O MASCULINO E A CONTEMPORANEIDADE: PRODUÇÃO DE … · 3 interditando assim certos discursos e...
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O MASCULINO E A CONTEMPORANEIDADE: PRODUÇÃO DE DIFERENÇAS OU MANUTENÇÃO DOS VELHOS SÍMBOLOS
IDENTITÁRIOS?1
Cátia Rafaela Faquinete2
Danielle Jardim Barreto3
RESUMO: Nesta pesquisa, objetivamos apresentar a produção discursiva sobre sexo e gênero, que desenham os modos de produção do masculino na contemporaneidade. Ao apresentarmos nosso tema como indagação, não há intencionalidade de respostas, mas sim dar-se visibilidade ao movimento conceitual de identidade para diferença em gênero. Para isso, retoma-se o histórico debate sobre a diferença e a identidade ocorrida nas relações para assim compreender a construção da masculinidade como processo discursivo. Buscamos destacar a relação inquestionável entre subjetivação e o dispositivo discursivo do poder na modernidade entre sexo e gênero, através do mapeamento da produção teórica de Michel Foucault, Félix Guattari e seus comentadores. Palavras-Chave: Diferença; Identidade; Discurso gênero; Masculinidade.
INTRODUÇÃO
Segundo Dinis (2008) o dispositivo da modernidade vem se constituindo
historicamente em práticas discursivas propondo o pensamento da
diferenciação entre sexo e gênero.
Nossa leitura vem considerar esse contexto, buscando refletir sobre as
diferentes formas de discursos sobre o masculino. As práticas de desigualdade
de gênero nos mostram as regras discursivas da sociedade, mesmo que
alguns aspectos de inserção no mundo masculino venham com algumas
colocações que fujam da normalidade imposta pela necessidade de
diferenciação.
1 Esta comunicação oral faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso confeccionado em 2011, como requisito para Formação de Psicólogo no Curso de Psicologia da UNIPAR campus Umuarama, tendo como participante também Lucimeire Bonfim. 2 Psicóloga. Aluna em regime especial no programa de Pós Graduação da Universidade Estadual Paulista, UNESP/Assis SP. 3 Docente no Curso de Psicologia da UNIPAR campus Umuarama. Doutoranda no programa de Pós Graduação da Universidade Estadual Paulista, UNESP/Assis SP.
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Hoje a transição dos gêneros nos mostra que não tem como marcar
fixamente território do feminino ou do masculino. A produção cultural propõe
uma relação de comportamentos e interesses, novos estilo de vida e
tendências as mais diversas respostas aos papéis desempenhados hoje como
“Homem e Mulher”. As diferenças de “gênero” são construídas socialmente e
culturalmente, em processo contínuo, havendo a necessidade de entender o
desenvolvimento dialético desse homem, que transforma diferenças em
desigualdades. (STREY, 2009).
O mundo moderno faz com que surjam novas identidades e a
fragmentação do masculino se torne visível. Antes se eram vistos como
sujeitos unificados, hoje parecem ser entendidos como em crise. Podemos
entender que esse sujeito apenas está se transformando em novas
experimentações, neste contexto, e assim a chamada “crise de identidade
masculina” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que
está deslocando as estruturas e processos centrais da sociedade moderna e
abalando as referências que forneciam aos indivíduos uma ancoragem estável
no mundo social. (MONTEIRO, 2001).
A tecnologia e a mídia são as referências oferecidas através da
contemporaneidade e são bases fundamentais para estas mudanças, visto que
no caminho percorrido através da história pode-se notar a produção dos
discursos que definem a masculinidade, como sinônimos de discursos de
poder. As mudanças sociais que ocorrem na sociedade colocam em xeque a
estabilidade das categorias identitárias estabelecidas ao sujeito no mundo.
1. Cartografando os Discursos sobre sexo e Poder na Modernidade: contribuições de Michael Foucault.
De acordo com Foucault (1988) a leitura da atualidade sobre
sexualidade na contemporaneidade ainda é reprimida, percebe-se que há certa
relação entre sexo e poder. No século XVII houve um período de repressão
vinda das sociedades burguesas, o silêncio foi imposto, surge a censura,
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interditando assim certos discursos e produzindo saberes ainda fortemente
pautados em bases morais sobre o prazer e a sexualidade dita “adequada”.
