O FORMULISMO DA POESIA HOMÉRICA

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O FORMULISMO DA POESIA HOMÉRICA INTRODUÇÃO Após as descobertas arqueológicas dos fins do séc. xix e do prin- cípio do século actual, a visào da crítica acerca de Homero evoluiu para uma nova concepção. Primeiro, as escavações de Schlicmann em Tróia, Tirinto, Micenas e Orcómcna, depois, M de Arthur Evans em Creta e as de outros arqueólogos em várias ilhas do Egeu, todas elas revelaram a existência de uma remota civilização para além de Homero, a qual costumam denominar pré-helénica ou egeio. Em consequência disto, os poemas homéricos não podiam mais ser considerados os pre- cursores da civilização grega, mas apenas os últimos lampejos de uma cultura que se extinguiu; e Homero já não era a aurora que prognosti- cava a Grécia clássica, mas o crepúsculo da civilização anterior. Importava, pois, que a crítica homérica não se limitasse só aos tex- tos e aos comentários dos escoliastas. para reconstruir o estado social e a vida pública e privada descritos pelo poeta; urgia para isso tomar em consideração os documentos arqueológicos e à sua luz interpretai os textos, que com cies se relacionassem ( I ). Com este intuito publicou Helbig a obra intitulada Das homerische Epos aus den Denkmãlern críãutert, que em 1887 apareceu numa segunda edição muito aumentada e em 1894 na tradução francesa de Trawinski. Não bastava, porém, examinar e comentar os diferentes achados de per si; era preciso corre- (1) Sob este aspecto, durante as escavações de Schliemann e nos dez anos seguintes, os sábios dividiram-se em duas escolas: uns, a maioria, recusavam-se a admitir relação alguma entre os monumentos e os textos; outros, ao contrário, pre- tendiam que todas as descrições de Homero se aplicavam exactamente às novas descobertas. Mas, pouco e pouco, desde 1890, formou-se uma teoria média, que pode formular-se da seguinte maneira: os poemas homéricos contêm: à) textos que correspondem aos monumentos revelados pelas escavações de Tróia, Micenas, Creta e das ilhas do Mar ligeu, pertencentes aos anos decorridos entre 1800 e 1200 a. de J.C.; b) textos que repercutem uma civilização mais recente, concentrada nas ilhas e nas costas asiáticas, pelo ano 1000, após a invasão dórica (A.J.-Rcinach, Bibliogra- phie critique in La Question d'Homère par A. van Gennep. Paris, MCM1X, p. 77).

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O FORMULISMO DA POESIA HOMÉRICA

INTRODUÇÃO

Após as descobertas arqueológicas dos fins do séc. xix e do prin­cípio do século actual, a visào da crítica acerca de Homero evoluiu para uma nova concepção. Primeiro, as escavações de Schlicmann em Tróia, Tirinto, Micenas e Orcómcna, depois, M de Arthur Evans em Creta e as de outros arqueólogos em várias ilhas do Egeu, todas elas revelaram a existência de uma remota civilização para além de Homero, a qual costumam denominar pré-helénica ou egeio. Em consequência disto, os poemas homéricos não podiam mais ser considerados os pre­cursores da civilização grega, mas apenas os últimos lampejos de uma cultura que se extinguiu; e Homero já não era a aurora que prognosti­cava a Grécia clássica, mas o crepúsculo da civilização anterior.

Importava, pois, que a crítica homérica não se limitasse só aos tex­tos e aos comentários dos escoliastas. para reconstruir o estado social e a vida pública e privada descritos pelo poeta; urgia para isso tomar em consideração os documentos arqueológicos e à sua luz interpretai os textos, que com cies se relacionassem ( I ). Com este intuito publicou Helbig a obra intitulada Das homerische Epos aus den Denkmãlern críãutert, que em 1887 apareceu numa segunda edição muito aumentada e em 1894 na tradução francesa de Trawinski. Não bastava, porém, examinar e comentar os diferentes achados de per si; era preciso corre-

(1) Sob este aspecto, durante as escavações de Schliemann e nos dez anos seguintes, os sábios dividiram-se em duas escolas: uns, a maioria, recusavam-se a admitir relação alguma entre os monumentos e os textos; outros, ao contrário, pre­tendiam que todas as descrições de Homero se aplicavam exactamente às novas descobertas. Mas, pouco e pouco, desde 1890, formou-se uma teoria média, que pode formular-se da seguinte maneira: os poemas homéricos contêm: à) textos que correspondem aos monumentos revelados pelas escavações de Tróia, Micenas, Creta e das ilhas do Mar ligeu, pertencentes aos anos decorridos entre 1800 e 1200 a. de J.C.; b) textos que repercutem uma civilização mais recente, concentrada nas ilhas e nas costas asiáticas, pelo ano 1000, após a invasão dórica (A.J.-Rcinach, Bibliogra­phie critique in La Question d'Homère par A. van Gennep. Paris, MCM1X, p. 77).

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lacioná-los uns com os outros, a fim de se obter um conspecto inteli­gente do conjunto.

Entretanto, continuaram as pesquisas e o material arqueológico foi-se acumulando para assunto de uma bibliografia interminável sobre os vários problemas da homerologia ; e, se não se obtiveram resultados definitivos, uma coisa, ao menos, conseguira-se: — tirar o problema homérico do puro domínio literário e associá-lo ao estudo das origens da civilização no Mar Egeu. Todavia o problema que continuava a despertar mais interesse era sempre o mesmo — explicar a formação da Ilíada e da Odisseia.

No terceiro decénio do séc. xx, a questão homérica, que tinha assumido proporções vastas e prometia complicar-se ainda mais, no futuro, estava, por assim dizer, num beco sem saída. No meio das opiniões desencontradas, Fischl, por exemplo, já falava no iãuschenden Schein da crítica e no naiv-traidichen Verein mit der Dichiung, ao que Th. von Scheffer se opunha, afirmando que quem quisesse penetrar a fundo em Homero devia munir-se de uma boa bagagem de erudição (I). Para sair desta crise, valeu à homerologia um género de estudos ani­mado por um espirito novo; chegara-se à conclusão de que os poemas procediam de uma poética particular, estranha aos nossos hábitos inte­lectuais; e que eles tinham um estilo própio, juntamente oral e tradi­cional (2). Finalmente, nos dois últimos decénios do corrente século, a arqueologia do Mediterrâneo oriental fez consideráveis progressos, os quais vieram contribuir, em alto grau, para os nossos conhecimen­tos acerca de Homero. Mas o facto de mais alcance neste sentido, que revolucionou todo o nosso saber e veio iniciar uma nova era na homerologia, foi a descoberta do grego micénico em Linear B por M. Ventris, em 1952 (3); de sorte que há razão para esperar que o problema homérico se vá esclarecendo cada vez mais, no futuro.

