O FUTURO (1862-1863): UM PROJETO JORNALÍSTICO LUSO...
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X SEL – Seminário de Estudos Literários
UNESP – Campus de Assis
ISSN: 2179-8471
www.assis.unesp.br/sel
O FUTURO (1862-1863): UM PROJETO JORNALÍSTICO LUSO-BRASILEIRO EM TEMPOS
DE FRANCOFILIA.
Aline Cristina de Oliveira (Mestranda – UNESP/Assis – CAPES)
RESUMO: A atividade da imprensa no Brasil começa com a chegada da família real portuguesa e ganha cada vez mais espaço a partir da independência. É justamente num momento de efervescência da atividade jornalística que surgirá, em 15 de setembro de 1862, o periódico O Futuro, de Faustino Xavier de Novaes, publicado quinzenalmente até 1º de julho de 1863. Conforme sugere o subtítulo – O Futuro: periódico literário – a ideia central do jornal era promover a manutenção das relações literárias entre Brasil e Portugal, defendendo a qualidade dos escritores e servindo como ponte entre as duas nações. Entretanto, a despeito da ideologia do periódico, a História mostra uma forte presença do modo de vida francês na sociedade oitocentista e a imprensa atuará, via de regra, de acordo com esse gosto afrancesado. Assim, a importação do modelo francês de publicação, com ilustrações, figurinos e romances publicados em fatias, garantiu a sobrevivência de muitos jornais contemporâneos d`O Futuro. É inequívoca a importância da imprensa para a vida literária brasileira no século XIX, uma vez que alguns escritores, posteriormente consagrados, se utilizaram do jornal como laboratório de formação. Contudo, a invasão dos romances folhetinescos, produzidos por autores franceses, fazia com que estes detivessem um lugar privilegiado nas páginas dos jornais em razão da pronta aceitação dessa literatura pelo público leitor. Contrapondo o projeto luso-brasileiro d`O Futuro à inserção francesa na sociedade da época, o presente trabalho levanta a hipótese de ter sido a rejeição ao arquétipo estrangeiro o motivo da efemeridade do periódico. PALAVRAS-CHAVE: Machado de Assis; O Futuro; imprensa; século XIX
No século XIX, depois de investidas bem sucedidas em diversos países europeus,
Napoleão Bonaparte e seu exército seguiam rumo a Portugal na tentativa de subjugar mais um
governante ao império napoleônico. Diante dessa situação, o rei lusitano, Dom João VI, evita um
possível atentado francês refugiando-se em uma de suas colônias, o Brasil. Com a chegada ao
território brasileiro, Dom João tomou uma medida que não somente mudaria os rumos da
economia nacional, mas propiciaria também o desenvolvimento da imprensa: a abertura dos
portos. Sofrendo pressão por parte dos Ingleses, que devido a Revolução Industrial detinham um
expressivo poder econômico na época, o representante do império português em decadência
viu-se obrigado a fazer determinados acordos com os ingleses, e dentre estes estava a abertura
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dos portos para os produtos anglo-saxônicos. Esta abertura providenciou, além da questão
econômica, uma variabilidade de culturas e de costumes, já que devido aos portos, houve uma
maior circulação de estrangeiros no território brasileiro, favorecendo uma troca cultural
expressiva. A circulação das informações e a viabilização dessas trocas culturais exigiam meios
de comunicação que as veiculasse.
Antes da chegada da família real, toda atividade de imprensa era proibida no país, não
era permitido publicar livros, panfletos e, muito menos, jornais. Esta restrição era uma
particularidade da colônia portuguesa. Segundo Brito Broca, a proibição do governo português
não conseguiu barrar completamente a entrada das literaturas estrangeiras.
Os homens cultos da colônia só conseguiriam assim ler o que o governo português lhes permitisse, não fora o recurso do contrabando. O rigor da fiscalização jamais impedira as obras de Voltaire, Rousseau e os enciclopedistas franceses de circular clandestinamente na colônia (BROCA, 1979, p.42).
Assim, em 1808 surgia a atividade imprensa no Brasil, com a criação da Imprensa
Régia pelo príncipe regente Dom João. O órgão ficava subjugado ao governo português e
imprimia, com exclusividade, todos os atos normativos e administrativos oficiais do governo. Em
setembro do mesmo ano foi inaugurado o primeiro jornal brasileiro oficial, a Gazeta do Rio de
Janeiro, que publicava notícias de natureza europeia, documentos oficiais, as virtudes da família
real, enfim, divulgava o que quer que fosse de positivo sobre a família real e suas origens.
