casa e escola é feito de bicicleta por ele e os dois garotos. “Foi uma forma que eu encontrei para in- centivá-los a praticar esportes, além de ser divertido. Dessa for- ma, também posso dar mais atenção a eles do que se estives- se dentro de um carro.” Carlos teve de fazer algumas mudan- ças em sua rotina para manter o compromisso de levar Dudu e Lelo, como ele chama os meni- nos, ao colégio. “Eu busquei morar perto dos dois e cheguei a mudar de lotação no trabalho para continuar levando-os. Mas é muito gratificante.” O caminho mais lento, passan- do pelas quadras da Asa Norte, também é uma oportunidade de aprendizado para as crianças. As pessoas e situações encontradas pelo caminho servem de exem- plos para as conversas entre os três. “Aproveito para mostrar as de- sigualdades sociais. Tenho medo que eles percam a noção do mun- do em que vivemos, quero que eles tenham o pé no chão e não pensem que a realidade que vivem é igual à de todos”, explica o pai. Paciência A pequena Ana Clara tem apenas 2 anos, mas o pai dela, o auxiliar administrativo Fernan- do Roberto Pereira dos Santos, 23 anos, já sabe como é difícil educar uma criança hoje em dia. Para ele, a principal dificul- dade é conseguir manter-se presente mesmo tendo de tra- balhar muito. “Acho fundamen- tal a presença do pai, mas é di- fícil você chegar em casa cansa- do e ter paciência para brincar, conversar com a criança”, la- menta Fernando. Ele se esforça para que nada falte à filha e, nas horas vagas e nos fins de semana, tenta com- pensar a ausência na maior parte do dia. “Como não tenho muito tempo durante a semana, busco, nesses dias, sair com ela, brincar, dar atenção”, conta. Na opinião de Carlos Lopes, os pais precisam de paciência para cultivar uma boa relação com os filhos. “São duas pes- soas separadas por duas deze- nas de anos, de vida e expe- riências. Isso, por si só, impõe algumas dificuldades de comu- nicação e entendimentos”, lem- bra. Ele aponta a busca de afi- nidades como um bom cami- nho para o entendimento. “Uma vez munido de toda pa- ciência possível, um interesse em comum pode ser a abertura para muitas outras possibilida- des de interação. E deve ser ex- plorado.” Lopes sabe que o ca- minho não é fácil. “Dá traba- lho, mas vale a pena”, resume. A presença do pai é fundamental para o desenvolvimento afetivo e social da criança. Especialistas dizem que a simples convivência com o filho já ajuda na formação de um adulto emocionalmente saudável Carlos Roberto buscou morar perto de Eduardo e Marcelo para levá-los à escola todos os dias: “É muito gratificante” Fernando com Ana Clara: tempo para a filha apesar das obrigações Quando a separação é conflituosa, a primeira dificuldade é o entendimento para que o genitor que não mora com os filhos tenha acesso às crianças” Carlos Lopes, fundador da Associação pela Participação de Pais e Mães Separados nas Vidas dos Filhos (ParticiPais) O melhor companheiro Adauto Cruz/CB/D.A Press Carlos Moura/CB/D.A Press Arquivo Pessoal

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C M Y K C M YK

A-28A-28

Saber viver EEddiittoorraa:: Ana Paula [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

28 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 15 de setembro de 2009

Foi-se o tempo em que edu-car os filhos era responsa-bilidade só das mães. Ospais modernos são cada

vez mais afetivos e presentes,afastando-se da ultrapassada fi-gura distante e severa. Lidar comesse novo papel sem perder a au-toridade sobre os filhos é um de-safio. A solução pode ser substi-tuir o medo que as crianças de ge-rações passadas sentiam diantedo pai pelo diálogo, não se fazen-do entender apenas pelo grito.

Para Carlos Lopes, um dos fun-dadores da Associação pela Parti-cipação de Pais e Mães Separadosnas Vidas dos Filhos (ParticiPais),cabe ao lado masculino do casala importante tarefa de equilibrarseveridade e amizade. “A relaçãoentre pais e filhos reproduz váriosaspectos que a criança e o adoles-cente encontrarão em sua vidasocial quando crescerem. Assimcomo a amizade, existe tambéma severidade na convivência emsociedade. Quanto mais familia-rizado com isso, melhor.”

Lopes é autor do livro Pais quequerem ser pais, no qual conta co-mo 10 moradores do Distrito Fe-deral buscam manter a convivên-cia saudável com os filhos depoisda separação. “Quando a separa-ção é conflituosa, a primeira difi-culdade é de entendimento paraque o genitor que não mora comos filhos tenha acesso às crianças”,afirma. Na opinião dele, a figurapaterna faz parte da estruturaemocional para o desenvolvimen-to de adultos sadios e maduros.Assim, a criança criada sem ne-nhum referencial masculino pode

se tornar avessa às ordens dadaspor representantes femininos.