PARA ALÉM DE HOMERO

Não é meu propósito tratar, presentemente, da questão homérica no seu conjunto; ela apresenta uma amplitude desmesurada para caber

<1) G. Finsler, Homer. Leipzig-Berlin, 1924, I, p. 225. (2) A. Severyns-J. Labarbe, La poésie homérique, in La Table Ronde, I>écem-

bre, 1958, p. 57. (3) A. Severyns, Grèce et Proche-Orient avant Homère, Bruxelles. 1960, p. 9.

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dentro da moldura deste breve trabalho. Todavia as notas prece­dentes nem por isso deixam de vir a propósito, não só para dar uma ideia vaga da última evolução dos estudos homéricos, mas sobretudo para indicar o caminho a seguir em ulteriores considerações. É para além de Homero, pois, que devemos, antes de mais nada. lançar a vista, para a épcca a que se referem a Ilíada e a Odisseia, quero dizer, para os povos Aqueus. Falar-se de Homero, abstraindo destes povos, seria ignorar a história e desconhecer que eles estão nas origens da epopeia e da língua épica, como os textos micénicos, a arqueologia e a mitologia deixam entrever ( 1 ).

Que no segundo milénio, antes da nossa era, entravam na Grécia as tribos aqueias. portadoras de armas de bronze — ramo despegado do tronco indo-europeu - é alirmação dos historiadores. Hi/cm. outrossim, que. amestrados pelos Minóicos, eles fundaram uma cultura na Grécia continental, cujos vestígios têm sido descobertos em vários pontos, e que, provavelmente, por 1400. invadiram Creta e puseram fim à talatocracia do lendário rei Minos. Essa cultura, que atingiu o esplendor, pouco mais ou menos, entre 1400 e 1200 antes da era cristã, parece ter-se concentrado no reino de Miccnas. pelo que a designam civilização micénica. Nem todos os autores, porém, estão concordes. Numa época, em que se ignorava a sua verdadeira origem, era evidente que o mundo micénico de Schliemann se assemelhava muito ao dos Pré-dórios, a que Homero chama comummente Aqueus; por isso, alguns sábios preferiram designar Aqueus e civilização aqueia o que outros cha­mavam Micénicos e civilização micénica (2). E uma simples questão de nomes, pois que hoje já ninguém pode duvidar da existência, durante a idade do Bronze, de uma cultura bastante desenvolvida e uniforme, não só na Argólida, mas também na região limitada a Oeste pelas ilhas Jónias e a Leste pelas Cidades, como o comprovam a arqueologia e os

(1) P. Chantraine, Grammaire homérique. Paris. 1958, 1, p. 507 e seg. (2) Habitada desde a Antiga Idade do Bronze (cerca de 3000), Micenas rece­

beu, um milénio mais larde, os primeiros povos da língua grega, os minianos, que lhe deram o primeiro impulso de sua longa prosperidade (A. Severyns, op. cit., pp. 102. 103). Kretschmer, de sua parle, opina une a primeira camada helénica que se esta­beleceu na Grécia c nas ilhas era constituída pelos primitivos Jónios c que só mais tarde é que lhes sucederam os Fólios e os Aqueus (Thumb-Kieckers, Handhuch der Griechischen Dialekte. Heidelberg, 1932, í, pp. 9, 63).

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textos em Linear B descobertos em Miccnas e Pilos, a qual perdurou até à invasão dórica, pelos fins do sec. xu a.C.

Essa cultura, porém, nào se conteve dentro das sobreditas fron­teiras ; ela irradiou para o exterior, para Chipre, onde encontramos a sua cerâmica, desde o séc. XIV (1), e para Ugarit. nas costas da Síria, que. no séc. xiH, se tornou um centro micénico de importância (2). Con­tinuando a progredir para o Oriente, Miccnas trava, depois, relações com os Hititas. segundo indicam os achados de Boghazkeuy - relações que se mantêm vivas nos sécs. xiv e xm (3). De outra parte, a sua influên­cia passa de Ugarit a Alalak. a Norte do Oronte, que. por esta época. lhe abre a porta para a Síria hurrita c para a Mesopotâmia (4).

Como era natural, a uma semelhante expansão sucedeu uma troca de influências entre a Ásia e os países mediterrâneos, de que os Hititas, todos imbuídos da cultura babilónica, foram os intermédios. Sem falar­mos no que Creta e Roma lhes deve, nós vemos em MicenaseTirinto adoptadas, por exemplo, as suas colunas de madeira sobre base de pedra, bem como os nomes de certas divindades, v.g., Hermes e Ártemis, os quais, depois, irão fazer parte do panteão helénico (5). Além disso, como no Oriente, onde o rei era considerado pessoa divina ou quase divina, também no Estado micénico o chefe supremo era alim da divin­dade; por isso. chamava-se wanax, que em Homero é ordinariamente predicado de deuses, a que costumava corresponder um témenos ou ter­reno a eles consagrado. Hà disto sobrevivências nas expressões homé­ricas nascido de Zeus, marido por Zeus. caro a Zeus, referentes aos heróis, tal como sucedia em Alalakh, cujos reis eram chamados queridos do deus Adu, ou entre os Hititas. que na época imperial se designavam heróis anuídos do deus (ou da deusa) (6). Estas importações e outras seme­lhantes, comprovadas pelos documentos e pelo material arqueológico.

(1) Lorimer. Homer wnl the Monuments, London, 1950. p. 48. (2) T. B. I... Webster, fírom Mycenae to Homer. London, 1958, p. 9. (3) Além disso, como provam os documentos hititas, estes povos estiveram,

em contacto com os Aqueus durante 150 anos antes du ruina de Tróia (D. Page History and the Homeric Iliad, University of California Press. 1959, p. I1)).

(4) A. Severyns, op. cit.. p. 129. (5) B. Hrorny, Histoire de l'Asie Antérieure.de l'Inde et de la Crète. Paris, 1947,

p. 223. Cï. Ventris-Chadwick. Documents in Mycenaean Greek. Cambiidge. 1959. p. 126 c seg.

(6) A respeito destas expressões ver a bibliografia indicada por T. B I . Webster, op. cit.. p. 11.

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levam à convicção de que a cultura micénica se aproximava mais da dos países orientais contemporâneos do que da das cidades da Grécia arcaica e clássica.

Mas passemos a outro género de importações mais importantes para o nosso intento. Referimo-nos à poesia. É claro que. na falta de textos literários, não podemos verificá-las directamente. Não importa: o que nos interessa é Homero, o qual, sem dúvida, pelo menos em parte, é um eco da poesia micénica.

Sob a designação de poesia oriental abrangemos, sobretudo: poemas sumérios que remontam ao segundo milénio; poemas acadia­nos conservados em versões babilónicas do segundo milénio e em ver­sões assírias dos sées. ix e vm; versões hititas de originais humanos do séc. xiv; e poemas de Ugarit do segundo quartel do séc. xtv (1 ). Quanto a estas importações, os Hititas desempenham também a função de inter­mediários entre o Oriente e o Ocidente; depois de terem recebido as tradições e lendas poéticas dos Sumérios através dos Acadianos e dos Hurritas, eles e algumas vezes também os povos de Ugarit transmi-tiram-nas aos Micénicos.