[...] explicam-nos que, se a repressão foi, desde a época clássica, o modo fundamental de ligação entre poder, saber e sexualidade, só se pode liberar a um preço considerável: seria necessário nada menos que uma transgressão das leis, uma suspensão das interdições, uma irrupção da palavra, uma restituição do prazer ao real, e toda uma economia dos mecanismos do pode; pois a menor eclosão de verdade é condicionada politicamente. (FOUCAULT, 1988, p. 11).
No século XVIII emerge a instigação política, econômica e técnica para
falar do sexo, não em teoria, mais como forma de análise, de contabilidade, de
classificação e de especificação por meio de pesquisas, criando-se assim um
discurso racional, não exclusivamente moral. A medicina utiliza o dispositivo
sexual a partir do século XIX com as “doenças dos nervos”, seguida da
psiquiatria. A sociedade acumulou vários discursos referentes a sexo e talvez
seja essa, a nossa sociedade a mais intolerante sobre o assunto.
Para Foucault (1988) o ocidente atirou-se em busca da verdade sobre a
sexualidade, em busca da nossa própria verdade, do que estava à sombra,
escondido, partindo do sexo biológico para o sexo-social, comportamental e
não se esquivando das séries de obstáculos binários. O Ocidente uniu sexo a
corpo, alma a individualidade, na história com a intenção de nos fazer descobrir
quem somos nós.
Segundo Guattari (2005) para entender quem somos nós, é essencial
amadurecer as nossas próprias idéias, mas quando somos atravessados pelo
processo de subjetivação capitalística, as produções essencialmente de
subjetivação são vistas como naturais, mas, segundo o autor supracitado,
estas são de fundo industrial e máquinica, recebidas e consumidas pelos
indivíduos no sistema capitalista. Essa produção na contemporaneidade, tem
como catalizador a mídia, que incorpora-se no indivíduo com o registro de
ideologia, firmando o consumo social da subjetividade “adequada”.
A ideologia é inseparável da práxis social, a sociedade dá condições
para esse enfrentamento, incluindo as reapreciações e as reorganizações para
apreensões e problemáticas significativas, formando assim, identidades ou
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identificações, trata de sistemas de conexão direta com as produções de
controle social. Produções essas, econômicas e produções subjetivas que
fabricam a relação do homem no mundo e consigo mesmo.
[...] a ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e na realidade psíquica. Ela incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de sentimento, de afeto, etc. Ela incide nas montagens da percepção, da memorização e na modelização das instâncias intra-subjetiva. (GUATTARI, 2005, p. 51).
Como diz Foucault (1988) com base no saber existente sobre sexo, não
se pode descartar enquanto repressão ou lei, as questões do poder. Poder que
se desempenha a partir de vários aspectos. Não se exerce poder sem objetivos
específicos, porém não se deve descrever a sexualidade como algo a se
dominar, ela é um ponto de relação com o poder, entre homens e mulheres,
pais e filhos, administração e população, poder esse, soberano, já não está
mais relacionado ao direito a vida e a morte, como no século XVII, existe agora
também o biopoder, que se define pela administração dos corpos, pela
gerência que se prevê da vida, aos que a ele resistem, resta apoiar-se no
homem como ser vivo.
O sexo é ao contrário, o elemento mais especulativo, mais ideal e igualmente mais interior, num dispositivo de sexualidade que o poder organiza sem suas captações dos corpos, de sua materialidade, de suas forças, suas energias, suas sensações, seus prazeres. (FOUCAULT, 1988, p. 145).
Para Foucault (1987) a apropriação do corpo, com mais eficácia e
determinação, se dá a partir do processo de decomposição da singularidade,
levando o indivíduo à disciplina, tomando-o como objeto e instrumento de seu
exercício de poder, acentuando assim o olhar hierárquico e a sanção
normalizadora, em seu superpoderio, onde aponta o poder modesto e
desconfiado. Ou também como o exame num jogo de olhar a esse indivíduo,
induzindo-o meios de coerção tornando claramente visíveis, a quem são
aplicados como forma de poder.