Mesmo sendo um órgão oficial do governo português, a Gazeta era editada sob censura prévia,
que só foi extinta em dois de março de 1821. Para fazer antagonismo a este tipo de notícia, em
paralelo criaram-se os jornais não oficiais. “O Correio Brasiliense” ou “Armazém literário”, de
Hipólito José da Costa1, era redigido na Inglaterra e exportado clandestinamente para o Brasil.
O periódico de cunho ideológico tinha a função de “evidenciar os defeitos administrativos do
Brasil”. Em razão do fim da censura prévia a iniciativa privada lança o Conciliador do Reino
Unido, editado por José da Silva Lisboa2, que era impresso na única tipografia do Rio de Janeiro,
a Imprensa Régia, da qual era um dos diretores. Em 1º de junho, começa a circular o Diário do
Rio de Janeiro, o primeiro jornal diário e o primeiro de informação geral privado do país. Em 15
de setembro, surge o primeiro jornal declaradamente de oposição ao governo português e
1 (1744-1823) 2 (1756-1835) entusiasta da monarquia portuguesa que sempre apoiou Dom João. A publicação do jornal veio como tentativa de reconciliar Brasil e Portugal e, assim, evitar a separação iminente.
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defensor da independência: o Revérbero Constitucional Fluminense, editado por Gonçalves
Ledo3.
O primeiro jornal informativo a circular no Brasil foi o Diário do Rio de Janeiro, fundado
em 1º de junho de 1821. O periódico, omisso quanto às questões políticas, fornecia aos leitores
informações locais, que variavam de furtos e assassinatos a espetáculos e metereologia. Alí
também era possível contemplar anúncios de compra e venda, aluguéis etc. O Diario do Rio de
Janeiro foi o precursor da imprensa como a entendemos na atualidade.
A partir da independência a imprensa sofreu avanços e retrocessos, o número de
periódicos aumentou consideravelmente, entretanto muitos tiveram vida bastante efêmera, seja
por questões ideológicas que não se emanavam com o tumultuado desenvolvimento da nação
ou pela escolha de perfis editoriais que não correspondiam ao gosto do público leitor, diminuto e
ainda em formação.
Na segunda metade do século, o Rio de Janeiro crescia em virtude das transações
comerciais e pelo fato de abrigar os orgãos políticos e administrativos do país. O
desenvolvimento da cidade foi registrado pelos inúmeros jornais que alí circulavam e que tinham
como colaboradores muitos dos principais literatos brasileiros da época. Joaquim Manuel de
macedo, José de Alencar e Machado de Assis estão entre os que ajudaram a consolidar a
imprensa brasileira e nas páginas dos jornais traçaram os rumos da literatura nacional. A
atividade de colaboração era uma espécie de condição sine qua non para que um escritor fosse
reconhecido como tal. Colaborar em periódicos era sinônimo de aprender a ser escritor e a
imprensa seria espaço disputado para a inserção desses nomes no cenário das letras.
Pleiteando um lugar ao sol entre o periódicos cariocas da época irá surgir, em 15 de
setembro de 1862, o jornal O Futuro, de Faustino Xavier de Novaes. Publicado quinzenalmente
até 1º de julho de 1863, o jornal findou-se prematuramente, com apenas vinte números. De
acordo com a carta-programa d`O Futuro, a ideia central do periódico era a de ajudar na
manutenção das relações literárias de Brasil e Portugal, servindo como ponte entre as duas
nações. O Futuro foi um periódico literário, conforme explicita seu subtítulo – O Futuro: periódico
literário -, de caráter luso-brasileiro. A publicação era quinzenal, saindo nos dias 1º e 15 de cada
mês, apresentando cerca de trinta e duas páginas por edição. A paginação era feita de maneira
contínua e a impressão era brasileira, feita inicialmente pela Tipografia Brito & Braga, mudando,
a partir do décimo número, de 1º de fevereiro de 1863, para a Tipografia do Correio Mercantil. O
3 (1771-1847)
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número de textos publicados por número variava entre cinco e oito e a maioria dos exemplares
apresentava cerca de sete textos. Em todos os números apareciam textos como o conto, a
poesia e a crônica final, além das demais publicações. Sem compromisso com as notícias,
anúncios ou classificados, O Futuro ostentava um caráter puramente literário.
