O Gênio Do Crime

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Coleção para a juventude, organizada pela Prof." Yolanda Cerquinho Prado J. C. MARINHO SILVA O GÊNIO DO CRIME EDITORA BRASILIENSE 1969 Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar oacesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade deconhecerem novas obras.Se quiser outros títulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será umprazer recebê-lo em nosso grupo. ERA um mês de outubro em São Paulo, tempo de flores e dias nem muito quentes nem muito frios, e a criançada só falava no concurso das figurinhas de futebol. Deu mania, mania forte, dessas que ficam comichando o dia inteiro na cabeça da gente e não deixa pensar em mais nada. Quem enchia o álbum ganhava prêmios bons e a turma jogava abafa pela cidade: São Paulo estava de cócoras, batendo e virando. Batia-se de concha, de mão mole, de quina, com efeito, de mão dura, conforme o tamanho do bolo, o jeito do chão e o personalíssimo estilo de cada um. Na Escola Primária Três Bandeiras, o sino anunciou o recreio e o Edmundo saiu voando

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Seu Tomé é um homem bom, proprietário de uma fábrica de figurinhas de futebol. Existem as fáceis e as difíceis, fabricadas em menor quantidade. Quem enche o álbum ganha prêmios realmente bons. Mas surge uma fábrica clandestina que fabrica as figurinhas difíceis e as vende livremente. O número de álbuns cheios aumenta e seu Tomé não tem mais capacidade de dar todos os prêmios. Há uma revolta, as crianças querem quebrar a fábrica. Edmundo, Pituca e Bolachão, e mais adiante, Berenice, entram em cena para descobrir a fábrica clandestina. Acontece que não se trata de simples bandidos, a quadrilha é chefiada por um gênio do crime, e os meninos terão de botar a cabeça para funcionar se quiserem resolver a situação.

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Coleo para a juventude, organizada pela Prof." Yolanda Cerquinho PradoJ. C. MARINHO SILVAO GNIO DO CRIMEEDITORA BRASILIENSE1969Este livro foi digitalizado e distribudo GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a inteno de facilitar oacesso ao conhecimento a quem no pode pagar e tambm proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade deconhecerem novas obras.Se quiser outros ttulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, ser umprazer receb-lo em nosso grupo.

ERA um ms de outubro em So Paulo, tempo de flores e dias nem muito quentes nemmuito frios, e a crianada s falava no concurso das figurinhas de futebol.Deu mania, mania forte, dessas que ficam comichando o dia inteiro na cabea da gente eno deixa pensar em mais nada. Quem enchia o lbum ganhava prmios bons e a turmajogava abafa pela cidade: So Paulo estava de ccoras, batendo e virando. Batia-se deconcha, de mo mole, de quina, com efeito, de mo dura, conforme o tamanho do bolo, o jeitodo cho e o personalssimo estilo de cada um.Na Escola Primria Trs Bandeiras, o sino anunciou o recreio e o Edmundo saiu voandoda classe para encontrar o Pituca no ptio. Os dois estudavam no admisso, mas o Edmundoestava no 5. ano A e o Pituca no 5. ano B e no tinham podido conversar ainda naquelamanh. Edmundo estava aflito; faz dois meses que s faltava o Rivelino para encher o lbum epoder ir l na fbrica receber o prmio. Tinha comprado toneladas de envelopinhos e oRivelino no saa, virou a cidade nos abafas at de Vila Matilde e do Tucuruvi e, num dia, foinum treino do Corinthians falar com o prprio Rivelino. 0 jogador riu muito e respondeu que eletambm colecionava e no achava jeito de encontrar a figura dele mesmo. O Paulo Borgesestava do lado e brincou: Olha menino, ns pegamos o Rivelino e colamos as costas dele a no quadrado vaziodo lbum. Depois levamos na fbrica e quero ver!O velho Dino Sani rematou: Fica quieto Paulo, voc figurinha fcil, no tem que dar palpite.Os jogadores fizeram uma poro de trocadilhos e gozaes, Edmundo se divertiu, mas voltoupara casa sem resolver o problema. Finalmente o Pituca veio com a novidade: disseram a eleque no Largo de So Bento tinha um cambista que vendia as figurinhas abertas; o fulanoencomendava a figurinha que queria e no dia seguinte o cambista trazia. Custava caro, masera garantido. Edmundo quis ir no mesmo dia, porm tinha morrido um tio e o enterro serianaquela tarde, da ter dado o dinheiro para o Pituca encomendar.O enterro foi chatssimo, Edmundo s pensava no Rivelino, e teve que agentar um discursode beira de cova que durou uma hora, dum parente que tinha a mania de fazer discurso emfesta de aniversrio e casamento.Na hora da janta telefonou ao Pituca e o telefone estava enguiado; quis ir l mas a me nodeixou porque no outro dia tinha sabatina. Para facilitar a decorao dos nomes Edmundocostumava formar times de futebol, que um sistema muito bom e chama mnemotcnica. Asabatina era sobre o Amazonas e seus afluentes e Edmundo escalou uma linha de ataqueformada por Juru, Purus, Madeira, Tapajs e o Xingu na ponta esquerda, mas a imaginaodele estava longe e confundia as coisas: o jogo foi interrompido no meio porque os inglesesroubaram a bola de borracha e Rivelino toda hora entrava no lugar do Tapajs e metia um golna Inglaterra. Ia tirar zero, no tinha jeito, mas o importante mesmo era que o Pituca trouxesseo Riva.Encontrou o Pituca risonho, embaixo do abacateiro do ptio. Como , encomendou o Rivelino? Tive sorte, nem precisou encomendar para amanh. Tinha sobrado um, de um cliente queno veio buscar e comprei na hora. Est aqui. Iupi! Edmundo deu um pulo. Tirou o lbum da bolsa e queria colar imediatamente afigurinha. Pituca explicou que o diretor tinha proibido a secretria de emprestar cola aosalunos, depois que o Ricardo colou os cabelos da Ceclia, que sentava na frente. Essa no disse o Edmundo. Se no colar agora estouro! Vamos dar um jeito.Nisso o Bolacho se aproximou com aquela cara redonda e o modo costumeiro de quemnunca fica triste nem alegre. Bolacha! Vem c, quem sabe me ds uma idia. Quero colar o Rivelino e no emprestammais cola.O gordo sempre comia a merenda durante as duas primeiras aulas e andava procura do quemastigar no recreio. Interessou-se no problema. A idia eu tenho, s que no dou. Vendo. J sei, pelo meu lanche. Toma aqui e disimbucha.0 gordo pegou o sanduche, comeu, e sem dizer isso, saiu trotando as banhas e enfiou-se nocorredor. Dali a pouco estava de volta, mas com nada na mo. Como Bolacha? Cad a cola?O gordo mostrou o dedo polegar, besuntado de amarelo. Tinha pedido uma explicao para asecretria e quando a mulher virou as costas, ele mergulhou o dedo no vidro. Edmundo deuuma gargalhada, passou as costas da figurinha no dedo do gordo e colou no lbum. Passou oleno em volta para tirar o espirro da cola, centralizou, ajeitou mais um pouco e bateu palmas.O lbum estava cheio. Agora s faltava ir l na fbrica buscar o prmio: uma bola nmero trse um completo jogo de camisas, tamanho infantil, do time que se escolhesse.......DEPOIS da aula Edmundo e Pituca foram direto para a fbrica, sem nem pensar em almoo.Tomaram o nibus e desceram numa praa onde perguntaram ao sorveteiro se sabia o lugarda fbrica. 0 sorveteiro no sabia, mas trs meninos, que jogavam abafa na calada ali perto,sabiam e se ofereceram para levar Edmundo e Pituca. No caminho foram conversando. Voc vai escolher que camisa? Corinthians. E depois que entregam o prmio, eles ficam com o lbum? No. Tem um velhinho que carimba todas as figurinhas e devolve o lbum pra gente. Bacana o lbum cheio, n? Vocs encheram de sociedade? s meu. O Pituca tem o dele mas faltam quatro figurinhas.Quando quebraram a terceira esquina apareceu a placa vermelha e amarela: FBRICA DE FIGURINHAS ESCANTEIO Era um prdio velho de dois andares com jardim na frente e um porto de ferro. O jardimestava um ajuntamento de crianas, para mais de cem, e os ares delas era de gente muitocontrariada. Edmundo puxou conversa, numa rodinha, e ficou sabendo que a fbrica tinhaparado de entregar os prmios. At quinze dias antes estava entregando normalmente, mas aparou e sempre que algum ia com lbum cheio se desculpavam e mandavam voltar nasemana que vem, que iam comprar nova remessa de prmios e outras desculpas.Um pequinininho sentado na grama pingava lgrimas em cima do lbum, um grandodescabelado ia de rodinha em rodinha, para discutir e gesticular muito, e a raiva deles era togrande que a gente quase que podia ver ela parada no ar, como uma nuvem. A raiva estava noponto de estourar e estourou mesmo, na hora que o descabelado pegou numa pedra e tacouna vidraa do prdio; foi uma corrida que parecia formigueiro cutucado, a molecada seespalhou eltrica no jardim, procurando onde tinha pedras, e comearam o bombardeio emcima da fbrica. No sobrou vidraa nenhuma, xingavam o dono de ladro, arrancavam asplantas das razes e jogaram a lata do lixo no meio da rua e quem teve a idia de jogar a latana rua foi o Pituca.Trs operrios saram l de dentro, para enfrentar a revoluo, mas logo um levou umabodocada no nariz, de espichar sangue chafariz, e os dois, mais o do nariz, deram meia-voltarpido e se entocaram de onde tinham sado.Raiva raiva, quando a gente est sozinho e tem raiva grande, ningum segura, quanto maisnum bando ajuntado de mais de cem; resolveram botar fogo na fbrica, porque no tinha maisvidraa de quebrar e nem planta de arrancar. No poro tinha uma poro de pilhas de papel,dessas de imprimir figurinhas, e jogaram querosene em cima e iam botar fogo. Foi nisso queEdmundo subiu na pequena escada da varanda e falou: Acho besteira fazer incndio; que que adianta? O melhor ir na polcia denunciar essecara. capaz da polcia obrigar ele a dar os prmios.Uns no gostaram e jogaram pedras no Edmundo e o chamaram de marica e de molide, masteve um guri que gritou forte: Ele t certo! Meu pai advogado. Vamos l que ele resolve.Pararam um pouco para pensar, discutiram e resolveram ir no advogado. Aquela turminha delbum na mo encheu dois nibus e foram parar na Rua Baro de Itapetininga, subiram nodcimo quinto andar dum arranha-cu e o que coube entrou na sala do advogado, o restoficando na sala de espera e pelo corredor. Contaram o caso e o advogado falou: A Fbrica de Figurinhas Escanteio prometeu um prmio a quem enchesse o lbum; vocsencheram e ela tem que cumprir a promessa. A lei obriga as pessoas a cumprirem o queprometem. Vou fazer uma petio ao juiz; deixem seus nomes e endereos com minhasecretria.Da a cinco dias todos receberam uma cartinha, marcando hora para se reunirem no escritrio. disse o advogado. 