A socióloga da Universidadede Brasília (UnB) Ana Liési é estu-diosa da relação entre pai e filho.De acordo com ela, a presençapaterna é importante também doponto de vista sociológico. A pes-quisadora explica que a simplesconvivência com o pai ajuda acriança a exercer sua cidadania.“Convivência paterna é algo porsi só pedagógico. Não nascemosautônomos, o pai acaba sendouma porta de entrada para acriança ver o mundo, conhecermelhor o homem”, afirma.

Ela diz que a figura paternatambém é responsável por desper-tar sentimentos e valores positi-vos. “Quando um pai divide as res-ponsabilidades com a mãe, ele es-tá dando lições preciosas de soli-dariedade e passando valores im-portantes sobre respeito e colabo-ração.” O pai é ainda um facilita-dor entre a criança e a sociedade.“Observar o dia a dia do pai ajuda acriança a compreender melhor oambiente social, as diferenças econtradições do mundo”, conclui.

Segundo especialistas, apesarde ter se tornado mais carinho-so, o pai ainda é o principal res-ponsável por soltar as amarrasdos filhos. As mães em geral,tendem à superproteção e carre-gam consigo valores como o aco-lhimento e a proteção. Assim, namaioria das vezes, é delegada aopai a função de equilibrar esseexcesso de proteção e estimulara construção de uma identidademais autônoma e ousada. Essarelação impede que a criança se

torne uma pessoa insegura, de-sobediente e autoritária.

ProximidadeManter a proximidade com os

dois filhos foi o desafio enfrentadopelo servidor público Carlos Ro-berto Rodrigues Bezerra, 38 anos.Pai separado, ele teve de encon-trar uma solução para não perdero contato diário com o filhos Mar-celo, 9, e Eduardo, 12. “Para vê-lostodos os dias, eu decidi que seria oresponsável por levá-los e trazê-los da escola. É o momento que eutenho para conviver com eles,conversar, dar conselhos”, conta.

O caminho diário entre casae escola é feito de bicicleta porele e os dois garotos. “Foi umaforma que eu encontrei para in-centivá-los a praticar esportes,além de ser divertido. Dessa for-ma, também posso dar mais

atenção a eles do que se estives-se dentro de um carro.” Carlosteve de fazer algumas mudan-ças em sua rotina para manter ocompromisso de levar Dudu eLelo, como ele chama os meni-nos, ao colégio. “Eu busqueimorar perto dos dois e chegueia mudar de lotação no trabalhopara continuar levando-os. Masé muito gratificante.”

O caminho mais lento, passan-do pelas quadras da Asa Norte,também é uma oportunidade deaprendizado para as crianças. Aspessoas e situações encontradaspelo caminho servem de exem-plos para as conversas entre ostrês. “Aproveito para mostrar as de-sigualdades sociais. Tenho medoque eles percam a noção do mun-do em que vivemos, quero queeles tenham o pé no chão e nãopensem que a realidade que vivemé igual à de todos”, explica o pai.

PaciênciaA pequena Ana Clara tem

apenas 2 anos, mas o pai dela, oauxiliar administrativo Fernan-do Roberto Pereira dos Santos,23 anos, já sabe como é difícileducar uma criança hoje emdia. Para ele, a principal dificul-dade é conseguir manter-sepresente mesmo tendo de tra-balhar muito. “Acho fundamen-tal a presença do pai, mas é di-fícil você chegar em casa cansa-do e ter paciência para brincar,conversar com a criança”, la-menta Fernando.

Ele se esforça para que nadafalte à filha e, nas horas vagas enos fins de semana, tenta com-pensar a ausência na maior partedo dia. “Como não tenho muitotempo durante a semana, busco,nesses dias, sair com ela, brincar,dar atenção”, conta.

Na opinião de Carlos Lopes,os pais precisam de paciênciapara cultivar uma boa relaçãocom os filhos. “São duas pes-soas separadas por duas deze-nas de anos, de vida e expe-riências. Isso, por si só, impõealgumas dificuldades de comu-nicação e entendimentos”, lem-bra. Ele aponta a busca de afi-nidades como um bom cami-nho para o entendimento.“Uma vez munido de toda pa-ciência possível, um interesseem comum pode ser a aberturapara muitas outras possibilida-des de interação. E deve ser ex-plorado.” Lopes sabe que o ca-minho não é fácil. “Dá traba-lho, mas vale a pena”, resume.

A presença do pai é fundamental para o desenvolvimento afetivo e social da criança.

Especialistas dizem que a simples convivência com o filho já ajuda na formação

de um adulto emocionalmente saudável

Carlos Roberto buscou morarperto de Eduardo e Marcelo

para levá-los à escola todos osdias: “É muito gratificante”

Fernando com Ana Clara: tempo para a filha apesar das obrigações

Quando a separação éconflituosa, aprimeira dificuldade é o entendimento paraque o genitor que nãomora com os filhostenha acesso àscrianças”Carlos Lopes, fundador daAssociação pela Participação dePais e Mães Separados nas Vidasdos Filhos (ParticiPais)

O melhor companheiro

Adauto Cruz/CB/D.A Press

Carlos Moura/CB/D.A Press

Arquivo Pessoal