De entre os poemas súmero-acádicos, um dos mais importantes é, certamente, a grande epopeia tílosólico-religiosa, do Gilgamech — aquele que tudo viu - em doze cantos, cujas aventuras circulavam na Asia Menor, onde os Gregos as teriam podido conhecer. Ela apresenta muitas semelhanças com a Odisseia, a que serviu, talvez, de modelo, sobretudo aos errores de Ulisses; eleva-se, porém, a um nível superior pela ideia fundamental que a inspira o esforço obstinado do herói para atingir a vida eterna (2). Neste empenho arrisca-se a um certo número de trabalhos, empreende até uma viagem longínqua para Oeste, a fim de consultar Utnapishtim, que mora na desembocadura dos rios. Como, porém, não sabe o caminho para lá. entra num bosque mágico, onde uma espécie de Circe. que tem. como a da Odisseia, o poder de mudar os homens em animais, lhe aponta as dificuldades da jornada, pois de permeio estão as Águas da Morte, as quais só o Sol pode atra­vessar. Não importa; constrói uma barca, como Ulisses uma jangada.

(1) Estes poemas obedeciam • um certo ritmo, ainda que desprovido da pre­cisão do hexâmetro homérico, o qual, por sua vez, nào devemos supor muito desen­volvido na idade micénica (cf. T. B. L. Webster, op. cit., pp. 68 e 92).

(2) B. Hro7ny, op. cit.. pp. 134, 214.

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na ilha de Calipso, e, deste modo, consegue chegar à presença de Utna-pishtim.

Quanto à Muda, existem também situações e semelhanças que a aproximam do Gilgamech. As mais típicas e que mais assemelham os dois poemas ocorrem no canto XVIII. As relações descritas aí entre Aquiles e Pátroclo são comparáveis às de Gilgamech com Enkidu e as de Aquiles e Tétis às de Gilgamech com a deusa Ninsun, sua mâe. Assim, ao comunicar Gilgamech a esta a sua resolução de ir procurar Huwawa. ela levanta as mãos para o Sol, para o deus Sha-mash e exclama: Porque, damlo-me a Gilgamech por filho, o dotaste de um coração tão irrequieto e o impeles agora a ir ter com Huwawa ( I ). a ousar um combate duvidoso e afazer uma tão arriscada viagem? No mesmo tom se exprime Tétis, quando diz: Ai de mim desgraçada! Ai de mim infeliz mãe, <juc dei à luz um filho que entre os heróis sobressaia em nobreza e bravura /....Enquanto ele viver e vir a luz do Sol, sofrerá aflições {2)... Noutro passo. OS Aqueus choraram Pátroclo durante toda a noite. Quem começou a lamentação foi Aquiles, filho de Peleu, que, depois de colocar as assassinas mãos no peito do amigo, levantava amiu­dados gemidos, como um leão de he la juba, a quem um caçador privara dos cachorrinhos (3). O símile é o mesmo que usa Gilgamech, ao lamen­tar a morte de seu amigo Enkidu: Como um leão levantou a sua voz, como uma leoa privada de seus cachorros. Ele recua e avança diante de seu leito. Depois, como Aquiles, prepara um esmerado túmulo ao seu amigo (4).

Noutros poemas orientais, como o Keret e o Baal de Ugarit, bem como na hitila Canção de Ullikummi. aparecem também passos semelhan­tes aos dos poemas homéricos. No Keret, por exemplo, ocorre a nar­ração do cerco de uma cidade por causa de uma mulher, que pode muito bem ter inspirado a lenda da Helena de Tróia: e na Canção de Ullikummi trata-se do gigante Upelluri que faz lembrar a descrição de Atlas, no canto I (52) da Odisseia, a que poderemos ajuntar ainda a lenda hitila do rei Gurpan/ah. que. a fim de recuperar a sua esposa, matou com o arco, num banquete, sessenta príncipes e setenta barões. como Ulisses os pretendentes.

(1) Ancient Near Eastern Texts, p. 81. (2) XVIII, 54 e segs. (3) XVIII, 315 e segs. (4) T. B. L. Wcbsler, op. at., p. 82.

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Ao sobredito acresce a importância que os reis tinham na poesia. Porque eram pessoas divinas ou quase divinas, caracteres divinos e humanos andavam neles intimamente misturados, podendo um deus até tomar parte nas acções de um rei. Este intercâmbio entre mortais e imortais, como sabemos, é comum em Homero, que reflecte, certa­mente, uma tradição antiga. Portanto, não admira que das relações entre deuses e homens surjam situações comuns à poesia oriental e à homérica, tais como. a protecção de um deus a um herói, afronta de um deus a um herói, apelo de um herói contra um deus, apelo de um deus a um deus superior contra um herói, assembleia dos deuses, para deli­berarem a propósito de um apelo. etc. (I).

As influências que acabamos de enunciar, ainda que mais ou menos profundas, pelo menos na aparência, nem por isso nos devem, de modo algum, levar à convicção de que foi o Oriente a fonte da Ilíada e da Odisseia. Não; não nos parece razoável o panibahilonismo de H. Wirth. de P. Jensen e C. Fries, que pretendem ver no Gilgamech a origem dos poemas homéricos. Sem embargo, não se podem negar certas influên­cias orientais, dadas as relações estreitas entre Micenas e a Ásia e a grande voga e difusão que a sua poesia e os seus poemas tiveram. Estas influências foi necessário verificá-las. para sobre elas basearmos o presente estudo.

AS FÓRMULAS HOMÉRICAS

Delinamo-las primeiramente. Segundo M. Parry, fórmula é uma expressão regularmente empregada nas mesmas condições métricas para exprimir uma cerra ideia essencial (2). Consiste numa frase muito repetida, adaptada ao metro e adaptável ás ideias próprias do assunto, de que o aedo se serve na composição oral, do mesmo modo que os outros poetas se servem de palavras. Em expressões tais, como nota P. Chan-traine. é que se encontram os vestígios arcaicos de uma epopeia dos Aqueus, que foi continuada e evoluiu através dos séculos (3).

Que nos poemas homéricos ocorram inúmeras repetições ninguém pode pôr em dúvida; e o leitor atento há-de observar até que os

(1) T. B. L. Webster, op. cit.. p. 69. (2) L'Epithète tratlitiotielle dans Homère, Paris, 1928, p. 16. (3) Op. cit.. p. 507.