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Esses movimentos de reorganizar os elementos de ensino, e vigilância,
são eficazes na medida em que estes são aparelhos de produção de poder e
disciplina, onde o desenvolvimento das escolas se inicia propriamente dita às
relações interpessoais e intrapessoais, sendo atividades que englobam uma
contingente enorme de pessoas, assim necessariamente, organizar a
desordem. Como aponta Foucault (1987), a função produtora da disciplina, tem
a necessidade de escala, referindo a forma de redes e sem lacuna, pois exerce
a multiplicação de possíveis efeitos, e não a aparição de seus propósitos,
formulando assim a discrepância e torná-la funcional. A problemática da
disciplina acentuada é inserir na prática do ensino, perpassando de efeitos de
poder relacional, onde se auto-sustenta pelo jogo de ininterruptos olhares
calculadores.
Não se pode referir a história da sexualidade sem a relação de
dependência com a instância do sexo, segundo Foucault (1988) se, por uma
inversão tática dos diversos mecanismos da sexualidade, quisermos opor os
corpos, os prazeres, os saberes, em sua multiplicidade e sua possibilidade de
resistência às captações do poder, será em relação à instância do sexo que
deveremos liberar-nos. Contra o dispositivo de sexualidade, o ponto de apoio
de contra-ataque não deve ser o sexo-desejo, mas os corpos e os prazeres.
O dispositivo de sexualidade tem, como razão de ser, não o reproduzir, mas o proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira cada vez mais detalhada e controlar as populações de modo cada vez mais global. (FOUCAULT, 1988, p.101).
O discurso sobre sexualidade e gênero vem sendo um dos temas mais
debatidos na atualidade, sendo esses discursos historicamente produzidos,
entrando e percorrendo as instituições sociais ao longo de quase um século.
No processo genealógico proposto por Foucault para a desnaturalização das
identidades de gênero, em sua obra História da Sexualidade, o autor nos dá a
ver o engendramento da produção de verdade sobre os dispositivos da
sexualidade e a demarcação das identidades de gênero, desconstruindo as
relações binárias sexo-desejo-orientação da sexualidade.
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Em seus estudos pela história da sexualidade, Foucault (1988) nos
possibilita conhecer os discursos de verdade produzidos sobre o homem e sua
lógica da masculinidade. Mesmo não considerando os romanos indiferentes
aos gregos, a esse tipo de prazer, existem textos que dizem que houve certa
influência da cultura romana.
Continuava a complexa interrogação dos rapazes como objeto de
prazer, na amplitude das instituições, por um lado estavam protegidos pela
família, religião, leis públicas. Havia a célebre lei Scatinia mostrada por
Boswell, que não proibia a homossexualidade, protegia o adolescente do abuso
e da violência, somente, porém outra parte, o amor masculino se realizava com
jovens escravos, que não possuíam cuidados pelo estatuto. (FOUCAULT,
1985).
Ao refletir sobre o amor segundo Foucault (1985) pelos rapazes, deve-se
dar a conhecer a esterilidade, surge, então, uma nova erótica. Esta nova
erótica, a princípio sem muita importância para a filosofia, tem como tema “não
amor” dos rapazes, mas sim, o amor entre homem e mulher, a considerar a
relação heterossexual cercada por um pólo feminino e um pólo masculino,
como prática a considerar a abstinência, virgindade, virilidade, dominação
política, por adiante falar-se em casanto espiritual. Mesmo com a influência
platônica diante dessa nova erótica, deixa-se de pensar somente no amor
pelos rapazes, dá-se um novo sentido, de uma maneira duradoura da relação
de amizade.
Pensando na articulação entre o discurso e a história, pode-se elaborar
o entendimento de várias interpretações sobre a trajetória. A produção dos
diferentes modos de subjetivação do ser humano no ocidente, investigando os
dispositivos e técnicas de fabricação histórica dos discursos e a elaboração
pela sociedade.
