O Feitiço de Amor
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O Feitiço de Amor
aquele pequeno vilarejo o significado da palavra paz havia sido
esquecido. No âmago de cada ser que ali residia, existia certo temor
residente, algo que somente as trevas podem proporcionar. A razão;
do outro lado daquela vila, um cemitério ardia em solidão e ódio. Seu imenso
portão era protegido por gárgulas, guardiões eternos que desejavam a vida,
mas que estavam eternamente presos aos mistérios da morte. Exatamente em
seu interior, adentrado em sua obscura e tenra vegetação, havia um enorme
mausoléu o qual todos temiam.
N
Ninguém nunca tivera coragem de tentar enxergar o que havia por trás
do musgo de suas portas. Naquele ponto, o clima parecia mais frio e a lua
morta. Aquele túmulo era cercado por trevas e brumas, que deixavam opacas
as rosas eternamente vermelhas - como sangue – que rodeavam aquele
recinto fúnebre. Até mesmo aquelas rosas eram assombradas, com o orvalho
que escorria as suas pétalas rubras de cetim, tais como lágrimas. O silêncio
nunca foi tão apavorante como era naquele local.
Os moradores contavam lendas sobre aquele que ali padecia. Certo
homem, cuja idade ninguém conhecia. Silencioso como uma noite no pântano,
misterioso como nenhuma noite sem lua há de ser. Aquele homem, que morou
na vila por apenas um ano depois de sua chegada e logo faleceu
misteriosamente.
Rezam as lendas que ele saia pela madrugada, procurando os elementos
para a sua magia negra. Até mesmo os céus temiam aquele que todos
desconheciam. Sempre que aquele bucólico ser saia pela noite, uma terrível
tempestade assolava aquela pequena vila. Montado em seu corcel negro, todos
os perigos da floresta - os quais ninguém tinha coragem para enfrentar -
pareciam pequenas peças, mal acabadas, pregadas por crianças.
Era inverno e todo o vilarejo tinha um tom acinzentado, não havia flores
nem plantas. Tudo tinha a aparência meio morta, principalmente naquela velha
casa, a ultima da vila, que ficava nas redondezas do lugar amaldiçoado.
Aquele lugar também parecia ser amaldiçoado, ainda com as folhas do
outono jogadas pela porta. A neve cobria-as pela metade, tornando a
aparência ainda mais morta e o silêncio mais melancólico que tornava o local
apavorante. Um ano após a morte dele, o maldito, ela aparecera procurando o
homem o qual todos temiam.
O vilarejo ainda se recuperava daquele que fora o acontecimento mais
nefasto ocorrido por aqueles lados. As pessoas ainda olhavam desconfiadas
para qualquer estranho que ali viesse e negavam abrigo a qualquer viajante
que parecesse suspeito. A atmosfera do lugar era melancólica e o ar denso. Foi
durante uma manhã gelada daquele inverno que ela apareceu linda e
misteriosa, exatamente onde ele havia aparecido.
Tinha longos cabelos cor de mel, que lhe batiam na cintura. Sua tez era
alvíssima e não refletia o tom rosáceo que as jovens da sua idade
apresentavam. Ao contrário; era de uma palidez cadavérica. Alta e esguia, ela
se movia como se flutuasse. E seus olhos eram intensos e escuros. Olhar para
eles era como se olhasse para o oceano. Não se via nada além, apenas uma
imensa profundeza.
Naquela manhã de domingo, véspera do natal cristão, quando todo o
lugar se preparava para os festejos e as pessoas voltavam da missa, eis que
surge na estrada completamente sozinha e com uma única mala na mão a bela
e estranha moça. Ela se aproximou de mim e disse que procurava pela casa
que herdara da avó e que iria residir a partir daquele momento.
Era a casa da Sra. Finniman, uma senhora solitária e que raramente era
vista entre as pessoas. Ela havia morrido no dia em que o estranho homem
chegou à vila. Assim que ela o viu passando em frente ao seu portão, caiu
morta sobre a grama do seu jardim. Ninguém pode explicar o motivo de sua
morte. Atribuíram a razão à idade e atestaram-lhe "causas naturais".
Desconfiado, pois jamais alguém procurara por aquele lugar abandonado,
mas completamente encantado com a beleza da jovem, ofereci-me para levá-
la até o lugar. Ela permaneceu calada, tinha apenas um leve sorriso nos lábios
e uma suavidade no olhar que, confesso, me deixaram enfeitiçado. Quando
chegamos à casa, olhou bem dentro dos meus olhos e disse, displicente:
- Seus olhos são azuis!
Assombrado pelo súbito comentário, olhei para o chão e respondi que
sim, eram herança de minha mãe. Ela sorriu e disse:
- Gostaria de voltar a vê-los em breve. Obrigada por trazer-me. Até logo.
Fiquei ainda parado enquanto a via entrado pela porta de madeira antiga
e miraculosamente bem conservada. Toda a casa estava em perfeito estado,
apenas o pó e o mato mostravam que estava abandonada. Mas, algo não
parecia certo. Voltei do devaneio e segui para casa, completamente
apaixonado por aquela moça. Aquela linda moça ainda sem nome.