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epítetos nào só se repelem, mas que aparecem dez, vinte, cinquenta vezes ou mais agrupados a outras palavras, sempre da mesma maneira. Zeus, pai dos homens e dos deuses, Apolo que acerta ao longe, Atena de olhos brilhantes. Aurora de róseos dedos, paciente Ulisses, Aquiles de pés ligeiros, Aqueus de belas grevas, naves côncavas, palavras aladas e outras expressões semelhantes são conhecidas mesmo de quem não é muito versado em Homero, as quais contribuem, por certo, para darem à frase um certo alor de majestade. Mas além deste género de expres­sões, existem muitas outras, uma infinidade delas, das quais uma grande pane geralmente passa despercebida a quem não tiver os olhos acostu­mados ã epopeia homérica.

De um modo geral, pode dizer-se que. afora o seu alto valor poé­tico, o arsenal de fórmulas existente em Homero se caracteriza pela sua complexidade e por uma grande sobriedade e precisão. Estão, em parte, relacionadas umas com outras e providas muitas delas de uma certa flexibilidade; de sorte que não se devem considerar frases de todo estereotipadas c sinónimas, distinguem-se de outras frases por uma simples palavra de valor métrico equivalente, mas com outro signifi­cado (I). A isto acresce a ausência de fórmulas inúteis ou de frases que se possam substituir mutuamente. No vasto armazém de frases homéricas existe, para exprimir uma determinada ideia, num determinado lugar do verso, uma única fórmula. A respeito desta simplicidade, escreve M. Parry: Numa lista de 37 personagens com fórmulas do tipo TtoÁúrXaç dïoç ^Oòvoaevç... há apenas três nomes com tuna segunda fórmula que poderia substituir a primeira. Se tomais, continua o mesmo autor, os cinco casos do singular de todos os epítetos referentes a Aquiles, vereis que é de 45 o número de fórmulas diferentes, das quais nenhuma tem, no mesmo caso. o mesmo valor métrico (2).

Ora um sistema de fórmulas de tão grande extensão, como o exis­tente cm Homero, as quais, ao mesmo tempo, se conjugam tão har­monicamente entre si, supõe, como é natural, uma longa evolução, talvez durante séculos. O estilo da Ilíadae da Odisseia não foi, portanto, criado pelo autor dos poemas; é a criação de uma poesia oral, intima­mente ligada à versificação, como as fórmulas revelam, numa fase avan­çada do seu desenvolvimento; obedeceu a uma longa e vetusta tradição

<l) I). Page, op. cit., p. 223 c seg. (2) Ver D. Page, op. cit., pp. 224 e 266, n. 15 c 16.

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formulista, de que vamos tentar inquirir a origem e seguir o curso, para, depois, examinarmos o hexâmetro.

Estamos no segundo milénio antes da era cristã. Nesta época, a poesia do Oriente era composta para um género de sociedade, em que o carácter divino ou quase divino dos reis desempenhava um papel decisivo não só na escolha dos assuntos, mas também no estilo. Esta concepção da divindade do rei, como acima notámos, e de que os deu­ses podiam tomar parte nas empresas reais repercute-se vastamente nas obras poéticas. Assim, num poema sumério, Gilgamech, rei de Uruk, combate com o monstro Huwawa, que, segundo Barnett, repre­senta, talvez, um seu inimigo político (1); e, num poema de Ugarit. o rei Keret, à ordem do deus El, seu pai, que lhe aparecera em sonhos, marcha sobre Tiro e Sídon e põe cerco a Udum. Esta relação entre deuses e homens é frequente em Homero, a qual, todavia, considera coisa do passado, pois que os homens da sua época, sendo menos homens do que os heróis, estavam também mais afastados dos deuses; contudo ela foi modernizada, podendo desobrir-se cenas paralelas entre deuses e homens, nos poemas homéricos e nos orientais, como entre Tétis e Aquiles c entre Ninsum e Gilgamech, entre Atena e Ulisses e entre El e Keret, entre Afrodite e Diomedes e entre Anat e Aqhat, etc., etc..

Particularmente, em reuniões e em visitas, deuses e homens por-tam-se de uma maneira que reflecte, certamente, os costumes da corte do tempo. Terão influenciado também as formalidades cortesãs a linguagem da poesia? Como diz T. B. L. Webster (2). elas foram, sem dúvida, uma das fontes dos vários tipos de repetições que ocorrem nos poemas orientais; não obstante, ainda que o cerimonial da corte pres­crevesse uma determinada forma de acção, nem por isso urgia que esta fosse descrita sempre com as mesmas palavras. Às vezes, porém, podia ser necessário, pelo menos quanto à estrutura geral da frase e a certos pormenores, como títulos de deuses e de reis, de que existem exemplos, não só em decumentos oficiais e religiosos, mas também na poesia: Gilgamech, senhor de Kullob {num poema sumério), Kumarbi, pai dos deuses, e Sol, deus dos céus (na Canção de Ullikummi), Baal,

(1) Como nota o mesmo au'or, um deus hitita fez invisível na batalha a uni rei hitita, do que na ilíada também há exemplos (III, 380, etc.) (T. B. L. Webster, op. cit.. p. 69).

(2) Op. cit.. p. 70.

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cavaleiro das nuvens, virgem Anat, herói de Hyrny, etc. (em poemas de Ugarit) — expressões que se assemelham, exactamente, a Zeus, pai dos homens e dos deuses, M enchia, caro a Ares, cavaleiro Eneu e a outras formulas semelhantes.

Outro género de fórmulas e repetições são aquelas que derivaram do estilo da resposta a uma mensagem, na qual se repetiam as mesmas palavras da mensagem recebida. Este formulismo passou também à poesia, como podemos verificar no poema Keret (1), onde o deus El adverte Keret por um sonho: Num vaso de prata lança vinho, mel num vaso de oiro. Sobe ao alto da torre; põe-te em cima da parede.. Quando ele despertou, num vaso de prata lançou vinho, mel num vaso de oiro. Subiu ao alto da torre, pós-se em cima da parede... Na Odisseia ocorre também um passo semelhante. Quando Ulisses, no Hades, pergunta a sua mãe: Que espécie de prostradora morte te subjugou? Foi uma doença longa ou matou-te a frecheiro Artemis, tendo-se aproximado de ti com os seus suaves dardos? ela respondeu-lhe: Não me matou, no palácio, a hábil frecheiro, tendo-se aproximado de mim com os seus sua­ves dardos nem me sobreveio doença alguma... (2).

Antes de passarmos adiante, talvez valha a pena citar também um trecho da Canção de Ullikummi, onde as repetições são frequentes. Reza assim: Kumarbi começou a falar a Impaluri: — «Ó Impaluri, às palavras que eu falo, às minhas palavras conserva inclinado o ouvido. Na mão toma um bastão, nos pés por sapatos calça as asas dos ventos e vai ter com Irchirra; e estas potentes palavras fala diante de ir eh irra: Vem! Ele, Kumarbi, o pai do deus, chama-te a casa do deus. Mas o motivo, pelo qual te chama, desconheço-o. Vem já sem demora!» Quando In)paturi ouviu as palavras, na mão tomou o bastão e nos pés calçou os tapatos. E Impaluri pôs-se a caminho e chegou junto de Irchirra. Impa­luri começou a repetir as palavras a Irchirra: — «Vem! Ele, Kumarbi, o pai do deus, chama-te. Mas o motivo, pelo qual te chama, desconheço-o. Vem já, apressa-te!» (3).