0 caso est resolvido. Logo que o dono da fbrica soube que iaser denunciado, veio aqui e falou que os prmios esto disposio de vocs. Podem irbuscar.A turma do Edmundo festejou o uniforme do Corinthians, dando uma goleada no time da outrarua: 7 a 1. Convidaram o advogado, que deu o simblico pontap inicial.EDMUNDO, desa aqui em baixo que tem visita para voc. Era a voz do pai. Edmundo fechou o caderno de portugus, trocou o chinelo pelo sapato edesceu escorregado pelo corrimo. Boas noites, meu bom menino.Quem cumprimentou foi um senhor baixo, gordo, sentado no sof e que fumava um charutocomprido. Edmundo no conhecia. Sou o seu Tom, dono da Fbrica de Figurinhas Escanteio. Descobri seu endereo pelarelao do advogado. Muito prazer. Assisti aquela baguna da janela do segundo andar; se no fosse voc tinham incendiadominha fbrica.Seu Tom contou o rebolio para seu Cludio e dona Elvira e elogiou muito a coragem doEdmundo, comparou com Demstenes. Puxa! exclamou dona Elvira. Que crianas, incendiar uma casa assim assim. Credo! No os culpo, minha boa senhora, no os culpo. Sabe-se l com que sacrifcio os meninosencheram os lbuns, tinham e ficar desesperados. Por muito menos os adultos fazem coisaspiores.Deu uma puxada no charuto e franziu a sobrancelhona. Os senhores no imaginam o que est acontecendo comigo. Esta vida; a gente v asdesgraas acontecerem aos outros e no imagina que um dia. . . Bom, vamos ao assunto:existe por a uma fbrica clandestina, falsificando minhas figurinhas difceis. Fazemexatamente iguais s minhas e vendem para a crianada.Fez uma pausa, olhando a subida da fumaa do charuto. No meu, como em qualquer concurso, o nmero de prmios deve ser limitado nopoderia entregar um jogo de camisas a cada colecionador. Por isso as figurinhas difceis soproduzidas em menor quantidade. Mas agora, com esse derrame de figurinhas falsas, onmero de lbuns cheios ficou maior que a minha capacidade de comprar prmios. Compreendo porque havia tantos meninos com lbuns cheios disse seu Cludio. A que est. Tive que tomar dinheiro emprestado para comprar os prmios que entreguei.A senhora v, o senhor v, passar esta vergonha na minha idade, sair por a de pires na mo,ser chamado de caloteiro, o que que .A empregada serviu um cafezinho na bandeja e no pegar o pires, viram que seu Tom estavamuito nervoso, com a mo tremendo; a xcara deu trs pulinhos no pires e quase derrama.Tomou o caf e continuou: Os falsrios vendem as figurinhas abertas, no tem nem graa, cada um encomenda a quequer. Vendem caro, levam o dinheiro e quem paga o prmio sou eu. E so perfeitas, impossvel diferenci-las das de verdade. Desse jeito vou falncia, no agento mais. Vamos seu Tom disse seu Cludio. A polcia h de prender esses falsrios. No adianta, j tentei. As figurinhas falsas so vendidas por cambistas, no centro da cidade.. . O Pituca comprou uma no Largo de So Bento interrompeu Edmundo. L tem umcambista.Seu Tom prosseguiu: A polcia j prendeu trs cambistas. No dia seguinte aparece outro, vendendo figurinha emlugar diferente. Os cambistas presos podem ser forados a dar o endereo da fbrica clandestina. Impossvel. Nenhum deles nunca viu a fbrica clandestina e nem o seu dono. E onde vo buscar as figurinhas que vendem? Recebem-nas por sistemas diferentes, uma coisa muito bem feita. O cambista no v apessoa que lhe entrega a figurinha e nem a que recebe o dinheiro. E cada vez que umcambista preso, mudam o sistema. Topei com um gnio do crime, um super-crebro. Alm dapolcia, contratei os melhores detetives particulares do pas e no deu em nada. Ah, meu bomJesus! Quanto mais a gente vive que aprende melhor que as coisas acontecidas so maisimpossveis que as coisas imaginadas.Umas lgrimas pingaram no rosto de seu Tom e ele tirou um leno enorme e limpou e passoutambm na careca, que estava suando bastante. Ficou calado um minuto e de repente selevantou depressa e ps a mo no ombro de Edmundo. Meu bom menino, voc minha ltima esperana. Esse negcio de figurinhas pertence aomundo das crianas; um adulto investigando logo desperta suspeitas. Voc valente,decidido, venho lhe pedir: me descubra a fbrica clandestina!Falou de um arranco e ficou ali parado no meio da sala, num jeito envergonhado de quem jsabia que os pais no iam gostar. Seu Cludio procurou falar macio, para no melindrar o bomhomem: Tenho pena do senhor, seu Tom. Est se vendo que um homem honesto e mereceajuda. Mas no posso deixar meu filho se meter numa aventura perigosa.Dona Elvira que se aborreceu e falou spera: O senhor est maluco? Pr Edmundo no meio de larpios! Matam meu filho, matam meufilho! No repita uma coisa dessas!Seu Tom olhou no cho, catou o chapu e saiu: Os senhores me desculpem.Captulo 4FALAR de aventura de detetive para um menino da idade e da sade de Edmundo como falar de alface pra cabrito. Topou lgico.E depois tambm, seu Tom merecia ser ajudado. Numa poca em que as fbricas debrinquedo e os comerciantes s andam inventando brinquedo sem graa, o seu Tom tinhabolado um concurso bom de verdade. Dava prmios caros, como esse jogo de onze camisas,as figurinhas eram impressas em papel de primeira e os lbuns eram caprichados: trspginas para cada time; uma para colar as figurinhas dos onze jogadores, mais a do tcnico, eduas com informaes sobre a vida do clube e a dos jogadores, quantos gols marcara,quantas jogara no estrangeiro, quantas jogara na seleo, qual a maior emoo, a maiortristeza, e coisinha assim que a gente l gostoso.O Pituca aderiu imediatamente, mas o Bolacho no. Escuta aqui disse o gordo. Eu no coleciono figurinhas, detesto futebol e tenho horrorde histria de detetive. Se voc est com complexo de heri, o problema teu. Nessa eu noembarco. Eu sabia observou Pituca. O gordo incapaz de um gesto altrustico. Gesto altrustico. Esse cara l as coisas no jornal e fiei repetindo.Nas duas da tarde, Edmundo e Pituca desceram do nibus e foram andando o caminho quedava na fbrica. No meio d-j segundo quarteiro, um txi parou rente da calada e ouvir ar avoz: Ei! Pulem c pra dentro.Era o Bolacha, repimpolhado no banco traseiro do txi.Entraram e o cho do carro estava todo sujo de casca de ma e milho refugo de pipoca. Ento gordo, resolveu vir? U, ser que sou transparente, no est me vendo? Por que mudou de idia? Porque sim. , voc fica gastando sua mesada em txi e depois vem pedir dinheiro emprestado. O pai me deu um aumento.Seu Tom os atendeu numa sala do segundo andar, as janelas estraalhadas por causa darevolta de dias antes. J temos uma pista importantssima falou Pituca. o cambista do Largo de SoBento. Essa pista eu conheo faz tempo respondeu seu Tom. Pus dois detetives atrs dele eforam sempre despistados, ficaram que nem tontos.Chupou uma baforada do charuto. Meus bons meninos, entrego o caso a vocs; faam como quiserem, comecem por ondeacharem bom, eu no darei palpites. O importante que encontrem a fbrica clandestina. Aavisaremos a polcia. O que peo a vocs no prender os ladres, no quero que searrisquem. s descobrir o endereo desta fbrica de falsrios.Deu uma palmada na costela do Edmundo. Agora que estamos combinados vou lhes mostrar a fbrica. Vero como nascem asfigurinhas de que tanto gostam.Levou os meninos pelos departamentos da fbrica, viram a embalagem, as esteiras rolantes, oautomtico de fechar os envelopinhos, a seco de prmios e desceram no poro para ver atipografia, que era onde as mquinas tipogrficas imprimiam as figurinhas. Olha quantas figurinhas de chumbo nessa caixa! exclamou Pituca. So os tipos, pedacinhos de chumbo com uma letra em relevo na ponta. Tem de todas asletras do alfabeto; a gente escolhe, atarracha na mquina e depois bate no papel, que nemcarimbo, e sai a impresso. Esses retangulinhos de chumbo aqui so os clichs, queimprimem a cara dos jogadores.Seu Tom explicou demoradamente a tcnica da impresso, chamou um tipgrafo e Fez elecompor um bloco de tipos, para os meninos aprenderem bem.Depois subiram de novo no primeiro andar e entraram na biblioteca, muito granfa, de estantesde jacarand da Bahia, e um tapete peludo que a gente pisava e nem fazia barulho. Nessa biblioteca que apanho as informaes da vida dos jogadores que ponho no lbum.Tudo que j foi publicado falando de futebol tem a.Edmundo e Pituca ficaram muito entusiasmados e foram pegando da estante jornais antigos,que falavam de partidas famosas, acontecidas antes deles nascerem e que s conheciampelas conversas animadas dos pais e dos tios. Seu Tom ajudava a tirar os livros e jornais daestante, tinha uns que estavam encarapitados l em cima e era preciso subir numa escadaespecial de rodinhas que deslizava costeando a estante. Dava explicaes e contavapassagens engraadas: Nesse Corinthians e Vasco do Rio-So Paulo de 1950, o Baltazar desempatou de cabea.Meus meninos, que alegria! O cabecinha era fogo; joguei meu chapu pro ar e nem sei ondefoi parar. Um bom chapu, nunca mais o vi.O gordo dormia que dormia encolhido no sof vermelho de couro legtimo. Deu um ronco derinoceronte e seu Tom olhou no relgio e viu que era hora de criana jantar. A prosa est boa mas hora de vocs irem para casa. Mando meu chofer lev-los.Abraou muito forte os trs amigos. Confio em vocs, meus bons meninos.SABEMOS que o cambista no vai na fbrica clandestina, mas tem um lugar onde faz asencomendas e recebe as figuras disse Edmundo. J sei Fez Pituca. Seguimos o homem e descobrimos o sistema de contacto com afbrica. Isso! concordou Edmundo. O sistema de contacto que o principal. Depois no temproblema; seguimos o fulano que recebe as encomendas e damos l. Parabns cumprimentou o gordo. 0 chefe j est preso e engradado. Avisem famliadele que visita na cadeia quartas e sbados; pra levarem chocolatinhos. No concorda com nosso plano? No disse que no. Mas est fazendo pouco. Ouvi dizer que o chefe da quadrilha um gnio do crime. Se botar a mo nele fosse assimbacana, seria mas o burro do crime. De qualquer maneira por a que temos que comear. Vamos ao Largo de So Bento hoje,o Pituca faz uma encomenda e eu sigo o cambista.Duas da tarde Edmundo e Pituca estavam no meio do Largo de So Bento, vendo apaulistanada cruzar rpido por ali, naquele passo de zatopeque* que paulista usa quandoanda devagar.*referncia ao tcheco Emil Zatopeck, ganhador, nas olimpadas de 1952, das provas dos 5.000m, 10.000m e maratona. O Bolacha de novo atrasado disse Pituca. Eu bem que te falei, no era pra pr ogordo nisso, t vendo? . V fazer a encomenda.O cambista estava na calada da frente, encostado numa loja; sujeito muito feio, de ternolargo, sobrando pano, e cara de velhaco. Pituca cruzou a rua de passo firme, tirou a lista dobolso e entregou. O cambista pegou, leu sem pressa, olhou um bocado de tempo no menino edisse: Dez figurinhas difceis, heim, meu chapa. Custa um tutu, sabe? Sei e quero "para amanh, sem falta. Caixa alta, heim? Ento vou lhe sugerir; o seguinte esse, em vez de dez, tu leva quinze.Te vendo esses da lista e mais o Rildo, o Carlos Alberto, o Ademir, o Leivinha e o Teia. Tenho dinheiro s para dez. Te agenta a meu chapinha, no se afobemos; t dizendo que tu leva quinze mas nopaga quinze, morou? Paga s quatorze, te fao um abatimento. Leva quinze e morre comquatorze, uma de graa! Quero essas dez a do papel. Pense bem, meu chapinha, quem escapa de fazer negcio bom, se arrepende depois; asorte no bate todo dia na porta da gente; mais pior, tem vez que ela bate e a gente no est.Agora estou aqui, te fazendo uma proposta que no fao pra nenhum, s porque me simpatizeicom tua pinta de distinto, boas famlias. Sabe que tu o dono da pinta, meu boa gente?Quando virar homem vai ser artista na televiso, pode escrever a.Pituca estava zonzado com o palavratrio, mas gostou do boa pinta. 