A carta-programa do Futuro, intitulada “Ao público brasileiro e português”, foi escrita
por Reinaldo Carlos Montoro, editor e colaborador do periódico, e publicada no primeiro número,
em 15 de setembro de 1862. Já nas primeiras linhas podem-se observar as intenções editoriais
do periódico.
Estabelecer um campo comum, em que livremente, sem preocupações mesquinhas de opinião ou nacionalidade, viessem discursar os escritores de ambas as nações, levar a estas o conhecimento mútuo do movimento literário de cada uma, e dar impulso com o exemplo recíproco, ao progresso literário de países tão férteis em imaginações ricas e pensadores elevados [...] (MONTORO, 1862, p.25).
O momento cultural do aparecimento do jornal era justamente o inverso daquilo que ele
propunha, enquanto O Futuro primava pela inserção, no Brasil, da literatura portuguesa, a
maioria dos jornais bem sucedidos da corte trazia as publicações francesas, traduzidas e
publicadas aos capítulos. Mas, de acordo com Reinaldo Montoro, Brasil e Portugal deviam se
unir para defender as duas nações da influência estrangeira.
E não venham amortecer-nos o entusiasmo, a nós, jovens que entramos neste combate contra a estagnação intelectual das nossas pátrias, os maldizentes das próprias nações, que só têm admirações e aplausos para obras de algibebes literários do estrangeiro: para eles tudo o que o Brasil e Portugal produzem é imperfeito, não tem o cunho da graça francesa, da profundidade alemã, do positivismo inglês (MONTORO, 1862, p.26).
De fato, é sabido que no século XIX o Brasil foi invadido pelo modo de vida de além-
mar. Os paquetes chegavam ao Brasil trazendo as novidades europeias, entre elas os romances
folhetinescos. Mas nem só de literatura viviam os consumidores vorazes da cultura do Velho
Mundo, principalmente da França, a sociedade burguesa oitocentista consumia também os
costumes, o vestuário e até a língua francesa (não constitui tarefa difícil encontrar periódicos os
quais traziam suas edições em francês). Era de bom tom que se soubesse o français. As moças,
principalmente, eram educadas na língua de Victor Hugo, este, aliás, é citado no texto de
Reinaldo Montoro como merecedor da admiração devotada de brasileiros e portugueses, mas,
num ímpeto persuasivo, Reinaldo conclama as nações a fazerem o mesmo em relação aos
grandes nomes da língua portuguesa.
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[...] ninguém deixará de ir beijar a mão do desterrado, que sacrificou riquezas pessoais ao progresso da civilização evangélica, e que tem um nome tão grande como a revolução moral a que preside: do homem que se chama – Victor Hugo –. Mas se ante estas realezas do engenho dobramos com veneração os joelhos, se reconhecemos os seus direitos à direção na república democrática e federalista do mundo literário, por que não faremos esforços para termos voto e assento no congresso, darmos ideias novas e moldes d’arte às nações que nos ali acompanham? Não temos porventura historiadores, poetas, economistas, narradores, que valem os das nações mais adiantadas? (MONTORO, 1862, p.62).
O editor faz crer que a missão do jornal seria a de ajudar na promoção e no
desenvolvimento das letras nas duas nações e, apesar de não se referir somente ao poderio
intelectual francês, é evidente que a crítica se concentra na importação dos modelos literários
estrangeiros que, segundo Reinaldo Montoro, fora responsável pela “estagnação intelectual” a
que ficou subjugada a literatura luso-brasileira. Não havia, no momento, maior centro exportador
de civilização que a França. A presença, pois, da língua e literatura sob a forma de livros, jornais
e revistas, a favor da irradiação da cultura francesa entre nós, foi enorme. Franceses eram os
compêndios em que se estudavam, os romances que se liam, os filósofos que orientavam os
conceitos; francesas as revistas e mesmo alguns jornais. Não podemos esquecer, entretanto,
que a ação desses agentes: livros, jornais e revistas, por mais difundida que tenha sido, esteve
sempre circunscrita a um grupo relativamente limitado de pessoas – de uma certa cultura, a elite
– não exercendo grande influência sobre a massa popular. Fato é que nenhum jornal do século
XIX se destinava ao grande público, pobre e analfabeto, O Futuro era ainda mais específico, em
se tratando da escolha editorial de contemplar a literatura em detrimento de notícias, moda,
anúncios. No que tange o público leitor do periódico, este ficava, provavelmente, restrito aos
intelectuais e à colônia portuguesa, muito forte na época, mas insuficiente para mantê-lo vivo.