Este texto repete-se ainda mais no poema, no mesmo estilo, como sucede também em Homero; mas as frases mais frequentemente repe­tidas são as usadas para falas: começou a falar ou começou de novo a falar, a que se pode ajuntar a fórmula hitita para introduzir um soli-

(1) R. Dnver, Hezet, I, II, 18-22. (2) XI, 171, segs. (3) Da tradução inglesa de Gúterbock, Journal of Cuneiform Studies, p. 21.

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lóquio: a seu próprio espírito começou a falar, usada no acádico, no assí­rio e também na Odisseia, bem como estoutra que se encontra em poemas de Ugarit e de que em grego há igualmente analogias: apenas a palavra tinha deixado a sua boca ou os seus lábios...

Por último, temos a mencionar a fórmula consagrada no poema do Gilgamech para introduzir a narração des sucessos de um novo dia

Com os primeiros alvores da aurora... (1) que corresponde em Homero a Quando apareceu a madrugadora aurora de róseos dedos.... Tanto uma como outra têm aparência de refrãos, que possivelmente eram usa­dos noutras poesias, em hinos, talvez, ou canções religiosas, os quais teriam dado origem àquelas fórmulas. Esta, pelo menos, é a expli­cação de T. B. JL. Webster (2). Mas, seja ela qual for, bem como a de todas as outras, aqui interessa-nos apenas o facto da sua existência e nada mais (3).

Nesta altura, devemos investigar se em Micenas se repercutiram as fórmulas, pois só daqui é que Homero as poderia tomar, visto em Micenas ter-se originado a epopeia, como o comprova a comparação dos documentos micénicos com o dialecto épico (4). De antemão, creio que podemos supor que assim sucedeu, de facto. Atendendo à expansão aqueia para o Oriente e, de outra parte, à transmissão da cultura e das lendas e tradições poéticas orientais para o Ocidente, como acima vimos, parece não haver dúvida de que elas atingiram, finalmente, a Grécia continental, sem exclusão das fórmulas integradas nos poemas. Vejamos se é possível confirmar a existência destas em Micenas.

Os textos de Pilos não são, certamente, literários; todavia transmi-tem-nos já um certo formulismo que se pode comparar ao da poesia. Numa série de seis tabuinhas com ordens para defesas costeiras, regis-tam-se, primeiro, os títulos oíiciais dos nobres de Pilos; depois, uma formula militar; e, por último, a distribuição do pessoal consoante os

(1) Ancient Near Eastern Texts, pp. 88, etc. (2) Op. cit., p. 76. (3) Segundo o mencionado autor, das formalidades da corte passaram as fór­

mulas às mensagens e à correspondência dos reis; e estenderam-sc, depois, à poesia, para introdução de falas, do mesmo modo que os títulos de deuses e de reis se esten­deram aos epítetos (op. cit., passim). Trata-se apenas de uma conjectura,em favor da qual não apresenta nenhuma prova decisiva.

(4) Vide P. Chantraine, op. cit., p. 513.

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seus destinos. Cada uma das secções termina com as palavras: e com eles o e-qe-ta X fórmula que se repercute em Homero, no título dado a Nestor (1). Quanto ao seu significado, a interpretação que identifica esta palavra com t-Tierrjc de Píndaro (P., 5,4) não oferece dúvida; equi­vale, portanto, a hoiooç ou ao lat. comes, isto é, companheiro (do rei) ou membro do séquito (real), numa palavra, a conde — oficial do cstado--maior ligado a uma unidade chamada okha ou oficial interme­diário entre a corte e os comandos extra-urbanos exercidos pelos barões locais (2). Homero, por sua parte, usa a palavra hippota como título dado a Peleu. Nestor. Tideu e a Eneu com significado de cavaleiro, nos tempos em que a cavalaria, na Jónia, começava a adquirir impor­tância; na época micénica. porém, devia significar apenas possuidor de cavalos e tomaria, provavelmente, a forma de i-qo-ta (3), que não é mais, segundo Schwyzcr, do que uma forma abreviada de i-qo-po-ta (4). Portanto, é admissível que e-qe-ta represente hippota e que sob esta forma fosse transmitido à posteridade, de sorte que Nestor, o Cavaleiro Geré-nio sugere a identidade com Nestor, o Conde Gerènio.

Relativamente aos títulos de deuses, os textos micénicos são de uma sobriedade irritante. Se bem que já foram identificados os nomes de vários deuses do panteão helénico, como Zeus, Hera, Poséidon, Hermes e Ártemis. todavia, quanto aos seus títulos, apenas se pôde des­cobrir potnia, em KN 208, usado como epíteto de Atena, exactamente como no homérico noivt* 'AOrpnUf}, Enualios também se conseguiu 1er na mesma tabuinha, numa lista de deuses, mas o nome de Ares. a quem este epíteto costuma ser atribuído, não é nomeado expressamente (5).

Sem embargo, partindo de Homero, nós podemos talvez verificar que certos títulos já se davam a deuses, na idade micénica. A este propósito, foi publicado, dois anos antes da decifração do Linear B, a obra de M. Leumann intitulada Homcrische Wòrter, onde o autor explica um certo número de palavras, por não compreenderem poetas tardios a obra de poetas anteriores. Entre os exemplos que adu/ encontra-se ykarxoç (azul-claro. brilhante), que ele considera a última fase de desenvolvimento de uma velha expressão cultural, yhivH(~mtz

(1) Ventris-Chadwik, op. cit., pp. 188 e segs. (2) A. Scveryns, op. cit., p. 154; cfr. Ventris-Chadwick, op. cit.. p. 121. (3) T. B. L WcbsteT, op. cit., p. 98. (4) Cltiechische Crammatik. 1, p. 499, n. 6. (5) Ventris-Chadwick, op. cit., p. 126.

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,\<h)nt (Atena de olhos de coruja). Ora, hoje que sabemos que em Micenas havia deusas de face rostriforme, não deixa de ter fundamento a conclusão de que essa fórmula era micénica e de que foi transmitida à posteridade com significado de Atena de olhos brilhantes (1).