0 cambista continuava: Estamos combinados, amanh o nossa amizade leva quinze e paga quatorze, uma degraa, ora onde j se viu! Certo, at amanh seu cambista.Edmundo ficou espiando de longe; Pituca se afastou e vieram chegando outras crianas afalar com o cambista, fazendo encomendas, pagando, levando troco e recebendo figurinhas.Tinha uns que eram mais falantes que o prprio cambista, feito um pecurrucho que deu umdiscurso de mais de vinte minutos e o cambista fazia gesto de interromper e dar sua opinio eo garotinho no deixava, fazia outro gesto de "pera a deixa eu falar" e continuava, lengue quelengue; pena que da distncia Edmundo no dava para ouvir a conversa.Quando o relgio do mosteiro bateu trs e meia, o cambista conferiu o seu oclque com o daigreja, fechou a malinha e foi embora pela rua de So Bento. Edmundo foi atrs. O malandropegou a Praa do Patriarca e desceu a Galeria Prestes Maia.O cambista cruzou o vale do Anhangaba, montou num nibus da linha Santo Amaro e foisentar-se no primeiro banco. Edmundo se sentou um pouco atrs.Logo que o nibus saiu, o cambista tornou o pescoo e olhou os passageiros de um em um,bem devagar. Olhava com um olho duro frio gelado, nem sinal do risonho, que usava paratratar as crianas, no negcio das figuras."Na certa est querendo ver se tem algum detetive seguindo ele" pensou Edmundo.Edmundo agentou a encarao de modo natural; no piscou e no franziu e no ficoudaquele jeito pouco vontade que muitos ficam quando so olhados, sem saber onde olhar eonde mexer as mos. Ficou ali simples, como se estivesse indo para casa depois dascompras.Na esquina da Avenida Brasil, o cambista puxou o sinal e desceu, e Edmundo, tum-tum,desceu atrs. Fez que amarrava o cadaro do sapato na beira dum muro baixo e deixou omalandro tomar seu rumo.O cambista parou mais adiante e tomou o segundo nibus que passou; Edmundo entrouespremido, quando a porta j ia fechando. O malandro sentou-se no primeiro banco, tornou avirar o pescoo e recomeou a funo de olhar todo mundo."Ora pamonhas" pensou Edmundo. "Esse tal a o rei da paquera".Reparou que quando relou nele, o olho demorou um pouco mais. O cambista apeou naAvenida Rebouas, andou um pedao e parou noutro ponto de nibus."Nessa viagem que no vou que no sou tatu" pensou Edmundo. "Pode me reconhecer;vou pegar um txi".Fez sinal de mo para um que passava. Onde vamos? perguntou o motorista. Entre nessa esquina, d a volta e espere um momento. O carro manobrou e ficou parado naesquina, fora da vista do malandro. Assim que o cambista montou no nibus Edmundo entrouno txi. Siga aquele nibus, colado nele. Por que? Estou seguindo um bandido que vende figurinhas falsas.O chofer riu. Anda lendo muita histria em quadrinho, rapaz. Enfim o dinheiro seu, faa bom gasto. O senhor no acredita mas verdade.Foram seguindo o nibus e em cada parada Edmundo fiscalizava os passageiros quedesciam. 0 cambista desceu na Avenida Paulista, esquina de Brigadeiro Luiz Antnio.Atravessou a avenida e tomou a Brigadeiro, como quem vai para o centro. Entre na Brigadeiro pediu Edmundo. Me desculpe, seu sherloque, mas proibido virar pra esquerda. Tenho que dar a volta noquarteiro. Vire assim mesmo, pago em dobro. Calminha garoto. T vendo o guarda ali? Se furo sinal e entro contramo, me toma acarteira de chofer."Se vou esperar perco o homem de vista" pensou Edmundo.Saiu do txi e atravessou correndo a Avenida Paulista. O cambista ia longe, descendo acalada da Brigadeiro; Fez sinal para um txi, subiu e foise. Edmundo pegou a calada daBrigadeiro, esperou um txi, subiu tambm e mandou descer chispado a Brigadeiro. P na tbua que dou gorjeta grande!O cambista tinha pegado um DKW vermelho e o txi do menino foi varando feito doido,passando todo mundo; nas esquinas Edmundo olhava bem, para ver se o malandro entrarapor uma delas, mas no fim da rua teve que se convencer que no adiantava mais."Bem que o seu Tom disse que o homem era bicho em despistao. De qualquer jeitoaprendi muita coisa e o dia no foi intil."DEPOIS do jantar foram na casa do Bolacha, que era o ponto marcado para as confernciasda investigao; o gordo tinha um quarto nos fundos, especial dele s para brincar, e podiamconversar ali sem atrapalhao.O sujeito que inventou a baguna por certo se sentiria encabulado se visitasse o arraial doBolacha: uma esparramao de mexidos pelo assoalho soldadinhos, ndios, livros,revistinhas, capas de discos e discos sem capas, cascas de amendoim e amendoim semcascas, trem eltrico com muito trilho, autora-mas, bombinhas de So Joo, mecha de balo,vara de pescar, bilhete de rifa pior que mato onde tem cobra, a gente tinha que escolher opedacinho de pisar e, olhando para o cho, no esquecer de olhar a frente, porque seno sim, que decapitava o pescoo num arame esticado, que era o telefrico, semelhante Po deAcar; a caixinha escorria na inclinao do arame, de parede a parede.L no fundo do seu imprio, reinava sentado o gordo, fechado em seus pensamentos, nosquais no prestava nenhuma ateno: o que fazia era comer torradas, numa tostadeiraautomtica que apitava quando o po estava no ponto e por um mecanismo de mola, jogava opo no ar feito foguete e, com tal preciso, que caa no prato do lado, sempre no mesmo lugar.E enquanto passava a gelia vermelha na torrada aterrisada, j punha outro quadrado de pona mquina e o tempo justo de comer essa uma que a mquina levava para apitar a outra.Edmundo e Pituca entraram. Sim senhor seu lambo! Por que no foi encontrar a gente na cidade hoje? O Pirata ficou doente e fui chamar o veterinrio. Olha Bolacha, estamos numa investigao, coisa sria, temos que largar o resto de lado. Eutambm deixei uma poro de coisas para ir seguir o cambista. Meu cachorro mais importante que estas figurinhas; conheo ele desde que nasci. Devia ter ido insistiu Pituca. Me diga uma coisa; o plano no era do Pituca fazer a encomenda e o Edmundo seguir? Era. Ento eu ia l praqu? Para ficar aplaudindo?Edmundo contou as coisas que aconteceram; Pituca escutava e o gordo seguia comendo astorradas que pulavam e apitavam. Entre uma e outra escutava tambm. Impossvel seguir esse cara de nibus disse Edmundo. Senta na frente e vira opescoo para examinar os passageiros; na terceira viagem reconhece facilmente quem andouas duas primeiras. A est observou Pituca. Seguimos ele de carro, desde o comeo.Ele pensou nisso tambm respondeu Edmundo. Depois da terceira viagem, desce numlugar que no se pode virar esquerda de carro. Tem dois sistemas de despistamento: umcontra seguidores de nibus e outro contra os de carro. E voc Bolacha. No disse nada. Que que acha? Acho que sim. Que sim o teu nariz. gordo besta, esquece um pouco essa coisa de fazer aeroplano detorrada e ajuda a gente a pensar. Por enquanto no pensaram nada, s choveram no molhado. Falou o sabicho disse Pituca, enfezado. Chovemos no molhado enquanto o supergnio embucha oito torradas e, por cima, nem oferece. Uai, ningum pediu. E nem se pode pensar direito, com essa mquina maluca, apitando e sapecando torradasno ar. Eu bem que estava pensando uma idia boa, mas, na parte principal que a idia estavaquase saindo, Piiiiiiii, passou um po voando na frente da minha cara. Desconcentra a gente,no pode.Edmundo interrompeu a discusso: Devemos esper-lo de carro, j na esquina da Brigadeiro, embicado para o centro.Sabemos que ele vai l. Negativo disse o gordo. Mas por que? O sistema de despistamento desse capiau tomar trs nibus, descer numa contra-mo,entrar nela e tomar um txi. Um arranjo terico, que no precisa dos mesmos trajetos para sefazer.Deu uma mastigada, treque-treque, e continuou: No vai repetir o mesmo caminho todo dia, no burro. O que repete o sistema. Cada veztoma trs nibus diferentes e desce numa contra-mo diferente. Contra-mo que no falta. A gente precisa achar uma falha nesse manejo.Edmundo e Pituca pensaram uns minutos e o gordo continuou comendo as torradas apitadas. Olha disse Edmundo. Perdi o homem de vista porque custei para descer do txi.Agora sabemos que, na terceira viagem, ele desce numa rua de contra-mo, onde proibidovirar de carro. Estamos por dentro da jogada, no ser preciso ficar esperando para saberonde vai. Vira na contramo, lgico. Ento ns, assim que ele descer do nibus, j sabemosque vai pegar a p a contra-mo e, por isso, logo que ele descer, samos correndo para a ruade contra-mo e pegamos um txi antes dele. Entendi confirmou Pituca. Mas como vamos acompanh-lo at o fim da terceiraviagem? De carro, desde o comeo. Seu Tom empresta o dele. Batata! bom marcar os gastos que a gente teve, para cobrar de seu Tom disse Edmundo. Trs viagens de nibus, duas de txi e dez figurinhas difceis. Quinze explicou Pituca. Mas ficou combinado de voc comprar dez! Negcio de ocasio; taquei a conversa no homem, sabe. Terer, terer, arrumei quinze porquatorze, uma de graa.Edmundo e Bolacho se olharam: Terer, belo trouxa que voc .Captulo 8ELEGANTE carro preto do seu Tom seguiu as trs viagens do nibus que o cambistaFez no dia seguinte. Conforme a idia do gordo, o malandro tomou trs nibus diferentes eFez trs itinerrios diferentes. Edmundo e Bolacho iam no automvel e o Pituca no, porquecomo o cambista conhecia ele, era melhor no ficar se mostrando. Na terceira viagem, logoque Edmundo viu o cambista se levantar do banco para descer, perguntou ao chofer: Onde a rua de contra-mo por aqui? Ali.Uma tabuleta do trnsito estava fincada ali, dizendo que virar esquerdano podia. Edmundo e o gordo saram correndo do carro, cruzaram a rua e pegaram aesquina, de modo to rpido, que nem o cambista tinha descido direito do nibus e os dois jestavam do lado de l. Entraram num txi e mandaram o chofer ficar parado um quarteiromais na frente.A coisa ia que parecia teatrinho ensaiado; o cambista veio para o lugar que elesesperavam, tomou um txi e dali a pouco passou chispado pelo automvel onde os garotosestavam. Siga este txi ordenou Edmundo.O motorista era bom de verdade e ficou na cola do txi do cambista, com muita perfeio,como se na vida dele no tivesse feito outra coisa, seno seguir txis com cambistas dentro.Porque seguir automvel em So Paulo no fcil, est cheio de sinais vermelhos, outroscarros que cortam o da gente, se o motorista no craque, perde-se a pista na primeiraesquina. Foram rodando, rodando, o txi do cambista saiu do centro e meteu-se num bairrooperrio. Faz vinte minutos que rodamos, Bolacha. Hum. Viu s? Pegamos o bicho desta vez; adivinhamos exato o que ia fazer. Hum. Pxa vida Bolacha! duro conversar com voc; a gente fala fala evoc nem te ligo. Est pensando em qu? No sei; no estou prestando ateno. Acho que era numa vaca quetem l na fazenda do pai.O cambista desceu do txi e comeou a subir uma ladeira. Suba essa ladeira chofer! No d garoto, contra-mo. Papagaio, mais uma!Pagaram o chofer e pegaram a ladeira, que era uma subida bem forte. 0cambista tinha passo largo de paulista e j estava distanciado, quase no alto. DepressaBolacha!Isso de subir ladeiras no era muito do programa do gordo, que foificando para trs, muito suado e rosnando desaforos baixinho entre-dentes.Edmundo espichou a andada e alcanou o cambista, naquela meia distnciaque a boa para se seguir. O malandro entrou numa rua deserta, dobrou umaesquina e o Edmundo virou atrs.Assim que virou, deu de cara com o prprio dito cujo do cambista, quetinha dobrado e ficado parado l, esperando na tocaia. Brincando de milico, heim?Edmundo no teve tempo de nada, foi mas agarrado pelos colarinhos epuxado para junto do corpo do cambista e at sentiu o bafo dele, quente nonariz. 