O Iluminismo

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O Iluminismo; Uma breve análise baseada em Paul Hazard A chamada Idade Moderna preparou uma grande ruptura com o mundo antigo. Tal ruptura se foi preparando desde o século XIV, conduzindo desdobramentos até a Revolução Francesa . Paul Hazard (1878-1944), historiador e ensaísta francês, membro da Academia Francesa , devotou-se, entre outras coisas, a estudar o Iluminismo sob uma perspectiva crítica. Segundo ele, a ruptura mencionada não se fez como simples acontecimento histórico, à maneira de um penhasco que se desprende casualmente da montanha. Representa, mais precisamente, uma energia propulsora que vinha sendo formada e represada por bom período de tempo. A seguir, sumarizo alguns dos pilares do Iluminismo em sua ruptura com o mundo antigo, com base na leitura de dois livros de Hazard: Uma Nova Luz A revolução política veio precedida por umarevolução ideológica, uma verdadeira subversão do pensamento. O Iluminismo expressava uma autoconsciência específica que brota da fé no poder do intelecto — uma corrente filosófica que tem suas origens em Descartes. O homem se coloca sobre a própria cabeça, isto é, sobre o pensamento, e busca estruturar a realidade de acordo com o mesmo. Na sua interpretação daquele momento, Engels diz que “a comunidade europeia despertou da prolongada letargia invernal da Idade Média cristã”. A Razão, para o iluminista, é uma audácia crítica, que declara guerra a toda a tradição, rejeita como preconceitos todas as opiniões anteriores, põe em dúvida conceitos até então por todos admitidos e acha indizível prazer num jogo interminável entre prós e contras. Esta nova autoconsciência já se manifesta na qualidade orgulhosa que a si mesmos se dão: “Luz” — “la lumiére” —, empregada até, geralmente, no plural: “les lumiéres”, “já que não se trata apenas de um só raio de luz, mas de todo um feixe de raios, que projetou sua luz sobre as densas nuvens sombrias que jaziam sobre a terra”. Estes filósofos viam-se como tendo ascendido, eles mesmos, ao brilho que lhes alumiou os olhos. E estas “lumiéres” infundiam temores nos supersticiosos e nos impostores. Finalmente brilharam as luzes! Estas luzes emanavam das leis supremas da razão. A filosofia avançava a passos gigantes! E eles, filhos do século, eram os “ilustrados”, alumiados. Estes raios

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O Iluminismo; Uma breve anlise baseada emPaul Hazard A chamada Idade Moderna preparou uma grande ruptura com o mundo antigo. Tal ruptura se foi preparando desde o sculo !I"# conduzindo desdobramentos at a Revoluo Francesa. Paul Hazard $%&'&(%)**+# historiador e ensa,sta franc-s# membro da Academia Francesa# devotou(se# entre outras coisas# a estudar o Iluminismo sob uma perspectiva cr,tica..egundo ele# a ruptura mencionada n/o se fez como simples acontecimento hist0rico# 1 maneira de um penhasco 2ue se desprende casualmente da montanha. 3epresenta# mais precisamente# uma energia propulsora 2ue vinha sendo formada e represada por bom per,odo de tempo.A seguir# sumarizo alguns dos pilares do Iluminismo em sua ruptura com o mundo antigo# com base na leitura de dois livros de Hazard4Uma Nova LuzA revolu5/o pol,tica veio precedida por umarevoluo ideolgica# uma verdadeira subvers/o do pensamento. O Iluminismo e6pressava uma autoconsci-ncia espec,fica 2ue brota da f no poder do intelecto 7 uma corrente filos0fica 2ue tem suas origens em 8escartes. O homem se coloca sobre a pr0pria cabe5a# isto # sobre o pensamento# e busca estruturar a realidade de acordo como mesmo. 