Mesmo sentindo que o pequeno vilarejo estava tomado por um ar místico
e sombrio, não pude resistir àquela moça, cuja beleza me adentrara o coração.
Como uma bela jovem com traços tão sensíveis resistiria àquela casa mal
assombrada cuja história era condenada pelo império dos tempos? A velha e
misteriosa Sra. Finnigan, que falecera estranhamente com a chegada do
obscuro e sombrio viajante do corcel negro, o cavaleiro da magia, o viajante
da morte.
Eu não queria admitir, mas aquela linda jovem dava-me calafrios. Uma
estranha magia parecia rodear a sua alma. Mas, como tamanha beleza poderia
representar algum perigo? Submerso na lembrança do oceano de seus olhos,
eu não queria pensar nisto. A velha e assombrada casa, quais surpresas ainda
traria a mim e ao povo no pequeno vilarejo de Grayville?
Por alguns dias observei, de longe, aquela cuja beleza ainda me fascina,
vi como ela cuidadosamente limpou a casa, soterrada pela neve do inverno e a
poeira acumulada durante anos de abandono. Seu lindo corpo envolto em um
delicado xale que a protegia do vento gelado que fazia seus longos cabelos
flutuarem como se dançassem. Cuidadosamente preparou a terra, plantou
sementes e podou os galhos que avançavam pela casa.
Lá estava ela, a jovem que conquistou meu coração, e que continuava a
amedrontar o pequeno Grayville. Eu nem ao menos sabia seu nome. A
misteriosa magia que a rodeava parecia afastar a todos, em parte também a
mim. Já havia se passado mais de um mês desde a sua chegada, e coisas
estranhas começaram a acontecer. Certa vez, ao cair da noite ouvi uma voz
doce e suave, que trazia um som que mais parecia nênias seculares, que
cantavam um canto triste de morte. Todos do vilarejo sentiram um calafrio ao
ouvirem aquela melancólica voz, que parecia trazida pelo vento, entoando um
canto triste. As velhas anciãs da cidade diziam que havia magia no ar. Todos se
fecharam em suas casas, temendo algum perigo desconhecido.
O canto não durou mais do que um terço de hora, mas para aqueles que
se aterrorizaram com o seu mistério, pareceu uma eternidade. Todos tentavam
achar alguma explicação para aquela misteriosa voz que cantava a Lamúria da
Morte, como fora intitulada mais tarde.
A jovem misteriosa, que morava na casa do viajante amaldiçoado, era
vigiada por olhos curiosos que queriam encontrar explicações para tamanho
mistério. Enquanto isso, o tempo passou e ela continuou sozinha e eu continuei
por ela encantado. A primavera chegou com suas auroras borrifadas de
perfume de flores. A casa da bela jovem não parecia a mesma. Antes de sua
chegada, de tão abandonada parecia um pequeno pedaço de cemitério, agora,
depois de alguns cuidados que só ela dera, era a casa mais florida e mais
verde de todo Grayville. Possuía rosas brancas e de outras cores, mas foi uma
linda rosa azul que me chamou a atenção. De um azul tão intenso que parecia
vivo, com bordas negras e um brilho descomunal. Havia também umas tantas
ervas e alguns arbustos sinuosos e sinistros. Ao longe todos sentiam o
perfume daquele que era o jardim mais perfumado de todo o vilarejo.
Ninguém tinha coragem de conversar com a jovem solitária, que
cultivava rosas e plantas. Entretanto, certa vez, Sarah, a pequena filha do
tabelião da cidade, padecia enferma. Parecia estar em seus últimos dias. O
médico do vilarejo não sabia do que se tratava, e nos hospitais da cidade mais
próxima, nenhuma cura fora encontrada. Todos já choravam por medo de
perder a pequena Sarah, quando me ocorreu uma idéia, corri até aquela casa
que as pessoas diziam ser amaldiçoada e gritei enquanto ela aparecia à janela:
- Milady, por favor, ajude-nos. A pequena Sarah, filha do tabelião, querida em
toda cidade, fenece por um mal desconhecido. Tente ajudar-nos com suas
ervas, por favor!
Ela entrou e logo depois saiu com uma pequena sacola que
provavelmente teria as ervas. Corremos em silêncio até a casa do tabelião,
onde encontravam-se várias pessoas curiosas pelo estado de Sarah. As
pessoas ao verem a minha companhia dissiparam-se fazendo o nome do Pai e
dizendo qualquer murmúrio. O tabelião, muito atordoado pelo estado da filha,
ficou imóvel. Ela entrou, olhou a criança, sentiu seu coração, pegou em seu
pulso, ajoelhou-se. Pareceu fazer uma oração, pegou uma erva seca na sacola,
triturou na palma da mão e jogou na boca da pequena Sarah. Olhou para a
mãe da criança que chorava e disse-lhe:
- Deixe que repouse por mais essa noite e amanhã estará bem.