0 cambista estava com muita raiva e foi levando Edmundo aostropices para o interior de uma construo abandonada, onde no tinhaperigo de ningum ver. Aprenda uma coisa seu coi, tenho um sistema infalvel dedespistao; querer me seguir tomar sopa de garfo. Tira a mo da minha camisa! De em desde o comeo, botei meus holofotes no carango preto devocs, seguindo o nibus. Te puxei nessa rua deserta de propsito, meuchapa.Edmundo se aproveitou de que o cambista se distraiu um pouco nafalao e deu-lhe um trana-p de judoca; o cambista pranchou no cho, masno largou a camisa do menino, e os dois se embolaram, levantando muitaareia da construo. O cambista trouxe a outra mo, para segurar maisEdmundo, e levou uma joelhada na boca do estmago e dessa vez gritou ai.Porm o homem era forte e conseguiu espao para armar um rojo de socona cara do Edmundo, e depois mais outro, que jogou o menino a cincometros, botando sangue no rosto todo.O cambista levantou, com a roupa branca de areia, e estava com maisraiva ainda. Tirou a faca-peixeira do bolso. T vendo meu fio aqui, meu chapa? Agora que te furo as tripas. Avanou para cima domenino, que estava cado e tonto, fazendo mirano imbigo que estava mostra por causa da camisa rasgada. Apesar de muitotonto, Edmundo ainda pegou num balde cheio de p de cal e jogou na carado cambista, que ficou com a vista escurecida e doendo bastante com aqueimadura do cal. Garoto piolho desgraado!Era a hora de Edmundo aproveitar e atacar o cambista a paulada e tijolada, mas o meninotinha levado dois socos que no brinquedo e estava cai-no-cai, vendo pontinhos pretos noar que subiam e desciam em velocidades diferentes, 0 cambista limpava os olhos e comeavaa enxergar de novo, e foi a que o Bolacha, que tinha chegado atrasado, ouviu o barulho dofuzu l da rua e entrou na construo, com duas rodelas grandes de suorembaixo do sovaco da camisa.A vista do malandro estava se recuperando, mas ainda enxergavamalemal e, por um efeito de tica qualquer que o cal Fez, como nessesespelhos de parque de diverso, o cambista enxergou um gordo enormepaquiderme avanando nele e pensou:"Com esse gordo gigante eu no posso."E deu no p.O gordo viu o cambista passar por ele feito um foguete, olhou paraEdmundo e perguntou: U, que cara essa? Conto depois Bolacha. V seguir o cambista. Voc no vem? Estou tonto, no posso nem andar. Pare de fazer perguntas, senoperdemos a pista. T.O gordo tomou a rua que tambm era ladeira, s que de descida; ladeiraquase vertical, mais brava que a de antes. 0 cambista j estava l embaixo eestava entrando num bonde aberto e o bonde tinha dado a sada e ia indoembora. Nesse tempo ainda tinha bonde em So Paulo, era desses bondesabertos, com estribo.Bolacho parou no cume da ladeira e pensou:"Pra bonde que eu te pego."E riscou pela ladeira, minha Nossa Senhora, como essas pedras querolam da encosta at o vale; mais que descia e mais que voava, isso nem eracorrida, era asteride, caminho sem breque, inclinado oblquo pra frente,muito compenetrado, e os ps l trs, pedalando pedalando.Foi se aproximando do bonde e, naquelas fraes de segundo, lembrou alio que o Edmundo tinha ensinado para ele uma vez em Santos, quandobrincavam de pegar bonde andando na beira da praia: "O negcio fixarbem o olho no pau do balastre, ir com f, no pensar em nada e, aoemparelhar o bonde, d-se uma acelerada final, um pinote e tum!, agarra-se opau e pe-se o p no estribo".O gordo obedeceu as instrues: foi com f, no pensou em nada, fixou obalastre, deu a acelerada final, mas na hora do pinote e do tum! que nodecolou e em vez de tum! Fez tchum! no meio da rua.Captulo 9A REUNIO da noite no quarto do Bolacha comeou num ar de muito desnimo porque,alm de terem perdido a pista o Edmundo estava de cara inchada e o gordo de joelhoesfolado. O sistema do cambista perfeito disse Edmundo. No h maneira de seguir umfulano prevenido assim. A polcia fracassou, os detetives do seu Tom fracassaram e nstambm. E agora, que se sabe seguido, vai se prevenir em dobro observouPituca. E que pacincia de chins que ele tem; toma mais de duas horas, cadadia, s em caminhos despistantes. Seu Tom tem razo, esbarramos num osso duro. 0 chefe dessaquadrilha a danado de tigre, no d p!0 Bolacho ouvia quieto, como costume, ocupado nas torradas. Atostadeira deu um apito e fuim jogou a torrada no ar; o gordo aparou atorrada antes de cair no prato, ps a gelia com a outra mo e ia comer,quando, de repente, largou torrada e gelia e levantou-se de supeto. Pera a. Tem umaidia mexendo na minha cabea, parece boa. Elavai, volta, mas no consigo pegar, foge logo.Estava com cara diferente, de quem est inspirado, e comeou a andardaqui prali; ia at o trem eltrico, dava meia volta, passava no posto degasolina, no aviozinho, na ambulncia, parava no autorama e voltava denovo. O gordo entrou em transe gozou Pituca. Psiu! exclamou o gordo. A idia est crescendo, vem vindo,vem vindo, chi!, mergulhou de novo.E continuou, norte-sul-leste-oeste, andando e voltando no meio dosbrinquedos e tambm falando sozinho. Pra mim isso a macumba gracejou Edmundo. Baixou oesprito no Bolacha. Como metido esse gordo disse Pituca. V se para ter umaidia precisa esse carnaval. Peguei-te! gritou o gordo e deu uma palmada na testa Vamosseguir o cambista ao avesso. Est a. Seguir ao avesso? O cambista chega no Largo de So Bento s duas horas, sai s trs emeia e faz aquele sistema de despistamento para no ser seguido. Mas, para ir de sua casa aoLargo de So Bento, ele com certeza vai direto. Despistaquando vai mas no quando vem. Explique melhor. A gente espera o cambista antes das duas horas no Largo de SoBento, vemos ele chegar e marcamos o lugar de onde veio. No dia seguinte,um pouco mais cedo, a gente fica no lugar que ele apareceu na vspera emarcamos o lugar de onde veio para chegar ali, e assim vamos fazendo,marcando os pontos de onde vem, e no fim damos no lugar de onde partiu.T? Isto se chama seguir pelo avesso, ao revs, ao contrrio, de trs pradiante, inversamente, revirado. . . Chega! disse Edmundo. At parece que o gordo engoliu a plulado doutor caramujo, passou de mudo pra falante. Comeo a entender, masvamos devagar que seno me funde o crebro. At a est certo, mas mediga: e se o cambista entra em contacto com a fbrica clandestina depois quesai do Largo de So Bento? No adiantava nada segui-lo antes das duas. Adianta sim.Seguindo do jeito que falei, chegamos na casa docambista. Bom, ento a gente deixa ele ir para a cidade e fica esperando l.De tardinha, na hora que ele voltar, a gente marca o ponto de onde veio esegue ele pelo contrrio do mesmo jeito, s que desta vez de sua casa para acidade. A ficaremos sabendo o que faz depois dos trajetos despistantes.Capito? Edmundo pensou um pouco, deu uma gargalhada e abraouBolacho. For-mi-d-vel! a idia mais bigue que vi at hoje, juro por Deus! Pituca olhava com ar desem graa. Ficou todo mundo doido! A gente sai de tarde e chega de manh nacasa do homem, de cabea para baixo. No de cabea para baixo, Pituca. ao avesso. Ah sei. A gente sai depois e chega antes; espere um pouco, deixa eupensar. Vem, marca, volta pra trs, depois chega mais cedo, marca, vem,volta, bolas!, no, no entendo. Isso no existe, o cambista no anda decostas. S se o Bolacha inventou a mquina do tempo.Bolacho pegou a torrada. Sua inteligncia no alcana um raciocnio abstrato. Compreenderquando for usado na prtica. Chi, raciocnio abstrato, acho que o Edmundo tem razo, o gordocomeu a plula do caramujo.Edmundo pulava que pulava e deu mais um abrao no gordo. Grande, gordo! Voc omximo. disse Pituca. T tudo doido. B!Estava na hora de ir dormir e Edmundo e Pituca foram saindo do quarto,p aqui p ali, pra no pisar nos terecos do gordo. Boa noite, doutor caramujo. Piiiiii a tostadeira apitou. DIA seguinte, antes das duas,Edmundo, Pituca e Bolacho andavampara o Largo de So Bento.O gordo tinha emprestado o guarda-chuvo enorme do pai, metera acabea l dentro, perto do pano, de modo que no enxergava a frente e nemos lados, parecia um bicho-roda-preta-de-perna-gorda andando na calada.Quem no sasse da frente era pinicado na ponta do arame: os baixinhos nopescoo e os mais altos na coxa. De uma senhora fisgou a bolsa, que ficoupendurada que nem abacate na ponta do aro, at que ela veio buscar. O povoprotestava e o gordo nem te ligo: Cego! Levanta esse guarda-chuva! Gordo besta!Eram vinte para as duas e Edmundo distribuiu a posio correta de cadaum: Voc Bolacha, fique na entrada do Viaduto Santa Ifignia; da poderver se o cambista vem pelo viaduto ou pela Libero Badar. O Pituca fica naentrada da Florncio de Abreu e eu olho pela So Bento e Boa Vista. Hum, no gostodesse viaduto aqui. Prefiro o do Ch. T certo Bolacha, boa sorte. Vamos a nossos lugares. s dez prasduas Bolacho viu o cambista subindo pelaLibero, enrolado numa capa velha de borracha e escorrendo chuva doscabelos. Vem pela Libero, timo.No dia seguinte, a uma e quarenta, estavam na esquina da Libero comSo Joo, no lugar onde o cambista tinha aparecido antes. Levaram obinculo alemo do pai do gordo. Pituca, enfiado no binculo, deu sinal: Opa, l vem ele,saindo do Largo do Paissandu, agora est passandopelo Correio, vem pra c, pacatum, pacatum. Seu binculo batata, heimBolacha? Vejo at o remelo no canto do olho dele; esse catinguento no lavaa cara de manh; porco! Agora entendeu minha idia, seu cabea de lesma? Na tarde seguinte, uma e meia, estavam no Largo do Paissandu, cada um olhando para umlado. Olhem, desceu do nibus Casa Verde-Cidade.O cambista desceu do nibus, atravessou o Paissandu e foi subindo pelacalada da So Joo, na direo da Libero Badar. Moleza! exclamou Edmundo. Amanh a gente pega esse nibusno comeo da linha e v em que ponto o cambista sobe. Quem deve ir o Bolacha. Eu e voc j somos conhecidos docambista. 0 gordo no deu pra ele ver direito, com o cal que tinha no olho. s 12,45 do diaseguinte, na Casa Verde, Bolacho pegou o nibus noponto inicial. Quinze minutos depois, na entrada do Viaduto Rio Branco, ocambista subiu e sentou-se muito tranqilo, lendo a Gazeta Esportiva. Novirou pescoo e nem nada, porque desconfiar que no podia que estavasendo seguido pelo avesso; era a primeira vez na histria universal dos casosde polcia que se usava o curioso sistema que o gordo inventou. No dia seguinte, um poucomais cedo, os meninos esperaram o cambistano lugar onde tinha subido no nibus e, foi foi, descobriram que ele moravanum barraco de favela, na beira da Marginal esquerda do rio Tiet, lugarmuito feio, cheio de capim e sem iluminao de rua. 0 cambista morava comfamlia: a mulher, um nen e dois meninos; um regulava a idade dos nossostrs detetives e o outro devia de ser dois anos menor.FALTAVA agora fazer o reverso do revirado, como disse o gordo, isto ,seguir o cambista pelo avesso da sua casa para a cidade. Fizeram.Descobriram que ele pegava toda tarde, s 5,25, o nibus Cidade-CasaVerde, no Largo Paissandu. Vamos ver o que faz e onde vai depois dos trajetos despistantes. Onde vai no, de ondevem. mesmo disse Pituca. Andamos ao contrrio. Sabe que isso meembrulha, a gente acostuma a viver do avesso. Hoje, por exemplo, chegueina escola s onze e quinze, pra pegar a primeira aula. Mas a escola termina s onze e quinze! o que t falando. Pra mim era a primeira, das onze e quinze s dez emeia. s oito eu ia embora pra casa me deitar, para acordar ontem. Nos dias que se seguiramos trs verificaram que o cambista nuncachegava no Largo do Paissandu pelo mesmo caminho. De primeiro veio pelacalada do Cine Metro, depois pelo lado do Correio e no outro dia chegou dabanda da Avenida Rio Branco. U disse Edmundo. Estamos xecados; desse jeito no d paraseguir do avesso. Estamos mas facilitados disse o gordo. Isso da prova o queeu pensava antes; o cambista no entra em contacto com a tal de fbricaclandestina depois dos trajetos despistantes. Vem um dia de cada lugar,porque a gente sabe que cada dia faz um trajeto despistante diferente. Como pode tercerteza? Ele poderia fazer novos trajetos despistantesdepois do ponto de contacto. Negativo. que interessa ao cambista no deixar os detetiveschegarem at o ponto de contacto. Depois no tem mais praqu despistar; oque queria esconder teria ficado atrs. Entendi. Se ele viesse do ponto de contacto, chegaria todo dia pelomesmo caminho. Correto. Quer esconder o lugar para onde vai e como o fim dessaconfuso de trajetos d na casa dele, lgico que o ponto de