De acordo com Filho e Martins (2007) a produção da subjetividade é
uma instância na realidade do indivíduo, provocando a objetividade das
emoções e do desejo. O conhecimento moderno amplia a visão e as
experiências do sujeito, apontando a ele questões que não existiam na própria
materialidade da substância psíquica. A percepção de si mesmo e a ampliação
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do campo das experiências, compondo no sujeito as sensações e intimidades
vivenciadas com mais uniformidade.
Filho e Martins (2007) ressaltam também a afirmação de Foucault, de
que o cristianismo inventou a interioridade e a sociedade inventou a
subjetividade. Propondo a relação do discurso moderno a não noção de idéias
cristã, onde o sujeito é olhado como meio cristão, meio da razão e meio da
culpa. A subjetividade produz formas de identidades, que são atravessadas
pelas relações, formas de existências que muitas delas são instaladas a
normatização das práticas relacionadas ao poder e ao saber, questões essas,
como formas e modos de objetivação.
Segundo Britto (2008) através do olhar pode-se entender o processo de
construção do masculino enquanto modo de estar no mundo, que é produzido
historicamente, como as práticas discursivas são elaboradas através de
códigos que permitem ao sujeito a se realizar e pensar no mundo. As práticas
sociais atravessam cada sujeito, engendrando os enquadres, fazendo o
homem objeto de si mesmo. A articulação envolvente no processo do discurso,
muitas vezes não permite a reflexão: “as diversidades são produções
relacionais que implicam as múltiplas formas de existência, fugindo da
objetividade”. (FILHO & MARTINS, 2007, p. 17). Fugas essas, que são
investidas de valores, transformam-se em mercadorias a serem consumidas
pelos próprios “indivíduos”.
2. O Homem – Da Identidade para a Diferença. Cartografando Conceitos.
Para Silva (2009) a identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou
brasileiro”, “sou negro”, “sou heterossexual”, “sou jovem”, “sou homem”. A
identidade assim concebida parece ser uma positividade “aquilo que sou”, uma
característica independente, um “fato” autônomo. Nessa perspectiva, a
identidade só tem como referência a si própria: ela é auto-contida e auto-
suficiente, na mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida
como entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade,
diferença é aquilo que o outro é: “ela é italiana”, “ela é branca”, “ela é
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homossexual”, “ela é velha”, “ela é mulher”. Da mesma forma que a identidade,
a diferença é, nesta perspectiva, concebida como auto referenciada, como algo
que remete a si própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente
existe.
Para Silva (2009) na perspectiva da diversidade, a diferença e a
identidade, tendem a ser naturalizadas, cristalizadas e essencializadas. São
tomadas como dados ou fatos da vida social diante dos quais se devem tomar
posição, em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente
recomendada é de respeito e tolerância para com a diversidade e diferença. E
referente à identidade e diferença há indivíduos da linguagem, afirmando que:
a identidade e a diferença não podem ser compreendidas e respondidas, pois,
estão fora dos sistemas de significação nos quais adquirem sentido. Não são
seres da natureza, mas da cultura e dos sistemas simbólicos que a compõem.
Dizer isso não significa, entretanto, dizer que elas são determinadas, de uma
vez por todas, pelos sistemas discursivos e simbólicos que lhes dão definição.
Ocorre que a linguagem, entendida aqui de forma mais geral como sistema de
significação, é, ela própria, uma estrutura instável.
As formas mais claras, estabelecidas e utilizadas pelos grupos como
forma de solicitar seus modos de caracterização pessoal e historicamente, são
os discursos e os sistemas de representações simbólicas, que constitui o
indivíduo a partir dos lugares dos quais podem falar. Supostamente, os
indivíduos estão reafirmando, seus modos de existência, apresentando às
claras, seu interior cultural, proporcionando a afirmação da construção da
identidade, como processo crescente de idéias, modos e ações distintas, mas
também caracterizadas por longo conflito. (WOODWARD, 2009).