Assim como aqueles para quem o jornal era direcionado, no intuito de suprir, em parte, a
carência das coisas da pátria, Faustino Xavier de Novaes também emigrara para o Brasil por
problemas de foro econômico. A emigração também se deu pelo fato de portugueses e
brasileiros falarem a mesma língua, pelos laços históricos entre a ex-metrópole e a ex-colônia,
pelos salários mais elevados e as melhores oportunidades econômicas enfim, um conjunto de
elementos que fizeram do Brasil um destino muito desejado pelos emigrantes. A comunicação
estreita e os contactos de longa data significavam familiaridade e vastas redes para os
emigrantes portugueses, que tinham pouca dificuldade em integrar-se à economia brasileira. Isto
explica por que razão o fluxo migratório se deu independentemente das diversas subvenções
que explicam a migração de outros europeus para o Brasil.
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Assim como aconteceu com a grande maioria dos emigrantes portugueses que
desejavam fazer fortuna no Brasil e retornar a Portugal, Faustino Xavier de Novaes chegou ao
Brasil em 1858 e aqui permaneceu até sua morte, em 1869, mesmo ano do casamento de sua
irmã Carolina com Machado de Assis. Nascido na cidade do Porto, Faustino sempre esteve às
voltas com a atividade jornalística em Portugal. No Brasil, deixou um legado de suma
importância, como colaborador em diversos jornais e empreendedor na área das letras, com O
Futuro. Se analisado sob uma ótica quantitativa, sua inserção na intelectualidade brasileira não
agrega grande valor, tanto que não figura entre os mais conhecidos poetas, dramaturgos e
jornalistas de sua época, ao contrário, não se tem, até hoje, nenhum trabalho mais profundo
sobre sua participação no contexto cultural da segunda metade do século XIX. Contudo, se
atentarmos para a iniciativa de Faustino, de produzir um periódico que fugia dos moldes
franceses num momento em que era esse o perfil editorial de sucesso, ver-se-á que sua
contribuição na história da literatura nacional merece destaque, pois apesar da efemeridade de
seu intento periodístico, é também nas páginas d`O Futuro que se pode encontrar textos de um
momento significativo da vida literária machadiana que, de certa maneira, serão decisivos na
formação do escritor .
Segundo Jean-Michel Massa, O Futuro possuía nível superior ao das outras
publicações da época no que toca a expressividade literária dos textos apresentados no jornal.
Quanto ao caráter assumidamente artístico do jornal, este certamente não agradava à maioria
dos possíveis leitores, ávidos da chamada literatura amena, como se pode observar nas
palavras de Nelson Sodré. (SODRÉ, 1999, p.198)
Se a parte mais numerosa do público era constituída pelas moças casadouras e por estudantes, e o tema literário por excelência devia ser, por isso mesmo, o do casamento, misturado um pouco com o velho motivo do amor, a imprensa e a literatura, casadas estreitamente então, seriam levadas a atender a essa solicitação premente.
A esse respeito cabe ressaltar que o modelo francês de apresentação, com ilustrações
e figurinos garantiu o sucesso de vários jornais contemporâneos d`O Futuro, como a Semana
Ilustrada (1860-1876) e o Jornal das Famílias (1863-1878) por exemplo. O fato de se negar a
admitir o arquétipo francês de publicação pode ter sido um dos fatores da efemeridade d`O
Futuro, que contava com uma impressão simples, com pouquíssimas ilustrações na totalidade de
seus números, e ainda assim bastante inferiores no que concerne a qualidade gráfica dos
concorrentes acima citados.
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Ainda em relação aos concorrentes d`O Futuro, estes contavam, em suas edições,
com uma verdadeira mina de ouro importada da França – os romances folhetinescos – e os
publicavam de maneira muito acertada, aos capítulos, deixando os assinantes ansiosos, numa
espécie de dependência do periódico. A fórmula do continua no próximo capítulo trouxe à baila
não só escritores franceses como Alexandre Dumas, Ponson Du Terrail e Eugène Sue, mas
também promoveu o conhecimento, por parte do grande público, de grandes escritores da
literatura brasileira, como José de Alencar, Machado de Assis e Joaquim Manuel de Macedo, por
exemplo.