9a sua interpreta5/o da2uele momento# :ngels diz 2ue ;a comunidade europeia despertou da prolongada letargia invernal da Idade eita como preconceitos todas as opini?es anteriores# p?e em d@vida conceitos at ent/o por todos admitidos e acha indiz,vel prazer num >ogo interminvel entre pr0s e contras.:sta nova autoconsci-ncia > se manifesta na 2ualidade orgulhosa 2ue a si mesmos se d/o4 ;Auz=7 ;la lumire= 7# empregada at# geralmente# no plural4 ;les lumires=# ;> 2ue n/o se trata apenas de um s0 raio de luz# mas de todo um fei6e de raios# 2ue pro>etou sua luz sobre as densas nuvens sombrias 2ue >aziam sobre a terra=. :stes fil0sofos viam(se como tendo ascendido# eles mesmos# ao brilho 2ue lhes alumiou os olhos. : estas ;lumires= infundiam temores nos supersticiosos e nos impostores. Binalmente brilharam as luzesC :stas luzes emanavam das leis supremas da raz/o. A filosofia avan5ava a passos gigantesC : eles# filhos do sculo# eram os ;ilustrados=# alumiados. :stes raios luminosos eram as tochas# os far0is# cu>o resplendor guiava os homens em seu pensar e agir. :ram eles a aurora precursora do dia# eram o pr0prio dia e o sol. Hazard descreve bem como se apercebiam os fil0sofos ilustrados4Antes que luzissem, os homens tinham andado extraviados, porque, cercados de oscuridade ede trevas, tiveram que viver no meio dos nevoeiros e das nuvens da ignor!ncia, que lhes ocultavam o reto caminho" # que lhes haviam vendado os olhos" $s pais tinham sido cegos, mas agora os %ilhos haveriam se ser %ilhos da luz".e no :vangelho de Do/o# o "erbo $logos+ divino era a luz# agora# a raz/o humana recm(descobertao &ogos. :la;a luz do mundo=. O homem torna(se# de novo# a medida de todas as coisas.A orgulhosa f na raz/o humana levou 1 f na ci-ncia como obra sua# principalmente nas ci-ncias naturais# 2ue# com o au6,lio da matemtica# fi6aram as &eis da 'atureza. O caminho doprogresso era a tcnica moderna 2ue permitia o dom,nio da 9atureza. Ehegou(se ao ponto de acreditar 2ue da nova ci-ncia se podia esperar simplesmente tudo. Eom sua a>uda sonharam poder calcular# afetar e dirigir o curso do mundo. A ci-ncia deveria constituir(se a base e a condi5/o prvia para toda a espcie de atividades; nada devia ser feito por vias n/o cient,ficas.Assim a ci-ncia chegou a ocupar o posto 2ue ocupara a religi/o# desde 2ue h mem0ria de homens. Boi# na realidade# uma ;nova religi/o=# 2ue criaram a2ueles 2ue combatiam toda supersti5/o e toda restri5/o 1 liberdade humana. Branz .chnabel escreve4(ma igre)a que tinha seus crentes e seu dogma, seus sect*rios e seus m*rtires, que no Iluminismo tinha sua maior propaganda, que velava pela conservao da pureza das doutrinas, das c*tedras e das iliotecas e que, tanto na Revoluo Francesa como no olchevismo russo, levara a ditadura a mais rigorosa coao das consci+ncias e , pena capitalpara os -hereges."Uma Nova F9o Iluminismo# o indiv,duo con2uistou para si um espa5o livre de pensar e crer. O homem ilustrado tem f no poder da raz/o. :sta raz/o# 2uee2uiparada 1 9atureza#adorada como ente supremo. A antiga ordem social devia perecer. :m seu lugar# o :ngenheiro da Humanidade# a 3az/o# erguer sobre as ru,nas arrasadas do antigo# o novo edif,cio.O iluminismo chocou(se com uma f em 8eus. Instaurou(se um processo sem precedentes# o processo contra 8eus. Tanto o 8eus dos cat0licos 2uanto o 8eus dos protestantes# por2ue o ru era o 8eus dos crist/os. A luta revolucionria era# de fato# contra 8eus# o clero# a nobreza e a monar2uia. .e temos como norma suprema e imutvel a ;natureza=# ou ent/o# a ;raz/o=# dispensa(se um 8eus# 2ue s0 pode entrar em cena como dspota e tirano divino. O protesto dirige(se tanto contra o despotismo divino como contra os dspotas humanos. 