contacto, ou l mesmo, ou por ali perto. Voc reparou que o crebro do Bolacha comeou a funcionar depoisque caiu do bonde? mesmo. O tombo deve ter disintupido alguma artria no coco dogordo.NA outra manh os trs conversaram embaixo do abacateiro do ptio. O contacto deve serantes das dez pras uma, quando ele sai de casa,ou depois das seis e meia da tarde, quando chega. Nessas horas temos de estar na escola ou em casa disse Pituca. J achei umasoluo respondeu Edmundo. Mas vai precisar daajuda de seu Tom. Estvamos para ir l disse Pituca. O homem nem sabe nossosprogressos, vai ficar entusiasmado. J imagino a cara dele falando: meu bomPituca, meu bom Edmundo, meu bom Bolacha. Bom Bolacha, essa boa!De tarde foram na fbrica e logo no entrar viram que na vspera tinhatido outra revolta, pelo jeito dos canteiros pisados e das janelas sem vidro.Subiram no segundo andar, na sala que seu Tom costumava receber eles eforam atendidos por um moo bem vestido, esticadinho e que levantava oqueixo pra cima quando falava. Ento vocs so os jovens investigadores; muito bem, muito bem. Osenhor Tom est ocupado, atendendo um fornecedor, porm tenho ordemdele para tratar com vocs. Sou o regente da fbrica. que queremos falar com ele mesmo, sobre a investigao. J descobriram a fbricaclandestina? Ainda no, mas est quente. Ah compreendo. No se lhes ter escapado que houve nova revolta;os lbuns aumentara que no acaba. Seu Tom j andava contrariado eontem, com a revolta, teve uma crise. Chorou e tremeu por mais de uma horae foi preciso chamar o pronto socorro. Coitado! Como ser-lhes- fcil concluir, o mdico recomendou que eletrabalhasse menos, para se recuperar e porisso entregou-me a direo dafbrica por quinze dias, o que muito me honra e envaidece-me, tenho dito. Poder-se-ia dizerque topamos um chato cochichou Bolacho paraEdmundo, que s no estourou de rir com a gozao do gordo por naturaleducao, e ps a mo na frente da boca, para disfarar. Mas o seu Tom est a, atendendo o fornecedor disse Pituca. Por que no atende a gente? Sim, continua por aqui, despachando coisas menores; o que no pode tratar disso de investigao, muito emocionante, pode ter novo ataque. O gerenteencostou-se para trs, balanou cadeira, limpou os culos,deu uma empinadinha de queixo e continuou: Como gerente, tenho meus mtodos de trabalho e gosto de decisesracionais. Acho que as crianas so para brincar e no para se botar eminvestigaes. Isto de menino detetive funciona em gibis, livrinhos deimaginao, mas a realidade a realidade. Investigar para homem. Sei dessa! exclamou Pituca. Os milicos e os detetives que seuTom contratou antes no descobriram. Realmente, meu jovem amigo, os detetives comuns fracassaram. Afbrica clandestina chefiada por um gnio do crime, crebro fora docomum, pensa em todos os detalhes; para enfrent-lo preciso um gnio daaltura dele e aqui no Brasil no tem; nossos detetives so primrios,subdesenvolvidos. Vai, resolvi contratar o maior detetive do mundo: MisterJohn Smith Peter Tony o detetive invicto. Nunca perdeu um caso eporisso usa a alcunha de "detetive invicto", junto com o nome. Telegrafeipara a Esccia e Mister John chegar hoje mais tarde, em Viracopos. Quer dizer queestamos despedidos? Perfeitamente. Nem deveriam ter comeado, no sei onde que seuTom estava com a cabea, ao deixar que sassem por a, escondidos dospais. Isto aqui uma indstria e a indstria moderna tem que ser dirigidacom eficincia; nada de poesias e sentimentalismos. Vejam esse negcio dosprmios; se em vez de gastar tanto dinheiro dando conjuntos de camisas,desse uma bolinha s, a coisa funcionava do mesmo jeito. Economizava odinheiro das camisas e ainda sobrava para botar uma campanha depublicidade na televiso, ia ser um estouro. Publicidade tudo, meninos,olhem esses debilides que fazem sucesso na TV; no sabem nem compor ecantar, mas so organizados e fazem sucesso. Em nome da eficincia, podemvoltar para seus brinquedos; o caso est entregue a um detetive com Dmaisculo.O gordo que estava vermelho, roendo raiva, no agentou; levantou-se: Escuta aqui, seubonequinho lustroso, voc que um burro com bminsculo!O gordo virou as costas e saiu batendo a porta bem forte. Pituca foi atrse bateu a porta igual. Isso mesmo, o Bolacha tem razo.Edmundo no se mexeu e ficou sentado onde estava, olhando para ogerente. Pois garoto, acho que no temos mais a conversar. Com o senhor no, mas quero falar com o seu Tom; ele que foi naminha casa me chamar, no foi o senhor. Rapaz, ouviu-me bem? Faa o favor de sair. S saio depois que falar com seu Tom. Saia. Ento vem me tirar.O gerente cocou a cabea e saiu de cara amarrada. Dali a uns minutosseu Tom entrou na sala, dum modo encabulado, olhando o cho. Meu bom menino, sabeque no foi idia minha despedir vocs. Noquis contrariar o gerente, ele tem sido muito dedicado.Acendeu o charuto na mo trmula. As coisas esto ruins, meu menino. Lembra-se de meu bonito carropreto? Pois tive que vend-lo para comprar novos prmios; vou me acabandoaos poucos, feito um gelo que se derrete. No me olhe assim, por favor, meubom menino. Parece triste comigo. Sabe que ns achamos a casa do cambista e descobrimos que ocontacto por ali? Onde a casa dele? No digo, no quero que o escocs se aproveite de nosso trabalho. Eleque procure, como ns. O que eu tinha a lhe dizer que quero continuar nainvestigao e preciso sua ajuda. Meu bom Edmundo, admiro cada vez mais o tamanho dagenerosidade sua. Gostaria de ajud-lo, mas carece da licena do escocs;agora ele o titular da investigao. Se ele deixar, eu fao tudo o que vocpedir. Est bem. Venha aqui amanh. Alm do mais vai ter ocasio de conhecer ohomem mais famoso do mundo: Mister John Smith Peter Tony o. . . J sei, o detetiveinvicto.Captulo 13O BOLACHO e o Pituca, especialmente o gordo, no queriam saber de voltar na fbrica,mas Edmundo era insistente e acabou convencendo eles. Depois do almoo fizeram aquelecaminho conhecido; dois jardineiros trabalhavam no jardim da fbrica, arrumando os canteirose varrendo os cacos de vidro. Como ser esse Mister? perguntou Edmundo. Meu pai disse que j leu muitanotcia dele no jornal. Detetive invicto! exclamou Pituca. V se pode; pra mim deve ser um gringo chato.Seu Tom esperava os meninos e levou-os pelo corredor da fbrica. O Mister j chegou? Chegou sim, meus bons meninos, venham por aqui.Entraram na biblioteca e l estava o Mister, de perna cruzada, sentado na poltrona: era umbigue dum baita, muito colorido; cabelo loiro, bem amarelo, o caro vermelho pimenta e doislagos azuis de olhos parecia escapulido dum desenho animado. Foram chegando perto dapoltrona e ele no se mexeu, mas olhava dum jeito simptico de olho-que-ri.Seu Tom Fez as etiquetas: Meus meninos, tenho o prazer de lhes apresentar Mister John Smith Peter Tony odetetive invicto. Notem que o nome se escreve Peter, mas pronuncia-se Piter. Mister John,estes so os valorosos meninos que lhe falei: Edmundo, Pituca e Bolacho.O escocs desembaralhou as pernas e ficou de p, como um coqueiro que se levanta e que sa gente estando bem afastado que cabe inteiro nos olhos. Cumprimentou um de cada vez,apertando a mo grande. Enton estes ser as trs detetives.Disse e puxou do bolso traseiro da cala uma garrafinha de usque. Estalou um gole eofereceu: Meninas querer uma trago? Amizades de detetive sempre comear com brinde de usque;ser um superstion l do meu terra. Amizade que nascer com usque, depois crescer firme eforte, como esse rvore jatob, que durar mais que o vida dos pessoas.Pituca mais que depressa pegou a garrafinha. Usque. Meu pai toma muito disso da mas nunca me deu. Qude o copo?Mister John riu. Senhor Pituca, senhor Pituca; a regulamento do superstion mandar o gente beber no bocado mesmo garrafa. Ser o maneira certo que usar no Esccia.Pituca levantou a garrafinha na direo do Mister: nossa Mister! Muito sade.Chupitou um trago valente e veio que veio um caloro de estufa, queimando na cabea. Puxa, isso forte!Ps a lngua pra fora, deu umas bufadas e principiou a soluar. Todo mundo achou graa equando pararam de rir o soluo ainda continuava. Seu Tom trouxe um copo dgua. Tom trs goles um em cima do outro, bom menino. Pituca tomou e no adiantou nada no;huc-huc, o soluo continuava. Prenda a respirao disse o gerente, que estava quieto num canto. O soluo outracoisa no seno a contrao do diafragma, o msculo que fica embaixo do pulmo. Se agente pra de respirar, o pulmo segura o msculo e o soluo pra. o mtodo cientfico.Pituca apertou o nariz e fechou bem a boca e ficou segurando o ar. Houve um silncio na sala. Esto vendo disse o gerente. Isso a no falha. Huc! O soluo deu um pinote edestampou o nariz doPituca. Morda a lngua falou Edmundo. Minha me diz que bom. Vou morder nhoc ai! huc huc no adiantou na... huchuc.Era desses soluos pegos, apitantes e galopantes. O Mister, que j tinha se sentado de novo,disse de l: Pituca, pr essa copo de gua em cima do seu cabea e deixar a copo equilibrada, sem pro mo no ele.Pituca aproveitou o entretempo de dois soluos para equilibrar o copo na cabea. E o Misterzas-trs, sem nem ao menos descruzar a perna, puxou do bolso um esmite de prata de canolongo, tudo numa rapidez e, pum! largou um tirao que rebentou o copo e ainda derrubou doislivros da estante de seu Tom.Pituca ficou branco-amarelo. O senhor ficou gira, Mister? Podia ter me matado! Mim pregar susta. Solua se cura com susta. mesmo, o soluo passou. Mas um bocado arriscado o seu sistema, Mister. E se o tiropega em mim? Sistema ser perfeita, senhor Pituca. Se tira pegar na voc, a solua passar do mesmamaneira.Todo mundo riu de novo, menos o Bolacha que para variar no estava prestando ateno emcoisa nenhuma. Mister John disse seu Tom. Os trs bons meninos querem continuar na investigaoe me pediram ajuda para um plano deles. Como o senhor agora o titular da investigao, osenhor que resolve se deixa eles continuarem ou no; s vezes pode achar que atrapalha osenhor.O gerente empinou o queixo e interrompeu: Seu Tom, se acontecer um acidente, ns que seremos os responsveis. uma coisa perigosa, j lhe disse, no para meninos. Lugarde criana em casa, o senhor no acha, Mister? Tudo no vida ser perigoso, senhor gerente. O mais perigoso de tuda ser ficar em casa e nonviver o vida. Essa foi boa! exclamou Pituca, olhando de zomba para o gerente. Caramujo queleva a casa nas costas. Ser bem dito apoiou o Mister. Mim ouvir uma samba do poeta Vinicius de Moraes, nominha vitrola de pilha, que falar que o vida do gente ser pra valer, ser uma s, e que o genteprecisa escolher muito direitinha o caminho do vida, porque, quando o caminho acabar, non teruma outro non, para experimentar de novo. E agora que menina Pituca falar de caramuja, mimpensar que o gente ter dois escolhas: ser caramuja ou enton ser passarinha. Mim escolher serpassarinha. Ns tambm! aprovou Edmundo. Ento o Mister deixa a gente continuar? Yes. Quem ser mais esperta descobre a fbrica clandestina primeiro.Edmundo e Pituca bateram palmas. Ento conte pra ns suas aventuras.O escocs se ajeitou na poltrona e dum modo descansado, sem fazer gesto nenhum, foicontando as famosas investigaes. Os olhos que azulavam mais forte ou mais srio,conforme o pedao, e foi foi enfiando uma investigao na outra, sem parar; se o Edmundono olhasse no relgio, o Mister varava a noite. Chi! Est na hora da janta, vamos.Se despediram e o gerente, que estava ressabiado com o contra que tinha levado, achou umjeito de dar uma pinicada de implicncia no Mister. Olhou assim feito fosse distraidamentepara a estante e disse: Que pena; o tiro acertou logo