O jornal de Faustino Xavier de Novaes não aderiu às banalidades do romance
folhetinesco. Coerente com seu perfil e fiel à proposta inicial, Faustino encomendou o romance
Agulha em palheiro, de Camilo Castelo Branco, cuja primeira parte foi publicada em 15 de abril
de 1863. Em janeiro do mesmo ano, o então cronista Machado de Assis (ASSIS, 2008, p.87),
colaborador assíduo do periódico, comenta:
O romance escrito expressamente para o Futuro, e propriedade desta revista, tem por título um provérbio: Agulha em palheiro é este século e a sociedade onde o poeta escreveu; o que o poeta procura é um homem, que chega a encontrar, mais feliz nisto que o vaidoso Ateniense.
O romance ocupou a primeira seção do jornal desde o lançamento até o último número
do jornal, totalizando seis edições ininterruptas. Entretanto o desfecho da obra não foi conhecido
pelo leitor, pois em 1º de julho de 1863 O Futuro finda sua publicação sem que, até hoje, se
saiba os reais motivos do fechamento do periódico.
Muitos outros jornais do século XIX, literários ou não, tiveram, assim como O Futuro,
uma vida bastante breve. Na segunda metade do século, jornais apareciam e desapareciam com
admirável rapidez. Sobre esse assunto, o colaborador d`O Futuro, T. De Mello discute a
efemeridade dos periódicos brasileiros da época.
O número das publicações periódicas tem quadruplicado no Brasil. Em 1827 apenas se contavam 12 ou 13, e hoje, conforme a conta tirada da ‘Aurora’ de sexta-feira, 26 do corrente, 54 saem à luz no Império: destas, 16 pertencem a Corte. Em 1827 apenas havia 8; portanto o número tem dobrado [...] como explicar, de modo que satisfaça o espírito indagador dos que nos observam, esse arrefecer constante, esses desaparecimentos de cada dia no nosso jornalismo literário? Por que é que só se sustentam no terreno da publicidade as folhas comerciais e políticas? É desanimadora essa observação (MELLO, 1862, p. 217-221).
O sucesso de alguns jornais oitocentistas devia-se também ao atendimento das
expectativas do público feminino, consumidor voraz dos romances folhetinescos entre outras
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amenidades. As mulheres não constituíam o público-alvo d`O Futuro e, na contramão do
mercado, o periódico foi bastante discreto na busca por esse consumidor, disponibilizando
publicações atrativas para as leitoras apenas esporadicamente.
Apesar de dedicar algum espaço às damas oitocentistas, O Futuro não fugiu, até o
derradeiro número, do perfil adotado na carta-programa. Para pôr em prática a proposta de
desenvolvimento e valorização das literaturas portuguesa e brasileira, Reinaldo Montoro convoca
aqueles que ele chamará de soldados da pátria intelectual, a esses homens caberia a missão de
provar aos desacreditados quão grandiosas eram as duas nações. O texto, altamente
argumentativo, força o leitor a refletir sobre questões que equiparam os dois países de língua
portuguesa às nações mais adiantadas: “[...] não tem vida própria ambas as nações, não tem
consciência da sua força, não tem uma o passado que a sustenta, não tem outra a grandeza da
sua missão, que lhe fortalece a dignidade? [...]” (MONTORO, 1862, p.25).
O contexto cultural do nascimento e desaparecimento d`O Futuro era, sem dúvida, um
momento em que o Brasil olhava para as nações europeias, espelhando-se nelas, desejando a
civilização que delas irradiava. Ainda muito preso às amarras coloniais, o país, cujo sentimento
de inferioridade desenhava-se no desejo de ser outro, admitia a imposição da língua, da cultura
e das ideias estrangeiras como que habituado a viver uma história que não era a sua, que não o
exprimia, mas que aliviava o recalque assimilado pela hierarquização de valores imposta desde
tempos imemoriais. Se assim era com a sociedade oitocentista, a literatura, como que reflexo da
sociedade, não poderia ser outra. Desejosos de uma literatura autóctone, alguns escritores vão
esboçando criações de cunho nacional. Segundo Brito Broca “enquanto a França nos seduz, o
sentimento de autonomia, de nacionalidade, leva naturalmente os poetas e os escritores a se
voltarem para as coisas brasileiras [...]”. (BROCA, 1979, p.45).
