O jornalismo diante das Fake News angela Pimenta apara identificar e promover um jornalismo di-gital...

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Fake News DESINFORMAÇÃO E CRISE DE CREDIBILIDADE FRANCISCO ROLFSEN BELDA E ANGELA PIMENTA A crise de desconfiança que atinge di- versas instituições da sociedade civil, em âmbito global, imprensa inclusa, ganhou impulso e visibilidade especial nos últimos anos com a popularização da expressão fake news. Mas se, à primeira vista, o termo pare- ce instigante para referir uma boa parte dos fenômenos contemporâneos da desinforma- ção, ou mesmo útil para ajudar a promover o necessário debate sobre o tema, o fato é que se trata de um rótulo impreciso. Primeiro, porque fake news é um termo contraditório. Afinal, se é notícia, não po- deria ser falsa. Pode ser, sim, fraudulenta, DOIS ESPECIALISTAS DA UNESP DISCUTEM AS NOTÍCIAS FALSAS: FENÔMENO NÃO É NOVO, MAS APESAR DAS INICIATIVAS PARA COMBATER A DESINFORMAÇÃO, MEDIDAS AINDA PARECEM DISTANTES DE ENCONTRAR UMA SOLUÇÃO O jornalismo diante das Fake News 14 UNESPCIÊNCIA | SETEMBRO 2018

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Fake News

DesiNFormação e crise De creDibiliDaDeFrancisco rolFsen Belda e

angela Pimenta

a crise de desconfiança que atinge di-versas instituições da sociedade civil,

em âmbito global, imprensa inclusa, ganhou impulso e visibilidade especial nos últimos anos com a popularização da expressão fake news. mas se, à primeira vista, o termo pare-ce instigante para referir uma boa parte dos fenômenos contemporâneos da desinforma-ção, ou mesmo útil para ajudar a promover o necessário debate sobre o tema, o fato é que se trata de um rótulo impreciso.

Primeiro, porque fake news é um termo contraditório. afinal, se é notícia, não po-deria ser falsa. Pode ser, sim, fraudulenta,

Dois especialistas Da UNesp DiscUtem as Notícias Falsas: FeNômeNo Não é Novo, mas apesar Das iNiciativas para combater a DesiNFormação, meDiDas aiNDa parecem DistaNtes De eNcoNtrar Uma solUção

O jornalismo diante das Fake News

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ou mesmo falsificada. ou pode estar errada, incorretamente apurada – e não é esse o pro-blema de que aqui se trata aqui. mas o rótulo é impreciso, principalmente, porque a ideia que carrega é ambígua e simplista demais para descrever o que está por trás das várias formas de engano – deliberado ou não – que pululam atualmente na internet, como estu-dos recentes têm apontado.

antes de conhecê-las, vale lembrar que não é nova a prática de falsificar relatos sobre acontecimentos de atualidade para difamar, caluniar ou confundir a opinião pública. es-se tipo de tática já foi usada, por exemplo, durante o império romano (para atacar o ge-neral marco antônio), na renascença italiana (para tentar influenciar o conclave que elegeu adriano Vi), na revolução Francesa (contra o conde de maurepas, do ministério do rei

luís XVi), além de ter ocupado divulgado-res da ciência no século 19 (que afirmaram haver vida na lua) e pelo nazismo no século 20 (na promoção da agenda hitlerista e do antissemitismo) [1].

ao buscarem uma taxonomia para o atual ecossistema da desinformação no meio digi-tal, os pesquisadores claire Wardle e Hossein derakhshan, autores de information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making [2], comparam o cenário de produção, difusão e consumo de lixo informativo na internet ao da poluição ambiental, e explicitam a natureza complexa e diversa desses conteúdos. de acordo com a classificação proposta pela dupla, há pelo menos sete tipos de isca a espreitar os inter-nautas ávidos por clicar em qualquer coisa que pareça informação na rede. são eles:

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1 Falsa conexão: quando manchetes, ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo2 Falso contexto: quando conteúdo ge-

nuíno é acompanhado de informação con-textual falsa3 Manipulação do contexto: quando in-

formação ou imagem genuína é manipulada para enganar 4 Sátira ou paródia: conteúdo sem in-

tenção de prejudicar, mas com potencial para enganar 5 Conteúdo enganoso: enquadramento

ilusório de informação real sobre algo ou alguém 6 Conteúdo impostor: quando fontes

genuínas são imitadas7 Conteúdo fabricado: completamente

falso, criado para ludibriar e prejudicar.

a rigor, informações fraudulentas – delibe-radamente falsificadas – se relacionam com este último tipo.

ainda segundo os autores do estudo, estes sete tipos de conteúdo que fomentam confu-são no meio digital podem ser separados em

duas grandes esferas interseccionadas. de um lado estão os conteúdos nitidamente falsos, ou baseados em informação incorreta, a que cor-respondem as classificações de falsa conexão e conteúdo enganoso. do outro lado estão os conteúdos nocivos, que podem ser chamadas de mal-informação e estão relacionada ao dolo, à intenção de agredir e causar dano, incluindo vazamentos, assédio e o discurso do ódio, fe-nômenos que geralmente extrapolam o campo jornalístico. no centro, ou na intersecção des-sas esferas, estaria a des-informação, corres-pondente às classificações de falso contexto, conteúdo impostor e conteúdo fabricado. (veja quadro acima)

mas se estes conteúdos fabricados, ou as chamadas fake news, são apenas um dos vá-rios elementos que compõem o ecossistema da desinformação, vale notar que eles tampouco devem ser tomados como fator isolado ao se considerarem as causas da crise de confiança que se projeta, atualmente, sobre o ambiente comunicacional da esfera pública. também concorrem nesse cenário uma série de outros fenômenos correlatos, e não menos preocu-pantes, que, em seu conjunto, contribuem

Fonte: Claire Wardle e Hossein Derakhshan. Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making.

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Desordem da Informação

FALSO

Informação Incorreta

Falsa Conexão

Conteúdo enganoso

Des-Informação

Falso Contexto

Conteúdo Impostor

Conteúdo Fabricado

mal-Informação

vazamentosAssédioDiscurso do ódio

NOCIvO

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para deteriorar o pacto que sustenta a relação entre os meios e a sociedade. ao se buscar as raízes da crise de credibilidade que ronda o jornalismo, encontra-se, muito mais até do que relatos pseudo-noticiosos deliberadamente falsos, fenômenos igualmente complexos, co-mo os seguintes:

• A fragmentação da notícia no meio di-gital: ao migrar das páginas impressas de jornais e revistas para as timelines das redes sociais, o conteúdo noticioso se mistura – e é frequentemente confundido – com o ruído digital• A desintermediação da notícia no am-biente da internet: possibilidade que fontes, sobretudo governamentais e/ou políticas, têm de evitar o escrutínio jornalístico através de seus canais diretos de comunicação, como perfis e contas em mídias sociais• A polarização política da sociedade brasileira: situada em campos ideológicos opostos e antagônicos, uma parte substan-cial do eleitorado tende a desacreditar de informações verdadeiras que prejudiquem seus aliados e/ou candidatos ou que bene-ficiem seus oponentes• O viés de confirmação: tendência natural que as pessoas têm de lembrar, interpretar ou pesquisar informações para confirmar crenças ou hipóteses iniciais. Uma das causas da po-larização política, o conceito de viés de confirmação foi cunhado pela dupla de psicólogos daniel Kahneman e amos tversky na década de 1970• Os filtros bolhas nas redes sociais (conceito cunhado pelo jornalista americano Eli Pari-ser por volta de 2010): confi-nadas às suas bolhas, as pessoas tendem a só se relacionar com quem pensa como elas, ignoran-do o discurso contraditório e a realidade fora de seu ambiente• Quando se trata da produção de notícias, o viés da confirma-

ção e os filtros bolhas também podem levar à apuração enviesada de informações – com sérios prejuízos para a integridade do conteúdo final• A precarização da profissão jornalística: em grande medida resultante do avanço da publicidade digital, a contínua crise finan-ceira dos veículos jornalísticos impressos têm causado cortes de vagas, achatamento salarial e a substituição nas redações de jornalistas mais velhos e mais bem pagos por repórteres mais jovens e inexperientes.• Outras deficiências no fazer jornalís-tico: tais como a falta de princípios éticos, o não cumprimento desses princípios por veículos que afirmam adotá-los e a falta de transparência em comunicá-los