nos dois livros que o seu Tom gostava mais e ainda tirouuma lasca deste jacarand da Bahia da estante. Por causa de um soluo. Senhor gerente, ter dois coisas no munda que non impedir o bala de passar: uma ser asolua e o outra ser a miado do ona. Mim j acertar muitos onas, mas no miado mim nuncaacertar.Ah! esse Mister no dava milho pra pinto! Edmundo, Pituca e seu Tom racharam de rir e at ogordo Fez cara de que achou gozado.O PLANO de Edmundo era para os meninos poderem ficar um tempo fora da casa, parainvestigar o que que o cambista fazia entre as seis e meia da tarde de um dia e o meio dia ecinqenta do outro. No vou contar os detalhes todos de como conseguiram sair de casa semningum desconfiar; dou o resumido: Seu Tom imprimiu na grfica dele uns papis com otimbre da Escola Primria Trs Bandeiras, Edmundo falsificou a assinatura do diretor elevaram cada um uma carta para os pais, dizendo que a escola ia fazer uma excurso de umasemana nas cidades histricas de Minas, para apreciarem as obras do Aleijadinho, o local daInconfidncia e essas bossas que os adultos batizaram com o nome de "instrui e diverte" eque, a bem da verdade, s aporrinham a pacincia da criana. Fizeram tambm o reverso dorevirado, isto , escreveram umas cartas dos pais para a escola dizendo que iam levar osfilhos por uma semana numa viagem pelas cidades histricas de Minas e que iam faltar nesseperodo. Para que a coisa tivesse tinta real de verdade slida, o seu Tom ainda telefonoupara o diretor da escola, fingindo que era o pai de cada um, e depois telefonou para o pai decada um, fingindo que era o diretor da escola, deram mais uns toquinhos e ficou tudo perfeito.Toda essa fazeo de cartas e telefones daria cinqenta e sete captulos de novela deteleviso, mas ns estamos com pressa de descobrir esse raio de fbrica clandestina, eporisto eu j ponho os trs meninos andando na Marginal, s cinco da tarde, procurando umlugar de botarem acampamento.Andavam pela beira do rio, entre o capim alto, e fuando fuando acharam uma praiazinha queficava embaixo de um barranco, bem encaixada. 0 barranco era alto de trs metros e avanavano rio em forma de U, no dando passagem por nenhum dos lados. Uma praiazinha dessas,embutida assim, era o lugar melhor para acamparem, sem perigo dos curiosos verem. E nemda outra margem podiam ver, porque o pedao de praia tinha capim de dois metros eEdmundo e Pituca foiaram e capinaram o trecho justo que dava para a tendinha e a tendinhaficou tapada pelo capim de em redor. Acertaram tudo e foram jantar em cima do barranco;tinham trazido uma poro de apetrechos comprados por seu Tom.A comida estava boa; presunto, rosbife, queijo e goiabada e o caf quentinho da garrafatrmica. Hum disse Bolacho, se deitado no cho. bom comer, depois que como, no sintoraiva de ningum. Estava danado com o pai; foi passear em Santos e no me levou. Tinharesolvido que ia desmarcar os livros dele, de malcriao. Agora passou. Eu no preciso marcar livro disse Pituca. Sei sempre onde parei. Gozado o gordo observou Edmundo. Com a barriga cheia ele faz confidencias. Mas carece de ser jantar grande disse Pituca. S com sanduche ou copo de leite eleno se abre. Falar mesmo o Mister Fez Edmundo. ta Mister! Estamos na frente dele e acho quevai se enroscar naqueles trajetos do cambista. Quero s ver. No acredito nele disse Pituca. Parece meio criano. Mas um boa praa. Isto, . Estamos jantados e conversados disse Edmundo. Vamos ao srio; temos que espiar ocambista entre seis e meia da tarde, quando chega do centro, e dez para uma, quando vai. nesse meio de tempo que faz o contacto. quase seis e meia observou Pituca. Vamos espi-lo das seis e meia em diante, varando a noite e a madrugada at meio dia ecinqenta de amanh. Vai precisar de revezamento, enquanto um espia, dois dormem. J dividi o tempo disse Pituca. Das seis e meia at dez e meia fico eu, das dez e meiaat duas e meia da madrugada fica o gordo e voc fica das duas e meia at seis e meia. Dapara frente dia e cada um j dormiu oito horas, pode restar acordado. timo concordou Edmundo.Foram na direo da casa do cambista e escolheram um lugar ajeitado para tocaia, em cimadum morrinho. Pituca ficou l, com o binculo, e Edmundo mais o gordo voltaram ao barranco.Para descer os trs metros at a praiazinha tinham escorregado uma corda no buraco eamarrado ela num tronco firme de arbusto. Edmundo desceu fcil, mas o gordo no quis no. Eu, heim? Estou bem aqui, tenho travesseiro e cobertor e a tarde est morninha. Certo Bolacha; vou puxar meu ronco. Se o Pituca vier dar aviso de novidade grande, mechame.AS dez e meia Pituca voltou, dizendo que o cambista chegou em casa s seis e meia, sefechou l e no saiu e nem recebeu visita de ningum. Desceu na corda e o gordo foi para atocaia.s duas e meia Edmundo acordou sozinho, esperou dez minutos e nada do gordo voltar.Trepou na corda e andou para o ponto da tocaia. Bolacho no estava l. U. Que feito desse gordo?A noite estava bonita, com uma lua amarela redonda, clareando o Tiet. Dava viso para seenxergar sem lanterna. Edmundo olhou em derredor e viu uma casca de laranja. Foi ali e viuoutra mais pra frente." o rasto do gordo" pensou. "Vou seguir."Andou vinte metros farejando o cho, por uma linha de caroos, cascas e bagaos. De repenteo rasto acabou."Acho que perdi a pista."Espichou a vista um pouco melhor e viu um papel de sonho de valsa, quebrando paraesquerda."Oba. O gordo virou aqui. Isso no mais seguir gente, t seguindo um restaurante."Papel de sonho de valsa, farelinho de biscoito e deu no gordo, atrs dum matinho, olhando nobinculo. Sim senhor seu gordo; mudas de lugar e esqueces da vida. J era tempo de ter merevezado. Dali s dava para ver a frente da casa; do matinho esse, enxergo a janela do quarto, estaberta no foco da lua.Edmundo pegou no binculo e viu a sombra do cambista, dormindo do lado da mulher. Novidades? Muitas. Esse cara dorme de boca aberta e baba no lenol. Bom, v dormir. E melhor descer na tenda, o tempo esfriou. Tchau.Edmundo se ajeitou no matinho, no vo de folhas que o gordo esquentara. E a madrugadaassoprava um vento navalhinha de pinicar as orelhas, de modo que o menino se encolheu eapertou o cachecol bem. Monotonia que era, ficar paquerando o sono do cambista, babavamesmo, o gordo tinha razo. De vez em quando o farol dum carro que corria na Marginalriscava um claro movente nos tufos do capim. Edmundo olhou a concha do cu, procurando ocruzeiro; as estrelas eram mais visveis das partes mais longe da claridade da lua; tantasestrelas, v l se entender uma coisa que no acaba, o universo, se afundando sempre semter fim. Os planetas e as estrelas navegam no nada e o nada no pode ter fim, lgico; mascomo que pode um negcio que no acaba? A gente pensa e no entende.Noite paulista de beira de rio, a luz da cidade saindo para cima, feito uma nvoa, e as gentesque voltam tarde acendiam janelinhas nos arranhacus. Edmundo estava largado nessespensamentos e ouviu um barulho de folha pisada e um psiu. Era o Pituca. Pituca! Voc devia estar dormindo. Dever devia, mas sabe o que foi? O gordo quis descer na corda do barranco e se despejoufeito uma bomba em cima da tenda; amassou tudo e quase me sufoca no meio da lonaachatada. Se machucou? No sei, deixei ele l desmaiado e vim perguntar que devo fazer. Morrer no morreu, estrespirando, capaz de ter quebrado uma ou duas pernas, coisa assim. Pxa, voc precisa ter mais iniciativa, Pituca! Volte l, arrume a tenda e s vem me chamarse tiver coisa grave. Para arranhes e feridas leves pegue a caixinha dos socorros urgentes.Pituca foi e com pouco de tempo estava de volta. O gordo est enxuto e j arrumei a tenda. S que ficou muito bravo e no me deixa dormir;anda de um lado pro outro e fica xingando sem parar. Diz que vai voltar pra casa. Voltar pra casa! Gordo irresponsvel, no deixe! No tem perigo, no consegue subir na corda, j tentou um par de vezes e neca. Oproblema que eu estou com sono e aquele animal no deixa. crise de raiva, j vi ele ter igual, passa logo. Na latinha vermelha tem erva de camomila,faa um ch e d pro gordo, calmante.Pituca deu meia-volta e Edmundo continuou pesquisando o sono do cambista.A MARGINAL foi ficando clara com o sol da manh, os favelados iam para o batente e acrianada saa chispada dos barracos, para inventar brincadeiras nos terrenos baldios e nabeira do rio. Mais no longe, a carreira branquicenta dos arranha-cus dava a nota de cartopostal de cidade grande. s quinze pras sete Pituca chegou e Edmundo no voltou dormirporque j tinha dormido oito horas e no precisava mais. Ainda no tinha acontecido nada, eos dois iriam observar o cambista at as dez pra uma, desfalcados do gordo que ficara presono buraco.s sete horas o filho menor saiu do barraco, com uniforme de escola.Siga ele Pituca.Demorou meia hora e Pituca voltou. Foi para a escola mesmo, estuda no Ateneu Nosso Brasil, na Casa Verde. Parece que nosegundo ano.Um helicptero azul passou baixinho e um pequeno avio levantava vo da outra margem dorio. Ali, naqueles galpes, fica o Campo de Marte disse Edmundo. Meu tio tem um aviol. Olhe, a mulher do cambista saiu com uma sacola. O cambista que no acordou ainda.Siga a mulher.Pituca foi atrs da mulher, que Fez compras no armazm e no aougue e voltou para casa,sem nada de suspeito. O menino ia andando pelo capim, na direo do matinho de tocaia, esentiu uma mo quente e pesada no ombro. Pituca deu um salto, porm tropicou numa raiz ecaiu de costas no capim. Menina Pituca querer um trago de usque?0 Mister estava de camisa esporte e a pele do brao era muito branca em contraste com overmelho da cara. Mister John, o senhor aqui! Ser mim mesma disse o escocs e estendeu a garrafinha. No obrigado, d soluo. Se dar solua, mim dar outra susta e a solua passar. Deus me livre!Detrs de um outro capim, veio vindo um velho magro, metido num macaco de operrio, acanela fina dele parecia um espeto na cala larga. Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse cara a de non ser de nada, mas Jonas ser fogo,j salvar o meu vida trs vezes, non ser verdade, Jonas? Yes sir. Mim disfarar ele de operrio, mas com esse cara non parecer operrio de jeita nenhum,nem eu saber o que ele parecer, mim pensar bastante e non conseguir achar parecida comnada. Parece ajudante de detetive escocs disfarado de operrio disse Pituca.O Mister riu e Jonas cumprimentou o menino. Saludos amigos.O Mister riu mais. Este Jonas ser de morte, ele pensar que na Brazil o gente falar espanhol. Mim j explicarele que a Brazil ser uma pas muito curiosa, onde o gente falar em brasileiro e escrever emportugus. Puxa, como o senhor achou depressa a casa do cambista! Como que fez? A cambista usar um sistema de despistamento que ser inventada por um alemom chamadoFritz, em abril de 1948, no cidade de Frankfurt; mim j conhecer esta sistema, ter ela no minhaarquivo. Engenhoso maneira de mudar de conduons, usando ruas de contra-mon; tornarimpossvel a bandida ser seguida, mesmo por vrios pessoas combinadas. Se impossvel como o senhor descobriu? Mim fazer o mesmo pergunta; nunca pensar que meninas poder furar sistema Fritz.Pituca contou a idia do gordo. 