Enquanto o romance nacional apenas ensaiava os primeiros passos, obras de
escritores estrangeiros chegavam com os paquetes, garantindo o meio de vida dos tradutores,
as assinaturas dos periódicos e o entretenimento dos leitores. Entre os tão consumidos
escritores estava Ponson Du Terrail, criador do mais conhecido personagem dos romances
folhetinescos – o Rocambole – o escritor francês lhe atribuiu tantas aventuras, tantas idas e
vindas que o consagrou na imprensa do século XIX. O romance Aventuras de Rocambole foi
explorado a exaustão nos folhetins da época. Sua trama é tão enrolada, tumultuada, que chegou
a originar o adjetivo "rocambolesco", cujo significado é: "Que lembra a personagem Rocambole
ou suas aventuras extraordinárias; cheio de peripécias; enredado. Como nas telenovelas da
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atualidade, o público tinha participação no desenrolar da narrativa, felizes ou infelizes com o
destino dado aos personagens, mudava-se o rumo da história e, porque não, ressuscitavam-se
personalidades da ficção.
Numa novela de Alexandre Dumas, de Paul Féval, de Ponson Du Terrail, o principal interesse estava em saber o que ia acontecer logo em seguida. A interrupção da leitura constituía um elemento de sensacionalismo. A ação desenrola-se numa sequência de quadros, que por não possuírem unidade íntima perfeita, comportavam os cortes (BROCA, 1979, p.175).
Sem dúvida, entre os sucessos do Roman-feuilleton, o mais lido era o que detinha o
Rocambole como figura dramática e cuja trajetória parecia tender ao infinito. Segundo Marlyze
Meyer as aventuras do personagem aparecem por pelo menos 18 anos, em periódicos diversos.
O homem dos mil disfarces instala-se sistematicamente no jornal do Comércio a partir de 1859, com o maior estardalhaço de anúncios, reclames, chamadas, edições, reedições, tetraedições de partes, retomadas parciais e, finalmente, completas de suas proezas, em livro. Villeneuve propunha em sua loja a retomada em onze tomos e seis volumes dos folhetins saídos no jornal (MEYER, 1996, p.288).
Mesmo com grande receptividade entre o público, os romances ditos rocambolescos
não eram bem avaliados por cronistas, romancistas e críticos. Tornaram-se objetos de
curiosidade ou críticas, mas eram citados frequentemente em artigos e crônicas de jornais. Em
1877, Machado de Assis escreve para o jornal Ilustração Brasileira e comenta, com fina ironia, a
importância do Rocambole para os leitores.
Agora, sim, senhor. Eu já sentia a falta dele. Eu e todo este povo andávamos tristes, sem motivo nem consciência, andávamos sorumbáticos, caquéticos, raquíticos, misantrópicos e calundúticos. Não me peçam os brasões do último vocábulo; posso dá-los em outra ocasião. Por agora sinto-me alvoroçado, nada menos que redivivo [...]. De todas elas, porém, a que nos dera mais no goto, a que nos sustinha neste vale de lágrimas, a que nos dava brio e força, era [...] era ele, o eterno, o redivivo, o nunca assaz louvado Rocambole, que eu julgava perdido para sempre, mas que afinal ressurge das próprias cinzas de Ponson du Terrail. Ressurgiu. Eu o vi (não o li) vi-o com estes olhos que a terra há de comer; nas colunas do Jornal, a ele e mais as suas novas façanhas, pimpão, audaz, intrépido, prestes a mudar de cara e de roupa e de feitio, a matar, roubar, pular, voar e empalmar. Certo é que nunca o vi mais gordo. Eu devo confessar este pecado a todos os ventos do horizonte; eu (cai-me a cara ao chão), eu [...] nunca li Rocambole, estou virgem dessa Ilíada de realejo (ASSIS, 2008, p.342-343).
Ironicamente, Faustino Xavier, que engendrou um jornal literário e se recusou a tirar
proveito do estilo rocambolesco tão em voga no período, anos mais tarde traduziria, em onze
tomos, o famigerado Rocambole, conforme atesta Marlyze Meyer (MEYER, 1996, p.288).
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Preocupado na sustentação da literatura luso-brasileira, O Futuro engajou-se em
mostrar ao público leitor que as duas nações eram tão bem fornidas de intelectuais de todas as
áreas que em nada ficavam devendo aos países mais adiantados. Para ajudá-lo na tentativa de
formar um periódico sem interferência estrangeira, Faustino convidou colaboradores entre
romancistas, cronistas, correspondentes, biógrafos, poetas etc. O escritor Machado de Assis,
ainda pouco conhecido no meio literário, foi um participante assíduo do jornal. Ali exercitou sua
pena de poeta, de contista e de cronista, sendo este último o ofício mais largamente
empreendido no projeto de seu amigo e, anos mais tarde, cunhado.