9um mundo inteiramente racionalizado# no 2ual tudo procede de acordo com as leis naturais# um 8eus arbitrrio constitui# apenas# um fator perturbat0rio. O ilustrado franc-s# Holbach# ;n/o 2ueria saber mais nada= desse 8eus. :le sonha com um reino da raz/o# com uma felicidade universal. Adora a liberdade# 2ue a raz/o# com a luz matutina# ir introduzir na sociedade.O ;problema de 8eus=# para Holbach#simples assunto do interesse humano. A religi/otratada como um preconceito# o mais enraizado e criminoso de todos os preconceitos. .e os homens se submetiam aos dspotas#por2ue >amais tiveram a raz/o como guia. As religi?es e sua influ-ncia sobre os governos s/o os promotores de toda a desgra5a.Para Holbach 7 tanto 2uanto para Beuerbach mais tarde 7 ;2uando o homem adora a 8eus# adora a si mesmo=. F o homem 2ue se dei6a levar mais pelas pai6?es do 2ue pelo intelecto# apegando(se a ilus?es sacralizadas.Foi o desconhecimento das causas naturais que criou os deuses" A %raude dos sacerdotes %+/los tem0veis" 1ncheu/lhe o esp0rito de quimeras e entravou os progressos da razo, impedindo/lhe de procurar sua %elicidade" $ medo reduziu/o a escravo daqueles que o iludiram so o pretextode aux0lio" $ homem passou a viver in%eliz, e )amais se arriscava a en%rentar os seus deuses, ouliertar/se de seus grilh2es"Para "oltaire# as religi?es dogmticas s/o barreiras ao progresso. .egundo a concep5/o de,stica de "oltaire# 8eus abandonou o dom,nio sobre a Hist0ria. :mbora ainda reine# > n/o intervm nela com seu governo. Por isso# afirma ele# o pr0prio homem deve encarregar(se de melhorar as rela5?es humanas por meio de sua raz/o# remediar a ignorGncia e tornar os homens melhores e mais felizes. "oltaire considera a Igre>a# 2ue finge representar a autoridade do 8eus vivo entre os homens# como o inimigo n@mero um do Iluminismo.:m rigor# "oltaire n/o era um ateu# mas rebai6a 8eus. :le gostava de mostrar(se como ;devoto perante a 9atureza=# como algum 2ue# impressionado pelo espetculo dela# rende gl0ria a 8eus# contemplando(a# estudando(a. "oltaire# assim como 8iderot# dHAlembert# Holbach e Helvetius# buscava a destrui5/o das antigas sociedades# seus preconceitos e abusos. F ele o tipo do ;iluminado= autoconsciente e individualista# 2ue se >ulga superior a todo o passado e para cu>o sarcasmo nada de santo e6iste. Eom todo refinamento de uma forma5/o literria superior# com o resplendor e elegGncia de um escritor divertido# desferia golpes contra as cren5as tradicionais. :sses golpes propagavam(se 1 semelhan5a dos tremores de um terremoto# destruindo a f nos cora5?es. Iuando n/o refuta# ridiculariza. ;O rid,culo estraga tudo. F a mais poderosa das minhas armas=# escrevia a dHAlembert. :le sabia mane>ar tal arma# brandindo(a com a mais grosseira zombaria. O poeta Briedrich .chiller retratou fielmente nos seus versos43escrendo dos an)os e de 3eus$ mote)o move eterna guerra ao 4elo5Apraz ao mundo denegrir o que resplende1 reaixar o sulime"6uerreando a iluso mas vulnerando a %7uer rouar ao corao seus tesouros"9o af/ de ani2uilar a f religiosa do povo# o Iluminismo obteve na Bran5a um grande -6ito. A religi/o sentiu profundamente os golpes dos livres(pensadores. Os >ovens gloriavam(se de sua irreligiosidade# convencidos 2ue assim demonstravam talento. At mesmo muitos clrigos# sendo alvo geral das zombarias# preferiram simplesmente acompanhar os uivos dos lobos livres(pensadores. :m %'JK algum escrevia4 ;A nossa na5/o neste sculobem mais ilustrada 2ue no tempo de Autero# avan5ar tambm mais e sacudir de si todos os sacerdotes# revela5?es e mistrios=. 