Em geral, consideramos a diferença como um produto derivado da
identidade. Nesta perspectiva, a identidade é a referência, é o ponto original
relativamente ao qual se define a diferença, isto reflete a tendência, a tomar
aquilo que somos, como sendo, a norma pela qual, descrevemos ou avaliamos
aquilo que não somos. (SILVA, 2009).
Para Woodward (2009) o desenvolvimento capitalista caracteriza-se pela
globalização, apresentado sua face mais recente e elaborada, vem nos apontar
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culturalmente, novos estilos de vida frente á sociedade, que ao redor do mundo
são expostas ao seu impacto, apresenta assim, identidades reflexíveis,
possibilitando mudanças. O ser humano necessita de uma ligação entre os
significados de sua existência e suas culturas, para poder estar no mundo, e de
certo modo dar sentido em suas produções de vida.
Segundo Guattari (2005) os indivíduos são produções em massa, o
resultado dessa produção são sujeitos moldados no registro do mundo social.
O processo de subjetivação vem descentralizar o sujeito em relação a sua
individualidade, podendo assim, quando o sujeito se recusa a esse processo de
subjetivação capitalista, esta ele entrando em profundo traço de singularidade.
Entre os diferentes processos de singularização, o indivíduo se faz
emprestando, associando e aglomerando dimensões de diferentes espécies,
podendo se afirmar de maneira determinada e afirmativa, de se desejar
positivamente sua criatividade, vontade de viver e sobreviver nos espaços.
O que vai nos caracterizar um processo de singularização é que ele seja automodelador. Isto é, que ele capte os elementos da situação, que construa seus próprios tipos de referências práticas e teóricas, sem ficar nessa posição constante de dependência. (GUATTARI, 2005, p. 55).
O processo de produção da identidade oscila entre dois movimentos: de
um lado, estão aqueles processos que tendem a fixar e a estabilizar a
identidade; de outro, os processos que tendem a subvertê-la e a desestabilizá-
la. É um processo semelhante ao que ocorre com os mecanismos discursivos e
linguísticos nos quais se sustenta a produção da identidade. Tal como a
linguagem, a tendência da identidade é para a fixação, entretanto, tal como
ocorre com a linguagem, a identidade está sempre escapando, a fixação é uma
tendência e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade. Todas essas questões,
desde a produção discursiva sexo – poder - sexualidade, identidade –
diferença, reunidas em torno do masculino está em debate, o que tem indicado
certa crise da masculinidade na contemporaneidade. (SILVA, 2009).
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3. As Experimentações do Masculino na Contemporaneidade.
O culto a masculinidade acentua-se no século XIX, com a transformação
da concepção biológica para a política, econômica e social. A polêmica sobre
gêneros passou para o terreno fisiológico, dos papéis sociais e culturais,
firmado pela sociedade burguesa deste século. Assim para essa época, a
masculinidade concentrava-se, nos homens que costumavam se descrever
“não ser mulher”, para jamais, em nenhuma hipótese “ser homossexual”, o que
hoje podemos observar nos homens que se descrevem “ser homem”, no que
se refere à orientação heterossexual.
O homem carrega o modelo de perfeição, que estava representado na anatomia masculina. Modelo este, do corpo macho, com características dependentes dessa forma, como reprodução, sexo e orgasmo. Dando a entender que a alteração entre gêneros antigamente estava voltada para a ligação anátomo-fisiológica, demonstrando e obrigando “diferenças morais aos comportamentos femininos e masculinos, de acordo com as exigências da sociedade burguesa, capitalista, individualista, nacionalista, imperialista e colonialista implantada nos países europeus” (COSTA, 1995 apud SILVA, 2000, p. 9).
No século XXI, imaginar o corpo masculino é pensar em um corpo
musculoso, forte, viril, encontrado em academias, propagandas publicitárias,
retirado das histórias em quadrinhos. Produzindo e reproduzindo algumas
formas estabelecidas de existir, movendo-se como intervenção do real. O que
vem sendo um referencial histórico de corporeidade masculina, onde os corpos
que se desviam deste padrão, são geralmente expostos ao ridículo,
desprezados ou ainda excluídos da mídia.