Para ajudar a enfrentar o problema, lançamos, há cerca de dois anos, o projeto credibilida-de, como capítulo brasileiro do trust Project. idealizada pela pesquisadora norte-americana sally lehrman, da santa clara University, a iniciativa envolve aproximadamente cem orga-nizações jornalísticas em âmbito mundial. seu objetivo é desenvolver ferramentas e técnicas para identificar e promover um jornalismo di-gital confiável e de qualidade em meio digital.

Para isso, propõe um conjunto de indicadores de credibilidade a serem adotados por veículos interessados em distinguir seu conteúdo do ruído que, cada vez mais, concorre pela aten-ção dos leitores de notícias na internet.

esses indicadores envolvem, por exemplo, a observância de princípios éticos do jornalismo, transparência em relação a fontes de financiamento dos veículos, a diversidade da equipe editorial e das vozes representadas no discurso jornalístico, a identi-ficação de autoria dos textos e das imagens publicadas, a clara diferenciação entre conteúdos

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Francisco Rolfsen Belda, docente do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp.

Angela Pimenta, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo – Projor, mestre em Jornalismo pela Universidade Columbia (Nova York).

o projeto creDibiliDaDe propõe Um coNjUNto De iNDicaDores a serem aDotaDos por veícUlos iNteressaDos em DistiNgUir seU coNteúDo Do rUíDo qUe, caDa vez mais, coNcorre pela ateNção Dos leitores De Notícias Na iNterNet

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informativos, opinativos e publicitários, além da explicitação dos métodos de apuração de reportagens, a documentação de citações e re-ferências nos textos, sinais de geolocalização, possibilidade de contato entre os leitores e a redação, entre outros.

no Brasil, o projeto é coordenado por meio de uma parceria entre o instituto para o de-senvolvimento do Jornalismo – Projor e o Pro-grama de Pós-graduação em mídia e tecno-logia (PPgmit) da Faculdade de arquitetu-ra, artes e comunicação (Faac) da Unesp. seu consórcio de mídia conta com 18 veículos jornalísticos, de diferentes portes e regiões do país, além do apoio institucional da associação Brasileira de Jornalismo investigativo (abra-ji). google e Facebook patrocinam o projeto.

desde 2016, já foram realizadas uma pes-quisa com mais de 300 jornalistas e editores brasileiros, dois eventos com foco em design de usabilidade para a expressão do sistema de indicadores, além de diversas reuniões com representantes dos veículos que integram o consórcio de mídia, visando a implementação do protocolo de credibilidade. em paralelo, são mantidas atividades de educação midiática, com palestras e difusão de material informati-vo com o objetivo de conscientizar estudantes, educadores e comunicadores em relação aos fenômenos – e os riscos – da desinformação no meio digital.

nossa esperança é que este seja um traba-lho útil não apenas aos profissionais da área, mas a todos os que se interessam pelo jorna-lismo, sobretudo pela ligação umbilical entre a democracia e a produção de informações qualificadas que guiem decisões de interesse público. afinal, essa relação é crítica para a própria qualidade da democracia contempo-rânea, da qual o jornalismo e a credibilidade que lhe deveria ser intrínseca são, mais do nunca, um pilar fundamental.

[1] para uma história das chamadas notícias falsas, ver a linha do tempo publicada pelo international center for journalists e também o artigo the true story of fake news, do historiador robert Darnton:

julie posetti and alice matthews. a short guide to the history of ‘fake news’ and disinformation. icFj, 2018. Disponível em: <https://goo.gl/qN95W6>.

robert Darnton. the true History of Fake News. the New York times review of books. February 13, 2017. Disponível em: <https://goo.gl/Xqwngr>.

[2] claire Wardle e Hossein Derakhshan. information Disorder – toward an interdisciplinary framework for research and policy making. council of europe report. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/UzYWm8>.