0 Mister ouviu, cocou a cabea, olhou pro cu e deu umagargalhada enorme e, enquanto ria, dava palmadas na perna. R! R! R! Rrrrrrr! Seguir pelo revirada, good, good! Ser um tamanhssima dum idia,minha Deus do Cu, que que este gorda ter no dentro do cabea para imaginar o traadoduma pensamento assim! De trs para diante, good, good, ser do p virado, ser do arco dovelha, s mesma esse gorda. O invenon ser importante, mim escrever no minha caderninho.O escocs sentou na grama, tirou o caderninho do bolso e rabiscou umas palavras em ingls.Pituca olhou por cima do ombro dele e s entendeu a palavra Bolachon e viu tambm que oMister ps vrios pontos de exclamao, no fim das frases. Mister, o senhor escreveu errado o nome do gordo; no Bolachon, Bolacho. E botameu nome a, que eu ajudei o gordo a ter a idia.Mister John sorriu e escreveu o nome de Pituca, no meio de outras palavras em ingls. Que que o senhor disse de mim? Mim dizer que Pituca ser uma detetive simptica. Agora sua vez de dizer como furou o sistema Fritz. O escocs levantou e foi andando nabeira do rio; Pituca e Jonas vieram trotando atrs, cada pernada do Mister valia cinco dasdeles. Mister John Smith Peter Tony deu a volta num arbusto maior e mostrou o helicpteroazul claro, que os meninos tinham visto antes passar baixinho. No metal da porta estavamparafusadas seis letras douradas, que era a inscrio do Mister: J.S.P.T. D. I. Mim convidar Pituca para uma passeio.Pituca sentou-se no meio do Jonas e do Mister e afivelou o cinto de segurana na barriga. 0helicptero do Mister devia ser duma marca especial s dele; nem o escocs tinha apertadoum boto e o helicptero deu um pulo canguru e duma estilingada subiu quatro mil metros.Isso em menos de um segundo. Nessa altura parou e Mister John puxou um tubo canudo dopainel. Olhar neste lente. Brbaro! Parece que estou a um metro do cho, enxergo tudo e melhor que se estivesse l. Mim seguir a cambista do cu com esses super-lentes, que as russas e americanas usarpara fotografar o Lua. Olha, estou vendo o gordo na praiazinha, vejo at os pingos de suor no nariz dele. R! R!O gordo est pescando, que burrice, todo mundo sabe que o Tiet no tem peixe nenhumaqui, por causa dos detritos das fbricas. Ixi, pumba, pescou um! T todo mundo doido, seu!O helicptero aterrisou no mesmo lugar. Ns j conversar bastante, agora cada um continuar no seu investigaon. Se ns descobrirmos a fbrica clandestina antes, o senhor perde o ttulo de detetive invicto? Sim, non tem dvida. Mim ser invicto porque sempre descobrir bandidas antes das outrasdetetives.Pituca voltou no matinho da tocaia e Edmundo falou que por enquanto no havia novidade, ocambista nem sara de casa. Ao meio dia o filho maior saiu tambm com uniforme de escola.Edmundo seguiu e viu que estudava tambm no Ateneu Nosso Brasil. s dez pra uma ocambista saiu e foi para a cidade. Que coisa! Pesquisamos cada segundo da vida dele, as vinte e quatro horas do dia e novimos contacto nenhum. Vamos almoar.Desceram na praiazinha e o gordo estava fritando outro peixe. bom esse peixe a Bolacha? Mais ou menos, uns tm gosto de sabo em p e outros de cido sulfrico, carregando napimenta vai.Contaram os casos e o gordo virou e disse: Fcil, quem faz o contacto o filho menor, que vai na escola de manh. Por que no o maior? Porque o menor vai e volta da escola enquanto o cambista est em casa. As encomendasde figurinhas so feitas num dia, no Largo de So Bento, e j o cambista entrega asencomendas no dia seguinte. De tarde no entra em contacto com ningum, s pode ser ofilho menor que leva o recado das encomendas e traz as figuras da escola. Ele volta poucoantes do cambista sair. Moraram? No caminho de ida o menino no falou com ningum disse Pituca. Ento o contacto l dentro da escola ou no caminho de volta. Isso mesmo. Bolacha disse Pituca. J que voc to inteligente, inventa um jeito de sair doburaco. Quero ver. Minha cabea no pra tirar besteira; no sou bicho de circo. Tenho um plano disse Edmundo. Vocs ficam a que eu vou na casa do seu Tom.Vamos precisar dele de novo.Trepou na corda. Pituca e Bolacho ficaram passando o tempo, primeiro jogaram xadrez, maso gordo deu um mate em quatro e o Pituca ficou fulo e no jogou mais. Ficou lendo revistinha eouvindo no rdio de pilha e o gordo dormiu. Bem depois Edmundo chegou, satisfeito, trazendouma escada dobrvel de alumnio, bem levinha e fcil de levar, que era para o gordo podersair do buraco. Est tudo pronto. Amanh vai ter.Captulo 17O meio do rebolio dos alunos que entravam no Ateneu Nosso Brasil, tinha um senhorbaixo e careca que puxava na mo um gordinho. Chamou um dos alunos e perguntou: Meu bom menino, faa-me o favor, onde fica a sala do diretor? Ali. O diretor aquele parado na frente da porta. O careca agradeceu e andou at odiretor. Tenho a honra de falar ao excelentssimo diretor do colgio? Perfeitamente. Muito prazer, Alberto de Almeida, seu criado. Posso dizer-lhe umas palavrinhas? Tenha a bondade de entrar. Senhor diretor, resolvi matricular meu filho neste estabelecimento de ensino porque ouvireferncias boas. Tira o dedo da boca, Afonsinho! Na frente do diretor, que coisa feia! 0 senhor quer matricul-lo para o ano que vem, naturalmente. No, no, gostaria que comeasse j. Mas estamos no segundo semestre. Afonsinho, v dar uma volta; seu pai tem um particular para dizer ao diretor.O gordo saiu. O problema o seguinte, senhor diretor: o Afonsinho um pouco retardado. Desconfiei pelo jeito dele. mongolide? No, teve uma meningite, destas fatalidades, a vontade de Deus, a gente tem que seconformar. No comeo fiquei aborrecido, achei que Deus tem umas vontades esquisitas, mas ohomem pe e Deus dispe e a gente no tem capacidade de penetrar nos despachos do cu,mesmo porque tem um ditado que diz "Deus ajuda quem cedo madruga" e outro que diz "Maisvale quem Deus ajuda que quem cedo madruga". No sou de filosofias, senhor diretor, s seique por felicidade a doena no prejudicou completamente o Afonsinho; sabe raciocinar, comdificuldade, lento, mas vai. No totalmente incapaz. sujeito a fases eufricas e depressivas? Sim, quando come fica eufrico e muito deprimido quando est com fome. No bem isso, senhor Alberto. Falo dos perodos alternados de abatimento e excitaoque aparecem em certas doenas no crebro. Ah. Disso no tem no, at que muito igual sempre. Qual o adiantamento dele. Pela idade deveria estar no admisso, mas por causa da doena s Fez o primeiro ano.Repetiu trs vezes, mas acabou passando e esse ano no estudou porque o mdico mandoudar uma folga, para no forar. Porm ficar muito tempo sem fazer nada tambm ruim e omdico recomendou que voltasse aos estudos. Trouxe o Afonsinho, para ir assistindo as aulasdo segundo ano, no precisa nem fazer exame, s para ter uma ocupao, no ano que vemele faz o segundo completo, do comeo ao fim. Est bem. Qual o horrio que o senhor quer? De manh. 0 mdico disse que de manh o crebro do Afonsinho funciona mais. Tem os documentos para preencher a matrcula? pouca coisa, atestado de nascimento eduas fotos trs por quatro. As fotos tenho aqui, a certido entrego na semana que vem. No problema, o menino pode comear amanh. Em qualquer loja vendem nossouniforme. Fique tranqilo que levaremos em conta o caso especial de seu filho, muitosimptico e hoje a cincia d jeito para tudo, pode crer. E console-se, que h doenas piores,podia ter nascido cego, no ? O senhor disse bem, senhor diretor, h doenas piores. Imagine se fosse cego, coitado.Podia at nem ter nascido, o que muito pior. J imaginou o nmero de infelizes que nuncanasceram? A pior coisa que tem no nascer e acho que tem mais gente que no nasceu doque a que nasceu. Mas onde anda essa criana? Afonsinho! Deve estar no ptio, vou mandar o zelador traz-lo. No carece, l vem ele. Afonsinho, vamos embora, tira o dedo da boca!Quando chegaram na rua, seu Tom falou pro gordo: Meu bom menino, vocs fazem de mim gato e botina, eu, um homem srio, industrial, nuncamenti na vida e, numa semana, me botam a fazer cartas falsas, fingir voz de pai no telefone,voz de diretor, e agora estou aqui, pai do Afonsinho! Mas sabe duma coisa, no comeo euficava nervoso, mas perdi a vergonha, meu bom menino, j nem penso mais, as mentiras quepulam da minha boca, desasnei completo. Hoje representei bem, no acha? Hum.Sem mais dizer o gordo voltou ao acampamento e desceu pela escada de alumnio. Como ? Seguimos o filho do cambista na volta da escola; no falou com ningum e no parou emlugar nenhum. Ento o contacto na escola. Quem sabe a fbrica l dentro? Acho que no disse o gordo. Enquanto seu Tom conversava com o diretor dei umaolhada nas classes, no ptio, e no tem cara de ter tipografia l. Viu o poro? No tem poro. Ento o filho do cambista passa a lista das encomendas para algum durante a aula.Amanh voc descobre; hoje tarde o Pituca vai no Largo de So Bento, fazer uma brutaencomenda. S no estou gostando disso de bancar retardado, no fica bem. Fica sim, Bolacha disse Pituca. Sempre achei voc com cara de meningite.NO seu uniforme novo o Afonsinho entrou na escola. 2 ano, entrar na fila!Juntou a fila e o ltimo inventou de brincar de "passa" e mandou um cascudo na nuca dopenltimo; o cascudo veio rolando para a frente da fila e chegou no de trs do gordo, o qual,mais que depressa, largou cascudo no Bolacha. Passa!O gordo, muito compenetrado no seu papel de debilide, Fez que no entendeu e chupou odedo. Passa! No banca o marica!A turma de trs insistia e protestava. Protestaram tanto que deu raiva no gordo e, como ele erabem maior que os outros, largou um cascudo tamanho famlia que jogou no cho o magricelaque estava na frente. Esse mundo gozado, a mesma turma que ficou brava porque o gordono cascava o da frente, revoltou-se contra o gordo porque ele cascou demais. Foi umabaguna da danada, a fila virou roda, assoviavam, xingavam o gordo, e um mais forte, decabelo escovinha, olhou feio para ele: Gordo covarde! Te quebro a cara na sada!A valentia do escovinha animou o resto, que xingava mais de longe, e j queriam bater nogordo ali mesmo. Foi a que uma moreninha muito bonitinha, de olho grande e cabelo lisinhoque escorria no ombro, falou enrgica: Ningum toca nesse gordo! Covardes so vocs! Ele doente, ouvi o professor dizer.A turma respeitou o rompante da morena e se quietou. E o gordo, que nunca tinha sido denamorar, achou ela bem bonita e simpatizou. Nisso chegou o zelador que mandou a fila searrumar direito e ir para a classe. A moreninha puxou a mo do gordo: Vem sentar comigo gordinho, eu mando a Madalena sentar na outra carteira.A fila principiou a andar e o gordo estava muito aceso, prestando ateno no filho do cambista:a lista de figurinhas devia estar na bolsa dele e seria passada para algum, dentro da escola,em um momento daquela manh. 0 gordo era de natureza desligado, mas na hora queprecisava ele ficava muito esperto, sabia enxergar o fundo das coisas, como ns sabemos.Quem seria o emissrio da fbrica clandestina? Um aluno, um professor, o zelador, o faxineiro,o prprio diretor, carecia desconfiar de todo mundo, a histria dos crimes mostra que o menossuspeito costuma ser o culpado e, pelo revirado, tem vez que no , e muito detetive j entroubem, porque comeou logo desconfiar do menos suspeito e vai ver o criminoso era mesmoaquele que desde o princpio todo mundo achava que era. 0 gordo tinha que observar detalhesos mais mnimos, o jeito de um olhar pro outro, de virar a cabea, algum gesto brusco, tudo,tudo. E onde se daria esse contacto? Na sala de classe, no ptio, na secretaria, na sala dodiretor, no banheiro, no corredor, por cima do muro? o que vamos ver. Por enquanto estavameio a zero, porque nem mesmo prova provada havia que a lista das figurinhas vinha na bolsado filho do cambista: era quase certo, mas era um fato terico que precisava de verificao.Chegaram na classe e foram se enfiando nas carteiras; Bolacho sentouse junto com amoreninha, dois bancos atrs do filho do cambista, lugar