Mas é particularmente dos epítetos dados na Ilíada aos escudos que se pode deduzir a existência de fórmulas em Micenas. Referindo-se a certos destes epítetos, empregados para descreverem os escudos dos Jónios. já C. Robert lhes dava o nome de erstarrte Ausdrùcke (expressif fossilizadas), por ofto terem sentido ou não serem já compreendidas. Tais são: àfuptfiçóxf) (II, 389; XI, 32: XII, 402; XX, 281), noôrpyexjç (XV, 646), fiéya TEarifiaçovre (III. 335). eòçè navaíoXov(XIII, 552). TzooôéXvf&ov (XIII, 130), xexQadéXvfivùv (XV, 479), énrapónov (VII, 266). que, como Reichel provou, convêm só e exclusivamente ao escudo, a que chamou Thurm. ou Kuppelschild, mas não, de maneira nenhuma. ao escudo redondo dos Jónios (2). Ora, como o primeiro é considerado micénico. é natural que os seus epítetos tenham igual origem.

À mesma conclusão chegou D. Page. ao estudar o escudo de Ájax. liste é grande, como uma torre, sem superfície metálica e munido de uma correia que passa por cima do ombro esquerdo; é um body-shield, que o guerreiro coloca, como uma defesa, diante do próprio corpo. Seme­lhante escudo data dos tempos minóico-micénicos, como o atestam representações cm lâminas de punhais e em sinetes, provenientes dos túmulos de fossa de Micenas, e doutras obras de arte; mas depois de 1500. antes do final do Hcládico Recente III (séc. xiv), segundo L. Lori-mer, caiu em desuso (3). Visto. pois. a descrição da Ilíada conservar a memória de um objecto que era comum cm Micenas, mas que não existiu depois; e, de outra parte, como a fórmula <péotov oáxoç fjéte near/op (VII, 219; XI, 485; XVII, 128) que o descreve, c outras seme­lhantes sempre fizeram parte do hexâmetro e indicam por sua forma que na era micénica já se trabalhava na epopeia, por isso podemos con­cluir que a mencionada fórmula é uma herança de Micenas (4).

(1) Ops, a forma masculina de opis, ocorre em nomes micénicos, como Aithiops; e Glaucos, que M. Leumann considera uma forma reduzida de Glaukopis. já apareceu nos textos de Pilos (T. B. L. Webster, op. cit.. p. 94).

(2) C. Robert, Stiulien zur /lias, Berlin, 1901, pp. 2 e segs. (3) Op. cit., p. 134; cf. p. 152. (4) D. Page, op. cit.. pp. 233, 234.

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Atendendo ao que fica exposto, é, portanto, admissível que em Mice-nas continuassem em uso as fórmulas. Mas como poderiam elas chegar até Homero? Por volta de 1200 está em curso a invasão dórica; Pilos, Micenas e outros centros aqueus são destruídos por esta ocasião; e sobre a Grécia baixa a noite, sobrevêm os séculos obscuros, que se estendem desde 1200 até 800 a.C . Nestas condições, como se pode­riam salvar as fórmulas, juntamente com o cabedal poético elaborado durante a época micénica? O recurso à escritura é problemático, porquanto muitos sábios são de opinião de que, entre 1100 e 850, pouco mais ou menos, a escritura se eclipsara na Grécia (1).

Todavia, se bem considerarmos o caso, os séculos chamados obs­curos não são séculos estéreis; devem ser antes considerados de uma acti­vidade fecunda, pois foi, durante eles, que a cerâmica evoluiu do estilo micénico para o sub-micénico, no séc xii, do sub-micénico para o proto--geométrico, no séc. XI, e do proto-geométrico para o geométrico, nos alvores do séc. IX (2). O próprio conteúdo da epopeia confirma esta asserção. Nós sabemos que antes de Homero corriam vários ciclos mitológicos e épicos, que, na sua maioria, tinham já forma fixa e perten­ciam a um repertório, do qual muitos episódios despertavam especial interesse do público; Argonautas, Guerra de Tebas, Guerra de Tróia, Héraclès, Nestor, Aquiles, Ulisses, etc. eram dos mais famosos entre outros menos célebres (3). Havia um vasto material poético, variável quanto à sua natureza, quanto ao meio e à época: lendas míticas e heróicas de mistura com contos populares e narrações históricas adap­tadas livremente. Ora, como todo este potencial épico existia antes das epopeias e foi dele que Homero se serviu, por isso, é nos séculos obscuros que devemos colocar o seu desenvolvimento, até adquirir uma forma definitiva, no séc. viu.

Os seus depositários, porém, foram os aedos, que, ao mesmo tempo, elaboravam o material que tinham ao seu alcance. Desta categoria eram Demódoco e Fcmio que nós já conhecemos da Odisseia. O pri-

(1) Contra este parecer ínsurge-se B. Wace, a quem repugna crer que um povo tâo inteligente, como os Gregos, tivesse esquecido uma prática, que já anles tinha utilizado (Documents in Mycenaean Creek, p. XXVIII, Foreword). Da mesma opinião é W. von Christ, que afirma: No estado actual do nosso saber, não há motivo algum... para se recusar aos poetas homéricos o conhecimento e o emprego da escri­tura (Geschichte der griechischen Littéralur, I, Miinchen, 1912, p. 73).

(2) T. B. L. Webster, op. cit., p. 140. (3) y ide A. Scvcryns, op. cit., p. 202.

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meiro canta, no palácio de Alcínoo, entre os Feácios, o ardil do cavalo de madeira que expugnou Tróia; o segundo cantava, constrangido, entre os pretendentes, a viagem lastimosa que Palas Atena decretara contra os Aqueus, ao regressarem de Tróia (1). Tanto um como o outro cantavam por inspiração de uma divindade, da Musa ou de Apolo, o que quer dizer que eles próprios compunham os cantos e os entoavam ao som da lira para entretenimento dos seus ouvintes, adaptando-os às diversi­dades das ocasiões.

Mas, voltando às fórmulas, não estaremos fora da verdade se afirmarmos que foram os aedos dos séculos obscuros que as transmi­tiram a Homero; porquanto não só a tradição os constrangia a empregá-las, mas sobretudo a grande utilidade que lhes ofereciam. Elas indicavam o caminho do canto {oïftfj) e guiavam o cantor na ordenação dos episódios; por isso, às tradicionais ajuntaram, natural­mente, outras novas, acomodadas ao gosto do auditório e aos episódios épicos que cantavam. Deste modo, persistiram através dos séculos obscures e chegaram, finalmente, até Homero, cessando apenas, quando não havia razão alguma para a sua existência e o público tomava inte­resse mais por motivos contemporâneos do que por histórias e lendas.

O HEXÂMETRO

Resta-nos examinar o hexâmetro e a sua relação com o formulismo. Que este metro seja uma herança da Idade do Bronze pode à primeira vista parecer improvável e estranho; não obstante, a sua intima conexão com as formas artificiais da língua homérica tem levado os investiga­dores a considerá-lo mais antigo do que a ilíada (2). É desta opinião, por exemplo, A. Meillet. "Na sua monografia, Les Origines européennes des mètres grecs (1923), ao observar os limites impostos ao vocabulário grego, por se adaptar mal à métrica do hexâmetro, ficando assim excluídas formas de muitas palavras, este autor chega à conclusão de que tal não teria sucedido, se esse metro fosse uma criação espontânea da língua grega; e emite a hipótese, com a qual concorda K. Meister, de que a sua origem deve buscar-se na civilização egeia, de que os Helenos tanto herdaram (3). A. Severyns e J. Labarbe, por sua vez, afirmam categòri-

(1) Odisseia, l, 325 e segs. : VIII, 488 e segs.: cf. XXII, 347 e segs. (2) H. L. Lorimer, op. cit., p. 454. (3) Cf. P. Chantraine, op. cil., p. 94.