A masculinidade então, com essas características, representação e
experimentação dos corpos, é construída através de normas sociais e
conceitos de estética. Segundo os padrões normativos da atualidade, os
músculos são indicativos de masculinidade, quando que na verdade
masculinidade deve ser compreendida como composições históricas e sociais,
e corporeidade compreendida como uma área social, sentida a partir de
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princípios sócio-históricos e culturais, que dão acepções e caráter inteligível ao
corpo. (BEIRAS et al., 2007).
McKay, Mikosza e Hutchins (2005) apud Beiras, et al. (2007), definem
imagem corporal como uma imagem psíquica, construída a partir de um corpo
físico, pela apropriação de significados simbólicos construídos socialmente, e
como tal, estando em contínua transformação. Houve, por exemplo, a mudança
do significador primordial de masculinidade: no passado, a barba e outros pêlos
corporais indicavam a maturidade e virilidade daqueles que as possuíssem. “As
atividades do homem eram dirigidas para o mundo social, mais amplo da
economia, política e interações sociais, além do âmbito da família, enquanto os
de sua mulher eram rigidamente restringidos, limitavam-se ao mundo
doméstico da própria família” (PARKER, 1991 apud SILVA, 2005, p. 9). Nos
dias atuais, essa significação é atribuída ao modelo mesomórfico de corpo e à
masculinidade.
Diante de uma diversidade e pluralidade de crenças, culturas,
identidades psicológicas, sociais, de gênero e sexuais na contemporaneidade;
fica difícil representar uma supremacia diante das nossas identidades, uma vez
que estas são mudadas completamente a cada década, atravessadas pelas
exigências discursivas em determinado tempo.
Segundo Guattari (2005) essas produções de subjetivação capitalistas,
nos são apresentadas pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que
nos rodeiam, pelo passar do tempo. São idéias ou significações de produção
maquínica, modelos e produções centralizadas de grande controle social. O
sistema de significação tem uma perspectiva dos esquemas dominantes.
A noção de ideologia não nos permite compreender essa função literalmente produtiva da subjetividade. A ideologia permanece a esfera da representação, quando a produção essencial do CMI não é apenas a da representação, mas a de uma modelização que diz respeito aos comportamentos, á sensibilidade, á percepção, á memória, ás relações sociais, ás relações sexuais, aos fantasmas imaginários, etc. (GUATTARI, 2005, p. 36).
De acordo com o mesmo autor, essas produções vêem para controlar a
sociedade, e o peso maior vem nos atravessando há décadas. Os fenômenos
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envolvem dimensões de desejo e da subjetividade, fenômenos esses
religiosos, que ocorrem atualmente, problematizando o processo de
constituição da subjetividade coletiva, que nos resultam em uma grande
somatória de subjetividade individual.
O masculino, compreendido no discurso oferecido na
contemporaneidade, está vindo de ordem do dia a dia das revistas, jornais e
televisão, onde são reiteradamente reforçados em mudanças através de
repetitivas reflexões. O “novo” homem surge no lugar do homem “antigo”, ou
seja, um indivíduo que se comportava dentro dos padrões esperados para um
macho, viril, tradicional em um homem que se distancia entre o que é
entendido na sociedade como sendo homem e mulher. Principalmente quando
é anunciada também uma nova mulher, nessa contemporaneidade, buscando
uma nova concepção de anunciado “nova mulher” que busca sucesso na vida
profissional e “sabe o que quer”, aproximando-se do que era esperado desse
macho. (RIBEIRO & SIQUEIRA, 2007).
Segundo o mesmo autor, a mídia ganhou espaço significativo na
sociedade ao decorrer dos séculos, ampliando seu poder de controle com
infinitos discursos. A oferta de discursos com os quais interagimos, veiculados
em programas dos mais diversos formatos, que contribuem para o reforço de
novas identidades e interpretações sociais e culturais, tornando assim, uma
forte ambivalência para o enfrentamento de posições sociais, formando
subsídios para o enfrentamento de posições perante o que a sociedade
entende como modelo, homem/mulher. Um bom exemplo disso são os
programas, cada vez mais frequentes, dedicados à exposição da intimidade,
formas e atitudes de vida a ser seguido.