PArA SAbEr mAIS, vISItE: <www.manualdacredibilidade.com.br>.

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DeNUNciar Notícias Falsas aiNDa Não é tUDo, iNFelizmeNtedanilo rotHBerg

a rede social online mais popular atual-mente no ocidente anunciou em abril

de 2018 os alegados avanços em torno de seu denominado “programa de verificação de fa-tos” no Brasil. agências de checagem de in-formações foram escolhidas como parceiras, e seus vereditos devem passar a influenciar a lógica da rede a fim de desacelerar a propaga-ção do que for detectado como não “verdadei-ro”. muitos otimistas viram na novidade um indício de que a internet poderia começar a ser desinfetada dos trapaceiros da informa-ção. ainda mais porque o tal programa foi duramente criticado por fontes sabidamente difusoras das mais grosseiras invenções, muito embora sejam capazes de mobilizar dezenas de milhares, tanto virtualmente quanto nas ruas, com o pretexto de criar um país “livre”. se tais fontes se sentiram ameaçadas pelo tal programa, ele só poderia ser muito bom. certo?

não necessariamente. isso porque a contro-vérsia em torno das notícias falsas e das for-mas de combatê-las raramente tem superado o senso comum em relação a dois aspectos: primeiro, o de que as agências de verificação de fatos seriam sempre confiáveis e, seus cri-térios, absolutos; e, segundo, o de que seria possível traçar linhas definitivas entre o “ver-dadeiro” e o “falso”. essas crenças comuns precisam ser questionadas, mas a rede social e os entusiastas de seu programa de verificação não parecem muito propensos a isso.

em relação ao primeiro aspecto, a confia-bilidade das agências, cabe indicar que a elas também deve ser aplicado o clássico preceito de crítica de mídia dirigido ao jornalismo in-dustrial, segundo o qual uma característica básica das notícias é sua seletividade, obscu-recida pela imagem da isenção. ou seja, o foco de denúncias, enquadramentos críticos e do jornalismo alegadamente investigativo costuma ser construído preferencialmente em direção

Danilo Rothberg é professor do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac) da Unesp.©

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aos personagens e setores não alinhados com os interesses das empresas de mídia, de base econômica ou política, enquanto os costumes desabonadores de apadrinhados tendem a rece-ber menos atenção. mas as práticas editoriais seletivas são convenientemente revestidas pelo usual discurso de marketing empregado pelo jornalismo comercial para ganhar credibilidade, que promete entregar uma cobertura aparti-dária e luta para manter invisíveis os critérios de produção de notícias e alvos preferenciais.

ora, as agências de checagem ainda pre-cisam provar que não operam, furtivamen-te, com uma similar seletividade, escolhendo aqui e ali seus alvos, enquanto ignoram ou são condescendentes com outros. em seu favor, podemos notar que muitas parecem ter per-cebido que o desafio não é insignificante, e se declaram associadas a uma rede internacional de iniciativas engajadas na verificação de fa-tos, fundada por renomado instituto de ensino e pesquisa em jornalismo. os associados (48 de todo o planeta, até este momento) devem adotar um código de conduta e compromis-sos com cânones tradicionais do jornalismo, incluindo apartidarismo, equidade, transpa-rência sobre metodologias e financiadores

(mais em <https://bit.ly/2wvy0KB>).aqui começamos a notar a complexidade

do desafio posto aos checadores de fatos. a dificuldade de o jornalismo industrial sustentar sua independência editorial é, provavelmente, uma das maiores ameaças à democracia em toda a parte, reconhecida dentro da academia e fora dela, à esquerda e à direita. do ponto de vista teórico, admite-se ser improvável a conquista de independência em patamares satisfatórios. as diversas linhas de estudo cien-tífico das rotinas de produção da notícia como produto à venda tendem a convergir para a ne-gação da própria possibilidade de autonomia. e, no âmbito das pesquisas sobre as práticas profissionais, a teoria tem sido corroborada. daí ter nascido, em muitos países da europa ocidental, o serviço público de radiodifusão e jornalismo, a exemplo da BBc, uma aposta das democracias para remediar as insuficiên-cias do jornalismo comercial. É verdade que a crise contemporânea de credibilidade tanto do jornalismo quanto da democracia não pou-pou os países europeus e nem seu jornalismo como serviço público, mas há evidências de que por lá a informação jornalística produzida com recursos públicos tem se saído melhor na