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camente que o hexâmetro dactílico não foi concebido para a língua grega, a qual, segundo nota Aristóteles, tende, naturalmente, a acumular os jambos, ritmo ascendente, de três tempos, mas não o dáctilo, ritmo des­cendente, de quatro tempos. Tudo leva a crer, segundo os autores citados, que os Aqueus, depois de tomarem posse de Creta, se tornaram, culturalmente, devedores dos Cretenses em grande escala; e, visto terem, ao que parece, pedido aos escribas dos palácios minóicos que lhes inventassem um sistema silábico, não ex nihilo, mas acomodando, tanto quanto possível, ao idioma aqueu o empregado em Linear A da escritura cretense, porque não teriam eles também obtido dos aedos indígenas cantos épicos em dialecto aqueu, compostos em hexâmetros? E concluem: É tentador imaginar que os aedos cretenses, na corte dos novos senhores aqueus, traduziram poemas dos seus repertórios, ten­tando conservar-lhes o seu ritmo ordinário; e que, sendo difícil a tarefa, empregaram todos os meios para a simplificar, repetindo, todas as vezes que podiam, os passos já vertidos em grego (I). Actualmente, porém, não estamos em condições de verificar a veracidade destas conjecturas; enquanto os textos minóicos em Linear A não forem decifrados e os estudos sobre o dialecto micénico não tiverem progredido mais, nada se pode adiantar sobre este assunto; temos de nos limitar aos textos homéricos.

Sendo, portanto, verdade que o hexâmetro é uma importação, como parece, não admira que não se coadune com a língua grega e que os aedos para resolverem o conflito resultante da sua inadaptação tivessem de recorrer aos dois processos seguintes. O primeiro consistiu tm abre­viações e alongamentos métricos, que afectaram Ioda a morfologia, e na criação de novas formas e no desenvolvimento de outras, o que deu à língua de Homero a aparência característica que todos conhecem.

O segundo processo, o único que nos interessa presentemente, diz respeito ao sistema de fórmulas que vamos procurar expor. Dispondo os aedos de um certo número de agrupamentos de palavras associadas conforme as exigências do hexâmetro, podiam recorrer a elas, sempre que as circunstâncias o permitissem; para isso bastava apenas tomar em consideração as cesuras. Entre os diversos tipos que o hexâmetro admite, as mais frequentes são as que dividem o verso em duas partes,

(1) Op. cit., p. 70.

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pouco mais ou menos iguais: ;i cesura trocaica e a pentcmímerc que permitem a constituição do hexâmetro pela associação de dois hemis-tíquios compostos de antemão. Este ponto era essencial, pois faci­litava consideravelmente o trabalho do aedo, que. atendendo unica­mente à cesura, escusava de se preocupar com o resto da métrica.

Tal é a teoria: vejamos como ela se poderia realizar praticamente. Entre os muitos exemplos utilizáveis doa poemas homéricos, ocorrem com notável frequência os versos que exprimem a ideia de responder, em que entram sujeito, verbo e complemento. O sujeito, que constitui o segundo hemistíquio, pode ser Ulisses. Aquiles ou Agamemnon. Zeus. Atena ou Penélope ou outra qualquer personagem. O primeiro hemistíquio é formado pelo verbo e seu complemento, de que se distin­guem três tipos principais, a saber:

TòV{TJJV) Ô'ânafAei^éfÂBPoç.... 7'Òl\T ijV) tVwÕTE 7lQOaÉEl7t£....

TnviTifi) ÒWjpeífieT* rnrmi...

Ora, supondo que é Ulisses quem fala, à primeira fórmula corres­ponderá o hemistíquio 7100a è tf i] TIOXV/IHTI y Oovaaev;. o que sucederá sempre, enquanto a cesura não variar. Quer ele esteja a dormir ou comece a falar ou pratique qualquer outra acção, o seu epíteto será sempre o mesmo, será sempre o engenhoso Ulisses. Naturalmente este sujeito podia ser suhstituido por Zeus (vstpeXrfyecera Zeúç), por Agamémnon {xçeicav 'Ayant'fivíov) < U por outro de ritmo idêntico; mas, neste caso. o primeiro hemistíquio ficava imutável.

Consideremos agora a segunda fórmula dos exemplos apresenta­dos: c um hemistíquio, a que acresce uma sílaba breve à longa do hemis­tíquio precedente. Ulisses, portanto, já não tem o epíteto de engenhoso, mas é o paciente divino Ulisses (jtoX&tXaç ôïoç*Odvo<reôç), assim como Atena é sempre a deusa de olhos brilhantes (Oeà yXavK&mç) e Penélope sempre íí prudente Penélope (jtegltpQwv Ih/it ÂnrrFta) — epítetos que nunca ocorrem depois da cesura pentemimere. Podem, porem, ocorrer, depois do terceiro hemistíquio acima mencionado; por isso. Atena con­serva também aqui o seu epíteto, do mesmo modo que Aquiles, tanto na cesura trocaica como na pentemimere, continua a ser Aquiles de pés ligeiros (TzodáoxijK ou nódaç tbxòç tA%iXX&èç) e Heitor o que agita o penacho do elmo {xoovQaíoXoç).

Além deste tipo de fórmulas, de que existem inumeráveis exemplos, os aedos dispunham de muitas outras: tinham na memcSria milhares

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delas, capazes de exprimirem cada uma das partes do discurso. Todos os modos de detei mi nação eram representados, tais como, ligações de nomes, ligações de complementos circunstanciais com preposição, gru­pos de verbo, advérbio e adjectivo, ou de conjunção, pronome e verbo, etc. De entre as palavras que entravam nestes agrupamentos, algumas dccli-navam-se ou conjugavam-se sem alteração do ritmo. Quanto a outras, cuja flexão influía na métrica, o aedo não se preocupava, pois sabia (ou podia saber) que havia nomes e expressões empregados sempre no mesmo caso; que, por exemplo, o ilustre Coxo (motxÀvTÒ;\[u<{ tyvrj-eiç), que ocorre sempre em nominativo, fazia no genitivo do ilustre He/esto {XF.OIXXVXOV ''Hç-aíaroio); que ao acusativo Laomedonte <> irrepreensível (à/tr/tovn Aaofxeoovra) correspondia o genitivo do magní­fico Laomedonte {àyavov AaofiéóoVToç) e o dativo ao soberbo Laome­donte (àyipopi Aaoftéòovrt) e outros exemplos semelhantes. De sorte que com este arsenal de fórmulas o trabalho do aedo ficava considera­velmente simplificado.