Como ressalta Ribeiro e Siqueira (2007) na contemporaneidade, o corpo
masculino, vem associado á estética e a transformações identitárias. O corpo
masculino antes entendido como macho tradicional passa a ser depositório de
diferentes tecnologias e recursos que contribuem para a transformação desse
corpo como belo, e que como os femininos, podem expressar mais livremente
sentimentos e afetividade.
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Para Monteiro (2001, p. 252) as construções de masculinidade, também
estão associadas a outros grupos de homens, que estão se preocupando com
esse corpo, mas de olho nos corpos femininos para apoiar na beleza e nas
mesmas características que estão centradas na moda, saúde, beleza e
também em comportamentos. As revistas, por exemplo, seguem padrões
editoriais já consagrados em publicações femininas, mas o público alvo,
também é associado ao masculino. “Como afirmam os editores e repórteres, na
revista VIP, esses padrões foram adaptados para o público masculino
heterossexual no país”.
Para Eccel e Crisci (2011) nos últimos anos, o conhecimento científico
tem se atentado as pluralidades sobre masculinidade e suas diversas formas
de vivências masculinas. As quais podem se observar que contêm relações de
poder e de diferenciação. Aquelas que contam maior legitimação são
denominadas masculinidades hegemônicas, e que operam com idéias
construídas socialmente e historicamente. Atuam como forma de controle e
regime de verdade, produzindo e afetando os estilos de vida. As relações são
marcadas com diferença ao homem e também a mulher, pois, sobretudo no
mundo do trabalho, a valorização as que atribuem às diferentes
masculinidades, se refletem amplamente na forma de viver.
Além da mídia, outros espaços relacionais produzem processos
discursivos, possíveis tanto de produzir práticas de poder, quanto novos
saberes, sobre o estar no mundo como homem. Os símbolos produzidos na
contemporaneidade produzem diferenças enquanto linhas de fuga, para os já
fadados modelos de ser homem na contemporaneidade, ou ao mesmo tempo,
sustentam a produção da identidade, enquanto demarcação de fixações
normatizadas, nos modos de estar no mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões apresentadas por esta pesquisa de cunho bibliográfico
buscaram demonstrar o processo da identidade de masculinidade ao decorrer
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dos séculos, como um projeto construído e sustentado coletivamente em
contextos discursivos como a mídia, através dos tempos.
O homem é visto como bloco homogêneo, como sendo elemento
uniforme, intocável e imutável, tendo como compreensão seus atributos de
macho viril, como algo da natureza humana. Como consequência, agencia-se
não só á cristalização da dicotomia masculino-feminino, mas também a
impossibilidade de perceber as diferenças entre os modos de estar homem em
suas vivências.
A existência da masculinidade tende a ser vista como hegemônica e
dominante, o novo discurso da modernidade vem nos proporcionar a
possibilidade de olhar para o corpo hoje, entendendo este em relação à um
grande processo de construção de diferença identitária, descentralizando
padrões normativos construídos como formas de controle social e práticas de
desigualdade de gênero.
Nossa leitura vem considerar esse contexto e compreender as diferentes
formas de discursos sobre o corpo masculino, aonde supostamente vem sendo
problematizado como crise do “macho”. No nosso caminho, visualizamos esta
suposta crise como a produção de sujeitos que experimentam o corpo-
existência masculino em diferença, produzindo outros símbolos identitários, e
outras formas de configuração subjetiva. “Novos” homens se apresentam
constantemente mais vaidosos, cuidadores dos filhos, gourmet, metrossexuais,
nos dando a ver as linhas de fuga desse homem – macho – rude – provedor.
Se esta suposta crise for superada, a sociedade novamente criará um
jeito de capturar a diferença e normatizar este masculino, pois a tendência dos
modos de relação capitalística é justamente tornar o que é diferente, passível
de ser consumido e reproduzido, transformando a plasticidade da diferença, em
marcas rígidas de identidade.
REFÊRENCIAS BEIRAS, A. et.al. Gênero e Super-Heróis: o traçado do coro masculino pela norma. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p. 62-67, 2007.
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