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busca pela confiança de quem ainda se interes-sa por ler notícias e não restringe sua internet às redes sociais.

se o próprio jornalismo tem dificuldade em assegurar sua independência, tanto em sua conduta efetiva quanto aos olhos do público, o que dizer das agências incumbidas justamente de verificar se as notícias entregam o que foi prometido pelas empresas de mídia? são em-presas que, não por coincidência, têm abraça-do alegremente parcerias com tais agências e submetido seu produto à checagem controlada por elas. Há um longo caminho a percorrer.

os pedregulhos desse caminho nos levam ao segundo aspecto enunciado acima, o de que seria possível às agências de checagem traçar linhas definitivas entre o ‘verdadeiro’ e o ‘falso’. ironicamente, nem elas pretendem chegar a tanto. a renúncia das agências à usual meta profissional de objetividade poderia ser tran-quilizadora, mas as metodologias que praticam são bastante perturbadoras. Vejamos.

a agência de checagem aos fatos classifica as notícias com os selos ‘verdadeiro’, ‘impreciso’, ‘exagerado’, ‘falso’, ‘insustentável’ e ‘contradi-tório’. a lupa utiliza os rótulos ‘falso’, ‘contra-ditório’, ‘verdadeiro’, ‘ainda é cedo para dizer’, ‘exagerado’, ‘insustentável’, ‘verdadeiro, mas’ e ‘de olho’. Já a Pública emprega ‘verdadeiro’, ‘sem contexto’, ‘contraditório’, ‘discutível’, ‘exa-gerado’, ‘distorcido’, ‘impossível provar’ e ‘falso’.

não é preciso ser especialista na área para, no mínimo, apreciar tais classificações com es-tranhamento, por sua falta de objetividade. e uma rápida olhada comparativa nos resultados das verificações indica contradições impor-tantes. não raro, uma mesma linha, proferi-da por político ou candidato frequentador de primeiras páginas, é classificada de maneira diferente entre as agências. esta insuficiência das práticas de verificação de informações tem levado muitos a aumentar sua desconfiança em relação à indústria jornalística, agora adicio-nando as agências de checagem como parte do problema.

obviamente, não cabe aqui a pretensão de resolver esse imbróglio. mas não fará mal revi-

sar preceitos da sociologia do jornalismo úteis no contexto, em particular quando alimentam as práticas de crítica de mídia.

na crítica de mídia especializada, é comum apontar, como compromissos do jornalismo na condição de comunicação pública e democrá-tica, a conformidade com exigências de con-textualização, equilíbrio e pluralidade. esta última pode ser chamada de imparcialidade, palavra de uso tão controverso no Brasil, mas ponto pacífico entre as guias de conduta edi-torial da BBc, nas quais ela significa apenas

o dever ético-profissional de apresentar, com acurácia e equidade, as diversas perspectivas em jogo em determinado fato ou acontecimento.

embora alguns dos rótulos empregados pelas agências de checagem até possam se relacionar indiretamente às exigências de contextualiza-ção, equilíbrio e pluralidade, seu uso não tem sugerido preocupação com um enfrentamento sério de tais requisitos. talvez porque enfrentá-los poderia colocar em questão o modo como ocorrem os julgamentos sobre o que é ou não notícia e como deve ser noticiado, que estão exatamente no âmbito das práticas editoriais seletivas. isto é, parece fácil a uma agência verificar se um número está correto ou não, mas é difícil apontar quais números deveriam ser sustentados por perspectivas concorrentes, a fim de compor a pluralidade necessária. is-to exigiria, além de independência editorial, conhecimento nem sempre existente entre os recursos humanos disponíveis. a verificação de fatos não tem entrado nesse domínio, e por isso as agências ainda precisam avançar para serem reconhecidas como parte da solução para a crise de credibilidade do jornalismo e da democracia.

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