muito bom para espiar o total dosmovimentos dele, porque era dois bancos atrs, mas em outra fileira, de modo que se olhavaenviesado e no tinha obstculo do meio.PROFESSOR principiou a dar a aula e o gordo resolveu principiar a sua especulao, com oscuidados do detetive, e porisso meteu o dedo na boca, jeito perfeito de meningticoretardado, e perguntou pra moreninha: Esse a o nico professor da classe? Tem algum outro?A moreninha olhou bem o gordo, com seus olhos fundos grandes pretos e disse aquilo quenem gordo nem ningum podia esperar: Gordinho, essa sua finta no me engana no; voc detetive, eu sei.Um lugar comum chama isso de cair do cavalo, mas no caso de gordo a expresso fracamuito. Bolacho desmoronou-se inteiro, ele, o bom, o geniozinho, tricotando fio e fio parapegar um suspeito, e vem uma coisiquinha duma menininha e pega o pegador, assim noestalo, fora de conta. Uma lambada desse tamanho no dava tempo para o gordo pensar, sse fechou em copas para ter folga de recuperar o prumo e a linha normal da cabea: Fez queno entendeu e deu outra chupitada no dedo. Hum. No tem um nem dois. J ou viste falar da intuio feminina? Hum. Intuio feminina isso que eu tenho, pego no ar a entre-coisa das coisas. E te peguei,reparei uns modos e olhares em voc que s menino inteligente tem e se um meninointeligente vem aqui encapuado de retardado, s pode ser para descobrir crime, e ento detetive.O gordo estava arriado espinafrado e aos bocadinhos foi recuperando o controle dopensamento. A garotinha podia estar jogando no verde para colher a fruta cada, podia ser daquadrilha, capaz de ser uma biruta que acertou assim na mosca por coincidncia, feito essescasos que acontecem e que o povo chama de milagre, sei l. Ele que no era papagaio pradar o p louro, imagine; o negcio correto era zipe na boca e observar o adversrio e deixarele se abrir, que quem muito fala o ponto fraco mostra. E como o gordo no falava, amoreninha continuou, na voz cochichada de quando a gente fala na classe durante a aula: Eu adoro histria de mistrio, gordinho, e meu sonho grande era topar um detetive deverdade, pra namorar. Sei que voc est desconfiando de mim, e tem razo, bota meu nome ana sua lista dos suspeitos, ningum escapa. Sabe qual o primeiro nome que o bom detetivepe l em cima da lista? Hum. O dele mesmo, pode ter dupla personalidade, j vi um filme assim, investigou investigou eprendeu-se a si mesmo, gozado n? O camarada passa duma pra outra e a uma no lembra oque a outra Fez. Como que voc se chama? Hum. Eu me chamo Berenice, no acha bonito? o nome duma constelao, a Cabeleira deBerenice. E eu, voc acha bonita?O gordo achava, danada duma azucrinada, mas tinha as graas da mulher. Falava aquilo tudosem ridculo nenhum, muito natural, essas coisas, mas o gordo j estava frio da idia econtinuou calado para ver at que ponto ia dar o embalo da moreninha; chupou mais o dedo edeu uma revirada de olho, assim bem boc.Berenice riu os dentes todos. Gordinho, gordinho, est gastando o dedo ata. Ou voc me conta diretinho o crime esse,e eu te ajudo, ou espalho pra classe. E primeiro vou espalhar pro Raimundo e apontou ofilho do cambista que eu reparei na fila que voc olhava muito nele.Tirou uma folha do caderno e escreveu:"Raimundo, cuidado, esse gordo veio paquerar voc". Vou mandar o garoto da frente passar o bilhete.Xeque-mate. Bolacho no tinha escapulida e confessou: T bom, sou detetive. timo. Vamos descobrir juntos o crime e depois eu fico tua namorada, t? Essas belezasvoc no , mas tem it, sabe, meu Belmondinho recheado.A COISA estava no vai ou racha; ou a menina trapalhava a investigao duma vez ou at quepodia ajudar. O gordo tinha tambm suas intuies e achava ela sincera. Contou pra ela oresumo do caso e perguntou do Raimundo. Olha gordinho, no simptico nem antiptico, no vi nada especial nele at hoje. Passar ereceber pacotinhos e listas tambm no vi. Tem s esse professor na classe? No, tem o de educao fsica, o de trabalhos manuais e a professora de canto. O Raimundo s vezes fica sozinho com algum professor, de castigo, coisa assim? A dona Ins, de canto, gosta muito dele, ele tem boa voz. J foi na casa dela ensaiar econversam bastante depois da aula. Vai muito na sala do diretor? No. Quem o que senta do lado dele? O Paulo, j foi meu namorado. Voc, heim, quantos j namorou aqui? S o Paulo, prefiro namorar os do admisso ou do quarto ano, tm mais conversa, sabe. Fale-me do Paulo. Sentado do lado dele fcil passar a lista. No tempo que eu namorei ele, no achei com jeito de bandido. E o Raimundo, tem jeito? , estou pensando feito boba. Deixa que no recreio vou assuntar de leve com o Paulo. Mas de leve heim, uma palavrinha a mais entorna o caldo. Olha, esqueci de dizer que o Raimundo se d muito com o zelador. Sempre conversam norecreio. Sei, e quem o amigo mais chapa do Raimundo? o Tefilo, esse sentado a na sua frente. manaco por futebol, vive irradiando.O gordo espichou o pescoo e ps a cara atrs da nuca do Tefilo; o garotinho estava com amo fechada perto da boca, igual microfone, e irradiava baixinho: Ateno, muita ateno, prezados ouvintes, a falta perigosssima, Armando Marques apitao seu instrumento de trabalho, est formada a barreira, barreira de trs, isso no existe, seu,Paulo Borges toma distncia, Ia vai a bomba, pum, gol, goooooooooooooooool doCorinthians, mercadoria alvinegra no barbante alviverde. Delrio de palmas no prprio damunicipalidade!Berenice morria de rir e cutucou o Tefilo. Tefilo, quanto t o jogo? Trs a um pro Corinthians. Assim no tem graa, Tefilo, quando voc irradia o Corinthians nunca perde, fcil. Fcil nada, o Armandinho expulsou trs do Corinthians e inventou pnalti a favor doPalmeiras. S ele que viu. Fala Gerubi! Como foi o lance a atrs do gol? disse o gordo. Esse disinfeliz a t riscado da lista dos suspeitos. Coitado, mania, mas no burro. No risca no. E namorada, o Raimundo tem? Nunca, muito fub.Um menino na primeira fila levantou o brao: Seu Fernando, verdade que o rio Amazonas o maior do Brasil? Perfeitamente, Z Tavares. O maior do Brasil, o segundo do mundo em comprimento e oprimeiro em volume dgua. Um orgulho nacional. E esse bolostr a, que pito ele toca? perguntou o gordo. o Z Tavares, um chatinho; vive fazendo perguntas para se mostrar. Meus alunos, quero ver agora os mapinhas que mandei fazer em casa disse o professor.Choc Choc, os alunos puseram os mapinhas em cima das carteiras. Posso recolher os mapas para o senhor? Pois no Z Tavares, muito obrigado. badalo mesmo cochichou o gordo.Z Tavares percorreu a classe, coletando as folhas, e comeou pelo banco do Raimundo.A PRXIMA aula era de ginstica e a classe foi para os vestirios, um das meninas e outrodos meninos. Os meninos se trocaram e um homem forto, espremido numa camiseta justaentrou no vestirio. Pronto rapazes? Vamos saindo. Hei, voc, por que no trocou a roupa? Sou novo respondeu o gordo. No tenho equipamento. Porisso no, faz ginstica vestido; vamos derreter essas banhas disse o forto com o arjovial e a voz enrgica que os esportistas usam. No posso, o mdico proibiu, tive meningite. Meningite? Ah, desculpe, desculpe. Est dispensado, mas quero o atestado mdico daprxima vez.O forto deu uma disparada e a turma saiu galopando atrs, de modo que o gordo ficousozinho no vestirio. Comeou revistando a roupa do Raimundo, puxou os bolsos pra fora,tateou cala e camisa para ver se tinha bolso falso, olhou sapato e meia e depois mexeu porali, nas roupas de outros tambm. Os meninos tinham parado de correr e agora faziam aginstica que o forto mandava um dois um dois."Vou revistar a carteira do Raimundo" pensou Bolacho.Ps o dedo na boca e entrou no corredor com passo de boc; das portas fechadas das outrassalas saa a misturada das vozes dos professores dando aula. Entrou no segundo ano; obanco do Raimundo ficava perto da janela e o gordo no precisou procurar muito, a listaestava dentro do caderno de portugus, escrita em letras muito grandes:"Para hoje, sem falta:20 Pel3 Ademir8 Dias12 Rivelino3 Paulo Borges4 Carlos Alberto14 Ivair""Hum" pensou Bolacho. "A lista no foi passada ainda. Tinha desconfiado da entrega dosmapas pro Z Tavares. Tem duas possibilidades, ou ele vai passar a lista depois do recreio ouento ele no passa e s mostra para o Paulo copiar."O gordo teve um arrepio na espinha de satisfao e de emocionado tambm, porque a coisaestava quente e ele estava na estrada boa. Mexeu nos cadernos do Paulo para ver se ele tinhacopiado a lista. No tinha. Agora sim que era preciso ter cuidado, muito muito, se o Raimundodesconfiasse alguma coisinha, suspendia na hora o contacto com a fbrica clandestina e voltatudo patrs, a fbrica arrumava outro cambista, outro sistema, e bu bu. O forte da quadrinhaera esse, podiam prender e descobrir cambistas, que no afetava eles. aquela Berenice,tomara que no fizesse bobagem, naquele entusiasmo que ela estava. Que est fazendo a, moo?Susto bravo que o gordo levou; era o secretrio do colgio, um moo de cabelos vermelhos,parado na porta. Vim pegar meu lanche respondeu o gordo. Me dispensaram da ginstica e tive fome. No leu o regulamento? S pode entrar na classe com ordem do professor. V para o ptioe espere o fim da ginstica l.O gordo tinha posto os cadernos do Paulo e do Raimundo onde estavam antes, mas tinhadeixado a lista das figurinhas em cima da carteira. Depressa menino!Bolacho saiu, com muita raiva do secretrio, e porisso foi andando bem devagar, de passinhomido, para irritar ele."Diabo" pensou o gordo. "Agora eu fui pro brejo, o Raimundo vai ver a lista l, estragueitudo."O secretrio acompanhou a andada do gordo, com olhar severo, e no arredou da porta atque Bolacho atravessou o corredor e saiu no ptio.O gordo entrou no vestirio, ficou um tempo l e depois veio sentar num banco para olhar o fimda ginstica. Os meninos faziam exerccios dum lado e as meninas do outro, com umaprofessora. Aquela Berenice era graciosa, os movimentos que fazia dava um gosto bom dever, levantava os braos e o cabelo escorrido balanava no ombro. 0 forto apitou e os alunosforam trocar de roupa. Que vem agora? perguntou Bolacho para o Tefilo. o recreio. Vocs voltam na classe antes do recreio? Voltamos s para pegar os lanches.Deu o sinal do recreio e o segundo ano embocou no corredor, na contramar das outrasclasses que vinham direto ao ptio. Entraram na sala vazia e foram catando os lanches.Bolacho chegou na carteira do Raimundo, esperou que os vizinhos de trs pegassem amerenda e recolocou a lista das figurinhas no caderno de portugus. Demorou mais um poucoe Raimundo e Paulo entraram na classe, danados da vida. Que brincadeira besta! Se eu pego o excomungado que deu um n na minha cala, eurebento ele! Eu tambm, se rebento! Escondeu meu sapato em cima da porta!Bolacho Fez cara de boc, chupou o dedo e saiu da classe. Captulo 22O RECREIO era aquilo de sempre: uns brincavam de esconde-esconde, outros depegador, alguns jogavam abafa, uma rodinha metia o pau nos professores e um marmanjojudiava dum magrinho.Raimundo comeu a merenda, andou por ali, ficou numa rodinha um pouco, conversoucom o Tefilo e depois foi falar com o zelador e ficaram batendo papo. Bolacho chegou perto,de manso, para assuntar, mas tinha um garoto pulando o muro e o zelador foi l dar um pitonele.Berenice veio e disse que por enquanto no tinha reparado nenhuma pista. A lancheiradela era dessas tira-colo, comia uns croquetinhos de galinha e ofereceu. 0 gordo aceitou, lgico, aceitou um dois e trs, mas deixou unzinho, pra ela terminar; o gordo estava degrandes deli