Mas a aplicação integral deste sistema, se por uma parte facilitava a construção do hexâmetro, por outra atrofiava a liberdade criadora e originava a monotonia. Como obviar a este inconveniente? É indu­bitável que a Ilíada e a Odisseia apresentam uma certa quantidade de versos construídos pela combinação de dois hemistiquios adaptados um ao outro. E o número poderia até aumentar, se, reunindo um número elevado de fórmulas, umas de ritmo idêntico, outras de ritmo complementar, as combinássemos, depois, entre si; o resultado seriam novos hexâmetros, dos quais alguns, pelo menos, dariam um sentido razoável. Mas, por fim, havíamos de convencer-nos de que estes versos possíveis, existentes nos poemas homéricos, são em quantidade ínfima e de que o trabalho do poeta não se reduzia a um formulismo puramente mecânico. Como dispunha de um número avultado de fórmulas, de medida vária, podia tomar as mais expressivas, do mesmo modo que um escritor moderno escolhe no vocabulário as palavras que mais lhe convêm, ou substituir, segundo as necessidades, umas por outras, uma vez conhecidas as relações métricas que uniam os diferentes tipos. Para isso bastava acrescentar ou suprimir uma sílaba, no fim do primeiro hemistíquio, ou suprimi-la ou acrescentá-la. no princípio do segundo. Podia também substituir palavras ou partes do verso que não lhe ocorriam ou valer-se de outro hemistíquio apropriado ao sentido da frase, con­forme as exigências das circunstâncias; podia, enfim, recorrer a alon-

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gamentos e abreviações ou a outras licenças poéticas. De sorte que com estes e outros meios, que a arte lhe inspirava, estava na mão do poeta evitar a monotonia, animar o estilo, dar movimento à frase e imprimir-lhe o cunho de originalidade (1)

CONCLUSÃO

Que a Ilíada e a Odisseia foram compostas para a dicção oral creio que não oferece dúvida; é o próprio estilo dos poemas que o indica (2) e a conclusão que nos inculca o emprego de fórmulas. Quer Homero conhecesse o Linear B ou nào. a dicção por meio de fórmulas tornava esta escritura supérflua, a qual só muito imperfeitamente se adaptaria ao grego da epopeia. Como os aedos seus antecessores, que desde •>eculos transmitiam uns aos outros a arte de improvisar em hexâmetro os feitos dos heróis, também ele improvisava perante os seus ouvintes, servindo-se da técnica tradicional das fórmulas. Naturalmente, quando havia oportunidade, repetia um número maior ou menor de episódios, substituindo as primeiras fórmulas por outras equivalentes, com vistas a evitar o que tivesse a aparência de maquinal e denunciasse esforço no estilo. Era nisto, sobretudo, não só para Homero, mas para outro qualquer aedo. que consistia o aperfeiçoamento da obra literária: à custa de repetidas execuções, corrigir o que a primeira improvisação tinha de defeituoso, até satisfazer plenamente o seu gosto (3).

O ponto a que chegamos é interceptado por uma gigantesca inter­rogação. Como seria possível a Homero, sem o auxilio da escrita, compor poemas tão extensos, como a ilíada e a Odisseia? A resposta ultrapassa os limites deste trabalho: não obstante, seja-me permitido dizer, brevemente, à guisa de epílogo, o que sobre o assunto se me antolha.

Supondo que Homero desconhecesse a escritura, o que não é crível, nem por isso a elaboração dos dois poemas seria de todo impossível.

(1) Cf. A. Scveryns-J. Labarbe, op. cit.. p. 56 e segs. (2) G. Finsler, op. cit., I, p. 67. (3) Cfr. A. Scvcryns-J. Labarbe, op. cit., p. 71.

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Nós sabemos, por exemplo, que os homens relativamente cultos das antigas nações de língua indo-europeia evitavam manifestamente o uso da escritura, sobretudo em matéria religiosa. Assim, quanto à poesia lírica, que desempenhou um importante papel no culto. Gregos e Arianos da índia herdaram da época indo-europeia uma tradição lite­rária que não comportava nenhum emprego da escritura; além disso, os druidas da Gália evitavam-na da mesma maneira, apesar do seu contacto com os Gregos e Italiotas que a empregavam ( 1). Por outra parte, as investigações empreendidas modernamente, nos meios que têm conservado uma literatura oral. como os guzlars jugoslavos. põem em relevo a memória prodigiosa dos poetas-recitantes, o que torna possí­vel que Homero, sem algum auxílio exterior e sem se servir da escrita, tivesse levado a cabo, em cerca de meio século, a elaboração completa das duas epopeias. Mas há outra solução que parece mais razoável.

Quando se estuda a história do que mais tarde foram, entre os Gre­gos, os inícios do lirismo e da investigação filosófica, um pormenor, que não deixa de ter importância, é a função que desempenharam certos grupos de pessoas — espécies de cenáculos, onde em contacto com um mestre eminente se formavam alguns discípulos. Ora nós temos notícia de uma companhia de recitantes, de uma família de poetas da escola de Quios, chamados Homêrulas (2), que pretendiam descender de Homero. Não será, pois, temerário supor que esses Itoméridas con­tinuavam uma antiga escola realmente fundada por Homero, cujos dis­cípulos seriam os seus colaboradores. Em vista disto, pode formular-se a hipótese de que os poemas homéricos tiveram origem num cenáculo da natureza supradita hipótese que oferece perspectivas de concilia­ção de parte das tendências da homerologia. As dimensões dos dois poemas, o aliquando dormitai Homerus de Horácio, as discordâncias, que dificultam a sua atribuição a um autor único — estes e outros pro­blemas seriam resolvidos todos conjuntamente. De resto, a criação colectiva não é nenhuma utopia: temos o exemplo de grandes escolas de pintura da história, onde a aprendizagem implicava, às vezes, cola­boração nas obras do mestre (3).

(1) A. Meillet, Aperçu d'une histoire île lu langue grecque, Paris, 1913, p. 159. (2) Ver Alfred Gercke, Griecinsche Literaturgeschichte (Sammlung Gõschen),

Berlin-Leipzig, 1913, I, p. 17. (3) A. Severyns-J. Labarbe, op. cit.. pp. 71 e segs.

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Mas não avancemos mais; deixemos o problema para quem se sinta com fôlego para o abarcar. Quanto a mim. quero apenas concluir de tudo quanto fica exposto: quer o autor da Ilíada e da Odisseia fosse um só poeta ou fossem mais sob a direcção de um mestre, isso presen­temente não importa; o que, porém, parece inegável e o que julgo ter feito ver é que os poemas foram compostos no estilo tradicional das fórmulas, as quais, de sua natureza, não supõem uma redacção por escrito.

P.r DIAS PALMI IRA