A colaboração machadiana nos vinte números d`O Futuro estendeu-se entre os mais
variados gêneros. Nesse veículo, o escritor colaborou com as poesias “Sinhá” (15/04/1863) e
“Aspiração” (01/10/1862), “O acordar da Polônia” (15/03/1863), “Fascinação” (01/01/1863) e
“Ventoinhas” (01/04/1863); com o conto “O país das quimeras” (01/11/1862), cuja extensão
absorveu 12 das 30 páginas do 4º número do periódico. A mais assídua colaboração
machadiana se dava na rubrica “Crônica” em que escreveu 16 textos de abordagem literária,
mas que abrangia também questões políticas, sociais e porque não, assuntos comezinhos.
Nos relatos cronísticos de Machado de Assis n`O Futuro há, a despeito da diretriz do
jornal, menção à França, à literatura e à língua francesa, esta última, intimamente conhecida
pelo público leitor, dispensava traduções. Muitos estudos acerca da obra machadiana apontam
para um profundo conhecedor dos escritores e pensadores franceses. Sabe-se também que
Machado de Assis conhecia, desde muito jovem, a língua de Victor Hugo. Pelo domínio do
idioma, o escritor exercita, em toda sua carreira literária, o recurso da citação, chegando a fazê-
lo de memória, o que hoje torna difícil a busca das fontes utilizadas por ele.
Em caminho oposto ao empreendido por Faustino Xavier de Novaes, surgem jornais
escritos em francês e, no caso do Brésil, citado por Machado em crônica de 1863 n`O Futuro, a
fundação do periódico visava o conhecimento, por parte dos franceses, dos acontecimentos
brasileiros.
Apenas sete meses após o comentário machadiano sobre o Brésil, outro jornal em
francês é assunto abordado pelo cronista. Trata-se do Le Nouvelliste de Rio de Janeiro, de L. de
Nerciat, um periódico francês que se ocupava na defesa das ideias do partido legitimista francês
e, segundo Machado de Assis, era destinado unicamente à população francesa. Mostrando-se
incomodado com a diretriz editorial do Le Nouvelliste, o cronista diz não acreditar no sucesso do
jornal.
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Enquanto o ideal do Brésil era o de mostrar-nos aos franceses, outras nações já se
ocupavam de nós. O escritor vienense Ferdinand Wolf é citado por Machado em 1863 por ter
escrito O Brasil Literário, obra destinada à formação literária do restrito público frequentador da
escola no século XIX. O escritor, que jamais pisara em solo brasileiro, produziu O Brasil Literário
segundo informações de D. Pedro II, que encomendou a obra e solicitou ao autor que a
divulgasse na Alemanha. A obra foi lançada em francês e só depois de muitos anos foi traduzida
para o português.
A observação da presença francesa no contexto histórico do surgimento de O Futuro,
bem como nos comentários cronísticos de Machado de Assis nesse periódico revelam a
impossibilidade de manter-se alheio a influxo estrangeiro tão expressivo no século XIX. Se, de
um lado, o jornal conseguiu, nos 20 números publicados entre os anos de 1862 e 1863,
conservar-se fiel ao modelo proposto na carta de apresentação, ignorando os romances
folhetinescos em favor de uma literatura mais elevada, por outro a vida nacional estava de tal
forma imersa num crescente afrancesamento que uma total exclusão dos aspectos estrangeiros
tornou-se impraticável. Mesmo assim, a pouca abertura do jornal em relação a essa importação
dos modelos franceses pode ter sido determinante para o desaparecimento precoce d`O Futuro
que, de acordo com a primeira linha da carta-programa de Reinaldo Montoro, era uma “tentativa”
de divulgação das atividades artísticas portuguesas e brasileiras. Vê-se na utilização do
vocábulo “tentativa” que o fundador Faustino Xavier de Novaes tinha consciência do risco que
envolvia a atividade imprensa no Brasil e, mais ainda, se tal atividade estivesse alicerçada num
sentimento de recusa ao poderio francês estabelecido no país em meados do século XIX.
Referências Bibliográficas
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