9a poca da 3evolu5/o Brancesa# a sociedadeconduzida a apartar(se do Eristianismo.O 2ue se percebe# nesta gera5/o#a manifesta5/o de ressentimento contra 8eus# 2ue ;fracassou no governo do mundo=. Os materialistas franceses guilhotinaram a 8eus antes do 3ei# impulsionados pelo dese>o de reestruturar racionalmente o mundo e a vida.Uma Nova tica9a filosofia material,stica do sculo !"III# uma filosofia revolucionria# os fil0sofos da nova poca procuram# antes de mais nada# romper a ;alian5a= da moral com a religi/o. Os homens sem a a>uda do alto e por si mesmos s/o capazes de saber o 2uea virtude. A revela5/o ou comunica5/o de 8eus com os homensdispensvel# uma vez 2ue os homens# por natureza# sabem o 2ueo v,cio e virtude. : se basta a raz/o para apontar ao homem os seus deveres# a filosofia passa a ocupar o posto da teologia tradicional. .egundo Lant# o progresso da Humanidade# no seu curso de aperfei5oamento# encontra uma predisposi5/o moral 2ue tem suas ra,zes na natureza racional do homem. .egundo o ;ilustrado= franc-s Holbach# todas as leismorais se baseiam na ;raz/o=.Assim# o Iluminismo procurou e6trair o essencial de todas as religi?es do mundo e da hist0ria universal# para resumi(los em alguns poucos princ,pios universais. .omente eles se consideravam ar2uitetos# 2ue conhecem os princ,pios da 3az/o# da 9atureza e dos direitos humanos# princ,pios simples e fecundos# 2ue est/o ao alcance de todos e dos 2uais s0 precisam tirar as conse2M-ncias# para em lugar das velhas e feias constru5?es do passado colocar o magn,fico edif,cio do porvir. Palavras como ;liberdade# ;>usti5a=# ;bem p@blico= e ;dignidade humana= fascinavam grandemente# e podiam ser buscadas e defendidas sem 2ual2uer necessidade da religi/o. Por outro lado# come5aram tambm a se apresentar muito vagasCO supremo princ,pio da usto# determinado pela "ontade Peral. A isto se pode e deve o indiv,duo ser coagido# sempre 2ue necessrio. Pois 2uem n/o obedece 1 "ontade Peral# recusa obedi-ncia 1 parte melhor de si mesmo e se revela assim como escravo. A "ontade Peral tenciona o bem comum# e visa 1 liberdade do homem# pois na "ontade Peral o homem obedece somente a si mesmo e n/o a umaautoridade estranha. :le mesmo# >unto com os demais cidad/os# consentem render sua pr0pria vontade 1 "ontade Peral. A "ontade Peral # acima de tudo# e6press/o da raz/o universal4o novo deus. :la materializa o :stado em 2ue o povo tomou o lugar de 8eus. O :stadofruto do contrato social dos novos crentes na deusa 3az/o.O novo culto 1 3az/o foi acolhido entusiasticamente. :sperava(se dele uma ordem essencialmente nova# o advento de um estado paradis,aco e ideal da natureza. Para alcan5ar tal reino# tornou(se necessrio a2uilo 2ue no in,cio fora solenemente proscrito4 a pena de morte. Havendo aderido incondicionalmente a tal princ,pio absoluto# em aten5/o a esse princ,pio# eles tomavam a srio todos os abusos 2ue se revelassem contrrios. Assim# a religi/o 2ue identificavaa 9atureza com a 3az/o levou logicamente ao espetculo da guilhotina.9o Ancien Rgime o direito divino foi invocado em favor do despotismo. : a Igre>a apoiou servilmente esta pretens/o. O rei apresentava(se aos olhos do povo como encarregado por 8eus para neg0cios divinos no mundo. :ra o absolutismo. O 3ei era a Aei. Agora a "ontade Peralo novo 8eus# 2ue inspira a assemblia para legislar e condenar o rei 1 morte. 8esta forma# a condena5/o do rei marca uma nova encruzilhada na Hist0ria4 simboliza muito apropriadamenteo in,cio da poca atual. A e6ecu5/o do reiQ89: simolizava a investida contra aquela histria e a despersoni%icao do 3eus cristo" ;e no asolutismo, de%endia/se que 3eus intervinha na