Saiu com seu vestido longo flutuando, parecia ser levada pelo vento.
Todos ficaram imóveis, inclusive eu que nem agradeci o que ela havia feito.
Olhei para a pequena e ela já parecia estar corando a face, percebi logo que
tudo ficaria bem.
No dia seguinte a criança estava boa e murmúrios sobre o ocorrido
tomaram conta de toda a cidade. Senti que deveria agradecê-la visto que fui
eu a chamá-la. Fui à casa dela e chamei, mas ninguém me atendeu. Percebi
que a porta estava entreaberta e temi que algo tivesse acontecido. Reuni toda
a minha esvaecida coragem e entrei, temendo encontrar o pior ou ser julgado
por minha ação. Nada aconteceu. A casa estava vazia, o chão coberto de folhas
secas e tudo parecia morto.
Por alguma razão que desconheço tive uma ideia obscura, resolvi ir
àquele mausoléu no cemitério da cidade, aquele amaldiçoado do cavaleiro do
corcel negro. Chegando ao cemitério temi estar cometendo um grande erro
com aquela atitude, mas eu não poderia parar. Dei alguns passos tremendo de
um pavor que parecia uma chama que me consumia por dentro quando
percebi que a porta daquele mausoléu estava também entreaberta. Meu
coração poderia ser ouvido de longe, as batidas eram fortes e sem ritmo. Eu
deveria ter voltado e clamado por ajuda mas não, eu não poderia parar.
Andei a pequenos passos e fui chegando mais perto. Uma tristeza
profunda tomava conta daquele local e eu senti que toda a felicidade do mundo
havia esvaecido. Quando cheguei a uns cinco metros de distância percebi uma
mão pálida estendida no chão, temi na hora ser a mão daquela mulher tão
misteriosa.
Tomado então por uma força estranha abri a porta e caí de joelhos.
Havia uma grande cruz celta, com duas velas e cada braço, acesas. Tudo era
negro e vermelho, o chão estava cheio de velas e plantas e, ao centro, o
desenho de um pentagrama e uma mistura estranha de pós. No coração do
pentagrama estava estendida uma daquela rosas azuis que antes tinham me
chamado a atenção. Era aquela mulher, estava desmaiada. Peguei-a nos braços
e corri para a casa dela. Era dia o os seus cabelos brilhavam à luz do sol.
Lá chegando deitei-a em sua cama e dei-lhe um pouco de água. Aos
poucos ela foi acordando e gritando de medo. Estava assustada também.
Passados alguns minutos, já sóbria, ela resolveu me contar a sua história.
Era uma bruxa, a última da sua família, seu nome era Clara. A dois anos
atrás ela era feliz e morava com seu marido, Alexandre, em uma fazenda longe
dali. Um dia à noite ouviram um barulho vindo do celeiro, Alexandre resolveu
verificar o que era. Pegou sua espingarda e foi. Clara em casa, com medo,
ouviu o barulho de um tiro. Correu para o celeiro quando viu seu marido
falecido no chão. Chorou, chorou, chorou e à meia noite, tomada pela dor da
perda, fez um feitiço que mudaria tudo. O feitiço serviria para ressuscitar o seu
querido Alexandre mas, a morte sendo uma dama muito poderosa fez com que
o resultado saísse errado. Ele renasceu com uma sub-vida, sem palavras e sem
amor, tão tomado por aquela maldição que, qualquer pessoa fraca de coração
que o visse morreria imediatamente. Foi o caso da pobre Sra. Finniman.
Clara não sabia o que fazer, viu seu querido Alexandre com os olhos
queimados pela morte pegar um corcel negro e fugir. Ela estava fraca,
assustada e muito triste. Ficou ali chorando por três dias e três noites quando
resolveu procurá-lo. Procurou por toda parte mas jamais o encontrou. Um dia
uma criança de uma cidade próxima disse ter ouvido rumores de um cavaleiro
estranho em Grayville. Ela não pensou duas vezes, foi atrás do seu marido.
Chegando ao pequeno vilarejo, sentiu o cheiro da maldição naquela
pequena casa, inventou uma desculpa para poder ficar ali e achar alguma coisa
do marido. Ela ficou então morando lá enquanto cultivava os itens necessários
para o seu propósito, revivê-lo. E foi o que ela fez durante todo aquele tempo,
até aquela noite. Entretando o ritual não dera certo e ela desmaiara, quando
eu a encontrei.
Resolvi preparar um chá para melhorar o seu estado doentio. Fui para a
cozinha e deixei-a deitada em sua cama, pálida e quase desfalecida. Três
minutos depois ouvi a voz de uma criança rindo, sai e vi que era Sarah, a
garota que ela havia curado, brincando com um monte de borboletas cor de
mel. Lembrei-me então da cor de seus cabelos e corri para o quarto. A cama
estava vazia e eu jamais a vi novamente.
Apenas em sonhos. Fui enfeitiçado pela beleza e pelo amor daquela
jovem que havia sido levada pelas borboletas mas que jamais deixaria o meu
coração.